as relaÇÕes entre desenho e escrita no ensino de arte · 2016-08-15 · as relaÇÕes entre...

15

Upload: others

Post on 27-Jan-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza
Page 2: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE

Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza 2

Resumo

Este artigo apresenta reflexões sobre a Implementação Pedagógica aplicada no Colégio Estadual do Campo Adélia Rossi Arnaldi, localizado no Município de Paranavaí/PR. Essa implementação, denominada “As Relações entre desenho e escrita no ensino fundamental”, foi desenvolvida no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), realizado na Universidade Estadual de Maringá. O objetivo principal foi promover análises sobre o ensino da arte em relação à produção da escrita. Procurou-se refletir, junto aos alunos do sétimo e oitavo ano do ensino fundamental, sobre a concepção de desenho como uma forma de construir conhecimentos. As reflexões buscaram associar o desenho ao desenvolvimento cognitivo e sensibilidade, mas também à construção de outros campos de conhecimento, principalmente em relação à escrita. Para tanto, utilizamos as seguintes abordagens: O desenvolvimento da escrita e sua relação com a imagem (PILLAR, 1993 e 2012; DERDYK, 2010); A relação entre imagem e palavra nas artes visuais (EDWARDS, 2003, DERDYK 2010; OSTROWER, 1978; BACELAR, 2001); Palavra e imagem na arte do Grafite (GITHANY, 1999). As abordagens oportunizaram o contato com diferentes produções artísticas, o que propiciou uma ampliação de repertório, de leituras e de saberes. O estudo da composição, do contexto histórico e cultural da linguagem e da escrita, juntamente com o fazer artístico proporcionou a interação, a interdisciplinaridade e a experiência estética com diferentes materiais. Os alunos foram encorajados a se expressar artisticamente, assim, tiveram a oportunidade de explorar e manipular diferentes materiais, adquirindo novas formas de compreender a realidade, com um olhar sensível para o mundo que envolve a arte.

Palavras-chave: Arte; Desenho; Escrita; Grafite.

¹ Professora da Rede Pública de Educação do Estado do Paraná. Lotada no Colégio Estadual do Campo Adélia Rossi Arnaldi, em Paranavaí/PR. Licenciada em Educação Artística pela Universidade do Oeste Paulista. Especialista em Artes-Educação Artística Aplicada pela Faculdade de Educação S. Luiz. Especialista em Administração, Supervisão e Orientação Educacional pelo Instituto de Estudos Avançados e Pós-Graduação (ESAP). ² Professora no curso de Artes Visuais - Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP) na Universidade Estadual de Maringá.

Page 3: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é parte integrante das atividades previstas no Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE), promovido pela Secretaria de Educação do

Paraná (SEED) e também como resultado do aprofundamento teórico e reflexão

sobre a Implementação Pedagógica3 da Unidade Didática intitulada “As Relações

entre desenho e escrita no ensino de Arte”. A implementação foi desenvolvida com

alunos do ensino fundamental no Colégio Estadual do Campo Adélia Arnaldi Rossi,

localizado no município de Paranavaí/PR. O trabalho teve como objetivo promover

reflexões sobre o ensino da arte em relação à produção da escrita.

Tendo em vista as questões ligadas ao ensino do desenho buscou-se, por

meio da linguagem das artes visuais, proporcionar aos educandos elementos e

subsídios que levem ao conhecimento, habilidade e maturidade no exercício da

escrita. Buscamos nas atividades realizadas que os estudantes pudessem

expressar graficamente suas experiências, por meio do conhecimento sobre as

relações entre os elementos formais, a escrita e seu contexto sociocultural.

Compreendendo que a arte e a escrita utilizam-se de recursos expressivos,

podemos afirmar que, por meio das artes visuais é possível oferecer recursos para

que o aluno construa conhecimentos, desenvolva sua sensibilidade e tenha melhor

aquisição da linguagem. Dessa maneira viabiliza-se maior liberdade de expressão,

conhecimento estético e integração social.

Para elaboração desse estudo, consideraram-se as pesquisas desenvolvidas

por Pillar (2012) e Ostrower (1978), que tratam do desenvolvimento da escrita e sua

relação com a imagem. Nos aspectos relacionados à arte e à caligrafia, utilizamos

os estudos de Edwards (2003).

Inicialmente nesse trabalho apresentamos a síntese do histórico sobre a

origem e desenvolvimento da escrita, exposto durante a Implementação Pedagógica,

com base nos estudos feitos por Campos (2000) e Polido; Francioli (2008). Neste

contexto possibilitou-se o conhecimento sobre as diferentes configurações nas

relações entre desenho e escrita, em diferentes culturas.

A abordagem sobre a presença da escrita nas Artes Visuais partiu da análise

de obras de Saul Steinberg e Hélio Leites, porém nas atividades realizadas com os

3 A Implementação Pedagógica é parte obrigatória das atividades desenvolvidas no PDE.

Page 4: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

alunos também foram incluídos os artistas Profeta Gentileza e Arnaldo Antunes.

Com relação ao grafite, apresentamos uma introdução sobre essa

manifestação artística fundamentada nos estudos de Gitahy (1999) e Sant’anna

(2010). Em relação ao grafite no Brasil, foi realizada uma análise da obra da dupla

de artistas conhecidos como os Gêmeos.

Ao final do artigo refletimos sobre algumas etapas do percurso metodológico

do Projeto de Implementação Pedagógica na escola e a articulação entre os

conteúdos e os procedimentos relacionados à produção da escrita, que se constituiu

no fio condutor das ações realizadas com os alunos.

2 DESENHO, ESCRITA E ENSINO DE ARTE

A imagem tem recebido cada vez mais relevância em nosso meio social,

principalmente nos meios de comunicação. Contudo, observa-se na população, uma

dificuldade na percepção das mensagens visuais, sobretudo em relação aos

mecanismos de produção e interpretação. Este estudo consiste em uma análise sobre como podem ocorrer as relações

entre arte e escrita na educação básica. Estes aspectos foram levados em conta

para a construção de uma proposta didática que permita atenuar deficiências no

aprendizado de alunos provenientes das camadas populares. Optou-se por inserir

abordagens teóricas que associem a arte à escrita, a fim de buscar maneiras para

que estudantes menos favorecidos possam desenvolver conhecimentos no campo

da arte e superar dificuldades de aprendizagem.

Considerando que a escrita está relacionada à disciplina de português,

organizamos formas de elaborar atividades trabalhadas interdisciplinarmente, para

observar de que forma o aprendizado se faz com mais facilidade, a partir da

aproximação entre a arte e a escrita. Segundo Barbosa: “A Interdisciplinaridade é a

relação entre a verticalidade da competência e a horizontalidade da curiosidade

acerca das outras áreas” (BARBOSA, 1984, p.20).

É preciso favorecer a relação entre pensar e fazer, teoria e prática, conceito e

ação. A interferência multidisciplinar possibilita aprofundar os conhecimentos para

uma construção abrangente. Por meio dessa estratégia é possível promover ações

como a inclusão social e a unidade de valores fragmentados. A interdisciplinaridade

cria elementos que facilitam as aquisições, nas quais a prática ocupa lugar

Page 5: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

fundamental no processo de conhecimento (DERDYK, 2012).

Por meio da linguagem das artes visuais é possível proporcionar aos

educandos elementos e subsídios que levem ao conhecimento, habilidade e

maturidade no exercício da escrita, aprofundando as relações interdisciplinares.

As representações indicam o desenvolvimento e reestruturações de uma criança quando ela inicia seu processo de socialização por meio de símbolos. Conforme a aquisição de experiências significativas absorvidas nas artes visuais, esse desenvolvimento revela aspectos do enriquecimento cognitivo (PILLAR, 1993, p.21).

Vivenciam-se assim as experiências necessárias para a criança, para que

possa se comunicar, expressar seus desejos e anseios com a contribuição das artes

visuais, aliada ao processo de alfabetização, associando desenho e escrita.

A criança se expressa plasticamente como uma forma de descoberta e enriquecimento cognitivo. Nesta construção intelectual, sensível e motriz do seu conhecimento, primeiro a criança busca uma representação da forma, ou seja, ela representa a si mesma diferenciando-se em relação ao espaço circundante, para depois representar o que entende por ele. Neste sentido vale lembrar que, na alfabetização, o nome da criança é uma palavra muito importante. O conhecimento dessas concepções que se organizam em níveis progressivos de complexidade, desempenha papel importante na construção didática do aluno (PILLAR, 1993, p.21).

O ensino de artes visuais apresenta, segundo Pillar uma correlação positiva

com o desenvolvimento da alfabetização (PILLAR, 1993). A linguagem plástica

envolve aspectos de espaço e tempo, fundamentais para a representação simbólica,

e norteiam a percepção que a criança tem de si e de sua constituição como

indivíduo criador.

É importante acompanhar e motivar a criança na sua construção do

conhecimento. Este desenvolvimento é verificado no processo e na produção do

aluno. O resultado das interações é apresentado pela criança por meio das

expressões plásticas (PILLAR, 1993, p.23).

Assim, as trocas que esta criança faz a partir das relações que estabelece,

mostram suas vivências anteriores e atuais. “As formas não ocorrem independentes

ou desvinculadas de colocações culturais” (OSTROWER, 1978, p.17). Nos

resultados presentes na expressão artística torna-se explicito o desenvolvimento

intelectual, emocional e perceptivo dos estudantes. Isto é observado através dos

desenhos nas configurações familiares, de plantas, de casas, ou seja, de elementos

Page 6: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

presentes em seu contexto cultural. Diante dessa reflexão, ao relacionarmos o

desenho com a escrita buscamos um diálogo entre diferentes conhecimentos, tendo

em vista o desenvolvimento de uma concepção da arte como instrumento para a

construção do conhecimento. É fundamental no ensino de arte propiciar recursos

para o desenvolvimento do raciocínio, incluindo saberes sobre as diferentes

linguagens e a aquisição de alternativas comunicativas para a interação com a

sociedade.

Para Edwards (2003) o desenho é um processo que pode fazer calar o

cérebro em sua tagarelice verbal. É um modo de obter um vislumbre da realidade

transcendente. No desenho as percepções visuais atravessam as informações

recebidas pelo corpo humano em direção a uma folha de papel, resultando em uma

imagem direta da reação pessoal, da percepção e da visão.

Edwards (2003) propõe associações entre os dois hemisférios cerebrais,

atribuindo a cada um deles tarefas específicas. De acordo com a autora, o lado

esquerdo está associado à linguagem e o lado direito à percepção das imagens.

Contudo, os dois hemisférios estabelecem relações entre si. O desenho, segundo a

autora, revela muita coisa a respeito de quem desenha: suas sensações,

percepções e concepções, ou seja, alternativamente os dois hemisférios podem

cooperar um com o outro, em uma infinidade de combinações.

No desenho, assim como na escrita, é possível o desenvolvimento da

autoexpressão: por meio do ensino de arte, ambos permitem estimular condições

adequadas à construção de conhecimentos na produção artística.

A própria existência de um saber como o da grafologia, independentemente de sua finalidade interpretativa, influi sobre a personalidade de quem a escreve, aponta a relevância que podem apresentar aspectos formais e que muitas vezes inconscientemente constituem a “letra” de uma pessoa. As características expressivas da escrita manual abre um campo de experimentação poética que multiplica as camadas de significações. Independentemente das formas, mesmo que ilegíveis ou pouco decifráveis, podem produzir sugestões de sentidos de que está escrevendo apenas pelo fato de utilizarem os sinais próprios da escrita (EDWARDS, 2003, p.281).

Assim, por meio da arte, pode-se interferir e promover uma maior

compreensão sobre a apropriação dos sentidos e cognição no processo pedagógico,

de forma que o desenho e a escrita apresentem um progresso no resultado escolar e

de que os alunos se familiarizem com as diversas linguagens artísticas.

Page 7: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

3 DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA E SUAS RELAÇÕES COM AS IMAGENS

A necessidade da comunicação desde a Pré-História fez com que a

humanidade deixasse suas marcas: os registros nas cavernas são testemunhos que

expressam aspectos da vida naquele período. Essas manifestações podem ser

vistas como os primeiros passos para a criação da escrita.

Segundo Polido e Francioli (2008, p. 6), em relação aos suportes para a

escrita, cada cultura utilizou materiais específicos: “Os sumérios privilegiaram a

argila, os egípcios desenvolveram o papiro e os chineses utilizavam cacos de

cerâmica, onde escreviam com uso de pincéis”.

A escrita cuneiforme é um dos mais antigos sistemas de escrita feita por meio

de desenhos: uma imagem estilizada de um objeto significava o próprio objeto. É

uma escrita complexa que conta com pelo menos 2.000 sinais. O termo cuneiforme

deriva do latim e significa cunha. Os desenhos eram feitos por escribas sobre placas

de argila úmida, usando um instrumento com a ponta em forma de cunha. Segundo

Campos (2000), dessa forma de escrita não derivou nenhum alfabeto.

O ser humano passou a representar graficamente suas ideias ou conceitos

(ideograma)4 o que o levou a criar e desenvolver a representação dos sons, as

sílabas e as vogais das palavras. A partir dessas práticas foi possível a criação do

alfabeto, ou seja, o conjunto de letras que representam os sons de uma palavra.

A escrita chinesa e japonesa é apresentada como linguagem ideográfica,

composta somente pela ideia e não associada a sons. Posteriormente foi inserida a

fonética nessa forma de escrita, traçada com pincéis. Ao substituir o pincel pelo uso

da pena de escrever os caracteres obtiveram uma forma mais angulosa. Na Implementação Pedagógica realizamos duas atividades relacionadas ao

desenvolvimento histórico da escrita por meio de imagens. Na primeira atividade os

alunos escreveram seus nomes em placas de argila. Na segunda atividade

utilizaram a escrita ideográfica para a confecção de cartazes com letras japonesas.

4 O ideograma pode ser definido como: “[...] elemento de escrita pictórica que expressa não um som, mas uma idéia, ou figuras que representam coisas ou pensamentos, como definido pelo Webster de 1913, [39] ou pelo Houaiss, [40] ‘imagem, (imagem convencional ou símbolo) que representa um objeto ou uma idéia, mas não uma palavra ou uma expressão que a designe; se imagem pictórica, simboliza não o objeto pintado, mas alguma coisa ou idéia que se considera seja sugerida ou emblematizada por esse objeto’ (PROFETA, 2006).

Page 8: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

Figura: 01-Cartaz produzido por grupo de alunos, utilizando a escrita Ideográfica.

Fonte: Suely Harada, 2013.

Figura: 02-Cartaz feito por grupo de alunos relacionando o desenho e a escrita.

Fonte: Suely Harada, 2013.

Na Implementação Pedagógica procurou-se mostrar, por meio de debates,

que, em diferentes culturas e períodos históricos, a escrita foi desenvolvida

associada às imagens, pictogramas, cartuns autoexplicativos, unidades fonéticas e

alfabeto, ou seja, que a escrita durante muito tempo ocupou lugar único como meio

de armazenar e transmitir informações.

4 DESENHO E ESCRITA NAS ARTES VISUAIS

Com o intuito de analisar algumas manifestações estéticas relacionadas ao

tema apresentamos, durante a Implementação Pedagógica, trabalhos de artistas,

tais como: Saul Steinberg, Hélio Leites, Profeta Gentileza e Arnaldo Antunes. Devido

à extensão do trabalho realizado, apresentaremos aqui apenas os conteúdos

abordados em relação à obra de Saul Steinberg e do Profeta Gentileza.

Segundo Derdyk (2010) Steinberg foi um artista intelectual que soube aliar

sua produtividade a experimentações nos temas, em uma rica diversidade formal.

Influenciou os cartunistas de sua época, pois tinha por vocação dar ênfase às ideias

Page 9: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

manifestas nos desenhos. O artista caracteriza-se pela postura moderna,

evidenciada na expressão do essencial, da abstração e abordagens filosóficas.

Um dos aspectos que o diferencia de outros cartunistas é o traço fino e

sinuoso. É difícil falar de Steinberg sem pensar no humor, em sua grande

independência em relação aos temas escolhidos e nas relações entre desenho e

escrita, em seu trabalho (DERDYK, 2010).

O mundo se desdobra no ato de desenhar, ato que promove a autoafirmação de numerosas maneiras. A mão que faz o desenho desenha a si mesma e a caneta com a qual desenha. Nada é previsível. O desenho é um manifesto de si mesmo. E assim a linha assume inusitadas funções, estilos e significações, ilusões, armadilhas, disfarces, coloca o real, o abstrato e o imaginário num mesmo nível de existência. (STEINBERG, apud Derdyk, 2010, p.158).

Figura 03: Desenho de Steinberg

Fonte: Vagalume Azul, 2011.

O artista conhecido como Profeta Gentileza é hoje considerado o primeiro

grafiteiro do Rio de Janeiro, no entanto, por muito tempo foi chamado de pichador. O

Profeta Gentileza era um andarilho visto em ruas, praças, nas barcas da travessia

entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, em trens e ônibus, fazendo sua

pregação e levando palavras de amor, bondade e respeito pelo próximo e pela

natureza a todos que cruzassem seu caminho.

Page 10: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

Figura: 04 - Mensagem do Profeta Gentileza

Fonte: SERQUEIRA, 2005.

A frase mais conhecida do artista é "Gentileza gera Gentileza”. Em meados da

década de 1980, o "Profeta Gentileza" pintou inscrições em verde-amarelo sobre

pilastras do Viaduto do Caju, no Rio de Janeiro. Porém as inscrições foram

apagadas pela companhia de limpeza urbana. (GUELMAN, 2007/2011).

5 PALAVRA E IMAGEM NA ARTE DO GRAFITE

Segundo Gitahy (1999) o vestígio mais fascinante deixado pelo homem ao

longo dos tempos foi sem dúvida a produção artística. Desde a Pré-História os

desenhos feitos nas paredes das cavernas são os primeiros exemplos de grafite que

encontramos na História da Arte. “O grafite pode ser definido como uma inscrição

desenhada, escrita ou gravada” (Gitahy, 1999).

A arte do grafite começou a surgir no Brasil na década de 1950, assim como

movimentos artísticos como a pop art, cujo foco está voltado para questões

envolvendo as grandes massas. No contexto da pós-modernidade o grafite dialoga

com a cidade em uma arte que consagra, expande e exercita a comunicação de

forma interativa (GITAHY, 1999).

Esta arte é também conhecida como arte urbana e por muito tempo vista

como uma forma de vandalismo. Atualmente o grafite já é considerado como meio

de expressão incluída no âmbito das artes visuais, em que o artista aproveita os

espaços de prédios e muros para desenhar. Esta escolha diferencia a linguagem da

arte destinada a museus ou galerias, onde as obras são expostas em ambiente

fechado e elitizado. De acordo com o grupo de grafiteiros 3nós3: “O que está dentro

fica, o que está fora se expande” (GITAHY, 1999, p.52).

Apresentamos abaixo a obra dos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo,

grafiteiros reconhecidos internacionalmente. A dupla é conhecida como “Os

Page 11: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

Gêmeos” e em suas declarações afirmam que o grafite foi o meio que encontraram

para “[...] dizer o que gostam e o que não gostam, de criticar, questionar, reivindicar

e transformar” (LISBOA, 2012).

Figura 05: Os gêmeos, grafitado por Gustavo e Otávio Pandolfo. Fonte: James Lisboa, 2012.

Segundo as Diretrizes Curriculares de Arte para Educação básica (2008) o

ensino da arte atende a necessidade de pesquisa e criação artística, priorizando

cada vez mais a liberdade de expressão. Nesse sentido, o grafite pode ser

compreendido com um movimento artístico com forte caráter ideológico, propondo

uma nova maneira de compreender a realidade social.

6 PRODUÇÃO DE GRAFITE NO COLÉGIO ESTADUAL ADÉLIA ROSSI ARNALDI

A Implementação Pedagógica no Colégio Estadual do Campo Adélia Rossi

Arnaldi, localizado no município de Paranavaí/PR, foi realizada com alguns alunos

do sétimo e oitavo ano do Ensino Fundamental. A princípio analisamos o espaço

físico da escola, para definir o local do muro onde seria mais adequado inserir a

pintura do Grafite. A partir daí, trabalhamos com diversas atividades visando à

intervenção no espaço escolar.

Os recursos utilizados para Implementação Pedagógica foram humanos e

materiais, com apoio da equipe pedagógica e funcionários da escola. O objetivo foi

desenvolver ações conjuntas envolvendo escrita e imagem, por meio de estudos

sobre a arte urbana contemporânea.

Na Implementação Pedagógica foram utilizados conteúdos teóricos e práticos,

para a criação de um grafite em um muro do colégio. Os primeiros estudos foram

realizados por meio de pesquisas feitas sobre artistas grafiteiros. Foram

apresentadas propostas para que os alunos pudessem perceber melhor seu entorno

Page 12: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

e a maneira como a arte se faz presente em diferentes ambientes a fim de

compreender o processo criativo na produção do grafite.

As metodologias usadas na escola foram encaminhadas sistematicamente,

envolvendo debates sobre a arte e a prática do grafite e analisando os elementos

básicos dessa linguagem. Considerou-se o grafite no contexto da arte urbana, que

pôde ser expandida em conhecimentos interdisciplinares, como ocorreu durante a

Implementação Pedagógica em relação à parceria com a professora de Língua

Portuguesa.

O desenvolvimento desse trabalho levou os alunos ao estudo sobre as

relações entre desenho e escrita, aprofundando as investigações sobre o grafite em

suas relações com a cultura e sociedade no contexto atual.

Assim, surgiu gradativamente a relevância dos estudos sobre grafite para o

grupo, identificado como componente da cultura do educando no seu processo de

humanização e como instrumento de análise.

Foram feitas análises dos esboços de cada grafite a ser produzido.

Posteriormente transpuseram os esboços para cartolinas e papel Kraft, e por último

para o muro da escola.

Debatemos sobre as diferenças entre grafite e pichação, fundamentando as

reflexões em pesquisas no laboratório de informática e em textos diversos.

‘Há quem diga que pichação e grafite é a mesma coisa’. Ambos se apoiam

no proibido, na surpresa e se definem como forma de intervenção e

transgressão no espaço urbano. No entanto, existem algumas diferenças:

Grafite são mais figurativos figuras de quadrinhos frases de protesto e

trazem símbolos de culturas, e a pichação é mais rápida e não figurativa e

agressiva invadindo prédios, paredes públicas. (SANT’ANNA, 2010,

p.45).

O grupo já havia discutido sobre as diferenças entre grafite e pichação em

outros momentos na disciplina de Arte, portanto, possuíam subsídios que

enriqueceram as reflexões.

O grupo foi composto por dezesseis alunas, com idades entre doze e treze

anos. Ao todo foram produzidos três grafites, realizados por grupos de quatro

estudantes. Elas manifestaram interesse pelo trabalho em diversos aspectos, como

Page 13: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

por exemplo: pelo uso dos sprays, pela atividade acontecer em espaço externo e

pela possibilidade de expressar e dar visibilidade a suas ideias por meio da

linguagem artística.

Conforme avaliamos, a partir dos resultados dos grafites pintados nos muros

da escola, observou-se que os desenhos mostram o conhecimento de elementos

formais e recursos compositivos, visualizado no uso das cores e perspectiva. É

importante destacar a autoidentificação das estudantes junto à identificação da

escola, como pode ser visto na figura 07.

Figura 06 - Imagem do muro sendo preparado para a pintura.

Fonte: Suely Harada, 2013.

Figura 07 - Resultado final. Fonte: Suely Harada, 2013.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arte e a escrita, como linguagens associadas podem ser veículos de novas

formas de expressão. Por meio das artes visuais é possível oferecer vários recursos

Page 14: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

para que o aluno construa esses conhecimentos e alcance melhor aquisição da

linguagem. Pretendemos com este trabalho que os estudantes pudessem adquirir

maior liberdade de expressão, conhecimento estético e integração social.

Na Implementação Pedagógica, ao apresentar os conhecimentos necessários

à prática e a leitura do grafite, etapas distintas de execução, permitiu-se aos alunos

aprimorar suas habilidades, ampliar o domínio do desenho e da escrita e assim

superar algumas das dificuldades apresentadas nessas áreas.

Durante a aplicação das atividades artísticas e pedagógicas realizadas com

os alunos ocorreram avaliações de forma contínua e progressiva, nas quais foi

possível observar problemas como desenhos estereotipados e infantilizados. No

entanto, com a participação e o desenvolvimento dos alunos em relação aos

trabalhos, obteve-se uma resposta satisfatória. Muitos dos alunos abandonaram as

práticas de copiar desenhos estereotipados, apesar de que alguns argumentassem

que o resultado final seria melhor se não fizessem uso dos próprios desenhos.

Concluímos que a educação visual viabiliza o conhecimento da expressão e

da transformação dos indivíduos em suas relações sociais. Observamos as

dificuldades e conquistas a partir da produção dos estudantes, levando em conta a

relação entre a arte, linguagem e a compreensão sobre a realidade que nos cerca.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino de arte. 8ª. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.

CAMPOS, Haroldo (org.). Ideograma: Lógica, Poesia, Linguagem. 4ª. Ed. São Paulo: USP, 2000. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=f2WXJVadjksC&pg=PA6&lpg=PA6&dq=CAMPOS,+Haroldo+(org.).+Ideograma:+L%C3%B3gica,+Poesia,+Linguagem&source=bl&ots=MsMGG_FDpS&sig=olx451QiTXaJmqBNziMZEEAdHSk&hl=pt-BR&sa=X&ei=k4PmUq2AGsahkQeF6ICgCQ&ved=0CEwQ6AEwBg#v=onepage&q=CAMPOS%2C%20Haroldo%20(org.).%20Ideograma%3A%20L%C3%B3gica%2C%20Poesia%2C%20Linguagem&f=false. Acesso em: 27 de janeiro de 2014.

DERDYK, Edith. Formas de Pensar o desenho. 4ª. Ed. Porto Alegre: Zouk, 2010.

SERQUEIRA, Celso. O Santo que o Rio esqueceu. 2005. Disponível em: http://serqueira.com.br/mapas/gentileza.htm . Acesso em: 27 de janeiro de 2014. GITAHY, Celso. O Que é graffiti. São Paulo: Editora Brasiliense, 1999. GUELMAN, Leonardo. O Profeta Gentileza. 2007/2011. Disponível em:

Page 15: AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE · 2016-08-15 · AS RELAÇÕES ENTRE DESENHO E ESCRITA NO ENSINO DE ARTE Suely Tazuko Harada 1 Sheilla Patrícia Dias de Souza

www.riocomgentileza.com.br/index-2.html. Acesso em: 09 de novembro de 2012. LISBOA, James. Escritório de Arte. 2012. Disponível em: https://www.google.com.br/#q=portal+do+professor+mec++mercadoarte.com.+br%2Fartigos%2Fartistas%2Fosgemeos%2F os gemeos%2F. Acesso em: 23 de dezembro de 2013.

PARANÁ. Diretrizes curriculares de arte para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio. Curitiba: Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação, 2008.

PILLAR, Analice Dutra. Desenho e escrita como sistemas de representação. 2ª.ed.Porto Alegre: Penso, 2012.

PILLAR, Analice Dutra. Fazendo Artes na Alfabetização. 5ª. Ed. Porto Alegre: Kuarup, 1993.

POLIDO, Olga; FRANCIOLI, Maria F. A. de Souza. Aspectos fundamentais da teoria histórico-cultural sobre o desenvolvimento da linguagem escrita na criança. In: Cadernos PDE: O professor e os desafios da escola pública paranaense. v.1. Secretaria da educação - Governo do Estado do Paraná, 2008. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2008_fafipa_ped_artigo_olga_polido.pdf. Acesso: 25 de janeiro de 2014.

PROFETA, Gilberto Rabelo. A palavra como ideograma em Antonin Artaud. 2006. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/ag51artaud.htm. Acesso: 28 de janeiro de 2014.

VAGALUMEAZUL, 2011. Saul Steinberg, Disponível em: www.vagalumeazul.blogspot.com.br. Acesso em: 27 de janeiro de 2014.

SANT’ANNA, Renata. Saber e ensinar arte contemporânea. São Paulo: Panda Books, 2010.

STEINBERG, Saul. Reflexos e Sombras. São Paulo: IMS, 2011.