as regras na escola: manifestaÇÕes de poder e … · definir a nossa identidade profissional, é...

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Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 AS REGRAS NA ESCOLA: MANIFESTAÇÕES DE PODER E OPRESSÃO NO COTIDIANO DE FUNCIONÁRIOS E ALUNOS Michel Vinicius Cabral Pedroso Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida [email protected] Raquel de Souza Lobo Guzzo Avaliação e intervenção psicossocial: Prevenção, comunidade e libertação Centro de Ciências da Vida [email protected] Resumo: Esta pesquisa sistematizou 50 questioná- rios de estudantes e funcionários de uma escola pú- blica de Campinas. O objetivo que norteou a pesqui- sa foi verificar o processo de tomada de decisão na constituição da autonomia do indivíduo. Como resul- tado a pesquisa constatou que metade dos alunos e funcionários não se apropriaram das regras da esco- la, dificultando na constituição autônoma dos alunos. Com relação as regras boas e ruins, foi constatado a internalização de padrões e valores sociais e a im- portância da colaboração dos participantes na cons- trução das regras. Na mudança das regras, foi cons- tatado a inconclusão do ser como possibilidade de mudança e a necessidade de se discutir as relações de poder. Na aplicação de punições foi constatado a necessidade de refletir sobre os elementos empre- gados nela. E por fim, as sugestões revelaram a in- conclusão do ser, e a esperança de transformação do espaço educativo. Como papel, o psicólogo pode contribuir na reflexão sobre os elementos opressivos empregados na construção das regras; na importân- cia da apropriação das regras por todos participan- tes; e na reflexão sobre as relações de poder. Palavras-chave: Poder, Regras na escola, Ensino Fundamental Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Psi- cologia – CNPq. 1. INTRODUÇÃO Opressão e Escola A constatação da desumanização nas relações soci- ais faz com que o Ser Humano indague sobre a pos- sibilidade da sua humanização. A possibilidade da humanização e da desumanização só são possíveis para os seres inconclusos e conscientes disso. Ape- nas a ultima condição corresponde a vocação huma- na, essa mesma negada na opressão e afirmada na luta dos oprimidos. Paulo Freire aponta a teoria anti- diálogica, sustentáculo da ordem opressora. Dentre os mecanismos utilizados por essa teoria para man- ter o status quo, constam: a conquista, a divisão, a manipulação e a invasão cultural. Diferente da teoria antidiálogica, há a teoria dialógica onde o eu se en- contra com o tu para transformar o mundo, proble- matizando a ordem opressora. Porém problematizar, como adverte o autor, é promover a critica sobre a realidade problema. Nessa segunda teoria não há pessoas objetos, mas pessoas sujeitos que buscam conquistar o mundo, transformá-lo tendo como obje- tivo a libertação [1]. Nessa perspectiva Paulo Freire, aponta que a educação é uma forma de intervir no mundo, de reproduzir a ideologia dominante ou des- mascará-la. Ela não é somente reprodutora uma ou outra, mas sim se entrelaçam dialeticamente. Outra questão, é que uma educação neutra, sem posicio- namento, não existe e nem existirá [2]. Desenvolvimento Infantil Para se compreender o desenvolvimento infantil e humano de forma geral, essa pesquisa contará com as contribuições da teoria Histórico-Cultural iniciada nas obras de Vygotsky (1896-1934), que teve como base filosófica as ideias marxistas, e foi um pensador comprometido em ir às raízes de todos os problemas (por isso ele é radical), e se manter fiel a um método de estudos do psiquismo humano [3]. Além disso, Vygotsky desconsidera uma personalidade formada aprioristicamente - anterior a uma existência concre- ta dos humanos. Ele simplesmente nega uma essên- cia humana [4] Papel do Psicólogo Martin-Baró defende a ideia de que antes de querer definir a nossa identidade profissional, é mais impor- tante conhecer a realidade histórica de nossos povos e as suas necessidades, e não simplesmente impor- tar as definições genéricas de outros lugares que acabam sendo inadequadas e não cobrem a especi- ficidade cultural e social. Nossa atenção deve-se voltar para esse contexto antes de definir o quefazer

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Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

24 e 25 de setembro de 2013

AS REGRAS NA ESCOLA: MANIFESTAÇÕES DE PODER E OPRESSÃO NO COTIDIANO DE FUNCIONÁRIOS E ALUNOSMichel Vinicius Cabral Pedroso

Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida

[email protected]

Raquel de Souza Lobo Guzzo Avaliação e intervenção psicossocial: Prevenção,

comunidade e libertação Centro de Ciências da Vida

[email protected] Resumo: Esta pesquisa sistematizou 50 questioná-rios de estudantes e funcionários de uma escola pú-blica de Campinas. O objetivo que norteou a pesqui-sa foi verificar o processo de tomada de decisão na constituição da autonomia do indivíduo. Como resul-tado a pesquisa constatou que metade dos alunos e funcionários não se apropriaram das regras da esco-la, dificultando na constituição autônoma dos alunos. Com relação as regras boas e ruins, foi constatado a internalização de padrões e valores sociais e a im-portância da colaboração dos participantes na cons-trução das regras. Na mudança das regras, foi cons-tatado a inconclusão do ser como possibilidade de mudança e a necessidade de se discutir as relações de poder. Na aplicação de punições foi constatado a necessidade de refletir sobre os elementos empre-gados nela. E por fim, as sugestões revelaram a in-conclusão do ser, e a esperança de transformação do espaço educativo. Como papel, o psicólogo pode contribuir na reflexão sobre os elementos opressivos empregados na construção das regras; na importân-cia da apropriação das regras por todos participan-tes; e na reflexão sobre as relações de poder. Palavras-chave: Poder, Regras na escola, Ensino Fundamental

Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Psi-cologia – CNPq.

1. INTRODUÇÃO

Opressão e Escola

A constatação da desumanização nas relações soci-ais faz com que o Ser Humano indague sobre a pos-sibilidade da sua humanização. A possibilidade da humanização e da desumanização só são possíveis para os seres inconclusos e conscientes disso. Ape-nas a ultima condição corresponde a vocação huma-na, essa mesma negada na opressão e afirmada na luta dos oprimidos. Paulo Freire aponta a teoria anti-diálogica, sustentáculo da ordem opressora. Dentre os mecanismos utilizados por essa teoria para man-

ter o status quo, constam: a conquista, a divisão, a manipulação e a invasão cultural. Diferente da teoria antidiálogica, há a teoria dialógica onde o eu se en-contra com o tu para transformar o mundo, proble-matizando a ordem opressora. Porém problematizar, como adverte o autor, é promover a critica sobre a realidade problema. Nessa segunda teoria não há pessoas objetos, mas pessoas sujeitos que buscam conquistar o mundo, transformá-lo tendo como obje-tivo a libertação [1]. Nessa perspectiva Paulo Freire, aponta que a educação é uma forma de intervir no mundo, de reproduzir a ideologia dominante ou des-mascará-la. Ela não é somente reprodutora uma ou outra, mas sim se entrelaçam dialeticamente. Outra questão, é que uma educação neutra, sem posicio-namento, não existe e nem existirá [2]. Desenvolvimento Infantil Para se compreender o desenvolvimento infantil e humano de forma geral, essa pesquisa contará com as contribuições da teoria Histórico-Cultural iniciada nas obras de Vygotsky (1896-1934), que teve como base filosófica as ideias marxistas, e foi um pensador comprometido em ir às raízes de todos os problemas (por isso ele é radical), e se manter fiel a um método de estudos do psiquismo humano [3]. Além disso, Vygotsky desconsidera uma personalidade formada aprioristicamente - anterior a uma existência concre-ta dos humanos. Ele simplesmente nega uma essên-cia humana [4] Papel do Psicólogo Martin-Baró defende a ideia de que antes de querer definir a nossa identidade profissional, é mais impor-tante conhecer a realidade histórica de nossos povos e as suas necessidades, e não simplesmente impor-tar as definições genéricas de outros lugares que acabam sendo inadequadas e não cobrem a especi-ficidade cultural e social. Nossa atenção deve-se voltar para esse contexto antes de definir o quefazer

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da profissão [5]. A exclusão na participação dos bens produzidos em nosso país e a não concretização do direito à educação formal são problemas que estão acontecendo, e que o psicólogo logo se depara com ela. Essa realidade se torna preocupante na medida em que os profissionais vão adotando teorias acríti-cas descontextualizadas de nossa realidade. É ne-cessário que o psicólogo e os outros profissionais fiquem atentos com isso, e volte seu compromisso para trabalhar pelas pessoas [6]. Para finalizar, Mar-tin-Baró aponta alguns caminhos como possibilida-des da construção do papel do psicólogo. O profissi-onal deve estar voltado para os problemas novos que estão surgindo, abandonando esquemas teóri-cos inertes; é urgente que nós psicólogos assuma-mos as perspectivas da maioria da população, se inserindo historicamente; decidir se vamos nos aco-modar ao status quo ou vamos nos posicionar criti-camente, se a sociedade que estamos criando impli-ca o bem-estar de alguns em detrimento de outros [5]. Metodologia O trabalho de pesquisa foi estruturado em duas fa-ses: a primeira pela sistematização de 50 questioná-rios pertencentes ao acervo do grupo de pesquisa “Avaliação e intervenção psicossocial: Prevenção, comunidade e libertação” que foram elaborados e coletados por estagiárias do curso de psicologia da Puc-Campinas; a segunda fase constará da realiza-ção de um resumo de cada dimensão e uma discus-são relacionando os dados com sua importância para o processo da formulação de regras na escola. Para preservar a identidade dos informantes, a pesquisa em nenhum momento utilizará o nome, e sim um código (exemplo: Para alunos: A01 e para funcioná-rios F01). Características das pessoas que responderam o questionário Compuseram essa amostra 50 pessoas, sendo 38 estudantes de uma escola pública de Campinas e 12 funcionários da mesma escola. Dos estudantes, 18 são do sexo feminino, e 20 são do sexo masculino; dos funcionários, 9 são do sexo feminino, 1 do mas-culino e 2 pessoas não informaram o sexo. Questionário O questionário contém 5 questões abertas para a pessoa responder. Cada questão foi respondida indi-vidualmente. Segue as questões que compuseram o instrumento:

1) Você conhece as regras da escola? 2) O que você acha das regras da escola?

Quais você poderia identificar como boas? 3) O que você acha das regras da escola?

Quais você poderia identificar como ruins? 4) O que você mudaria nas regras da escola? 5) Você já passou por alguma punição aqui na

escola? Como foi? O que sentiu? Desenvolvimento Metodológico Com relação aos resultados, o pesquisador organi-zou em tabelas, tendo o número total de respostas e o percentual. E as respostas foram organizadas por categorias, sendo que as respostas semelhantes foram enquadradas em uma categoria por analogia. A primeira tabela exprime as respostas dos estudan-tes e funcionários, e foi elaborada a partir da ques-tão: “Você conhece as regras da escola?”. Esta é a única tabela com percentual e com as respostas de todos os estudantes e funcionários. As outras tabelas foram construídas com as categorias que surgiram, e o número de apontamentos que cada categoria re-cebeu. A segunda e terceira tabela foram compostas pelas respostas dos funcionários e estudantes, e deriva da questão “O que você acha das regras da escola? Quais você poderia identificar como boas?”. Dessa questão surgiram categorias que expressam as regras boas da escola. A quarta tabela expressa as regras consideradas ruins pelos alunos e deriva da questão “O que você acha das regras da escola? Quais você poderia identificar como ruins?”. Como nenhum funcionário expressou nenhuma regra ruim, não há tabela para eles. A quinta e a sexta tabela expressam as regras da escola que os alunos e fun-cionários mudariam. Essa tabela deriva das respos-tas da questão: “O que você mudaria nas regras da escola?”. A sétima e oitava diz respeito aos funcioná-rios e alunos que sofreram alguma punição e o que sentiram com isso. Na nona e décima tabela, são apresentadas as categorias referentes a motivação da punição. Essa tabela surgiu a partir da questão “Você já passou por alguma punição aqui na escola? Como foi? O que sentiu?”. Na ultima tabela, a déci-ma primeira, são apresentadas sugestões de mu-dança dos alunos e funcionários. Esta tabela é com-posta de respostas das questões 2, 3, 4 e 5 e que não foram categorizadas. Esta foi a única tabela on-de as respostas não foram categorizadas, e sim transcritas na integra. Resultados e Discussão

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A primeira tabela de resultados expressa o conheci-mento que os alunos e funcionários têm acerca das regras da escola. Três categorias surgiram para compor esta tabela e são as seguintes: Tem conhe-cimento; Conhecimento parcial; e Desconhecimento. Segue abaixo a tabela com todos os resultados e o percentual geral:

Respostas Alunos Funcionários F %

Tem conhecimen-to

14 7 21 42

Conhecimento parcial

20 5 25 50

Desconhecimento 4 0 4 8 Total 38 12 50 100

Tabela 1.0 – Conhecimento acerca das regras da escola

O número total de pessoas que desconhecem as regras da escola é baixo. Com percentuais próximos, as categorias “Tem conhecimento” e “Conhecimento parcial” expressam boa parte das respostas. Se 50% dos estudantes conhece parcialmente as regras da escola, eles não se apropriaram completamente das regras, e isso, como aponta Freire, pode ser enten-dido como a prescrição de conteúdos de uma pessoa à outra. É necessário como apontado o autor, preen-cher esta lacuna, para possibilitar a formação de um individuo autônomo [1]. Em seguida a pesquisa obteve como resultado uma tabela com categorias que exprime as regras boas da escola. A segunda tabela corresponde as catego-rias dos estudantes. Segue todas as categorias ex-traídas.

Categoria Frequência Respeitar o colega e o professor 17 Não fazer bagunça 3 Manter a escola organizada e limpa 2 Fazer as atividades escolares 2 Não chegar atrasado à escola 1 Não conversar durante as aulas 3 Chamar os pais 4 Usar o uniforme escolar 4 Ter sempre atividades para os alunos desenvolverem

1

Poder brincar no intervalo 1 Poder se servir na hora da merenda 1 Ter atendimento preferencial a família que tem mais filhos na escola

1

Tabela 2.0 – Categorias que expressam as regras boas para os alunos

Apenas 3 alunos responderam que não há regras boas na escola e 5 não informaram. Os outros 30

alunos responderam que há, e as suas respostas foram categorizadas. Das categorias que surgiram, as que chamam a atenção são: Respeitar o colega e o professor; usar o uniforme; e poder se servir na hora da merenda. A categoria “Respeitar os colegas e o professor” e “Usar uniforme” podem ser compreendidas como a internalização de padrões de comportamento, como aponta Miranda (1985), e que a escola cumpre um grande papel no processo de internalização das re-gras, comportamentos e valores sociais. Nesse processo é importante se atentar para o fato, como adverte Miranda (1985), de que a escola não é neutra no seu fazer, e que trabalha como legitimado-ra do processo de dominação, e de que serve como reprodutora das classes sociais. Mas essa tarefa não é cumprida por inteiro, devido estar presente na es-cola e no conteúdo a contradição básica entre domi-nadores e dominados. A categoria “Poder se servir na hora da merenda” pode ser compreendia como a posição do individuo nas relações que o circundam. Se essa regra é per-mitida e considerada como boa, ela pode ser enca-rada, segundo Freire, como relação sujeito-sujeito e não a forma de relação sujeito-objeto. O outro é res-peitado em sua humanidade [1]. Na terceira tabela são apresentadas as duas catego-rias que representam as boas regras da escola, apontadas pelos funcionários. Apenas 5 funcionários apontaram as regras boas, 1 não informou e 6 funci-onários se limitarem em responder “sim”.

Categorias Frequência Não permitir a saída dos alunos da sala de aula

3

Manter a escola organizada e limpa 2 Tabela 3.0 – Categorias que expressam as regras boas

para os funcionários

Chama a atenção que três funcionários tenham apontado “Não permitir a saída dos alunos da sala de aula”. Se há essas regras consideradas como boas pelos funcionários, qualquer sucesso delas im-plica necessariamente no diálogo para que elas te-nham legitimidade no processo educativo. Freire ad-verte que de nada serve falar em democracia, porém impor uma verdade. A existência de diálogo é essen-cial em uma relação entre sujeitos [2]. Na teoria antidialógica desenvolvida por Freire, a manipulação é apontada como um meio utilizado pela classe opressora para manter a ordem [1]. Em ambas as categorias, se a manipulação for utilizada para manter uma determinada situação, pode haver comprometimento de uma formação autônoma.

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Na quarta tabela são apresentadas as regras consi-deradas ruins pelos alunos. Apenas 9 alunos consi-deraram que não há regras ruins e 1 não informou. Os outros 28 alunos apontaram as seguintes catego-rias.

Categoria Frequência

Ser impedido de correr, brincar ou conversar na escola

2

Ter respeito ao colega e ao professor 6 Não poder assistir filme de terror 1 Não poder comer, mascar chiclete ou beber na sala de aula.

2

Esperar todo mundo comer no horário da merenda para poder brincar

1

Reprovar de ano 1 Não poder sair para ir ao banheiro ou beber água durante a aula

1

Não poder ir ao banheiro no intervalo 6 Ficar sempre prestando atenção na aula

1

Sempre pedir permissão para sair da aula

1

Não há punição no descumprimento das regras

3

Fazer anotações sobre as nossas vi-das no caderno

1

Punir toda a turma por causa de um aluno

2

Tabela 4.0 – Categorias que expressam as regras ruins para os alunos

O limite é muito importe na construção da autonomia do sujeito. Como defende Freire, o respeito a auto-nomia de cada um é um imperativo ético. O profes-sor que foge da responsabilidade de colocar limites ao aluno ou que minimiza o aluno exigindo que ele se coloque em seu lugar desrespeita os preceitos éticos de nossa existência [2]. Mas ao verificar as categorias que surgiram nessa tabela logo nos deparamos com a categoria “Ter respeito ao colega e ao professor” como uma ex-pressão de uma regra ruim. Claramente que os seis estudantes que apontaram esta categoria deveriam ser entrevistados para melhor compreender o porque dessa categoria. Como possibilidade, pode-se pen-sar sobre a utilização de algum instrumento nesse espaço para manter uma determinada situação. Ins-trumento esse que é apontado por Freire, como um meio de manter a opressão, seja a manipulação ou a conquista, ambos conceitos que traduzem a tentativa de um individuo tratar o outro como um objeto [1].

A seguinte categoria: “Ser impedido de correr, brin-car ou conversar na escola”. Mais uma vez a neces-sidade de diálogo e a existência de uma relação en-tre sujeito vêm a tona. Freire fala sobre a ruptura com ética presente no desrespeito à criatividade do aluno [2]. No caso, não permitir que o aluno brinca ou corra no intervalo pode ser facilmente encarado como ruptura com a dignidade do aluno. No trato com as regras ruins é importante que haja por parte dos adultos nesse espaço a colaboração para melhorá-las etc. Freire aponta como recurso útil na organização e entendimento, a colaboração, co-mo meio que une as pessoas [1]. Tanto com relação as regras ruins como as regras boas, é importante que haja colaboração dos partici-pantes na construção das regras. Colaboração, co-mo aponta Freire, como forma de combater aspectos opressivos que podem vir a constituir as regras [1]. A sexta tabela expressa as regras que os alunos mudariam. 16 alunos expressaram que não mudari-am as regras, e os outros 22 fizeram os seguintes apontamentos.

Categoria Frequência Não ter a obrigatoriedade do uso do uniforme

1

Poder fazer bagunça 2 Poder comer, chupar pirulito ou beber na sala de aula

1

Poder assistir filme de terror 1 Não ser obrigado a respeitar o funcio-nário

1

Poder usar o banheiro quando sentir vontade

5

Poder usar celular, discman, ir de short

1

Ter mais acesso aos computadores e a biblioteca

5

Poder participar da reunião de profes-sores

1

Os professores deveriam dar atenção a todos os alunos

2

Ter mais trabalho e menos provas 1 Não chamar os pais 1 Trancar a porta da sala de aula duran-te o intervalo

1

Tabela 5.0 – Categorias que expressam as regras que os alunos mudariam

Essas regras, sugeridas pelas crianças, expressa segundo Freire o inacabamento do ser, a própria vida enquanto inconclusão. Seres capazes de intervir na existência, valorando, decidindo e rompendo. Existindo o ser humano pode melhorar ou piorar o

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mundo a sua volta. E a educação, como prática emi-nentemente ética, nós traz essas questões [2]. Mas como se podem ver as regras são citadas arbi-trariamente pelas crianças, chegando a ser sugerido “Não ser obrigado a respeitar o funcionário”. Marino Filho ressalta a importância - na discussão sobre o poder - das gerações mais velhas para se apropriar do conhecimento. E de que a apropriação possibilite a aquisição do poder, para compreender as condi-ções de produção da atividade, quanto para trans-formá-las [8]. A tabela que expressa as regras que os funcionários gostariam de mudar tem duas categorias. Apenas 4 funcionários responderam que não mudariam ne-nhuma regra e 2 funcionários não responderam.

Categoria Frequência Ser mais rígido no cumprimento das regras

3

Ser mais exigente com o horário de entrada e saída dos alunos

1

Tabela 6.0 – Categorias que expressam as regras que os funcionários mudariam

Essas regras, que segundo os funcionários, deveri-am mudar, podem ser compreendidas pelo seu teor como a expressão histórica do poder, como o contro-le e submissão de alguns à vontade de outros. É um poder em sua expressão que se revela por interes-ses particulares [8]. Ambas as mudanças precisam ser bem orientadas. O adulto nesse processo cumpre grande papel. Lembrando que nesse espaço ele é importante na consolidação da zona de desenvolvimento real da criança [7]. Outra dimensão extraída de uma questão foi referen-te aos alunos que sofreram punição. A tabela a se-guir reúne as categorias que expressam o que os alunos sentiram da punição. Apenas 1 aluno não informou e 15 responderam que não passaram por punição na escola.

Categoria Frequência Medo 4 Sentiu-se mal 8 Aprendizagem 3 Não sentiu nada 2 Sentimento de injustiça 4 Aprendizagem 1 Não sentiu nada 1

Tabela 7.0 – Categorias que expressam como os alunos sentiram as punições

Na tabela surgiu a categoria “Sentiu-se mal”, “Medo”, “Sentimento de injustiça”. Ambas categorias retra-tando aspectos ruins da punição. Paulo Freire co-

menta sobre essa agressão que os próprios oprimi-dos infligem uns aos outros como sendo uma hori-zontalização do poder, onde o oprimido hospeda o opressor, e por isso em suas relações acaba opri-mindo os companheiros [1]. Com relação aos funcionários apenas dois relataram terem passado por punição, 1 não informou e 9 ne-garam. A categoria “Sentiu-se mal” aparece na tabe-la dos funcionários.

Categoria Frequência Não sentiu nada 1 Sentiu-se mal 1 Tabela 8.0 – Categorias que expressam como os funcioná-

rios sentiram as punições

Na nona tabela são apresentadas as categorias que expressam o que motivou a punição para os alunos.

Categoria Frequência Briga e discussão com professora 1 Estourar bombinha 3 Estava com celular 1 Levar a culpa do outro 4 Sim. Porém, não informou 4

Tabela 9.0 – Categorias que expressam a motivação da punição para os alunos

Na décima tabela duas categorias expressam o mo-tivo da punição para os funcionários.

Categoria Frequência Não cumpriu as obrigações do serviço 1 Já. Dias do tomate 1 Tabela 10.0 – Categorias que expressam a motivação da

punição para os funcionários

Fora do diálogo não é possível uma educação liber-tadora. Nessa educação também não conta argu-mentos de autoridade, onde o que vale é o estar sendo com as outras liberdades [1]. Por fim, foi possível extrair de algumas respostas sugestões de melhoria, que são apresentadas na tabela a seguir.

Sigla Resposta

F12 Quando o aluno faz algo de errado ou não cumpre alguma regra não tem punição (ela não é adequada). Esse negócio de anotar no caderno não funciona. O trabalho de equipe não esta andando. Uma vez que a equipe ta frágil, isto dá a oportunidade dos alunos se-rem as falhas.

F12 Deveria ter uma atividade para os professores para recuperar a auto estima, porque eles tb estão perdidos. O foco é aprendizagem. O menino que chingou o professor por exemplo, não deveria ficar fora da aula (por que eles

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gostam disto) deveriam continuar na aula, fa-zer um trabalho extra... alguma coisa. Acha legal ter um incentivo (a classe mais organi-zada, a mais limpa)... nãoé uma competição... é gostoso porque você sabe que tem um re-sultado.

A32 Colocar uma aula de computação, ou melhor, duas por semana Sala de computação e bibli-oteca mais acessível. Jogar bola só na Ed. Física. Professores dar atenção para todos os alunos em sala. Tem que ter mais passeio.

A30 Deveria dividir o recreio em duas turmas para não virar bagunça. Mais trabalhos e menos provas. A professora mais rígida com os ba-gunceiros. Entrar as 8:00hs e a sair 12:20hs Acho que deveria ter mais atividade na hora do recreio (bola de Volley, poder correr, etc)

A31 Jogar bola só na educação física. Duas aulas por semana de computação. Ir na biblioteca toda a semana (organizar as séries na biblio-teca). Sala de computação e biblioteca mais acessível. Professores dar atenção para todos os alunos da sala. Tem que ter passeios: “não é justo só porque a gente ta maior... a gente gosta de passeio tb”.

A37 Quase tudo – deveria poder trazer celular, disc man, poder ir de short, a escola deveria oferecer bolas e materiais de lazer.

Tabela 11.0 – Sugestões de funcionários e alunos

Em um processo educativo que zele pela formação autônoma dos participantes, deve zelar pelo diálogo. Como Freire aponta, uma educação que vise a liber-tação dos oprimidos não pode utilizar os recursos da educação bancária [1]. O debate sobre a visão de mundo do outro, é essencial para a formação de pessoas. Para além disso, é essencial para a liberta-ção de um regime opressor. Essas sugestões apre-sentadas pelos alunos devem ser encaradas de for-ma dialógica no processo educativo. Cada sugestão é uma visão do espaço escolar, é uma posição. Para isso é fundamental que no processo de libertar-se esses apontamentos sejam respeitados e ouvidos no processo dialógico. Considerações Finais Parte dos resultados não foram utilizados. Com os resultados obtidos foi possível constatar que o de-senvolvimento autônomo exige um conhecimento completo das regras. Nesse ponto o psicólogo pode-riam contribuir orientando os alunos e funcionários na apropriação das regras.

Com relação as regras boas e ruins, foi constatado o processo de internalização dos padrões sociais, valo-res etc. É imprescindível que as regras sejam cons-truídas na colaboração dos participantes. Meios co-mo a manipulação precisam ser descartados, caso as pessoas envolvidas no processo almejem a for-mação autônoma dos alunos. Nesse ponto o psicó-logo poderia contribuir propondo uma reflexão sobre os meios utilizados para a construção das regras. Com relação a mudança das regras, ficou evidente a necessidade de se discutir sobre o poder de trans-formação que o processo implica. Além disso, ficou evidente a essência inconclusa do ser humano, e a importância do adulto no processo educativo, como alguém que irá contribuir na consolidação de novos conhecimentos. O psicólogo se faz necessário nesse ponto, orientando os participantes acerca da perso-nalidade humana, e propondo reflexões sobre as relações de poder. Com relação as punições, é importante uma reflexão sobre a presença de elementos opressivos na apli-cação da mesma. Discutir sobre o papel de autorida-de nos processos formativos. O psicólogo se faz ne-cessário como um profissional que irá refletir como as estruturas dominantes refletem nas relações soci-ais. É importante que uma escola que zele pela formação autônoma dos indivíduos, não utilize de recursos de uma educação que nega a autonomia. A reflexão sobre aspectos que vão viabilizar a formação autô-noma é um compromisso. Agradecimentos À FAPIC/REITORIA PELA BOLSA. Referência [1] Freire, P. (2011), Pedagogia do oprimido, 50 ed., Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, RJ. [2] Freire, P. (2011), Pedagogia da autonomia, 43 ed., Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, RJ. [3] Facci, M. G. D., et.al. (2004), A periodização do desenvolvimento psicológico individual na perspecti-va de Leontiev, Elkonin e Vigostski, Caderno Cedes, vol. 24, n. 62, p.64-81. [4] Vecchia, M. D. & Pasqualini, J. C. (S/D), et.al. (2004), A psicologia marxista e “A transformação socialista do homem”. On-line [5] Martin-Baró, I. (1996). O Papel do psicólogo. Es-tudos de Psicologia. 2(1), 7-27. [6] Maluf, M. R. (2010) Psicologia Escolar: Novos olhares e o desafio das práticas in Psicologia Escolar – Ética e competências na formação e atuação pro-fissional. Campinas: Editora Alínea. 137-139p.

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Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

24 e 25 de setembro de 2013

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