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Riqueza à beira-mar, pobreza longe da maresia: um retrato da segregação social na Região Metropolitana da Baixada Santista, nos anos 1990 Alberto Augusto Eichman Jakob José Marcos Pinto da Cunha Andréa Ferraz Young Introdução Este trabalho visa dar continuidade ao conjunto de textos sobre as regiões metropolitanas, objeto deste livro, reproduzindo a mesma estrutura analítica utilizada para a análise do processo de segregação socioespacial utilizada para a RM de Campinas, apresentado em capítulo anterior, desta vez com foco na RM da Baixada Santista, outra metrópole emergente do estado de São Paulo. Com quase 1,5 milhão de habitantes e, aproximadamente, 425 mil do- micílios particulares permanentes em 2000, os mais de 2,3 mil km 2 do território desta RM, distribuídos de maneira retilínea ao longo da costa, apresentam uma conguração, em termos demográcos e socioeconômicos, relativamente distinta daquela de outras regiões, tendo em vista sua peculiar localização. No obstante, como será visto, nem por isso deixa de apresentar signicativo grau de segregação residencial. Como mostrado em capítulos anteriores, a formação inicial da região deu-se a partir do município de Santos, cuja ocupação está associada, origi- nalmente, ao porto que, a partir da segunda metade do século XIX, no período cafeeiro, passou a desempenhar um papel de extrema relevância. Posterior- 15

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Riqueza à beira-mar, pobreza longe da maresia: um retrato da segregação social na Região Metropolitana

da Baixada Santista, nos anos 1990

Alberto Augusto Eichman JakobJosé Marcos Pinto da Cunha

Andréa Ferraz Young

Introdução

Este trabalho visa dar continuidade ao conjunto de textos sobre as

regiões metropolitanas, objeto deste livro, reproduzindo a mesma estrutura

analítica utilizada para a análise do processo de segregação socioespacial

utilizada para a RM de Campinas, apresentado em capítulo anterior, desta vez

com foco na RM da Baixada Santista, outra metrópole emergente do estado

de São Paulo.

Com quase 1,5 milhão de habitantes e, aproximadamente, 425 mil do-

micílios particulares permanentes em 2000, os mais de 2,3 mil km2 do território

desta RM, distribuídos de maneira retilínea ao longo da costa, apresentam

uma confi guração, em termos demográfi cos e socioeconômicos, relativamente

distinta daquela de outras regiões, tendo em vista sua peculiar localização.

No obstante, como será visto, nem por isso deixa de apresentar signifi cativo

grau de segregação residencial.

Como mostrado em capítulos anteriores, a formação inicial da região

deu-se a partir do município de Santos, cuja ocupação está associada, origi-

nalmente, ao porto que, a partir da segunda metade do século XIX, no período

cafeeiro, passou a desempenhar um papel de extrema relevância. Posterior-

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mente, com a evolução do processo de industrialização e a implantação das indústrias básicas, a partir de meados da década de 50, formou-se o complexo industrial de Cubatão. Nesta fase, a ação do Estado foi decisiva, para o desen-volvimento da região, com a implantação da Cosipa e da Refi naria Presidente Bernardes e a construção da Rodovia Anchieta (1947), registrando um impor-tante marco na confi guração urbana e expansão da Baixada Santista.

A partir dos anos 60, as atividades ligadas ao turismo passaram a consti-tuir, também, elemento indutor do desenvolvimento regional, incrementando ainda mais o setor terciário. Neste período, a ocupação urbana concentrava-se em Santos, seguido de São Vicente, enquanto Cubatão apresentava uma ocupação de baixa densidade. Neste contexto, Santos afi rma-se como impor-tante pólo regional e estadual, destacando a diversifi cação de suas atividades urbanas, reforçando seu papel de centro dinâmico da estrutura econômica e urbana regional (JAKOB, 2003).

Na década de 70, observou-se um acentuado extravasamento urbano de Santos para os municípios limítrofes. Este fenômeno deveu-se, em parte, à alta densidade urbana que Santos apresentava, decorrente do crescimento populacional (com grande peso do saldo migratório), associada ao seu dina-mismo econômico. Da mesma forma, a restrição física à ocupação imposta pela presença de vastas áreas de mangue, canais, rios e morros, também contribuiu para este extravasamento, já dando mostras da conurbação que iria se processar na região. A década de 80 foi marcada pelo baixo crescimento econômico e pelos impactos negativos da crise econômica, ditados pela política econômica recessiva, sobretudo no início da década.

Em termos demográfi cos, a despeito do pequeno aumento da partici-pação da região no contexto do estado, nota-se uma queda expressiva da taxa anual de crescimento, que, no período 1970-1980 foi de 3,9%, com redução para 2,2% em 1980-1991 e de 2,1% em 1991-2000. Tendo em vista o crescimento signifi cativo de vários municípios “periféricos” da região, como Bertioga, com um crescimento de 11,29% em 1991-2000, percebe-se que este declínio na taxa de crescimento regional pode ser explicado pelo menor ritmo de crescimento do que se poderia chamar de núcleo principal da região formado pelo município-sede de Santos e São Vicente (ver Jakob, 2003 e o capítulo 14 deste livro).

Na verdade, o espraimento urbano da região desde sua parte insular (a Ilha de São Vicente), representada por Santos e parte de São Vicente, so-bretudo em direção ao sul, trouxe como conseqüência não apenas o grande crescimento demográfi co de áreas periféricas, mas também a concentração de uma população de mais baixa renda em áreas cada vez mais distantes do centro regional, ou em áreas menos valorizadas, por conta de sua localização, em municípios mais centrais como Guarujá, Cubatão ou São Vicente (em sua

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parte continental). Como lembra Carlos Zündt no capítulo 11 deste livro, nos municípios mais centrais como Cubatão, Praia Grande, Guarujá e São Vicente, este estrato populacional localizou-se em áreas lindeiras às estradas, próximos aos vales dos rios e manguezais, no sopé da serra do Mar, ou seja, em locais com baixo valor da terra e quase sempre sem elementos característicos das áreas urbanizadas como serviços, praças etc.

Assim sendo, da mesma forma como observado em outras regiões metropolitanas, muito embora com certas especifi cidades, como o peso da proximidade com a orla marítima na defi nição dos espaços de pobres e ricos, na Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) também pode ser de-tectado um crescente grau de segregação socioespacial.

O objetivo principal deste estudo é realizar um diagnóstico da evolução da segregação na Região Metropolitana da Baixada Santista, no período 1991-2000, com base na consideração de duas formas distintas de perceber ou mensurar o fenômeno: a primeira, lançando mão do índice de dissimilari-dade que, como será mostrado, por ser um indicador síntese que padece de várias limitações, não é capaz de revelar a real situação existente na região; no segundo caso, será utilizado o índice I de Moran que, além de fornecer um único indicador de segregação, permite uma análise dos padrões de autocor-relação espacial, o que, traduzido, signifi ca poder identifi car espacialmente a heterogeneidade ou homogeneidade espacial existentes nos vários subespaços da RMBS.

A idéia, portanto, é fornecer ao leitor uma visão geral dos padrões es-paciais da segregação e sua variabilidade, ao longo do período considerado.

A heterogeneidade socioespacial da Baixada Santista

A Baixada Santista apresenta particularidades em relação às demais regiões metropolitanas do estado de São Paulo, especialmente em função de seu relevo, tipo de solo e localização geográfi ca (Mapa 1). Por estar situada entre o oceano Atlântico e a serra do Mar, e apresentando diversos morros, áreas de proteção ambiental e de mangue, sua área disponível para ocupa-ção residencial torna-se cada vez mais escassa, aumentando a segregação residencial.

A proximidade da orla marítima é um fator importante na análise de segregação espacial da população, pois junto a ela está concentrada boa parte da população de mais alta renda residente na região e, portanto, aqueles com melhores condições de moradia (JAKOB, 2003).

Observando mais detalhadamente Santos, o município-sede da região, Jakob (2003) identifi ca uma clara diferenciação socioespacial em seu interior: além da concentração, já mencionada da riqueza na orla, percebe-se também

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uma subárea entre a orla e o porto, ocupada por uma classe média. Por outro lado, observa-se a área do porto e o centro antigo, com moradias em piores condições, cortiços e antigos casarões; a zona dos morros, onde se concentram mais os domicílios em aglomerações subnormais; e a zona oeste dos morros, considerada a área mais “periférica” do município.

Mapa 1Localização da Região Metropolitana da Baixada Santista

RMBS e RMSP, 2001

Fonte: FIBGE, Malha digital municipal do Brasil 2001.

É interessante notar que este padrão locacional pode também ser, aproximadamente, aplicado para os demais municípios da região. Além disso, não se pode deixar de considerar que, dadas as particularidades da Baixada Santista, sua expansão urbana ocorre de forma linear, em especial às margens das rodovias Padre Manoel da Nóbrega, Pedro Taques e Rio—Santos.

Vale lembrar ainda que, como já se mostrou em outro capítulo, em vir-tude da falta de áreas disponíveis para ocupação e o conseqüente aumento do preço da terra e da densidade populacional nos municípios de Santos e São Vicente, a migração intrametropolitana, especialmente em direção ao município de Praia Grande, é um fenômeno que tem contribuído sobremaneira para o acirramento da segregação residencial.

De maneira a desvendar o grau de segregação existente na RMBS, são aqui utilizados dois indicadores relativos ao grau de uniformidade (evenness) e de agrupamento (clustering) das unidades espaciais, dimensões estas su-geridas por Massey e Denton (1988, 1989), para uma melhor compreensão das várias facetas do fenômeno da segregação. A uniformidade compara a representatividade de determinado grupo social em relação a um total mais

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geral, do município ou da região. O índice de dissimilaridade (D), criado por Duncan e Duncan (1955) e utilizado por Wong (1998), é a medida mais usu-almente utilizada para quantifi car a uniformidade. Este índice analisa o nível de igualdade de dois subgrupos populacionais (como estratos sociais) em cada unidade territorial de análise. Em termos práticos, representa a proporção de um grupo populacional que teria de se mudar, para que sua distribuição nos distintos subespaços (por exemplo, setores censitários) fosse igual à da região de estudo (universo dos dados). Este índice varia entre 0 (perfeita integração) até 1, ou 100% (perfeita segregação do grupo social).

O agrupamento, por sua vez, refere-se ao processo de distribuição populacional no espaço. Quanto mais concentrado o grupo social no espaço, maior sua segregação espacial. Enquanto o índice de dissimilaridade é uma medida não espacial, se existe um interesse por um índice espacial, que leva em consideração a distribuição populacional no território, pode-se utilizar o índice I de Moran local, que permite a identifi cação das maiores concentrações de áreas de pobreza e de riqueza na cidade. A identifi cação de tais aglomera-dos, conhecidos como hot spots (concentrações da característica escolhida, por exemplo, a pobreza) e cold spots (concentração de situações opostas à características escolhida, por exemplo, a riqueza) (ANSELIN, 1995).

O índice I de Moran global, tomado como medida síntese, seria o agregado dos índices I de Moran locais, e indicaria quanto as características de determinada área são bem preditas pelas características de suas áreas vizinhas.

Para se obterem os índices I de Moran locais, da mesma forma como feito para a Região Metropolitana de Campinas (RMC), foi realizada uma análise fatorial com base em indicadores relativos à condição socioeconômica, características domiciliares e características de idade família e gênero. Estes indicadores foram selecionados dos setores censitários dos censos demográ-fi cos de 1991 e 2000.

Os padrões de segregação socioespacial

Os setores censitários foram utilizados para as análises de segregação espacial. Observou-se que, no ano 1991, dos 1.713 setores da Baixada San-tista, 28 tinham menos de 10 domicílios e foram desconsiderados nas análises. Já no ano 2000, dos 2.171 setores, apenas 45 não foram analisados por questões de sigilo das informações dos moradores, representando por volta de 2% dos setores censitários.

Avaliando inicialmente a uniformidade de grupos sociais na Baixada Santista, a educação foi a dimensão escolhida para análise de dissimilaridade. Para sua análise, e buscando enfocar a variável escolaridade do responsável

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do domicílio, foram escolhidos dois indicadores: “anos médios de estudo” e “educação fundamental ou menos”. Para a criação do índice de dissimilaridade, o primeiro indicador foi dicotomizado nas categorias “0 a 5” e “6 ou mais” anos de estudo, para o ano de 1991, e “0 a 6” e “7 ou mais” anos de estudo para o ano 2000. Estes cortes foram feitos em função da média diferenciada de anos de estudo na Baixada Santista (6,1 anos, em 1991, e 7 anos em 2000). Com isto, têm-se as categorias “até a média” e “acima da média”. Para o segundo indicador, criou-se uma reclassifi cação da variável “anos de estudo” em “0 a 4” e “5 ou mais”.

A Tabela 1 mostra os índices de dissimilaridade relativos a estes dois indicadores. Em ambos os casos, os valores observados para o índice sugerem que houve uma redução da segregação entre 1991 e 2000. Neste período, o índice dos anos médios de estudo caiu de 32,7% para 25,5%. Isto signifi ca que, em 2000, pouco mais de 25% dos chefes de domicílio com menos de sete anos de estudo deveriam mudar de setor censitário para que sua distribuição fosse igual à da região.

Tabela 1Índices de dissimilaridade da educação

Setores censitários do municípios da RMBS1991 e 2000

* Em 1991, esta variável foi reclassifi cada em “< 6” e “6 ou mais” anos de estudo. Já para 2000, a variável foi reclassifi cada em “< 7” e “7 ou mais” anos de estudo, de acordo com a média variável da região nestes períodos de tempo.Fonte: FIBGE, Censos demográfi cos de 1991 e 2000. Tabulações especiais Nepo/Unicamp.

O mesmo ocorre com a educação fundamental, cujos índices de dis-similaridade caíram de 28,2% para 20,2%, nos anos 1990. Em 2000, apenas 20% dos chefes com escolaridade de até quatro anos deveriam mudar-se, para que sua distribuição espacial se tornasse uniforme, sendo que eram 28% em 1991. Assim, a segregação perde cada vez mais força no que diz respeito à educação. No entanto, não se pode esquecer que tal situação pode estar refl etindo menos um processo de redução da segregação e mais a signifi ca-tiva melhoria ocorrida em termos educacionais no país e, em particular, na região; de fato, não se pode esquecer que a forma como foi dicotomizado o indicador utilizado dá margens a uma maior homogeneização, já que coloca como limite para a diferenciação apenas quatro anos de estudo – ou seja, tal situação é muito mais reveladora do maior acesso à educação no país como um todo, especialmente aquela referente ao nível fundamental.

Tendo em vista o anterior, para uma melhor análise do fenômeno da segregação espacial, foi escolhido um novo conjunto de indicadores relativos

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à condição socioeconômica, características domiciliares e da família, estrutura etária e por sexo, reelaborado a partir do uso de análise fatorial. Assim, dos 14 indicadores selecionados dos censos de 1991 e 2000, foram criados quatro fatores em 1991 e três fatores em 2000, que explicaram 75,5% e 69,2% da variância dos dados em 1991 e 2000, respectivamente (tabelas 2 e 3).

A Tabela 2 mostra os resultados da análise fatorial para o ano de 1991, destacando as variáveis com maior peso nos quatro fatores selecionados.

Tabela 2Resultados da análise fatorial

Setores censitários dos municípios da RMBS, 1991

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 1991. Tabulações especiais Nepo/Unicamp.

Uma vez que as variáveis com maior peso no fator 1 foram relativas à escolaridade e renda, o nome sugerido para o fator foi “condição socio-econômica”. Cumpre notar também que existe uma clara relação deste fator com o indicador “mulheres chefes de família”, fato que sugere haver, de fato, certa associação da chefi a feminina com os domicílios mais pobres.

O fator 2, aqui denominado “ciclo vital familiar”, foi assim batizado tendo em vista o maior peso neste dos indicadores idade do chefe, em especial aquele voltado a captar a existência de chefes mais jovens. Já os fatores 3 e 4 foram chamados de “inadequação das condições domiciliares” e “padrão espacial de ocupação”, em função de terem uma maior associação com os indicadores relativos às condições e infra-estrutura domiciliares. O fator 3

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relaciona-se claramente às características em termos de infra-estrutura e serviços, enquanto o fator 4 relaciona-se mais com aspectos da ocupação periférica, como a menor incidência de domicílios alugados, em situação mais precária e com uma composição com mais crianças, ou seja, uma maior razão de dependência.

A Tabela 3 mostra, agora, os resultados da análise fatorial para o ano 2000. Desta vez, apenas três fatores foram selecionados, explicando 69,2% da variância dos dados.

Tabela 3Resultados da análise fatorial

Setores censitários dos municípios da RMBS, 2000

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 2000. Tabulações especiais Nepo/Unicamp.

A diferença dos resultados da Tabela 3, em relação aos mostrados na Tabela 2, é que, nesta última, o fator que representa o ciclo vital familiar é incorporado ao fator de condição socioeconômica. Isso sugere mudanças es-truturais ocorridas durante a década, que teriam levado a que características familiares passassem a estar mais correlacionadas ao status socioeconômico do domicílio; ou seja, pode-se pensar que, nas condições de deterioração das condições de vida e, sobretudo, do mercado de trabalho, a condição de pobreza passasse a estar mais associada a uma maior juventude do chefe, fato que aparentemente não se registrava em 1991. A razão de dependência também

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corrobora a afi rmação de que as características domiciliares estão cada vez mais associadas às características familiares, estando mais agregada no fator 2, da “inadequação das condições domiciliares”, em 2000.

Já o fator 3, embora tendo as “cargas fatoriais” com sinais trocados, em comparação com 1991,1 ainda continua sugerindo tratar-se de um fator ligado ao “padrão espacial de ocupação”. Neste caso, percebe-se uma associa-ção positiva com a maior a presença de domicílios alugados e sem banheiro. Deve-se atentar para o fato de que este resultado, assim como o obtido para os dados de 1991, não signifi ca necessariamente que haja uma associação entre domicílios alugados e a não-existência de banheiro; na verdade, o que isso sugere é que, nas áreas mais centrais, poderiam existir setores censitários onde se encontraria maior precariedade domiciliar em termos deste último indicador. Aliás, tal assertiva parece coerente com o fato de que estejam nas áreas mais centrais, por exemplo, grande parte dos setores especiais, como as favelas, os domicílios do tipo cômodo, presentes nas áreas mais antigas, em casarões, especialmente no antigo centro de Santos e nas imediações do porto.

Com base nestes indicadores, foram calculados os índices I de Moran global para 1991 e 2000. Como alertado anteriormente, embora este índice, apresentado na Tabela 4, sugira uma redução da segregação no período, quando se utiliza como variável a escolaridade, o mesmo não pode ser dito com relação às condições socioeconômicas e padrão espacial de ocupação.

Tabela 4Índice I de Moran da educação e dos indicadores de pobrezaSetores censitários dos municípios da RM B S, 1991 e 2000

Obs.: os resultados são signifi cantes ao nível de p< 0,5.Fonte: FIBGE, Censos demográfi cos de 1991 e 2000. Tabulações especiais Nepo/Unicamp.

De fato, os dados apontam uma leve redução da segregação espacial com respeito à escolaridade média (de 0,51, em 1991, para 0,50 em 2000) e à inadequação das condições domiciliares (de 0,35 para 0,33, no período

1 Alerta-se para este fato na medida em que, mais adiante, os mapas gerados a partir da análise de correlação espacial apresentarão legendas distintas para situações semelhantes, em função das saídas possibilitadas pelo programa computacional utilizado para a confecção dos mapas.

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1991-2000), porém, quanto à condição socioeconômica, o índice aumenta de 0,36 para 0,40 no período estudado, o mesmo acontecendo com a o índice de Moran global calculado com base no fator “padrão espacial de ocupação” (passando de 0,35 para 0,38, entre 1991 e 2000).

Como será visto mais adiante, o que se percebe é que, em ambos os casos, os indicadores são muito mais sensíveis à real situação da segregação residencial existente na RMBS. Na verdade, particularmente no caso do fator ligado à condição socioeconômica, percebe-se que a região apresentou um aumento no grau de segregação, fato que se refl ete também no outro fator (“padrão espacial de ocupação”), muito provavelmente devido à expansão das áreas de ocupação periférica na região, em especial em Praia Grande, Cubatão, São Vicente e Guarujá, que criariam mais espaços de pobreza na RMBS.

Para se ter uma idéia das áreas onde se concentram as populações de características semelhantes na Baixada Santista, ou seja, das zonas de maior homogeneidade ou heterogeneidade na região, cada um dos fatores resultantes da análise fatorial foi utilizado para efeito do cálculo dos índices I de Moran locais, cujos resultados encontram-se nos mapas 2 a 10.

Mapa 2Índices I de Moran locais para a escolaridade média do chefe

RMBS, 1991

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 1991. Tabulações especiais Nepo/Unicamp. Malha digital urbana dos setores censitários dos municípios da RMBS.

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Nestes mapas, as legendas correspondem a uma combinação entre as características de cada setor censitário em termos do indicador utilizado e sua correlação espacial com respeito aos setores censitários vizinhos. As-sim, uma legenda do tipo “alto-alto” (preto na legenda) signifi caria que o setor censitário possui um valor alto do indicador em questão e, ao mesmo tempo, estaria cercado por setores que também apresentam valores altos para este mesmo indicador. Estas áreas corresponderiam aos chamados hot spots, sendo que sua contrapartida, os cold spots, seriam aqueles setores com valores baixos cercados por setores com valores também baixos (cinza-escuro na legenda). Observe-se que outras zonas podem ser destacadas onde a maior heterogeneidade existente implicaria em legendas do tipo “alto-baixo”, ou seja, onde um determinado setor com altos valores no fator analisado estaria rodeado de setores com valores baixos.

Os mapas 2 e 3 mostram a espacialização dos índices I de Moran lo-cais para a escolaridade média dos chefes de domicílio, em 1991 (Mapa 2) e 2000 (Mapa 3).

Mapa 3 Índices I de Moran locais para a escolaridade média do chefe

RMBS, 2000

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 2000. Tabulações especiais Nepo/Unicamp. Malha digital urbana dos setores censitários dos municípios da RMBS.

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Os mapas 2 e 3 mostram a clara separação espacial dos domicílios quanto ao indicador “escolaridade média do chefe”. No caso dos municípios da “porção central” da região, Santos, São Vicente, Praia Grande e Guarujá, mais bem explicitados na visão ampliada dos mapas, os contrastes entre os hot spots e os cold spots são marcantes de acordo com a proximidade da orla marítima. É interessante notar, nestes mapas, que a grande maioria dos setores censitários está concentrada nas categorias “alto-alto” e “baixo-baixo” (85,5%, em 1991, e 87%, em 2000, dos dados signifi cativos), o que demonstra uniformidade nos setores censitários em relação a suas vizinhanças e atestando, portanto, ao contrário das medidas sintéticas apresentadas anteriormente, um signifi cativo grau de segregação espacial.

Observando-se, desta feita, o comportamento dos índices I de Moran locais com relação ao fator 1 identifi cado para 1991 (condição so-cioeconômica), pode-se perceber, assim como no indicador anterior, que as áreas situadas junto à orla eram as que maior homogeneidade apresenta-vam, em termos das melhores condições socioeconômicas (os cold spots, cinza-escuro no mapa).

Mapa 4Índices I de Moran locais para as condições socioeconômicas do chefe

RMBS, 1991

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 1991. Tabulações especiais Nepo/Unicamp. Malha digital urbana dos setores censitários dos municípios da RMBS.

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O Mapa 5 retrata o fator 1 em 2000, que, como se demonstrou, também engloba elementos do ciclo vital familiar, muito embora ainda remeta à condição socioeconômica. Lembre-se que altos valores dos índices I de Moran locais estariam ligados à presença de chefes de domicílio mais jovens, uma menor alfabetização da população e a maior participação de domicílio com piores condições sanitárias. Da mesma forma que em 1991, as melhores situações estariam representadas pelo tom cinza-escuro e as piores, em preto. É in-teressante observar que metade dos setores censitários da Baixada Santista com dados signifi cativos encontra-se na categoria “baixo-baixo”, ou seja, nas melhores condições socioeconômicas, e está localizada nas mesmas áreas situadas próximo à orla marítima e adjacências.

Também fi ca claro, da comparação dos mapas 4 e 5, que houve uma importante expansão das áreas de mais alta condição socioeconômica, mas sempre de uma forma “retilínia”, ao longo da costa, particularmente em direção ao município de Praia Grande e Guarujá. Também é bem evidente o processo de “elitização” do município de Santos, que vê fortemente aumentada suas zonas de ocupação pela população de estratos sociais mais elevados.

Mapa 5Índices I de Moran locais para as condições socioeconômicas do chefe

RMBS, 2000

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 2000. Tabulações especiais Nepo/Unicamp. Malha digital urbana dos setores censitários dos municípios da RMBS.

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A correlação espacial entre os setores censitários, com relação ao fator denominado “ciclo vital familiar”, encontrado como signifi cativo somente em 1991 (Tabela 2), também pode ser visualizada no Mapa 6. A espacialização do índice I de Moran local para este fator mostra, grosso modo, que a periferia regional é composta majoritariamente de famílias com chefes mais jovens (em preto), sendo que os domicílios chefi ados por pessoas mais velhas estariam concentrados predominantemente nas áreas litorâneas (em cinza-escuro), com exceção do município de Santos, que apresenta uma área muito mais extensa com este tipo de característica, situação, aliás, esperada, tendo em vista sua situação de pólo mais consolidado e de ocupação mais antiga.

É interessante notar, ainda, que 53,5% dos setores censitários com dados signifi cativos enquadram-se na categoria “baixo-baixo”, ou seja, com chefes de mais idade, o que mostra quão localizadas, adensadas e concentradas são as famílias quanto a seu ciclo vital.

Mapa 6Índices I de Moran locais para o ciclo vital familiar

RMBS, 1991

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 1991. Tabulações especiais Nepo/Unicamp. Malha digital urbana dos setores censitários dos municípios da RMBS.

Os mapas 7 e 8 trazem as concentrações espaciais dos índices de Moran locais para a “inadequação das condições domiciliares” (fator 3, em 1991, e fator 2 em 2000).

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449ALBERTO AUGUSTO EICHMAN JAKOB, JOSÉ MARCOS PINTO DA CUNHA E ANDRÉA FERRAZ YOUNG

Mapa 7Índices I de Moran locais para a inadequação das condições domiciliares

RMBS, 1991

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 1991. Tabulações especiais Nepo/Unicamp. Malha digital urbana dos setores censitários dos municípios da RMBS.

O Mapa 7 mostra que 64% dos setores censitários da região pertencem à zona onde predominam boas condições habitacionais (categoria baixo-baixo), ou seja, apresentam os melhores índices de condições de habitação com respeito aos serviços públicos de saneamento, assim como de educação da população. Novamente, estão situados nas áreas mais próximas à orla marítima da Baixada Santista. Já o Mapa 8, que apresenta os mesmos índi-ces para o ano 2000, mostra que também houve uma concentração maior de setores censitários na categoria que apresenta os melhores índices (baixo-baixo), praticamente com os mesmos valores, de 64%, relativos aos setores com dados signifi cativos.

Vale notar, no entanto, que, ao mesmo tempo em que se percebe vi-sualmente que os “espaços da riqueza” (em cinza-escuro) expandiram-se pela região ao longo da orla, entre 1991 e 2000, também, neste último ano, houve um aumento signifi cativo do número de setores censitários situados em áreas onde não havia uma clara correlação entre eles, fato que poderia ser traduzido como o aumento da heterogeneidade socioespacial, ou perda de uniformidade, em certa zona da região.

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450 RIQUEZA À BEIRA-MAR, POBREZA LONGE DA MARESIA

Mapa 8Índices I de Moran locais para a inadequação das condições domiciliares

RMBS, 2000

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 2000. Tabulações especiais Nepo/Unicamp. Malha digital urbana dos setores censitários dos municípios da RMBS.

Certamente que este fenômeno poderia também ser um indício de que a segregação espacial estaria se reduzindo, como sugerem os dados da Tabela 4, que apresenta uma queda do índice de Moran global, para esta categoria, de 0,35, em 1991, para 0,33 em 2000. Mesmo assim, as fi guras analisadas não deixam lugar a dúvidas de que a segregação ainda existe e denota uma clara separação entre as áreas próximas à orla e a periferia mais distante.

A segregação existente na região fi ca caracterizada, fi nalmente, também pela análise dos mapas 9 e 10, elaborados com base nos fatores 4 para 1991 e 3 para 2000. Como interpretado, tais fatores estariam ligados, grosso modo, ao padrão espacial de ocupação sobre a hipótese de que, nas regiões mais centrais e, portanto, de maior poder aquisitivo, os domicílios alugados teriam maior representatividade do que nas áreas periféricas, que, como mostrado em outros capítulos deste livro, tendem a caracterizar-se para domicílios próprios, dado que este tipo de ocupação dá-se, por via de regra, em função da busca de uma solução habitacional mais defi nitiva. Deve-se lembrar ainda

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que este fator correlaciona-se também com a variável de saneamento básico, o que reforça a sua interpretação. No entanto, os fatores encontrados também apontaram para uma característica bem peculiar da região, em particular de suas áreas e municípios mais centrais, a importância dos domicílios mais precários como cortiços e favelas.

Mapa 9Índices I de Moran locais para o padrão espacial de ocupação

RMBS, 1991

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 1991. Tabulações especiais Nepo/Unicamp. Malha digital urbana dos setores censitários dos municípios da RMBS.

Assim, os mapas deixam claro que, em contraposição ao que se passa em boa parte da Ilha de São Vicente e parte de Guarujá e Praia Grande, a grande periferia regional fi ca bem delimitada numa região mais distante da orla e dos municípios centrais, Santos e São Vicente.

Vale lembrar que estes mapas também sugerem um aumento da se-gregação, da mesma forma que a Tabela 4, onde se observa um aumento do índice de Moran global entre 1991 e 2000 (de 0,35 para 0,38). De fato, embora tenha ocorrido um aumento dos setores censitários sem dados signifi cativos, percebe-se ter havido, entre 1991 e 2000, uma aglutinação maior de setores com uma baixa incidência de domicílios alugados e com piores condições de saneamento (de 51,6% em 1991, passam a corresponder a 56,5% dos setores

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em 2000). Além disso, tais concentrações são visivelmente encontradas nas áreas mais distantes da orla e do centro metropolitano.2

Mapa 10Índices I de Moran locais para o padrão espacial de ocupação

RMBS, 2000

Fonte: FIBGE, Censo demográfi co de 2000. Tabulações especiais NEPO/UNICAMP. Malha Digital urbana dos setores censitários dos municípios da RMBS.

Em suma, o que se percebe é que, em praticamente todas as dimensões consideradas, a segregação residencial na RMBS parece ter-se incrementado. Na verdade, com exceção da variável escolaridade que, como se comentou, pode refl etir o grande avanço ocorrido no país, nas últimas duas décadas, em termos do acesso ao ensino fundamental, em todas as demais variáveis consideradas, o incremento da segregação fi ca confi gurado, a despeito de se perceber tam-bém o surgimento de “zonas heterogêneas” que, obviamente, confi guram a complexidade que vai ganhando o tecido urbano metropolitano.

Para além dos índices sintéticos, os mapas apresentados deixam muito claras as localizações da pobreza e da riqueza, esta última com tendência a espraiar-se ao longo da orla marítima regional, formando uma espécie de

2 Note-se que a comparação correta seria entre os setores em cinza-escuro em 1991 (Mapa 9) e em preto, em 2000 (Mapa 10). Como alertado na nota 1, a mudança de categoria ocorreu em função do sinal contrário das variáveis de maior peso explicativo do fator 4 em 1991 em relação ao fator 3 em 2000, conforme pode ser apreciado na Tabela 3.

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“onda”, que se expande nos municípios centrais, de certa forma limitada pela Ilha de São Vicente, e vai, aos poucos, “afi nando-se“ em uma trajetória linear, ao afastar-se destas áreas em direção ao norte, e, sobretudo, ao sul.

Conclusões

Utilizando-se um conjunto de indicadores relativos a dimensões rele-vantes para se entender a heterogeneidade socioespacial existente na Região Metropolitana da Baixada Santista, a presente análise permitiu traçar um panorama da segregação residencial regional.

Para tanto, foram usados não apenas indicadores sintéticos clássicos, como o índice de dissimilaridade, mas também metodologias mais sofi stica-das, com base na correlação espacial para a identifi cação das zonas segundo sua homogeneidade social. Neste caso, o método escolhido foi o índice I de Moran local, cuja operacionalização foi possível graças ao uso de um software específi co, o GEODA.3

Os resultados obtidos mostraram que, muito embora alguns dos índices sintéticos sugerissem uma redução da segregação na Baixada, o olhar mais minucioso permitido pelas técnicas de correlação espacial revelou não apenas a existência de uma evidente divisão espacial da região entre os estratos so-ciais e, portanto, a confi guração de espaços da pobreza e da riqueza, como também um certo incremento desta tendência, se considerada sob a ótica, por exemplo, do nível socioeconômico.

Embora identifi car os condicionantes desta segregação não fosse o ob-jetivo deste capítulo, fi cou muito claro que o padrão locacional dos estratos sociais na região era regido, em boa medida, por um lado, pela centralidade das localizações e, por outro, e talvez ainda mais importante, pela proximi-dade com a orla marítima, fatores que sugerem a importância do preço do solo (e das “localizações”; cf. VILLAÇA, 1998) como elemento particularmente importante, no caso desta metrópole.

Conforme mostrado nos mapas criados a partir dos índices de Moran locais, existem, na Região Metropolitana da Baixada Santista, limites bem defi nidos de zonas distintas de concentração populacional. Os chefes de do-micílio com mais idade, com maior renda e escolaridade, com famílias menores e melhor condição de moradia, em geral, concentram-se nas áreas situadas junto à orla marítima. Por outro lado, as áreas mais afastadas acabam sendo “reservadas” para aqueles que contariam com piores condições de moradia, em geral famílias mais jovens, numerosas e com menor renda e escolaridade.

3 Vale lembrar que este software é de domínio público e pode ser obtido em https://geoda.uiuc.edu.

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É interessante notar que, no caso específi co do município de Santos, uma formação de morros que divide a Ilha de São Vicente também acaba atuando como uma espécie de “muro”, que separa as classes média e alta, obviamente do lado voltado para o mar, e as classes mais baixas, que também acabam instalando-se nos próprios morros, em aglomerações subnormais e sujeitas a problemas ambientais sempre preocupantes. De qualquer forma, as análises realizadas mostram que, no município, houve uma grande expansão territorial das áreas destinadas às pessoas de melhores condições de vida, até em função do crescimento de uma periferia nos municípios vizinhos ou mais distantes.

No caso de São Vicente, a Ilha de São Vicente é o divisor “natural” dos grupos sociais. Enquanto, nesta, estão localizadas as classes média e alta do município, a parte continental deste concentra a população menos abastada, as aglomerações subnormais etc. Nesta área, chama a atenção não apenas o crescimento demográfi co (como mostrado em capítulo específi co deste livro), mas também a maior homogeneidade social dos que lá vivem.

No Guarujá, área que, no passado, sempre esteve associada à elite, a orla marítima ainda concentra as classes mais abastadas; contudo, destaca-se como assentamento popular de grande importância o distrito de Vicente de Carvalho, uma área de habitação mais popular situada próximo ao Porto de Santos, com grande densidade demográfi ca. De fato, suas características fazem claro contraponto com aquelas das áreas centrais e de orla da Ilha de São Vicente.

Para o município de Cubatão, o único da Baixada sem território na orla marítima, os dados com melhores indicadores estão concentrados nos setores mais centrais do município, sendo que os setores mais afastados, com menos população, apresentaram valores confl itantes, mostrando tratar-se de uma área onde existe maior heterogeneidade do tecido urbano.

Nos demais municípios, percebe-se que a segregação residencial está circunscrita a uma faixa territorial bem menor, sendo esta delimitada basica-mente pela distância em relação à costa. Basta circular pela região para per-ceber que, quanto mais distante se está do “núcleo regional”, menos quadras necessita-se adentrar, em direção ao continente, para encontrar a população de mais baixa renda.

Os resultados aqui obtidos pouco diferem daqueles observados em outras regiões metropolitanas, em particular na RM de Campinas, cujo estudo simi-lar encontra-se neste livro. No entanto, as peculiaridades apresentadas pela RMBS tornam-na um caso interessante para se levar em conta, para efeitos de comparação. Entre elas, poder-se-iam mencionar: a situação geográfi ca, que, entre outros aspectos, impõe-lhe uma expansão mais linear; a estrutura produtiva, baseada em boa medida nos serviços, turismo e petroquímica, que

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lhe confere especifi cidades em termos de mercado de trabalho e signifi cativa concentração espacial das atividades econômicas; e, sobretudo, o grande atrativo que exerce, para efeitos da localização residencial (as praias), o qual, tomado como “externalidade”, acaba por ter papel fundamental na produção do espaço regional; por último, o caráter de área turística, que faz que o processo de ocupação do espaço urbano seja tão ou mais infl uenciado pela especulação imobiliária, além de ser das poucas áreas metropolitanas na qual a população fl utuante representa, de fato, a um problema a ser enfrentado.

“Riqueza à beira-mar e pobreza longe da maresia”, talvez esta seja uma boa metáfora para reproduzir o que se observa na Região Metropolitana da Baixada Santista, situação que não apenas remete a uma simples separação, ou isolamento, dos estratos sociais, mas também refl ete os grandes problemas de infra-estrutura e acessibilidade, além dos ambientais, aos quais estão co-tidianamente expostos seus habitantes mais pobres. Uma história se repete tanto no planalto quando ao nível do mar!

Referências bibliográfi cas

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MARICATO, E. Metrópole na periferia do capitalismo, ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec, 1996.

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WONG, D. W. S. Spatial patterns of ethnic integration in the United States. Professional Geographer, Washington, v.50, n.1, p.13-30, feb.1998.