as razões da obesidade

100
Ciência eTecnologia no Brasil AS RAZOES DA TROPICALIA DA BAHIA PARA O MUNDO DUAS CIDADES NA MAIOR CRATERA DO PAIS ENZIMA DE MOSCA PARA PRODUZIR ALCOOL ´ ´ ´ EXEMPLAR DE ASSINANTE VENDA PROIBIDA Outubro 2007 Nº 140

Upload: pesquisa-fapesp

Post on 08-Apr-2016

277 views

Category:

Documents


11 download

DESCRIPTION

Pesquisa FAPESP - Ed. 140

TRANSCRIPT

Ciência eTecnologia no Brasil

AS RAZOES DA

TROPICALIADA BAHIA PARA O MUNDO

DUAS CIDADES NA MAIOR CRATERA DO PAIS

ENZIMA DE MOSCAPARA PRODUZIRALCOOL

´

´

´

Out

ubro

20

07

140

PE

SQ

UIS

AFA

PE

SP

EX

EM

PL

AR

DE

AS

SIN

AN

TE

VE

ND

A P

RO

IBID

A

Outubro 2007 ■ Nº 140

CAPA pesquisaassin 140 27.09.07 15:12 Page 1

02_Pub-Nossa Caixa_140 25/9/07 17:56 Page 2

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 3

IMAGENS DO MÊS*

Beleza submarina

A exposição Oceano: vida escondida exibe até 19 de outubroem São Sebastião, no litoral paulista, uma coleção de

fotografias inéditas de organismos submarinos. O objetivo damostra é desvendar a beleza dos ambientes marinhos em imagens

como as das águas-vivas Phyllorhysa punctata (abaixo) e Aequorea sp.(alto, à dir.); das poliquetas (alto à esq.), vermes comuns no ambiente

marinho, mas que passam despercebidos porque são pequenos e vivem escondidos;ou ainda de detalhes como a superfície do corpo do ouriço-do-mar Lytechinusvariegatus (esq.). Boa parte das fotos foi registrada na costa de São Sebastião por pesquisadores vinculados ao Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (CEBIMar-USP), que funciona na cidade. A mostra foi idealizada por Alvaro Migotto, diretor do CEBIMar-USP, com curadoria do biólogo AlbertoLindner. Uma seleção das imagens e informações complementares sobre a mostra está disponível no endereço www.usp.br/cbm/oceano.

FOT

OS

ALV

AR

O E

. M

IGO

TT

O

03_imagemes_140 26/9/07 15:31 Page 3

OUTUBRO 2007

> ENTREVISTA

12 Ex-presidente do IBGEanalisa o impactosocial das “concepçõesprovincianas dauniversidade brasileira”

> POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

26 ARRANJOS

PRODUTIVOS

Ação articulada entregoverno, setores de produção e depesquisa projetaPiracicaba no mercadomundial do etanol

30 DIFUSÃO

Em quatro décadas, a Bireme cumpriu a trajetória de simplesbiblioteca a referênciaem gestão dainformação científica

32 FAPESP

O ex-chanceler Celso Lafer assume a presidência da Fundação

> AMBIENTE

34 HÁ 50 ANOS

Oceanógrafo revêestudos e discussõessobre aquecimentoglobal de meio século atrás

> CIÊNCIA

40 CAPA

Responsável peloganho de peso,bloqueio à insulinacomeça no cérebroe aumentapredisposição a doenças

46 IMUNOLOGIA

Grupos europeustrabalham em conjuntopara integrar pesquisase ganhar tempo na busca de novostratamentos contracâncer e Aids

50 NEUROCIÊNCIA

Estudo mostra as fases do sono em que o cérebro armazena experiências e lembranças

140

> SEÇÕES 3 IMAGENS DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 20 ESTRATÉGIAS 36 LABORATÓRIO 60 SCIELO NOTÍCIAS .........................

12

40 CAPA

O R

AM

OS

AB

RA

O S

AN

OV

ICZ

04-05_indice_140 26.09.07 19:55 Page 4

> HUMANIDADES

80 HISTÓRIA

Partido nazista no Brasilfoi “se amolecendo, se tropicalizando”,diz pesquisadora

86 HISTÓRIA ORAL

Nos 70 anos da UNE,estudo revela papel domovimento estudantil

90 CULTURA

O Tropicalismo,movimento liderado por Caetano Velosoe Gilberto Gil, chega aos 40 anosainda polêmico

CAPA MAYUMI OKUYAMA FOTO DC| © CREASOURCE/LATINSTOCK

52 EVOLUÇÃO

Soerguimento dos Andes explica a diversidade de papagaios na América do Sul

56 GEOFÍSICA

Há 245 milhões deanos meteorito abriucratera de 40quilômetros dediâmetro na atualdivisa entre MatoGrosso e Goiás

> TECNOLOGIA

66 BIOTECNOLOGIA

Enzima de moscaproduzida em leveduracombate bactériasdanosas à fabricação de álcool combustível

70 QUÍMICA ANALÍTICA

Aparelho de ressonânciamagnética analisasementes para produçãode biodiesel

72 AGRONOMIA

Silício é usado no solopara controlar pragas,além de aumentarprodutividade e qualidade dos produtos

75 ENGENHARIA ELÉTRICA

Empresa mineiradesenvolve sistemaque recupera calor da água do banho e reduz gasto com eletricidade

78 GENÉTICA

Software criado porempresa de engenhariamolecular torna mais precisos osexames de paternidade

.............................. 62 LINHA DE PRODUÇÃO 94 FICÇÃO 96 CLASSIFICADOS 98 RESENHA

WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR> EDITORIAS > POLÍTICA C&T > AMBIENTE > CIÊNCIA > TECNOLOGIA > HUMANIDADES

66

9052

GA

BR

IEL

A R

IBE

IRO

DO

S S

AN

TO

S

DIV

UL

GA

ÇÃ

O C

OS

AC

NA

IFY

AR

TH

UR

GR

OS

SE

T

04-05_indice_140 26.09.07 19:55 Page 5

Biota

Os resultados apresentados pelo pro-grama Biota-FAPESP são de grandeimportância para o meio científico etecnológico,pois os dados produzidospor meio de pesquisas em diferentescampos garantem uma base de infor-mações seguras para futuras avalia-ções relacionadas às questões que en-volvem a biodiversidade brasileira (“Aidade da razão”,edição 139).É de ex-trema importância também que o go-verno brasileiro participe do debatesobre a formulação de propostas e par-cerias com relação às questões da bio-diversidade e do programa Biota-FA-PESP.Procurando conhecer de perto osmecanismos que envolvem as propos-tas,o governo brasi-leiro poderá ganharum pouco mais deexperiência e ama-durecimento sobrea responsabilidadeda manutenção eproteção contra osriscos de redução deespécies nas diversasregiões do país.In-clusive integralizan-do os dados à for-malização de pro-postas mais adequa-das para as chama-das bionegociações.

MARTE FERREIRA DA SILVA

Atibaia, SP

Entomologia forense

Recebi o exemplar da reportagem so-bre entomologia forense (“Memóriaspóstumas”,edição 139) e gostaria dedar os parabéns a Maria Guimarãese Francisco Bicudo pelo excelente tra-balho,competência e seriedade comque trataram o assunto.Obrigado aMariluce Moura pelas palavras noeditorial.

LEONARDO GOMES

UNESP

Rio Claro,SP

Colaboração

O interessante artigo “O carteiro das cé-lulas”,publicado na revista Pesquisa FA-PESP (edição 139), esqueceu de referirque as publicações científicas mencio-nadas tiveram importante contribuiçãodo programa Centro de Pesquisa,Ino-vação e Difusão (Cepid).Teria sido im-portante mencionar que os principaisco-autores foram ou continuam sendopesquisadores integrantes ou associa-dos do Centro de Toxinologia Aplica-da (CAT/Cepid) para que os leitores darevista percebam o impacto resultan-te de programas como os Cepids,cria-dos pela FAPESPno final do ano 2000.

ANTONIO CARLOS MARTINS DE CAMARGO

COORDENADOR DO

CAT/CepidSão Paulo,SP

Correções

Na repor tagem “Ex-perimentos na rede”(edição 139) faltouconstar,no final dapágina 74,a seguin-te frase:“O terceirosegmento é o apren-dizado eletrônico,que está iniciandosuas atividades com

o objetivo de desenvolver softwares esoluções para o ensino a distância”.

Existem quatro reatores nucleares parapesquisa,e não apenas dois,como pu-blicado na reportagem “O submari-no que dá luz”(edição 139).No mes-mo texto,o nome correto do “IR1,nor-te-americano”é IEA-R1.

Quem teria cortado o cabelo de San-são foi um homem,e não Dalila,comosaiu publicado na reportagem “Fio porfio”(edição nº 137).

6 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

■ Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem.Tel. (11) 3038-1438

■ Assinaturas, renovação e mudança de endereçoLigue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418Ou envie um e-mail: [email protected]

■ Opiniões ou sugestõesEnvie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500São Paulo, SP 05468-901pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: [email protected]

■ Site da revistaNo endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.brvocê encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

■ Para anunciarLigue para: (11) 3838-4008

MIG

UE

L B

OY

AY

AN

As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam aconstrução do conhecimentoque será fundamental para o desenvolvimento do país.Acompanhe essa evolução.

[email protected]

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected], pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidaspor motivo de espaço e clareza.

06_cartas_140 25/9/07 18:19 Page 6

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRODE 2007 ■ 7

A escolha final da reportagem de capa dequalquer revista envolve sempre,deve-mos admitir,um certo grau de arbitra-

riedade.Claro que em algumas edições há te-mas que parecem se impor vigorosamentesobre todos os demais,uma vez consideradosos cânones clássicos do jornalismo.No casode Pesquisa FAPESP, uma revista cujo olharse dirige para a produção do conhecimento,isso pode se dar tanto quando um texto jor-nalístico dá notícia de um belo projeto capazde produzir especial impacto social ou eco-nômico,como ante um outro que enfoca pes-quisa de relevância indiscutível para o avan-ço do conhecimento em seu campo ou,ain-da,em caso de uma reportagem que trata deum estudo cujas conclusões são inusitadas aponto de provocar reviravoltas nas reflexõese conceitos correntes.Ora,mas assim comonão está dentro da normalidade da produçãocientífica trazer resultados tão extraordiná-rios cotidianamente,não é usual que uma re-vista como Pesquisa tenha de cara um assun-to assim pronto para sua capa.Antes de ba-ter o martelo sobre qual afinal será ela,a prá-tica é ziguezaguear,às vezes mais,às vezes me-nos,para desespero crescente de nossa editorade arte,Mayumi Okuyama,entre dois ou trêsassuntos que disputam a nobre posição.E éaí que entra em cena a tal da dose de arbitra-riedade necessária,com uma íntima torcidapara que ela não invista contra os princípiossaudáveis do jornalismo.

Conto tudo isso porque a escolha da capadesta edição em particular foi um processo di-fícil como parto a fórceps.Queríamos de iní-cio a reportagem sobre a obesidade,mas elaparecia excessivamente técnica,com o texto ase embrenhar por um fechado cipoal de siglase nomes complicados de substâncias desco-nhecidas de leitores não íntimos da bioquími-ca do corpo humano.Tentamos migrar para areportagem sobre a maior cratera já produzidapor um meteorito no Brasil,dentro da qual seabrigam duas cidades inteiras.Avaliamos tam-bém a possibilidade de levar para a capa umtexto sobre os estudos que tentam compreen-der o significado do Tropicalismo para a cul-tura brasileira contemporânea,de Gonçalo Ju-nior,e um outro,também no âmbito das ciên-cias humanas,que fala sobre novos estudos arespeito do movimento estudantil no país,emespecial nos anos 1960 e 1970,do editor de hu-

manidades,Carlos Haag.Entrementes,o edi-tor especial Carlos Fioravanti e o editor deciência,Ricardo Zorzetto,tratavam silencio-samente de limpar mais e mais o texto sobreobesidade,livrá-lo do excesso de escolhos téc-nicos e produzir uma narrativa clara,elegan-te, onde a informação mais importante se ofe-rece ao leitor sem entraves e,ao mesmo tem-po,sem traição aos reais achados científicosdos pesquisadores que gastaram anos procu-rando entender por que a resistência à insuli-na leva à obesidade e,a partir dela,a vários ou-tros problemas de saúde.Quando os jornalis-tas por fim apresentaram o texto definitivo,obesidade retomou seu posto na capa (pági-na 40).É justo? Acreditamos que sim,mas,da-do o que falamos lá no início sobre arbitra-riedade,a questão fica aberta para os leitores,que podem chegar a seu próprio julgamento.E é sempre assim em publicações jornalísticas,o que não é mau, muito ao contrário.

Por falar em leitores,toda a equipe queproduz esta revista sentiu-se honrada há pou-cos dias ante a declaração pública de aprecia-ção a ela feita por um ilustre personagem,de-pois de se declarar seu leitor:o governadorde São Paulo,José Serra.Foi na cerimônia daposse do professor Celso Lafer na presidên-cia da FAPESP,em 26 de setembro passado.Professor titular da Faculdade de Direito daUSP,por duas vezes ministro das RelaçõesExteriores e também ministro do Desenvol-vimento,Celso Lafer substitui na presidên-cia da FAPESP o lingüista e poeta CarlosVogt,professor e ex-reitor da Unicamp e ago-ra secretário de Ensino Superior do Estado(página 32).Vale ressaltar que ali,ante umauditório lotado por autoridades e lideran-ças acadêmicas de São Paulo,o novo presi-dente observou que acredita que a soluçãodos desafios e problemas atuais da socieda-de humana exige a comunicação entre a cul-tura literária e humanística e a cultura cien-tífica, para depois detalhar melhor sua visãode ciência.Em contrapartida,o governadorreiterou essa visão e destacou que “um im-portante desafio que a Fundação deve enfren-tar com base em sua autonomia e experiên-cia é de,simultaneamente,enfatizar a pesqui-sa básica,que constrói o futuro explorandoe desenvolvendo possibilidades,e a pesquisaaplicada,que deve ter,cada vez mais,impac-to social e econômico”.

O imperativo da clareza

MARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO

CARTA DA EDITORA

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR

CELSO LAFERPRESIDENTE

MARCOS MACARIVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, MARCOS MACARI, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANIDIRETOR PRESIDENTE

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZDIRETOR CIENTÍFICO

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLERDIRETOR ADMINISTRATIVO

CONSELHO EDITORIALLUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITOR CHEFENELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIORMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITORES EXECUTIVOSCARLOS HAAG (HUMANIDADES),CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA),MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA)

EDITORES ESPECIAISCARLOS FIORAVANTI, FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE)

EDITORAS ASSISTENTESDINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃOMÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO

EDITORA DE ARTEMAYUMI OKUYAMA

ARTEARTUR VOLTOLINI, MARIA CECILIA FELLI

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

SECRETARIA DA REDAÇÃOANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201

COLABORADORESANA LIMA, ANDRÉ RESENDE, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ, FERNANDO ALMEIDA, GEISON MUNHOZ, GONÇALO JÚNIOR, JAIME PRADES, JULIA CHEREM, LAURABEATRIZ, NEGREIROS, OTTO FILGUEIRAS E YURI VASCONCELOS.

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

GERÊNCIA DE OPERAÇÕESPAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008e-mail: [email protected]

GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃORUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3038-1434 FAX: (11) 3038-1418e-mail: [email protected]

IMPRESSÃOPLURAL EDITORA E GRÁFICA

TIRAGEM: 35.800 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃODINAP

CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIROLM&X (11) 3865-4949

GESTÃO ADMINISTRATIVAINSTITUTO UNIEMP

FAPESPRUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP

ANOS

45

ISSN 1519-8774

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

07_editorial_140 27.09.07 18:08 Page 7

8 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Observatório Nacional completa 180 anos de serviços e pesquisas | NELDSON MARCOLIN

Observe as seguintes datasredondas: há 30 anos começaramas observações para estabelecer o diâmetro do Sol; faz 40 anos da adoção dos relógios atômicosde césio-133 para medir a horabrasileira com mais precisão;

50 anos atrás foi instalado umobservatório magnético na ilha deTatuoca, na foz do rio Amazonas, paraampliar o estudo de geomagnetismo emonitorar o campo magnético terrestre.Para além das efemérides, só umainstituição como o ObservatórioNacional (ON), responsável pelas obrasrelacionadas acima, poderia ter umahistória tão rica e extensa. A qualidadedos trabalhos desenvolvidos e sualongevidade garantem um bom númerode datas repletas de feitos para comemorar.Em outubro ocorre mais uma delas – o observatório completa 180 anos.

O ON é uma das mais antigasinstituições científicas brasileiras,criado por dom Pedro I em 1827, o maisantigo observatório em funcionamentono hemisfério Sul e foi pensado por razões estratégicas. A família real jáestava no país desde 1808 e era precisosaber mais sobre a geografia do territóriobrasileiro, demarcar fronteiras, além dereunir e tornar disponíveis informaçõesseguras relativas à navegação. A origemdo ON está, porém, um século para trás.“Segundo o padre Serafim Leite, em 1730os jesuítas instalaram um observatóriono morro do Castelo, no Rio de Janeiro”,conta Marcomede Rangel, físico dainstituição e estudioso de sua história.Nesse mesmo local foi montado pelosastrônomos portugueses Sanches d’Ortae Oliveira Barbosa um observatório em 1780, para observações regulares de astronomia. O acervo acumulado por eles foi transferido para a Academia Real Militar em 1808.

No livro O observatório astronômico:um século de história 1827-1927

FOT

OS

OB

SE

RV

AT

ÓR

IO N

AC

ION

AL

MEMÓRIA

( )

Céu de histórias

Cúpula da GrandeEquatorial, em1880, instalada noON do morro doCastelo, que nãoexiste mais

08-11_memoria_140 25/9/07 18:50 Page 8

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 9

(Mast/Salamandra, 1987),Henrique Charles Morize,astrônomo e ex-diretor do ON, conta como eraurgente ter informaçõescientíficas sobre o país,como referência para a geografia em terra e no mar: “Os capitães dosnavios tinham necessidadede conhecer a declinaçãomagnética, assim como a hora média e a longitudepara regular seuscronômetros a fim depoder empreender comsegurança a viagem deretorno ou de continuá-la”. Os comandantes dosnavios ou o encarregadoda navegação faziam isso por meio de cálculosaproximados. “Mas issopoderia ser obtido commais exatidão e facilidadepor profissionais providos de instrumentosem um observatório”,escreveu Morize.

O primeiroobservatório foi instaladono torreão da EscolaMilitar, coordenado peloprofessor de matemáticaPedro de AlcântaraBellegarde, com o nome de ObservatórioAstronômico, ligado aoMinistério do Império.A instituição, aliás, teveoutros nomes até ganhar o atual, em 1920. Depoisde quase duas décadas,o ministro da Guerra,Jerônimo FranciscoCoelho, o reorganizou em 1845 e nomeou comodiretor o professor

de dirigir os trabalhos para a pesquisa científica e prestação de serviços emmeteorologia, astronomia,geofísica, na medição do tempo e nadeterminação da hora.

O engenheiro militar e astrônomo belga LuisCruls sucedeu Liais após a segunda passagem deste pela direção do ON,entre 1874 e 1881.No período em que o ON foi dirigido por Cruls, ele deu prosseguimento aoAnuário do Observatório,

publicado desde 1853,durante a gestão deAntonio Manuel de Mello,uma das mais antigaspublicações técnicasbrasileiras, editada aindahoje. Houve também nessaépoca algumas expediçõesimportantes. Uma delas ocorreu em 1882,quando uma missão foi a Punta Arenas, região subantártica, observar a passagem de Vênus pelodisco solar com o objetivode determinar a distânciaentre a Terra e o Sol,

Soulier de Sauve, da Escola Militar, que fez o primeiro regulamento.

“No período de 1827 a 1871 o observatórioocupou-se quaseexclusivamente dainstrução de alunos dasescolas militares de terra e mar”, conta MarcomedeRangel. Em 1871 saiu da administração militar e o cientista francêsEmmanuel Liais, amigo de dom Pedro II, foinomeado diretor pelaprimeira vez. Ele tratou

Eclipse do Solfotografadoem Sobral(1919)

08-11_memoria_140 25/9/07 18:50 Page 9

10 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Pesquisas Físicas e ex-diretor do Museu deAstronomia e CiênciasAfins (Mast), instituiçãocriada em 1985 e derivada do próprio ON.“A vinda de Liais para o Brasil, os trabalhos deCruls e de muitos outrosfizeram do observatóriouma instituição que,além de prestar serviçosfundamentais, iniciouatividades científicas de cunho acadêmico.”

Henrique Morizeassumiu a direção depoisde Cruls, em 1908, e lutoupor um novo prédio para o ON, mais bem equipado e com profissionaisqualificados. Em 1922 o observatório saiu do morro do Castelo (atual esplanada doCastelo) para o morro de São Januário, em São Cristóvão. Morizecoordenou os trabalhos da expedição inglesa que

documentou o eclipse totaldo Sol em Sobral (CE),em 1919. Tambémobservado na Ilha Príncipe,o fenômeno se tornoufamoso por corroborar a Teoria Geral daRelatividade de AlbertEinstein ao constatar o desvio da luz das estrelasprovocado pela força

da gravidade do Sol. FoiMorize quem sugeriuSobral para a observaçãodo fenômeno dentroda faixa de visibilidade.“A equipe do ON não foi aresponsável pelas medidas,realizadas pelos ingleses,mas estava lá, construindoa infra-estrutura”, dizBarros. Seis anos depois,

FOT

OS

OB

SE

RV

AT

ÓR

IO N

AC

ION

AL

Albert Einstein (no centro) visitao ON, em 1925.Abaixo, campusdo observatórioem 1930

como parte de um projetocientífico mundial. Outraesteve no Brasil Central,entre 1892 e 1893,chefiada pelo próprioCruls, para escolha doquadrilátero – o DistritoFederal – onde poderia ser construída uma novacapital para o país.

“Numa época em que o Brasil vivia os primeirosanos independente dePortugal, o observatóriomedia a hora e contribuiupara definir as fronteirasbrasileiras, ou seja,construiu as noções deespaço e tempo brasileirosque são essenciais para se pensar numa nação”,avalia Henrique Lins de Barros, biofísico doCentro Brasileiro de

08-11_memoria_140 25/9/07 18:50 Page 10

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 11

o próprio Einstein visitouo ON e foi recebido pelosastrônomos brasileiros que estiveram em Sobral.

As pesquisasastronômicas semprechamaram mais a atenção,mas os levantamentosgeofísicos em todo o território nacionalresultaram na implantaçãode redes de referência do campo de gravidade,a partir de 1955, e degeomagnetismo, desde1915, com a instalação doObservatório Magnéticode Vassouras (RJ).

Em 1981 foi abertoo Observatório AstrofísicoBrasileiro, em Brasópolis(MG), desmembrado do ON quatro anos depois,dando origem ao atualLaboratório Nacional de Astrofísica (LNA). “Aastronomia brasileira podeter seu grande telescópio a partir dessa época e dasmãos de seu diretor LuizMuniz Barreto”, dizMarcomede Rangel. Otelescópio de 1,6 metro doLNA foi um dos principaisresponsáveis pelo avançoda astronomia feita noBrasil nos últimos 20 anos.

Radicado no Brasil háquase 30 anos, com grandeexperiência em centros de pesquisa dos EstadosUnidos e de Israel, o físiconorte-americano ReuvenOpher, do Instituto deAstronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas daUniversidade de São Paulo(IAG/USP), confirma essa mudança. “Antes os brasileiros publicavammuito menos nos bonsperiódicos da área”, diz.“Agora há bons grupos doON que publicam muito esão de nível internacional,como o que trabalha com energia escura.”Sueli Viegas, pesquisadorado mesmo IAG/USP,

cita outro grupo do ON conhecidointernacionalmente,coordenado por DanielaLazzaro, nas áreas desistema solar, astronomiadinâmica e sistemasplanetários.

Como já foi dito, o ONnão produz apenas ciênciabásica. Neste século tem se dedicado em especial a pesquisas que possamresultar em tecnologiasinovadoras para o país.Em conjunto com o CBPFe o Laboratório Nacional de Computação Científica(LNCC) formou umNúcleo de InovaçãoTecnológica. Em 2004,a área de Metrologia em Tempo e Freqüência –responsável pela HoraOficial do Brasil –certificou o Carimbo doTempo, um produto queagrega valor jurídico aosdocumentos eletrônicos.Ele funciona ainda comoum “protocolizador”de transações eletrônicas,impedindo que o conteúdo do documentopossa ser adulterado.

Expedição Cruls,realizada ao Brasil

Central, entre1892 e 1893, paraa escolha do local

para uma novacapital. Abaixo, a

antiga sede do ON,em 1921, que hoje

abriga o Mast

Ao olhar para o futuro, os astrônomosolham cada vez menospara o céu. “Quase todo o trabalho é feitohoje com computadores”,diz Reuven Opher.“Os astrônomos têm a função de interpretar as informações recebidas.”A imagem romântica do astrônomo solitáriomirando as estrelas com um telescópio na madrugada ficou,definitivamente, para trás.

08-11_memoria_140 25/9/07 18:51 Page 11

12 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Simon Schwartzman

ENTREVISTA‘

Osociólogo Simon Schwartzmanestá terminando mais um estu-do sobre o estado, os impassese as perspectivas da ciência bra-sileira. O primeiro – Um espa-ço para a ciência – resultou emum livro indispensável para en-

tender como se constituíram os primei-ros grupos de pesquisa do Brasil: A for-mação da comunidade científica no brasil,publicado inicialmente em 1979, revis-to e editado em inglês em 1991, e reedi-tado em português em 2001. No inícioda década de 1990 ele participou de umgrupo que produziu um trabalho de re-percussão internacional sobre as novasformas de produção do conhecimento –The new production of knowledge – Thedynamics of science and research in con-temporary societies, coordenado por Mi-chael Gibbons – que mostrou que a ciên-cia contemporânea nos países mais avan-çados tendia para o rompimento das bar-reiras entre a pesquisa acadêmica e a pes-quisa aplicada, o mundo universitário, asindústrias e as agências governamentais,e também entre as disciplinas científi-cas tradicionais. Essa abordagem, que im-

plica uma reconfiguração profunda damaneira pela qual as agências governa-mentais, indústrias, centros de pesquisae universidades se organizam, pode sera saída para muitos impasses do Brasil,como Schwartzman propôs em segui-da em amplo estudo sobre as alternati-vas de política de ciência e tecnologiapara o país. Seu trabalho mais recenteé uma comparação entre 16 grupos ecentros de pesquisa universitários na Ar-gentina, Brasil, Chile e México que, dediferentes modos, combinaram trabalhocientífico de alta qualidade com aplica-ções efetivas de relevância econômica esocial. Aos 68 anos, pesquisador do Ins-tituto de Estudos do Trabalho e Socie-dade (IETS), Schwartzman revê nestaentrevista a função da universidade, quepoderia ser mais ativa à frente das inova-ções; redimensiona o papel das empre-sas; e valoriza as atribuições do governo,agente primordial no desenvolvimentocientífico e tecnológico desde que deixas-se de ser simplesmente um financiadorda oferta da pesquisa e assumisse o papelde usuário e solicitador de conhecimen-tos científicos e tecnológicos.

■ Quais as grandes lições desse trabalhoque compara as estratégias de repasse detecnologia adotadas em quatro países?— Ainda estamos na etapa de digerir to-do esse material. Nos quatro países, emmaior ou menor grau, houve importan-tes iniciativas de fortalecer a ciência aca-dêmica, através de sistemas de avaliaçãoe premiação ao desempenho. O Brasil foio país que avançou mais, com o trabalhoda Capes [Coordenação de Aperfeiçoa-mento de Pessoal de Ensino Superior],que historicamente tem esse papel de es-tabelecer padrões, usar publicações cien-tíficas como critério de qualidade, ava-liar os cursos etc. Isso permitiu que o paísdesenvolvesse um importante sistema deensino de pós-graduação e pesquisa uni-versitária, o mais avançado da AméricaLatina, mas que agora, no entanto, come-ça a sentir os limites causados pela suaênfase excessiva no modo 1, mais acadê-mico, de trabalho científico. O Méxicocriou um sistema semelhante, através doPadrón Nacional de Posgrado, que se so-ma ao já estabelecido Padrón de Excelên-cia para la Ciencia y Tecnologia do Co-nacyt, o Conselho Nacional de Ciência

O crítico da ciência

12-17_entrevista_140 25/9/07 18:21 Page 12

e Tecnologia de lá. O Chile e a Argenti-na têm sistemas menos desenvolvidos.O Chile criou um sistema universitárioem que as universidades são mais impe-lidas a buscar recursos próprios. Elas têmde cobrar anuidades, não recebem o di-nheiro todo do Estado, não importa sesão públicas ou privadas. A Argentinaé um pouco diferente porque não ado-tou, como o Chile, uma estratégia deli-berada de buscar recursos externos demercado, mas também não desenvolveuum sistema de apoio público tão fortequanto o Brasil e o México.

■ Em cada país, que exemplos o senhordestacaria?— No Brasil, o Departamento de Infor-mática da PUC-Rio [Pontifícia Univer-sidade Católica do Rio de Janeiro]. É umgrupo pioneiro, que participou dos pro-jetos de criação dos primeiros computa-dores aqui. A PUC recebia dinheiro pú-blico, mas há vários anos não recebe eagora tem de buscar recursos no mer-cado. E faz isso a partir da competênciacientífica que acumulou ao longo dosanos. Das instituições privadas no Bra-

sil, talvez seja a mais avançada do pon-to de vista de pesquisa científica e tecno-lógica, e dentro dela a área de informáti-ca talvez seja uma das mais notáveis. APUC é bastante agressiva (no sentidoamericano e não brasileiro da expressão)nas iniciativas de buscar recursos, fazerconvênios e funcionar como incuba-dora de empresas. Outro exemplo inte-ressante é a Fundação Getúlio Vargas(FGV). O programa de pós-graduaçãoem economia, um dos mais importantesdo Brasil, tem um sistema de incentivosacadêmicos muito forte, e todos os seusprofessores são fortemente recompensa-dos pela publicação de trabalhos em re-vistas internacionais de alto nível. Por ou-tro lado, a FGV também capta recursos,através de outros setores, como o Insti-tuto Brasileiro de Economia, e sobretu-do através dos cursos de extensão, cujoreconhecimento vem em grande parte doprestígio da Escola de Pós-Graduação.Mas a FGV separa as duas coisas: quemestá no programa de pós-graduação nãoprecisa buscar recursos lá fora; quembusca recursos normalmente não estánesse programa. Podemos contrastar es-

sa situação com a do Centro de Modela-mento Matemático da Universidade doChile. É um grupo de alto nível da áreade matemática, que tem status de labo-ratório do CNRS [Centro Nacional dePesquisa Científica] francês em Santia-go. Eles fazem um trabalho aplicado demodelamento matemático em áreas quetêm a ver com o lixiviamento do cobre,um processo de separação em que se usaum tipo de bactéria, e tem toda umaquestão de modelos matemáticos sobrea variabilidade genética dessas bactérias.Conforme o desenvolvimento das bacté-rias, a produtividade pode ser maior oumenor. Do ponto de vista matemático,exige um trabalho de pesquisa nova, si-tuada na fronteira entre a biologia mo-lecular e a matemática. As aplicações sãode muita importância, já que o Chile éum dos maiores produtores de cobre domundo. A Codelco, Companhia Chilenade Cobre, é que financia o projeto. Elesestão, ao mesmo tempo, produzindo co-nhecimento científico de ponta e traba-lho aplicado. Esse é o exemplo que es-tamos buscando, o casamento da pesqui-sa com a aplicação – uma coisa não é

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 13

FOTOS LÉO RAMOS

Ex-presidente do IBGE analisa os impactos sociais das “concepções provincianas da universidade brasileira” | CARLOS FIORAVANTI, D O RIO DE JA N EI RO

12-17_entrevista_140 25/9/07 18:22 Page 13

14 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

oposta à outra. Freqüentemente as pes-soas da área acadêmica temem a situaçãode ter que buscar financiamento atra-vés de projetos com parceiros externos,como se isso levasse à perda de qualida-de do trabalho acadêmico. Em alguns ca-sos isso de fato ocorre, mas o caso doChile é um bom exemplo onde não só nãoocorre, como as duas coisas se alimentam.

■ Como eles conseguiram?— Primeiro, eles têm necessidade. Os re-cursos disponíveis lá não permitem queavancem muito sem buscar recursos ex-ternos. Ao mesmo tempo, eles mantêmum controle acadêmico sobre o trabalho.Não aceitam qualquer coisa, têm crité-rios próprios e o trabalho tem de ter umconteúdo intelectual de inovação. Per-guntamos a um jovem pesquisador co-mo conseguia combinar as duas coisas,o trabalho acadêmico e o trabalho apli-cado, e ele respondeu: “A gente trabalhaem dobro”. Um dos pontos em comumentre todos os casos é que eles têm de es-tabelecer regras próprias de relaciona-mento com o mundo não-acadêmico.E isso tem a ver com fluxo de dinheiro,com a forma como recebem e adminis-tram os recursos, com a autonomia naseleção das pessoas que vão trabalhar...Os pesquisadores desses grupos, e sobre-tudo seus líderes, são muito empresa-riais, estão sempre olhando para algomais amplo, para um mundo que não ésó o da pesquisa científica. Outra carac-terística comum é a necessidade de umaliderança acadêmica forte. É o caso deum grupo de química da UniversidadeEstadual de Campinas [Unicamp], di-rigido pelo Fernando Galembeck, umapessoa com uma formação científicamuito boa e uma longa experiência detrabalho aplicado e uma série de patentes.

■ Os outros países também se preocupamcom patentes?— Em poucas ocasiões esse tema apa-receu como algo importante. É um para-doxo, porque se imagina que as patentesseriam a culminância da pesquisa apli-cada de interesse industrial. Um dos pro-blemas centrais é o processo de registroe sobretudo os custos de manutenção edefesa das patentes. Se alguém usar sempagar ou registrar patente semelhante,é preciso entrar na Justiça para garantiresse direito, na Europa, Estados Unidosou Ásia, conforme for o caso. O custo de

uma patente efetiva pode chegar a cen-tenas de milhares de dólares. Então,quem é que vai fazer a patente? Umagrande empresa, que tem um interessecomercial claramente definido. Sem umparceiro comercial forte, a patente nãotem sentido. Como essas pontes para fo-ra são débeis, as patentes não se transfor-mam em produtos efetivamente rentá-veis, ou muito raramente.

■ Comparativamente, como está o Brasil?— Academicamente, nas publicações, oBrasil avançou muito, mas não tanto doponto de vista das aplicações, de uso daciência. Em geral, nosso sistema de in-centivos ainda é muito acadêmico. Vejao caso da Capes, uma instituição que to-do mundo considera muito bem-sucedi-da, mas que está chegando ao limite doseu modelo: está montada para a valori-zação do trabalho acadêmico, tem mui-ta dificuldade para apoiar áreas interdis-ciplinares e desestimula qualquer tipo deatividade em que exista um benefício quetenha a ver com resultados, com aplica-ções. A Capes tenta colocar todos os pro-gramas de pós-graduação no país dentrode um sistema unificado e coordenadode avaliação, mas este sistema já come-ça a se extravasar. O Brasil até hoje nãoconseguiu avançar com os mestradosprofissionais, que são os que predomi-nam em todo o mundo, porque eles nãose sairiam bem nas avaliações da Capes.Por outro lado, existem muitos cursos depós-graduação que, para fugir da siste-mática da Capes, se denominam de ex-tensão, ou MBA. A Capes é uma agên-cia federal, mas as universidades esta-duais são autônomas, não precisam seravaliadas por ela, e podem entrar emconvênios com instituições estrangeiraspara cursos avançados e pesquisas sempassar pela avaliação da Capes.Além dis-so, temos instituições internacionais ofe-recendo cursos e titulações a distância,ou se instalando no Brasil... Temos deavançar, não no sentido de abandonar apesquisa de qualidade, mas de criar in-centivos mais fortes para que as insti-tuições façam pontes, acordos de coope-ração e busquem recursos adicionais. In-clusive porque a escala de recursos queuma instituição pode ter vai dependermuito da própria capacidade de se va-lorizar ao mundo externo. Presidi o IBGEdurante cinco anos e descobri que oIBGE, da mesma forma que o Ipea [Ins-

tituto de Pesquisa Econômica Aplicada],não aparecia como instituição nos levan-tamentos do Ministério da Ciência e Tec-nologia. Tinha um orçamento anual decerca de US$ 500 milhões para as ativida-des correntes, fora recursos muito maio-res nos períodos de recenseamento. Istoé ou não é gasto de pesquisa nas ciên-cias sociais? A qualidade da pesquisa doIBGE poderia ser muito melhor, porque,na verdade, ele não está pensado comoinstituto de pesquisa, mas como umaburocracia de produzir dados, numaconcepção antiga. Ele tem um quadrotécnico de alto nível pequeno, ao ladode uma grande burocracia de milharesde funcionários espalhados pelo país.Com os mesmos ou menos recursos euma reforma institucional adequada, elepoderia dar um salto e avançar muito naqualidade e relevância dos trabalhos querealiza em temas cruciais como pobre-za, desigualdade, mercado de trabalho,migrações, saúde, contas nacionais, etantos outros.

■ Na terceira Pintec [Pesquisa Industrialde Inovação Tecnológica], divulgada emjulho, o número de empresas inovadorasnão avançou muito entre 2003 e 2005; sóuma em cada três das 91 mil empresas bra-sileiras tem alguma atividade de pesqui-sa e desenvolvimento. Ao mesmo tempo,um levantamento da Fiesp [Federação dasIndústrias do Estado de São Paulo] mos-tra que 80% das empresas paulistas desco-nhecem as linhas de apoio à inovação e70% trabalham com recursos próprios. Co-mo entender esses resultados?— Uma queixa comum na área empre-sarial é que é muito complicado usar osfundos públicos de inovação. Como osprocedimentos são lentos e não se sabequando o dinheiro vai sair, muitas em-presas acham que não vale a pena o es-forço. Se o financiamento à inovação émuito subsidiado, existe o risco de as em-presas buscarem o dinheiro e usarem paraoutros fins. Outra questão é o estímulo,a necessidade que as empresas têm deinovar. É uma questão que já não é maisda ciência, mas de economia. Algumasempresas competem no mundo em ter-mos de inovação e eficiência, enquantooutras trabalham mais em quantidade,baixando os preços, porque conseguemmão-de-obra mais barata, e não têm co-mo competir no nível da tecnologia maisalta. Também é importante dizer que no

12-17_entrevista_140 25/9/07 18:22 Page 14

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 15

Brasil as principais empresas de alta tec-nologia são multinacionais que têm seuslaboratórios de pesquisa e desenvolvi-mento fora do Brasil. Muitas multina-cionais estão espalhando centros de pes-quisas pelo mundo, mas o Brasil não temsido uma escolha porque falta pessoal, umambiente adequado e, inclusive, seguran-ça pessoal para os pesquisadores.

■ O senhor vê alguma perspectiva de mu-dar esse quadro?— Não espero muito e não acredito queo dinamismo virá do setor empresarial.O maior dinamismo deve vir do setor pú-blico, que tem uma capacidade de com-pra muito grande em áreas que requeremum trabalho intenso e permanente depesquisa e inovação, como energia, clima,recursos naturais, meio ambiente, saúde,e toda a área social. Nos Estados Unidos,por exemplo, a pesquisa social se desen-volveu muito fortemente associada às ten-tativas de implantação de políticas públi-cas dessas áreas. Isso já ocorre em parteno Brasil, e alguns setores do governo fe-deral mantêm seus próprios centros depesquisa, como a Embrapa, o InstitutoOswaldo Cruz, o Ipea, O Inep [InstitutoNacional de Estudos e Pesquisas Educa-cionais], o IBGE, o CTA [Centro Técni-co Aeroespacial] – e outros contratam re-gularmente pesquisas para apoiar seustrabalhos.

■ O setor público está pedindo tanto quan-to poderia?— Ainda não, e um dos problemas é quenem sempre o pesquisador vai dizer o queo contratante quer. O contratante quequiser alguém para avaliar e legitimar seusprojetos vai escolher quem ele sabe quenão vai dizer nada desagradável. Isso podelevar ao afastamento dos pesquisadores ecentros de pesquisa mais independentese o desenvolvimento de centros e gru-pos de pesquisa fazendo trabalhos muitofinanciados e de má qualidade e credi-bilidade. É necessário que os centros depesquisa sejam realmente independentese não totalmente controlados, direta ouindiretamente, pelos seus clientes, e queos processos de contratação sejam públi-cos e transparentes.

■ O que fazer para melhorar essa situação?— Em relação aos centros acadêmicos depesquisa, é importante desenvolver siste-mas de incentivos que favoreçam mais a

aplicação e a busca de resultados, e nãosomente os critérios acadêmicos de qua-lidade. As fundações universitárias, queexistem na USP e em muitas universida-des públicas, são uma maneira interessan-te de criar pontes mais efetivas com omundo externo. Há um movimento, queeu diria muito reacionário, que busca der-rubar essas pontes, argumentando que auniversidade pública não pode receber di-nheiro fora do orçamento e o professornão pode ter complementação salarial.Deveria ser o contrário. Um professorcompetente na área de computação quepossa fazer contribuições importantes nãotem de ganhar o mesmo que um profes-sor de história, geografia, sociologia, queé a minha área, ou de ciência política. Omercado é diferente. Ou a universidadedá a essas pessoas o mesmo tipo de van-tagens que o mercado daria, ou vai per-dê-las. Essas mudanças passam pela au-tonomia efetiva das universidades na áreade pessoal e na de remuneração, que elasnem sempre têm como deveriam.

■ Como o senhor próprio escreveu em umartigo recente, a reforma universitária ter-minou antes de começar. Por que às vezesas perspectivas de mudanças parecem tãodifíceis e remotas?— Você deve estar se referindo ao pro-jeto de reforma de Tarso Genro, muitomal concebido, que provocou muitas reações e que parece na prática ter sidoabandonado pelo ministro FernandoHaddad. Na época do governo FernandoHenrique Cardoso, o Paulo Renato deSouza, como ministro da Educação, ten-tou mexer com as universidades públicas,dando-lhes mais autonomia e respon-sabilidade pela qualidade de seus resulta-dos e uso adequado de recursos. Houveuma reação contrária muito forte e na-da se fez. Na época do Itamar Franco, to-dos na universidade gostavam de MuriloHingel, o ministro da Educação; ele sem-pre elogiava as universidades e não tinhanenhuma política para o setor. O atualgoverno faz também um pouco isso. Ogoverno Lula tem uma política explícitade aumentar os recursos para as univer-sidades públicas e ao mesmo tempo en-fraqueceu o principal instrumento deavaliação que existia no setor, que era oantigo provão. As principais políticas dogoverno federal para o ensino superiortêm sido na área da inclusão social, pe-las cotas raciais e pelo ProUni, o Progra-

Não acredito que o dinamismovirá do setorempresarial. O maiordinamismo deve vir do setorpúblico, que tem uma grandecapacidade de compra em áreas querequerem umtrabalho intensode pesquisa e inovação

12-17_entrevista_140 25/9/07 18:22 Page 15

16 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

ma Universidade para Todos. Em am-bos os casos a ampliação do acesso temsido feita sem nenhuma política para ga-rantir que os cursos são de qualidade eque os alunos terão condições efetivas decompensar suas deficiências de forma-ção e completar seus cursos.Agora come-ça a haver alguma preocupação com isso,e algumas experiências interessantes, co-mo a tentativa, em algumas universida-des federais como a da Bahia e a nova uni-versidade federal do ABC, de introduzirum formato semelhante ao do processode Bologna europeu, que adia o momen-to de escolha profissional para os estu-dantes que entram no ensino superior.Auniversidade pública brasileira é pequenapara as necessidades do país, custa mui-to caro em termos de gastos por estudan-te, não tem um sistema bem definido decontrole de qualidade e subsidia muitosestudantes de classe média e alta que po-deriam estar pagando pelos seus estudos.Mas quase 80% do ensino superior bra-sileiro é privado, com coisas boas e ruins,e não existem políticas positivas para osetor, somente a suspeita permanente deque ele é ilegítimo e não deveria existir.É preciso começar a discutir mais a fun-do para que estamos financiando esse sis-tema todo, o que devemos esperar dasuniversidades públicas, dentre as quaisestão as que concentram a pesquisa, equal o papel da educação superior priva-da. Os governos têm sido complacentese preferem atender às demandas de cur-to prazo, sem criar problemas, a pensarnum projeto a longo prazo.

■ Qual sua perspectiva? — Não vejo atualmente nenhum esfor-ço sério em mexer nem na questão dapesquisa, nem do ensino superior. Paramuitos pesquisadores, a idéia que têm so-bre política científica se limita a pressio-nar para que o governo dê mais dinhei-ro para seus projetos. Mas dinheiro nãoé suficiente. Na Europa e em muitos paí-ses da Ásia está havendo um grande mo-vimento para concentrar recursos de pes-quisa em algumas universidades que pos-sam atingir padrões internacionais dequalidade de pesquisa, inovação e forma-ção, e funcionem como referência paraas demais e ponte efetiva para a produ-ção cientifica e intelectual do resto domundo. No Brasil, a USP poderia ter essepapel, pelo seu orçamento e a massa derecursos humanos de qualidade que pos-

sui. Mas, se olharmos por exemplo o fa-moso ranking das universidades publica-do pela Universidade de Jiao Tong naChina, a USP, que é a melhor da Amé-rica Latina, aparece no grupo na posição102-120, ou seja, não tem presença inter-nacional. Não existe hoje, no Brasil, ne-nhuma política deliberada de excelência,nem do governo de São Paulo, nem dogoverno federal, e há muitos que pensamque falar em excelência e competição porqualidade não são coisas politicamentecorretas. As universidades de excelênciaatraem talentos, recursos e conhecimen-tos de toda parte, e criam circuitos inter-nacionais de contatos e prestígio paraseus países. Por que instituições como aUSP ou a Unicamp não abrem mais seusprogramas de pós-graduação para alu-nos de outros países da América Lati-na? Uma das razões é que, como são pú-blicas, não poderiam cobrar dos alunos.Nem sempre também se sabe como sele-cionar esses estudantes, porque a seleçãoé toda em português e formal. O sistematodo é muito rígido. A dimensão inter-nacional fica capenga porque temos umaconcepção muito provinciana e fecha-da do que é uma universidade.

■ Por favor, conte agora de sua própria for-mação e de como construiu essa visão deciência brasileira e de ensino superior noBrasil.— Me formei em Belo Horizonte, em1961, e passei dois anos no Chile na Fa-culdade Latino-America de Ciências So-ciais, a Flacso. A maioria dos professoreseram europeus, e os estudantes vinhamde toda a América Latina. Foi o meu pri-meiro contato com a sociologia moder-na.Voltei ao Brasil no início de 1964, masfui preso, acusado do crime de subvertera mente dos jovens. Quando fui para oChile eu tinha um vínculo como pesqui-sador com a UFMG e na volta me derama responsabilidade de ensinar ciência po-lítica. Dei duas aulas e fui preso. Antes deviajar tinha participado do movimentoestudantil em 1959 e 1960.

■ Quanto tempo ficou preso?— Um mês, mais ou menos. Naquela si-tuação de não saber o que ia acontecer,se ia ter processo... Quando me soltaram,um mês depois saí do país e fui para aNoruega. No Chile tive como professor oJohan Galtung, um pesquisador norue-guês que me convidou para trabalhar

É preciso começara discutir mais a fundo para que estamos financiando essesistema todo, o que devemosesperar das universidades públicas, dentreas quais estão asque concentram a pesquisa, e qual o papel da educação superior privada

12-17_entrevista_140 25/9/07 18:22 Page 16

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 17

com ele em um instituto que ele dirigiaem Oslo. Passei um ano lá e outro ano naArgentina. Depois fui para os EstadosUnidos fazer o doutorado em ciência po-lítica. Até aí os meus temas eram mais depolítica, partidos políticos e sistemas po-líticos, sistemas internacionais. Fiz dou-torado em Berkeley, e a minha tese foipublicada com o título São Paulo e o Es-tado nacional, revista mais tarde e publi-cada como Bases do autoritarismo bra-sileiro. Nos anos 1970 eu estava traba-lhando na FGV, no Iuperj [Instituto dePesquisas em Ciências Sociais no Rio deJaneiro], e fui para a Finep [Financiado-ra de Estudos e Projetos]. Foi aí que co-mecei a me envolver com ciência e tec-nologia. Foi lá que surgiu a idéia de fazera pesquisa histórica sobre a ciência bra-sileira, que depois saiu em livro, Forma-ção da comunidade científica no Brasil.Com os recursos da Finep, consegui umaequipe boa e entrevistamos cerca de 70pesquisadores e líderes das principais ins-tituições de pesquisa do Brasil, por vá-rias horas. Na época trouxemos um dosprincipais especialistas internacionais naárea de estudos sobre ciência, o soció-logo Joseph Ben-David, com quem dis-cutimos longamente nosso projeto e quenos deixou um texto muito interessan-te sobre a ciência brasileira, disponível nomeu site (http://www.schwartzman.org.br/simon/). Foi uma oportunidade olhara literatura internacional sobre históriae sociologia da ciência, e fazer um amplolevantamento sobre o que já existia so-bre isso no Brasil. Na época havia muitoressentimento, desconfiança e hostilida-de entre os cientistas e o regime militar.Mas José Pelúcio Ferreira, então presi-dente da Finep, tinha uma visão comple-tamente distinta e muito interesse em tra-zer os cientistas exilados de volta para oBrasil e fortalecer suas instituições. Poroutro lado, havia já uma discussão sobreo tema da ciência aplicada ou não-apli-cada e a autonomia do trabalho científi-co. A visão do Pelúcio, como economis-ta, era muito aplicada. O próprio dese-nho que se fez naquela época do setor deC&T, com forte influência dele, era as-sim. O CNPq, que era um órgão ligado àPresidência da República, se transfor-ma em Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico, e, jun-to com a Finep, passa para o Ministériodo Planejamento. Havia uma idéia deque a ciência faz parte do planejamento,

e que, assim como se deve planejar a eco-nomia, se deveria também a ciência.

■ O senhor gostava desse enfoque?— Não. Eu nunca acreditei no planeja-mento da economia e muito menos noplanejamento da ciência. Para se ter ciên-cia é preciso uma comunidade científicalivre. Deve ser livre, acadêmica, tem deter instituições com independência. Ben-David mostra bem, em seus estudos, co-mo foi assim que a ciência ocidental sedesenvolveu. Além dele, Robert Merton,um dos principais nomes da sociologianorte-americana, havia desenvolvido aidéia da ciência como uma comunida-de livre de scholars, que se contrapunhaàs tentativas de atrelar a ciência aos regi-mes políticos que, nas décadas de 1930 e40, tentaram amarrar a ciência aos re-gimes autoritários da Alemanha nazista,antes, e à União Soviética stalinista, de-pois. Esses autores se opunham à tradi-ção que se pode chamar bernalista, deJohn Desmond Bernal. Bernal era um in-glês que desenvolveu pesquisas originaisna área de cristalografia e contribuiu ati-vamente para o esforço de guerra de seupaís contra a Alemanha. Era fascinadopela União Soviética, que citava comoum grande exemplo de como se coloca aciência a serviço da sociedade. Nisso eleseguia a tradição de Jean Perrin, físico ePrêmio Nobel francês, responsável, jun-to com Irène Joliot-Curie, pela organiza-ção do sistema científico francês no pe-ríodo do Froint Populaire na década de1930. Para eles, a ciência tem de estardentro do Estado, a serviço do planeja-mento, e ajudar a organizar a sociedadede acordo com critérios científicos.

■ São duas visões radicais...— E também totalitárias. Bernal tem umtrabalho famoso, Science in history (Ciên-cia na história), em quatro volumes. Emtrês ele faz uma história da ciência mui-to interessante e o quarto volume é de-dicado a mostrar como a União Sovié-tica era a culminação da ciência socialaplicada. Muitos cientistas brasileiros fa-mosos, principalmente da geração for-mada nos anos 1940 e 50, adotaram asidéias de Bernal e Perrin e militaram ati-vamente no movimento comunista, omais conhecido sendo Mário Schenberg.Nunca vi textos em que esses cientistasdiscutissem essas coisas expressamente,eram coisas que consideravam naturais.

A visão deles da ciência é essa visão so-crática, “o cientista é que vai governar”.O conflito que eles tiveram com os mi-litares era menos um conflito sobre o pa-pel e o lugar da ciência na sociedade emais sobre o reconhecimento do papelque deveriam ter nos sistemas de plane-jamento. O objetivo da pesquisa sobre acomunidade científica brasileira, refletidano próprio título do livro, era recuperara importância da noção de uma “repúbli-ca da ciência”autônoma, mas nem por is-so isolada e indiferente ao que ocorre nasociedade. A ciência pode ser útil, deveser importante e aplicada, mas temos departir de uma ciência com liberdade, comautonomia, com capacidade de ter uni-versidades independentes. Os economis-tas sempre olharam a ciência do ponto devista produtivo.A visão mais sociológica,de como é que se organiza a ciência, co-mo é que se criam as instituições, os eco-nomistas não tinham. Nos anos 1970 ha-via uma intenção genuína de trazer oscientistas de volta, de fortalecer a pós-gra-duação e a pesquisa. Em 1979, com o fimdo governo Geisel, Pelúcio deixou a Fi-nep e eu saí também. Em 1985, com aabertura política, participei de uma co-missão presidencial que deveria proporuma reformulação do ensino superiorbrasileiro, e que lançou as primeiras idéiassobre avaliação e autonomia efetiva dasuniversidades, propostas controversas erapidamente arquivadas pelo governoSarney. Ao final dos anos 1980 fui con-vidado para participar, junto com Euni-ce Durham, da criação do Núcleo de Pes-quisas de Ensino Superior na USP, quan-do José Goldenberg era reitor. Nessa épo-ca comecei a estudar mais o que estavaacontecendo no ensino superior e na pes-quisa fora do Brasil. É dessa época minhaparticipação no grupo que elaborou o li-vro sobre A nova produção do conheci-mento e a coordenação da equipe respon-sável pela proposta de uma nova políti-ca científica e tecnológica para o Brasil,cujas propostas, como muitas vezes acon-tece, jamais chegaram a ser adotadas pe-lo próprio Ministério da Ciência e Tecno-logia que havia financiado o estudo. Em1994 assumi a presidência do IBGE, ondefiquei cinco anos. Foi aí que comecei ame inteirar e envolver mais com as ques-tões da desigualdade social, pobreza e po-líticas sociais, assim como com os pro-blemas da educação básica, que são hojeos temas que mais me interessam. ■

12-17_entrevista_140 25/9/07 18:22 Page 17

18 z NOVEMBRO DE 2012

ad_BB_educarl_416x275.indd 1 12.09.07 16:55:36

060_Neuronio_201.indd 18 05/11/12 16:48

PESQUISA FAPESP 201 z 19

ad_BB_educarl_416x275.indd 1 12.09.07 16:55:36

060_Neuronio_201.indd 19 05/11/12 16:48

> Apoio aos exilados da guerra

A Fundação Bill & MelindaGates está ajudando 150pesquisadores iraquianos a retomar suas carreiras noexterior, principalmente na

20 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

> Licença para errar

Numa iniciativa paraencorajar os cientistas ainovar mais, a China preparauma legislação voltada para regular o fracasso empesquisas. Um projeto de lei proposto pelo Ministérioda Ciência e Tecnologia do país vai permitir que seus pesquisadores reportemmalogros sem que issoatrapalhe suas chances de obter recursos futuros.“O desempenho nolaboratório tem um efeitodominó em outrosquadrantes da vida doscientistas, como promoções,salários e benefícios sociais.A fogueira é quente quandoeles falham”, disse à revistaNature o geocientista ChengGuodong, que trabalha num instituto de pesquisas da província de Gansu.Segundo o rascunho da lei,o insucesso de um projeto de pesquisa não pesará nocurrículo dos cientistas,desde que eles demonstremque trabalharam de forma apropriada. O pano de fundo é a mobilização da China para multiplicar sua capacidade inovadora,

considerada insuficiente para manter as altas taxas de crescimento do país.O governo acredita que o medo de falhar estejalevando os cientistas a acovardar-se diante dedesafios, sem falar nasrecorrentes fraudes que elescometem para esconderresultados ruins. Para muitospesquisadores, a ineficiênciado sistema de avaliação é uma causa importante para o baixo desempenho.“Não há um mecanismocapaz de garantir quefraudes sejam punidas”,diz Bai Lu, neurocientistachinês radicado nos Estados Unidos.

vizinha Jordânia. Umadotação de US$ 5 milhõesserá destinada à vertenteiraquiana de um fundocriado em 2002 por grandesinvestidores de Wall Streetpara ajudar acadêmicos de países conflagrados,

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ES

TR

AT

ÉG

IAS

MU

ND

O>

20-22_estratmundo_140 25/9/07 18:34 Page 20

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 21

tiveram um desenvolvimentode linguagem mais lento que o de outras crianças.Robert Iger, Ceo da Disney,foi duro no contra-ataque e exigiu retratação.“A metodologia do estudo é duvidosa e suas conclusões,não confiáveis”, disse.A universidade, porém,defendeu a fidedignidade dos resultados da pesquisa.A polêmica deve rendercombustível para ojulgamento de uma queixaapresentada em 2006 a uma comissão federal contra a Disney por uma entidade quecombate a exposição dascrianças ao marketing.A queixa tem o aval dasacademias norte-americanasde pediatria e de psiquiatriapara crianças e adolescentes.

> Legiãoestrangeira

Os estrangeiros tornaram-seum pilar fundamental dapesquisa realizada no Reino Unido em ciências e engenharias. Segundo um relatório do governobritânico, mais de um quintodos alunos de pós-graduaçãodessas áreas vem de outroscontinentes e só 29% são britânicos. Preocupa o governo não a invasãoestrangeira, consideradasaudável, mas a proporçãocada vez menor de talentosnascidos do país. “O grandedesafio é construir umambiente capaz de atrairmais jovens britânicos”,disse à agência BBCGeoffrey Crossick, um dosresponsáveis pela pesquisa.

administrado pelaorganização Instituto para a Educação Internacional (IIE, na sigla em inglês).A fundação do casal Gates é conhecida pordestinar US$ 33 bilhões para a pesquisa de doençascomo a malária e a Aids.Centenas de professoresiraquianos deixaram o país, tangidos pela violência– um carro-bomba naUniversidade de Bagdámatou 70 pessoas neste ano. “A ciência iraquianavive um holocausto”,disse ao jornal FinancialTimes o presidente do IIE,Allan Goodman.

> Disney versusuniversidade

Pesquisadores daUniversidade deWashington, em Seattle,compraram uma brigaruidosa com os estúdiosDisney. Um estudo feito por especialistas empediatria da instituiçãomostrou que a exposição de bebês a DVDs e vídeossupostamente voltados para estimular suashabilidades verbais, como a série Baby Einstein,da Disney, produz efeitocontrário: os espectadorescom idades de 8 a 16 meses

Criança com malária na Etiópia: laboratório avançado

P. V

IRO

T -

OM

S > Ciência de pontapara a África

A Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul,abriga desde o mês passadoum laboratório criado parapesquisar problemas de saúdee de segurança alimentar que atingem o continenteafricano. As instalações são o terceiro braço do CentroInternacional de EngenhariaGenética e Biotecnologia(ICGEB, na sigla em inglês),entidade ligada às NaçõesUnidas voltada para pesquisa, treinamento etransferência de tecnologia.A sede do instituto fica emTrieste, na Itália, e há umsegundo laboratório em Nova Délhi, na Índia. “Vamosusar ciência de ponta paraencontrar soluções africanaspara problemas africanos”,disse à agência de notíciasSciDev.Net o diretor dolaboratório Iqbal Parker.Três linhas de investigação já foram definidas e vão envolver cerca de 25 pesquisadores. A primeiradestina-se ao estudo dedoenças infecciosas como aAids, a malária, a tuberculosee a leischmaniose.A segunda vai ater-se a outras doenças, como diabetes,cardiopatias e câncer.A terceira terá como foco a biotecnologia agrícola.

ILU

ST

RA

ÇÕ

ES

LA

UR

AB

EA

TR

IZ

20-22_estratmundo_140 25/9/07 18:34 Page 21

22 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

O ministro da Ciência eTecnologia de Israel, GhalebMajadle – o primeiroministro muçulmano dopaís –, reabriu um centro de pesquisa voltado para os árabes beduínos quehabitam o sul do país.O laboratório, localizadoem Hura, no deserto Negev,havia funcionado por trêsanos, mas fechou no iníciode 2007 por falta de verbas.Os beduínos são um grupoindígena muito pobre querepresenta cerca de 12% dosárabes palestinos que vivemem Israel. De origemnômade, foram forçados ase sedentarizar e hoje vivemem tendas nos subúrbios.“A comunidade dosbeduínos forma um enclavede uma série de problemassociais, econômicos,médicos e ambientais, quecarece de um esforço depesquisa concentrado eintegrado”, disse à agênciaSci.Dev.Net Avinoam Meir,

professor da UniversidadeBen-Gurion. Segundo o jornal Jerusalem Post,o ministério já vai garantirfundos para o centro pelo próximo ano para a condução de estudos em áreas como agricultura no deserto, tecnologia,saúde e educação.

> Chamada para ir à Lua

O site de buscas Google vaioferecer US$ 30 milhões ao grupo privado queconseguir enviar umasonda à Lua. O GoogleLunar Prize terá váriasfaixas de premiação. SãoUS$ 20 milhões aoprimeiro grupo quemandar ao satélite um veículo de exploraçãonão tripulado, que terá derealizar um percurso de pelo menos 500 metrosde extensão na superfície

ESTRATÉGIAS MUNDO

De origem nômade, há 160 mil beduínos divididos entre o deserto e subúrbios em Israel

Acesse nosso conteúdo exclusivo em

www.revistapesquisa.fapesp.br

PESQUISA FAPESPONLINE

Nossas Colunas

Toda segunda-feira a mais recente edição doprograma semanal de rádiode Pesquisa FAPESP podeser ouvida on-line oubaixada no computador.

> Fala sobre o uso da terapiafotodinâmica para tratarinfecções causadas porfungos, parasitas e bactérias.

Pesquisa Brasil

do satélite e transmitirimagens em vídeo à Terra,antes de 31 de julho de2012. O prêmio cai para US$ 15 milhões caso opouso seja realizado até 31 de dezembro de 2014.O segundo colocado dacorrida receberá US$ 5milhões. A iniciativa é organizada pela X PrizeFoundation, responsávelpelo Ansari X Prize, de US$ 10 milhões, queestimulou uma corrida entre empresas privadaspara criar espaçonavestripuladas. Foi conquistadoem 2004 pelo projetistaaeronáutico Burt Rutan epelo investidor Paul Allen,por dois vôos doSpaceShipOne.“Nossaesperança é educar o público e mudar suaspercepções quanto à Lua”,disse Peter Diamandis,um dos responsáveis pela fundação, em entrevista à agência Reuters.

Em defesa dos beduínos

> Comenta os prós e oscontras de plantar árvores nas cidades para combater o aquecimento global.

> Explica como será o novosistema de promoções na Harvard Medical School,que entra em vigor em 2008.

TIN

OQ

AH

OU

SH

NeotrópicasMarcosBuckeridge

Fiat luxVanderleiSalvadorBagnato

Direto de HarvardAntonioBianco

20-22_estratmundo_140 25/9/07 18:35 Page 22

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 23

ES

TR

AT

ÉG

IAS

BR

AS

IL

>

LA

UR

AB

EA

TR

IZ

Prioridade para os grandes desafios> Um exemplo

a ser mirado

A FAPESP, em parceria com a Inova – Agência de Inovação da Unicamp –,promoveu o seminário sobrepropriedade intelectual etransferência de tecnologia,em que foi apresentada aexperiência da Universidadeda Califórnia (UC). Com dez campi, a UC contabilizamais de 7 mil patentesdepositadas. Em 2005os royalties recebidos pelaspatentes somaram US$ 55milhões, o equivalente a 2% do seu orçamento depesquisa e a menos de 0,5%do orçamento da instituição.“Nosso objetivo não é gerarrecursos financeiros. Somosuma universidade pública e ameta é beneficiar a sociedadecom o desenvolvimento de terapias, diagnósticos e alimentos, por exemplo,além de apoiar parcerias de pesquisa com a indústriaprivada”, explicou GonzaloBarrera-Hernández,diretor do escritório de

transferência de tecnologia da UC. Tampouco opreocupa o fato de o númerode patentes depositadas pelauniversidade ser superior aode boa parte das empresasnorte-americanas.“O queimporta é que se patenteieminventos consideradosvaliosos do ponto de vista dageração de conhecimentose de recursos.”

> Softwares paraescolas técnicas

A Microsoft vai investir R$ 2 milhões na doação desoftwares e no fornecimentode material didático para acapacitação dos professoresde informática e de webdesign das escolas técnicasestaduais vinculadas aoCentro Paula Souza. Cerca

de 20 mil alunos serãobeneficiados. O vice-presidente mundial parao setor público da Microsoft,Michel Van der Belt,participou da assinatura do convênio. “A parceria vaipermitir o desenvolvimentode novos conteúdos epesquisas”, disse a diretora-superintendente do CentroPaula Souza, Laura Laganá.

O Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq) lançou dois

editais que destinarão R$ 15 milhões para a

pesquisa em informática, com destaque para

as áreas de tecnologia da informação e en-

genharia de software. Um dos editais vai se-

lecionar projetos em temas contemplados no

documento “Grandes desafios da computa-

ção no Brasil: 2006-2016”, resultado de um

debate entre pesquisadores de informática e

especialistas de outras áreas promovido pela

Sociedade Brasileira de Computação (SBC) pa-

ra levantar questões prioritárias que o Brasil

terá de enfrentar no campo da tecnologia da

informação. Os recursos, que chegam a R$ 9

milhões, serão direcionados a propostas vin-

culadas a assuntos como gestão da informa-

ção em grandes volumes de dados multimídia;

modelagem computacional de sistemas com-

plexos; impactos da transição do silício para

novas tecnologias; e acesso participativo e uni-

versal do cidadão brasileiro ao conhecimento.

O segundo edital é uma ação do Programa para

Promoção da Excelência do Software Brasilei-

ro e irá conceder bolsas de doutorado em en-

genharia de software. O objetivo é apoiar a con-

solidação dos programas de pós-graduação.

As propostas aprovadas serão financiadas com

recursos no valor total de R$ 6 milhões, dis-

tribuídos entre 2007 e 2011.

23-25_estratbrasil_140 25/9/07 18:53 Page 23

24 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

> Árvores, bichose plantações

A Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária(Embrapa) irá coordenaruma rede de cooperação parao desenvolvimento de sistemas sustentáveis queintegrem lavoura, pecuária e floresta. Devem participarda rede países como Bolívia,Colômbia, Equador, Peru,Suriname e Venezuela.As ações da rede serãovoltadas para os ecossistemasda Amazônia, do Cerrado e da parte oriental dacordilheira dos Andes. Hátempos a Embrapa promovepesquisas voltadas pararecuperar áreas degradadasou melhorar os retornos

de desenvolvimento para a América Latina.A criação da rede foidecidida num semináriointernacional realizado emsetembro na Venezuela.

econômicos dos produtoresconciliando numa mesmapropriedade árvores,culturas agrícolas e animais.Esses projetos servirão de base para um plano

Porto Velho, em Rondônia, vai sediar o curso Emer-

ging Viruses: Global Approaches and Specificities of

the Amazon Region (Vírus emergente: abordagens

globais e especificidades da região amazônica), de

17 de novembro a 7 de dezembro. A iniciativa é pro-

movida pelo Instituto Pasteur, da França, e a Amsud

– entidade que reúne associações científicas da Amé-

rica do Sul –, e está sendo organizado por uma co-

missão formada por Noel Todor, especialista em rai-

va, e Jean Louis Virelizier, especialista em retroví-

rus, ambos do Instituto Pasteur; Luiz Hildebrando

Pereira da Silva e Rodrigo Stabeli, do Instituto de

Pesquisa em Patologias Tropicais de Rondônia (Ipe-

patro) e Roberto Sena Rocha, da Fiocruz. Reunirá vi-

rologistas do Instituto Pasteur de Paris e Cayenne;

do Instituto Nacional de Saúde e da Pesquisa Mé-

dica (Inserm) – Pasteur de Lyon, também da Fran-

ça; do Centro de Controle e Prevenção de Doenças

(CDC) de Atlanta, nos Estados Unidos, e das uni-

versidades de Montreal, Madri, Buenos Aires e Mon-

tevidéu, além de instituições brasileiras. “A expec-

tativa é promover o treinamento de jovens pesqui-

sadores e estabelecer network entre especialistas

para futura colaboração”, explica Luiz Hildebran-

do. Participarão do curso 14 estudantes brasileiros

de graduação ou pós-graduação selecionados por

critério de qualidade – em caso de equivalência,

serão priorizados os alunos da Amazônia. Pelo mes-

mo critério, serão escolhidos dez estudantes sul-

americanos. Mais informações pelo e-mail stabe-

[email protected] ou pelo telefone (69)3219-6010.

> Morre NewtonSucupira

Newton Sucupira, professoremérito da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro

ES

TR

AT

ÉG

IAS

BR

AS

IL>

Virologia em debate

23-25_estratbrasil_140 25/9/07 18:53 Page 24

“É um marco histórico para o ensino superior de Timor-Leste e motivo de grande orgulho para a universidade”, disse o reitor da Untl, Benjamimde Araújo e Corte-Real.O Timor-Leste é uma ex-colônia portuguesa noSudeste da Ásia que foiinvadida pela Indonésia nosanos 1970 e só se tornourealmente independente em1999. O projeto Implantaçãoda Pós-graduação emTimor-Leste é executadopelos 50 professores

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 25

(UFRJ) e considerado opatrono da pós-graduação no país, morreu aos 86 anosno Rio. Em 1966, um parecerdo Conselho Federal deEducação organizou osistema de pós-graduaçãodividindo-o em duascategorias – stricto sensu, quevisa prioritariamente àformação do pesquisador,e lato sensu, dirigido àespecialização profissional – e estabelecendo as categoriasde mestrado e de doutorado,sem que a primeira sejaobrigatoriamente umrequisito para a segunda.O marco legal, que propiciouo crescimento ordenado dapós-graduação brasileira,ficou conhecido comoParecer Sucupira, alusão a seurelator. Nascido em Alagoas,formado em direito e emfilosofia, Newton Sucupiraatuou até 1990 comoprofessor da FundaçãoGetúlio Vargas e da UFRJ.

> Pós-graduaçãoem Timor-Leste

Com a ajuda de professoresbrasileiros, o Timor-Leste vai ganhar seus primeirosprogramas de pós-graduação.A criação dos cursos, todoseles na área de educação,foi celebrada no dia 13 desetembro, numa solenidadena Universidade NacionalTimor Lorosa (Untl).

> Bolsa paramulheres cientistas

Pelo segundo anoconsecutivo, a L’Oréal Brasil,em parceria com a AcademiaBrasileira de Ciências e a Unesco, distribui bolsaspara jovens pesquisadorasbrasileiras. As contempladaspelo Programa paraMulheres na Ciência foramWang Qiaoling, daUniversidade de Brasília(UnB), em matemática;Andréa de Camargo, doInstituto de Física de SãoCarlos da Universidade deSão Paulo (USP), e TatianaRappoport, da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro(UFRJ), em física; LuciaCodognoto, da Universidadedo Vale do Paraíba (Univap),em química; Ida Schwartz,da Universidade Federal do Rio Grande do Sul(UFRGS), Glaucia Martinez,da Universidade Federal doParaná (UFPR) e MônicaAndersen, da UniversidadeFederal de São Paulo(Unifesp), em biologia.Elas foram escolhidas depoisda análise dos 447 projetosvindos de todo o Brasil ereceberão uma bolsa-auxíliode US$ 20 mil cada uma.O programa é inspiradono L’Oréal/Unesco forWomen in Science, quecontempla todo ano cincocientistas notáveis, uma de cada continente.

brasileiros que atuam no país com bolsa da Coordenação deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(Capes). Os cursos de pós-graduação Educação e Ensino, Gestão daEducação e Ensino daLíngua Portuguesa terão aduração de 420 horas-aulas.Embora tenham nível de especialização, serãopreliminares ao curso de mestrado em educação que começará a funcionarno ano que vem.

ILU

ST

RA

ÇÕ

ES

LA

UR

AB

EA

TR

IZ

23-25_estratbrasil_140 25/9/07 18:54 Page 25

26 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

ÚN

ICA

>POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Etanol: certificação do combustível para proteger exportações

26-29_Piracicaba_140 27.09.07 17:26 Page 26

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 27

Piracicaba, cidade com 315 mil habitantes incrustada numatradicional região canavieira no interior do estado de SãoPaulo, quer ser referência no promissor mercado mun-dial de etanol. Para isso articula pesquisa e desenvolvimen-to (P&D) com iniciativas de governo e do setor produtivo.“A cidade é a única do Brasil a reunir toda a cadeia pro-dutiva do etanol”, afirma Luciano Tavares de Almeida, se-

cretário municipal da Indústria e Comércio. O município abriga dezusinas de açúcar e álcool, mas perde para a região de Ribeirão Pretoa condição de maior produtor de cana-de-açúcar do estado. E con-ta com cerca de 80 metalúrgicas, porém disputa com a cidade de Ser-tãozinho o primeiro lugar entre os maiores fornecedores de bensde capital e serviços para a indústria do açúcar e do álcool.

Mas a verdade é que Piracicaba tem vantagens estratégicas: ésede da centenária Escola de Agricultura Luiz de Queiroz da Uni-versidade de São Paulo (Esalq), responsável por pesquisas pionei-ras sobre a utilização do solo para a cana e a destinação da vinhaça,e também abriga há 38 anos o Centro de Tecnologia Canavieira(CTC) – antigo Centro de Tecnologia Copersucar –, onde foi de-senvolvida boa parte das variedades de cana plantadas no centro-sul do país. E mais recentemente tornou-se endereço do Pólo Nacio-nal de Biocombustíveis, inaugurado em 2004 com o objetivo decoordenar esforços e definir estratégias para uso de diferentes fon-tes de biomassa, bem como contribuir para o desenvolvimento deuma política de promoção e produção dos biocombustíveis no país.

Faltava-lhe apenas articular as atividades de pesquisa com aindústria, sindicatos, prefeitura e entidades, como o Serviço Bra-sileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), numa açãopolítica coordenada que resultasse num projeto comum e garantis-se interlocução desses atores com órgãos de fomento e de gover-no. O modelo de organização escolhido foi o do Arranjo ProdutivoLocal (APL), internacionalmente conhecido como cluster, definidocomo uma aglomeração de empresas localizadas no mesmo terri-tório com especialização produtiva e vínculos de articulação, in-teração, cooperação e aprendizagem. Os APLs operam em torno dealgumas “variáveis-chave”, explica Antonio Carlos de Aguiar Ribei-ro, gerente regional do Sebrae-SP em Piracicaba. “Promovem aintegração das agendas e projetos, capacitam lideranças, estimulama elaboração de planejamento estratégico e o uso comum da infra-estrutura, além de incentivarem a criação de estruturas compar-tilhadas de pesquisa, desenvolvimento, engenharia e logística.”Atuam sob a batuta de um gestor, responsável pelo desenvolvimen-to dos projetos, e organizam-se em torno de um Conselho Supe-rior, formado por representantes dos governos federal, estadual emunicipal e por entidades do setor sucroalcooleiro. Os empresá-rios integram o Conselho Estratégico, e as instituições de pesquisao Conselho Técnico.Esses órgãos coordenam grupos de trabalho paraassuntos específicos.

A idéia de organizar os atores locais no APL do Álcool, batizadocom a sigla Apla, surgiu em 2005, quando o governo federal pediuque produtores, usineiros e pesquisadores recebessem delegações

ARRANJOS PRODUTIVOS

Ponto de ebulição

Ação articuladaentre governo,setoresde produçãoe de pesquisa projetaPiracicaba no mercadomundial do etanol

CLAUDIA IZIQUE

26-29_Piracicaba_140 27.09.07 17:26 Page 27

28 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

de outros países interessados no biocom-bustível, lembra Almeida. Piracicabacumpriu a tarefa, organizando uma es-pécie de “tour do etanol”: o roteiro co-meça com uma visita à Esalq ou ao CTC;passa por uma indústria metalúrgica fa-bricante de equipamentos e termina nu-ma usina produtora de etanol. Só no anopassado 6 mil visitantes de 58 países fi-zeram esse percurso. “No final do ro-teiro o visitante terá conhecido toda a ca-deia produtiva do biocombustível”, ga-rante Almeida.

Certificação do etanol - Uma das pri-meiras iniciativas do Apla de Piracicaba– que só “ganhou um CNPJ” em 31 deagosto último, observa o secretário daIndústria e Comércio, que também égestor do Apla – foi realizar, com o apoiodo Sebrae local, um diagnóstico das in-dústrias que integram a cadeia produti-va, identificando “gargalos” nas áreasagrícola, industrial, de comércio e logís-tica, antes de definir um planejamentoestratégico de ação.

Constatou-se, por exemplo, a neces-sidade urgente de padronização do eta-nol para proteger as exportações brasi-leiras de eventuais barreiras técnicas im-postas por países importadores do bio-combustível. Para tanto, o Apla firmouconvênio com o Instituto Nacional deMetrologia, Normalização e Qualida-de Industrial (Inmetro) para a produ-ção de materiais de referência certifica-dos (MRCs) para o mercado nacional.“O convênio foi resultado de interessesde ambos os lados: dos produtores, queprecisavam de MRCs para a qualidadedos ensaios, e do Inmetro, que desde2003 está envolvido com MRCs de eta-nol”, afirma Romeu Daroda, assessor daDiretoria de Metrologia Científica e In-dustrial do Inmetro.

Os principais parâmetros físico-quí-micos já estão “consensados”, no jargãoda metrologia, e podem ser utilizadospara o mercado nacional, adianta Daro-da. O instituto agora negocia “consenso”também com o Organismo Metrológi-co norte-americano (Nist), que servirá

Maquete do ParqueTecnológico deBionergia: 13 prédios e um edifício-ponte

MA

QU

ET

E:

PIR

AT

ININ

GA

AR

QU

ITE

TO

S

26-29_Piracicaba_140 27.09.07 17:26 Page 28

de padrão para a comercialização do eta-nol brasileiro nos Estados Unidos. “OInmetro também já está participandodo Biorema, coordenado pelo Nether-lands Meetinistituut (NMI), da Holan-da, para “consensar”os MRCs entre Bra-sil, Estados Unidos e União Européia”,afirma Daroda.

Outro “gargalo” na cadeia produti-va do etanol identificado pelo diagnósti-co realizado pelo Apla foi a necessidadede qualificação de profissionais envol-vidos em toda a cadeia produtiva. O Aplanegociou com o governo estadual a ins-talação de uma Faculdade de Tecnologia(Fatec) com cursos voltados para a in-dústria do álcool e de biomassa, ao mes-mo tempo que firmou convênio com oMinistério do Trabalho para o treina-mento de cortadores de cana. Para refor-çar competências nas áreas de pesquisa ede gestão de negócios, o Pólo Nacionalde Biocombustíveis, em parceria com aEsalq, a Fundação Getúlio Vargas e a Em-presa Brasileira de Pesquisa Agropecuá-ria (Embrapa), criou o primeiro mestra-do intra-institucional em agroenergia, jáaprovado pela Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de Nível Superior(Capes) e que começará a funcionar nopróximo ano.

O CTC também desempenha papelestratégico. “Temos contribuído para aidentificação dos gaps tecnológicos”, ex-plica Tadeu Andrade, diretor de pesqui-sa e desenvolvimento. Transformou-senuma espécie de “braço técnico”do Apla:além da P&D desenvolvida com recursosaportados por 160 usinas produtoras deaçúcar e álcool, o CTC articula parceriascom institutos de pesquisas internacio-nais (ver boxe) e busca recursos para o de-senvolvimento de novos projetos. Recen-temente, o CTC convidou a Financiado-ra de Estudos e Projetos (Finep) parauma visita a Piracicaba para apresentaro seu portfólio de financiamento às em-presas locais.“Conseguimos recursos paratrês projetos de desenvolvimento de tec-nologias para semi-acabados”, ele conta.

Prospectando mercados - Ao mes-mo tempo que fortalece a cadeia produ-tiva local, o Apla prospecta o mercadoexterno. Firmou convênio com a Agên-cia de Promoção de Exportações e In-vestimentos (Apex), no valor de R$ 4,5milhões em 2007 e 2008, para a reali-zação de missões internacionais a países

com potencial de importação de etanol,de bens de capital, serviços de engenha-ria e de tecnologias geradas nos institu-tos de pesquisa e empresas da região.“Oconvênio ganhou caráter nacional epassou a incluir empresas do setor su-croalcooleiro de outras regiões do país”,conta o secretário da Indústria e Co-mércio de Piracicaba. Em agosto, 41 re-presentantes de 27 empresas brasileiras– 18 delas com sede em Piracicaba – es-tiveram na conferência da Internatio-nal Society of Sugar Cane Technologists(ISSCT), na África do Sul.“Foram gera-dos US$ 93 mil em vendas e as expecta-tivas de negócios futuros chegam a US$164,3 milhões nos próximos 12 meses”,conta o secretário.

O “grande empreendimento” doApla, na avaliação do secretário da In-dústria e Comércio, estará concluído nodia 15 de novembro. Trata-se do ParqueTecnológico de Bioenergia, um projetode R$ 500 milhões que será instaladoa 3 quilômetros da cidade, numa áreade 300 mil metros quadrados cedidapela Aguassanta, holding do grupo Co-san, um dos maiores produtores de açú-car e etanol do mundo. A prefeitura ea Esalq também são parceiras no em-preendimento. “Estamos concluindo a

identificação de competências e deman-das para alinhavar o plano de negócios,definir governança e gestão, entre ou-tras ações”, afirma Weber Amaral, coor-denador do Pólo Nacional de Biocom-bustível e responsável pelo projeto. OParque Tecnológico de Piracicaba, se-gundo ele, já conta com o aval da Secre-taria do Desenvolvimento do Estado deSão Paulo. Será o quinto projeto a serimplementado pelo Sistema Paulista deParques Tecnológicos, ao lado dos deSão Paulo, São Carlos, Campinas e SãoJosé dos Campos.

O projeto arquitetônico, assinado porPaulo Mendes da Rocha, é ousado: serão,ao todo, 13 edifícios – centros de even-tos da Esalq, conjunto empresarial, ho-tel, entre outros – construídos nas duasmargens do rio Piracicaba, ligados entresi por um edifício-ponte onde estarãoinstalados os laboratórios de pesquisa.Ao redor do empreendimento serãoconstruídas 2.500 unidades habitacio-nais para pesquisadores, além de um par-que ecológico. “Temos manifestação deempreendedores interessados e a expec-tativa de iniciar a sua implantação em2008”, garante João Bosco Alves Silveira,diretor imobiliário da Aguassanta.

Ainda existem problemas a serem so-lucionados. Uma pesquisa realizada porOswaldo Elias Farah, da UniversidadeMetodista de Piracicaba, entre março de2006 e março de 2007 – que contou como apoio do Programa Políticas Públicasda FAPESP –, constatou que as empre-sas de pequeno e médio porte mantêmdependência tecnológica estreita com asgrandes indústrias metalúrgicas. “Ape-sar de o seu crescimento ter aceleradonos últimos três anos, essas empresastêm baixo nível de inovação e muitas têmdeficiência de gestão”, explica Farah.Ape-sar de boa parte das empresas trabalha-rem 24 horas por dia, carecem de umavisão estratégica do negócio. Algumasainda não participam do Apla, por des-conhecimento ou falta de interesse, eleobserva.“As pequenas e médias empre-sas são carentes não só de conhecimen-to vinculado ao aprimoramento tecno-lógico de seus produtos, como tambémde estratégias e ferramentas de gestãoque visem à ampliação de sua participa-ção no mercado. Uma gestão inovado-ra é talvez o único caminho para o seucrescimento e, principalmente, para a suasobrevivência”, ele conclui. ■

O Centro de Tecnologia Canavieira(CTC) e a empresa dinamarquesaNovozymes – responsável por 45% domercado global de enzimas industriais– firmaram um acordo de cooperaçãocom o objetivo de desenvolver pesquisasobre o etanol celulósico, obtido por meio da hidrólise enzimática, o que permitirá a produção de álcoolcombustível a partir do bagaço da cana-de-açúcar.

Pelo acordo, o CTC deverá prover o parque produtivo brasileiro de etanol com enzimas produzidas em parceria com a Novozymes e a empresa dinamarquesa, em troca, terá acesso às pesquisas sobre novastecnologias de produção do etanoldesenvolvidas pelo CTC. De acordo com a direção do centro, a parceriatraz “perspectivas extraordinárias para a produção de etanol”.

Um parceiro na Dinamarca

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 29

26-29_Piracicaba_140 27.09.07 17:26 Page 29

30 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

DIFUSÃO

OCentro Latino-americano e doCaribe de Informação em Ciên-cias da Saúde (Bireme) vemsendo convocado a emprestar asua experiência na gestão e naoferta de conhecimento cien-tífico a uma série de novas ini-

ciativas.Em 2006 a Organização Mun-dial da Saúde (OMS) delegou ao cen-tro a tarefa de desenvolver a plataformatecnológica da Global Health Library(GHL),uma biblioteca mundial comfontes de informação em saúde.A Bire-me também envolveu-se na administra-ção e na operação do TropIKA – Tropi-cal Disease Research to Foster Innovati-on & Knowledge Application,portal in-terativo na área de doenças infecciosase parasitárias,em parceria com o progra-ma Tropical Diseases Research da OMS,que tem apoio de instituições como oUnicefe o Banco Mundial.E foi convi-dada a fornecer cooperação técnica paraa criação da Rede ePORTUGUÊSe –Rede de Fontes de Informação e Conhe-cimento em Saúde para os Países de Lín-gua Portuguesa –,liderada pela OMS,que tem como uma das suas principaislinhas de ação adotar e implantar a Bi-blioteca Virtual em Saúde nos países delíngua portuguesa.

Hoje estão ligadas à Bireme grandesredes cooperativas de informação que

apóiam a pesquisa e a inovação no con-tinente,como a Scientific Electronic Li-brary Online (SciELO),a Biblioteca Vir-tual em Saúde (BVS) ou a Rede Inter-nacional de Fontes de Informação e Co-nhecimento para a Gestão de Ciência,Tecnologia e Inovação (ScienTI).

A SciELO,construída há dez anos emparceria com a FAPESP e o Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq),oferece em regimede acesso aberto na internet mais de 130mil artigos de 452 títulos de periódicoscertificados e deve alcançar a marca de10 milhões de acessos mensais até o fimdo ano.Atualmente a SciELO abriga dezcoleções em oito países – Argentina,Bra-sil, Chile, Colômbia, Cuba, Portugal, Es-panha e Venezuela –,além de duas co-leções temáticas nas áreas de saúde pú-blica e ciências sociais.Bases de dadospara coleções de Costa Rica,México,Pa-raguai,Peru e Uruguai estão em fase dedesenvolvimento.

Já a Rede ScienTI,originada a par-tir da Plataforma Lattes do CNPq,é for-mada pelos conselhos nacionais de Ciên-cia e Tecnologia da América Latina quedisponibilizam em diretórios nacionaisos currículos dos pesquisadores e dadossobre os grupos de pesquisa.Com inter-faces nas línguas espanhola,inglesa eportuguesa,a BVS é desenvolvida con-

PlataformaEm 40 anos, a Bireme cumpriu a trajetória de biblioteca médica à referência em gestão da informação científica

FABRÍCIO MARQUES ILUSTRAÇÃO BRAZ

>

do conhecimento

juntamente com os países da AméricaLatina,Caribe,Portugal e Espanha eopera on-line mais de 15 milhões de re-gistros de metadados (dados sobre ori-gem,fluxo ou formatos de bibliogra-fias),vinculados a bases de literatura in-ternacional de ciências da saúde comoa latino-americana Lilacs,as norte-ame-ricanas Medline e Biblioteca Cochrane,além da SciELO.

“A Bireme é essencial para o progres-so da gestão da informação e do conhe-cimento científico no Brasil,na AméricaLatina e no Caribe e também na coope-ração internacional,particularmente nacooperação sul-sul”,diz Diego Victoria,representante da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) no Brasil.Além de organizar e gerenciar esse volu-me de informação,a Bireme há temposassumiu a tarefa de estabelecer normasna América Latina e no Caribe sobre a es-trutura de registros e de textos,para ga-rantir que suas bases de dados consigamoperar em nível global.“Como exem-plo recente disso,a Bireme comunicouneste ano a todos os editores científicosque a aprovação de manuscritos de en-saios clínicos pelas revistas indexadas nasbases Lilacs e SciELO deverá exigir o nú-mero de registro do ensaio,de acordocom as normas da OMS”,explica o di-retor da Bireme, Abel Packer.

30_Bireme_140 28.09.07 19:04 Page 30

Não deixa de ser curioso que o cen-tro, hoje um instrumento de afirmaçãoda ciência latino-americana, tenha nas-cido sob forte influência norte-america-na. Em meados do século XX, a OMSlançou a idéia de espalhar bibliotecas mé-dicas em cada região do planeta. Masapenas a Opas levou o conceito adian-te, inspirando-se no modelo em vigornos Estados Unidos, calcado em biblio-tecas regionais vinculadas a uma biblio-teca nacional. “A Bireme conseguiu irmuito além do conceito inicial para setornar um modelo de inovação e colabo-ração”, disse a diretora-geral da OMS,Margaret Chan, em pronunciamento so-bre os 40 anos da Bireme.

Sem paredes - O artigo “Uma biblio-teca sem paredes: história da criação daBireme”, publicado em 2006 na revistaHistória, Ciências, Saúde-Manguinhos,cujo autor principal é a historiadoraMárcia Regina Barros da Silva, recupe-ra essa trajetória. Em abril de 1965 doisbibliotecários norte-americanos foramcontratados como consultores pela Opas,sediada em Washington, para selecionaro país onde seria instalada a biblioteca re-gional. A opção pelo Brasil deveu-se, deum lado, à ativa participação de pesqui-sadores do país na Opas e nos debates so-bre a implantação da biblioteca.

Definido o país, a escolha recairia so-bre a Escola Paulista de Medicina (EPM),hoje Universidade Federal de São Paulo(Unifesp), na capital paulista. Pesarama favor da escola o intenso lobby feito jun-to à Opas pelos professores da EPM Ma-gid Iunes e Antônio de Mattos Paiva. Ou-tro fator importante foi a nova configu-ração da escola, que passara à alçada dogoverno federal – condição essencial paragarantir o engajamento do poder públi-co no projeto.

A criação da Bireme, diga-se, estavamais do que justificada. Quase a meta-de dos pedidos de artigos científicos à Bi-blioteca Nacional de Medicina dos Esta-dos Unidos (NLM, na sigla em inglês) nofinal dos anos 1960 provinha de paíseslatino-americanos. Em 1972 a Bireme en-traria no mundo da informação eletrô-nica, com a instalação de um terminalOlivetti operando através do satélite In-

tersalt com a NLM pelo sistema Medli-ne. Em 1985 a Bireme tornou-se a pri-meira biblioteca a criar bases de dadosem CD-ROM, antecipando uma tendên-cia de armazenamento de informaçãoque se consagraria. O final dos anos 1980foi marcado pela operação on-line dasbases de dados, com a adoção da inter-net nos anos 1990 com interfaces de pes-quisa em espanhol, inglês e português.

O lançamento do projeto SciELO, em1997, da Rede ScienTI, em 2000, e da Bi-blioteca Cochrane com acesso aberto atoda a América Latina, em 2004, comple-ta os grandes marcos.“Entre os novos de-safios da Bireme destaco a necessidadede contribuir para a tradução do conhe-cimento científico em políticas e a cria-ção de incentivos para que os tomadores

de decisão acessem de forma mais sis-temática o acervo de conhecimentos”,disse Reinaldo Guimarães, secretário deCiência, Tecnologia e Insumos Estraté-gicos do Ministério da Saúde.

Financiada com recursos da Opas,dos ministérios da Saúde e da Educação,da Secretaria da Saúde de São Paulo e daUnifesp e de projetos como do SciELO, aBireme manteve nestes 40 anos o seu ca-ráter de centro internacional vinculadaformalmente à Opas/OMS, mantendo-se distante de ingerências políticas e in-tempéries orçamentárias.“Por outro la-do, ao operar em estreita colaboraçãocom instituições brasileiras, o Brasil pro-piciou à Bireme e suas redes internacio-nais a massa crítica que favorece a suasustentabilidade”, diz Abel Packer. ■

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 31

30-31_Bireme_140 26.09.07 19:18 Page 31

Celso Lafer,ministro das Relações Exterioresem duas ocasiões e ex-ministro do Desen-volvimento,é o novo presidente da FAPESP,em substituição ao poeta e lingüista CarlosVogt,que deixou a Fundação e assumiu a Se-cretaria Estadual do Ensino Superior.Laferfoi empossado no dia 26 de setembro,numa

cerimônia na sede da Fundação que contou com apresença do governador José Serra e vários secretá-rios de estado.

Lafer,que integra o Conselho Superior da Funda-ção desde 2003,acredita q ue a solução dos desafiose problemas atuais exige a comunicação entre a cul-tura literária e humanística e a cultura científica.“Seé certo que no mundo contemporâneo não dá paracriar,numa visão integrada,uma cultura comum,nãoé menos certo ser um imperativo do nosso tempo acapacidade de traduzir com competência e assim en-sejar uma comunicação entre as duas culturas”,dis-se em seu discurso de posse.Assim,ele concebe a FA-PESP como o lócus,por excelência,do encontro en-tre as duas culturas.“Com efeito,o seu objeto de tra-

balho é o avanço,com rigor,do conhecimento em to-das as áreas:ciência,tecnologia,artes,literatura,fi-losofia,ciências humanas.”

Citou Pasteur para afirmar que não enxerga limi-tes entre a ciência básica e a ciência aplicada – “não háciência aplicada,e sim aplicações da ciência”.Assim,cabe à FAPESP criar as oportunidades para apoiar ainvestigação científica.“Também entendo que boasparcerias da FAPESP com as empresas na área de ino-vação e da pesquisa trazem benefícios para a socieda-de e são um fator relevante para o desenvolvimentodo país”,sublinhou.“Buscarei a convergência em prolda pesquisa e do desenvolvimento.”

O governador José Serra – em sua primeira visitaà Fundação – lembrou que em quatro momentos davida teve contato com a FAPESP.O primeiro foi em1960.Ele era presidente da União Estadual dos Estu-dantes (UEE)e apoiou a iniciativa do governador Car-valho Pinto de criar uma agência de fomento.Anos de-pois,no exílio,obteve uma bolsa de doutorado na Uni-versidade de Cornell da qual acabou abrindo mãoquando mudou o tema da pesquisa.O terceiro con-

32 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Um chanceler na presidênciaFAPESP

>

Celso Lafer: “Buscarei a convergência em prol da pesquisa e do desenvolvimento”

ED

UA

RD

O C

ES

AR

32-33_lafer_140 26.09.07 19:23 Page 32

tato com a FAPESP foi em 1983.Serra erasecretário de Economia e Planejamentodo governo do estado e foi responsávelpela mudança de critérios da distribuiçãodos recursos à Fundação proposta naemenda Leça,de autoria do então depu-tado Fernando Leça,que estabeleceu queo fluxo de recursos à FAPESP fosse calcu-lado com base no ano anterior e repassa-do em duodécimos mensais.“O dinhei-ro estava amarrado ao orçamento apro-vado,e não ao executado,e era corroídopor uma inflação anual de até três dígi-tos”, lembrou o governador.O quarto en-contro se deu em 1986,na AssembléiaNacional Constituinte,quando Serra de-fendeu a vinculação de recursos orçamen-tários para a pesquisa científica.

Na avaliação do governador,a FA-PESP contraria uma lei de funcionamen-to que lamentavelmente rege o desem-penho do setor público brasileiro:“Quan-do se cria uma instituição nova,ela fun-ciona bem nos primeiros cinco a dez anose depois decai.A FAPESP,com 45 anos,só melhorou”.Reiterou a visão de Lafersobre a ciência.“Um importante desa-fio que a Fundação deve enfrentar combase em sua autonomia e experiência éde,simultaneamente,enfatizar a pesqui-sa básica,que constrói o futuro exploran-do e desenvolvendo possibilidades,e apesquisa aplicada,que deve ter,cada vezmais,impacto social e econômico.”

Um estudioso de Hanna Arendt - Pro-fessor titular do Departamento de Filo-sofia e Teoria Geral do Direito da Facul-dade de Direito da Universidade de SãoPaulo (USP),Lafer encabeçou a lista trí-plice eleita pelos membros do ConselhoSuperior da Fundação e encaminhada aogovernador José Serra,que o nomeou nodia 31 de agosto.“Agradeço a confiançado conselho e a do governador.Tragopara o exercício da função aquilo que éo conjunto de minhas experiências e pre-tendo dar continuidade a um trabalho degrande qualidade que tem feito da FA-PESP uma instituição exemplar”,disseo novo presidente.

A relação de Lafer com a FAPESP teveinício nos anos 1970,depois de concluiro doutorado,quando foi convidado pelaFundação a emitir pareceres sobre proje-tos de pesquisa financiados pela institui-ção.“Na época também colaborei com osprofessores Oscar Sala e Paulo Vanzoli-ni em discussões sobre áreas prioritáriasde pesquisas.Trata-se de uma relação quese tornou ainda mais próxima desde2003,quando passei a integrar o Conse-lho Superior”,disse.“Em um mundo co-mo o de hoje,que opera através de redes,uma das importantes dimensões da ati-vidade da FAPESP tem sido a construçãode redes.Também é preciso destacar opapel da Fundação no desenvolvimentocientífico e tecnológico do estado e dopaís,pois o controle de uma sociedade so-bre o seu próprio destino passa pela ca-pacitação científica e tecnológica”,disse.

Nascido em São Paulo há 66 anos,La-fer graduou-se pela Faculdade de Direi-to da USP,onde leciona desde 1971.Ob-teve seu Ph.D.em ciência política na Uni-

versidade de Cornell,nos Estados Uni-dos,em 1970,a livre-docência em direi-to internacional público na USP,em1977,e a titularidade em filosofia do di-reito,em 1988.Foi chefe do Departamen-to de Filosofia e Teoria Geral do Direitoda Faculdade de Direito da USP,presi-dente do Conselho de Administração daMetal Leve,presidente do Órgão de So-lução de Controvérsias da OrganizaçãoMundial do Comércio (OMC) e presi-dente do Conselho Geral da OMC.Mi-nistro do Desenvolvimento,Indústria eComércio (1999) e ministro das Rela-ções Exteriores em 1992 e de 2001 a 2002,Lafer também desempenhou as funçõesde embaixador do Brasil junto à OMC eà Organização das Nações Unidas.Atual-mente coordena a Área de Concentraçãode Direitos Humanos da Faculdade deDireito da USP,preside o Conselho De-liberativo do Museu Lasar Segall e é co-editor da revista Política Externa. Integrao Conselho de Administração da Klabin.É membro da Academia Brasileira de Le-tras,da Academia Brasileira de Ciênciase da Corte Permanente de ArbitragemInternacional de Haia.

Estudioso do legado da teórica po-lítica Hannah Arendt (1906-1975),Laferescreveu vários livros sobre sua obra,co-mo A reconstrução dos direitos humanos,um diálogo com o pensamento de HannahArendt (1988) e Hannah Arendt – Pensa-mento,persuasão e poder (2ª ed.revistae ampliada,2003).Também é autor,en-tre outros livros,de Desafios: ética e polí-tica (1995), A OMC e a regulamentaçãodo comércio internacional: uma visão bra-sileira (1998), Comércio, desarmamento,direitos humanos – Reflexões sobre umaexperiência diplomática (1999), Mudam-se os tempos – Diplomacia brasileira 2001-2002,vol.1 e vol.2 (2002), JK e o progra-ma de metas (1956-1961) – Processo deplanejamento e sistema político no Brasil(2002), A identidade internacional doBrasil e a política externa brasileira (2ª ed.revista e ampliada,2004) e A presença deBobbio – América espanhola,Brasil,pe-nínsula Ibérica (2004). ■

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRODE 2007 ■ 33

O ex-ministro Celso Lafer foi empossado no dia 26 de setembro

A solução dos

problemas e desafios

contemporâneos

exige a

comunicação

entre a cultura

literária e

humanística e

a cultura científica

32-33_lafer_140 26.09.07 19:23 Page 33

O islandês Ingvar Emilsson era di-retor do Instituto Oceanográfico da Uni-versidade de São Paulo (USP) em 1957,quando foi entrevistado por um repór-ter do jornal Diário da Noite sobre no-tícia referente a mudanças climáticas.Aos 30 anos, na qualidade de pesqui-sador em oceanografia física, falou so-bre as conclusões de um artigo do físi-co húngaro Joseph Kaplan publicadonos Estados Unidos,que previa o derreti-mento das calotas po-lares e o aumento donível do mar como con-seqüência do aqueci-mento da atmosferaprovocado pelas ativi-dades humanas.

Este ano PesquisaFAPESP encontrou oprofessor Emilsson nacoordenação das Pla-taformas Oceanográ-ficas, que opera os navios de pesqui-sa da Universidade Nacional Autôno-ma do México (Unam). Ao receber al-gumas perguntas, via e-mail, com umpedido para se manifestar sobre aque-le momento, o pesquisador enviou otexto ao lado – um retrato de como sepensavam algumas questões climáti-cas há 50 anos.

Ingvar Emilsson tem agora 80 anose é natural de um povoado de pesca-dores na Islândia oriental. Estudou fí-sica, matemática e geografia física ese doutorou em oceanografia física nasuniversidades de Oslo e Bergen, na No-ruega. Na época participou de missõesde pesquisa marinha nas regiões ár-

ticas. Em 1953 foi convidado a traba-lhar no Instituto Oceanográfico da USPe se encarregou de criar a Seção deOceanografia Física. Em 1960, ao mor-rer o professor Wladimir Besnard, en-tão diretor do instituto, o islandês as-sumiu o cargo. Sobre o período no Bra-sil, disse Emilsson: “É um lugar ondeeu e a minha família passamos algunsdos melhores anos de nossas vidas”.

Em 1964 começoua trabalhar na Organi-zação das Nações Uni-das para a Educação,a Ciência e a Cultura(Unesco) como espe-cialista em oceano-grafia física dentro doPrograma das NaçõesUnidas para o Desen-volvimento (PNUD).Em 1969 foi nomeadoresponsável pela edu-cação em ciências do

mar na sede da Unesco em Paris. Em1970 a Unesco o enviou para o México,onde o encarregou de gerenciar pro-jetos de vários programas de assistên-cia técnica em ciências marinhas.

Ao completar 60 anos em 1986saiu da Unesco, mas continuou tra-balhando no Instituto de Ciências doMar e Limnologia da Unam, fazendopesquisa e ensinando na pós-gradua-ção. Desde 1994 está na coordenaçãodas Plataformas Oceanográficas, queopera os navios de pesquisa da uni-versidade, um no oceano Pacífico eoutro no golfo do México. ■

HÁ 50 ANOS

Em 1957 se celebrou no Rio umaconferência preparatória paraum evento mundial chamadoAno Geofísico Internacional(The International GeophysicalYear).Nessa conferência partici-param cientistas norte-america-

nos e latino-americanos – argentinos,brasileiros,chilenos,peruanos e talvezde outros países da região.Um assuntode grande atualidade era o lançamentode um satélite geofísico por parte dos Es-tados Unidos a cargo do Laboratório dePropulsão a Jato (JPL),na Califórnia.

Entre os planos cooperativos figura-va o estabelecimento de uma rede de ob-servatórios para monitorar,com binó-culos e telescópios,o satélite geofísicoque os americanos pretendiam lançar.Como nos dizia o dr.Pickering,dire-tor do JPL:“Nós gostaríamos de ter re-latórios visuais do satélite funcionan-do para monitorar sua órbita”.Hoje,com o imenso avanço nesses 50 anos,parecem um tanto inacreditáveis essaspalavras do diretor Pickering.Obvia-mente,tudo foi em vão,já que o satéli-te norte-americano não subiu,para der-rota moral dos Estados Unidos.O pri-meiro a subir foi o famoso Sputnik,dossoviéticos.

Entre os múltiplos assuntos discu-tidos na conferência foi o aumento deCO2 na atmosfera causado pela quei-ma crescente de hidrocarbonetos fós-seis.Nesse campo,o Instituto Oceano-gráfico da Universidade de São Paulo,Seção de Oceanografia Física,sob mi-nha chefia,assumiu a tarefa de quan-tificar o CO2 no ambiente não conta-minado na costa do Brasil.Para essa ta-

AMBIENTE

***Instantâneos climáticos

Oceanógrafo revê estudos e discussões sobreaquecimento global de meio século atrás

NELDSON MARCOLIN

AR

QU

IVO

PE

SS

OA

L

Emilsson hoje...

34 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

34-35_ingvar emilsson_140 27/9/07 17:26 Page 34

refa, compilamos amostras de ar na Es-tação de Cananéia, colhidas mensal-mente e analisadas em nosso labora-tório em São Paulo.

Uma nota humorística daquela épo-ca: a quantidade de trítio havia aumen-tado na atmosfera como conseqüênciada explosão de bombas de hidrogênio.Para monitorar esse aumento, se coleta-va água de chuva em Cananéia e se en-viava regularmente uma amostra de 10litros à Suécia, para análise. Para expor-tar esse material, a alfândega exigia umapermissão oficial. Um dos jornais de SãoPaulo publicou a nota:“Brasil já expor-ta água de chuva”.

Como mencionei, na conferênciarealizada no Rio se discutiu o aumen-to do CO2 na atmosfera e seu efeito so-bre o clima. A atmosfera é parcialmen-te transparente à ra-diação solar. Portan-to grande parte daenergia solar que che-ga ao topo da atmos-fera acaba chegando àsuperfície. A porcentagem da energiasolar recebida no topo da atmosfera queé refletida de volta para o espaço é cha-mada de albedo atmosférico (cerca de30% da energia solar incidente é devol-vida ao espaço neste processo). A ra-diação solar que chega à superfície é ab-sorvida e a aquece.

Uma das leis básicas da física diz quea energia radiante de um corpo é pro-porcional à temperatura absoluta àquarta potência. Portanto, a superfí-cie terrestre, aquecida pelo Sol, emiteradiação na forma de onda longa (ca-lor) para cima. Essa energia emitida

pela superfície é absor-vida pelos gases de efei-to estufa da atmosfera(principalmente CO2 evapor-d’água). Com aelevação da concentra-ção de CO2, aumenta também a quan-tidade de energia que é absorvida pelaatmosfera e, portanto, a temperatura doar. Com o ar mais aquecido, mais ener-gia na forma de onda longa é emitidapela atmosfera para o espaço (propor-cional à temperatura absoluta da at-mosfera à quarta potência). Dessa for-ma equilibra-se o sistema climático ter-restre num patamar mais quente ao au-mentar a concentração do CO2.

A produção dos gases do efeito estu-fa pela queima de combustíveis e outrosefeitos antropogênicos é facilmente es-

timada. Por outro lado, a distribuiçãodesse gás no ambiente terrestre é mui-to complexa e sua absorção e transfor-mação ainda são pouco conhecidas.O fa-to é que o aumento na atmosfera nãocorresponde aos cálculos baseados nasatividades humanas, o que significa queboa parte dessa produção é absorvidano ambiente terrestre, entre outros lu-gares, no oceano, constituindo o cha-mado ciclo do carbono no mar e noqual entram fatores físicos, químicos ebiológicos assim como a circulação decorrentes oceânicas, tanto horizontaisquanto verticais.

Entre os efeitos cli-máticos que se previa na-quele tempo figuravam oderretimento das geleirase o conseqüente aumen-to do nível do mar. Na

discussão de 1957, alguém mencionouque o cais do porto de Nova York iriasubmergir debaixo de 12 metros deágua. Um repórter nos perguntou se co-nhecíamos portos que sofreriam algo si-milar. Respondemos com outra pergun-ta: existe algum porto que tenha 12 me-tros de altura sobre o nível do mar?

Como é bem conhecido, através dahistória nosso planeta tem sofrido gran-des mudanças climáticas às quais, semdúvida, a humanidade deve sua exis-tência. Apesar de toda a pesquisa, a ori-gem dessas mudanças não são ainda

bem entendidas. Nem sequer a últimaglaciação, que terminou por volta de 10mil anos atrás, da qual, porém, persis-tem vestígios que no momento estãodesaparecendo, por razões naturais ouartificiais.

Hoje, tal como previram os cien-tistas há mais de meio século, não hádúvida de que o aquecimento global,que atualmente estamos observando, sedeve, até certo grau, a efeitos antrópi-cos. Contudo, a grande meta agora édistinguir entre esse efeito e a oscilaçãonatural que sempre existiu na históriado nosso planeta. ■R

EP

RO

DU

ÇÕ

ES

ED

UA

RD

O C

ES

AR

... e em 1957

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 35

Notas e lembranças*INGVAR EMILSSON, DA CIDADE DO MÉXICO

34-35_ingvar emilsson_140 27/9/07 17:26 Page 35

> Obesidade contagiosa

Coma demais sem fazerexercício e acumulará unsquilos a mais.Entre ascausas da obesidade,surgiumais uma:o adenovírus-36.Magdalena Pasarica,daUniversidade Estadual deLouisiana,Estados Unidos,cultivou células-troncoobtidas em lipoaspirações

36 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

> Genoma, agora completo

Está publicado o maiscompleto retrato do genomahumano (PLoS Biology):o material genético de CraigVenter,biólogo que fundouuma empresa para concluir o Projeto Genoma Humano.É o primeiro genoma diplóideseqüenciado,com duasversões de cada gene – a que

> Um suspeito na colméia

Surgiu um novo suspeito no mistério do sumiço dasabelhas norte-americanas:o vírus israelense de paralisiaaguda (IAPV),que chegouaos Estados Unidos decarona com abelhasimportadas da Austrália.Emsetembro a Science publicouas conclusões de umlevantamento que detectouo vírus em 25 das 30colônias doentes estudadas –e em apenas uma das 21 saudáveis.Os resultadossão ainda preliminares,mas apontam o IAPV comocandidato mais provável a causador da síndromeconhecida como distúrbiodo colapso das colônias.Especialistas no Brasil,ondeapicultores têm observadomortalidade de abelhas alémdo normal – embora menosgrave que nos EstadosUnidos –,estão à cata dovírus,que ainda não foiencontrado. David de Jong,da Universidade de SãoPaulo em Ribeirão Preto,está preocupado com ageléia real trazida da China,que pode ser uma fonte de vírus para as abelhas.“Acho prudente impedirimportações de geléia real e fiscalizar a importação de rainhas”,alerta.

com potencial de virar osso ecartilagem.Mas na presençado vírus geraram sobretudocélulas de gordura.Apresentados no congressoda Sociedade Americana de Química,os resultadossugerem um lado contagiosopara a obesidade.Mas não é o caso de evitar contatocom obesos:o período emque o vírus é transmissível é curto (Science News).

CIÊNCIA>L

AB

OR

AT

ÓR

IOM

UN

DO

Condor, em Nazca:linhas vistas docéu revelam locais sagrados

Esqueçam os alienígenas

VIT

OR

SO

AR

ES

A equipe multidisciplinar liderada pelo alemão

Markus Reindel uniu tecnologia a técnicas tra-

dicionais de arqueologia e acredita ter desven-

dado o mistério das místicas linhas de Naz-

ca, no Peru. Essas linhas, cuja origem alguns

atribuem a alienígenas, formam desenhos com

quilômetros de extensão gravados nas areias

do deserto peruano do Atacama, também co-

nhecidos como geóglifos. Reindel descobriu

que essas figuras não são simples desenhos,

mas lugares sagrados onde aconteciam ceri-

mônias para pedir água e fertilidade. Em 1997

o pesquisador e sua equipe começaram a fo-

tografar os geóglifos com câmeras digitais

de altíssima definição a bordo de um avião e

em 2002 incorporaram mais tecnologia à pes-

quisa, como scanners a laser, aparelhos de da-

tação por carbono e um helicóptero robóti-

co. Os dados permitiram ao grupo criar mode-

los tridimensionais da topografia do deserto e

analisar a visibilidade dos geóglifos de diferen-

tes pontos. Eles concluíram que se houvesse

atividade sobre as linhas, como muitas pes-

soas andando numa procissão, as formas se-

riam visíveis a quilômetros de distância, inclu-

sive de outros geóglifos, sugerindo uma ceri-

mônia gigantesca por todo o deserto. Ao mes-

mo tempo, a arqueologia tradicional encontrou

orifícios que sugerem a instalação de elevados

postos de observação e de estruturas para a

armação de tendas. Além disso, as escava-

ções revelaram sinais claros de oferendas e sa-

crifícios, como conchas trazidas do oceano, os-

sos de porquinhos-da-índia e restos de ca-

marões-d’água-doce. O Atacama tem apenas

0,5 mm de chuvas por ano e os nazcas eram

uma sociedade agrária. É bem possível que ti-

vessem rituais para pedir água aos deuses.

36-37_labmundo_140 26.09.07 18:41 Page 36

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 37

veio da mãe e a do pai.A equipe de Venter estimapelo menos 0,5% de diferençaentre as duas metades dogenoma, sugerindo umasemelhança genética entreduas pessoas menor do queos 99,9% previstos. Mas omaior benefício de publicar o genoma de uma pessoaconhecida será associar os dados genéticos às suasmanifestações, sobretudo nasaúde. Para eles, saber maissobre a relação entre genes e doenças é o próximo passoda medicina preventiva.

> Mundo em metamorfose

Durante a era soviética, aágua dos rios que alimentamo mar de Aral, na ÁsiaCentral, era desviada parairrigar lavouras. Uma represaconcluída em 2005 agoraimpede que a água escoe desua parte norte que, por isso,está crescendo. A redução do mar de Aral em 75%desde 1967 é um exemplodas mudanças retratadas no The times comprehensive atlasof the world (HarperCollins).O atlas faz mais do quecompilar o passado: eletambém acompanhatendências e faz previsões

sobre ilhas prestes a seremengolidas pelo mar e outrosefeitos da ação humana,que vêm causando alteraçõescada vez mais rápidas.

> Hormônio contra a timidez

Há tempos se sabe que ohormônio oxitocina facilitao trabalho de parto e aprodução de leite, quandoadministrado em doses maiselevadas do que a produzida

US

GS

Mais terra, menos água: imagens de 1977, 1989 e 2006 mostram a redução do mar de Aral

pelo organismo. Agoradescobriu-se outra funçãodesse hormônio, secretadopor uma glândula na base do cérebro. A oxitocinaparece auxiliar o tratamentode pessoas excessivamenteansiosas quando têm deinteragir com outras pessoas– problema conhecido comofobia social. Meia hora antesde sessões de psicoterapia, aequipe de Markus Heinrichs,da Universidade de Zurique,na Suíça, trata 70 pacientescom uma dose de oxitocina

aplicada por spray nasal.Os resultados preliminaresindicam que as pessoastratadas com o hormônio se sentem mais confiantes e preparadas para interagircom pessoas fora das sessõesde terapia (NewScientist).Em um estudo recentepublicado na BiologicalPsychiatry a equipe de Heinrichs mostrou que a oxitocina reduz aatividade de uma regiãocerebral chamada amígdala,associada ao medo.

LA

UR

AB

EA

TR

IZ

36-37_labmundo_140 26.09.07 18:41 Page 37

38 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Uma arma secreta para o

combate à malária, doença

que a cada ano atinge mais

de 500 milhões de pessoas

no mundo, sobretudo nas

regiões mais pobres, pode

estar no intestino de um

mosquito. Entre os parasi-

tas causadores da doença,

Plasmodium falciparum é o

mais comum e responsável

pela forma mais grave. Mas

só completa seu ciclo de vi-

da depois de passar pelo

sistema digestivo do perni-

longo Anopheles, que con-

some sangue infectado de

mamíferos doentes e de-

pois inocula os parasitas

nas vítimas seguintes. O

grupo do bioquímico bra-

sileiro Marcelo Jacobs-Lo-

rena, radicado no Institu-

to de Pesquisa sobre Malá-

ria da Universidade Johns

Hopkins de Saúde Pública,

Estados Unidos, acaba de

descrever em artigo publi-

cado na revista Procee-

dings of the National Aca-

demy of Sciences (PNAS)

detalhes de como P. falci-

parum se fixa ao intestino

do mosquito. O segredo es-

tá no carboidrato glicosa-

minoglicana com sulfato de

condroitina, que o parasi-

ta reconhece e ao qual se

liga. Os pesquisadores ini-

biram a produção desse

carboidrato em mosquitos

vivos e com isso reduziram

em até 95% a infestação

por P. falciparum nos intes-

tinos dos insetos. A identi-

ficação do sulfato de con-

droitina pode ser o passo

inicial para uma potencial

vacina contra a malária, ob-

jetivo ainda distante de ser

alcançado. Primeiro é pre-

ciso descobrir qual proteí-

na do plasmódio reconhece

essa glicosaminoglicana

para, em seguida, usá-la co-

mo alvo para bloquear a

transmissão do parasita. É

mais munição para o arse-

nal de Jacobs-Lorena na lu-

ta contra a malária: a edição

de agosto da PNAS traz ou-

tra proteína identificada por

seu grupo, a aminopeptida-

se, que também pode ser al-

vo de vacina bloqueadora

de transmissão.

produzir o condensado.“Era um espaço que precisavaser conquistado pela físicabrasileira”,comenta Bagnato.Com o sucesso dessetrabalho,o grupo começaagora a investigar a matéria a temperaturas próximas ao zero absoluto.

> O corpo ea geografia

Analisando o materialgenético de 30 populaçõesdispersas pelo planeta,pesquisadores norte-americanos e o biólogobrasileiro Diogo Meyer,daUniversidade de São Paulo,conseguiram evidênciasrobustas de que dois grupos

LABORATÓRIO BRASIL>

JA

ME

S G

AT

HA

NY

/CD

C

> Cascatas deextinção

Muitos animais sealimentam de plantas.Diversas plantas,por sua vez,necessitam de animais para a polinização e a dispersãode sementes,em intrincadasrelações ecológicas.O biólogo Paulo RobertoGuimarães Júnior,doInstituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),se associou a ecólogos da Estação Ecológica deDoñana,na Espanha,paraentender como funcionamessas redes de dependência.Descobriram que espéciesaparentadas tanto de plantascomo de animais tendem a interagir com as mesmasespécies em redes ecológicas.Ao criar simulações decomputador que levam em conta o parentesco entreas espécies,os pesquisadoresviram um efeito dominó de extinções entre espéciesaparentadas (Nature).Classificação pode ser tãoimportante quanto ecologiapara fins de conservação.

> Um superátomo de rubídio

No Instituto de Física daUniversidade de São Pauloem São Carlos,a equipe deVanderlei Bagnato conseguiureproduzir em laboratório o chamado quinto estado da matéria.Usando feixes delaser e campos magnéticos,eles aprisionaram cerca de100 mil átomos do elementoquímico rubídio antesdispersos no estado gasoso.Depois os resfriaram a uma temperatura baixíssima(273,15 graus Celsius

Âncora: açúcarpermite fixação

de parasita nosistema digestivo

do mosquito

Condensado de rubídio:átomos agem como um só

Intestino aderentenegativos),em que os átomos se tornampraticamente imóveis e secomportam como se fossemum só – uma espécie desuperátomo de rubídio.Nesse estado,previsto noinício do século passadopelos físicos Satyendra Bosee Albert Einstein e por isso conhecido comocondensado Bose-Einstein,todos os átomos apresentamo mesmo nível de energia e se movem à mesmavelocidade,a mais baixapossível.É a primeira vez que um laboratório sul-americano comprova

IFS

C/U

SP

38-39_labbrasil_140 25/9/07 18:44 Page 38

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 39

de genes responsáveis porcaracterísticas do sistema de defesa humano evoluíramde modo interconectado por milhares de anos (NatureGenetics). Os pesquisadoresanalisaram amostras desangue de 1.642 pessoas eidentificaram variações nosgenes KIR e nos genes HLA.Os KIR são responsáveis porativar ou inibir células dedefesa chamadas linfócitosnatural killer. Já os HLAajudam a reconhecer quemsão os invasores que devemser combatidos. A equipe de que Meyer fez parteconstatou que, como os HLA atuam junto àsproteínas KIR para regular o funcionamento dessascélulas de defesa, a evoluçãodesses dois grupos de genesnão é independente:organismos que têm muitoHLA do tipo que liga os KIRativadores são propensos a doenças auto-imunes.O grupo mostrou quequanto mais distante da África, onde a espéciehumana teria surgido hácerca de 200 mil anos, maiora variedade de genes KIR.Já a diversidade de genesHLA diminuiu com a distância do continenteafricano. “Populações comaltas freqüências da forma de HLA que ativa o KIR têm menos genes KIR e vice-versa”, explica Meyer.

> Espelho, espelho meu

Como você gostaria de ser? A pergunta foi feita a 1.183 crianças e adolescentescom idade entre 6 e 18 anos,que deviam escolher entreilustrações representandouma gradação entre umacriança magra e outrarechonchuda. Nesse estudo a médica Ana Elisa RibeiroFernandes, da UniversidadeFederal de Minas Gerais,concluiu que boa parte dascrianças não está satisfeitacom sua aparência. Em suaamostra, duas de cada trêscrianças declararam nãogostar do próprio corpo:por volta de 34% gostariamde ser mais magras e 29% preferiam ganharpeso, percepção que foi tãofreqüente entre meninosquanto entre meninas,em todas as idades. Eles semostraram insatisfeitos como corpo independentementede serem ou não saudáveis do ponto de vistanutricional. Segundo AnaElisa, é importante que asfamílias estimulem hábitosalimentares mais saudáveissem estigmatizar a aparência.A insatisfação com o própriocorpo tem papel central no desenvolvimento de doenças como anorexia e bulimia e por isso deve sercombatida desde a infância.

MIG

UE

L B

OY

AY

AN

Efeito inesperado: Amazônia se manteve verde em estiagem

> Seca verdejante

Durante a seca de 2005, umadas mais intensas que seabateram sobre a Amazônia,os trechos intocados dafloresta apresentaram umcomportamento inesperado:tornaram-se mais verdes,em vez de secar. HumbertoRocha, do Instituto deCiências Atmosféricas daUniversidade de São Paulo,em conjunto com colegasnorte-americanos, analisouimagens de satélite e viu que esses trechos da florestaaumentaram a capacidade de

fazer fotossíntese. Em notapublicada no site da Science,eles mostram que é precisoinvestigar como a florestareage às secas e incluir esseconhecimento nos modelosque prevêem o aumento datemperatura do planeta e atransformação de boa parteda Amazônia em savana.Rocha vê o resultado comcautela, uma vez que a secadurou só alguns meses alémdo normal. “Esse fenômenonão invalida as previsões de uma possível savanizaçãoda Amazônia, caso o climatorne-se sistematicamentemais seco e quente”, diz.

LA

UR

AB

EA

TR

IZ

38-39_labbrasil_140 25/9/07 18:45 Page 39

Dietade altoriscoResponsável pelo ganho de peso, bloqueioà insulina começa nocérebro e aumenta predisposição às doenças cardiovasculares e ao câncer

MEDICINA

D’APRÈS BRANCUSI, 1993

40-45_Obesidade_140 26/9/07 13:40 Page 40

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 41

Em pé à entrada de um contêiner metálico que lembra um va-gão de trem sem janela, Andressa Coope prepara uma pastaamarelada rica em gordura de porco. Os ratos-brancos a seremalimentados com essa dieta, mantidos ali dentro em gaiolas empilhadas, cha-mam a atenção não só porque já são gordos, mas também porque carregam umpequeno cano semelhante a uma antena implantado no alto da cabeça. É poresse tubo que a bióloga injetará substâncias que devem mostrar os efeitos deuma alimentação gordurosa sobre o organismo e reforçar a conclusão recen-te das equipes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de que ela fazparte: consumir por muito tempo uma dieta rica em gorduras como a de paí-ses ocidentais, a exemplo do Brasil e dos Estados Unidos, além de engordar,pode ser trágico para o organismo.

O excesso de doces repletos de cremes, pães, frituras e carnes gordurosasimpede o funcionamento adequado do hormônio insulina, que carrega a gli-cose para o interior das células de diferentes órgãos e tecidos onde esse açú-car é transformado na energia essencial à vida. Foram necessários 15 anos detrabalho para as equipes de Mário José Abdalla Saad, José Barreto Carvalhei-ra e Lício Velloso na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp comprova-rem que esse desajuste bioquímico conhecido como resistência à insulina co-meça no cérebro e nos músculos. Depois repercute em todo o corpo, redu-zindo o aproveitamento da energia dos alimentos e aumentando a fome. Emconseqüência, obesidade, diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e atémesmo câncer – em resumo, os problemas que mais matam no mundo hoje– desenvolvem-se mais facilmente.

E xemplo raro da integração de fenômenos observados no interior das cé-lulas a outros fenômenos mais globais, que regulam o funcionamentode órgãos e tecidos, os quase 200 trabalhos publicados pelas equipes

da Unicamp mostram agora com precisão onde, como e por que surge a re-sistência à insulina, o primeiro passo para o desenvolvimento de 90% dos ca-sos de diabetes, que afeta 180 milhões de pessoas no mundo. Desses estudosemergem também alternativas promissoras para tratar esses problemas.

Foi mantendo os potes de comida dos animais sempre cheios que a equi-pe de Saad verificou que as células do hipotálamo e as dos músculos são as pri-meiras a se tornarem resistentes à ação da insulina, dez dias após o início deuma dieta rica em gorduras. Num segundo estágio esse hormônio deixa de agiradequadamente nas células do fígado e dos vasos sangüíneos. Só depois de cin-co meses é que o problema se instala no tecido adiposo, formado por célulasespecializadas em acumular gordura.

Essa seqüência em que o problema se instala permite agora entender me-lhor por que as pessoas que desenvolvem resistência à insulina geralmente setornam obesas – embora não explique todos os casos de obesidade, problemaque também pode ter origem genética ou em outros tipos de distúrbio hormo-nal. A principal razão é o fato de tudo começar no hipotálamo, região localiza-da no centro do cérebro e responsável tanto pelo controle da fome como dogasto de energia. Poucos minutos após as primeiras mordidas em um sanduíche,os níveis de glicose no sangue aumentam e estimulam o pâncreas a liberarinsulina. O hipotálamo detecta as taxas mais altas desse hormônio e, por sua

CARLOS FIORAVANTI E RICARDO ZORZETTO

DESENHOS DE ABRAHÃO SANOVICZ

>CAPA

40-45_Obesidade_140 26/9/07 13:40 Page 41

é uma das origens comuns da obesida-de, do diabetes e da hipertensão.

É nas profundezas das células quedespontam os mecanismos bioquími-cos pelos quais as doenças podem se re-lacionar. Em 1995, quando fazia pós-doutorado sob a supervisão de Saad,Velloso começou a trabalhar na conexãoentre a insulina, que controla a quanti-dade de glicose em circulação no orga-nismo, e a angiotensina II, que regulaa pressão arterial. Seria uma forma deexplicar um fenômeno conhecido haviamuito tempo: pessoas com diabetes fre-qüentemente têm hipertensão arterial.

Publicados em 1995 e 1996, os pri-meiros resultados mostraram como aangiotensina se opõe à ação da insuli-na e também inspiraram novas estra-

A contribuição das equipes de Saad,Carvalheira e Velloso para a compreen-são de como surge a resistência à insu-lina não se restringe à interação entre osórgãos e os tecidos do corpo. Os estudosdos grupos de Campinas, somados aosde outros centros de pesquisa no exte-rior, também ajudaram a identificar oque se passa nos níveis celular e molecu-lar. Quando o corpo está funcionandobem, a insulina se aproxima das célulascarregando uma molécula de glicose e seencaixa em proteínas da superfície celu-lar chamadas receptores de insulina. Acélula se abre e deixa entrar a glicose, queparticipa de reações químicas sucessivasaté se transformar em energia ou ser es-tocada como reserva energética na for-ma de gordura nos tecidos adiposos ouglicogênio no fígado e nos músculos.

Sucessivas refeições pantagruélicasquebram essa rotina, alterando o fun-cionamento de enzimas que normal-mente deixariam a glicose entrar na cé-lula e seguir seu caminho. A equipe deSaad descreveu dois novos mecanismospelos quais se instauram a confusão ce-lular e a fome insaciável. Em uma dessasvias, que Marco Carvalho-Filho descre-veu em 2005 na Diabetes, uma enzimachamada óxido nítrico sintase induzível(iNOS) bloqueia a ação de moléculas dasuperfície das células a que a insulinase liga.Ao descobrir essas conexões, Saadimaginou uma estratégia de ação: re-duzir a resistência à insulina bloquean-do a ação da iNOS, caminho que se mos-trou promissor segundo estudos preli-minares feitos em laboratórios.

O outro mecanismo de resistên-cia à insulina põe em cena ou-tras duas enzimas, conhecidas

pelas siglas JNK e IKK-beta. Ativadaspelo consumo de dietas fartas em gor-dura, essas enzimas também impedema insulina de se conectar às células e detransportar a glicose para o seu inte-rior, como demonstrou Patrícia Olivei-ra Prada, da equipe de Saad, em arti-go publicado em 2005 na revista Endo-crinology. Dessa vez o estrago é gran-de porque essas moléculas da superfí-cie celular não atendem apenas a insu-lina. São essenciais também para ofuncionamento de outros hormônios,como os que regulam a fome e a pres-são arterial. O bloqueio dessas molécu-las da superfície celular, ressalta Saad,

42 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

vez, reduz a produção de outros dois: aorexina, responsável pela sensação defome, e o hormônio concentrador demelanina (MCH), que além da fometambém controla o metabolismo.

Aequipe de Velloso demonstrourecentemente parte desse meca-nismo e a conexão entre obe-

sidade e diabetes regulando a produ-ção, no hipotálamo, do MCH. Ratosobesos apresentaram quantidades ele-vadas desse hormônio no sangue e gas-taram menos energia, enquanto os ma-gros tinham menos MCH e queimaramcalorias mais rapidamente. Os animaisque receberam doses extras desse hor-mônio tornaram-se resistentes à insu-lina, obesos e diabéticos. Velloso con-ta que, por fazer o organismo econo-mizar energia reduzindo a tempera-tura corporal de modo imperceptível,o MCH tornou-se um bom alvo da in-dústria farmacêutica para tratar obesi-dade: deter a ação desse hormônio po-deria reduzir a fome e aumentar o gas-to energético fazendo a temperaturacorporal subir levemente.

Quando a insulina não conseguemais transportar a glicose do sanguepara o interior das células, porém, to-do esse complexo mecanismo bioquí-mico desanda. Os níveis elevados deaçúcar no sangue continuam induzin-do o pâncreas a fabricar insulina, masmesmo essas doses maiores não sãoidentificadas pelo hipotálamo, que ele-va a liberação dos dois hormônios queaumentam a fome e diminuem o gas-to de energia, como se o organismo seencontrasse em um jejum prolonga-do. Como resultado, entra-se num cír-culo vicioso em que a quantidade de in-sulina e glicose no sangue mantém-secontinuamente elevada, causando da-nos em células do fígado, dos vasos san-güíneos e dos nervos.

Não fosse o bastante, nos primeiroscinco meses da resistência à insulina ascélulas do tecido adiposo continuam aabsorver glicose e a transformá-la emgordura, aumentando os pneuzinhos dacintura.“Essa seqüência sugere que ummecanismo muito antigo de sobrevivên-cia pode ter se mantido até hoje”, co-menta Saad. É que, ao se tornar resisten-te à insulina, o cérebro deixa comer àvontade e acumular energia, como seo alimento fosse escassear em seguida.

40-45_Obesidade_140 26/9/07 13:40 Page 42

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 43

tégias de tratamento. Foi Carla Carva-lho, no pós-doutoramento com Saad,quem constatou que medicamentoscontra a hipertensão capazes de blo-quear a ação da angiotensina servempara tratar diabetes e obesidade, já quereduzem a resistência à insulina nas cé-lulas de veias e artérias. Atualmente pes-quisadora do Instituto de Ciências Bio-médicas da Universidade de São Paulo(USP), Carla também mostrou que aação integrada do excesso de insulina edo hormônio luteinizante, que ajuda aregular o ciclo menstrual, poderia con-tribuir para o surgimento de ovários po-licísticos, comuns em mulheres jovensobesas. Ela explicava assim por que ema-grecer era uma forma de normalizar ofuncionamento dos ovários.

E m busca de explicações aindamais profundas para essas cone-xões, Saad desconfiou que as três

enzimas – a iNOS, a JNK e IKK-beta –que impediam o funcionamento da in-sulina poderiam ter uma origem co-mum. Como ele demonstrou depois demuito trabalho, as três podem ser acio-nadas por proteínas da membrana celu-lar chamadas TLR-4, um dos tipos de tolllike receptors. Camundongos com umamutação genética que desliga essa pro-teína aproveitaram melhor a glicose, en-gordaram menos e não desenvolveramresistência à insulina, mesmo quandosubmetidos a uma dieta hiperlipídica.

Para Saad, esses resultados sugeremque a TLR-4 seja justamente a conexãoque faltava entre o consumo de dietas

ricas em gordura e o desenvolvimentode resistência à insulina. Ao se ligarem aesse receptor na superfície das células,as gorduras acionariam uma das três en-zimas que bloqueiam a ação da insuli-na, impedindo o aproveitamento da gli-cose. Ao desativar o receptor TLR-4 dascélulas dos camundongos, Saad tambémobservou a redução de um tipo de célu-las de defesa do sangue. Essa é uma pos-sível conexão entre a obesidade e umainflamação muito branda em todo o or-ganismo, nem sempre notada pelos mé-dicos, geralmente observada em quemestá bem acima do peso consideradosaudável – são consideradas obesas aspessoas com índice de massa corporal(medida obtida pela divisão do peso pe-lo quadrado da altura) superior a 30:

NA BIARQUITETURA, 1993

40-45_Obesidade_140 26/9/07 13:41 Page 43

uma pessoa com 1,70 metro de alturaé obesa se tiver mais de 87 quilos.

Mas o que aciona a TLR-4? Possivel-mente, um tipo de gordura encontra-da principalmente em carnes vermelhas,de acordo com um estudo da equipe deVelloso em fase de publicação.“Tudo co-meça porque comemos muita gorduraanimal”, diz Velloso.“A fome e as epide-mias causadas por doenças infecciosas,que foram as grandes causas de mortede nossos ancestrais, podem ter selecio-nado os genes que favoreçam o armaze-namento de energia e respostas rápi-das às infecções”, comenta Saad. O pró-prio acúmulo de gordura pode ser vis-to como um mecanismo de defesa ca-so falte alimento, como nos tempos emque a espécie humana vivia em caver-nas. Hoje, porém, o organismo mantéma ordem de comer muito, mesmo quenem sempre a comida seja escassa.

E m todos esses anos de trabalho asequipes da Unicamp constata-ram ainda que quem se encontra

muito acima do peso corre também maisrisco de contrair câncer.“O excesso de in-sulina promove o crescimento dos tumo-res”, diz Carvalheira, médico que coorde-na uma das três equipes de Campinasque está mostrando as conexões entre es-sas doenças.Carvalheira verificou essa as-sociação entre resistência à insulina e amaior propensão a desenvolver câncerem experimento com dois grupos de ca-mundongos. Os dois grupos receberaminjeções com células cancerígenas; umdeles consumiu uma alimentação rica emgordura enquanto o outro recebeu umadieta mais balanceada. No final, os que sefartaram com gordura se mostraram50% mais suscetíveis a desenvolver tu-mores, e seus tumores eram 1,5 vezmaior. Um estudo publicado em agos-to na New England Journal of Medicinecomprova essa relação, mas de modo in-verso,ao comparar como morreram qua-se 8 mil obesos que passaram por uma ci-rurgia de redução de estômago – e come-çaram a comer com moderação – e ou-tros 8 mil que não passaram pela cirur-gia. No primeiro grupo, a mortalidadepor diabetes caiu 92% e por câncer 60%,embora a mortalidade por acidentes esuicídio tenha sido 58% maior.

“A associação entre obesidade e cân-cer parece clara”, diz Carvalheira. Ele sevaleu desse conhecimento para criar

uma forma de combater a falta de ape-tite que normalmente acompanha ocâncer. Em outro experimento, ele veri-ficou que a metformina, medicamentousado no tratamento de diabetes, pode-ria aumentar a ingestão de alimento emduas vezes e a sobrevida em 30%. Trata-se de uma nova aplicação para um me-dicamento já conhecido, embora seu usonesses casos tenha de passar por maistestes até se mostrar realmente seguro.

Não é a única alternativa para tentarcombater a resistência à insulina que en-contraram nos últimos tempos.“Traze-mos para o laboratório perguntas quesurgem durante nosso trabalho no hos-pital”, comenta Saad. Atentos às possi-

bilidades de aplicação do conhecimentoque emerge dos estudos com os roedo-res, ele, Velloso e Carvalheira encontra-ram algumas formas de reduzir o blo-queio à insulina. Uma delas consiste defragmentos de DNA chamados oligonu-cleotídeos, que barraram a ação de umaproteína chamada PGC-1 e deixarama insulina mais livre para entregar o açú-car às células. Os resultados dos expe-rimentos em camundongos animaramuma empresa farmacêutica nacional aapostar no desenvolvimento de um me-dicamento a partir desses fragmentos deDNA, que pode chegar às mãos de quemprecisa em dez ou quinze anos – se tu-do der certo e se forem seguidos os cri-térios internacionais de desenvolvimen-to de fármacos.

Paty Karol, da equipe de Saad, des-creveu em sua tese de doutorado um oli-gonucleotídeo (fragmento de DNA) quedesfez o bloqueio à insulina no hipo-tálamo de ratos e a reduziu nos mús-culos e no fígado; em conseqüência, osanimais comeram menos. Mas essecomposto também está longe de chegaràs prateleiras das farmácias.

Até lá, talvez uma forma mais sim-ples de evitar o excesso de insulina sejamesmo fazer exercícios físicos. Marce-lo Flores, sob a orientação de Carvalhei-ra, demonstrou que exercícios prolon-gados de média a alta intensidade redu-ziram o apetite de ratos por aumenta-rem a sensibilidade do hipotálamo adois hormônios que controlam a fome,a insulina e a leptina. Mas os exercíciosdevem ser regulares e contínuos. Em umexperimento realizado na Unicamp, umgrupo de ratos teve de nadar duranteuma hora por dia por oito semanas, en-quanto outro grupo permanecia seden-tário. Depois todos os animais se far-taram com alimentos com muita gor-dura, doces à vontade e bebidas muitocalóricas nas oito semanas seguintes.Surpreendentemente, os que haviam fei-to exercício desenvolveram uma resis-tência à insulina mais pronunciada queos sedentários. Os ratos que haviam na-dado engordaram mais, reproduzindouma das mudanças mais visíveis que ojogador argentino Maradona viveu de-pois de ter deixado o campo. Conclusão:embora o sedentarismo seja criticável,fazer exercício regularmente para per-der peso e depois parar abruptamentepode ser decepcionante. ■

44 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Mecanismos moleculares de resistência à insulina no hipotálamo e tecidos periféricos

MODALIDADE

Projeto Temático

COORDENADOR

MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD – Unicamp Investimento

INVESTIMENTO

R$ 1.146.794,71 (FAPESP)

O PROJETO

Trace uma linha vertical a partir deseu peso e outra, horizontal, de suaaltura. O ponto de encontro das duasmostra o Índice de Massa Corporal e a adequação de seu peso à altura

Seu peso é saudável?

4020kg

cm

60 80 100 120

150

140

160

170

180

190

baix

o pe

so

peso

sau

dáve

lso

brep

eso

obes

idad

e

40-45_Obesidade_140 26/9/07 13:41 Page 44

TODO BRASILEIRO TEM DIREITO A DECOLAR NA VIDA.

Quando o assunto é cidadania, a Embraer voa alto. Cada investimento na área social é feito

com a mesma responsabilidade empregada na fabricação dos seus aviões. Em 2001, a Embraer

criou o Instituto Embraer de Educação e Pesquisa. Com foco na educação e voltado para as

comunidades onde está presente, o Instituto oferece oportunidade a jovens provenientes da

rede pública, para que desenvolvam seus talentos e adquiram condições mais favoráveis ao

exercício pleno da cidadania. Em fevereiro de 2002, foi inaugurado o Colégio Eng. Juarez

Wanderley, que hoje possui 600 alunos do ensino médio, garantindo a eles, gratuitamente, ensino

do mais alto nível com jornadas diárias de nove horas. No ENEM de 2005, o colégio igualou-se

aos melhores do país, e isto se reflete nos resultados obtidos pelos 95% de estudantes

aprovados nos vestibulares de grandes instituições. A Embraer acredita que a educação é a

melhor forma de contribuir para um futuro melhor.

17260Instituto208x275.indd 1 1/1/04 4:59:16 PM

46 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Grupos europeus trabalham emconjunto para integrar pesquisas e ganhar tempo na busca de novostratamentos contra câncer e Aids

Cinco equipes de hospitais da Alemanha, Bélgica,Hungria e França devem começar ainda este ano uma es-tratégia diferente para avaliar a eficácia de um tipo de cé-lulas de defesa em pessoas com tumores de pele ou comAids. Dessa vez adotarão métodos padronizados de tra-balho para depois compararem os resultados a que che-garem – algo antes quase impossível, já que cada pesqui-sador empregava seus próprios procedimentos. Ao mes-mo tempo, uma equipe em Paris estuda como essas cé-lulas reagem ao encontrar tumores ou agentes infecciososcomo vírus e bactérias. Em Milão, na Itália, outro grupo

A arte do encontroidentifica os genes que controlam o funcionamento daschamadas células dendríticas, vistas atualmente como umapromissora possibilidade terapêutica contra uma série dedoenças por controlarem a produção de anticorpos e deoutras células de defesa. Os líderes de cada grupo sabemque podem pedir ajuda às outras equipes para comple-mentar os resultados. Podem também ampliar o debatea mais participantes, já que compõem a rede européiaDC-Thera, um dos raros esforços mundiais a integrarpesquisa básica e aplicada, constituída por 26 gruposde pesquisadores, 39 laboratórios associados e seis pe-quenas e médias empresas.

Implantada há quase três anos, a DC-Thera, abrevia-ção de Dendritic Cells for Novel Immunotherapies, reú-ne destacados especialistas europeus em células dendríti-cas da área de genômica, proteômica, biologia molecu-lar e celular e experimentação em modelos animais e emseres humanos com o propósito de encontrar uma al-ternativa aos tratamentos, em especial contra câncer. “O

IMUNOLOGIA

>

46-49_Dendriticas_140 26.09.07 18:48 Page 46

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 47

ILU

ST

RA

ÇÕ

ES

NE

GR

EIR

OS

conhecimento de genômica pode serusado para desenhar testes em seres hu-manos, que freqüentemente são muitoempíricos”, diz Jonathan Austyn, pro-fessor de imunobiologia da Universida-de de Oxford que criou a rede. “Que-remos completar o percurso do microao macrocosmo.”

A pesquisa nessa área se intensificounos últimos anos também nos EstadosUnidos e no Brasil por causa dos resul-tados animadores dos testes clínicos pre-liminares e da baixa toxicidade. Os efei-tos colaterais tendem a ser mínimos por-que cada pessoa recebe células de seupróprio organismo, selecionadas, culti-vadas e fortalecidas em laboratório.

“Daqui a dez anos possivelmenteconseguiremos estimular as células den-

dríticas dentro do próprio organismodos pacientes”, diz Roger Chammas, queestuda os mecanismos de diferenciaçãode células dendríticas na Faculdade deMedicina da Universidade de São Pau-lo (USP) em conjunto com a equipe deLewis Joel Greene, do Centro de TerapiaCelular de Ribeirão Preto.

Trabalhar em rede pode ser uma for-ma de chegar logo a resultados maisconsistentes, mas não é fácil. Em ummesmo país já seria difícil motivar mé-dicos e biólogos a adotarem uma lingua-gem e formas de pensar convergentes.Austyn provocou a sorte e reuniu 61grupos de 18 países da Europa, cada umcom suas barreiras culturais, particular-mente sérias em um continente histori-camente dividido por guerras. Sob sua

coordenação biólogos, médicos e em-presários ingleses, italianos, alemães,portugueses, suíços, franceses, croatas eespanhóis se sentam à mesma mesa acada três meses para discutir resultadoscientíficos ou estratégias de trabalho.

Negociar com cientistas nem sempreé fácil, especialmente para quem, comoAustyn, prefere respeitar as prioridadese os estilos de trabalho de cada grupo emvez de impor um comportamento pa-drão. Para articular o conhecimento evencer a especialização que limita a ca-pacidade de reflexão, ele tem também deprever e administrar conflitos geradospor diferentes visões de mundo. Mui-tas vezes a consciência dos limites dopróprio conhecimento faz com que unsganhem e outros percam autoridade.

46-49_Dendriticas_140 26.09.07 18:48 Page 47

Mas o diálogo muitas vezes vencee fortalece os laços de confiança. Emjunho, por exemplo, em uma reuniãoorganizada por Gerold Schuler, da Uni-versidade de Erlangen, em Bamberg,uma cidade medieval alemã, os inte-grantes da rede concordaram em tes-tar as células dendríticas com métodoscomuns de preparação, controle de qua-lidade e aplicação.

A falta de padronização é um dosprincipais problemas que dificultam aanálise e a comparação dos cerca de cemtestes clínicos com células dendríticas járealizados no mundo. Carl Figdor, pes-quisador da Universidade de Nijmegen,Holanda, e integrante da DC-Thera,ao lado de outros especialistas,alertara em 2004 na Nature Me-dicine sobre a necessidade deplanejar, preparar e avaliar ostestes clínicos com mais rigor.

Austyn e a gerente de pro-jetos, a bióloga brasileira Mi-riam Mendes, descobriram aospoucos como fazer com que equi-pes que antes mal se viam começas-sem a compartilhar equipamentos, dú-vidas, esperanças e descobertas. Uma dasestratégias é valorizar o conhecimentotácito – detalhes das técnicas de traba-lho que não entram nos estudos publi-cados em revistas científicas, mas queeconomizam tempo e evitam erros. Ospesquisadores viram que era melhoraprender em uma semana em outro la-boratório uma técnica a que chegariamsozinhos em meses.

Austyn e Miriam investem em mui-ta conversa, já que o dinheiro é curto. Fi-nanciada pela Comunidade Européia, arede conta com um orçamento de € 7,6milhões por cinco anos – ou € 1,5 mi-lhão (cerca de R$ 4,5 milhões) por ano.Cada grupo recebe o suficiente apenaspara cobrir despesas de viagens e partedos reagentes usados nos experimentos.

“Não damos dinheiro para pesqui-sa, mas tentamos reduzir os custos dapesquisa aproximando os grupos e fa-zendo a informação fluir mais facil-mente”, diz Miriam. Formada pela USP,ela trabalhara no Projeto Genoma Hu-mano na Inglaterra e à frente de um le-vantamento sobre as razões de sucessoou fracasso na transferência de tecnolo-gia entre universidades e empresas far-macêuticas norte-americanas e britâni-cas. Chegou então à conclusão de que

muitas vezes é a falta de comunicação –e não de dinheiro – o maior gargalo daprodução científica.

Tim Evans, diretor-geral assistentepara informação, evidência e pesquisada Organização Mundial da Saúde, con-corda. Segundo ele, já existe informaçãosuficiente para enfrentar as doenças in-fecciosas em países em desenvolvimen-

anual da Escola de Pós-Graduandos(Graduate School), uma espécie de cur-so de inverno criado por Mark Suter,pesquisador da Universidade de Zuriquee parceiro da DC-Thera.“É muito útil”,avalia Lyris, que saiu de St. Moritz como plano de um experimento a ser reali-zado com colegas da Inglaterra.“Os vín-culos pessoais que fortalecem a rede são

mais consistentes quando nascem deproblemas reais, de baixo para cima”, ob-serva Miriam.

Outra forma de aproximar os gru-pos são as quatro plataformas tecno-lógicas – equipes ou instalações que po-dem atender outros grupos com ser-viços, palpites ou cursos em genômi-ca, imagens de células, informática eprodução de células para os testes emseres humanos. Em uma dessas plata-formas, no Instituto Curie, em Paris,o biólogo argentino Sebastian Amigo-rena registrou os movimentos das célu-las dendríticas em tecidos de camun-dongos ao vivo e em tempo real, pormeio de microscopia e de ressonânciamagnética nuclear.

Ver como as células se deslocam pe-lo organismo ajuda a interpretar os re-sultados dos experimentos em animais,principalmente quando os resultados sesomam: um dos grupos da Itália, porexemplo, deve listar os milhares de ge-

to:“As pessoas estão se afogando em da-dos”. A seu ver, as doenças se propagam,entre outras razões, porque a informa-ção sobe para os níveis mais altos da hie-rarquia, mas raramente desce para osformuladores de políticas públicas e oscidadãos comuns.

“Se as perguntas de cada grupo fos-sem mais complementares talvez a efi-ciência das redes fosse maior, pois os re-sultados se somariam mais facilmen-te”, diz Lyris Godoy, bióloga brasileiraque fez o doutorado no Centro de Tera-pia Celular em Ribeirão Preto e desdejulho de 2005 estuda proteínas no Ins-tituto Max Planck de Bioquímica, emMartinsried, na Alemanha.

Em julho de 2006 Lyris foi a St. Mo-ritz, uma estação de esqui na Suíça, paraesquiar e para contar sobre seu trabalhoa pesquisadores mais experientes, queofereceram a ela e a outros pós-graduan-dos sugestões sobre como avançar maisrapidamente. Era o segundo encontro

48 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Em ação: células dendríticas

(com ramificações semelhantes a véus)

ativando linfócitos (células redondas

menores)

GO

RD

ON

MA

CP

HE

RS

ON

E J

ON

AU

ST

YN

/UN

IVE

RS

IDA

DE

DE

OX

FOR

D

46-49_Dendriticas_140 26.09.07 18:48 Page 48

nes associados à diferenciação e regula-ção das células dendríticas até o final doano.“Podemos agora trabalhar para as-sociar os genes com as respostas das cé-lulas”, diz Austyn. Dessas pesquisasemergem também estratégias de ação,para, por exemplo, bloquear um genecuja ação atrapalhe o funcionamentodas células dendríticas.

Encontradas em quase todos os teci-dos, as células dendríticas atuam comoapresentadoras de antígenos. Encon-tram e digerem partes de tumores, demicroorganismos pequenos, como víruse bactérias, ou maiores, como vermes.Depois algumas proteínas que per-manecem aderidas na superfície dascélulas dendríticas servem para ativaroutras células de defesa, como os lin-fócitos T e B. Os tumores bloqueiam es-sa comunicação inibindo o amadureci-mento das células dendríticas. Não só ostumores. O protozoário causador damalária também bloqueia o desenvolvi-mento dessas células, de acordo com umestudo de Austyn e de outros pesqui-sadores da Universidade de Oxford pu-blicado em 1999 na Nature.

O trabalho nos hospitais procurajustamente evitar essas perdas de célu-las essenciais para a defesa do organis-mo. Um aparelho semelhante ao que fil-tra o sangue de quem tem rins deficien-tes retira as células do sangue conheci-das como monócitos das pessoas comcâncer ou doenças infecciosas comoAids. Em uma solução com proteínase estimuladores de crescimento, os mo-nócitos originam as células dendríticas.Cinco ou seis dias depois, essa soluçãorecebe partes de tumores, também ex-traídos das próprias pessoas a serem tra-tadas, e outros agentes que fazem ascélulas dendríticas amadurecerem e setonarem eficazes para estimular o sis-tema imune. Por fim, já maduras e ca-pazes de reconhecer os tumores, as cé-lulas dendríticas voltam ao organismodos pacientes para coordenar a luta con-tra o câncer ou doenças infecciosas.

Essa estratégia é trabalhosa, mas pro-missora. Frank Nestlé, pesquisador daUniversidade de Zurique e parceiro asso-ciado da DC-Thera, relatou em 1998 naNature Medicine os resultados de um es-tudo piloto com 16 portadores de câncerde pele em estágio avançado; cinco apre-sentaram regressão de metástases apósreceberem injeções de células dendríticas

retiradas do próprio sangue. Outros es-tudos não terminaram com resultadostão positivos, mas essa técnica, chama-da de vacina autóloga por ser feita a par-tir do sangue da própria pessoa tratada,firmou-se com um enfoque promissor eseguro em 1999. Foi quando o grupo deSchuler, que atualmente coordena ostestes clínicos, publicou resultados maisanimadores, também em câncer de pele.

Incertezas - Pode estar aí uma alterna-tiva para tratar outros tipos de câncer,doenças auto-imunes, alergias ou re-jeição de transplante, mas ainda hámuitos desafios. “Como faltam proce-dimentos de trabalho padronizados”,afirma Chammas,“ainda não temos co-mo avaliar a eficácia do uso de modo in-dependente”. Austyn encoraja os gru-pos a usar os mesmos critérios nos testesem seres humanos não só para poderemcomparar os resultados obtidos em di-ferentes países. Essa é também umaforma de a entidade que aprova novostratamentos na Europa, a Emea, libe-rar mais rapidamente uma licença vá-lida para todos os países europeus.

Outro problema é que, por ser indi-vidualizado, esse tratamento ainda écaro. Mesmo assim, ainda é mais bara-to que a quimioterapia e a internaçãoem unidades de tratamento intensivo,assegura o médico José Alexandre Bar-buto, pesquisador do Instituto de Ciên-cias Biomédicas da USP.

À frente de um dos poucos núcleosde pesquisa básica e clínica em célulasdendríticas no Brasil (há outros em SãoPaulo, no Rio de Janeiro e no Rio Gran-de do Sul), Barbuto foi um dos coor-denadores de um dos únicos estudos clí-nicos com células dendríticas no país.De acordo com os resultados, publica-dos em 2004 na Cancer Immunology andImmunotherapy, os tumores pararam decrescer em 71% das 35 pessoas trata-das (com tumores de pele ou de rim emestágio avançado).“Estamos no mesmopé que outros países”, diz ele.

Também por aqui faltam métodosde trabalho padronizados e sobram in-certezas sobre os mecanismos de apro-vação pelas autoridades do governo.Não falta, porém, ousadia. Nos testesque resultaram no artigo de 2004, Bar-buto deixou de lado alguns preceitos daimunologia e fundiu células dendríticasretiradas de doadores saudáveis comcélulas de tumores das pessoas a seremtratadas – normalmente células e tumo-res são extraídos da mesma pessoa. Aeventual rejeição, ele imaginou, poderiaservir para estimular ainda mais as ou-tras células de defesa. Os resultados oanimaram a trabalhar para iniciar omais breve possível testes em mais pes-soas e mais doenças. Por enquanto, reinao otimismo. ■

CARLOS FIORAVANTI,DE OXFORD E DE SÃO PAULO

46-49_Dendriticas_140 26.09.07 18:48 Page 49

50 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

As memórias peregrinam por regiões do cé-rebro até se converterem em lembranças ouaprendizados genuínos.Primeiro,as informa-ções alojam-se provisoriamente no hipocam-po,região cujo nome se deve à semelhançacom a forma de um cavalo-marinho,migran-do depois para a camada mais externa,o cór-

tex,num processo de consolidação que acontece du-rante o sono.O fenômeno da propagação das me-mórias é conhecido desde a década de 1950,mas,pelaprimeira vez,conseguiu-se esquadrinhar as atividadesdo cérebro envolvidas nesse processo.Um artigo cu-jo autor principal é o neurocientista brasiliense Sidar-ta Ribeiro,36 anos,diretor científico do Instituto In-ternacional de Neurociências de Natal Edmond e LilySafra (IINN-ELS),indica que a construção da memó-ria acontece numa seqüência específica do ciclo dosono:a fase de ondas lentas,em que se dorme profun-damente, e a subseqüente fase REM (movimento rá-pido dos olhos,na sigla em inglês),aquela em que aatividade onírica é intensa.

Sidarta analisou 28 ciclos de sono de 15 ratos de la-boratório submetidos durante 20 minutos ao contatocom objetos que nunca haviam visto antes.Duranteo experimento,o pesquisador monitorou a atividadede centenas de neurônios do hipocampo e de duasáreasdo córtex.Na fase de ondas lentas,observou-se de forma mais intensa uma espécie de eco dos pa-drõesde impulsos elétricos observados nos primeiroscontatos com os objetos.O fenômeno de reverberaçãodas memórias corresponde à ativação da rede de neu-

rônios que guarda a represen-tação daquela experiência.Es-sa reverberação,mostra o es-tudo,dura horas no córtex,mas é bem mais rápida no hi-pocampo,numa evidênciaeletrofisiológicada peregrina-ção da memória dentro do cé-rebro.Já durante a fase REMfoi registrado um aumento nocórtex mas não no hipocam-po na expressão dos genes Arce Zif-268,relacionados à con-solidação de memórias.O es-tudo liderado por Sidarta estásendo publicado na edição denovembro da revista Frontiersin Neuroscience. “A ativaçãodos genes durante o sonoREM equivale a uma ordempara que o córtex armazeneaquela informação que acaboude reverberar,consolidando amemória.A cada ciclo de sono,a memória vai ficando maisancorada no córtex”,diz Sidar-ta.“Estamos mostrando,pelaprimeira vez,evidências mole-culares e eletrofisiológicas decomo fases específicas do sonoparticipam do processo de mi-gração de memórias.”

O interesse de Sidarta Ri-beiro pelo papel do sono naconsolidação das memórias

Est

udo

mos

tra

as fa

ses

do s

ono

em q

ue o

cér

ebro

arm

azen

a ex

peri

ênci

as e

lem

bran

ças

Ves

tígi

os d

o di

aN

EU

RO

CIÊ

NC

IA>

FABRÍCIO MARQUES

50-51_sono_140 25/9/07 18:57 Page 50

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 51

função cognitiva do sono edos sonhos. Isso despertouminha curiosidade.”

No período em que per-maneceu em Nova York, de1995 a 2000, Sidarta publi-cou uma série de artigos so-bre a comunicação vocal deaves, linha de pesquisa de seugrupo, mas também investiuem paralelo em seus estudossobre a consolidação de me-mórias. Num artigo de ca-pa publicado em 1999 pelarevista Learning and Me-mory, Sidarta e seus colegasda Universidade Rockefellerrelataram a descoberta daexpressão de um gene du-rante o sono REM vincula-do à consolidação da memó-ria. Em 2000, Sidarta resol-veu direcionar sua carreirapara o estudo do sono aotransferir-se para a Univer-sidade Duke, onde faria pós-doutoramento, sob a orien-tação do brasileiro MiguelNicolelis, e aperfeiçoaria seusconhecimentos no uso deeletrodos para monitorar deforma precisa e simultânea ofuncionamento de centenasde neurônios (graças a essatecnologia, Miguel Nicole-

lis conseguiu fazer com quemacacos mexessem um bra-ço mecânico apenas com osimpulsos transmitidos porseu cérebro).

Teoria – Em 2004, em ou-tro artigo de capa da Lear-ning and Memory, Sidartaformulou uma teoria queexplica por que o hipocam-po é o abrigo provisório dasmemórias, enquanto ao cór-tex cabe o papel de armazémdefinitivo. O fenômeno mo-lecular e eletrofisiológico queo sono deflagra produz umareverberação de curto espa-ço de tempo no hipocampo,enquanto o córtex continuapassando por ondas de plas-ticidade neural. O artigo queestá sendo publicado naFrontiers in Neuroscience pôsà prova, pela primeira vez,essa teoria.

Hoje um dos mais reco-nhecidos pesquisadores domundo em sua área, SidartaRibeiro também propõe umarevisão da visão excludenteque os cientistas têm da psi-canálise (embora conceitoscomo a simbologia dos so-nhos ainda aguardem cor-roboração científica) ao mos-

trar que fazem sentido pelomenos duas idéias defendidaspelas teorias freudiana e jun-guiana. Uma delas é a evidên-cia de que os sonhos quasesempre se relacionam a expe-riências do dia anterior. Ou-tro ponto é a recuperação du-rante os sonhos apenas dosepisódios mais marcantes dodia.A reverberação do apren-dizado para a construção dasmemórias ajuda a explicar asduas coisas.

Há dois anos, Sidarta tro-cou Durham, na Carolina doNorte, que abriga a Univer-sidade Duke, por Natal, noRio Grande do Norte, onde,sob a liderança de Miguel Ni-colelis, foi criado o IINN-ELS.A idéia do instituto é fa-zer ciência de ponta aliada aprojetos educacionais e so-ciais com estudantes caren-tes. Sidarta, que ajudou aconceber o projeto, tornou-se diretor científico do ins-tituto.“Conseguimos reunircondições para fazer pesqui-sa avançada em Natal. Emtodos os aspectos, o trabalhodá mais prazer do que nosEstados Unidos, pois a liber-dade é maior”, afirma. ■

surgiu num lance acidental.Em 1995, o biólogo gradua-do na Universidade de Brasí-lia e mestre em biofísica pelaUniversidade Federal do Riode Janeiro chegou a NovaYork para fazer doutoradoem neurobiologia cognitivamolecular na UniversidadeRockefeller. Enfrentou umchoque cultural que não es-perava.“Eu estava seis mesesatrasado em relação à minhaturma e constatei que me faltava uma base teórica paraacompanhá-la. Resolvi usartodo o tempo que podia paraficar no laboratório e meatualizar, mas sentia muitosono e acabava indo dormirem casa. Cheguei a dormir 16horas por dia. Isso durou unsdois meses e aí eu conseguime adaptar, acompanhar aturma e seguir em frente”, elelembra. Intuitivamente, con-cluiu que o sono teve um pa-pel na difícil adaptação, mas,quando foi pesquisar o assun-to, descobriu que era poucoestudado.“Há um livro de re-ferência, chamado Princípiosda neurociência, segundo oqual pouco se sabia sobre aJ

AIM

E P

RA

DE

S

50-51_sono_140 25/9/07 18:57 Page 51

52 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Se fosse possível apontar uma câmera de vídeo parao norte da cordilheira dos Andes e mostrar em pou-cos minutos o que se passou em 6 milhões de anos,o filme mostraria as montanhas subindo às alturase levando consigo alguns dos diversos papagaios quese espalhavam por todo o norte do continente. Nascenas correspondentes aos últimos 2 milhões de anos,

as coloridas aves, já isoladas de seus parentes que ficaramnas terras baixas, começariam a acumular diferenças entre siaté originarem espécies distintas. Essa versão da história, quecontraria a hipótese mais aceita, é resultado do trabalho dabióloga Camila Ribas, do Laboratório de Genética e EvoluçãoMolecular de Aves da Universidade de São Paulo (USP). Elareconstruiu a história evolutiva dos papagaios do gênero Pio-nus com ajuda da biogeografia, especialidade que analisa a dis-tribuição geográfica da diversidade biológica. Esse tipo de en-foque tem raízes profundas: foram padrões biogeográficos osprincipais responsáveis por levar os britânicos Charles Dar-win e Alfred Russel Wallace a elaborar a teoria da evolução.

Passado um século e meio das observações de Darwin eWallace, a biogeografia hoje conta com novas técnicas, comoanálise de material genético, que ajudaram a contar a históriados Pionus, ou maitacas, publicada este mês na revista britâni-ca Proceedings of the Royal Society, B. Camila considerava o tra-balho modesto, até que chegou ao Museu Americano de His-tória Nacional, em Nova York, para um pós-doutorado e mos-trou os dados a seu supervisor Joel Cracraft. O experiente es-pecialista em evolução de aves logo viu o valor daquele mate-rial para ajudar a elucidar a relação entre as histórias geológi-ca e evolutiva da América do Sul e instou a pesquisadorabrasileira a ampliar a amostragem e aprofundar as análises.

Mais fácil falar do que fazer. Os papagaios andinos são ra-ros e pouco estudados, e difíceis de capturar. Para conseguiramostras de sangue ou outro tecido, de onde se obtém ma-terial genético, é preciso encontrar filhotes no ninho ou aba-

Soerguimento dos Andesexplica a diversidade depapagaios na América do Sul

Notopoda

montanha

MARIA GUIMARÃES

EVOLUÇÃO

>

52-55_Papagaio_140 25/9/07 20:06 Page 52

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 53

molecular, mas o alto grau de imprecisãofaz com que o método nem sempre sejabem aceito pelos pesquisadores. Por is-so Camila e seus colaboradores usaramuma sucessão de análises.

O primeiro passo foi estimar outravez os tamanhos dos ramos das árvoresfilogenéticas, de modo que refletissem otempo evolutivo – a representação grá-fica da filogenia inclui um eixo gradua-do, como uma escala em um mapa, quedá uma idéia de quando ocorreu cadaevento evolutivo. A equipe comparoudois métodos distintos que geraram re-sultados bem parecidos, o que tornou asestimativas mais confiáveis. No passo se-guinte era preciso calibrar a árvore: dara algum ponto dela uma data conheci-da, a partir da qual seria possível inferiras outras.“Para determinar essa data sãonecessários fósseis com idades conhe-cidas ou eventos geológicos que possamser associados a alguma ramificação daárvore”, explica Camila. “Mas existemmuito poucos fósseis de psitacídeos, a fa-mília que inclui papagaios, araras e pe-riquitos.” O único evento geológico queela tinha segurança em associar à his-tória dos papagaios aconteceu há cercade 85 milhões de anos, muito antes dosurgimento do gênero Pionus: a sepa-ração entre a Nova Zelândia e a Antárti-da deixou de um lado a linhagem quelevou ao gênero Nestor, exclusivo da No-va Zelândia, e de outro a fonte de todos

os outros psitacídeos. A partir dessa da-ta os pesquisadores estimaram a origemdos Pionus em cerca de 6,9 milhões deanos, data que serviu como escala paramedir o tempo na genealogia do gênero.

A inovadora ginástica metodológicadeu certo.“Os revisores que avaliaram oartigo aprovaram a publicação semquestionar o método”, comemora a pes-quisadora.“As estimativas de tempo têmuma margem de erro grande”, explica,“mas temos confiança nos tempos rela-tivos”. Ou seja, os Pionus podem não tersurgido há exatamente 6,9 milhões deanos, mas ela sabe a ordem dos even-tos ao longo da genealogia.

Altas diferenças - O relógio molecu-lar mostra que, ao erguer-se, a cordilhei-ra dos Andes fragmentou a distribuiçãode espécies de maitacas, que ao longo dealguns milhões de anos acumularam di-ferenças e deram origem a novas varie-dades. Se a estimativa estiver correta, astrês espécies que existiam por volta de6 milhões de anos atrás, quando a por-ção norte dos Andes tinha 30% da es-tatura que atinge hoje, em 4 milhões deanos passaram a ser dez linhagens dife-rentes: seis no alto das montanhas e qua-tro nas terras baixas, que abarcam prati-camente todo o resto da América do Sul.

Não aconteceu de um dia para o ou-tro, mas movimentos da crosta terrestreerigiram uma imensa cadeia montanho-

ter adultos a tiros. Camila foi então atrásde espécimes de museu e percebeu queestava no lugar certo: a coleção do mu-seu nova-iorquino está entre as maiscompletas do mundo. Ela abriga o úni-co exemplar preservado de Pionus pon-si, uma maitaca de penas verde-escuras,um pouco azuladas na garganta e ama-reladas nas costas, coletada em 1949 nonoroeste da Venezuela. Lá estão tambémduas das raras peles de Pionus saturatus,com seu pescoço azul-turquesa, obtidasna Colômbia em 1899. E o laboratórioonde os pesquisadores do museu reali-zam análises genéticas reúne condiçõese conhecimento que o põem entre osmelhores do mundo para extrair ma-terial genético de espécimes antigos.

O material genético retirado dasamostras de museus de zoologia norte-americanos e brasileiros serviu para cons-truir a árvore genealógica – ou filogenia–, que revela o parentesco entre as espé-cies de Pionus. Camila aplicou a essa ge-nealogia um método para estimar quan-do surgiram as diferentes espécies. É co-mo se a quantidade de diferenças entreas seqüências de DNA das duas espécies,representada pelo comprimento de cadaramo da árvore,permitisse calcular quan-do nasceram o avô, o bisavô e o tatara-vô de uma pessoa viva hoje.A idéia de es-timar datas de divergência a partir docomprimento dos ramos de uma árvo-re filogenética é conhecida como relógioA

RT

HU

R G

RO

SS

ET

52-55_Papagaio_140 25/9/07 20:08 Page 53

54 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

cas que vivem nas ter-ras baixas são, de acor-do com a datação deCamila, igualmente re-centes: a maior partetambém surgiu no últi-mo milhão de anos.

Porém uma dificul-dade para esse tipo deestudo é o pouco que sesabe sobre a biodiversi-dade brasileira: quantasespécies existem, qual oparentesco entre elas eonde ocorrem. No tra-balho com os Pionus elatratou como espéciesseparadas várias unida-des que são considera-das subespécies pela ta-xonomia vigente. “Sãoanimais bem diferentese vivem em áreas geo-graficamente bem sepa-radas”, justifica. Agoraespecialistas têm quedecidir quantas são asespécies de maitacas: asnove reconhecidas ho-je, as 19 que Camila e

seus co-autores consideram distintas ouum número intermediário. “O ComitêBrasileiro de Registros Ornitológicosjá pediu para analisar o artigo”, conta abióloga. No Brasil ainda é impossívelresponder a perguntas biológicas maiselaboradas sem antes ordenar a classifi-cação das espécies, segundo Camila, queteve de se tornar também sistemata: es-pecialista no ramo da biologia que seocupa em classificar os seres vivos deacordo com o parentesco entre eles.

E tomou gosto pela coisa. Ao longode seu doutorado, que terminou em2004 sob orientação de Cristina Miya-ki, na USP, Camila pôs ordem na classi-ficação de vários gêneros de psitacídeos.Examinou as nove espécies normalmen-te acomodadas no gênero Pionopsitta,que se distribuem pelo norte da Améri-ca do Sul, e descobriu que a classificaçãonão correspondia à realidade. É como sea árvore genealógica de uma família in-cluísse primos de segundo grau, masdesconsiderasse os de primeiro grau.Uma reforma era necessária. No artigopublicado em 2005 no Journal of Biogeo-graphy, Camila ressuscitou o gêneroGypopsitta, que caíra em desuso, e nele

alojou oito espécies desses papagaios decor verde-viva e cabeças ora amarelas,ora vermelhas, ora verdes com manchascoloridas, em geral conhecidos como cu-ricas. Em Pionopsitta sobrou uma úni-ca espécie – pileata, o cuiú-cuiú ou ca-turra, com sua máscara vermelha.

A bióloga recuperou também a his-tória de Gypopsitta que, como as maita-cas, tem o levantamento dos Andes co-mo ponto crucial de sua história evolu-tiva. O grupo que ficou a oeste da cadeiamontanhosa gerou três espécies, que ho-je vivem na América Central, na Colôm-bia e no Equador. Em seguida eventosgeológicos, provavelmente ligados aosmovimentos da crosta terrestre que pro-duziram a cordilheira dos Andes, sepa-raram as curicas amazônicas que deramorigem a duas espécies a oeste – G. bar-rabandi, ao longo da bacia amazônicaaté o Peru, e G. pyrilia, nas Guianas. Osrepresentantes de Gypopsitta que fica-ram na metade leste da Amazônia se di-vidiram em três espécies, que podem terse diferenciado como resultado de flu-tuações no nível do mar e glaciações.

Florestas do passado – O mesmo en-foque pode ser valioso para revelar as re-lações passadas e atuais entre os ecossis-temas brasileiros. Parte da história bio-geográfica do Brasil está gravada nos pe-riquitos Pyrrhura, ou tiribas, outro psi-tacídeo que Camila estudou durante seudoutorado. Assim como as maitacas, di-ferentes espécies de tiribas estão nos An-des, na Amazônia, no Cerrado, na Caa-tinga e na Mata Atlântica. Ao estudar oparentesco entre as espécies, Camilaconcluiu que o ancestral desses periqui-

sa onde antes havia uma planície de flo-resta. Surgiram assim grupos isoladosde plantas e animais, como as maitacas,e entraram em jogo mecanismos locaisque aumentaram a diversidade biológi-ca. Nas montanhas os ciclos de altera-ções climáticas eram extremos: gelei-ras aos poucos engoliram a floresta e re-duziram as áreas habitáveis pelas mai-tacas a trechos esparsos; depois derrete-ram permitindo às aves se espalharemoutra vez. Esses processos se repetiramvárias vezes e, no último milhão de anos,deram origem à maior parte das maita-cas andinas. Hoje são dez espécies, deacordo com o trabalho de Camila.

O relevo acidentado e os ciclos gla-ciais dão a muitos a impressão de que osprocessos evolutivos são mais comple-xos nos Andes do que nas terras baixas.Camila dá o exemplo do canadense Ja-son Weir, que no ano passado publicouum artigo na prestigiosa revista Evolu-tion no qual conclui que as espécies maisrecentes de aves sul-americanas estão noalto das montanhas.“O problema é queele usou uma classificação que não re-presenta a diversidade real”, retruca abrasileira. As nove espécies de maita-

Reconstrução da históriaevolutiva e estudosfilogeográficos da avifaunaneotropical utilizando marcadoresmoleculares

MODALIDADE

Projeto Temático

COORDENADORA

CRISTINA YUMI MIYAKI – USP

INVESTIMENTO

R$ 507.359,46 (FAPESP)

O PROJETO

Parentes distantes: Pionuscorallinus (esq.), dos Andes,e o amazônico P. menstruus

52-55_Papagaio_140 25/9/07 20:08 Page 54

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 55

anos. Esse processo deu origem a espé-cies consideradas jovens.

O próximo passo para Camila é iralém dos psitacídeos e estudar aves quecontêm histórias diferentes e ajudem acompreender melhor como se forma-ram as florestas brasileiras e a biodiver-sidade que elas contêm. Ela começoupela Amazônia e escolheu aves que mos-tram a importância de considerar asparticularidades ecológicas de cada es-pécie. O jacamim, ou Psophia, é uma aveterrestre, de rabo curto e penas escuras,restrita às terras firmes amazônicas –não existe em áreas alagadas. Essa espe-cialização parece limitar os movimen-tos dos jacamins, o que não aconteceriacom um papagaio capaz de voar porlongas distâncias. O resultado é que re-giões amazônicas diferentes abrigam es-pécies distintas de jacamins, cuja diver-sificação é recente. Resta ainda expli-car o que isolou linhagens e deu origemàs espécies diferentes. Já os arapaçus,aves de penas castanhas que com seusbicos longos alcançam insetos que vi-vem debaixo da casca das árvores, têmhábitos ecológicos diferentes confor-me a espécie. O arapaçu Dendrocinclamerula, como os jacamins, está mais res-trito a zonas de terra firme. Camila ago-ra participa de um estudo coordenadopor Alexandre Aleixo, do Museu Paraen-se Emílio Goeldi, em colaboração compesquisadores da Universidade Federaldo Pará, que já mostrou que existem li-nhagens separadas pelos grandes riosamazônicos. O mesmo parece não acon-tecer com Dendrocincla fuliginosa, maisflexível em termos de hábitat: uma aná-lise preliminar mostra que a distribui-ção das linhagens é mais ampla e abar-ca grandes áreas da floresta.

Falta muito para entender como ascaracterísticas passadas e atuais – rios,montanhas, movimentos geológicos ealterações climáticas, entre outras – daAmazônia moldaram as espécies ani-mais e vegetais que lá vivem. A diversi-dade biológica brasileira guarda marcasque podem revelar mistérios da forma-ção da América do Sul, mas biólogos egeólogos ainda têm muito trabalho pelafrente para conseguir ler essa história,importante não só para entender comose formou esta parte do mundo mastambém para delinear estratégias deconservação da riquíssima e única fau-na sul-americana. ■

tos deu origem a um ramo que levou aPyrrhura cruentata, que hoje vive naMata Atlântica, e outro que se diversi-ficou em todas as outras espécies. Estasegunda linhagem, por sua vez, se rami-ficou e deu origem a espécies que hojeocupam os diversos hábitats sul-ameri-canos. Ao contrário do que é mais co-mum observar, as espécies de Pyrrhuraque hoje compartilham um mesmo am-biente não são parentes próximas; elassão representantes de linhagens que di-vergiram no passado distante da histó-ria dos tiribas. Isso mostra, por exem-plo, que nem todas as espécies que ho-je estão na Mata Atlântica têm ali suasorigens evolutivas. O trabalho de Cami-la, publicado em 2006 na revista espe-cializada The Auk, sugere que a fauna daMata Atlântica é composta por espéciescujos ancestrais já estavam ali e outrasde origens amazônicas. Estudos sobreoutros animais dizem o mesmo: a Ma-ta Atlântica e a Amazônia nem sempreforam isoladas como são hoje. “Em al-

gum momento recente, por volta de 1milhão de anos atrás, parece ter havi-do comunicação entre a Amazônia e aMata Atlântica por corredores de flores-ta que existiam onde estão o Cerrado ea Caatinga”, resume Camila.

Além disso, a pesquisadora mostrouque na Mata Atlântica alguns grupos sãomuito recentes e outros muito antigos.Os grupos antigos aparecem nas filoge-nias como ramos longos sem ramifica-ções – ou seja, não têm espécies-irmãsde origem relativamente recente. “Issosugere que podem ter havido muitas ex-tinções por ali, ou menos oportunida-des para diversificação”, explica. Mas apresença de ramos longos – linhagensque existem na Mata Atlântica há mi-lhões de anos – mostra que essa flores-ta tem permanecido um ambiente está-vel há mais tempo do que a Amazônia,onde variações ambientais bastante re-centes fizeram com que a maioria dospsitacídeos que ali vivem se diversifi-cassem nos últimos 1 ou 2 milhões de

Em sentido horário: P. seniloides, das terras baixas, e chalcopterus,senilis etumultuosus, dos Andes

ILU

ST

RA

ÇÕ

ES

WIL

LIA

M C

OO

PE

R,

PA

RR

OT

S O

F T

HE

WO

RL

D,

197

3

52-55_Papagaio_140 25/9/07 20:08 Page 55

Viagem

aocentro da Terra

56-59_Cratera_140 25/9/07 19:24 Page 56

Há 245 milhões de anos meteorito abriu cratera de 40 quilômetros de diâmetrona atual divisa entre Mato Grosso e Goiás | RICARDO ZORZETTO

equipe de Claudinei Gouveia de Olivei-ra, da Universidade de Brasília. Maravi-lhado com a possibilidade de ver de per-to essa cicatriz de um passado distan-te, Ojeda não perdeu tempo. Subiu a ser-ra da Arnica – o ponto mais alto da re-gião, a 16 quilômetros de Ponte Bran-ca – e olhou em todas as direções, naesperança de encontrar um imenso bu-raco. Não viu nada que lembrasse umacratera. Mas não desistiu de procurar esaiu pelas fazendas da região pedindo in-formações sobre o tal buraco. Só conse-guiu encontrar a cratera, a maior daAmérica do Sul provocada pela quedade um corpo celeste, quando aprendeua decifrar as informações dos documen-tos científicos. “Não imaginava que vi-víamos todos dentro dela”, conta.

Assim como ele, a maior parte dos 2mil moradores de Ponte Branca e do 1,3mil de Araguainha não sabe que as duascidades nasceram no ventre de uma cra-tera aberta por um meteorito. Muitosnem acreditam que ela de fato exista. Dápara entender por quê. A cratera é tãoextensa – tem 40 quilômetros de diâme-tro – que da serra da Arnica, seu pontocentral, não é possível enxergar os mor-

ros que formam sua borda. Só para teruma idéia de sua dimensão, uma cra-tera como a de Araguainha abarcariacompletamente a Região Metropolita-na de São Paulo, a maior metrópole sul-americana, formada pela capital paulis-ta e 39 municípios vizinhos.

Não é só quem mora por lá que temdificuldade em perceber que as cidadesestão no fundo de uma cratera: a pri-meira perto do centro, a região direta-mente atingida pelo meteorito; e a se-gunda mais próxima à borda, onde ex-tensas cadeias de morros semicircularesse ergueram em conseqüência do cho-que. Também os cientistas demorarama notar a cratera. Sua estrutura em for-ma de um anel com 40 quilômetros dediâmetro foi inicialmente identificadana década de 1960 em estudos geológi-cos feitos pela Petrobras. Mas os indí-cios mais fortes de que se tratava mes-mo de uma cratera só apareceram maistarde. Em 1973, ao analisar as primeirasimagens do Brasil feitas pelo satélitenorte-americano Landsat, o geofísicoRobert Dietz e o geólogo Bevan Frenchsugeriram em um artigo na Nature quea região de Araguainha estava no inte-

Desde que trocou a vida corri-da das grandes cidades pelatranqüilidade do campo seisanos atrás, o publicitário para-naense Ruy Ojeda não se can-sa de falar dos encantos da ter-ra que adotou como sua: a pe-

quena Ponte Branca, no sudeste do es-tado do Mato Grosso, já na divisa comGoiás. O que o seduziu não foi o sosse-go desse município de menos de 2 milhabitantes nem a beleza natural da re-gião, onde as pastagens gradualmentesubstituíram as árvores de tronco retor-cido e casca espessa do Cerrado. A ra-zão do encanto é um fenômeno queocorreu muito tempo atrás e ainda ho-je Ojeda não compreende bem: o sur-gimento de uma imensa cratera forma-da pelo impacto de um meteorito quecaiu há 245 milhões de anos perto deonde hoje fica Ponte Branca e o muni-cípio vizinho de Araguainha.

Ojeda soube da cratera, cuja forma-ção começa agora a ser mais bem co-nhecida a partir de estudos recentes degeólogos e geofísicos de São Paulo eCampinas, em julho de 2002, quandoacompanhava o trabalho de campo da

GEOFÍSICA

>

EL

DE

R Y

OK

OY

AM

A/I

AG

-US

P

Após o choque:núcleo rochoso que estava a 2 quilômetros de profundidadeaflorou e originou a serra da Arnica

56-59_Cratera_140 27.09.07 18:19 Page 57

58 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

rior de uma depressão que poderia seruma cratera de impacto aberta por umarocha vinda do espaço, estrutura a queos geólogos dão o nome de astroblema.

Mas o formato circular observadodo espaço poderia representar tambémos restos de um vulcão extinto, cober-to por sedimentos, dúvida que intrigouos pesquisadores por anos até que asimagens estudadas por Dietz e Frenchchamaram a atenção de um geólogobrasileiro recém-formado, Alvaro Crós-ta, que começava seu mestrado em sen-soriamento remoto no Instituto Nacio-nal de Pesquisas Espaciais. Após dias deviagem por estradas de terra esburaca-das, em 1978 Crósta foi a Araguainhae Ponte Branca e percorreu a região, ana-lisando os diferentes tipos de rocha queafloravam na paisagem. Nessa expedi-ção encontrou os sinais característicosde uma cratera formada por impacto deum meteorito, entre eles fragmentos derochas sedimentares que lembram aponta de uma árvore de Natal. São oschamados cones de estilhaçamento oushatter cones, que Crósta descreveu emum artigo publicado em 1981 na Revis-

ta Brasileira de Geociências, simultanea-mente à publicação do trabalho da geó-loga alemã Barbara Theilen Willige, quehavia chegado ao mesmo resultado demodo independente e estimado a idadeda cratera em 285 milhões de anos.

Crósta analisou rochas que se forma-ram com a pressão e o calor do impac-to e calculou a idade do choque em apro-ximadamente 300 milhões de anos.“Masna época não havia técnicas de dataçãoadequadas e eu já supunha que pudes-se ser mais recente”, comenta o geólo-go, atualmente professor do Instituto deGeociências da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp). Datações poste-riores feitas com técnicas mais precisasdefiniram em 245 milhões de anos a que-da do meteorito na região.

N aquela época a Terra era bem dife-rente da que conhecemos hoje. O cli-ma era mais quente e seco e as pla-

cas tectônicas, imensos blocos rochososque formam os continentes atuais, ain-da se encontravam coladas umas às ou-tras, fundidos em um continente único:a Pangéia. Esse supercontinente que se

estendia no sentido norte-sul dividia oglobo ao meio e era banhado a leste porum mar chamado Tétis e a oeste peloPantalassa, um imenso oceano que co-bria quase toda a Terra. O que mais cha-ma a atenção é que justamente nesse pe-ríodo ocorreu a maior das cinco extin-ções em massa a devastar a vida no pla-neta. Fósseis encontrados em diferentesregiões do mundo permitem estimarque 96% das espécies que povoavam osoceanos e 70% das que habitavam terrafirme tenham sido eliminadas há 250milhões de anos, data que marca a tran-sição do período geológico Permianopara o Triássico. Há até mesmo quemacredite que essa extinção tenha favore-cido a soberania dos dinossauros, quesurgiriam tempos mais tarde.

É pouco provável que o meteoritode Araguainha tenha sido o único res-ponsável pela maior extinção da vida doplaneta. Mas alguma contribuição elepode ter dado, uma vez que o choqueliberou uma quantidade de energia tãogrande que causou em toda a regiãomais estragos do que se imaginava, re-vela um extenso trabalho realizado pela

O meteorito que caiu no ponto verde, dentro do círculo central rosa, modificou o relevo emuma região com 40 quilômetros de diâmetro (círculo branco)

Araguainha

Margem da cratera

Ponte Branca

Rio Araguaia

N

CA

RL

OS

RO

BE

RT

O D

E S

OU

ZA

FIL

HO

/UN

ICA

MP

Ecos de uma colisão

56-59_Cratera_140 25/9/07 19:26 Page 58

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 59

equipe de Yára Marangoni, do Institu-to de Astronomia, Geofísica e CiênciasAtmosféricas da Universidade de SãoPaulo (IAG-USP).

Em 2005 Yára reuniu especialistasde diferentes áreas da USP e da Uni-camp e, em viagens de carro que duramdois dias a partir de São Paulo, ospesquisadores decidiram visitar a re-gião, com o objetivo de investigar comoo meteorito havia afetado as camadasmais profundas da crosta terrestre, quehoje se encontram expostas no centro dacratera. Associando técnicas distintas,esse trabalho vem permitindo redimen-sionar a intensidade do choque e a de-formação provocada abaixo da superfí-cie. Após quase dois anos de estudos etrês expedições a Araguainha, a equi-pe de Yára já tem uma idéia mais preci-sa de como era a região antes da que-da do meteorito e da profundidade des-sa ferida aberta na pele do planeta. Tam-bém consegue estimar melhor o quan-to já cicatrizou e foi apagado pelo ven-to e pela chuva.

Quando um bloco rochoso com 4a 6 quilômetros de diâmetro despencoudos céus a milhares de quilômetros porsegundo perto de onde hoje é Araguai-nha, a região era uma vasta restinga,submersa alguns metros em água salga-da. A violência do impacto afetou ime-diatamente a região compreendida porum círculo de uns 30 quilômetros dediâmetro: a energia do choque transfor-mou em vapor a água que havia ali e ca-vou um buraco com quase 2 quilôme-tros de profundidade, afirma o grupo deYára em um artigo publicado em outu-bro no Geological Society of America Bul-letin. O ponto diretamente atingido pe-lo meteorito foi submetido a altíssimaspressões. Mas não por muito tempo.As-sim como uma pessoa que cai em umacama elástica é lançada de volta ao ar,o alívio da pressão no centro do impactofez brotar à superfície um gigantescobloco de granito, rocha muito dura eantiga, que estava a dois quilômetros deprofundidade – muito distante do cen-tro da Terra, visitado pelos exploradoresdo livro de Júlio Verne. Esse núcleo comquase 5 quilômetros de diâmetro é parteda zona elevada no centro da cratera einclui a atual serra da Arnica, a mesmaque Ojeda visitou anos atrás à procurada cratera, também conhecida como do-mo de Araguainha.

Como se descobriu isso? É simples.Os geólogos Cristiano Lana, RicardoTrindade e Elder Yokoyama analisaramas rochas que formam o relevo da regiãoe constataram que camadas que deve-riam estar a centenas de metros de pro-fundidade apareciam ao nível do solo,como se as entranhas da Terra tivessemsido expostas. “A pressão do impactofundiu parte dos sedimentos e após res-friar fez surgir no centro da cratera umacamada de 100 metros de espessura deuma rocha que contém fragmentos mi-croscópicos de vidro”, conta Trindade.

C om um equipamento que medevariações na aceleração da gravida-de – e permite estimar a densidade

das rochas de uma região –,Yára e Mar-cos Alberto Vasconcelos avaliaram 300pontos no interior da cratera. Notaramque a energia liberada no choque geroudanos muito abaixo da atual superfície.“A quase 2 quilômetros de profundida-de é possível detectar os efeitos desse im-pacto no granito, que trincou e se tor-nou muito menos denso do que geral-mente é”, conta a geofísica.

Os efeitos do choque se propagarampara muito além do núcleo e amarrota-ram a crosta terrestre. Mapas tridimen-sionais produzidos a partir de imagensde satélite por Lana e Carlos RobertoSouza Filho, da Unicamp, mostram quecírculos concêntricos se formaram emtorno do local de impacto, como quan-do se lança uma pedra em uma baciacom água. Uma primeira cadeia circu-lar de morros de até 500 metros de al-tura e quilômetros de extensão erigiu-se a 12 quilômetros do local de impac-to,e uma segunda um pouco mais adian-te, de 14 a 18 quilômetros do núcleo.

Nem tudo, claro, continua igual.“Nesses milhões de anos esses morrosperderam de 250 a 350 metros de altitu-de devido à ação do vento e da chuva”,explica Yára. Apesar desse desgaste na-tural, os pesquisadores afirmam que acratera permanece muito parecida coma que se formou logo após o impacto.“Édifícil ter acesso a uma cratera com es-truturas bem conservadas como a deAraguainha”, diz Trindade. Muitos geó-logos acreditam que crateras escavadaspor meteoritos tenham sido muito maiscomuns do que se pode imaginar. Noinício da formação do Sistema Solar osplanetas mais próximos ao Sol, incluin-do a Terra, foram fortemente bombar-deados por meteoritos. A diferença poraqui é que as condições climáticas e amovimentação das placas tectônicasapagaram parte dessa história, que per-manece gravada nas crateras de Marteou mesmo da Lua.

Como primeiro passo para protegerAraguainha, anos atrás Crósta registroua cratera na lista da Comissão Brasileirade Sítios Geológicos e Paleobiológicoscom os principais sítios geológicos na-cionais, candidatos a serem classificadoscomo patrimônio da humanidade pelaUnesco. No início deste ano as prefeitu-ras de Ponte Branca e Araguainha e o Iba-ma assinaram um documento propon-do a criação de uma área de proteção am-biental na área da cratera. “Essa é umaforma de a região obter recursos para pre-servar as estruturas da cratera e adotariniciativas como painéis explicando o queaconteceu por ali e programas de edu-cação e divulgação nas escolas locais”,afir-ma Crósta. “Se não transmitirmos essetipo de informação, há risco de os aflora-mentos rochosos serem destruídos.”

Ruy Ojeda, que até março era secre-tário de Meio Ambiente e Turismo dePonte Branca, vê na conservação da cra-tera uma oportunidade de renascimen-to econômico para a região, que empo-breceu desde o fim dos garimpos de pe-dras preciosas em meados do século pas-sado. Desde que descobriu a cratera cin-co anos atrás, se apaixonou e leu tudo oque pôde a respeito. E decidiu compar-tilhar com os moradores da região e deoutras cidades o conhecimento sobreesse passado distante.“Não meço o tem-po para falar sobre esse assunto”, diz Oje-da, que é conhecido como o embaixa-dor do domo de Araguainha. ■

Caracterização geofísica e petrofísica da estrutura de impacto de Araguainha

MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Pesquisa

COORDENADORA

YÁRA REGINA MARANGONI – IAG/USP

INVESTIMENTO

R$ 257.847,75 (FAPESP)

O PROJETO

56-59_Cratera_140 25/9/07 19:26 Page 59

60 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

■ Ensino médico

Dificuldades para mudar

Apesar do reconhecimento da necessidade demudanças no ensino médico,a prática docentetem-se mostrado resistente a modificações,deacordo com o trabalho de revisão “Docência noensino médico:por que é tão difícil mudar?”,de Nilce Maria da Silva Campos Costa,da Uni-versidade Federal de Goiás.O artigo identificaos fatores que limitam mudanças na prática do-cente em medicina.Entre eles,ressaltam-se a des-valorização das atividades de ensino e a supre-macia da pesquisa, a falta de identidade profis-sional docente,a deficiência na formação pe-dagógica do professor de medicina,a resistênciadocente a mudanças e o individualismo dos pro-fessores universitários.É necessário estimularo desenvolvimento profissional permanente dosprofessores de medicina,como instrumento dereelaboração e de transformação desta prática.

REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MÉDICA – V. 31– Nº 1 – RIO DE JANEIRO – JAN./ABR. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo140/ensinomedico.htm

■ Ambiente

Perda de hábitat

As restingas, que são hábitats de dunas e pla-nícies arenosas cobertas por vegetação herbáceo-arbustiva e que ocorrem na costa do Brasil,nopassado cobriam uma grande extensão da cos-ta do estado do Rio de Janeiro.Mas têm sofri-do uma extensiva degradação ao longo dos últi-mos cinco séculos,de acordo com o artigo “Osremanescentes dos hábitats de restinga na Flo-resta Atlântica do estado do Rio de Janeiro,Bra-sil:perda de hábitat e risco de desaparecimento”,de C.F.D.Rocha,H.G.Bergallo,M.Van Sluys,M.A.S.Alves e C.E.Jamel,da Universidade Esta-dual do Rio de Janeiro.Utilizando imagens desatélite e mensurações no campo,foram iden-tificados os remanescentes de restinga no esta-do,registrando os fatores que causam sua de-

Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internetwww.scielo.org

Foram selecionadosmais oito periódicoscientíficos brasileirospara inclusão nacoleção SciELO Brasilque passará adisponibilizar 213títulos em acessoaberto. Os títulosaprovados, que em breve estarãodisponíveis no site,são: Revista Brasileirade Ortopedia, RevistaPaulista de Pediatria,Revista Brasileira de Meteorologia,Economia e Sociedade,Educação em Revista,Revista Brasileira dePolítica Internacional,Revista Contabilidade& Finanças e Religião & Sociedade.

Notícias

gradação. Doismosaicos de ce-nas Landsat 7 (re-solução espacialde 15 metros e30 metros) foramusados para loca-lização e avalia-ção preliminar doestado de conser-vação dos rema-nescentes.Os au-tores do traba-lho identificaram21 áreas remanes-

centes de restinga.O maior e menor remanes-cente de restinga foram Jurubatiba e Itaipu,res-pectivamente.Também foram achadas 14 fon-tes de degradação,as mais importantes delas aremoção da vegetação para desenvolvimentoimobiliário,o estabelecimento de espécies vege-tais exóticas,a alteração do substrato original ea coleta seletiva de espécies vegetais de interes-se paisagístico.Em razão da intensa perda de há-bitat e ocorrência de espécies endêmicas e amea-çadas de extinção de vertebrados nas restingas,os pesquisadores sugeriram a implementação denovas unidades de conservação para proteger osatuais remanescentes.Este tipo de hábitat estácontinuamente decrescendo e a maior parte dosremanescentes carece de proteção legal.

BRAZILIAN JOURNAL OF BIOLOGY – V. 67 – Nº 2 –SÃO CARLOS – MAIO 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo140/ambiente.htm

■ Educação

Conceito de qualidade

O estudo examinou o conceito de qualidadede ensino no contexto das principais políticas glo-bais e regionais propostas por agências financia-doras internacionais (como o Banco Mundial eo Banco Interamericano de Desenvolvimento),por acordos internacionais e também pela so-ciedade civil global (como o Fórum Social Mun- FO

TO

S E

DU

AR

DO

CE

SA

R

60-61_scielo_140 25/9/07 19:08 Page 60

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 61

dial e o Fórum Mun-dial de Educação). Deacordo com o artigo“Qualidade de ensi-no e gênero nas po-líticas educacionaiscontemporâneas naAmérica Latina”, deautoria de Nelly P.Stromquist, da Uni-versity of SouthernCalifórnia, a análisedo conteúdo dos dis-cursos desses gruposdistintos e influentes revela que a qualidade é definida eavaliada exclusivamente em termos cognitivos e reduzi-da a duas habilidades básicas: matemática e leitura.A qua-lidade, portanto, está dissociada de processos de transfor-mação social, aos quais a educação deveria prestar umacontribuição essencial. Políticas globais de grande vulto,como o Educação para Todos e os Objetivos de Desenvol-vimento do Milênio, não consideram a importância daintrodução da conscientização de gênero na concepçãode uma educação de qualidade. Seus objetivos contem-plam o gênero somente no que se refere ao acesso igua-litário de meninas e meninos à escola. A autora argumen-ta que a não-inclusão do gênero no currículo e a não-for-mação de professores para reconhecer as questões de gê-nero nas práticas cotidianas da escola contribuem paraa persistência de valores e práticas que reafirmam dis-tinções arbitrárias e assimétricas entre homens e mu-lheres. Numa perspectiva feminista, a autora enfatiza queé necessário a qualidade ultrapassar a questão do acessoe incluir o tratamento igualitário de meninas e meninosna sala de aula, bem como um conteúdo curricular quedespolarize o conhecimento das identidades de gêneroque afetam o cotidiano das pessoas, tais como educaçãosexual, violência doméstica e cidadania.

EDUCAÇÃO E PESQUISA – V. 33 – Nº 1 – SÃO PAULO –JAN./ABR. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo140/educacao.htm

■ Antropologia

Economia da religião

Diz-se freqüentemente que a religião contribui para ocapital social, embora sob circunstâncias específicas. Osmovimentos religiosos de renovação são comuns entrepopulações marginalizadas e de baixa renda e parecemser, freqüentemente, os únicos a construírem institui-ções em circunstâncias de extrema pobreza e decadên-cia ou vazio institucional; os movimentos religiosos apre-sentam numerosas características não-democráticas, taiscomo hierarquias autoritárias e uma forte pressão sobreseus fiéis para que façam sacrifícios e contribuam com di-nheiro. O estudo “A milagrosa economia da religião: um

ensaio sobre capital social”, de David Lehmann, da Uni-versidade de Cambridge, explora as implicações teóri-cas dessas observações aparentemente paradoxais,median-te a adoção da abordagem da teoria da escolha racional,junto com o conceito de poder e com um conceito de ca-pital social que põe a ênfase na transparência e na cons-trução de instituições democráticas na sociedade em ge-ral. O argumento é ilustrado pelos exemplos das igrejasevangélicas da América Latina e do judaísmo ultra-orto-doxo e conclui apresentando a visão de que, embora a con-tribuição dos movimentos religiosos à democratização ge-ral seja limitada, isso não é suficiente para menosprezaro que eles fazem por seus próprios seguidores.

HORIZONTES ANTROPOLÓGICOS – V. 13 – Nº 27 – PORTO

ALEGRE – JAN./JUN. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo140/antropologia.htm

■ Oftalmologia

Cirurgia de catarata

Identificar fatores emocionais relacionados às dificul-dades cotidianas e ao tratamento cirúrgico entre porta-dores de catarata de hospital universitário foi o objetivodo artigo “Fatores emocionais antecedentes à cirurgiade catarata”, de Roberta Marback, Edméa Temporini eNewton Kara Júnior, da Faculdade de Medicina da Uni-versidade de São Paulo. Realizou-se estudo observacionaltransversal descritivo, por meio de questionário estru-turado, aplicado por entrevista, elaborado a partir de

estudo exploratório.A amostra foi forma-da por pacientes aten-didos pelo setor decatarata da clínica of-talmológica de umhospital universitá-rio. A amostra foi

constituída por 110 pessoas de ambos os sexos (34,5%homens; 65,5% mulheres), com idade entre 43 e 89 anos.Quanto à escolaridade, 26,4% nunca freqüentaram esco-la, 59,1% se distribuíram entre 1ª e 8ª série; 87,3% nãoexerciam atividade remunerada. Quanto ao medo em re-lação à cirurgia de catarata, 54,0% mencionaram temerperder a visão. Foram registrados sentimentos/signifi-cações em relação ao procedimento cirúrgico: dúvidaquanto ao resultado (32,7%), angústia (26,4%), tristeza(25,5%). A maioria dos entrevistados referiu-se a dificul-dades nas atividades cotidianas como conseqüência dacatarata. Medo foi sentimento predominante entre os res-pondentes. Esses fatos sugerem necessidade de ações vi-sando preparar os pacientes emocionalmente para en-frentar as atividades cotidianas e a cirurgia de catarata.

CLINICS – V. 62 – Nº 4 – SÃO PAULO – 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo140/oftalmologia.htm

60-61_scielo_140 25/9/07 19:08 Page 61

62 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

> Linguagem nointerior da casa

A falta de uma linguagemúnica de comunicação entre a geladeira e a máquina de lavar com a televisão e o computador pode ser um empecilho para o gerenciamento dessesaparelhos num ambienteresidencial.É uma questão de especificação de protocolosque agora foi definida pela ComissãoInternacional de Eletrotécnica(IEC,na sigla em inglês),comsede em Genebra,na Suíça.Com a nova linguagem será possível uma conversamais amigável entre a rede de eletrodomésticos,os computadores eequipamentos audiovisuais.Assim,a tela de tevê poderáexibir um sinal mostrando quea máquina de lavar finalizou

LIN

HA

DE

PR

OD

ÃO

MU

ND

O>

suas atividades ou,por meio do computador,serápossível ligar o aparelho de ar-condicionado.A especificação permite usar,de forma automática,a redeIP,de protocolo internet,

padrão da rede mundial de computadores.A novaespecificação recebeu o nome de Protocolo IP de Comunicação de Rede Residencial paraEletrodomésticos Multimídia.

> Ameaça àstelas de LCD

As telas planas de cristallíquido (LCD,de liquid crystal display)possuem uma tecnologia

Agricultores africanos estão recebendo tele-

fones celulares descartados, recolhidos prin-

cipalmente nos Estados Unidos. Os aparelhos

servem para os camponeses da Nigéria e do

Quênia se comunicarem e terem acesso a in-

formações agrícolas. O trabalho está sendo rea-

lizado pela empresa norte-americana ReCellu-

lar, especializada em receber os aparelhos co-

mo doação, além de comprar, recuperar e ven-

der celulares usados. Na África eles são ven-

didos por um terço ou metade do preço de um

novo (revista Esporo, abril de 2007, do Cen-

tro Técnico de Cooperação Agrícola e Rural da

União Européia). Muitos são recolhidos por en-

tidades de caridade e depois revendidos para

a empresa que os prepara para distribuição. A

ReCellular também recicla por inteiro celula-

res que não servem mais para uso, somente

para colecionadores, e participa de uma cam-

panha nos Estados Unidos de distribuição de

aparelhos pré-pagos para soldados norte-ame-

ricanos que trabalham fora do país. Segundo a

empresa, que tem filiais em São Paulo e em

Hong Kong, na China, 130 milhões de celulares

serão substituídos neste ano nos Estados Uni-

dos. Um exemplo desse alto consumismo é o

surgimento do IPhone, da Apple, que deve ven-

der, em 18 meses, 10 milhões de aparelhos.

Segunda vida para celulares

ED

UA

RD

O C

ES

AR

TECNOLOGIA

Aparelhos antigossão úteis em

países pobres

62-63_linhaprmundo_140 26.09.07 18:50 Page 62

relativamente recente.Estão nos monitores decomputador e de televisoresmais avançados, mas jácorrem o risco de se tornarobsoletas se depender de uma equipe depesquisadores da Faculdadede Engenharia Cullen, daUniversidade de Houston,nos Estados Unidos, quedesenvolveu com sucessouma nova técnica quepermite a produção em larga escala de dispositivosnanotecnológicos. Com isso,está aberta a possibilidade de serem fabricadas telas de qualidade bem superior a partir de dispositivoschamados monitores de emissão por campo (ou FED, de field emissiondisplay). Essa novatecnologia emprega grandequantidade de nanotubos decarbono, cilindros formadoscom folhas de átomos decarbono, para criar imagenscom resolução bem superior às de LCD. Ométodo criado, batizado denanopantografia, permitirá afabricação de nanoestruturasde apenas 1 nanômetro(igual a 1 milímetro dividido por 1 milhão de vezes) deespessura. Os pesquisadores

acreditam que a novatecnologia estará nomercado dentro de cinco a dez anos.

> Leitura eletrônica

Os livros de papel continuamimbatíveis, mas dois novoslançamentos apontam que os livros eletrônicos estão aospoucos conquistando o seuespaço no mercado, quasedez anos após o lançamentodos primeiros aparelhos porempresas do Vale do Silício,nos Estados Unidos.

PO

WE

RL

IGH

T

> Central solar em Portugal

Cercados por pastagens e plantações de oliveiras,nas cercanias da cidade de Serpa, na região doAlentejo, a 200 quilômetrosde Lisboa, em Portugal,52 mil painéis fotovoltaicosjá estão captando energiasolar para transformá-la em eletricidade. A Centralde Energia Solar de Serpacomeçou a ser construídaem 2006 e sua capacidade é de 11 megawatts depotência, suficiente paraabastecer 8 mil casas deenergia elétrica. A novausina vai evitar o despejo na atmosfera de mais de 30 mil toneladas por ano de emissões de gasesnocivos como o dióxido de carbono (CO2). Portugalé altamente dependente de combustíveis derivadosdo petróleo e as emissõesaumentaram 34% desde1990. A central foiproduzida pelas empresasnorte-americanas GEEnergy e PowerLight e pelaportuguesa Catavento pelovalor de US$ 75 milhões.

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 63

A Amazon, líder em venda deprodutos de entretenimentona internet, deve lançar emoutubro o Kindle, um leitoreletrônico portátil com telaem preto e branco, quecustará cerca de US$ 400 aUS$ 500, segundo divulgou o jornal The New York Times,em sua edição de 6 desetembro, que ouviu fontespróximas à empresa.O usuário poderá se conectarsem fio à internet e baixarlivros e jornais do site daAmazon. O dispositivo tem ainda um teclado, quepermite aos usuários fazerapontamentos enquanto lêemou navegar na internet parafazer pesquisas. O Kindle vai concorrer com o SonyReader, um leitor portátillançado pela japonesa Sonyem 2004, também em preto e branco, que custa US$ 300 e deve ser conectado com um cabo a um computadorpara baixar livros de um siteda empresa. O segundolançamento previsto será umserviço pago de download delivros do Google. Os usuáriosterão acesso pleno a cópiasdigitais de livros que estão nobanco de dados da empresa.

Painéis solares em Serpa, Portugal, produzem eletricidade para 8 mil casas

ILU

ST

RA

ÇÕ

ES

LA

UR

AB

EA

TR

IZ

62-63_linhaprmundo_140 26.09.07 18:51 Page 63

64 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

topo da cadeia alimentar,eleabsorve o metal acumuladopor outras espéciesmarinhas.A retirada domercúrio da carne é feitacom boroidreto de sódio,

Biodiesel em ferrovias

> Transgênicabrasileira

A primeira planta de sojageneticamente modificadadesenvolvida inteiramenteno Brasil deverá estar nomercado até 2011.A novavariedade,resistente aherbicidas,é fruto de umtrabalho conjunto,iniciadoem 1997,entre a EmpresaBrasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa) e a multinacional alemãBasf.A inovação está namodificação do genoma da planta da soja com a

agente redutor empregado em química fina.Agorao foco da pesquisa são os testes para avaliar se o produto obtido nessascondições é inócuo.

CO

PP

E/U

FR

J

As locomotivas da Companhia Vale do Rio Doce

que rodam nas estradas de ferro Carajás (EFC)

de Vitória a Minas (EFVM) estão sendo abaste-

cidas com uma mistura de 20% de biodiesel

e 80% de diesel chamada B20, produzida pela

Petrobras. Com a medida, aliada ao uso do B2,

mistura de 2% de biodiesel ao diesel, utiliza-

da desde janeiro em locomotivas e na gera-

ção elétrica, mais de 224 mil toneladas de gás

carbônico (CO2) deixarão de ser lançadas na at-

mosfera até dezembro deste ano. Esse volume

é igual à emissão anual de CO2 de uma cida-

de com 27 mil habitantes. A utilização do B20

foi respaldada por estudos do professor Mar-

cos Freitas, coordenador do Instituto Virtual In-

ternacional de Mudanças Globais da Coordena-

ção dos Programas de Pós-graduação em En-

genharia da Universidade Federal do Rio de Ja-

neiro (UFRJ). Durante um ano os pesquisado-

res acompanharam o desempenho de duas lo-

comotivas que percorreram 119 mil quilômetros.

Uma delas usou diesel comum e a outra o B20.

A conclusão é que a substituição de um quinto

do diesel pelo biodiesel, associada à plantação

de cerca de 30 mil hectares de espécies olea-

ginosas como o dendê, possibilitará a redu-

ção total de emissão em torno de 800 mil a

1,1 milhão de toneladas de CO2 na atmosfera. > Mercúrio removido

Técnica desenvolvida naUniversidade de São Paulo(USP) remove até 91,3% do mercúrio existente nacarne do cação e permiteque o produto possa serconsumido como alimentoprocessado.“Estudos feitosno litoral brasileiro indicamque cerca de 50% de todas as espécies de caçãoconcentram quantidade demercúrio acima do aceitávelpela legislação nacional,que é de 1 miligrama por quilo, tornando-oimpróprio para consumo”,diz o professor AlfredoTenuta Filho,da Faculdadede Ciências Farmacêuticas da USP,coordenador dapesquisa.Como o cação é um carnívoro que está no

LIN

HA

DE

PR

OD

ÃO

BR

AS

IL>

LA

UR

AB

EA

TR

IZ

Locomotivada Vale

substitui20% de

diesel

64-65_linhaprbrasil_140 25/9/07 19:35 Page 64

inserção de um único gene,o Ahas, extraído daArabidopsis thaliana,planta usada na produção de herbicidas da classeimidazolinonas. Dessaforma, a soja transgênicanão é afetada pela aplicaçãodessas substâncias usadaspara controle de ervasinvasoras da cultura. A novaplanta vai concorrer com assementes de soja tolerantesaos herbicidas à base deglifosato, utilizadas naslavouras brasileiras.Os experimentos com a sojageneticamente modificadaforam realizados naEmbrapa RecursosGenéticos, em Brasília.Agora a nova semente vai ser submetida à ComissãoTécnica Nacional deBiossegurança (CTNBio).

> Látex maisrentável

Uma nova tecnologia poderácontribuir para que oprocesso de extração do látexseja ainda mais rentável noestado de São Paulo, maiorprodutor nacional, comcerca de 45 mil hectaresocupados por seringueiras.O trabalho, desenvolvido noInstituto Agronômico (IAC),identificou nove sistemas de sangria que, aplicados em dez variedades de

Energia e do Departamentode Física da universidade.“Essa turbina foi pensadapara ser instalada em regiõesremotas e comunidadesisoladas, além de incorporaruma preocupação ambientalporque produz menosbarulho, não afasta insetos e aves”, diz Melo Neto.O protótipo na UFMA já atingiu 400 watts derendimento, suficiente paradez lâmpadas de 40 watts.O projeto conta com ofinanciamento da CentraisElétricas do Norte do Brasil(Eletronorte) que tambémjá registrou a patente.

> Satélite de visão

Depois do lançamento dosatélite Sino-brasileiro deRecursos Terrestres (Cbers,na sigla em inglês), no dia 19 de setembro, da basechinesa de Taiyuan, a bordode um foguete LongaMarcha 4B, as atenções dos técnicos do InstitutoNacional de PesquisasEspaciais (Inpe) se voltarampara os testes e ajustes dastrês câmeras embarcadas,principalmente uma inédita,a pancromática, que nãoestava nas outras duasversões do satélite, o Cbers-1e o 2. Essa nova câmerainstalada no Cbers-2B

seringueira, resultaram emaumento da produtividade eredução nos custos de mão-de-obra. O sistema maisprodutivo, que envolvesangria a cada sete dias coma aplicação de estimulantequímico oito vezes no ano,obteve rendimento líquidopor hectare de R$ 3.920,25diante de R$ 2.437,43 pelosistema tradicional com o mesmo tipo de corte feito a cada dois dias e sem estimulação química.

> Movimentoalternativo

Um protótipo que traz umnovo conceito em turbinaseólicas para geração deenergia elétrica a partir dovento está instalado em uma torre no campus daUniversidade Federal doMaranhão (UFMA), em SãoLuís. O experimento possui,em vez das tradicionais pássemelhantes a hélices deaviões, conchas de alumíniocom geometria apropriada e espaçadas regularmente no plano horizontal que fazem mexer as hastestransmissoras da rotaçãopara um gerador elétrico.A equipe de pesquisadores é coordenada pelo professorCândido Justino de MeloNeto, do Núcleo deInovação Tecnológica e

produzirá imagens comexcelente nitidez em faixasde 27 quilômetros de larguracom resolução de até 2,7metros, características quevão resultar em imagenscom grandes detalhes da superfície terrestre.Enquanto isso, os governosbrasileiro e chinês negociampara instalar uma antenareceptora de imagens doCbers-2B em algum paísafricano. As imagens dosatélite servem paramonitoramento ambiental,planejamento da agriculturae do crescimento urbano.

FogueteLonga Marchalevou o Cbers-2Bao espaço

Turbina eólica no Maranhão:pás em forma deconcha

ND

IDO

DE

ME

LO

NE

TO

/UF

MA

XIN

HU

A N

EW

S A

GE

NC

Y/M

CT

64-65_linhaprbrasil_140 25/9/07 19:36 Page 65

66 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Uma pequena proteína encon-trada na saliva e na lágrima,chamada lisozima, mostrouem laboratório ser capaz de au-mentar a eficiência do proces-so de produção de etanol comconsiderável economia para as

usinas, que já manifestaram interessepela novidade biotecnológica. Para ob-ter esses resultados, pesquisadores daUniversidade de São Paulo (USP) pro-duziram uma linhagem da levedura Sac-charomyces cerevisiae, microorganismoresponsável pela transformação do açú-car em álcool combustível, capaz defabricar essa proteína. Com isso, a leve-dura ganha a capacidade de combater asbactérias que contaminam as dornasonde é realizada a fermentação do cal-do de cana-de-açúcar, também chama-do de mosto.“O mosto constitui um óti-mo substrato para o crescimento não sóda levedura, mas de vários outros mi-croorganismos porque possui altos teo-res de nutrientes, além de apresentar pHe temperatura favoráveis”, diz a profes-sora Ana Clara Guerrini Schenberg, doInstituto de Ciências Biomédicas daUniversidade de São Paulo (USP), coor-denadora da pesquisa. Além de compe-

tir pela sacarose e outros nutrientes domosto, as bactérias introduzem no pro-cesso produtos de metabolismo indese-jáveis, principalmente ácidos orgânicos.

As usinas normalmente adicionamantibióticos ao mosto para combater acontaminação bacteriana. Com o pas-sar do tempo, no entanto, novos anti-bióticos ou combinações de medica-mentos são necessários para dar contade cepas de bactérias resistentes. Estima-se que, para cada metro cúbico de eta-nol produzido, são gastos de US$ 3,00 aUS$ 5,00, em média, com antibióticosnas usinas. “Além do problema econô-mico, há o aspecto de poluição ambien-tal, porque tudo acaba indo para a na-tureza, na forma de efluentes que vãopara os rios”, diz Ana Clara, especialis-ta em genética molecular de microor-ganismos, que coordena em seu labo-ratório, no Departamento de Micro-biologia, vários trabalhos com levedu-ras e bactérias.

Substância antibacteriana - A buscade um método alternativo ao antibió-tico para controle dos microorganismospresentes na fermentação do etanol foiobjeto dos trabalhos de pós-graduação

DuetopoderosoEnzima de mosca produzida em levedura combate bactérias danosas à fabricação de álcool combustível

BIOTECNOLOGIA

>TECNOLOGIA

DINORAH ERENO

66-69_BACTERIA_140 25/9/07 19:31 Page 66

de Elza Grael Marasca e Luciano José Sil-veira sob orientação de Ana Clara.“Pen-samos que, se a própria levedura con-tivesse um gene codificando uma subs-tância antibacteriana, ela mesma resol-veria o problema sem precisar adicionarantibiótico ao mosto”, relata a coorde-nadora da pesquisa, filha do renoma-do físico teórico brasileiro Mário Schen-berg (1916-1990). Foi escolhida para es-sa função a lisozima, uma enzima quenão é exatamente um antibiótico, mas éaltamente poderosa contra bactérias,porque degrada suas paredes celulares.“É uma proteína muito interessante, queé produzida por praticamente todos osseres vivos, mas não pela levedura”, con-ta. Em alguns processos industriais, co-mo conservação de alimentos, produ-ção de vinho e medicamentos, é utiliza-da uma lisozima comercial, importa-da, extraída da clara do ovo, num pro-cesso criado há cerca de 40 anos.

Antes de modificar a informação ge-nética da levedura, os pesquisadores co-meçaram a procurar na literatura se ha-via sido descrita alguma lisozima que su-portasse a acidificação do final da fer-mentação alcoólica. Nessa mesma épo-

ca, em 1996, a professora Sirlei Daffre,pesquisadora do Departamento de Pa-rasitologia, que fica no mesmo prédiodo Departamento de Microbiologia, ti-nha acabado de chegar da Suécia, ondehavia desenvolvido um trabalho sobrelisozimas da mosca Drosophila melano-gaster. “Por atuar no trato digestivo damosca, essa lisozima apresenta ótimofuncionamento em pH ácido, semelhan-te ao encontrado no processo de fer-mentação alcoólica”, relata Ana Clara. Oobjeto de estudo de Sirlei eram os in-setos e como eles se defendem das infec-ções, pesquisa que acabou contribuin-do para a elaboração de um processotecnológico.“Ela havia clonado o cDNAda lisozima, a parte do gene que interes-sa e é transformada em mensageiro den-tro das células”, conta Ana Clara.

A cessão do gene clonado ajudou aencurtar o caminho, mas ainda haviamuito trabalho pela frente. O passo se-guinte era encontrar um promotor quefizesse o gene se expressar na levedura,num processo chamado de técnica deDNA recombinante, e garantir que a li-sozima fosse secretada para o meio decultivo. Coube a Elza Marasca colocar

o cDNA da drosófila sob o controle dopromotor da álcool-desidrogenase 1,uma enzima da própria levedura utiliza-da durante o processo de fermentação.Tudo se encaixou perfeitamente.“Tantoo promotor como a levedura funcionamem perfeita sincronia durante o proces-so de fermentação, enquanto ocorre aprodução de lisozima”, diz Ana Clara.

Fermentação alcoólica – Feito isso, eranecessário verificar se o uso da linhagemde levedura recombinante produtora delisozima em processos de fermentaçãoalcoólica contribuiria para reduzir o usode antibióticos. Sabe-se que a maioriados microorganismos presentes nas dor-nas são sensíveis à ação da lisozima, queage preferencialmente na parede de bac-térias Gram-positivas, como, por exem-plo, Bacillus coagulans e Lactobacillus fer-mentum.“Como nas usinas de álcool doestado de São Paulo 98,5% dos conta-minantes são bactérias Gram-positivas,em tese é uma ótima escolha”, diz Ga-briela Ribeiro dos Santos, pós-douto-randa que participa do projeto. “Agoratemos que fazer um estudo mimetizan-do as condições encontradas na usina

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 67

Linhagemrecombinantede leveduraprodutora de lisozima

LU

CIA

NO

JO

SE

SIL

VE

IRA

66-69_BACTERIA_140 25/9/07 19:31 Page 67

68 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

para avaliar, na prática, o efeito da leve-dura modificada.” Para isso será neces-sário ajustar a quantidade de enzima se-cretada com a quantidade de contami-nantes existentes no processo industrial.

Ação confirmada - O primeiro passonesse sentido foi dado. Um dos estudosfeitos recentemente pelo grupo de pes-quisa consistiu em inocular a linhagemoriginal da levedura e a linhagem queproduz lisozima, para efeito de compa-ração, em mosto não-estéril, como é uti-lizado na usina, mas realizado no pró-prio laboratório da USP. Um aspecto in-teressante nesse trabalho, que represen-ta um avanço para chegar ao processoindustrial e resultou em uma patente,sob a gerência da Agência USP de Ino-vação, é que a informação genética da li-sozima foi estabilizada por meio da suaintegração num dos cromossomos deuma linhagem de levedura industrialutilizada pelas usinas. “Vimos uma di-ferença muito significativa entre a quan-tidade de contaminantes nas condiçõesoriginais com e sem lisozima”, relata Ga-briela. Isso significa que a ação da leve-dura recombinante sobre as bactériasfoi confirmada nos testes, mas mesmoassim os pesquisadores querem aumen-

tar a produção da enzima para que elaresponda satisfatoriamente às condi-ções enfrentadas em escala industrial.

A levedura modificada tem apenasuma cópia do gene da lisozima integradaao seu cromossomo. “Agora está sendodesenhada uma estratégia para amplifi-car o número de cópias do gene inseridona levedura”, diz Ana Clara.“Como sãoconhecidos alguns sítios cromossômicosda levedura Saccharomyces cerevisiae quese prestam a inserções de genes estran-geiros sem atrapalhar a vida da linhagem,podemos aumentar a capacidade de pro-dução de lisozima sem interferir na efi-ciência da produção de etanol.”

Todas essas modificações estão sen-do pensadas em função do interesse deempresários do setor sucroalcooleiro nalevedura modificada geneticamente.Para que esse interesse seja concretiza-do, a primeira etapa já foi cumprida. Ospesquisadores submeteram a leveduramodificada à prova de conceito, ou se-ja, vários testes foram realizados paracomprovar que ela funciona não só nascondições de laboratório, mas tambémtem potencial para ser empregada noprocesso industrial. “Concluímos essaprova de conceito e passamos em todosos pré-requisitos”, relata Gabriela. Os

empresários agora querem saber se fu-turamente haverá problemas com a li-beração do uso de organismos genetica-mente modificados (OGMs) para a pro-dução de etanol. “Vamos encaminharuma consulta sobre o assunto para a Co-missão Técnica Nacional de Biossegu-rança (CTNBio) para poder dar umaresposta”, diz Ana Clara.

Os estudos para produção de eta-nol coordenados pela pesquisadora ti-veram início durante os anos de imple-mentação do Proálcool, o programabrasileiro criado no final de 1975. Aidéia era produzir álcool combustívela partir do amido presente na mandio-ca, e não de açúcares simples, como asacarose e a glicose encontradas no cal-do de cana. Ocorre que a levedura Sac-charomyces cerevisiae, cujo nome deri-va de Sacaro, açúcar, e myces, fungo,consegue metabolizar a glicose e a saca-rose, mas não o amido, que é uma mo-lécula complexa com várias unidades deglicose dispostas em cadeias lineares eramificadas. Isso significa que em todosos processos envolvendo substratosamiláceos, como cevada, arroz, mandi-oca ou milho, para produzir etanol, hánecessidade de fazer um tratamento en-zimático prévio.

Enzima alfa-amilase

secretada pela levedura

degrada amido(em azul) e forma

um halo claro

66-69_BACTERIA_140 25/9/07 19:31 Page 68

Para abreviar a etapa de tratamen-to prévio do substrato e diminuir os cus-tos do processo de fermentação de ami-láceos, o grupo de pesquisa deu inícioa um programa de melhoramento ge-nético da levedura S. cerevisiae há qua-se 25 anos. “Foram feitos vários traba-lhos para dotar a linhagem da levedu-ra com a capacidade de degradar o ami-do e processar o açúcar da mandioca nafase de fermentação para transformá-loem álcool”, relata Gabriela, que se de-dicou ao assunto em sua dissertação demestrado. Como o amido é uma mo-lécula ramificada, ele precisa de umcomplexo de enzimas amilolíticas paraser totalmente degradado.

Molécula complexa – A primeira con-quista feita pelo grupo, publicada na re-vista Nature Biotechnology em 1986, foiconseguir que a levedura produzisse e se-cretasse para o meio de cultivo um geneque codifica a alfa-amilase fabricada nopâncreas de camundongo. A alfa-amila-se age sobre as cadeias lineares do amido,quebrando essa complexa molécula emmoléculas menores, formadas de duas oumais unidades de glicose, de forma que alevedura ainda desperdiça boa parte doaçúcar contido no amido. Num próximopasso do melhoramento, Gabriela colo-cou o gene de mais uma enzima na le-vedura, o da glicoamilase de uma outraespécie de levedura.A glicoamilase ajudaa alfa-amilase a degradar o amido e levá-lo até a molécula de glicose.“Uma ajudaa outra nesse processo, mas o aproveita-mento ainda não foi de 100%”, diz Gabri-ela. “Na verdade, experimentos em es-cala piloto, realizados no Departamentode Engenharia Química da USP, mostra-ram que o fator limitante da eficiência defermentação era justamente a atividadede glicoamilase”, completa.

Novas construções então se sucede-ram para que a levedura pudesse expres-sar glicoamilases mais potentes e, acimade tudo, de forma estável e numa leve-dura industrial. Hoje o laboratório pos-sui algumas linhagens industriais re-combinantes, das quais se destaca umaque apresenta o gene da glicoamilase emcinco cópias. As novas linhagens deve-rão ainda ser avaliadas em escala piloto,empregando o amido da mandioca,uma matéria-prima barata e abundan-te no Brasil, como fonte alternativa aoaçúcar proveniente da cana. ■

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 69

Bactérias e leveduras capazes de remover metais pesados dosefluentes resultantes da mineraçãoestão sendo produzidas, comferramentas da engenharia genética,pelo grupo de pesquisa coordenadopela professora Ana Clara GuerriniSchenberg. O projeto foiencomendado há dois anos e meiopela Companhia Vale do Rio Doce,líder mundial no mercado de minériode ferro e segunda maior produtoraglobal de manganês e ferroligas. “O importante é encontrar ummicroorganismo adequado paraexecutar determinada função”, diz Ana Clara. “Quando eles não funcionam exatamente comoqueremos, podemos melhorar as características dessesmicroorganismos.” Como abiorremediação de metais é uma

área nova, o projeto está dividido em vários subprojetos.

Um dos participantes, RonaldoBiondo, está construindo umabactéria que consegue se ligar aosmetais pesados para facilitar atarefa de removê-los dos efluentesde mineração. Ao mesmo tempo, apesquisadora Gabriela Ribeiro dosSantos está construindo um sistemasuicida para essas bactérias para, quando a tarefa for cumprida, elas não causarem riscos a outros organismos presentes na natureza. “Estou trabalhando no desenvolvimento de um sistemagenético que provoque a morte da bactéria, mas que, como uma bomba-relógio, só entre em ação depois de cumprida a etapa de biorremediação pelomicroorganismo”, diz Gabriela.

Microorganismos programados para remover metais

GA

BR

IEL

A R

IBE

IRO

DO

S S

AN

TO

S

66-69_BACTERIA_140 25/9/07 19:32 Page 69

Uma nova tecnologia desenvol-vida nos laboratórios da Em-brapa Instrumentação Agro-pecuária, em São Carlos, no in-terior paulista, deverá forta-lecer a posição do Brasil naprodução mundial de biocom-

bustíveis. Pesquisadores da entidadecriaram um aparelho de ressonânciamagnética nuclear para medidas ultra-rápidas da quantidade e da qualidadede óleos vegetais presentes em semen-tes de soja, mamona, dendê, girassol,amendoim e algodão, entre outras olea-ginosas, plantas que têm sido usadas ousão candidatas para a fabricação de bio-diesel. O equipamento tem potencialpara analisar o teor de óleo em maisde 10 mil sementes por hora, enquantoos métodos químicos convencionaismais rápidos existentes no mercado rea-lizam apenas 60 análises no mesmo pe-ríodo de tempo. A medida da qualida-de do óleo é de 300 amostras por ho-ra, mas, mesmo assim, ainda é dezenasde vezes mais rápida do que as técnicasdisponíveis atualmente.

A velocidade na realização das aná-lises é importante porque permite sele-cionar com mais agilidade variedadesde plantas comerciais e silvestres, comoo pinhão-manso, a macaúba, o pequie o tucumã, outras candidatas ao bio-diesel, com alta produtividade e, assim,acelerar os programas de melhoramen-to genético das cultivares envolvidas naprodução de biocombustíveis. “Paraque os programas de seleção de novasplantas sejam rápidos, são necessáriasdezenas de milhares de análises de teorde óleo de sementes por ano. E os mé-todos de análise de óleo hoje não aten-dem a esse requisito”, explica o bioquí-mico Luiz Alberto Colnago, que coor-denou as pesquisas. Segundo o pesqui-sador da Empresa Brasileira de Pesqui-sa Agropecuária (Embrapa), emborao Brasil, por seu pioneirismo, esteja nu-ma posição relativamente confortávelno mercado mundial de biocombustí-veis, é preciso aumentar a produtivida-de das lavouras destinadas à produçãode biodiesel para que a demanda futu-ra seja suprida sem risco de provocarescassez do produto. “Hoje, somente o

Ressonância magnética mede teor e qualidade de oleaginosas para produção de biodiesel

Sementes mais produtivas

Girassol,castanhas- de-caju,do-pará e pinhão-manso

QUÍMICA ANALÍTICA

>E

DU

AR

DO

CE

SA

R

YURI VASCONCELOS

70-71_Oleosemente_140 26/9/07 18:53 Page 70

posição química e ao seu número de ce-tano. Esse número, por sua vez, é um in-dicador de qualidade de ignição do die-sel, similar ao octano para motores a ga-solina. Para Colnago, melhorar a quali-dade dos óleos vegetais produzidos nopaís é fundamental porque alguns ain-da não atendem às especificações dasnormas internacionais.“Os óleos de so-ja, girassol e algodão, dentre outros, têmalta concentração de ácidos graxos po-liinsaturados, que são indesejáveis parauso como combustível, pois têm baixaestabilidade química e baixo número decetano”, diz o pesquisador.

Módulos comerciais - O aparelho deressonância recebeu financiamento daFAPESP e da Financiadora de Estudose Projetos (Finep) e contou tambémcom a participação de pesquisadores doDepartamento de Física da Universida-de Federal de Pernambuco (UFPE), doInstituto de Química de São Carlos daUniversidade de São Paulo (USP) e daEmbrapa Solos, do Rio de Janeiro. Col-nago explica que o aparelho não foi to-talmente desenvolvido por sua equi-

pe. “Fizemos a montagem com módu-los comerciais e construímos apenas aspartes que não estão disponíveis nomercado mundial. Usamos um imã deum tomógrafo de ressonância magné-tica e a parte eletrônica de transmis-sor e receptor de um aparelho conven-cional. Já os sistemas de movimentaçãodas amostras – as esteiras – e as bobinasonde são colocadas as amostras den-tro do imã foram construídos por nós”,diz Colnago.

“O mais importante nesse trabalhofoi o desenvolvimento das novas meto-dologias de análise por ressonânciamagnética nuclear tanto para medidada quantidade quanto da qualidade doóleo diretamente nas sementes. Essesprocedimentos rápidos é que são iné-ditos.” Essas metodologias começarama ser desenvolvidas em 1998 e foramtema de duas dissertações de mestradoe duas teses de doutorado orientadaspelo próprio pesquisador no Institu-to de Química de São Carlos da USP. Apesquisa também rendeu a publicaçãode artigos científicos nas revistas Analy-tical Chemistry e Analytica Chimica Ac-ta, respectivamente, em fevereiro e ju-lho deste ano.

Dentro de seis meses a um ano, Col-nago espera ter um protótipo do apare-lho em uma versão mais amigável e demenor custo. O aparelho atual pode-ria custar US$ 500 mil porque utilizaum imã de tomógrafo que é muitogrande e caro. O bioquímico da Embra-pa acredita que se ele for substituído porum imã pequeno esse valor cairá cercade 20 vezes e o custo do aparelho de-verá ficar na faixa dos US$ 70 mil – ex-cluindo-se os valores de impostos emargem de lucro do fabricante. A em-presa Gil Equipamentos Industriais, dacidade de Ribeirão Preto, que adquiriuoutra tecnologia de ressonância mag-nética desenvolvida pelo grupo da Em-brapa há dez anos, já demonstrou inte-resse na produção comercial do equipa-mento.“Embora deva entrar no merca-do custando o dobro dos métodos tra-dicionais, ele vai oferecer uma produti-vidade – número de análises por tempo– muito maior. E esse será seu grandediferencial”, conta Colnago. ■

dendê tem alta produtividade, de cercade 5 toneladas por hectare por ano. Asoja e a maioria das outras culturas co-merciais estão em torno de 1 toneladapor hectare por ano. Isso significa quea energia produzida é apenas poucomaior que a energia gasta para sua pro-dução”, diz ele.

Além da rapidez, a nova técnica deressonância magnética apresenta outraimportante vantagem.Ao contrário dosmétodos tradicionais, em que é neces-sário secar e moer as sementes a seremanalisadas, provocando sua destruição,a tecnologia de ressonância magnéticamantém a amostra intacta.“Com a nos-sa técnica, a mesma semente analisadapode ser em seguida plantada”, diz opesquisador da Embrapa. Nas técnicasconvencionais, a extração do óleo em-prega um solvente derivado de petró-leo, que agride o ambiente. Por esse mé-todo, é preciso extrair o óleo por 24 ho-ras, fazer a evaporação do solvente e, emseguida, pesar quanto líquido foi extraí-do.“Esse método gera resíduos quími-cos que precisam ser tratados.”

O equipamento criado na Embra-pa Instrumentação Agropecuária fun-ciona de forma semelhante a um apare-lho de ressonância magnética nuclearusado para fins médicos em clínicas ehospitais do país. As sementes são co-locadas de forma seqüencial, uma atrásda outra, em uma esteira que passa pordentro de um imã, cuja função é mag-netizar a amostra. Junto do imã exis-te um pequeno sensor. Quando a se-mente chega ao sensor, ela é excitadacom ondas de rádio numa freqüênciafixa de 85 megahertz durante apenas10 microssegundos.

“Ao final da irradiação, a sementepassa a emitir de volta um sinal na mes-ma freqüência. A intensidade desse si-nal é proporcional ao teor de óleo pre-sente nela. Quanto mais forte, mais óleopossui a semente”, explica Colnago. Já amedida da qualidade é dada pelo tem-po que o sinal refletido pela semente le-va para desaparecer. Quanto mais rápi-do o sinal sumir, maior será a viscosi-dade do óleo. A viscosidade é um dosparâmetros de qualidade de óleos vege-tais e está diretamente associada à com-

1. Desenvolvimento deinstrumentação e aplicações de RMN na análise de alimentos2. Desenvolvimento detecnologias ultra-rápidas de RMNpara determinação da quantidadee qualidade de óleos vegetais emsementes intactas3. Avaliação on-line da qualidade deprodutos agroindustriais por RMN

MODALIDADE

1 e 2. Linha Regular de Auxílio a Pesquisa3. Rede Brasil de Tecnologia

COORDENADOR

LUIZ ALBERTO COLNAGO – Embrapa

INVESTIMENTO

1. R$ 36.750,00 e US$ 33.000,00 (FAPESP)

2. R$ 115.500,00 (FAPESP)3. R$ 270.000,00 (Finep)

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 71

70-71_Oleosemente_140 26/9/07 18:54 Page 71

72 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Mais conhecido por ser o material básico daindústria eletroeletrônica, na composiçãode circuitos integrados ou chips, presentesem todos os equipamentos eletrônicos co-mo computadores e celulares, o silício ago-ra está presente também na agricultura bra-sileira para controlar pragas, aumentar a

produtividade e melhorar a qualidade de produtosagrícolas. Um dos estudos mais recentes no Brasilfoi realizado por uma equipe de pesquisadores coor-denada pelo engenheiro agrônomo Carlos Alexan-dre Costa Crusciol, professor do Departamento de Pro-dução Vegetal da Faculdade de Ciências Agronômicasda Universidade Estadual Paulista (Unesp), na cidadede Botucatu.Eles finalizaram em maio deste ano umexperimento que mostrou os benefícios da aplicaçãode silício na cultura de batata, na forma de aduba-ção, incorporando o elemento ao solo.

Os resultados mostraram um aumento da produ-ção total de tubérculos de 14,3% e da produção de tu-bérculos comercializáveis – a batata boa para o con-sumo – em 15,8%. Muito desses resultados positivosfoi proporcionado por uma redução de 63% no aca-

mamento das plantas. Esse comportamento do ve-getal acontece quando os ramos e as folhas cresceme não ficam eretos, e sim deitados no solo causandouma série de problemas. A planta fica privada da fo-tossíntese em todo o seu potencial e torna-se maisfacilmente suscetível a microorganismos patogênicos.O silício promove o fortalecimento da parede celu-lar das folhas e dos caules ao deixar as plantas mais ere-tas e aumentar a área de exposição ao sol. “A redu-ção no acamamento das hastes, proporcionada pelaaplicação de silício, pode estar relacionada com a me-lhor condição hídrica nas células promovida pelo ajus-tamento osmótico (que confere melhor permeabilida-de), o que resultou em células mais túrgidas (dilatadas)e com maior resistência mecânica”, explica Crusciol.

Elemento químico de símbolo Si, o silício ganhougrande status industrial no século XX por suas pro-priedades semicondutoras e preço baixo. É o segundoelemento mais abundante da crosta terrestre, logo apóso oxigênio. Mas ele nunca é encontrado de forma iso-lada na natureza, e sim faz parte de minerais como ar-gila, feldspato, granito, quartzo e areia.“Aparece geral-mente na forma de dióxido de silício (SiO2) – também

Silício na agricultura

AGRONOMIA

>

Mineral é usado para controlarpragas, aumentar produtividade e qualidade de produtos agrícolas

OTTO FILGUEIRAS

72-74_Silicio_140 26/9/07 13:58 Page 72

conhecido como sílica – e silicatos, quesão compostos contendo silício, oxigê-nio e metais”, diz Crusciol. O silício temum papel importante nas relações plan-ta-ambiente, porque pode dar à cultu-ra melhores condições para suportar ad-versidades climáticas, do solo e bioló-gicas, tendo como resultado final um au-mento na produção com melhor quali-dade do produto.A batata é uma das es-pécies vegetais mais sensíveis ao déficithídrico, fenômeno que ocorre em gran-des extensões de áreas cultivadas e podeprovocar reduções na produção, depen-dendo do momento de ocorrência e doperíodo de duração.

Água e seca - A disponibilidade da águano solo é um dos fatores ambientais quemais afetam o desenvolvimento da cultu-ra. “A presença de maior quantidade desilício disponível no solo parece trazerbenefícios à cultura em relação ao défi-

cit hídrico”, diz Crusciol. O acúmulo desílica na parede celular reduz a perda deágua por transpiração, podendo ser umfator de adaptação ao estresse hídrico.

A fertilização com silício pode tam-bém aumentar a resistência a várias doenças fúngicas e outras pragas. Amaior absorção desse mineral propor-ciona uma proteção mecânica da epi-derme da planta capaz de reduzir a in-fecção de fitopatógenos e aumentar a re-sistência à seca. “No caso das doenças,inúmeros trabalhos mostram que o au-mento da resistência da planta ao pató-geno pode ser devido a uma alteraçãodas respostas do vegetal ao ataque do pa-rasita, aumentando a síntese de toxinas(fitoalexinas), que podem agir comosubstâncias inibidoras ou repelentes,além de formarem uma barreira mecâni-ca.”A pesquisa avaliou também os atri-butos químicos e o teor de silício no so-lo. Entre os resultados obtidos consta-

tou-se que os corretivos aplicados ele-varam os teores de cálcio e magnésio,em relação à análise inicial do solo.

O experimento com a batata foi rea-lizado na casa de vegetação da Facul-dade de Ciências Agronômicas no cam-pus da Unesp, em Botucatu, e implicoutratamentos com a presença e ausên-cia de silício, por meio da correção dosolo com calcário dolomítico e agros-silício (silicato de cálcio e magnésio),além da mesma metodologia em rela-ção ao déficit hídrico. O agrossilício éproduzido pela empresa Recmix, da ci-dade de Timóteo,em Minas Gerais.A fon-te desse tipo de silício para a agriculturatem origem nas escórias de alto-fornode siderúrgicas, principalmente da

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 73

BIO

CO

LO

MB

INI

Plantação de batatas: silício mantém caules

eretos, resultando em mais fotossíntese

e menos doenças

72-74_Silicio_140 26/9/07 13:59 Page 73

Companhia Siderúrgica Na-cional (CSN) e da Usiminas.O material é coletado pelaRecmix, empresa de ori-gem norte-americana, reci-clado e transformado emvários subprodutos como oagrossilício.

A utilização do produ-to aumentou o desempenhoda batateira, o que não foiconstatado nas plantas tra-tadas apenas com calcário.“O aumento da produçãotambém pode estar relacio-nado com a elevação doteor de fósforo no solo e aredução do acamamentodevido à aplicação de silica-to, que pode ter favorecidoa eficiência de interceptaçãoda luz solar e, conseqüente-mente, favorecendo o en-chimento das batatas.”

Cana e soja - A absorçãodo silício no solo ocorrequando ele se encontra naforma de ácido monossilí-cico, proveniente da decom-posição de resíduos vege-tais, da liberação de silíciodos óxidos e hidróxidos deferro e alumínio, da disso-lução de minerais cristali-nos e não-cristalinos, daadição de fertilizantes silica-tados e da água de irrigação.A maior parte desse mineral é incor-porada na parede celular, principalmen-te nas células da epiderme.Os benefícios do silício na batata tam-bém podem ser propagados para outrasculturas. Para isso a Faculdade de Ciên-cias Agronômicas da Unesp, em Botu-catu, realiza estudos com outras cultu-ras, como soja, arroz e cana-de-açúcar.No caso das gramíneas, como a cana,o silício diminui a transpiração e au-menta a resistência a veranicos. Na soja,a aplicação de silício aumenta a forma-ção de nódulos e a fixação do nitrogê-nio nas raízes da planta.

“Os resultados obtidos são animado-res e evidenciam que a aplicação desseelemento, em muitos casos, gera grandesbenefícios para outras culturas”, diz Car-los Crusciol. Uma das primeiras culturasa usar comercialmente o silício foi a cana-

de-açúcar. Duas usinas de açúcar e ál-cool paulistas já aplicam silicatos em suasplantações. Uma é a Usina Colombo, nomunicípio de Ariranha, que aplica silica-to em 35 mil hectares de um total de áreaplantada de 60 mil hectares. A outra é aUsina Guaíra, no município de mesmonome, que o emprega em 10% dos seus33 mil hectares de área plantada.As duasficam na região de Ribeirão Preto.A van-tagem para a cana está principalmenteno fortalecimento de toda a planta, quefica mais resistente aos insetos e outraspragas.Ao se alimentarem das folhas, col-mos e raízes, eles enfrentam um descon-forto bucal, ao mastigar ou picar essaspartes, provocado por um efeito mecâ-nico originário do silício, que torna aplanta mais dura”, explica Crusciol.

Os benefícios do silício na cana-de-açúcar já foram muito bem estudados

na África do Sul no comba-te à broca-da-cana (Eldanasaccharina), um inseto cu-jas larvas se desenvolvemno interior dos colmos. Emexperimentos recentes con-duzidos pelos pesquisado-res Malcolm Keeping e Oli-via Kvedaras e outros doInstituto de Pesquisa parao Açúcar da África do Sul(Sasri na sigla em inglês),foi demonstrado que o silí-cio torna os colmos da canamais resistentes à penetra-ção dos insetos. O uso dosilicato de cálcio impediude 20 a 30% a perda de bio-massa e do produto final, oaçúcar. “No Brasil existe abroca-da-cana-de-açúcar(Diatraea saccharalis), queé uma das principais pragasda cultura e se parece coma E. saccharina”, diz Crus-ciol. O uso do silício naagricultura também é estu-dado e aplicado principal-mente no Japão, no cultivodo arroz. Nos Estados Uni-dos, ele já mostrou tam-bém que pode tornar oscanaviais (usados para aprodução de açúcar) maisresistentes à geada, no es-tado da Flórida.

A importância do silí-cio está bem definida para

algumas culturas, mas muitas de suasfunções ainda não estão bem esclareci-das pela ciência, segundo o professorCrusciol. “O silício acumula-se nos te-cidos de todas as plantas, representan-do entre 0,1% e 10% da matéria seca,mas ele não é considerado parte do gru-po de nutrientes essenciais ou funcio-nais do ponto de vista fisiológico parao crescimento e desenvolvimento dosvegetais.”Mas existe a certeza de que ca-da vez mais vai ser usado na agricultu-ra depois de ser utilizado como o prin-cipal componente na fabricação de vi-dros e cristais, nas células solares, alémde ser a base da indústria eletroeletrô-nica atual e, ainda, compor o siliconeusado na medicina para implantes empróteses, fabricação de lentes de conta-to e servir na produção do concreto ar-mado e de cerâmicas. ■

74 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Broca-da-cana da África: acima, a boca normal,dentada. Embaixo, a boca do inseto gasta e reta porque o silício deixou a planta dura

OL

IVIA

KV

ED

AR

AS

/S

AS

RI

72-74_Silicio_140 26/9/07 13:59 Page 74

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 75

Plataforma comtapete e a espiral

de alumínio que aquece a água

ChuveiroespertoENGENHARIA ELÉTRICA

>

Empresa mineira desenvolve sistema que recupera calor da água do banho

MARCOS DE OLIVEIRA

Foi em pleno banho ao lavar ospés sujos de terra avermelhadaque o tecnólogo José Geraldo deMagalhães teve uma idéia ao per-ceber a água quente se esvaindopelo ralo. Pensou em desperdícioe começou a imaginar um siste-

ma que aproveitasse esse calor para aju-dar a esquentar a própria água do chu-veiro. Sete anos depois daquele dia na suacidade natal, em Rio Vermelho, no Valedo Jequitinhonha, Minas Gerais, Maga-lhães acompanha, desde setembro, a dis-tribuição gratuita de um lote de 7 mil pe-ças de seu invento para pessoas carentesda Região Metropolitana de Belo Hori-zonte num programa elaborado e finan-ciado pela Companhia Energética de Mi-nas Gerais (Cemig). Chamado de recu-perador de calor para chuveiros elétri-cos, o sistema possibilita uma reduçãode 44% no gasto de energia elétrica deuma residência. O recuperador é produ-zido pela empresa Rewatt Ecológica, daqual Magalhães é um dos sócios.

O funcionamento é simples. Em vezda água da caixa ou da rede de distri-buição ir direto para o chuveiro, ela se-gue por uma mangueira e chega a umaplataforma de plástico reforçado ins-talada no chão do banheiro, com 58 cen-tímetros (cm) de diâmetro e 4 cm de al-tura com tapete e estrutura antiderra-pante. Dentro dela existe um trocadorde calor feito de alumínio, na forma deum encanamento em espiral, que recu-pera o calor da água quente do banho eaquece, em cerca de 20 segundos, a águalimpa no interior do cano. A água aque-cida é levada, por pressão natural ou porum pressurizador, para o chuveiro.

A diferença do novo sistema é quequando a água chega ao aparelho ela jáestá pré-aquecida em comparação àexistente na caixa. Normalmente a águanatural parte dos 20º Celsius (C) e é es-quentada no chuveiro até 38ºC, que éa temperatura do banho quente no in-verno.“Se ela já estiver com 27ºC, a di-ferença cai de 18º para 11ºC”, diz a pro-fessora Júlia Maria Garcia Rocha, doGrupo de Estudos e Energia (Green) doInstituto Politécnico da Pontifícia Uni-versidade Católica de Minas Gerais(PUC Minas). Foi ela quem coordenouos dois testes que comprovaram tecni-

75-77_Chuveiro_140 26/9/07 18:49 Page 75

camente a viabilidade do sistema, pri-meiro a pedido de Magalhães e depoisda Cemig.“No início, nós não acreditá-vamos que o recuperador funcionasse.Depois fizemos os testes, o modelamen-to teórico e, no final, sugestões para me-lhorar o equipamento”, diz Júlia.“Fiqueitão impressionada que coloquei o recu-perador na minha casa.”

A economia é mais visível com a tro-ca do chuveiro. “Esse aparelho é ovilão do gasto energético em uma

residência e, com o recuperador de ca-lor, é possível usar um chuveiro menospotente”, diz Magalhães. Assim, em vezde um aparelho de 5.400 watts de po-tência, por exemplo, é possível usar umcom 3.200 watts que funcione bem,mesmo no inverno, ou até menos po-tente ainda dependendo da região.“Umdos primeiros protótipos eu vendi paraum teste de campo na cidade de Car-los Barbosa, no Rio Grande do Sul, pró-ximo à cidade de Caxias do Sul. Lá elestrocaram um chuveiro de 7.400 wattspor um de 4.400 watts”, diz Magalhães.

Outro caso de sucesso contabiliza-do por Magalhães, ainda na fase experi-mental, foi a instalação de nove recupe-radores de calor em uma academia deginástica na cidade de Pedro Leopoldo,em Minas Gerais, na Região Metropoli-tana de Belo Horizonte. Na instalação,os chuveiros de 5.400 watts passarampara 2 mil watts e os com potência de4.400 watts foram substituídos por apa-relhos de 1.800 watts. Depois de 30 diasa redução do gasto energético foi de1.020 quilowatts-hora (kWh) na contade luz, resultando em menos R$ 612,00nas despesas da academia.

Nas residências o consumo de ener-gia elétrica representa 24% do total gas-to no Brasil, ou 83 mil megawatts-ho-ra (MWh) por ano, segundo a Empresade Pesquisa Energética (EPE) do Minis-tério de Minas e Energia. Desse núme-ro, de 26 a 32% representam o aqueci-mento de água para banho, grande par-te concentrado no horário de pico, en-tre 18 e 21 horas. Dessa forma, o gastoenergético nacional apenas com chuvei-ro atinge cerca de 22 mil MWh. Segun-do números da Rewatt, se todos os chu-veiros brasileiros adotassem o recupera-dor de calor, a economia de energia elé-trica seria equivalente a 2,56% do totalconsumido no país, igual a uma porção

de 8 mil MWh, semelhante às necessi-dades energéticas anuais do estado deGoiás, por exemplo.

Em grande escala, por enquanto, osistema da Rewatt estará apenas nas re-sidências escolhidas pelo Projeto Con-viver da Cemig, que tem o objetivo deimplementar ações de eficiência energé-tica e aproximar a empresa das popu-lações mais carentes.“Quem vai recebera doação do sistema são residências commais de quatro pessoas, que são pon-tuais nos pagamentos e têm a médiaanual de, no mínimo, 90 kWh por mês”,diz o coordenador do Projeto Conviver,Henrique Fernando França Costa.Alémdo recuperador, o projeto vai distribuirgratuitamente cerca de 300 mil lâm-padas compactas para substituir as in-candescentes que gastam mais. Nesteano a Cemig vai aplicar R$ 21,5 milhõesno programa. Os recuperadores repre-sentam um investimento de R$ 2,4 mi-lhões. A iniciativa faz parte de uma re-solução da Agência Nacional de EnergiaElétrica (Aneel) que indica a todas asconcessionárias de energia elétrica aobrigatoriedade de investir 1% da recei-ta operacional líquida em pesquisa e de-senvolvimento (P&D) e em projetos deeficiência energética (PEE). No caso doprojeto Conviver, outro fator importan-te é a geração de receita adicional para afamília que gastará menos com a con-ta de luz. Também ganham as comuni-dades que terão os instaladores do recu-perador de calor recrutados no própriolocal. O treinamento está sendo realiza-do pela Rewatt e pela Cemig.

A trajetória de sucesso do invento deMagalhães começou logo depois da idéiaoriginal em Rio Vermelho. “Eu tinhauma empresa de instalação e reparo dear-condicionado automotivo e, após oregistro da patente de invenção no Ins-tituto Nacional de Propriedade Indus-trial (INPI), cheguei a fazer cerca de cemprotótipos do recuperador. No final bus-cava a melhor forma, a beleza e a fun-cionalidade”, lembra Magalhães, forma-do em tecnologia de edificações no Cen-tro Federal de Educação Tecnológica deMinas Gerais (Cefet-MG), em Belo Ho-rizonte.“Fiz buscas de patentes interna-cionais e encontrei algo parecido na Ale-manha e na Inglaterra, mas os equipa-mentos não funcionaram lá. Por teimo-sia insisti no recuperador, mas acabeiquebrando a minha empresa.” A partir

76 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

O chuveiro é o vilão

do gasto energético

em uma residência

e, com o recuperador

de calor, é possível

usar um aparelho

menos potente.

Troca-se um chuveiro

de 5.400 watts por

outro de 3.200 watts

que funcione bem,

mesmo no inverno

75-77_Chuveiro_140 26/9/07 18:49 Page 76

daí ele passou a procurar parceiros paraa produção do equipamento. Estava nu-ma feira de inventores no Pavilhão doExpominas, em março de 2005, em Be-lo Horizonte, quando o consultor e ad-ministrador de empresas Valério JoséMonteiro conheceu o invento e se in-teressou em viabilizar aquele produto.“Em abril de 2005, após inúmeras con-versas, estruturamos um bom plano denegócios e buscamos capital no mer-cado. Estivemos com alguns investido-res que gostaram da idéia, mas não acre-ditaram no potencial da empresa. Insis-timos mais até encontrarmos o MarcoAntônio Almeida Resende, que entroucomo sócio investidor, injetando R$ 200mil e mais dois anos de muita dedicaçãoe trabalho. Com isso conseguimos ter-minar o desenvolvimento do recupe-rador”, diz Monteiro. Ele diz que empre-sas fornecedoras de peças também en-traram no projeto, como parceiras derisco. Em 2006 a Rewatt ofereceu o pro-duto para a Cemig, que logo contratoua empresa como parceira no projeto deeficiência energética.

O segundo passo da Rewatt será colo-car o produto no mercado. “Esta-mos nos estruturando para vender

o recuperador para um público maisamplo a partir de janeiro de 2008. Como custo aproximado de R$ 360,00, oproduto se paga em dez meses quan-do utilizado em residências com atéquatro pessoas. Há casos em que a re-dução pode atingir 50% do valor daconta, reduzindo assim o prazo deamortização”, diz Monteiro.“Vamos fo-car o mercado distribuidor das regiõesSul e Sudeste, inicialmente.” Enquantoisso, o inventor Geraldo Magalhães, aos56 anos, continua pensando em inova-ções e novos inventos. Ele acredita quepode transpor esse sistema para outrasformas de aquecer o banho, como aque-les em que existem câmaras de aqueci-mento, chamadas de boilers, como acon-tece em outros países latino-americanose na Europa, por exemplo, locais ondeinexiste o chuveiro elétrico. “Chuveirocomo no Brasil, pelo que sei, só existe noPeru. O recuperador de calor pode seradaptado para processos de aquecimen-to de qualquer país. É preciso um pro-jeto específico”, informa Magalhães. So-bre outros inventos, ele prefere não fa-lar. “Ainda estou estudando.” ■

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 77

plataforma água pré-aquecidaágua friaáguada rede

Caixa-d'águaChuveiro elétrico

Antes de ir para o chuveiro, a água da caixa ou da rede de abastecimentosegue por uma mangueira até uma plataforma de plástico, com umencanamento de alumínio em espiral no interior, onde ocorre a troca de calor. Depois desse pré-aquecimento, a água vai para o chuveiro

SIR

IO J

. B

. C

AN

ÇA

DO

Caminhos da água quente

75-77_Chuveiro_140 26/9/07 18:49 Page 77

cos e seus respectivos alelos,que são se-melhantes em pessoas com vínculo san-güíneo e tendem a ser diferentes em in-divíduos não aparentados.

Quando o suposto pai está vivo,oexame de paternidade é mais simples,porque o laboratório responsável pelaidentificação tem em mãos o materialgenético dos envolvidos e faz a compa-ração dos locos e alelos.Por uma ques-tão de confiabilidade,os laboratóriosprocedem a análise de diversos locos egeram um índice de paternidade paracada um deles,levando em conta a fre-qüência dos alelos na população brasi-leira.Depois calculam o índice de pater-nidade acumulado,que é o resultado damultiplicação desses índices de cada lo-co. Com isso,conseguem precisar quan-tas vezes o homem investigado temchance de ser o pai biológico daquelacriança em comparação com outro ho-mem escolhido aleatoriamente na po-pulação.O passo final é transformar esseíndice em uma probabilidade que indi-ca a chance de um suposto indivíduo sero pai biológico de outro.

Responda rápido:o que Pelé,Mick Jagger e o senador alagoa-no Renan Calheiros têm em co-mum? Simples:os três tiveramque se submeter a um teste deidentificação de paternidadepara reconhecer um filho (ou

filha) nascido fora do casamento.O reido futebol precisou admitir que era paida santista Sandra Regina Machado,fa-lecida no ano passado,aos 42 anos.Oroqueiro britânico reconheceu Lucas,hoje com 8 anos,nascido de uma rela-ção com a apresentadora de tevê Lucia-na Gimenezquando esteve no Brasilcom a turnê Bridges to Babylon, em1998.O presidente do Senado Federalassumiu,em dezembro de 2005,uma fi-lha,hoje com 3 anos,com a jornalistaMônica Veloso.Os testes de paternida-de por DNA surgiram no final dos anos1990 e já ajudaram a desvendar a origemde muita gente e,agora,por meio dosesforços de uma empresa de biotecno-logia brasileira,eles se tornaram bemmais confiáveis.Com sede em São Pau-lo,a Genomic Engenharia Molecular

criou uma ferramenta computacional,disponível na internet para seus clien-tes,que permitirá desvendar casos com-plexos de paternidade,quando o supos-to pai já morreu.

Para compreender o avanço propor-cionado pela Genomic,criada em 1991,é preciso antes saber como são realiza-dos os exames de investigação de pater-nidade por DNA com pais vivos.O pri-meiro passo é colher amostras do san-gue da mãe, do filho e do provável pai.Em seguida,o DNA é extraído dos leu-cócitos,as únicas células sangüíneas do-tadas de material genético,e é feita umacomparação entre o material genéticodos três.Apenas para relembrar,o DNA,o ácido desoxirribonucléico,é a sede dasinformações genéticas herdadas dos paise transmitidas aos filhos.As informa-ções estão dispostas ao longo do cromos-somo,em posições denominadas locos.Cada loco possui dois ou mais alelos(uma das várias formas de um gene),um deles herdado da mãe e outro do pai.O exame de paternidade é realizado pormeio da análise de certo número de lo-

78 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Origem desvendadaGENÉTICA

>

Empresa cria software que torna mais precisos os exames de paternidade

78-79_Genomics_140 9/28/07 19:19 Page 78

Esses cálculos, no entanto, são bemmais complexos de ser executados quan-do o provável pai já morreu. “É precisoreconstruir o genótipo do morto, masnem sempre é fácil extrair DNA de ca-dáveres e o custo de análise de ossadasé muito caro. Sem falar que a pessoapode ter sido cremada”, explica o médi-co e bioquímico Martin Whittle, sócio-diretor da Genomic. Essas situações deexame de paternidade com pai morto ouausente, explica o especialista, são mui-to comuns quando um homem ricomorre e deixa uma filha ou um filho ile-gítimo, que tem interesse em pleitearparte da herança. Nesses casos, a saídaé recolher amostras do DNA de paren-tes do pai ausente, como seus pais, ir-mãos ou filhos biológicos, que compar-tilham com ele o mesmo material ge-nético, e, a partir dessas informações,tentar reconstituir o DNA do falecido.“Os laboratórios até conseguem fazer agenotipagem dos envolvidos, mas nãosabem como executar o cálculo de pro-babilidade de paternidade porque nãohá fórmulas matemáticas padrão paradefinir esse índice quando o suposto paijá morreu”, conta Whittle. Segundo ele,o único software que permite tais cál-culos, criado por uma instituição da No-ruega, é pouco amigável e difícil de usar.

Para desenvolver essas fórmulas, aGenomic teve financiamento do Progra-ma de Inovação Tecnológica em Peque-

nas Empresas (Pipe) da FAPESP, prin-cipalmente para o desenvolvimento dosoftware e compra de servidores, e fezparcerias com a consultoria paulista Su-premum, especializada em modelagemmatemática e estatística, e com um gru-po de pesquisadores do Instituto de Ma-temática e Estatística da Universidadede São Paulo, que usaram o conceito deredes bayesianas. Essas redes, baseadasem um teorema proposto pelo matemá-tico britânico Thomas Bayes, em 1763,são um modelo de representação da realidade que trabalha com o conheci-mento incerto e incompleto. O primeiroé aquele que apresenta deficiências dedados, podem ser inexatos, imparciaisou apenas uma aproximação da realida-

de – exatamente o caso da análise deDNA de uma pessoa que já morreu.Concluídos esses cálculos, o passo se-guinte da Genomic foi criar uma fer-ramenta computacional e disponibili-zá-la em seu site para os interessados.

Munidos de uma senha, os técnicosdo laboratório do cliente entram na pá-gina da GenomicCalc (http://genomi-calc.com.br) e criam uma espécie deperfil para o exame, definindo quantaspessoas serão analisadas e seu parentes-co com o investigado. Em seguida, acres-centam os dados do material genéticode cada um, preenchendo o número dealelos de cada loco a ser analisado.A par-tir daí, o próprio site faz todos os cál-culos e fornece o índice de paternida-de e a probabilidade. “Uma vantagemdo nosso software, o primeiro do gêne-ro disponível na internet, é que ele é ca-paz de fazer o cálculo com qualquerconfiguração de indivíduos aparentadosao suposto pai”, destaca Whittle.

“Nossos potenciais clientes são labo-ratórios nacionais e estrangeiros que tra-balham com teste de paternidade, alémde órgãos públicos.” Para ter acesso aosoftware, os interessados pagam cada exa-me ou fazem uma assinatura por deter-minado período. A de um ano custa R$8 mil e permite a realização de cem cál-culos por mês. ■

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 79

MIG

UE

L B

OY

AY

AN

YURI VASCONCELOS

Análise computacional de examegenético de paternidade

MODALIDADE

Programa Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (Pipe)

COORDENADOR

MARTIN RITTER WHITTLE – Genomic

INVESTIMENTO

R$ 382.883,00 e US$ 37.700,00 (FAPESP)

O PROJETO

78-79_Genomics_140 9/28/07 19:20 Page 79

80 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Quando se fala em nazistas no Brasil, a ima-gem que nos vem à cabeça é de um ban-do ridículo de gaúchos louros levantan-do o braço direito em meio à fumaceirade um churrasco. Em verdade, a presen-ça nazista foi menos folclórica e de umaimportância política notável, em especial

para a consolidação do Estado Novo varguista, quecompleta, neste ano, 70 anos. Nazismo tropical? “Opartido nazista no Brasil”, tese de doutorado de AnaMaria Dietrich, recém-defendida na Universidadede São Paulo, traz novas luzes sobre um velho cha-vão. Pesquisando em arquivos alemães, entrevis-tando antigos militantes do partido no país e atéas filhas do Führer tupiniquim, Hans Henning vonCossel, o chefe da célula nazista brasileira,Ana des-cobriu que mesmo o nazismo é passível de tropi-calização quando abaixo do Equador. “Essa tro-

picalização ocorreu de acordo com as nuances quea realidade brasileira impôs ao nazismo. Assim foipossível aos alemães e descendentes ao mesmotempo comemorar o aniversário de Hitler e umaFesta de São João, tomar cerveja alemã e comercanjica”, explica a pesquisadora.

Esse é o lado anedótico do nazismo à brasilei-ra, mas há fatores mais importantes e igualmentedesconhecidos: o partido nazista brasileiro funcio-nou por dez anos no país, atuando em 17 estadosbrasileiros (incluindo-se improváveis Bahia, Pará ePernambuco), com 2.900 integrantes, um contin-gente só superado pelo partido na Alemanha. Dos83 países que tiveram uma “filial”do NSDAP hitle-riano, o Brasil ocupa o primeiro lugar, na frente daÁustria, país natal do Führer.Aliás, antes mesmo deAdolf chegar ao poder, em 1933, o partido nazistajá existia por aqui. Em 1928, antecedendo em cin-

HISTÓRIA

Entre a feijoada e o chucrute

>HUMANIDADES

Os alemães de Ijuí e Nova Württemberg (RS) comemoram a ascensão da Alemanha ao nazismo em 1933

80a85-nazismo-140 25/9/07 19:53 Page 80

co anos a ascensão de Hitler, foi criadoum grupo em Benedito Timbó, SantaCatarina, não só a primeira célula estran-geira do país, como a primeira do movi-mento nazista no exterior. Assim comoo comunismo preconizava sua interna-cionalização, nazistas, seus rivais, que-riam o mesmo. “O partido nazista noBrasil era para a Alemanha muito maisimportante do que para o Brasil. En-quanto o governo brasileiro não se inco-modou por dez anos com sua existência,o governo hitlerista fez dele o represen-tante do povo alemão em território bra-sileiro e as ações contra este partido ti-nham conseqüências diretas nas relaçõescom o Brasil”, observa Dietrich. Sua ar-ticulação e controle eram feitos pela Aus-landorganisation der NSDAP (Organi-zação do partido nazista no exterior, ouA.O.), cujo chefe, Ernst von Bohle, es-tava diretamente subordinado a RudolfHess, o segundo da hierarquia nazista,e tinha o mesmo status de dirigentes co-mo Joseph Goebbels. O mandamentocentral da A.O. era a manutenção doDeutschtum, a “germanidade”, dos ale-mães no exterior, que não deveriam semisturar com os estrangeiros ou usar alíngua local. “Em contrapartida, comosolidariedade a Gastland (terra de hos-pedagem), os países onde estavam as co-munidades de alemães, não era permiti-da aos partidários a participação na po-lítica local. Os nazistas deveriam se man-ter neutros com relação à política inter-na e não poderiam divulgar suas idéiasaos nativos”, nota a pesquisadora.

A propaganda apelava à responsabi-lidade do alemão no exterior com suapátria.“A Alemanha de Hitler resgatavae oficializava o sentimento de ‘pertenci-mento’ do povo alemão à nação alemã,cujas origens remontam ao pangerma-nismo e ao anti-semitismo eliminacio-nista germânicos manifestos desde a se-gunda metade do século XIX”, afirmaa historiadora Maria Luíza Tucci Car-neiro, diretora do Laboratório de Es-tudos sobre a Intolerância, da Universi-dade de São Paulo (USP). A eleição deHitler, em 1933, contou com preciososvotos desses “hóspedes”, inclusive brasi-

leiros. A suástica, porém, não abrigavatodos. Um dos fatores da tropicalização,observa Dietrich, era que os “alemãespuros” eram considerados superioresaos teuto-brasileiros, a geração nascidanos trópicos. Essa divisão seria a per-dição nazista: “A criação de um movi-mento fascista à brasileira, o integra-lismo, se expandiu e despertou fascíniona comunidade teuto-brasileira, cominúmeras adesões, pois, na década de1930, o integralismo atraiu, pelo seuconteúdo ideológico, muitos alemães edescendentes, em especial os ‘despre-zados’ pelo nazismo internacional porsuas origens mistas”, nota a autora.

M as, como tudo que é nazista, há si-tuações folclóricas. Num espíritodigno dos nazistas hollywoodianos

de Indiana Jones, houve expedições doReich ao Brasil, visto como um labora-tório racial, com o objetivo de verificaras condições de colonização da raçabranca em terras tropicais. Em 1936,lembra Dietrich, o Instituto Tropical deHamburgo enviou um grupo de cientis-tas germânicos para estudar as popu-lações alemãs que viviam no EspíritoSanto. Receberam auxílio do governo

brasileiro e apoio de Henrique da RochaLima, segundo a pesquisadora, saudadopelos nazistas como “nosso velho ami-go, o professor”. Rocha Lima (que re-cebeu uma comenda das mãos do Füh-rer) participou ativamente dos estudossobre a febre amarela com OswaldoCruz e esteve à frente de Manguinhos,quase levando um Nobel por seus es-tudos sobre uma variante de tifo trans-mitido por piolhos aos combatentes emtrincheiras. O resultado da pesquisa ca-pixaba mostrou que “a raça ariana po-deria sobreviver bem nos trópicos, des-de que evitada a mistura com a popula-ção local”. Dentro do espírito do Lebens-raum (a busca do “espaço vital” via ex-pansionismo militar), o Brasil tinha po-tencial, embora, nas palavras do próprioFührer,“não vamos desembarcar tropase conquistar o Brasil com armas na mão.As armas que temos, para a ação no ex-terior, são as que não se vêem”. A Ama-zônia igualmente interessava ao Reich.Entre 1935 e 1937, outra expedição per-correu o rio Jari até a fronteira com aGuiana Francesa, resultando num do-cumentário sobre o “enigma do infernoda mata”, feito pela UFA, o célebre estú-dio cinematográfico alemão. Houve a

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 81

Criado conforme o modelo original, partido nazista no Brasil foi “se amolecendo,se abrasileirando, se tropicalizando”, diz pesquisadora | CARLOS HAAG

FOT

OS

STA

AT

SB

IBL

IOT

HE

K B

ER

LIN

, A

LE

MA

NH

A

Grupo do partido nazista de Hamburger Berg (RS) em marcha em 1933

80a85-nazismo-140 25/9/07 19:53 Page 81

to de ser indicado à chefia do grupo, em1934, no lugar de um colega corrupto,graças a sua capacidade de transitar comfacilidade entre brasileiros e alemães, co-mo por sua familiaridade com os esta-distas Vargas e Hitler. Ana Dietrich, naAlemanha, conseguiu entrevistar as fi-lhas de Cossel que revelaram ser ele“muito bem visto por Vargas, que lhedeu de presente uma pintura sua comuma bela moldura”. Elas também con-taram à pesquisadora que, ao deixar oBrasil, em 1942, após o rompimento doEstado Novo com o Eixo, Cossel, convi-dado a trabalhar no Ministério das Re-lações Exteriores, declinou e foi servirna Marinha. “Meu pai disse que os ol-hou e afirmou: ‘Nisso não colaboro’. Eletambém nos disse que não se impres-sionara com Hitler e só enviava relató-rios a ele. O partido nazista no Brasil foialgo diferente. Como meu pai entrou, aspessoas acham que ele sabia de tudo,mas não foi assim. No exterior, as pes-soas são mais alemãs porque existe umsentimento de pátria”, afirmou Gisela

“tentativa de fazer amizade entre ale-mães e índios”, sem falar nas caixas depeles de animais, esqueletos, fósseis e mi-lhares de artefatos arqueológicos leva-dos para a Vaterland, em sigilo, para aná-lise posterior. Até hoje uma cruz de ma-deira amazônica, com a suástica, marcao lugar onde está enterrado Josef Grei-ner, intérprete do grupo nazista.

Segundo Dietrich, o partido brasi-leiro tinha ligação direta com o Reiche designou Hans von Cossel para che-fiar a célula nacional, a partir de SãoPaulo. Ele viajava com freqüência paraa Alemanha, onde foi apresentado a Hi-tler e elogiado por Joachim von Ribben-tropp, o ministro das Relações Exterio-res do III Reich, como “um dos maisbem afortunados e confiáveis chefes na-cionais do NSDAP que comanda omaior grupo nacional da A.O.”. Em 1938teve o privilégio de ganhar uma festa dedespedida organizada pelo vice de Hi-tler, Hess. Cossel chegou ao Rio em1931, como adido cultural à embaixadaalemã e impressionou seus chefes a pon-

von Cossel. Memórias familiares nemsempre são confiáveis.“A relação de Cos-sel com Hitler e Vargas (que, em cartaao Führer, o chamava de “grande e bomamigo”) tem um caráter especial quemostra a amplitude do movimento na-zista no Brasil. Não era apenas um mo-vimento de colonos ‘saudosistas’, e simalgo que interferiu nos grandes escalõ-es de poder da sociedade”, prefere acre-ditar, com razão, a pesquisadora.

E quanto à questão judaica? Como agi-ram os nazistas brasileiros em rela-ção a uma comunidade que, nos

anos 1930, tinha 40 mil integrantes? “Aconvivência de alemães com judeus erarara, só há poucos registros. O anti-se-mitismo local era um discurso impor-tado, ou seja, na prática ele quase inexis-tia (embora tenha existido) e, na teoria,ele existia na publicação de artigos con-tra judeus. Mas o tom era de luta entreos ‘judeus de lá’ contra os ‘alemães delá’”, diz Dietrich. O “racismo tropical”eramais forte contra os negros e mestiços,

82 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Fotografia apreendida pela polícia da inauguração da sede nazista de PresidenteWenceslau, anos 1930. Marcas à caneta feita pela polícia política

AR

QU

IVO

DO

ES

TAD

O S

ÃO

PA

UL

O

80a85-nazismo-140 25/9/07 19:54 Page 82

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 83

classificados como “brasileiros”de formapejorativa. Há mesmo casos hilários so-bre casamentos “étnicos”, como o de umcolono catarinense que resolveu “impor-tar”uma noiva ariana, apenas para des-cobrir que se casara com uma mulher“feia e com uma perna mais curta doque a outra”. Há outros, mais sintomá-ticos, como o de Roland Braun, da dire-toria do partido nazista em São Paulo,que se casou com uma brasileira e ba-tizou sua filha brasileira de Irene.“Igual-mente, não houve, ao contrário do quese costuma afirmar, um isolamento des-sas comunidades, rurais ou urbanas, queinteragiam com a sociedade local e ab-sorviam hábitos e costumes desta.”

O Reich fazia “vista grossa” para es-ses pecadilhos tropicais, já que a comu-nidade brasileira, além dos serviços di-plomáticos informais que fazia para aVaterland, igualmente era fonte de recur-sos:“Morando no Brasil desde 1924, Ot-to Braun coordenava toda uma série detransações proibidas de câmbio e, ao serpreso, em 1942, forneceu detalhes de co-mo se faziam espionagem e fraudes fi-nanceiras no Brasil por meio do BancoAlemão Transatlântico, que transferiadinheiro da comunidade para bancossuíços, que depois eram enviados à Ale-manha”, revela Dietrich. A verdadeira

face tropical do nazismo, porém, foi po-lítica e acabou sendo um “presente”parao Estado Novo: a relação entre nazistas ea Ação Integralista Brasileira (AIB), dePlínio Salgado, com suas camisas verdese seu “anauê”. “O integralismo pode servisto como importante característica donazismo tropical por ser algo extraor-dinário que não estava nos planos origi-nais da organização do partido nazistano Brasil”, explica Dietrich. O canto desereia integralista era doce: “Se tu fos-ses alemão serias Nacional Socialista. Ésbrasileiro, inscreve-te, portanto, nas Le-giões Integralistas e vem vestir a camisaverde dos que se batem pelo bem do Bra-sil”. Só que, enquanto a AIB, como mo-vimento nacionalista, não concordavacom o nacionalismo alemão (embora,com fins de propaganda, se apresentas-se como a solução viável para a mate-rialização do Deutschtum tropical), onazismo não queria a assimilação da co-munidade alemã no Brasil. “Caracteri-zando-o pejorativamente como nativis-ta, o NSDAP era totalmente contrárioa que os alemães e seus descendentesse filiassem à AIB, pois se achava que is-so iria afetar a germanização do Brasil.Sob a visão do III Reich, o integralis-mo destacava principalmente a questãoracial, visando melhorar a raça com a di-

minuição de negros e índios e o aumen-to de europeus. O governo nazista cha-mava isso de ‘lusitanização’, encarada co-mo ameaça ao Deutschtum.”

V isto com desprezo pelos alemães deBerlim, conta a pesquisadora, o in-tegralismo tornou-se um anátema

após a patética tentativa de golpe con-tra Vargas, em 1938, com a suspeita departicipação de nazistas brasileiros.Além de desobediência aos ditames daAlemanha, o putsch tupiniquim tambémdeixava o Estado alemão numa saia-justa indesejável com o governo brasi-leiro, ao qual procurava, sem sucesso,agradar, mesmo ciente de que Oswal-do Aranha era o chanceler de Getúlio.Este preferia virar o jogo em favor dosEstados Unidos, que considerava parcei-ros mais valiosos do que a Alemanha,embora, nos anos 1930, o comércio en-tre tedescos e brasileiros fosse o dobrodo feito com os ianques. Plínio Salgado,de pedra no sapato do ditador brasilei-ro, virou pedregulho nas botas de Hitlerpor um erro de cálculo de Berlim. “Porculpa da proibição de descendentes dealemães de entrar no partido, este per-deu uma de suas maiores forças no Sul,onde a comunidade alemã mais expres-siva era de teuto-brasileiros.Assim, hou-

Charge deBelmonte e jornal

do clube alemão dePernambuco

INS

TIT

UT

O D

E R

EL

ÕE

S E

XT

ER

IOR

ES

, S

TU

TT

GA

RT,

AL

EM

AN

HA

FOL

HA

DA

NO

ITE

, 15

DE

AB

RIL

DE

19

39

80a85-nazismo-140 25/9/07 19:54 Page 83

ve uma reação ao nazismo segregacio-nista, líderes não foram aceitos e o inte-gralismo se tornou a opção viável”, ana-lisa a historiadora. Tomando do próprioremédio, o nazismo tradicional errou nopasso de ganso para a sua versão tropi-cal. O movimento conservador, direitis-ta e nacionalista de Salgado atendia aoque os alemães nascidos no Brasil que-riam, mas eram alijados pela Vaterland.

No fim das contas, ao vencedor,muitas Kartoffel. Diante do imbróglioque envolvia nazistas e integralistas,Var-gas pôde, sem problemas, colocar váriasorganizações na clandestinidade, inclu-sive a célula do NSDAP no país.“Afinal,entre 1938 e 1942, dentro do projeto denacionalização do Brasil almejado porVargas, o alemão passa de perigo ideo-lógico, pela divulgação do ideário nazis-ta, para perigo étnico, como alienígenaao ‘Homem Novo’ que se desejava cons-truir. Com a entrada do Brasil, na Se-gunda Guerra Mundial, em 1942, ao la-do dos Aliados, o perigo vira ‘militar eideológico’”, observa a pesquisadora.Vargas estava com o melhor dos mun-

dos políticos graças à inabilidade de na-zistas e integralistas. Dessa forma, nãoprecisava mais se preocupar com indi-víduos que venerassem Hitler, e não aele. Ao mesmo tempo, nota, pôde cana-lizar a seu favor toda a demanda autori-tária, xenófoba e nacionalista desses gru-pos. Bastava fazer com que se sentissemvinculados ao Estado Novo, e não ao IIIReich. Lá estava, para todos, um chefe“pai da nação”, anticomunista, adeptoda ordem, do progresso e das massas.

O mesmo ocorreu entre a Itália deMussolini e a AIB. “A ação fascista,que de início apoiou Salgado, foi

muito útil à direita nacional ao popula-rizar as idéias autoritárias e estimularmuitas pessoas a uma maior simpatiaem relação ao Estado Novo”, observa ohistoriador João Fábio Bertonha, que,em seu doutorado, trabalhou com acontrapartida italiana da tese de AnaDietrich. Os fascistas, melhores políti-cos do que os germânicos, por um lon-go tempo fizeram um jogo duplo comVargas e seus inimigos, os integralistas,

apostando em ganhar em quem vences-se no futuro. Como o que houve com osnazistas brasileiros, foram os filhos deimigrantes italianos que optaram peloapoio total à AIB, ao contrário de seuspais ou avós, italianos natos, que eramfascistas à Mussolini. Também, como nocaso alemão, havia uma preocupação ét-nica implicada no apoio ao movimentode Salgado e, após 1938, um total des-crédito na capacidade revolucionáriados integralistas. A italianidade falavamais alto, como a germanidade. AquiSalgado deu-se melhor, pois antes de seresquecido recebeu grandes somas de di-nheiro vindas de Roma. Curiosamente,a poderosa burguesia paulistana, fervo-rosa apoiadora do fascismo italiano, fe-chou seus cofres ao integralismo. “So-braram os descendentes italianos que,influenciados por esse contexto políti-co-nacional, por seus problemas de acei-tação na sociedade brasileira como fi-lhos de imigrantes e pelo clima geral deapoio às idéias de direita, suscitado pelapropaganda italiana, poderiam ter si-do cooptados pelos fascios, mas acaba-ram, dada a sua aculturação e o desejode serem vistos como brasileiros e departicipar da política brasileira ativa-mente, por aderir à AIB”, nota Bertonha.Quando essa se quebrou, dirigiram seuentusiasmo ao similar nacional que es-tava no poder: o varguismo. Nazismoque acabou em “feijoada”?

Há quatro variáveis que demonstrama tropicalização do nazismo no Brasil:o racismo tropical, ou seja, além dos ju-deus, houve preconceito contra outrosgrupos, como os negros e mestiços, queestavam mais em contato com o partido;a possibilidade de casamentos interét-nicos e certa resistência da população lo-cal ao germanismo, já que até o diretorda célula nazista paulista, Roland Braun,era casado com uma brasileira e muitosalemães diziam se ‘sentir em casa’na Gas-tland nacional; a presença do integralis-mo que distorceu a lógica do modelo; ea mistura de hábitos, já que, ao contrá-rio do preconizado, não houve a forma-ção de guetos teutônicos, mas uma inte-ração com a sociedade local, em que osalemães absorviam hábitos e costumes”,enumera Dietrich.Ainda assim, as estra-tégias de propaganda desenvolvidas sur-tiram efeito sobre os colonos do Sul, que,observa Tucci Carneiro, “se tornaramapáticos à política brasileira com tendên-

84 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Jornais nazistas doRio de Janeiro e,

ao lado, de SãoPaulo, com artigo

anti-semita

IMA

GE

NS

IN

ST

ITU

TO

DE

RE

LA

ÇÕ

ES

EX

TE

RIO

RE

S,

ST

UT

TG

AR

T, A

LE

MA

NH

A

80a85-nazismo-140 25/9/07 19:54 Page 84

cias ao auto-enclausuramento”, confor-me documentou um jornal da colônianazista:“Somos 1 milhão de alemães noBrasil. Somos um exército sem soldados,uma igreja sem torre, aceitai o desafioagora. Vós fostes chamados para seremlíderes deste povo, pois sois o povo maisinteligente desta terra”. Igualmente a co-lônia alemã estava fragmentada em re-lação aos judeus.“Getúlio Vargas cercou-se de germanófilos convictos, políticos eintelectuais que não ocultavam seu fas-cínio pelas conquistas empreendidas pelanova Alemanha”, observa Tucci Carnei-ro. Parte da comunidade alemã no Suldo Brasil acreditava que reproduzia, em“microrregionalidades”, a sua “velha Ale-manha” agora reavivada pelo Führer.

E ssa aproximação dos teutos com acultura original provocou um isola-mento lingüístico e cultural que, du-

rante o Estado Novo, foi combatido pe-las autoridades políticas que interpre-tavam essa postura como “erosão do es-pírito de brasilidade”. Segundo a pesqui-

sadora, esse discurso nacionalista nãoapenas serviu para combater os quistosraciais, mas também para encobrir valo-res racistas e anti-semitas sustentadospela elite política que falava em “promo-ver o homem brasileiro, defender o de-senvolvimento econômico e a paz so-cial do país”. A professora lembra queo conjunto de decretos nacionalistas exenófobos promulgados em 1938 peloEstado Novo, assim como a Polícia Polí-tica, serviu para legitimar a ação repres-siva e preventiva contra aqueles que, se-gundo o discurso oficial, eram conside-rados como elementos ameaçadores paraa composição racial e para a ordem po-lítica brasileiras.“Quem eram os elemen-tos corrosivos da nação brasileira? Os ju-deus tornados apátridas pelos nazi-fas-cistas. Somavam-se a essa ‘escória’os co-munistas, os ciganos, os negros, tratadoscomo párias da humanidade.”

Assim, segundo Tucci Carneiro, apostura de neutralidade de Vargas anteos países do Eixo era uma fachada, umamáscara adequada aos grandes estadis-

tas coroados pelos louros do fascismo.“Essa leitura possibilita compreender oárduo processo de gestação dos direitoshumanos no Brasil. A história do Brasilcontemporâneo ainda está para ser es-crita trazendo a público a postura omis-sa do governo brasileiro diante da ques-tão judaica. O Brasil, a partir de 1937,editou uma série de circulares secretasproibindo a concessão de vistos aos ju-deus e facilitando a entrada de ‘arianospuros’.” Há várias cartas anônimas emarquivos do Deops com denúncias de de-sembarque de judeus nos portos do Rioe Santos.Assim como a historiadora des-cobriu uma carta do chanceler de Var-gas, Oswaldo Aranha, que, como pre-sidente das Nações Unidas, criou o Es-tado de Israel: “Nela, Aranha afirma aimportância de se criar Israel justamen-te para evitar a migração de mais judeuse pôr fim à entrada ‘indesejada’ deles noBrasil”, conta Tucci Carneiro.A união dechucrute e feijoada certamente provo-cou indigestões históricas que merecemser recuperadas. ■

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 85

Primeiro Grupo Hitlerista fundado no estado de Santa Catarina, no distrito deBella Aliança (Rio do Sul), no vale do Itajaí (SC), década de 1930

RIB

AS

, A

NT

ON

IO D

E L

AR

A

80a85-nazismo-140 25/9/07 19:54 Page 85

86 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

A história ensinada pelos alunosHISTÓRIA ORAL

Nos 70 anos da UNE, estudo revela papel do movimento estudantil

>

86-89_estudantes_140 26/9/07 18:31 Page 86

INFO

GL

OB

OPasseata deestudantes em

julho de 1968

Não é de hoje que os jovens fazem a hora enão esperam acontecer, batem o pé que éproibido proibir e não confiam em nin-guém com mais de 30 anos. Mesmo o pro-fessor, apesar de seus mais de 30 conselhos,infelizmente, tem mais de 30 e, logo, nãoé digno de confiança.“Não é possível pen-

sar em nenhum tipo de insurreição, resistência ouconfronto político sem os jovens estudantes. Do sé-culo XIX, passando pelas grandes revoluções do sé-culo XX, bem como do maio de 1968 e a luta arma-da na América Latina, os jovens demonstram essadisponibilidade especial, difícil de ser encontradanos adultos. Historicamente, essa situação tem ge-rado ações radicais, corajosas, voluntariosas. Para obem e para o mal”, analisa Maria Paula Araújo, his-toriadora da Universidade Federal do Rio de Janei-ro (UFRJ), onde coordena o núcleo de história oral,autora do recém-lançado Memórias estudantis: dafundação da UNE aos nossos dias (Relume Duma-rá). No ano em que a União Nacional dos Estudan-tes “completa” 70 anos, o livro recupera, por meiode 300 horas de depoimentos com cem militantesde ontem e de hoje, a história do Brasil contada doponto de vista daqueles com menos de 30.

Em conjunto com o livro, o cineasta Sílvio Ten-dler lança dois média-metragens, Ou ficar a pátrialivre ou morrer pelo Brasil e O afeto que se encerraem nosso peito juvenil, documentários que, ao ladodo estudo de Maria Paula, fazem parte do projeto Me-mória do Movimento Estudantil (www.mme.org.br),fruto de uma curiosa parceria entre a UNE, a Fun-dação Roberto Marinho e a Petrobras. Afinal, seo tema é o movimento estudantil nem sempre éproibido proibir polêmicas. A própria data de cria-ção da entidade, observa a autora, é contestada:“Para uns, ela nasceu em 1937; para outros, sua ver-dadeira fundação ocorreu em 1938”. Esse interva-lo de um ano, porém, faz toda a diferença.“O pro-jeto de criação de uma UNE, às vésperas do EstadoNovo e sob a chancela do Ministério da Educação,de Gustavo Capanema, tinha o propósito políticode submeter politicamente a força desse segmen-to social que começava a se expandir. A idéia eracriar uma entidade despolitizada que permitisse ocontrole dos estudantes pelo Estado”, explica a pes-quisadora. No ano seguinte, o clima era bem ou-tro: “No II Congresso Nacional de Estudantes adisposição dos estudantes era claramente de par-ticipar do debate dos grandes temas nacionais, comum compromisso expressamente político”. Quemsabe faz a hora.

O ministério Capanema valorizava o ensino uni-versitário, visto como celeiro das elites que dirigi-riam o país.“Foi o reconhecimento da importânciados estudantes pelo governo que gerou as tensõesentre UNE e Estado Novo”, avalia Maria Paula.

86-89_estudantes_140 26/9/07 18:33 Page 87

Ao contrário do esperado, já em 1938eles saíram nas ruas denunciando a sim-patia estatal pelo nazifascismo e, maistarde, exigindo que o governo declaras-se guerra ao Eixo. Simbolicamente, em1942, desrespeitando Capanema, a UNEfez do Clube Germânia (ponto de en-contro de nazistas), no Rio de Janeiro,sua sede até 1980, quando foi demoli-da pelo governo militar. No mesmo ano,Vargas, esperto, legalizou a entidade.Apenas a partir de 1947 é que a UNEiniciaria a chamada “fase de hegemoniasocialista”, que se estenderia até 1950,lembra a autora, quando a entidade pas-sa a ser dirigida por estudantes udenis-tas. Nesse interregno “isolado e estranhoà tradição da entidade”, destacou-se a fi-gura de Paulo Egydio Martins, estudan-te de engenharia e, mais tarde, governa-dor de São Paulo.“O grupo dele à fren-te da UNE discordava da ênfase dada àsquestões nacionais em detrimento dosproblemas estudantis”, observa MariaPaula. A esquerda esteve alijada do co-mando da organização, voltando apenasem 1956, momento em que JuscelinoKubitschek pediu a colaboração da UNEpara a preservação do regime. Em 1961

a entidade participou da “campanha dalegalidade”, que visava garantir a possede Jango, após a renúncia de Jânio.

JUC – Então a UNE estava sob a dire-ção de Aldo Arantes, apoiado pela Juven-tude Universitária Católica (JUC), asso-ciação civil criada para difundir a dou-trina da Igreja no movimento estudan-til. Em pouco tempo, essa ligação inu-sitada, nota Maria Paula, se romperiacom a ascensão da Ação Popular (AP),uma dissidência da JUC. Em 1963 a fac-ção elegeu José Serra como presidente daUNE, agora imbuída do espírito detransformação radical da sociedade bra-sileira. Os militares, porém, não espe-raram acontecer. “Apesar de a primeirapalavra de ordem da UNE ter sido ‘resis-tência’ ao golpe de 1964, não houve re-sistência”, conta a autora. “Não houve,no movimento estudantil, nenhuma ma-nifestação. Eu atribuo isso ao fato de queas grandes maiorias, embora penetradaspelo nacionalismo e pelo reformismo,não estavam dispostas a se arriscar parasalvar o governo Jango”, afirma, em de-poimento, o cientista político Daniel Aa-rão Reis. Segundo ele, “há uma tendên-

cia de romantizar o movimento estudan-til como revolucionário. Não é fato, em-bora boa parte das lideranças migroupara a revolução”.Assim, as posições dosmilitantes de esquerda estudantis e de lí-deres da UNE não expressavam maisexatamente o espírito da massa dos uni-versitários, muitos filhos das classes mé-dias que apoiaram o golpe.“O estudan-te comum, a grande massa deles, se dei-xou levar pelo discurso anticomunista”,observa o historiador José Roberto Mar-tins Filho em seu artigo “O movimentoestudantil na conjuntura do golpe”.

Com sua sede incendiada em abrilde 1964, colocada na ilegalidade em no-vembro pela Lei Suplicy e pelo Decre-to Aragão, que proibiu a organização es-tudantil em nível nacional, a UNE viu-se diante de um grande dilema. “Entreos anos 1960 e 1970 havia um desejo deação política imediata que se expres-sou na luta armada com muitas organi-zações formadas por jovens universitá-rios que abandonaram as salas de aulapara pegar em armas, inspirados pelo

88 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Vladimir Palmeiradiscursa em comício e, abaixo, manifestação pró-anistia no Rio de Janeiro, em 1979

86-89_estudantes_140 26/9/07 18:33 Page 88

Vietnã, Cuba e a ‘guerra popular’ da Re-volução Chinesa”, nota a autora. Até amorte do estudante Edson Luís, no res-taurante Calabouço, no Rio de Janeiro,estopim da revolta estudantil de 1968, aUNE ainda lutou contra o acordoMEC-Usaid, que, segundo a pesquisa-dora, queria a privatização do ensino,nos moldes americanos, em total con-tramão à principal bandeira da entida-de.“Houve uma resposta ao trauma de1964, quando não se agiu. Quando veio1968, a reação foi: ‘Agora nós vamos re-agir’. Luta armada até então era algo pe-queno. A partir do AI-5, durante trêsanos há um movimento intenso de par-ticipação do movimento estudantil”,lembra Aarão Reis. Daí, a Passeata dosCem Mil, após a morte do estudante,a invasão da Maria Antônia e o congres-so da UNE em Ibiúna, em outubro de1968, segundo Maria Paula, o “marcofinal de todo o processo político, deconfronto e radicalização vividos pelomovimento estudantil. Depois da pri-são dos estudantes a reação deles entrouem descenso”.

Reconstrução – Inusitadamente, a re-construção da UNE, no congresso daentidade em Salvador, em 1979, deveu-se ao então governador da Bahia, Anto-nio Carlos Magalhães, que, desobede-cendo ordens do ministro da Justiça, ce-deu o Centro de Convenções da Bahiapara os estudantes. Isso permitiu, no fu-

turo, a participação da UNE na movi-mentação pelas eleições diretas e pelasmanifestações que pediam a retirada deCollor do governo. O legado, porém, foipesado para as novas gerações. “Quan-do se faz referência à juventude dos anos1960 e 1970, focaliza-se aquela envol-vida nas lutas democráticas, ignoran-do os demais, a grande maioria que nãoparticipava delas. Os estudantes são vis-tos, no geral, como uma geração com-bativa e revolucionária”, explica a antro-póloga Regina Novaes em seu artigo “Ju-ventude e participação social”.“O efeitodessa comparação é o de desconside-rar a possibilidade de o jovem de hojeagir motivado por interesses coletivosde transformação social.”

Daí as críticas a uma suposta “apa-tia social” dos estudantes atuais.“Os jo-vens de hoje têm outras formas organi-zativas que passam, em geral, longe dasorganizações tradicionais políticas. Elesassumiram pautas individuais e ficaramdistantes de utopias revolucionárias, oque não significa que rejeitem engajar-senuma causa coletiva, desde que se respei-te sua autonomia individual.” O que es-perar do futuro? Talvez a resposta estejanuma pequena crônica de Drummond,em que uma garotinha exige, e consegue,do pai, lasanha:“Se, na conjuntura, o po-der jovem cambaleia, vem aí, com forçatotal, o poder ultrajovem”. ■

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 89

Quem diria que, passadas mais de quatro décadas, a célebre frase do ministro da Educação Suplicy de Lacerda iria finalmente ganhar sentido (com certeza, não o esperado pelo implacávelperseguidor da UNE): “Os estudantessão homens de amanhã, mas nós somos homens de hoje”. Foi o trabalho dos “homens deamanhã” que trouxe à luz, para os verdadeiros homens de hoje, oque fizeram os homens do passado.Com a presença do presidente Lula, foi lançado, no mês passado, olivro Direito à memória e à verdade,elaborado pela Comissão Especialsobre Mortos e DesaparecidosPolíticos e editado pela SecretariaEspecial de Direitos Humanos(SEDH), que relata os casos de 479 mortos e desaparecidos entre1961 e 1988, prazo definido pela Lei 9.140, de 1995. O estudo, fruto de 11 anos de trabalho, descreve emdetalhes casos de tortura, estupro,esquartejamento e ocultação decadáveres, com os nomes dosmilitares responsáveis pelos crimes.

O levantamento inclui o nome edados pessoais de cada vítima, comuma pequena biografia, descrição dasações políticas e de como aconteceu a prisão, perseguição e morte e que membros da comissão votarampela aprovação ou indeferimento do direito à reparação. Este é o primeiro documento oficial dogoverno brasileiro reconhecendo queos órgãos de repressão do regimemilitar foram os responsáveis pelasmortes de centenas de militantes.

Lembrete amargo

CARLOS HAAG

Governo reconhece atrocidades do regime militar

FOT

OS

IN

FOG

LO

BO

ED

UA

RD

O C

ES

AR

86-89_estudantes_140 26/9/07 18:33 Page 89

90 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Amúsica é tropicalista há 40 anos. Nesse pe-ríodo as mais expressivas tendências de mer-cado de discos seguiram uma receita de efi-ciência plantada pelo Tropicalismo ou Tro-picália de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom-Zé, Torquato Neto, Mutantes e companhia:a de misturar elementos supostamente an-

tagônicos ou opostos para gerar uma terceira coisa,híbrida e mestiça, como é o Brasil.Autor do livro Tro-picalismo – Decadência bonita do samba (Boitem-po, 2000), o jornalista Pedro Alexandre Sanches res-salta que a discussão que alimenta a Tropicália tema ver com a mistura instalada entre o antigo e o novo,o tradicional e o moderno, o homem e a mulher, a di-reita e a esquerda e muitas outras dualidades com opropósito de gerar um terceiro elemento, uma novatendência. “O gênero impuro move as coisas, é a de-mocracia racial aplicada à música e isso é bacana por-que não somos puros no aspecto racial”, observa.

A conclusão é de que o Tropicalismo, tanto tem-po depois, incorporado à cultura nacional – e rea-firmado nos tempos de globalização em seu sentidomais amplo –, ainda não foi devidamente digerido. Oconceito existe. Sua total aceitação, não. Na academia,o tema é estudado faz tempo, mas só agora começaa não se limitar à música – e um pouco às artes plás-ticas – para atingir outros segmentos diversos comoa moda, a mídia e o comportamento.

Uma dimensão alcançada com eficiência pela ex-posição Tropicália – Uma revolução na cultura brasi-leira (1967-1972), encerrada em 30 de setembro e exi-bida originalmente há dois anos pelo Museu de Ar-tes Contemporâneas de Chicago. Acompanhado deum belo catálogo lançado em português pela edito-ra Cosac Naify, com curadoria de Carlos Basualdo, o

evento é o único grande aconteci-mento que marca a passagem doaniversário redondo da Tropicá-lia. Mesmo assim, foi restrito noBrasil ao Rio de Janeiro – São Pau-lo, berço de tudo, ficou de fora.

Uma falta de interesse despro-porcional ao seu valor. Emborauma bibliografia razoável tenha si-do publicada a respeito do tema,hávários aspectos a serem estudados.Feliciano José Bezerra Filho, quedefendeu em 2005 o doutorado“Ressonâncias da Tropicália – Mí-dia e cultura na canção brasileira”,pela Unicamp, observa que a pró-

pria dificuldade de chamar a Tropicália de “movimen-to”e sua rapidez de intervenção histórica,às vezes,cau-sam esta dificuldade.“Precisamos também aprofun-dar melhor o debate em torno do gênero musical.”

O pesquisador questiona se a Tropicália criou umgênero musical e se é possível falar de uma canção dogênero fora do contexto histórico de 1967/68. “Sa-bemos ser possível algum artista fazer uma canção‘bossa nova’, intencionalmente, hoje, pois a forma bos-sa nova está sedimentada. Mas e no caso da Tropi-cália? Então essa foi apenas uma atitude? São ques-tões que, a meu ver, merecem maiores reflexões.”

Eduardo Larson, autor do mestrado “Tropicalis-mo: Caetano Veloso, Gilberto Gil, o disco-manifestoTropicália ou panis et circensis”, defendido em 2006na Unicamp, afirma que esse é um tema que tem si-do sempre bastante visitado, mas faltam trabalhosrealmente consistentes sobre outras questões que nãoas históricas e/ou biográficas. “As possibilidades de

A (in)digestão

CU LT U R A

>

do Tropicalismo

M ovim ento lideradopor Caetano e G ilchega aos 40 anosainda polêm ico

GONÇALO JUNIOR

90-93_tropicalia_140 26/9/07 18:44 Page 90

Caetano Velosovestindo Parangolé P 4 capa 1

FOT

OS

DIV

UL

GA

ÇÃ

O/C

OS

AC

NA

IFY

90-93_tropicalia_140 26/9/07 18:45 Page 91

pesquisa continuam muito abertas emrelação à linguagem musical e cancionaldos tropicalistas, principalmente daque-les que não são o Caetano Veloso e o Gil-berto Gil.”Como exemplo, ele cita a par-ticipação de Rogério Duprat nos dis-cos e shows tropicalistas.

Dois pontos precisam ser aprofun-dados em relação ao Tropicalismo, naopinião de Maria Claudia Bonádio. Pri-meiro, o potencial midiático do movi-mento. Ou seja, sua presença na publi-cidade, o programa de TV Divino ma-ravilhoso e as fotografias e as reportagenssobre o movimento na impressa “mun-dana”– seções de cultura de jornais e re-vistas. Depois, a visualidade adotada.“Muito se analisam as letras das músi-cas, mas não conheço estudos que refli-tam com profundidade sobre as aparên-cias dos seus principais expoentes, co-mo Gil, Caetano, Gal e Mutantes; as ca-pas dos discos etc.”

Em seu estudo, Bezerra Filho procu-rou mostrar o desdobramento da Tro-picália, a possibilidade de ressonânciasem trabalhos posteriores de outros ar-tistas que utilizaram, consciente ou in-conscientemente, as bases lançadas pelaTropicália. “Acredito que qualquer in-

92 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

vestigação em torno de sua compreen-são deve partir da grande síntese tro-picalista, que é o interesse múltiplo e afusão entre cultura popular, indústriacultural e vanguarda”, explica ele. “Foium momento em que a música popularbrasileira experimentou uma possibi-lidade de síntese entre esses três elemen-tos, o que fez a grandeza da Tropicália.”

Nesse aspecto, prossegue ele, pro-vou-se que cultura não pode nunca servista unilateralmente, que as pulsõescriativas devem manter-se sempre vivasem direção ao futuro e, ao mesmo tem-po, reconhecer aspectos dessa mesmapulsão em momentos anteriores. “Otrânsito livre por gêneros e formas mu-sicais”, diz o pesquisador, “foi uma rei-vindicação tropicalista, cumprida de for-ma inteligente e transgressora, dentrodo ambiente musical brasileiro, normal-mente compartimentado e, cada vezmais, extremamente segmentado”.

Professora de moda, Maria Cláudiadefendeu em 2005 o doutorado “O fiosintético é um show!: moda, política e pu-blicidade Rhodia S.A. – 1960-1970”, pelaUnicamp, na qual o Tropicalismo é ob-servado de um modo bastante original.Em 1955, conta ela, a Rhodia obteve as

patentes para a fabricação dosfios e fibras sintéticas no país.Para promover sua populariza-ção, entre 1960 e 1970, a empre-sa francesa implementou umapolítica de publicidade. Essa ta-refa foi coordenada por LívioRangan, gerente de publicida-de, que optou por anunciar di-retamente à consumidora final.Teve início, então, a produçãoregular de desfiles, editoriais epropagandas de moda no Bra-sil.Vários espaços (Pelourinho,praias do Nordeste, Brasília), ar-tistas (Nara Leão, Sérgio Men-des, Mutantes) e temas (café,paisagem exótica, futebol) fo-ram utilizados para agregar bra-silidade, estilo de vida e quali-dade internacional aos produ-tos e às marcas Rhodia. A uti-

lização de artistas e elementos estéticosassociados à Tropicália no editorial demoda (veiculado na revista Jóia, de abrilde 1968) e no show-desfile Momento 68também serve a essa finalidade.

R hodia – Isso aconteceu porque umadas características do Tropicalismo eramisturar as referências do popular na-cional ao pop internacional. “Destacoque, ao se valer da Tropicália como tema,a publicidade da Rhodia não pretendiaressaltar valores que parte da crítica edos estudos acadêmicos associou ao mo-vimento, como crítica ao regime militare à industria cultural, mas, sim, apresen-tar uma publicidade calcada no resga-te de aspectos populares e arcaicos dacultura brasileira e recheada de influên-cias estéticas internacionais.”

Além da mistura entre nacional e in-ternacional, arcaico e moderno, expli-ca a pesquisadora, a publicidade da Rho-dia, ao se apropriar do Tropicalismo, fezuma releitura próxima ao “verde-ama-relismo”, tal como o definiu MarilenaChaui, que incorpora os aspectos cita-dos como uma nova mitologia nacional,para a qual ser absurdo é um novo sig-no da suprema originalidade do brasi-

Lygia Pape e H élio O iticica:sam bista da Mangueira em erge de um ovo vestindo um Parangolé

90-93_tropicalia_140 26/9/07 18:45 Page 92

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 93

leiro. “É difícil mensurar o alcance queas campanhas e os shows obtiveram, masme parece que quando a mídia absor-ve ou aposta num movimento é porqueele já deu certo, já pegou, é vendável.”

De forma intuitiva, Maria Cláudiaacredita que a associação da Tropicáliacom a moda ajudou a reforçar o seu ca-ráter de vanguarda.“Até porque acreditoque seja possível transpor para o traba-lho de criação publicitária as colocaçõesque Gilda de Mello e Souza faz sobre ocriador de modas, de alguém que terá dealertar sua sensibilidade para o momen-to social e pressentir os esgotamentos es-téticos em via de se processar. São im-pressões, mais do que afirmações.”

Outro aspecto que ela considera im-portante destacar é que a publicidade daRhodia, ao se utilizar da Tropicália, nãose apropriou das roupas usadas pelosseus principais expositores, como as ves-tes amalucadas dos Mutantes ou o es-tilo hippie debochado adotado por Cae-tano e Gil. “O que aparece nesses edi-toriais e desfiles são roupas em conso-nância com a moda internacional eapresentando suas principais tendên-cias de moda vigentes no período, como

terninhos de corte reto, na melhor linhaCourrèges, e vestidos sensuais que re-visitam os anos 1930, entre outros.”

Popular – Sem a presença da mídia, te-ria o Tropicalismo vingado? Bezerra Fi-lho afirma que, como a imprensa acom-panhava melhor os fatos e as manifesta-ções musicais, com ampla cobertura dosfestivais de música popular da TV, o in-teresse pelo movimento foi quase natu-ral, pela própria necessidade de novida-des que move o sistema midiático comoum todo. A relevância histórica, no en-tanto, acrescenta ele, foi alcançada mui-to mais pela própria força inovadora doque por alguma estratégia deliberadada mídia. “Os debates culturais à épo-ca eram mais acirrados e os tropicalis-tas entraram na discussão, sobre músi-ca popular e cultura brasileira, com ní-veis de reflexão diferenciados, desper-tando interesse nos setores envolvidoscom a cultura musical brasileira.”

Sanches observa que a mídia teveum papel importante na Tropicália emdois momentos distintos. Inicialmente,dividiu opiniões e chegou a ser com-batido pelos puristas, enquanto uma ala

da imprensa viu na proposta um acon-tecimento de modernidade e vanguar-da. A partir da década de 1980, no en-tanto, tornou-se hegemônica, quaseuma unanimidade, graças a um discur-so forte, mas com antecedentes que nãopodem ser negados, como a bossa nova,que inovou ao misturar samba e jazz.A tendência de Caetano em polemizarcom a imprensa, de certo modo, fortifi-ca esse preceito. “O Tropicalismo viveainda da polêmica, do campo de bata-lha, mas que, no fundo, tem admiraçãomútua das duas partes.”

A relevância histórica do Tropicalis-mo está associada principalmente à pro-dução artística desse pessoal,“que era ex-tremamente inteligente e criativo, e tam-bém à postura que tiveram diante dastendências políticas e comportamentaisda época”. Não significa que os artistaseram ingênuos em relação à vanguarda.“Ao contrário, mas não havia um pro-grama de vanguarda a ser seguido.” ■

O rei da vela,direção de JoséCelso Martinez

Corrêa, 1967

90-93_tropicalia_140 27/9/07 16:02 Page 93

94 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

Horas a fio

ANDRÉ RESENDE

(Só, sozinho, solidão.) Mas vivia num apartamento bom (pequeno,porém bom),

no centro da cidade,perto dos cinemas,da agitação de con-sumo que não podia viver (nem queria). Por pouco tempo,dizia-se,é provável,dizia-se.

Pequeno,ensinaram-no a fazer a cama e arrumar a roupa.Depois,ir à feira (economizar,escolher),cozinhar.Cuidava desi com autoconfiança.Estava fraco,sentia-se.Na busca por tra-balho,confundia-se,pressionado por impressões soterradasque pareciam incomodar pelos detalhes expostos sob a ter-ra. Mentia para si da pior maneira possível,conscientemente,como aberração sem domínio.Perdera a condução da vida etodos pareciam predispostos a deixar tudo como estava.

Lembra-se do dia em que pensou sair vitorioso dessa si-tuação e ainda ver aqueles que o olharam com desprezo en-golir todos os maus pensamentos.Riscou as palavras,exce-to a parte em que sairia vitorioso.Não era tarefa fácil olhá-lo,ali,tão desprovido de qualidade de vida (requinte,gosto,ob-jetos,aparelhos eletrônicos – nem música em casa havia).Vouvencer,dizia-se,é certo,dizia-se,e olhava-se contra o vidroda janela do quarto (não havia espelho em casa).

De fato,seja dito,várias vezes reinventou o começo devida.Foi criança numa época em que a cidadezinha todo in-verno inundava-se por enchentes.Naqueles dias,assim era,le-vantavam-se os móveis e,por cima deles,arrumavam-se rou-pas e quinquilharias (que,aliás,nos primeiros refluxos da água,caíam e só não iam parar no rio por causa das portas).Houvecheias de não perder nada.E aquelas em que se perdeu mui-

P eço desculpas pela monotonia do relato e pela ausência,talvez incomum,de detalhes que dêem aos acontecimen-tos interesse,algo que toque ou arraste qualquer pessoa

que seja a detalhes,entrelinhas,a um mundo subterrâneo deperguntas e imagens agradáveis.

A história toda é essa:um dia abriu a porta do pequenoapartamento e fingiu que até então nunca percebera o tama-nho do vazio.Entrou sem acender a luz.Foi ao quarto,ti-rou a roupa,jogou-se debaixo do chuveiro.Água fria,gelada,forte.Ali,naquele cubículo escuro,sem saída de ar,mesmoque quisesse luz,não tinha lâmpada,nem sequer bocal.

Estava só,não tinha que fazer,tentara algum trabalho,e nada.

(Sem amigos,sem alguém,sem televisão,rádio,relógio,sem ventilador ou ar-condicionado para enfrentar os dias decalor.Sem dinheiro,sem conta no banco.)

Não tinha cama,apenas um colchão grande no chão.Dei-tava-se para deixar a vida passar.Com todas as noções de tem-po trocadas,funcionava como relógio quebrado.Tanto que,às vezes (muitas vezes),dormia cedo,logo depois do banho.Acordava no final da noite,talvez de madrugada (não sabiaao certo),e imaginava que não estava perto de amanhecer:havia carros na rua e a luz dos tubos de televisão saía pelas ja-nelas dos apartamentos.

Roía-se de solidão.Escrevia à mão,compulsivo,pequenasestórias de infâmia,traição,abandono.Empobrecido,aindanão se sentia pobre.Devia o aluguel,meses de condomínio.Certa vez cortaram a luz.

FICÇÃO…

96-97_ficcao_140 25/9/07 19:56 Page 94

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 95

to. Outras, cravadas na memória, levaram tudo, para começardo nada, em situações bem mais precárias – não seria, en-tão, motivo para baixar a cabeça e aceitar alguma derrota?

Do nada, decidiu mudar rotina, expectativas, acrescentououtras tantas esperanças e, em especial, apesar das dificulda-des, sentia-se adulto para suportar tormentos, pesadelos, mausbocados (gostava dessa expressão,a qual imprimia sotaque por-tuguês “adquirido” de algum poema antigo ou nada disso).

Fechava os olhos (sala vazia. Sofá velho, pequeno, sujo. Es-tante enferrujada, cheia de livros, discos de vinil e traças. Livrose mais livros, aos montes, no chão, ao lado da estante. Mesa demadeira de quinta categoria e cadeiras sambadas – traziam parasua vida, e às raras visitas, indícios de civilização). Não ficavatriste.Arrancava, sabe-se lá como, filosofia do coração sobres-saltado para dizer: tudo é transitório e o que é, exatamente porser como é, não vai ficar como está. Pensava: dialética, meuDeus, é isso, dialética, velho, dialética. Depois: ai, meu Deus,ai. Misturo ensinamentos orientais com velhas frases de efei-to, para drama, para lirismo. Que mistura, Beneditus, mas quecoisa essa, assim, lembrar Bertoldo – mexia a cabeça, censura.

Então fechava os olhos e dizia que sua casa era um jardimbudista (ou taoísta), zennnnnnnnnnn, zunnnnnnnnnn,zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.

Quando ia muito além de suas aflições materiais e espi-rituais, dormia no chão frio (sempre mal varrido). Para seperdoar dos equívocos, erros, grosserias. Tinha certeza de es-tar fora de si e não se reconhecia – ou queria que isso fosseverdade. Melhor: mentira.

Não foi um tempo simples, leve. Ou de grandes gostos,intenções, vastas palavras. Dedicou-se, como um pragmáti-co cego e obsessivo, a sobreviver. Primeiro as coisas brutas emateriais, depois as finas e espirituais, dizia o filósofo alemãoHegel (ou assim disseram que ele disse, ou assim se disse queHegel disse, ou Hegel disse porque alguém disse).

Pedia a Deus para que a luta não levasse o bom gosto ea inclinação para o refinamento (os gestos largos e afetivos, adelicadeza, a vida). Depois, ria.

Deus fez tudo que pôde.Olhando assim fica revelada a vida modesta, sem surpre-

sas, risos ou fatos inusitados. É verdade que da vida se espe-ra um tanto em aventuras e desequilíbrios suficiente para jus-tificar, ao cabo de uma existência, o suspiro final com o valeua pena melancólico e perdido na falsa promessa do futuroalém da imaginação.

Mas, saibamos: certos traços e peculiaridades hereditá-rias vêm de pai e de mãe. A ciência até aqui não mexe (nementorna, nem muda). A combinação é segredo de um có-digo ainda por decifrar. Não é mais difícil prever o que nas-cerá do morto-vivo com o vivo-morto – parece, é certo. Di-fícil – e aí está a questão – não é aceitar o destino. Duro é nãopoder imaginá-lo.

ANDRÉ RESENDE é escritor, autor de Mundo enquadrado (ensaios),Amor vário (romance), Quem disse sim (poesia), Maçã carame-lada (teatro) e Quem sou eu (infantil).

FE

RN

AN

DO

AL

ME

IDA

96-97_ficcao_140 25/9/07 19:57 Page 95

96 ■ OUTUBRODE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

classificados

www.sodebras.com – e-mail: [email protected]

Special Online Editionof the SODEBRAS ISSN 1809-3957

Earth and Exact Sciences Applied Social Sciences Biologic Sciences

Engineering Human Sciences Health Sciences

Others Linguistic, Writing and Arts Agricultural Sciences

Congress Submission Deadline Presentations OnlineSPRING 2007 December, 8, 2007 December, 10-14, 2007SUMMER 2008 March, 8, 2008 March, 10-14, 2008FALL 2008 June, 8, 2008 June, 10-14, 2008WINTER 2008 September, 8, 2008 September, 10-14, 2008SPRING 2008 December, 8, 2008 December, 10-14, 2008

96a97-classificados 140 25/9/07 20:03 Page 96

PESQUISA FAPESP 140 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ 97

• Anuncie você também: tel. (11) 3838-4008 www.revistapesquisa.fapesp.br

Anuncie em www.revistapesquisa.fapesp.brTodo dia seu banner será visto por 5 mil pessoas que se interessam por ciência, um público altamentequalificado e com grande poder de consumo.

Ligue para (11) 3838-4008 e reserve seu espaço

Aguarde, em breve o site estará com NOVO PROJETO GRÁFICO!

Departamento de Recursos HumanosConcursos / Professores

Os dados abaixo destinam-se exclusivamente à divulga-ção, não constituindo texto oficial, o qual se encontrapublicado no Diário Oficial do Estado indicado. Informa-ções detalhadas poderão ser obtidas nos e-mail descritos.

Faculdade de Direito de Ribeirão Preto - [email protected]

01 Professor Doutor, referência MS-3, em RDIDP (dedica-ção exclusiva), junto ao Departamento de Filosofia do Direito e Disciplinas Básicas, área História do Direito.

Inscrições abertas pelo prazo de 30 dias, no períodode 24.09 a 24.10.2007. Diário Oficial de 21/09/2007.

Edital 004/2007 Republicado no Diário Oficial de 22/09/2007.

01 Professor Doutor, referência MS-3, em RDIDP (dedi-cação exclusiva), junto ao Departamento de Filosofiado Direito e Disciplinas Básicas, área Instituições e So-ciologia do Direito.

Inscrições abertas pelo prazo de 30 dias, no períodode 24.09 a 24.10.2007. Diário Oficial de 21/09/2007.

Edital 005/2007 Republicado no Diário Oficial de 22/09/2007

96a97-classificados 140 25/9/07 20:03 Page 97

98 ■ OUTUBRO DE 2007 ■ PESQUISA FAPESP 140

RESENHA::

N os anos 1970 o jovem es-tudante Frans de Waal,decabelos compridos como

prova de rebeldia,sentou-separa espiar a intimidade dechimpanzés no zoológico deArnhem,na Holanda.Elecomeçava a carreira de espe-cialista em comportamentode primatas com os precon-ceitos da época:acreditavaque a natureza não tinha influência no comportamen-to humano,que seria sujeito somente à cultura e ao livre-arbítrio.“Para nós,o poder era mau,e a ambição,ridícu-la.No entanto,minhas observações de primatas abriram-me a mente à força para as relações de poder não comoalgo perverso,e sim naturalmente arraigado.”

Surgiu aí não um capitalista conformista,mas umprofundo conhecedor da natureza dos grandes prima-tas, sobretudo o homem – que observa mais por víciodo que ofício – e seus parentes mais próximos,o chim-panzé e o bonobo,antes conhecido como chimpanzé-pigmeu.As três espécies têm em comum 98% de seumaterial genético e muito de suas índoles.São essassemelhanças que Frans de Waal,hoje um dos prima-tólogos mais respeitados do mundo,esmiúça nos capí-tulos sobre poder,sexo,violência e bondade de Eu, pri-mata – Por que somos como somos.O text o leve e di-vertido ao mesmo tempo que é denso e informativomostra que nem só de artigos vive esse pesquisador,quejá escreveu seis livros para o público leigo. Eu, primataé o primeiro a ser publicado no Brasil.

Nas sociedades de chimpanzés quem manda são ma-chos parrudos que chegaram ao posto de chefia à custade lutas muitas vezes sangrentas.Eles têm acesso privile-giado à comida e às fêmeas e chegam a afirmar sua do-minância em guerras e massacres contra grupos vizinhos.Já os bonobos,com sua índole “paz e amor”,talvez agra-dassem mais ao jovem Frans de Waal.Esses primatasde porte mais delicado que os chimpanzés e que mui-tas vezes caminham eretos sem a ajuda das mãos resol-vem qualquer assunto – raiva,carinho,ansiedade,tédio– com sexo ou,em momentos menos intensos,beijos tãotórridos que seriam censurados de um capítulo final denovela.Qualquer lugar e qualquer parceiro valem,ou

quase:o único tabu é sexo en-tre mães e filhos. Quem ditaas regras nos grupos de bo-nobos são as fêmeas,que,co-mo têm menos força física,precisam contar umas com asoutras e formam associaçõescoesas.Essa estrutura tornaos bonobos machos gentis epouco bélicos.Afinal,de na-da adianta dar uma de ma-

chão se é a posição social de sua mãe que determinacomo será tratado pelos companheiros de grupo.

O texto é recheado de histórias que mostram quecomportamentos corriqueiros no dia-a-dia de qualquerpessoa têm uma semelhança perturbadora com o queacontece em zoológicos e centros de estudos de pri-matas.Não é à toa que multidões costumam aglome-rar-se diante de chimpanzés expostos em zoológicospara observar longamente e rir dos gestos e atitudes.Não é que chimpanzés sejam engraçados – o riso é ner-voso,nasce do reconhecimento desconcertante.

Da comparação com os dois primatas,os homens sur-gem como seres bipolares,“mais sistematicamente bru-tais do que os chimpanzés e mais empáticos do que osbonobos”.Comparar seria um exercício vazio,não fos-se um caminho para entender a própria natureza huma-na. A veia guerreira que distingue chimpanzés e huma-nos de outros animais é produto do parentesco evoluti-vo, não é coincidência.Porém Waal ressalta que isso nãonos condena à guerra:além de guerrear,somos cam-peões em manter a paz.Porque puxamos muito de nos-sos parentes mais próximos,contemplar os espelhos quechimpanzés e bonobos nos estendem é a janela para en-xergar o que há nos humanos que pode ajudar a cons-truir uma sociedade mais justa e um mundo melhor.

Mas o primatólogo teme que fiquemos restritos azoológicos para descobrir nosso eu primata.Enquan-to o mundo está povoado por cerca de 6 bilhões de pes-soas,doenças e ações humanas só deixaram na natu-reza por volta de 200 mil chimpanzés e 20 mil bonobos.“Será um descrédito para nós,humanos,se não puder-mos proteger ao menos os animais que nos são maispróximos,têm em comum conosco quase todos os ge-nes e só diferem de nós em grau”,escreve.

O primata bipolar

Eu, primata – Por que somoscomo somos

Frans de Waal

Companhia das Letras

344 páginasR$ 49,00

Chimpanzé e bonobo são espelhos que refletem duas faces humanas

MARIA GUIMARÃES

98_resenha_140 25/9/07 20:17 Page 98

*Preço válido para SP, RJ, MG e PR. Demais Estados consulte o site www.folha.com.br/jazz **Critério: maior número de leitores / Fonte: Ibope Target Group Index BrY7w2 + Y8w1 (fev.2006 a jan.2007) - Leitores Recentes - todos os dias.

ASSINANTE TEM CONDIÇÕES ESPECIAIS DE PAGAMENTO: LIGUE

(11) 3224-3090 (GDE. SÃO PAULO), 0800 775 8080 (OUTRAS

LOCALIDADES) OU ACESSE WWW.FOLHA.COM.BR/JAZZ

_100_Pub_Novartis_140 25/9/07 19:19 Page 100