as políticas públicas no estado brasileiro contemporâneo

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Políticas Públicas p/ CGU Teoria e exercícios comentados Prof. Rodrigo Rennó – Aula 04 Prof. Rodrigo Rennó www.estrategiaconcursos.com.br 1 de 65 AULA 4: O Debate Contemporâneo das Políticas Públicas no Brasil Olá pessoal, tudo bem? Chegamos hoje ao final de nosso curso. Gostaria de desejar uma excelente prova a todos vocês! Na aula de hoje iremos cobrir os seguintes itens: O debate contemporâneo nas políticas públicas no Brasil: a perspectiva dos direitos, a participação social, o equilíbrio federativo e a governança democrática. Irei trabalhar com muitas questões da ESAF, mas incluirei algumas questões da FGV, da Cespe ou da FCC quando não tiver questões da ESAF do tema trabalhado, ok? Se acharem alguma questão da ESAF que não tenha trabalhado me mandem que comentarei depois. Espero que gostem da aula!

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    AULA 4: O Debate Contemporneo das Polticas

    Pblicas no Brasil

    Ol pessoal, tudo bem?

    Chegamos hoje ao final de nosso curso. Gostaria de desejar uma excelente prova a todos vocs! Na aula de hoje iremos cobrir os seguintes itens:

    O debate contemporneo nas polticas pblicas no Brasil: a perspectiva dos direitos, a participao social, o equilbrio federativo e a governana democrtica.

    Irei trabalhar com muitas questes da ESAF, mas incluirei algumas questes da FGV, da Cespe ou da FCC quando no tiver questes da ESAF do tema trabalhado, ok? Se acharem alguma questo da ESAF que no tenha trabalhado me mandem que comentarei depois.

    Espero que gostem da aula!

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    Sumrio

    As Polticas Pblicas no Estado Brasileiro Contemporneo. .................................... 3 Centralizao Decisria e Financeira na Esfera Federal ...................................... 4 Fragmentao institucional ..................................................................... 4

    Carter setorial .................................................................................. 5 Modelo de proviso estatal ..................................................................... 6 Viso do Ipea .................................................................................... 7

    Descentralizao e democracia ................................................................. 11 Participao e Controle Social. ................................................................. 13

    Accountability .............................................................................. 14 Tipos de Accountability ................................................................... 16

    Iniciativas de Participao ....................................................................... 19 Conselhos Gestores de Polticas Pblicas ................................................... 19 Oramento Participativo ...................................................................... 22

    A Evoluo dos Direitos ........................................................................ 30 A Tipologia de Marshall ...................................................................... 30 Classificao de Bobbio ...................................................................... 34

    O equilbrio federativo e a governana democrtica ........................................... 38 Coordenao Federativa ...................................................................... 38 Federalismo Brasileiro ........................................................................ 40 Governana e Governana Democrtica ..................................................... 46

    Lista de Questes Trabalhadas na Aula. ........................................................ 55 Gabarito .......................................................................................... 63 Bibliografia ...................................................................................... 63

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    As Polticas Pblicas no Estado Brasileiro Contemporneo.

    Os ltimos trinta anos foram de muito debate sobre o papel do Estado na sociedade sobre quais tipos de polticas pblicas deveriam existir e como deveriam funcionar.

    Desde a dcada de 80, em que existia um pessimismo quanto ao papel do Estado, at os anos recentes (em que o papel do Estado tem sido visto com maior credibilidade na sua capacidade de mudar a realidade social), as dinmicas que determinam o funcionamento do relacionamento entre o Estado e a sociedade tm mudado.

    Nos anos 80, as polticas pblicas estavam impactadas por um governo autoritrio com pouca legitimidade na sociedade e uma crise econmica e fiscal de grandes propores.

    Cinco elementos caracterizaram esta poca, de acordo com Farah1:

    Figura 1 - Elementos das Polticas Pblicas no Estado Brasileiro

    1 (Farah, 2001)

    Centralizao

    Decisria

    Fragmentao

    Institucional

    Carter

    Setorial

    Excluso da

    Sociedade

    Civil

    Modelo de

    Proviso

    Estatal

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    Centralizao Decisria e Financeira na Esfera Federal

    At a dcada de 80 do sculo passado, o governo federal comandava uma proporo exagerada dos recursos e centralizava diversas decises em relao s polticas pblicas no Brasil2.

    O papel dos estados brasileiros era, ento, subsidirio e residual, tendo uma atuao mais voltada para a execuo e implementao das polticas. Naturalmente, este processo foi uma consequncia de anos e anos de governos autoritrios comandando a poltica nacional.

    A centralizao seria ento um processo que iria em convergncia com a lgica de governos autoritrios, que buscavam imprimir nas polticas pblicas sua viso de mundo e no tinham, dentro de seus principais quadros, o costume de tomar decises de modo participativo.

    Entretanto, os estados no tinham um espao de manobra irrisrio. Como estavam mais prximos da realidade que deveriam alterar, ou seja, mais prximos dos cidados, poderiam avaliar se a poltica pblica estava ou no sendo eficiente e, de certo modo, impactar a poltica pblica no momento da execuo.

    Assim, os governos centrais entenderam, com o tempo, que a participao dos estados era fundamental para que as polticas pblicas tivessem sucesso. O agenciamento de recursos federais pelos governos estaduais acabou sendo um espao de troca de favores entre os governantes centrais e regionais e facilitou a construo de uma rede de apoio regional ao governo central, que veremos no clientelismo.

    Fragmentao institucional

    Outro aspecto das polticas pblicas brasileiras era a fragmentao institucional, ou seja, a existncia de diversas instituies e atores desenvolvendo polticas sem uma coordenao adequada dos diversos esforos.

    Desse modo, as estruturas das polticas pblicas foram desenvolvidas sem um planejamento e uma coordenao. rgos eram criados sem ter a devida preocupao em observar que outros rgos j existiam e tinham o mesmo objetivo.

    Instituies voltadas para reas como: sade, educao e habitao, etc. foram criados sem uma preocupao em uma atuao consistente e coerente do Estado e sem uma atuao efetiva e eficiente.

    2 (Farah, 2001)

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    Com isso, esforos foram sobrepostos e algumas reas no receberam a ateno devida. Ao invs de juntar esforos destes rgos isolados e coordenar os trabalhos, existiu uma briga predatria por recursos e influncia.

    De acordo com Farah3,

    O crescimento do aparato estatal se deu de forma desordenada, por sobreposio de novas agncias a agncias pr-existentes, sem que se estabelecesse coordenao da ao dos diversos rgos. Esta desarticulao ocorria tanto no mbito de um mesmo nvel de governo, como entre diferentes esferas de governo. Tal desenho institucional dificultava a tarefa de coordenao, com implicaes para a eficincia e a efetividade das polticas pblicas

    Portanto, algumas instituies receberam recursos e outras ficavam desestruturadas, perdendo a sua capacidade de atuao. No existia um trabalho harmnico e estruturado.

    Carter setorial

    At pelo problema citado anteriormente, de fragmentao institucional, as polticas pblicas ficaram reduzidas a algumas reas consideradas prioritrias.

    O processo de setorializao incluiu a criao de agncias especializadas em uma rea determinada, como: educao, sade, transportes, habitao, etc.

    Com isso, perdeu-se uma articulao entre as polticas. Cada rgo e instituio acabava operando apenas em um aspecto da realidade, sem existir uma coordenao entre diferentes fatores dos problemas sociais.

    Naturalmente, uma criana que cursa uma escola pblica tambm deve ser atendida por um rgo da sade, bem como deve ter uma moradia decente, etc.

    Desse modo, os rgos deveriam entender que estavam atendendo aos mesmos cidados e que o trabalho deveria ser feito de forma coordenada e sistmica, de modo que as polticas tivessem uma maior efetividade. De acordo com Farah4,

    3 (Farah, 2001) 4 (Farah, 2001)

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    Se, por um lado, a constituio destas estruturas resultou do reconhecimento da crescente complexidade da problemtica social no pas, a exigir respostas que considerassem a singularidade dos desafios de cada uma das reas sociais, de outro, esta especializao acabou se traduzindo em autonomia, cada poltica social e cada setor de servio pblico sendo concebidos de forma independente dos demais, sem uma articulao entre as aes das diferentes reas.

    Imagine que uma agncia possibilitou, atravs de uma poltica pblica, a construo de um conjunto habitacional em uma regio. Para que este conjunto habitacional seja um bom lugar para se morar, necessrio que tenha escolas prximas, um meio de transporte seguro e eficiente, policiamento adequado, oferecimento de espaos de lazer e cultura, entre outros aspectos, no mesmo?

    Com a setorializao, isto quase nunca ocorreu na prtica. Escolas eram construdas sem preocupao com o acesso da populao. Escolas recebiam alunos com graves problemas de sade ou que tinham de caminhar mais de uma hora por falta de transporte.

    Todos estes problemas diminuram a efetividade dos esforos e fizeram com que algumas iniciativas fossem descontinuadas.

    Portanto, as agncias ficaram descoordenadas e no tinham uma noo de que o problema social deve ter uma abordagem sistmica. Com o carter setorial dessas instituies, geraram-se desperdcios e ineficincia.

    Modelo de proviso estatal

    Outra caracterstica marcante do cenrio de polticas pblicas no Brasil seu carter de proviso estatal. Em nossa histria recente, existiu uma busca pela instalao no Brasil de um Welfare state, ou Estado do Bem-estar social, de forma a diminuir o problema social.

    Entretanto, como as diferenas sociais eram enormes e no existia ainda uma estruturao da sociedade civil para lidar com estes problemas, o peso da sustentao deste modelo ficou praticamente focado no Estado, com pouca participao da sociedade civil.

    A discusso sobre quem seria responsvel por estas polticas permeou o debate poltico nacional, com diversos posicionamentos conflitantes (desde quem imaginasse que o Estado deveria bancar sozinho

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    essas polticas, at grupos que acreditavam que sem a participao da sociedade civil, o Estado no conseguiria tocar estas polticas).

    O prprio Banco Mundial chegou a alertar a impossibilidade de que pases em desenvolvimento pudessem rapidamente montar um estado de bem-estar social, pois no existiriam recursos disponveis para isto. De acordo com este banco, a escassez de recursos poderia levar o sistema ao colapso5.

    Com isso, aos poucos, a sociedade civil foi sendo solicitada a participar mais da formulao e da implementao das polticas pblicas.

    Viso do Ipea

    J para o Ipea, o cenrio das polticas pblicas de carter social foi marcado pelas seguintes caractersticas ou elementos: universalizao, descentralizao, participao da sociedade, focalizao ou seletividade das aes, regulamentao e regulao, adoo de medidas que visam a elevar a eficincia e a eficcia do aparelho governamental, e progressiva elevao do gasto social federal.

    A universalizao das aes tem sido um dos objetivos do Estado brasileiro desde a Constituio Federal de 1988. Naturalmente, os servios e polticas pblicas ainda no so universais, ou seja, atendem a todos os cidados, mas a trajetria tem tido uma convergncia para este resultado.

    Atravs de diversos sistemas, como o caso do SUS, o Estado brasileiro tem conseguido atingir aos mais carentes e direcionar as aes governamentais para os que so mais necessitados. De acordo com o Ipea6,

    Em que pese o fato de o sistema de proteo social brasileiro ainda estar distante de um padro redistributivo e equitativo, a universalidade das polticas de sade, de assistncia, de previdncia e de educao tem sido objeto de inmeros avanos nos ltimos anos.

    Dentre as polticas importantes nesta rea, podemos citar o Programa de Sade da Famlia PSF que tem alterado o modo de atendimento de sade populao e a LOAS - Lei Orgnica da Assistncia Social.

    5 (Farah, 2001) 6 (IPEA, 2002)

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    Outro elemento importante foi o da descentralizao das aes governamentais da Unio para os estados, municpios e entidades no governamentais - ONGs.

    Pouco a pouco, o governo central foi percebendo que os entes subnacionais conseguiam executar melhor as polticas pblicas. Com isso, polticas na rea de sade e educao, dentre outras, tm sado da mo do governo federal para os atores que esto mais prximos da populao.

    O caso da educao emblemtico. Atualmente, a Unio tem diversos programas em que ela efetua repasses de recursos diretamente para as escolas ou associaes. De acordo com o Ipea7,

    Ainda na rea de educao, o processo de descentralizao progrediu em importantes programas tradicionalmente executados pelo Ministrio da Educao. No Programa Nacional de Alimentao Escolar eliminou-se a figura jurdica do convnio e passou-se transferncia automtica dos recursos. No caso especfico do Dinheiro Direto na Escola, os recursos so repassados diretamente para uma organizao no governamental, a exemplo de associaes de pais e mestres ou de instituio equivalente.

    Para que a descentralizao funcione, outro elemento deve existir: a participao da sociedade na formulao, na implementao e no controle das polticas pblicas. Isto, de acordo com o Ipea, tem-se dado dentro dos conselhos. Desse modo,

    Atualmente, a maioria absoluta das polticas sociais est atrelada a conselhos que, em geral, desdobram-se nas trs esferas de governo federal, estadual e municipal e contam com integrantes governamentais e no governamentais. As composies e as competncias variam de conselho para conselho; alguns, por exemplo, so paritrios, e outros no o so; alguns so deliberativos, e outros, apenas consultivos. Ademais, em alguns setores, como o da sade e o da assistncia, so as conferncias nacionais integradas por representantes do governo e da sociedade que legalmente definem os rumos das respectivas polticas. Porm, h o reconhecimento de que esses instrumentos, que visam partilha das

    7 (IPEA, 2002)

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    decises e da gesto das polticas sociais entre Estado e sociedade, ainda necessitem de ser aprimorados.

    Assim, alguns conselhos so apenas consultivos, ou seja, suas determinaes no limitam a atuao do poder pblico, apenas servem de balizamento. J alguns conselhos so deliberativos e tm o poder real de deciso sobre a poltica pblica.

    Alm disso, o Ipea considera que as polticas pblicas tm se tornado mais focalizadas ou seletivas. A focalizao ocorre quando uma poltica consegue atuar somente ou principalmente em relao ao seu pblico alvo.

    Dessa maneira, o Estado acaba sendo mais eficiente e mais efetivo, pois os recursos so utilizados diretamente com a populao que realmente necessita dos servios pblicos e est mais carente. De acordo com o Instituto8,

    No que se refere focalizao ou seletividade das aes, observa-se um esforo em dar prioridade a grupos social e biologicamente vulnerveis no mbito das polticas sociais. Trata-se de um caminho para a universalizao do atendimento, que, assim, configura-se em uma prtica cujo objetivo beneficiar a todos e mais a quem tem menos.

    Esta trajetria tem sido um dos fatores que favoreceram e possibilitaram o sucesso das polticas de combate pobreza extrema, como o Bolsa Famlia.

    Outro fator foi a mudana no padro de regulao e regulamentao de bens e servios pblicos. A criao de diversas agncias reguladoras, como no caso da Sade (ANS e Anvisa).

    Essas reas passaram a enfrentar um controle muito maior por parte do Estado e regras mais rgidas e abrangentes de atuao tm sido aplicadas.

    Dentro dos exemplos de benefcios que este processo trouxe para a populao que podem ser citados, existem: a definio de maior abrangncia da cobertura dos planos de sade, um controle sanitrio mais rgido e a abertura do mercado farmacutico, que ocorreu com os chamados genricos.

    A trajetria das polticas pblicas tambm aponta para uma melhora do seu gerenciamento, com maior eficincia e eficcia. De

    8 (IPEA, 2002)

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    acordo com o Ipea, a qualidade dos servios pblicos tem melhorado e os recursos pblicos tm sido melhor despendidos.

    Dentro das aes e medidas que tm sido importantes para que este cenrio ocorra, o instituto cita9:

    (i) a contratao de gestores via concurso pblico e o treinamento regular dos servidores; (ii) o aperfeioamento dos sistemas de informao e uma maior divulgao deles, com o uso dos meios propiciados pela informtica e pela internet, entre outros; (iii) a mensurao dos resultados para que se conhea melhor o alcance das polticas.

    Finalmente, cabe ressaltar a progressiva elevao do gasto social federal. Desde os anos 90, o gasto com programas sociais tem aumentado em relao ao PIB nacional.

    Desse modo, no s as polticas foram mais focalizadas nas comunidades e grupos-alvo especficos, mas o montante de recursos destinado a estes programas foi sendo majorado. De acordo com o Ipea10,

    A prioridade conferida a rea social tambm revelada pelo incremento do gasto social federal per capita, que aumentou 37,4% no perodo estudado. Com efeito, em 1993 o gasto mdio, por habitante, do sistema de proteo social brasileiro, era de R$ 618,2; esse valor subiu para R$ 849,5 em 1999. As comparaes com o PIB apontam na mesma direo: em 1993, a proporo do gasto em relao produo nacional era de 12,0%, passando, em 1999, para 13,2%. Em outras palavras, o crescimento do Estado social brasileiro foi relativamente maior que o do PIB nesses seis anos.

    Portanto, podemos ver abaixo no grfico os principais elementos das polticas pblicas nacionais ultimamente:

    9 (IPEA, 2002) 10 (IPEA, 2002)

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    Figura 2 - Elementos das Polticas Pblicas no Brasil. Fonte: Ipea

    Descentralizao e democracia

    Aps vinte anos de governo militar autoritrio e centralizador, existia uma grande demanda por uma maior descentralizao poltica e uma gesto pblica mais transparente e democrtica.

    Este movimento ir mostrar sua cara na Assembleia Constituinte. A nova Constituio Federal acabou transferindo poder da Unio para os estados e municpios.

    Com a redemocratizao, muitos dos problemas derivados de qualquer processo democrtico insipiente comearam a aparecer. Alm disso, o colapso da economia na dcada de 80 s fez aumentar as crticas, justas e injustas, sobre a capacidade do Estado de responder aos desafios da sociedade brasileira.

    A Constituio Federal de 1988 s aumentou os desafios deste Estado, pois forneceu diversos novos direitos (sem especificar como seriam custeados) e distribuiu competncias aos entes subnacionais, dificultando a coordenao das polticas pblicas entre a Unio e estes entes.

    Um aspecto importante foi a descentralizao, que, a princpio, aproxima os recursos e as competncias dos problemas concretos. A ideia

    Elementos

    das

    Polticas

    Pblicas

    Universalizao

    Descentralizao

    Participao da

    Sociedade

    Focalizao ou

    seletividade

    Regulamentao

    e regulao

    Elevao da

    eficincia e a

    eficcia

    Aumento do

    gasto social

    federal

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    era de que quanto mais prximo dos problemas estivesse o Estado, melhor.

    Entretanto, muitos dos municpios no tinham nenhuma estrutura e capacidade tcnica e gerencial para gerir as polticas pblicas. Alm disso, existia (e ainda existe) uma desigualdade muito grande entre as capacidades das cidades grandes e das pequenas cidades (que muitas vezes so as mais carentes). Portanto, a prpria descentralizao veio com seus pontos positivos e negativos.

    O cenrio ps Constituio Federal foi de grande dificuldade na gesto do Estado, pois a crise econmica dificultava o planejamento e a falta de recursos e de coordenao entre os entes prejudicava a gesto das polticas pblicas que poderiam reduzir este impacto.

    Com isso, comea a aparecer um discurso anti-Estado, que o culpava pelo estado das coisas e postulava uma retrao tanto da interveno deste na economia quanto das polticas pblicas sociais. Foi o que se chamou de neoliberalismo, a busca pelo Estado-mnimo.

    De acordo com Farah11,

    A ocorrncia de prticas de cunho clientelista e marcadas pela corrupo aps a democratizao dos anos 80 e a maior visibilidade destes fenmenos, decorrente da prpria democratizao, articularam-se onda minimalista de corte neoliberal que prope a reduo radical do Estado, contaminando a viso que os cidados tm da ao governamental e da administrao pblica em todas as esferas de governo.

    Esta viso de mundo postulava que grande parte dos problemas da sociedade se dava pelo excesso de Estado. Com isso, pedia um reposicionamento da interveno do Estado.

    Dentre as mudanas ocorridas na dcada de 90, uma das principais foi o processo de privatizao de empresas estatais e a criao de agncias reguladoras, de modo que o Estado trocasse sua posio de executor para uma posio de regulador da atividade econmica.

    Outro aspecto importante foi a da publicizao, com a descentralizao das aes em direo a atores no estatais, como as Organizaes Sociais e as Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico OSCIPs. A ideia era a de que estas organizaes poderiam ser mais eficientes do que a mquina estatal no fornecimento de servios populao.

    11 (Farah, 2001)

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    Alm disso, passa a existir uma ideia de focalizao dos gastos do governo. Ou seja, de que em um contexto de escassez, deveriam existir prioridades. Assim, se no existem recursos para garantir todos os direitos previstos na Constituio, dever-se-iam buscar atingir, prioritariamente, a populao mais carente.

    Outra preocupao a descontinuidade das polticas pblicas. Com a transferncia de poder de FHC para Lula em 2003, e a manuteno de vrias iniciativas e polticas do governo anterior, passou a existir uma preocupao maior com a continuidade e as consistncias das polticas pblicas.

    Sem essa continuidade, muitas polticas no conseguem se consolidar e mostrar resultados, pois dependem de um prazo maior do que os mandatos eleitorais de quatro anos para funcionar. Infelizmente, apesar de progressos recentes nesta rea, ainda existe muita descontinuidade na poltica brasileira.

    Participao e Controle Social.

    Com a passagem de um contexto de crise econmica e fiscal nos anos 90 para um contexto econmico mundial de crescimento econmico, o Brasil foi muito favorecido. O governo Lula ento escolheu fortalecer as polticas sociais.

    Uma das preocupaes centrais foi com a equidade das polticas, ou seja, o tratamento desigual aos desiguais. Aqui cabe diferenciar a igualdade tratar a todos da mesma forma da equidade, que demanda um tratamento especial para com os mais necessitados.

    Outra alterao do padro das polticas pblicas no Brasil ocorreu em considerao articulao federativa. Como as competncias so compartilhadas entre os entes federativos em diversas reas de polticas pblicas, passou a existir uma coordenao de esforos maior e um entendimento de que este relacionamento e a troca de conhecimentos e recursos so fundamentais para o sucesso de vrias polticas.

    Somado a esta dinmica, passou a ser reconhecida a necessidade de dar maior transparncia das aes governamentais e melhorar a accountability dos agentes pblicos em relao sociedade.

    A noo de prestao de contas no se limita aos recursos gastos e contabilizao correta. Esta noo engloba o porqu das decises, as justificativas das racionalidades das escolhas pblicas, de modo que a sociedade possa entender e avaliar as decises e polticas pblicas.

    Com essa transparncia e maior accountability, o controle social das polticas pblicas passa a ser mais efetivo, com a devida participao dos

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    cidados nas decises e na formulao de diversos programas estatais. Vamos ver melhor estes conceitos?

    Accountability

    O termo accountability deriva da noo, antiga no mundo anglo-saxo, de que os representantes do Estado devem prestar contas sociedade de seus atos. Portanto, podemos ligar este conceito capacidade dos governantes e agentes pblicos de prestar contas de seus atos na gesto da coisa pblica aos governados.

    De acordo com Campos12, nas sociedades democrticas mais modernas, aceita-se como natural e espera-se que os governos e o servio pblico sejam responsveis perante os cidados. Alm disso, acredita-se nestes pases que a prpria accountability fora uma evoluo das prticas administrativas, pois com mais informao e participao, a populao passa a exigir melhores resultados.

    Para a supracitada autora, o prprio conceito de accountability no era conhecido no Brasil at pouco tempo, pois no havia esta noo de que o agente pblico teria a obrigao de prestar contas e de que os recursos pblicos tinham, sim, dono - a coletividade.

    Desta forma, os mecanismos burocrticos de controle no supriam esta necessidade e no existia na cultura do setor pblico esta noo de prestao de contas populao. Entretanto, como os recursos pblicos so da sociedade, torna-se fundamental a obrigao dos agentes que cuidam destes recursos de responder por eles13.

    Portanto, o agente que recebeu o poder de administrar a coisa pblica deve prestar contas sociedade, que delegou este poder. De acordo com Paludo, nas experincias de accountability, quase sempre esto presentes trs dimenses: informao, justificao e punio.

    Para Mosher14, a accountability sinnima de responsabilidade objetiva ou obrigao em responder por algo. Desta forma, o autor diferencia a responsabilidade objetiva (que vem de fora, sendo imposta), da responsabilidade subjetiva (que vem de dentro do sujeito).

    Assim, se o agente pblico no se sente na obrigao de prestar contas, deveria existir algum mecanismo que o obrigue! Deve existir a noo de que a prestao de contas no um favor, mas um dever do agente pblico.

    12 (Campos, 1990) 13 (Paludo, 2010) 14 (Mosher) apud (Campos, 1990)

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    Este fator ainda mais importante no caso da burocracia. Estes agentes pblicos, ao contrrio dos polticos (que devem ser eleitos a cada eleio), no so submetidos a uma avaliao da sociedade. Desta forma, devem existir mecanismos que busquem evitar que estes servidores pblicos abusem de sua autoridade ou faam uma m gesto dos recursos pblicos.

    Alm disso, a accountability um elemento fundamental para o grau de governana democrtica15. Afinal, se no temos nenhum controle sobre as aes e decises do Estado, como podemos exercer a nossa cidadania em sua plenitude?

    Se no estamos informados dos fatos que ocorrem no governo, das decises e motivos dos governantes, no teremos como exigir melhoras prticas e governantes, no mesmo?

    Um conceito importante para que possamos entender a accountability o de responsividade, ou seja, de uma percepo ou conexo mais prxima entre os representantes (polticos e agentes pblicos) e seus representados (cidados).

    A responsividade estaria ento ligada a uma busca em implementar as polticas pblicas que sejam do interesse real dos cidados e agir dentro de sua vontade geral. Muitas vezes vemos governantes que no esto nem ai para a opinio pblica, s preocupando-se com seus eleitores no momento da eleio. A Accountability englobaria ento uma responsividade aos eleitores.

    Outro aspecto importante seria o da responsabilizao. Esta se relaciona com a cobrana por resultados das aes governamentais. Como est gerindo um recurso que coletivo, este agente pblico deve se responsabilizar em no s seguir a lei, mas tambm agir com eficincia e eficcia.

    De acordo com de Arajo:

    o grau de governana democrtica de um Estado depende, diretamente, do quantum de accountability existente na sociedade, assim como da natureza e abrangncia do controle pblico sobre a ao governamental, visto que o princpio da soberania popular, alma da democracia, pressupe no apenas o governo do povo e para o povo, mas tambm pelo povo

    Portanto, o conceito de accountability engloba trs elementos principais. A responsividade, a responsabilizao pelos atos e resultados

    15 (de Arajo, 2010)

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    insatisfatrios e a obrigao em prestar contas dos seus atos na gesto dos recursos pblicos.

    Tipos de Accountability

    O conceito de accountability pode ser dividido em trs tipos: horizontal, vertical e societal16.

    A accountability horizontal relacionada com o controle e prestao de contas que ocorre quando um poder ou rgo fiscaliza o outro. Ou seja, o accountability horizontal ocorre quando existe uma ao entre entidades no mesmo plano.

    Pense neste termo horizontal passa uma ideia de que as pessoas ou entidades so do mesmo nvel, no mesmo?

    Portanto, este tipo de controle funciona dentro do equilbrio que deve existir entre os Poderes da Repblica e o prprio controle interno de cada rgo.

    Dentre os exemplos, podemos citar as auditorias realizadas pela Controladoria-Geral da Unio nos rgos federais (controle interno), as auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas da Unio (controle externo), dentre outras.

    J a accountability vertical refere-se ao controle que a populao exerce sobre os polticos e os governos. De acordo com ODonnell17, que criou os conceitos de accountability horizontal e vertical, a accountability

    16 (Campos, 1990) 17 (ODonnell, 1998)

    Accountability

    Obrigao de

    Prestar Contas

    Responsividade

    Responsabilizao

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    vertical relacionada com a capacidade da populao de votar e de se manifestar de forma livre:

    Por definio, nesses pases a dimenso eleitoral de accountability vertical existe. Por meio de eleies razoavelmente livres e justas, os cidados podem punir ou premiar um mandatrio votando a seu favor ou contra ele ou os candidatos que apoie na eleio seguinte. Tambm por definio, as liberdades de opinio e de associao, assim como o acesso a variadas fontes de informao, permitem articular reivindicaes e mesmo denncias de atos de autoridades pblicas. Isso possvel graas existncia de uma mdia razoavelmente livre, tambm exigida pela definio de poliarquia. Eleies, reivindicaes sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que se corra o risco de coero, e cobertura regular pela mdia ao menos das mais visveis dessa reivindicaes e de atos supostamente ilcitos de autoridades pblicas so dimenses do que chamo de "accountability vertical".

    Os principais mecanismos da accountability vertical seriam: o voto e a ao popular. Entretanto, ODonnell critica a eficcia deste tipo de controle, pois as eleies ocorrem somente de quatro em quatro anos. Desta forma, pouco a populao pode fazer neste intervalo de tempo.

    Ao contrrio da accountability horizontal, no caso do vertical, este controle no exercido por entidades do mesmo plano, do mesmo nvel, com poderes semelhantes.

    A accountability societal refere-se ao controle exercido pela sociedade civil, muitas vezes representada por ONGs, sindicatos e associaes. Estas instituies, em busca de denunciar abusos e desmandos dos agentes pblicos, exercem uma presso legtima sobre a Administrao Pblica.

    Alm disso, estas instituies buscam, com este tipo de presso e de denncia, alertar os canais normais de controle, como o Ministrio Pblico e o Tribunal de Contas da Unio, por exemplo.

    De acordo com Smulovitz e Peruzzotti18:

    um mecanismo de controle no-eleitoral, que emprega ferramentas institucionais e no institucionais (aes legais, participao em

    18 (Smulovitz e Peruzzotti, 2000) apud (Carneiro, 2006)

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    instncias de monitoramento, denncias na mdia, etc.) e que se baseia na ao de mltiplas associaes de cidados, movimentos, ou mdia, objetivando expor erros e falhas do governo, trazer novas questes para a agenda pblica ou influenciar decises polticas a serem implementadas pelos rgos pblicos.

    De acordo com Carneiro19, os Conselhos de Polticas Pblicas, em que o Estado e a sociedade participam de forma paritria, so exemplos de accountability societal, pois possibilitam a participao popular na conduo das polticas pblicas e, portanto, no funcionamento do Estado.

    De acordo com a autora:

    os conselhos apontam para uma nova forma de atuao de instrumentos de accountability societal, pela capacidade de colocar tpicos na agenda pblica, de controlar seu desenvolvimento e de monitorar processos de implementao de polticas e direitos, atravs de uma institucionalidade hbrida, composta de representantes do governo e da sociedade civil.

    Desta forma, podemos ver no grfico abaixo as trs modalidades de Accountability.

    Figura 3 - Tipos de Accountability

    19 (Carneiro, 2006)

    Accountability

    Societal

    Horizontal

    Vertical

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    Iniciativas de Participao

    Dentre as iniciativas que trouxeram uma maior participao dos cidados, temos: os Conselhos Gestores de Polticas Pblicas e o Oramento Participativo.

    De certa forma, uma tentativa de avanarmos de uma democracia representativa (em que participamos apenas nos dias de eleio de nossos representantes deputados e senadores) para uma democracia participativa (em que participamos constantemente das decises pblicas).

    Quanto mais democrtico for o processo de polticas pblicas, mais eficaz e efetiva ser a poltica, pois existe muita informao contida nas populaes locais, que podem mais facilmente dar este retorno e um direcionamento s aes do governo e facilitar o desenho destas polticas.

    Conselhos Gestores de Polticas Pblicas

    Com a promulgao da Constituio Federal de 1988 e a instituio dos Conselhos Gestores, os partidos polticos e o Poder Legislativo em geral deixaram de ter o monoplio das decises e formulaes das polticas pblicas no Brasil.

    Os Conselhos Gestores de Polticas Pblicas esto inseridos neste contexto de aprofundamento da democracia. Estes conselhos so arenas em que o poder partilhado entre o Estado e diversos grupos sociais heterogneos.

    Estes conselhos so criados por lei. Assim, apesar de, em teoria, pertencerem a uma esfera no estatal, so rgos pblicos. Em muitos casos, so criados como uma estrutura de algum ministrio ou secretaria da rea temtica que faam parte. De acordo com Teixeira20,

    Apesar de vinculados estrutura administrativa, com decises homologadas pelo chefe do poder executivo, so teoricamente autnomos, pois seu funcionamento interno regido por regras e procedimentos formulados por seus membros.

    Desta maneira, os conselhos so estruturas permanentes e institucionalizadas legalmente com regras e normas para seu funcionamento.

    20 (Teixeira, 2012)

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    Assim, devem servir para o propsito de possibilitar um espao de debate e representao de diversos interesses coletivos divergentes dentro de uma poltica pblica. Portanto, deve ser um instrumento de debate e dilogo das diversas propostas para o setor.

    Deste modo, um conselho do setor de sade contaria com a participao de pacientes, associaes de mdicos, indstrias farmacuticas, associaes de hospitais, etc.

    Um dos aspectos importantes a ser destacado o carter paritrio dentro destes conselhos. A participao da sociedade com o mesmo nmero de representantes do governo, em tese, fora o debate das polticas e as direciona ao encontro dos desejos da maioria da sociedade. De acordo com Raichelis21:

    Pela sua composio paritria entre representantes da sociedade civil e do governo, pela natureza deliberativa de suas funes e como mecanismo de controle social sobre as aes estatais, pode-se considerar que os Conselhos aparecem como um constructo institucional que se ope histrica tendncia clientelista, patrimonialista e autoritria do Estado brasileiro.

    Dentre as reas em que estes conselhos j atuam, podemos citar: sade, educao, atendimento as crianas e adolescentes, meio ambiente etc. Os conselhos tm ento a funo de agir de modo conjunto com o Estado na formulao e na gesto das polticas pblicas.

    De acordo com a CF/88, os conselhos so espaos pblicos com poder legal para atuar nas polticas pblicas. Devem definir suas prioridades, alocar os recursos financeiros e oramentrios, escolher os setores sociais a serem focados e avaliar a gesto da poltica.

    Para a autora, os principais elementos gerais dos conselhos seriam:

    Visibilidade social, no sentido de que as aes dos sujeitos devem expressar-se com transparncia, no apenas para os diretamente envolvidos, mas tambm para todos os implicados nas decises polticas. A visibilidade social supe publicidade e fidedignidade das informaes que orientam as deliberaes nos espaos pblicos de representao;

    Controle social, que implica o acesso aos processos que informam decises da sociedade poltica, viabilizando a participao da sociedade

    21 (Raichelis , 2000)

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    civil organizada na formulao e na reviso das regras que conduzem as negociaes e arbitragens sobre os interesses em jogo, alm da fiscalizao daquelas decises, segundo critrios pactuados;

    Representao de interesses coletivos, que envolve a constituio de sujeitos polticos ativos, que se apresentam na cena pblica a partir da qualificao de demandas coletivas, em relao s quais exercem papel de mediadores;

    Democratizao, que remete ampliao dos fruns de deciso poltica que, alargando os condutos tradicionais de representao, permita incorporar novos sujeitos sociais como portadores de direitos legtimos. Implica a dialtica entre conflito e consenso, de modo que interesses divergentes possam ser qualificados e confrontados, derivando da o embate pblico capaz de gerar adeso em torno das posies hegemnicas;

    Cultura pblica, que supe o enfrentamento do autoritarismo social e da cultura privatista de apropriao do publico pelo privado, remetendo construo de mediaes sociopolticas dos interesses a serem reconhecidos, representados e negociados na cena visvel da esfera pblica.

    Os conselhos esto, desta forma, dentro desta nova perspectiva de relaes entre o Estado e a sociedade. Muitos autores descrevem este processo como publicizao, ou seja, a insero da sociedade na esfera estatal, atravs da participao. De acordo com Teixeira22:

    Todo esse processo se insere num movimento maior de constituio de uma esfera pblica que poderia ser melhor caracterizada como esfera pblica ampliada, uma vez que uma extenso do Estado at a sociedade atravs da representao desta regida por critrios diferenciados da representao parlamentar ou mesmo sindical. Estamos entendendo esfera pblica como espao de interao entre Estado e sociedade inserido nas instituies estatais

    Portanto, os objetivos destes conselhos gestores so vrios. Como exemplo, podemos citar: a proposio de alternativas para as polticas

    22 (Teixeira, 2000) apud (Tonella, 2004)

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    pblicas, a criao de espaos de debate, o estabelecimento de mecanismos de pactuao e a construo de instrumentos de controle social das aes governamentais23.

    As principais caractersticas dos conselhos gestores, de acordo com Tonella24, so:

    Independncia dos rgos governamentais para o exerccio de suas atribuies;

    Competncia para formular uma poltica pblica, coordenar as aes e fiscalizar a execuo dessa poltica;

    Gesto de Fundos Pblicos destinados a uma poltica setorial; Composio paritria entre representantes do poder pblico e da

    sociedade.

    Os conselhos so altamente institucionalizados, ao contrrio dos oramentos participativos, que veremos a seguir. As atribuies dos conselhos gestores so definidas por regras pr-estabelecidas25.

    Oramento Participativo

    A ideia por trs de um oramento participativo OP - a de aumentar a descentralizao poltico-administrativa e tambm a participao direta da populao no processo decisrio.

    Atravs da participao no oramento participativo, a populao aponta suas prioridades na alocao dos recursos governamentais, ou seja, decide onde os recursos sero aplicados. De acordo com Costa26, O Oramento Participativo,

    um mecanismo governamental de democracia participativa que permite os cidados intervir diretamente sobre a gesto financeira, oramentria e contbil das entidades pblicas. Representa desse modo um grande avano na gesto dos recursos pblicos e no desenvolvimento social e poltico de um pas.

    23 (Raichelis , 2000) 24 (Tonella, 2004) 25 (Crtes & Gugliano, 2010) 26 (Costa, 2010)

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    Os Oramentos Participativos foram introduzidos em nosso sistema poltico atravs das experincias dos municpios de Porto Alegre (1989) e Belo Horizonte (1993).

    Estas experincias depois foram disseminadas por todo o pas, inclusive para o mbito estadual27. Assim sendo, estas experincias tm sido muito mais frequentes no mbito local (estados e, principalmente municpios).

    O OP pode ser caracterizado como uma forma de balancear a articulao entre a democracia representativa e a democracia participativa. De acordo com Avritzer e Navarro28, o Oramento Participativo tem os seguintes elementos:

    i) cesso de soberania por quem detm o poder local;

    ii) reintroduo de elementos de participao local;

    iii) autorregulao soberana, a partir da definio de regras e procedimentos pelos participantes do OP e,

    iv) reverso das prioridades de recursos pblicos locais em prol das populaes mais carentes.

    Assim, o OP serve como uma instncia onde a prpria comunidade definir, diretamente, as prioridades locais. , portanto, um exerccio de democracia direta. Para isso, o OP deve ter um carter mais deliberativo do que consultivo. Ou seja, suas decises devem efetivamente decidir o destino dos recursos. De acordo com Costa29,

    o Oramento Pblico no deve ser encarado como um instrumento puramente tcnico de gesto econmica, mas sim como um instrumento de planejamento com imenso contedo poltico e social cuja funo cuidar dos recursos pblicos e investi-los de forma a atender as necessidades do municpio e prioridades demandadas pela populao.

    Como a Constituio Federal de 1988 definiu a elaborao das propostas oramentrias como uma competncia exclusiva do Poder Executivo, todos os processos relacionados com os oramentos participativos devem partir da iniciativa deste poder.

    27 (Crtes & Gugliano, 2010) 28 (Avritzer e Navarro, 2003) apud (Costa, 2010) 29 (Costa, 2008) apud (Costa, 2010)

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    Deste modo, estes instrumentos dependem da vontade poltica dos ocupantes do Poder Executivo para que possam funcionar de maneira efetiva. Este um limitador continuidade e estabilidade destes instrumentos de participao.

    Ou seja, um dos problemas associados ao oramento participativo a dependncia deste do Estado para que exista tanto uma infraestrutura quanto regras necessrias para seu funcionamento.

    Em relao participao popular, esta deveria ser aberta a todos os eleitores de cada regio. Entretanto, a participao tem ocorrido de modo mais acentuado nas regies mais carentes das cidades.

    Normalmente, as decises acerca dos recursos do oramento participativo se concentram nas despesas de capital, ou seja, nas pequenas obras e investimentos do Estado em setores especficos demandados pela maioria da sociedade (como a construo de caladas, a ampliao de escolas etc.).

    Em geral, existem duas instncias de participao da sociedade no oramento participativo. Na primeira fase, em que a discusso feita no mbito local, ocorre a participao a participao direta da populao em cada bairro ou regio. Estes indivduos escolhem os projetos ou reas que, imaginam, so mais necessrios em seu local ou regio.

    Aps este momento, so escolhidos representantes de cada bairro ou regio (os delegados) para uma segunda etapa de discusses. Neste segundo momento, o oramento ser consolidado e os recursos e projetos sero definidos e enviados para o Poder Executivo.

    Figura 4 - OP Deliberativo e Consultivo

    Alguns autores classificam o Oramento Participativo em dois tipos: OP Stricto Sensu e OP Lato Sensu. A diferena principal seria o carter

    As decises tomadas pela

    sociedade so acatadas pelo

    Poder Executivo

    OP

    Deliberativo

    As escolhas da sociedade

    servem apenas de indicativo

    para o Poder Executivo

    OP

    Consultivo

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    deliberativo do primeiro ou consultivo do segundo. De acordo com Avritzer e Navarro30,

    existem duas formas de Oramento Participativo, ambas diretamente relacionadas com a elaborao do Oramento Municipal: OP Stricto Sensu e OP Lato Sensu. O primeiro aquele em que o processo de elaborao da proposta oramentria discutido entre o governo e a populao, e que esta tem poder deliberativo sobre os tpicos definidos, ou seja, a voz e o voto dos representantes populares tm peso nas decises oramentrias, mesmo que no alcancem o oramento como um todo. J o OP Lato Sensu so todas as formas de participao que no necessariamente conduzem a deliberaes aceitas pelo poder pblico.

    Assim, o Oramento Participativo nem sempre define efetivamente o destino dos recursos pblicos. De qualquer forma, a participao da populao, mesmo no modelo consultivo, sempre um indicativo poltico das preferncias da comunidade e deve ser levado em considerao pelo poder pblico.

    Vamos ver algumas questes agora?

    1 - (ESAF MPOG EPPGG - 2005) Indique a opo que completa corretamente a frase a seguir: O oramento participativo, como todas as demais formas democrticas de participao, deve evitar determinados riscos e desvios. Para que ele no seja uma mera consulta, agregao de preferncias dadas ou levantamento de problemas, essencial a preservao e ampliao de seu carter _______________________.

    a) reivindicativo

    b) regulativo

    c) educativo

    d) representativo

    e) deliberativo

    O Oramento Participativo deve, alm de apontar as preferncias da populao, definir o destino dos recursos do Estado. Ou seja, o resultado da definio das verbas alocadas pelo OP deve partir da participao popular.

    30 (Avritzer e Navarro, 2003) apud (Costa, 2010)

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    Isto o carter deliberativo o que for definido pelo OP ser a palavra final. Entretanto, como pela CF/88 a proposta oramentria deve partir do Poder Executivo, isto ainda no pode ser feito de forma automtico. Assim, o governo deve tomar a deciso poltica de ceder poder para a participao popular. O gabarito a letra E.

    2 - (ESAF MPOG APO - 2005) O oramento participativo um importante instrumento de participao do cidado na gesto pblica. A respeito desse instrumento, indique a opo correta.

    a) O processo de Oramento Participativo gera decises pblicas, pois permite que os governantes exeram, direta e concretamente, a luta por seus interesses, combinando a sua deciso individual com a participao coletiva.

    b) O processo de Oramento Participativo permite a democratizao da relao entre a Unio, Estados e Municpios, j que os gestores pblicos deixam de ser simples coadjuvantes da poltica tradicional para serem protagonistas ativos da gesto pblica.

    c) O processo de Oramento Participativo contribui para a criao de uma esfera pblica, estatal, em que os governantes consolidam tanto processos de co-gesto pblica quanto mecanismos de controle social sobre o Estado.

    d) O processo de Oramento Participativo tem a necessidade de um contnuo ajuste crtico, baseado em um princpio de auto-regulao, com o intuito de aperfeioar os seus contedos democrticos e de planejamento, e assegurar a sua no-estagnao.

    e) O processo de Oramento Participativo aperfeioado pela acumulao de experincias oramentrias, onde o que era apenas requerimento, demanda ou necessidade, muda de qualidade mediante o processo eleitoral, adquirindo natureza poltica.

    A letra A est incorreta, pois o OP um instrumento de participao popular nas decises pblicas. Assim, quem deve lutar por seus interesses a populao, e no seus governantes. O mesmo erro existe na letra B. o cidado que deve passar a ser protagonista, e no os gestores pblicos.

    A letra C tem uma pegadinha. O OP faz parte de uma esfera pblica no-estatal (porque conta com a participao direta da

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    populao). J a letra D est correta. De acordo com Avritzer e Navarro31, o Oramento Participativo tem os seguintes elementos:

    i) cesso de soberania por quem detm o poder local;

    ii) reintroduo de elementos de participao local;

    iii) autorregulao soberana, a partir da definio de regras e procedimentos pelos participantes do OP e,

    iv) reverso das prioridades de recursos pblicos locais em prol das populaes mais carentes.

    Portanto, o Oramento Participativo deve ser constantemente revisto e aprimorado, de acordo com as experincias anteriores e as anlises feitas pela sociedade.

    Finalmente, a letra E est errada porque o processo do OP no pode ser considerado como de carter eleitoral. O OP um processo de participao direta da sociedade, e no um processo de democracia representativa (em que so eleitos representantes para tomar as decises em nosso nome). Dessa forma, o gabarito a letra D.

    3 - (ESAF MPOG ADM - 2006) Assinale a opo correta. Por meio do oramento participativo,

    a) o governo estabelece mecanismos de auto-gesto pblica.

    b) compatibizam-se as relaes entre Unio, Estados, DF e Municpios.

    c) cria-se um processo contnuo de ajuste crtico, baseado no princpio da autoregulao.

    d) os governantes lutam pelos seus interesses individuais.

    e) o cidado atende s suas demandas por servios de qualidade.

    A autorregulao deve ser um dos elementos do Oramento Participativo, de acordo com Avritzer e Navarro32. Para estes autores, o Oramento Participativo deve ter o elemento de autorregulao soberana, a partir da definio de regras e procedimentos pelos participantes do OP.

    31 (Avritzer e Navarro, 2003) apud (Costa, 2010) 32 (Avritzer e Navarro, 2003) apud (Costa, 2010)

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    Dessa maneira, o OP necessita de uma constante reviso para que no fique defasado. As regras devem ser definidas pelos prprios cidados participantes do OP. Assim sendo, o gabarito a letra C.

    4 - (CESPE MDS ADMINISTRADOR - 2006) Uma das caractersticas recorrentes nas polticas pblicas brasileiras a descontinuidade administrativa, uma vez que inexistem concepes consolidadas de misso institucional.

    Exato. Somente nos anos recentes tem existido uma preocupao maior com a continuidade das polticas pblicas. Infelizmente, as experincias de continuidade ainda so as excees no contexto poltico brasileiro.

    Com isso, diversas polticas so redesenhadas ou modificadas sem que se possa avaliar o devido impacto destas mudanas ou que a prpria poltica possa amadurecer e mostrar resultados concretos.

    O gabarito, portanto, questo correta.

    5 - (CESPE MDS ADMINISTRADOR - 2006) Os maiores problemas das polticas pblicas brasileiras concentram-se nas polticas econmicas, visto que a maior parte das agncias reguladoras pouco moderna e seus quadros demonstram reduzida eficincia gerencial.

    Esta questo um saco de gatos e no faz nenhum sentido. Claro que a escassez de recurso um dos problemas de qualquer ao estatal e as polticas pblicas acabam sendo prejudicadas.

    A viso de curto prazo e fiscalista da equipe econmica muitas vezes dificultou a implementao das polticas pblicas. Entretanto, isto no se relaciona com as agncias reguladoras, que regulam a atividade econmica em setores especficos da economia.

    O gabarito questo errada.

    6 - (CESPE MDS ADMINISTRADOR - 2006) No processo de participao nas polticas pblicas, aes pr-ativas da sociedade civil dispensam a participao do Poder Legislativo como fiscalizador do Poder Executivo.

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    O chamado controle social, em que a sociedade controla e participa das decises e aes governamentais, no dispensa a participao do Legislativo no controle das aes do poder Executivo.

    Este controle do Legislativo importante para que possamos manter o checks and balances, ou seja, o equilbrio de foras no Estado. O gabarito questo errada.

    7 - (ESAF CGU AFC - 2004) No debate sobre as polticas sociais, alguns analistas sustentam que o Estado brasileiro tem gasto bastante com aes cujo impacto na reduo de pobreza seria mais significativo caso fossem mais focalizadas. Em consequncia, frequentemente se prope a focalizao das polticas sociais, em detrimento de polticas universais. Nos termos desse debate, indique a opo incorreta.

    a) A focalizao ou a seletividade das aes entendida como a concentrao dos esforos e dos recursos na populao mais carente, de forma a aliviar os altos custos sociais das polticas de ajuste fiscal.

    b) Originada no Consenso de Washington, a focalizao enquanto seletividade das aes vem ganhando fora em um contexto de crise do financiamento do gasto social, e no Brasil tem pautado o desenho e a implementao de vrios programas sociais.

    c) A focalizao ou seletividade das aes tambm pode ser entendida como uma estratgia para a universalizao do atendimento, tendo como objetivo final beneficiar a todos, porm, primeiramente e mais a quem tem menos.

    d) A focalizao diferencia-se da universalizao por estar associada com medidas de promoo social e de fortalecimento da cidadania, vinculando-se os benefcios das polticas sociais ao cumprimento de exigncias como frequncia escolar, vacinao infantil e outras.

    e) A universalizao parte do princpio de que preciso aumentar o gasto social, estatal e no estatal, para assegurar tanto a oferta irrestrita dos benefcios correspondentes aos direitos sociais quanto a execuo de programas especficos de combate pobreza, emergenciais e permanentes.

    Esta questo analisa vrios aspectos das polticas pblicas que foram trazidos pelo Ipea. De acordo com este instituto, dentre os principais elementos que tm ocorrido na nossa histria recente, podemos citar a focalizao e a universalizao.

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    A letra A est perfeita, pois o conceito de focalizao este mesmo descrito pela banca o de focar esforos diretamente no pblico alvo das aes governamentais. Com isso, o Estado gasta menos recursos com pessoas que no necessitam daquela assistncia especfica.

    A letra B tambm est certa, pois o Estado no tem recursos infinitos. Assim, deve gastar estes recursos com que realmente precisa, de modo que o financiamento destes programas e polticas seja sustentvel no longo prazo.

    A letra C tambm segue esta linha de raciocnio, pois se os recursos so mais bem gastos, sobraro mais recursos para que a universalizao dos servios ocorra.

    J a letra D no faz sentido, pois a universalizao tambm est associada com essas medidas de promoo social e de fortalecimento da cidadania (como a prestao de servios de sade e educao para todos, etc.). Por fim, a letra E est correta, pois a universalizao depende de esforos do Estado e da sociedade civil. O gabarito , portanto, a letra D.

    A Evoluo dos Direitos

    A Tipologia de Marshall

    Um conceito muito conhecido (e que j foi cobrado vrias vezes em concursos) a tipologia de T. A. Marshall. Esse autor fez uma anlise da evoluo dos direitos na Inglaterra.

    De acordo com ele, os direitos civis foram os primeiros a serem conquistados pela populao. E o que seriam estes direitos? Basicamente, seriam os direitos de ir e vir (liberdade), o direito de acesso Justia, o direito de firmar contratos, direito de livre expresso, dentre outros33.

    De acordo com Marshall34, estes direitos englobariam:

    - a liberdade pessoal, implicando na liberdade jurdica de ir e vir e no ser preso arbitrariamente, o que corresponde ao direito de livre acesso justia num patamar de atendimento Universalizado e igualitrio;

    33 (Marshall, 1967) apud (Silva, 2009) 34 (Marshall, 1967) apud (Magalhes, 2005)

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    - a liberdade de imprensa, correspondente ao direito de livre manifestao oral e escrita;

    - a liberdade religiosa, correspondente ao direito de culto;

    - a liberdade econmica, baseada na capacidade de dispor de seus bens e celebrar contratos, correspondente ao direito de propriedade privada.

    Este movimento ocorreu, na Inglaterra, em torno do sculo dezoito, com a reduo do poder absoluto do Estado e a conquista de garantias pelos indivduos (constitucionais ou no) de que estes no seriam perseguidos por sua religio, por suas crenas, etc.

    A seguir, viriam os direitos polticos. Aps conseguir os direitos de agir livremente e expressar suas opinies, a populao buscou o direito de participar do processo poltico.

    No incio do sculo dezenove, poucos eram os cidados que participavam do processo poltico. Com a liberdade de imprensa, por exemplo, inicia-se um processo de demandas por maior participao, de uma representao mais ampliada que resulta em diversas conquistas no plano poltico.

    O cidado passou a ter direito de integrar livremente associaes e partidos polticos, de fazer propaganda eleitoral, dentre outras garantias, que permitiram uma maior participao nas decises dos governantes.

    De acordo com Marshall,

    Esses direitos polticos esto ligados formao do Estado Democrtico representativo, e implicam uma liberdade ativa, consubstanciada na participao dos cidados na determinao dos objetivos polticos do Estado. Sua afirmao ocorre com a gradual supresso dos critrios censitrios, permitindo que as pessoas de baixa renda e instruo pudessem se articular politicamente na condio de eleitores.

    Deste modo, os direitos polticos dizem respeito ao direito de votar e ser votado. Ou seja, direito de ser escolhido pela populao como seu representante (elegibilidade) e direito de escolher seus representantes.

    Este movimento de conquista dos direitos polticos j ocorreu dentro de um processo de democratizao do processo poltico. O foco foi a incluso das massas trabalhadoras no processo poltico e a concesso do direito de participar da elaborao das leis e das polticas pblicas, alm do controle dos agentes pblicos e dos governantes35.

    35 (Magalhes, 2005)

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    Finalmente, viriam os direitos sociais. O acesso aos direitos de votar e ser votado criou uma srie de demandas da populao em direo ao Estado. No final do sculo dezenove, a ideologia socialista e comunista era muito sedutora aos olhos dos trabalhadores.

    Para evitar que estes trabalhadores se revoltassem e existissem greves e revolues, os governos comearam a conceder gradualmente diversos direitos, como: direito a uma educao gratuita, direito de assistncia mdica, direitos previdencirios, etc.

    Com a conquista destes direitos sociais, o Estado se transformou. Deixou de ser um Estado Liberal para ser um Estado do Bem Estar Social. De acordo com Magalhes36, os direitos sociais so:

    - direito ao trabalho, que implica a existncia de oportunidades concretas para que o indivduo possa inserir-se produtivamente no mercado;

    - direito tutela da sade, mediante a qual a sade do indivduo passa a ser responsabilidade do Estado;

    - direito educao, implicando na liberdade de receber a instruo necessria para exercer sua cidadania e ingressar qualificadamente no mercado de trabalho, bem como desenvolver plenamente suas potencialidades intelectuais e artsticas;

    - direito assistncia social, implicando com isso liberdade da misria e da instabilidade, mediante a qual se espera que o Estado garanta o bem-estar do cidado, provendo-o de uma renda mnima e zelando pela sua satisfao pessoal e sua satisfatria insero na sociedade.

    Abaixo podemos ver um resumo desta evoluo:

    36 (Magalhes, 2005)

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    Figura 5 - Evoluo dos Direitos de Acordo com Marshall

    Entretanto, esta teoria recebeu muitas crticas. A principal era a de que estes passos foram observados na Inglaterra, mas no seria possvel fazer uma extrapolao disto para todos os pases.

    Naturalmente, cada pas viveu um contexto diferente e em certos pases a ordem dos passos foi outra. Em alguns pases em desenvolvimento, por exemplo, os direitos sociais podem aparecer antes dos direitos polticos (pases que contam com um Estado do Bem Estar Social razoavelmente desenvolvido, mas contam com sistemas polticos no democrticos).

    No caso brasileiro, a metodologia de Marshall no seria adequada. O contexto histrico brasileiro foi muito diferente do europeu. Em nosso pas, a ideologia liberal no teria tido o mesmo papel do desempenhado no Estado Ingls. De acordo com Haguette37,

    o Estado brasileiro no tem sua origem ligada luta contra um sistema feudal em decadncia, portanto a ideologia liberal, que na Europa acompanhou a emergncia da classe burguesa em sua luta contra os privilgios estamentais da aristocracia, desempenha papel bem diverso no cenrio nacional.

    37 (Haguette, 1994) apud (Magalhes, 2005)

    Direitos Civis

    Direitos Polticos

    Direitos Sociais

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    De acordo com alguns autores, os direitos polticos nascem no Brasil com a Constituio de 182438. A partir deste marco, pouco a pouco, os direitos relacionados participao poltica comeam a aparecer.

    Inicialmente, somente os homens livres e com algumas posses podiam participar da vida poltica. Com o passar do tempo, o direito de votar e ser votado foi concedido s mulheres, aos negros (e ndios) e aos analfabetos.

    Entretanto, no Brasil estes direitos polticos passaram por um pndulo (ou soluos). Perodos mais democrticos conviveram com ditaduras (como o Estado Novo de Getlio Vargas e a ditadura militar de 64-85).

    Deste modo, a grande diferena seria, no caso brasileiro, a concesso de direitos sociais (como ocorreu na ditadura de Vargas) antes dos direitos polticos39.

    De acordo com Murilo de Carvalho40,

    a lgica da seqncia descrita por Marshall foi invertida no Brasil: a pirmide dos direitos foi colocada de cabea para baixo. Aqui, primeiro vieram os direitos sociais, nos anos 1930, implantados em perodo de supresso dos direitos polticos e de reduo dos direitos civis por Getlio Vargas, um ditador que se tornou popular o que explicaria, em parte, a origem do Estado clientelista no pas. O autor verifica que a falta de liberdade poltica sempre foi compensada pelo autoritarismo do Brasil ps-1930, com o paternalismo social.

    Assim sendo, no caso brasileiro a ordem dos direitos foi invertida. Alm disso, os direitos foram concedidos, e no conquistados como no caso britnico.

    Classificao de Bobbio

    Outra classificao dos direitos a de Bobbio. Para ele, os direitos se afirmaram de acordo com quatro geraes41. A primeira gerao dos direitos seriam os relacionados com os direitos individuais.

    38 (Carvalho, 2005) apud (Silva, 2009) 39 (Silva, 2009) 40 (Carvalho, 2001) apud (Souza, 2006) 41 (Oliveira, 2007)

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    Estes teriam sido conquistados atravs da luta contra os regimes absolutistas e seriam relacionados com o direito a vida, o direito a liberdade e o direito a igualdade perante a lei.

    Alguns chamam estes direitos de negativos, pois servem para restringir o poder do Estado perante o cidado.

    J os direitos de segunda gerao seriam os direitos coletivos. Estes direitos nasceram com o choque de classes sociais e referem-se aos direitos do trabalho, de assistncia mdica, de educao, de transporte, de moradia, dentre outros.

    Estes direitos j podem ser classificados como direitos positivos, pois o Estado passaria a ter uma atuao em prol do cidado, em busca de prover condies mnimas de cidadania a todos.

    Com a evoluo da vida em sociedade, a atividade humana passou a impactar mais diretamente o nosso ecossistema. Com isso, comea a aparecer a preocupao com a nossa sobrevivncia no longo prazo. O direito ao meio ambiente seria, portanto, relacionado com a terceira gerao de direitos, por exemplo.

    O direito do consumidor, de acordo com Bobbio, estaria tambm inserido neste rol de direitos. Finalmente, o autor aponta os direitos de biotica e de bioengenharia como os direitos de quarta gerao.

    A clonagem de espcies de plantas, a reproduo humana assistida (atravs de tcnicas de seleo de genes apropriados), bem como a proteo do patrimnio gentico da terra estariam inseridas dentro desta classificao de direitos.

    Figura 6 - Classificao dos Direitos de acordo com Bobbio

    Direitos individuais (liberdade, igualdade

    perante a lei, etc.)

    Primeira

    Gerao

    Direitos Coletivos (direitos sociais) Segunda

    Gerao

    Direitos de Solidariedade ou Difusos (meio

    ambiente, direito do consumidor, etc.) Terceira Gerao

    Direitos de Manipulao Gentica

    (biotecnologia e bioengenharia)Quarta Gerao

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    Vamos ver agora algumas questes?

    8 - (ESAF MPOG EPPGG - 2009) O historiador T. A. Marshall uma referncia obrigatria quando se trata de pesquisar a evoluo dos direitos civis, polticos e sociais. Para ele, h uma sequncia cronolgica e lgica no desenvolvimento de tais direitos, com a conquista das liberdades civis levando obteno do direito de votar e ser votado e a expanso da representao poltica popular permitindo a aprovao parlamentar dos direitos sociais. Os seguintes enunciados se referem ao Brasil. Escolha a nica opo vlida.

    a) correto afirmar que a mesma sequncia ocorreu, apenas com interrupes no exerccio dos direitos polticos.

    b) correto afirmar que, a despeito das limitaes impostas aos direitos polticos, o regime militar ampliou os direitos civis e sociais.

    c) correto afirmar que a prolongada vigncia da Escravido impediu que a evoluo dos direitos seguisse a sequncia estabelecida por Marshall.

    d) correto afirmar que a grande expanso dos direitos sociais registrada no primeiro governo Vargas ocorreu em grande parte sob um regime que suprimiu direitos polticos.

    e) correto afirmar que os direitos civis, polticos e sociais foram estabelecidos simultaneamente com a promulgao da Constituio de 1988.

    A primeira frase est errada, pois a ordem ou sequencia foi alterada no Brasil (com a vinda dos direitos sociais antes dos direitos polticos). A segunda opo tambm est errada. O regime militar no ampliou os direitos civis. O direito de ir e vir, por exemplo, foi restringido. O mesmo ocorreu com a liberdade de expresso.

    A letra C tambm est errada, pois foram outros fatores que geraram essa situao (fragilidade institucional, por exemplo). J a letra D est correta e o nosso gabarito.

    Finalmente, a letra E est errada porque alguns direitos j existiam, em certa parte, antes da CF/88. Dessa maneira, no foi a nova constituio que criou estes direitos ao mesmo tempo. Portanto, o nosso gabarito mesmo a letra D.

    9 - (ESAF MPOG EPPGG - 2005) Marshall (1964) apresenta uma importante contribuio sobre as causas histricas de desenvolvimento da sociedade que culminaram no crescimento do Estado de Bem-estar. Na coluna A, esquerda, encontra-se a fase

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    histrica e na coluna B, direita, o tipo de luta social predominante:

    Solicita-se relacionar a coluna A com a coluna B e assinalar a opo que indica as relaes corretas.

    a) AIBII; AII-BI; AIII-BIII.

    b) AIBI; AII-BII; AIII-BIII.

    c) AIBI; AII-BIII; AIII-BII.

    d) AIBII; AII-BIII; AIII-BI.

    e) AIBIII; AII-BI; AIII-BII.

    De acordo com Marshall, a conquista dos direitos, nas sociedades modernas, passou por trs fases: a primeira fase foi a dos direitos civis (liberdade de ir e vir, liberdade de expresso, etc.); a segunda fase foi a dos direitos polticos (direito de votar e ser votado) e a terceira fase foi a dos direitos sociais (direito a moradia, direito a educao, direito a sade, etc.). Desse modo, o gabarito a letra C.

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    O equilbrio federativo e a governana democrtica

    Coordenao Federativa

    Muitas das polticas pblicas em um pas que adota o federalismo dependem da atuao de dois ou mais nveis de Estado (poder central e dos estados). Desta forma, estes governos (no caso do Brasil: Unio, estados e municpios) devem entender que so interdependentes e que devem compartilhar as decises e responsabilidades.

    De acordo com Abrucio42:

    No caso dos sistemas federais, em que vigora uma soberania compartilhada, constituiu-se um processo negociado e extenso de shared decision making (processo decisrio compartilhado), ou seja, de compartilhamento de decises e responsabilidades.

    Desta forma, este compartilhamento deve acontecer para que as polticas pblicas tenham sucesso. Muitas aes governamentais devem ser aplicadas no nvel local, por exemplo, mas necessitam de financiamento da Unio para que possam acontecer.

    Por outro lado, os estados e municpios devem desejar participar dos programas, ou seja, se no existir um incentivo participao destes entes regionais, estes podero no apoiar e executar a poltica pblica.

    Como estes entes so autnomos, a organizao dos programas governamentais em sistemas federativos uma tarefa mais complexa do que em um Estado unitrio43. Como sabemos, um Presidente da Repblica no tem comando sobre um Governador.

    Assim, estes governos devem atuar em conjunto. Infelizmente, nem sempre as polticas pblicas so bem coordenadas. De acordo com Pierson44:

    No federalismo, dada a diviso de poderes entre os entes, as iniciativas polticas so altamente interdependentes, mas so, de modo frequente, modestamente coordenadas.

    42 (Abrucio, 2005) 43 (Abrucio, 2005) 44 (Pierson, 1995) apud (Abrucio, 2005)

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    De acordo com o autor, todo federalismo concentra aes de cooperao e competio. Um comportamento cooperativo fundamental para que os recursos sejam mais bem geridos, para que um ente mais capacitado financeiramente possa auxiliar ao outro ou para a troca de informaes valiosas entre os entes.

    Alm disso, a cooperao um instrumento importante para diminuir certas diferenas entre as regies do pas. Podemos ver isto no caso brasileiro, em que a Unio auxilia com recursos financeiros e humanos certas regies menos favorecidas e desenvolvidas.

    J a competio federativa importante para que o poder central no consiga dominar os outros, bem como para que a inovao possa florescer. comum que diversas prticas administrativas inovadoras e polticas pblicas apaream inicialmente em entes subnacionais.

    Os prprios programas de renda mnima, to elogiados atualmente, foram introduzidos nos estados antes do governo federal (por exemplo, no governo do Distrito Federal em 1995).

    Alm disso, as diversas estratgias e modelos de gesto adotados nos diversos entes podem ser comparados pelos eleitores, criando uma competio positiva entre os gestores pblicos.

    Entretanto, a competio pode ser danosa quando se joga um ente contra os outros, em vez de lev-los cooperao e integrao. De acordo com Abrucio45, em pases com grandes diferenas scio-econmicas (como o Brasil), a competio entre os entes deve ser limitada para que as diferenas no se acentuem.

    Outro problema da competio federativa a guerra fiscal, processo em que os estados e municpios oferecem cada vez mais vantagens aos investidores para atrair projetos para suas regies.

    Este processo pode levar a um enfraquecimento financeiro de todos os entes, pois o leilo (onde cada estado oferece mais vantagens aos investidores) se torna predatrio e os governos perdem suas principais fontes de receita.

    De acordo com Arretche46, o processo de coordenao federativa pode acontecer de acordo com vrios instrumentos:

    1. Regras legais que obriguem os atores a compartilhar decises e tarefas definio das competncias no terreno das polticas pblicas, por exemplo;

    2. Existncia de fruns federativos, com a participao dos prprios entes como so os senados em geral;

    45 (Abrucio, 2005) 46 (Arretche, 2004) apud (Abrucio, 2005)

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    3. Existncia de cortes constitucionais, que possibilitem aos mesmos acionar a defesa de seus direitos;

    4. Construo de uma cultura poltica baseada no respeito mtuo e na negociao no plano intergovernamental.

    Federalismo Brasileiro

    A federao no Brasil surgiu com o governo republicano. De acordo com Giambiagi47, surgiu como uma reao ao centralismo do imprio. Em seu incio, os governos estaduais foram muito fortes na repblica.

    Foi a poca da Repblica Velha, em que a poltica do caf-com-leite comandava o pas. Neste cenrio, as oligarquias que comandavam os estados de Minas Gerais e So Paulo se alternavam no poder. Esta situao fortalecia o poder dos governadores, que detinham uma autonomia grande.

    Com a quebra do acordo entre estas oligarquias em 1930, ocorreu a revoluo militar que empossou Getlio Vargas. Este fortaleceu o governo central e retirou a autonomia dos estados. O equilbrio federativo s voltaria na Constituio Federal de 1946.

    Entretanto, em 1964, em um ambiente de grande instabilidade poltica, os militares depuseram Joo Goulart e retomaram o poder, concentrando novamente o poder no governo central. De acordo com Abrucio48:

    O interregno 1946-1964 foi o primeiro momento de maior equilbrio em nossa federao, tanto do ponto de vista da relao entre as esferas de poder como da prtica democrtica. Mas o golpe militar acabou com este padro e por cerca de 20 anos manteve um modelo unionista autoritrio, com grande centralizao poltica, administrativa e financeira.

    Quando o modelo desenvolvimentista adotado com o regime militar comeou a se esgotar, o processo de democratizao comeou a ganhar fora e a ideia da descentralizao assumiu um papel de destaque.

    Os governadores eleitos em 1982 tornaram-se cada vez mais influentes e buscaram inserir, na nova carta constitucional, este novo panorama de fortalecimento dos entes subnacionais.

    47 (Giambiagi & Alm, 2008) 48 (Abrucio, 2005)

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    De acordo com Giambiagi49:

    o processo de descentralizao no Brasil, iniciado nos anos 1980 e aprofundado com a Constituio de 1988, teve basicamente uma motivao poltica. O objetivo era o fortalecimento financeiro e poltico de estados e municpios em detrimento do governo central, visto como essencial ao movimento de redemocratizao do pas.

    Dentro deste contexto, a nova constituio inovou no nosso federalismo, inserindo, pela primeira vez, os municpios como entes federativos e transferindo receitas para estados e, principalmente, municpios.

    Esta foi uma mudana significativa, pois igualou os municpios aos estados e Unio em seus deveres e direitos. Entretanto, estes municpios, em sua grande maioria, no detinham capacidade gerencial e arrecadatria para executar as polticas pblicas.

    Alm desse ponto, estes municpios passaram a tambm disputar entre si os investimentos privados. Ao invs de utilizar seus recursos na oferta de servios populao, estes eram empregados na disputa predatria por novos investimentos em suas localidades. Este movimento foi chamado de Hobbesianismo municipal, ou seja, o vale tudo entre estas municipalidades50.

    O processo de descentralizao dependeu, portanto, das transferncias federais da Unio para os estados e municpios (atravs do FPM e do FPE). No incio dos anos 1990, os percentuais destes fundos constitucionais foram acrescidos, levando, inclusive, a um movimento de criao de inmeros municpios sem qualquer condio de se manter sem ajuda externa.

    De acordo com Abrucio51:

    Dois fenmenos destacam-se nesse novo federalismo brasileiro, desenhado na dcada de 1980 com reflexos ao longo dos anos 1990. Primeiro, o estabelecimento de um amplo processo de descentralizao, tanto em termos financeiros como polticos. Em segundo lugar, a criao de um modelo predatrio e no-cooperativo de relaes

    49 (Giambiagi & Alm, 2008) 50 (Salles, 2010) 51 (Abrucio, 2005)

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    intergovernamentais, com predomnio do componente individualista.

    Este cenrio levou a um comportamento individualista dos governadores, que utilizaram esta maior autonomia para projetos personalistas de poder. Dentre os instrumentos utilizados, temos o uso dos bancos estaduais como financiadores das aes dos prprios governos estaduais. Estes governos transformaram estes bancos, portanto, em uma mquina de fazer moeda.

    Este cenrio explosivo de irresponsabilidade dos governadores gerou diversos rombos nas contas estaduais. Por diversas vezes, a Unio foi chamada para financiar os dficits dos estados.

    E, de certa forma, com esta alternativa de ajuda, os estados sentiam-se livres para ter uma postura irresponsvel com as finanas pblicas. Os entes subnacionais tinham sempre esta porta de salvao, ou seja, de repassar suas dvidas para a Unio.

    Como o cenrio econmico estava posto como o problema nmero um do governo central, a busca pela estabilidade econmica centralizou as atenes da Unio at 1994. Entretanto, com o plano Real, a inflao se reduziu, expondo os diversos esqueletos (palavra que, resumidamente, significava problemas que estavam escondidos at ento) estaduais.

    A busca pelo socorro da Unio era sempre a soluo desejada pelos governadores nestes momentos.

    De acordo com Mendes52:

    Essa situao comeou a mudar quando o governo central percebeu que a estabilidade macroeconmica do pas dependia da imposio de uma restrio oramentria forte aos governos locais.

    Desta forma, a partir deste momento, a Unio iniciou um extenso programa de renegociao das dvidas estaduais, exigiu a privatizao de diversos bancos estaduais e modelou um novo arcabouo normativo que acabaria por gerar, entre outras medidas, a Lei de Responsabilidade Fiscal (que, apesar de valer tambm para a Unio, foi um instrumento que buscou aumentar a disciplina dos entes subnacionais).

    Alm disso, outro aspecto derivado da descentralizao foi o imenso nmero de municpios criados entre a Constituio Federal de 88 e a Emenda Constitucional n15 de 1996.

    Como a CF/88 tinha repassado aos estados a competncia de instituir os critrios legais para a criao de municpios, os estados

    52 (Mendes, 2004)

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    passaram a incentivar a criao destes de forma irresponsvel, de olho nos recursos automticos advindos do Fundo de Participao dos Municpios.

    Isto ocorria, pois cada municpio criado ganhava o direito de receber o FPM instantaneamente depois de criado. Deste modo, ocorreu uma competio predatria entre os estados neste ponto53.

    Concluindo, o modelo brasileiro de federalismo foi derivado de um processo centralizador, prprio de nossa histria. Portanto, em nossa histria, a Unio concentrou, durante diversas oportunidades, inmeros poderes e recursos.

    Entretanto, passamos por momentos de descentralizao de tempos em tempos, como os vividos na dcada de 1980, que se refletiram na CF/88.

    Portanto, ainda estamos em busca do modelo cooperativo, que previsto na CF/88, mas ainda no conseguimos pr este modelo totalmente em prtica.

    Vamos ver mais algumas questes?

    10 - (ESAF SEFAZ-SP - AUDITOR 2009) Considerado fundamental governana no setor pblico, o processo pelo qual as entidades pblicas e seus responsveis devem prestar contas dos resultados obtidos, em funo das responsabilidades que lhes foram atribudas por delegao de poder, denomina-se:

    a) Transparncia.

    b) Integridade.

    c) Equidade.

    d) Responsabilidade Fiscal.

    e) Accountability.

    Questo bem tranquila da ESAF. O conceito que se refere necessidade de prestao de contas pelos agentes pblicos exatamente a accountability. O gabarito a letra E.

    11 - (ESAF MTE - AUDITOR 2010) Assinale a opo correta.

    a) As eleies e o voto so mecanismos de accountability horizontal.

    b) Uma alta demanda social por accountability afeta, negativamente, a capacidade de governana.

    53 (Torres, 2004)

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    c) Sem legitimidade, no h como se falar em governabilidade.

    d) Instncias responsveis pela fiscalizao das prestaes de contas contribuem para o desempenho da accountability vertical.

    e) Uma boa governabilidade garante uma boa governana.

    A letra A est errada, pois as eleies so exemp