as polÍticas pÚblicas e o direito fundamental À … · o direito fundamental À boa...

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Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC 195 AS POLÍTICAS PÚBLICAS E O DIREITO FUNDAMENTAL À BOA ADMINISTRAÇÃO Juarez Freitas Resumo Em nosso modelo constitucional, as políticas públicas obrigatoriamente devem ser imple- mentadas e controladas à base de prioridades constitucionais vinculantes e do direito fundamen- tal à boa administração pública. Nessa perspectiva, as políticas serão escrutinadas, de modo inde- pendente, no intuito de que apresentem benefícios líquidos (sociais, econômicos e ambientais). Em outras palavras, não pode haver indiferença dos controles no tocante à qualidade jurídica “lato sensu” da motivação (explicitação de fundamentos fáticos e jurídicos) e dos propósitos e resulta- dos das políticas efetivamente aplicadas, especialmente se estas se revelarem, por ações ou omis- sões, causadoras de danos certos, especiais e anômalos. Palavras-chave Políticas públicas. Direito fundamental à boa administração. Discricionariedade adminis- trativa. Controle da Administração Pública. PUBLIC POLICIES AND THE FUNDAMENTAL RIGHT TO GOOD ADMIN- ISTRATITON Abstract In our constitutional model, public policies must be implemented and controlled based on binding constitutional priorities and, in this perspective, scrutinized with a purpose of present- ing net benefits (social, economic and environmental). In other words, there can be no indiffer- ence regarding the legal status of motivation (explicit factual and legal grounds) and the results of policies "broad sense", especially if they are causing damages (certain, special and anomalous). Keywords Public policies. Fundamental right to good administration. Administrative discretion. Pu- blic Administration control. Prof. Titular do Mestrado e Doutorado em Direito da PUCRS, Prof.Associado de Direito Admi- nistrativo da UFRGS, Pós-Doutorado em Direito na Universidade Estatal de Milão, Pesquisador visitante nas Universidades de Oxford e Columbia, Presidente do Instituto Brasileiro de Altos Estudos de Direito Público, membro nato do IBDA, Advogado, Parecerista.

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Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 195

AS POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS E

O DIREITO FUNDAMENTAL Agrave BOA ADMINISTRACcedilAtildeO

Juarez Freitas

Resumo

Em nosso modelo constitucional as poliacuteticas puacuteblicas obrigatoriamente devem ser imple-

mentadas e controladas agrave base de prioridades constitucionais vinculantes e do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica Nessa perspectiva as poliacuteticas seratildeo escrutinadas de modo inde-

pendente no intuito de que apresentem benefiacutecios liacutequidos (sociais econocircmicos e ambientais)

Em outras palavras natildeo pode haver indiferenccedila dos controles no tocante agrave qualidade juriacutedica ldquolato

sensurdquo da motivaccedilatildeo (explicitaccedilatildeo de fundamentos faacuteticos e juriacutedicos) e dos propoacutesitos e resulta-

dos das poliacuteticas efetivamente aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omis-

sotildees causadoras de danos certos especiais e anocircmalos

Palavras-chave

Poliacuteticas puacuteblicas Direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Discricionariedade adminis-

trativa Controle da Administraccedilatildeo Puacuteblica

PUBLIC POLICIES AND THE FUNDAMENTAL RIGHT TO GOOD ADMIN-

ISTRATITON

Abstract

In our constitutional model public policies must be implemented and controlled based

on binding constitutional priorities and in this perspective scrutinized with a purpose of present-

ing net benefits (social economic and environmental) In other words there can be no indiffer-

ence regarding the legal status of motivation (explicit factual and legal grounds) and the results

of policies broad sense especially if they are causing damages (certain special and anomalous)

Keywords

Public policies Fundamental right to good administration Administrative discretion Pu-

blic Administration control

Prof Titular do Mestrado e Doutorado em Direito da PUCRS ProfAssociado de Direito Admi-

nistrativo da UFRGS Poacutes-Doutorado em Direito na Universidade Estatal de Milatildeo Pesquisador

visitante nas Universidades de Oxford e Columbia Presidente do Instituto Brasileiro de Altos

Estudos de Direito Puacuteblico membro nato do IBDA Advogado Parecerista

196 bull v 351 janjun 2015

1 INTRODUCcedilAtildeO

Antes que seja tarde o Estado brasileiro precisa comeccedilar a incorporar

uma agenda efetivamente capaz de compatibilizar o desenvolvimento e a sus-

tentabilidade a poupanccedila domeacutestica e o investimento o culto agraves prioridades

constitucionais e o devido senso de urgecircncia mediante imparcial avaliaccedilatildeo

mensuraacutevel (preliminar e sucessiva) das poliacuteticas puacuteblicas com a meta de que

os seus benefiacutecios (diretos e indiretos) para presentes e futuras geraccedilotildees ul-

trapassem os seus custos aiacute incluiacutedas as externalidades negativas

Urge pois instaurar uma seacuterie de novos haacutebitos no bojo das relaccedilotildees

administrativas libertando-as dos viacutecios associados ao abuso patrimonialista

dos programas exclusivamente de curto prazo Trata-se de erguer um modelo

de gestatildeo alicerccedilado no controle autocircnomo (o mais possiacutevel alheio agraves pres-

sotildees partidaacuterias) de sustentabilidade e legitimidade das poliacuteticas puacuteblicas na

trilha de cobrar uma motivaccedilatildeo intertemporal consistente dos atos discricionaacute-

rios e vinculados ao oposto da ancoragem ilusoacuteria no formalismo ingecircnuo e

na liberdade irrestrita cunhada pelo decisionismo irracional do ldquopower staterdquo

autoritaacuterio1

Tudo sem prejuiacutezo de profunda reformulaccedilatildeo da teoria da responsabi-

lidade do Estado em consoacutercio com o ampliado entendimento da proporcio-

nalidade como vedaccedilatildeo simultacircnea de danos causados por demasias e omis-

sotildees Consoante a nova perspectiva natildeo remanesce espaccedilo para a discriciona-

riedade desmesurada nem para a discricionariedade omissa Em outro dizer

na tomada da decisatildeo administrativa o agente estatal ldquolato sensurdquo teraacute de

cumprir o isento dever de oferecer boas razotildees de fato e de direito jaacute na enun-

ciaccedilatildeo jaacute na implementaccedilatildeo das poliacuteticas estatais

Juridicamente a legitimidade das poliacuteticas (conformidade com a taacutebua

axioloacutegica da Constituiccedilatildeo e os seus objetivos concomitantes de justiccedila e de-

senvolvimento sustentaacutevel2) pressupotildee a observacircncia de obrigaccedilotildees resumidas

no direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo cujo conceito (levando em conta

a sua fundamentalidade3) seraacute explicitado a seguir

Pressupotildee ademais a geraccedilatildeo de ambiente institucional amigaacutevel para

os investimentos produtivos com aguda reduccedilatildeo dos entraves oriundos do

burocratismo e da quebra reiterada de confianccedila Pressupotildee sem tardar siner-

1

Cf sobre ldquopower staterdquo Alfred Zimmern in Quo vadimus Oxford Oxford University Press

1934

2 Cf para tentativa dessa compatibilizaccedilatildeo Amartya Sen in The idea of Justice Cambridge Har-

vard University Press 2009

3 Cf entre outros Xavier Groussot e Laurent Pech in ldquoFundamental Rights Protection in the

European Union post Lisbon Treatyrdquo Foundation Robert SchumanEuropean Issue 173 junho

2010 Cf Joana Mendes in ldquoGood Administration in EU Law and the European Code of Good

Administrative Behaviorrdquo EUI Working Papers LAW European University Institute 2009

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 197

gia entre as poliacuteticas e o estabelecimento pactuado de metas monitoraacuteveis ob-

jetivamente em horizonte ampliado Pressupotildee enfim o enraizamento em

alta escala dos princiacutepios de boa governanccedila4 com inovaccedilatildeo de escopo trans-

parecircncia controle participativo e apesar dos riscos tecnocraacuteticos do rigoroso

escrutiacutenio retrospectivo5 e prospectivo

Trata-se de assumir com ecircnfase ineacutedita a sindicabilidade com os olhos

fitos nos princiacutepios da boa administraccedilatildeo6assimilados como autecircnticos nortes

vinculativos em lugar do desleixo tradicional Nesse aspecto a discricionarie-

dade legiacutetima requer (ao mesmo tempo suscita) o protagonismo em rede na

afirmaccedilatildeo do desenvolvimento duradouro (CF arts 225 e 170VI) o qual natildeo

se coaduna com o mito da oposiccedilatildeo inconciliaacutevel entre os domiacutenios do econocirc-

mico e do socioambiental Apenas para ilustrar em nosso sistema a proacutepria

atividade financeira (puacuteblica e privada) estaacute proibida de ignorar os riscos am-

bientais7

Para aleacutem disso intenta-se o Estado que timbra pelo resguardo da pro-

cessualizaccedilatildeo devida com a observacircncia de duraccedilatildeo razoaacutevel8 Almeja-se o Es-

tado da racionalidade aberta natildeo-cartesiana em vez do predomiacutenio senhorial

subproduto do patrimonialismo avesso agrave ativaccedilatildeo de direitos fundamentais

de todas as dimensotildees Natildeo eacute de estranhar na linha esposada que em cir-

cunstacircncia de antinomia entre o direito agrave sauacutede e o regime de impenhorabili-

dade de bens puacuteblicos prepondere o primeiro determinando o bloqueio de

verbas puacuteblicas como meio excepcional de tutela9 Em casos assim eclipsam-

se determinadas regras em prol do primado toacutepico-sistemaacutetico dos direitos

fundamentais

4

Cf o art 41 da Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia e o Coacutedigo Europeu de Boa

Conduta Administrativa Neste entre os princiacutepios proporcionalidade ao objetivo em vista

(art6ordm) objetividade (art9ordm) prazo razoaacutevel para decisotildees (art16) e dever de indicar os motivos

(art18)

5 Cf sobre as vantagens da anaacutelise retrospectiva Cass Sunstein in ldquoThe Regulatory Lookbackrdquo

Boston University Law Review Symposium on Political Dysfunction and the Constitution 2013

6 Cf no sistema britacircnico Principles of Good Administration ldquoGood administration by public

bodies means 1 Getting it right 2 Being customer focused 3 Being open and accountable 4

Acting fairly and proportionately 5 Putting things right 6 Seeking continuous improvement

Sobre proporcionalidade em termos europeus mais amplos vTakis Tridimas in The General

Principles of EC Law 2a edNY Oxford University Press 2006 pp136-249

7 Cf para ilustrar Resoluccedilatildeo 4327 de 25 de abril de 2014 do Bacen

8 A propoacutesito v o julgamento da AMS 20067200003920-0 no TRF-4

a Regiatildeo no qual foi reco-

nhecida a nulidade de auto de infraccedilatildeo entre outras razotildees porque o oacutergatildeo ambiental natildeo ha-

via concluiacutedo o processo administrativo violando o direito agrave razoaacutevel duraccedilatildeo

9 Cf por exemplo REsp 840782-RS rel Min Teori Albino Zavascki

198 bull v 351 janjun 2015

2 POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS E O DIREITO FUNDAMENTAL Agrave BOA ADMINISTRACcedilAtildeO

PUacuteBLICA

O Estado Constitucional em sua presumiacutevel afirmaccedilatildeo da cidadania

(natildeo necessariamente de modo linear)10

possui o compromisso indeclinaacutevel

de prover o acesso ao direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica com-

preendido nesses termos trata-se do direito fundamental agrave administraccedilatildeo puacute-

blica eficiente e eficaz proporcional cumpridora de seus deveres com trans-

parecircncia sustentabilidade motivaccedilatildeo proporcional imparcialidade e respeito

agrave moralidade agrave participaccedilatildeo social e agrave plena responsabilidade por suas condu-

tas omissivas e comissivas A tal direito corresponde o dever de observar nas

relaccedilotildees administrativas a cogecircncia da totalidade de princiacutepios constitucionais

e correspondentes prioridades

Observado de maneira atenta o direito fundamental agrave boa administra-

ccedilatildeo eacute liacutedimo plexo de direitos regras e princiacutepios encartados numa siacutentese11

ou seja o somatoacuterio de direitos subjetivos puacuteblicos No conceito proposto

abrigam-se entre outros os seguintes direitos

(a) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica transparente que supotildee evitar a

opacidade (salvo nos casos em que o sigilo se apresentar justificaacutevel e ainda

assim natildeo-definitivamente) com especial destaque para o direito a informa-

ccedilotildees12

inteligiacuteveis inclusive sobre a execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria13

e sobre o processo

de tomada das decisotildees administrativas que afetarem direitos14

(b) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica sustentaacutevel que implica fazer pre-

ponderar inclusive no campo regulatoacuterio o princiacutepio constitucional da sus-

tentabilidade que determina a preponderacircncia dos benefiacutecios sociais ambien-

tais e econocircmicos sobre os custos diretos e indiretos (externalidades negati-

vas) de molde a assegurar o bem-estar multimensional das geraccedilotildees presentes

sem impedir que as geraccedilotildees futuras alcancem o proacuteprio bem-estar multidi-

mensional15

10

Cf sobre os elementos da cidadania Thomas Humphrey Marshall in Citizenship and social class

and other essays Cambridge Cambridge University Press 1950 Para contraste vide Sergio BF

Tavolaro Lilia GM Tavolaro in ldquoA cidadania sob o signo do desvio Para uma criacutetica da lsquo tese

de excepcionalidade brasileirarsquordquo SocEstado Vol 25 n2 Brasiacutelia MayAug 2010

11 Sobre o tema no contexto europeu em face do art 41 da Carta de Nice v por exemplo Diana-

Urania Galetta ldquoIl diritto ad una buona amministrazione europea come fonte di essenziali ga-

ranzie procedimentali nei confronti della pubblica amministrazionerdquo Rivista Italiana di Diritto

Pubblico Comunitario 3-4819-857

12 Cf Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo (125272011)

13 Cf Lei Complementar 1012000 art 48

14 Cf Lei 978499 art3ordm

15 Cf Juarez Freitas in Sustentabilidade Direito ao Futuro 2ordf ed BH Foacuterum 2012

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 199

(c) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica dialoacutegica com amplas garantias de

contraditoacuterio e ampla defesa mdash eacute dizer do respeito ao devido processo com

duraccedilatildeo razoaacutevel e motivaccedilatildeo expliacutecita clara e congruente

(d) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica imparcial e o mais desenviesada

possiacutevel16

isto eacute aquela que filtrando os desvios cognitivos natildeo pratica nem

estimula discriminaccedilatildeo negativa de qualquer natureza e ao mesmo tempo

promove discriminaccedilotildees inversas ou positivas (redutoras das desigualdades

iniacutequas)

(e) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica proba que veda condutas eacuteticas

natildeo-universalizaacuteveis ou a confusatildeo entre o legal e o moral uma vez tais esferas

se vinculam mas satildeo distintas

(f) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica respeitadora da legalidade tempe-

rada ou seja que natildeo se rende agrave ldquoabsolutizaccedilatildeordquo irrefletida das regras

(g) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica preventiva precavida e eficaz (natildeo

apenas economicamente eficiente) eis que comprometida com resultados

compatiacuteveis com os indicadores de qualidade de vida em horizonte de longa

duraccedilatildeo

Tais direitos natildeo excluem outros17

pois se cuida de ldquostandard miacutenimordquo18

Por certo precisam ser tutelados em bloco no intuito de que a discricionarie-

dade natildeo conspire letalmente contra o aludido direito fundamental agrave boa admi-

nistraccedilatildeo

16

Natildeo se confundem imparcialidade e neutralidade Para a distinccedilatildeo embora na seara judicial v

Joseacute Carlos Barbosa Moreira ldquoImparcialidade reflexotildees sobre a imparcialidade do juizrdquo RJ 250

6-13

17 Cf Klara Klanska in ldquoTowards administrative human rights in the EU impact of the Charter of

Fundamental Rightsrdquo European Law Journal 10296-326 2004

18 Para usar expressatildeo em contexto assemelhado de Meinhard Hilf (ldquoDie Charta der Grundrechte

der Europaumlischen Unionrdquo ldquoSonderbeilagerdquo zu Neue Juristische Wochenschrift 2000 Heft 49)

200 bull v 351 janjun 2015

Em outras palavras as escolhas administrativas seratildeo legiacutetimas se mdash e so-

mente se mdash forem sistematicamente eficazes19

sustentaacuteveis motivadas propor-

cionais20

transparentes21

imparciais22

e ativadoras da participaccedilatildeo social da mo-

ralidade e da plena responsabilidade

A efetividade do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo enfrenta hoje

uma triacuteade de preacute-compreensotildees adversas Em primeiro lugar observa-se a

crenccedila infundada de que as poliacuteticas puacuteblicas pertenceriam ao reino da discri-

cionariedade insindicaacutevel como se as escolhas poliacuteticas (e por vezes as omis-

sotildees) embora manifestamente viciadas natildeo fossem catalogaacuteveis como incons-

titucionais Erro tiacutepico da mentalidade refrataacuteria aos contrapoderes de con-

trole Constata-se em segundo lugar a proposiccedilatildeo natildeo menos equivocada de

que a separaccedilatildeo de poderes representaria autecircntica carta branca para os ges-

tores puacuteblicos os quais apenas seriam controlaacuteveis pelas urnas no tocante agraves

escolhas feitas como se a higidez das prioridades concretamente adotadas

fosse mateacuteria reservada ao processo eleitoral cujas distorccedilotildees de financia-

mento e de ordem cognitiva conspiram frequentes vezes contra o cerne da

Constituiccedilatildeo Erro caracteriacutestico dos que consideram legiacutetimo e juridicamente

seguro apenas aquilo que for produzido por legisladores e governantes eleitos

numa concepccedilatildeo demasiado acanhada do processo de deliberaccedilatildeo democraacute-

tica Naturalmente natildeo se subestimam as dificuldades contramajoritaacuterias mas

conveacutem diante das omissotildees inconstitucionais ou das violaccedilotildees agressivas a

direitos individuais e coletivos natildeo superestimar as ldquovirtudes passivasrdquo de Bi-

ckel23

Persiste por uacuteltimo o postulado iloacutegico de que os controles (externo

19

Engana-se quem supotildee que a Constituiccedilatildeo ao consagrar o princiacutepio da eficiecircncia (art 37 com

o advento da Emenda 191998) excluiu o princiacutepio da eficaacutecia Ao contraacuterio O aludido princiacutepio

consta expressamente no art 74 da CF Portanto ndash disputas semacircnticas agrave parte ndash o direito sub-

jetivo puacuteblico agrave eficaacutecia merece definitivo reconhecimento Integra o direito fundamental agrave boa

administraccedilatildeo puacuteblica jaacute que consiste justamente em incrementar a gestatildeo puacuteblica de maneira

que a administraccedilatildeo escolha fazer o que constitucionalmente deve fazer (conceito de eficaacutecia

sob inspiraccedilatildeo de Peter Drucker) em lugar de apenas fazer bem ou eficientemente aquilo que

natildeo raro se encontra contaminado Motivo preciacutepuo de se falar em eficaacutecia avolumam-se os

casos de discricionariedade administrativa ineficaz

20 Ainda que o Poder Judiciaacuterio natildeo aprecie diretamente o meacuterito verifica se viola ou natildeo prin-

ciacutepios tais como o da proporcionalidade inclusive no tocante agrave compatibilidade entre cargos

em comissatildeo e cargos efetivos V para ilustrar o julgamento do STF no AgR RE 365368-SC rel

Min Ricardo Lewandowski

21 V Tecircmis Limberger ldquoTransparecircncia e novas tecnologiasrdquo IP 3956 e ss

22 A respeito ndash esclarece Diana-Urania Galetta ndash a jurisprudecircncia da Comunidade Europeia ldquoha

sottolineato come il presupposto per una decisione imparziale che sia espressione del principio

di buona amministrazione egrave che siano presi in considerazione lsquo() tutti gli elementi di fatto e

di diritto disponibili al momento dellrsquoadozione dellrsquoattorsquo poicheacute sussiste lrsquoobbligo di predi-

sporre la decisione lsquo() con tutta la diligenza richiesta e di adottarla prendendo a fondamento

tutti i dati idonei ad incidere sul risultatorsquordquo (ldquoIl diritto ad una buona amministrazione europea

come fonte di essenziali garanzie procedimentali nei confronti della pubblica amministra-

zionerdquo Rivista Italiana di Diritto Pubblico Comunitario 3-4825)

23 Cf Alexander M Bickel in The Last Dangerous Branch2a ed New Haven and London Yale

University Press 1986 pp 111-198

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 201

interno e jurisdicional) em que pese serem autocircnomos e tendencialmente me-

nos presos agrave loacutegica do patrimonialismo natildeo deveriam levar a cabo o exame

juriacutedico da congruecircncia e da coerecircncia dos propoacutesitos24

das medidas poliacuteticas

em assombroso convite agrave condescendecircncia com o ldquostatus quordquo Natildeo por acaso

os que assim pensam parecem natildeo se importar por exemplo com a tardanccedila

vexatoacuteria na aboliccedilatildeo da escravatura no Brasil ou na derrubada da segregaccedilatildeo

racial nos Estados Unidos25

Detecta-se em todas essas preacute-compreensotildees a subjacente heuriacutestica de

que a discricionariedade do administrador puacuteblico estaria como que dispen-

sada do cotejo com a eficaacutecia direta e imediata dos direitos fundamentais no-

tadamente do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Ao lado desse evi-

dente desvio cognitivo subsiste a afirmaccedilatildeo sem qualquer lastro de que os

controles (inclusive o judicial) perante inequiacutevoca vulneraccedilatildeo dos direitos

fundamentais extrapolariam se agissem positivamente (ainda que de modo

transitoacuterio) apesar da interdependecircncia dos poderes

Vencidos tais vieses defende-se aqui o controle acima de tudo como

defesa congruente e consistente das prioridades26

cogentes da Carta encarna-

dos no direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Nada menos e nada mais

Com efeito decisionismos arbitraacuterios agrave parte natildeo faz sentido (numa ordem

aberta pluralista e de poderes entrelaccedilados) postular o controle que se abste-

nha perante crocircnicas violaccedilotildees perpetradas sob o veacuteu da discricionariedade

Em definitivo cumpre assimilar que o conteuacutedo das poliacuteticas puacuteblicas

natildeo pode ser estipulado exclusivamente por governantes ou legisladores com

a coadjuvacircncia opaca e subalterna dos outros atores constitucionais pois a

Constituiccedilatildeo por mais ambiacutegua e contraditoacuteria natildeo eacute pacote oniacuterico de pro-

messas soltas ao vento ao sabor da faculdade de querer dos liacutederes poliacuteticos

Em outras palavras a Carta agrave vista da sua continuidade normativa reclama

acatamento seguro contra volatilidades Trata-se de acolher o caraacuteter heterocirc-

nomo da taacutebua constitucional de prioridades conformadoras e limitadoras de

preferecircncias contingentes

A Constituiccedilatildeo fixa expressa ou tacitamente prioridades vinculativas

de partida E o faz de modo a estatuir em alguns casos ateacute ldquoabsoluta priori-

daderdquo (ex CF art 227) na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de determinadas

24

Cf para ilustrar a discussatildeo norte-americana Stephen Breyer (ldquopurpose orientedrdquo) in Making

our democracy work NY Alfred Knoff 2010 Noutro polo com os seus cacircnones excessivamente

textualistas vide Antonin Scalia e Bryan Garner in Reading Law StPaul ThomsonWest 2012

25 Cf por exemplo Michael Klarman in Brown of Education and the Civil Rights Movement NY

Oxford University Press 2007 pp 3-53

26 Considera-se viaacutevel superar de modo fundamentado as dificuldades na eleiccedilatildeo das diretivas

preferenciais comparativas analiticamente arroladas por Pierluigi Chiasoni in Teacutecnicas de in-

terpretacioacuten juriacutedica Madrid Marcial Pons 2011 pp 125-130

202 bull v 351 janjun 2015

poliacuteticas Nesse quadro impende rever em tons precisos os contornos do es-

crutiacutenio das decisotildees puacuteblicas O que se almeja eacute por assim dizer a consagra-

ccedilatildeo da liberdade republicana27

(natildeo oligaacuterquica patrimonialista e autoritaacuteria)

exercida a partir de inferecircncias vaacutelidas no contexto da escolha raciocinada de

prioridades em vez das lamentaacuteveis e ideoloacutegicas desdestinaccedilotildees que a poliacute-

tica convencional engendra em profusatildeo sobremodo quando o engano e o

autoengano parecem industrialmente fabricados28

Natildeo se admite pois embaralhar com ingenuidade friacutevola a liberdade

constitucional democraacutetica (imparcial balanceada e comedida) com a falsa li-

berdade (no fundo liberticida) que caracteriza as opccedilotildees patrimonialistas tiacute-

picas as quais resultam ora em escolhas agressivamente abusivas ora em es-

colhas claramente deficitaacuterias morosas e ateacute em natildeo-decisotildees

Mais seja qual for o modelo decisoacuterio adotado29

a escolha caracterizada

pela validade e pela confiabilidade30

teraacute de por forccedila e direito redundar na

primazia intertemporal dos benefiacutecios liacutequidos econocircmicos e natildeo-econocircmi-

cos31

Quer dizer importa natildeo somente em situaccedilotildees-limite sindicar a escolha

(dos meios necessaacuterios e adequados assim como dos propoacutesitos e das priori-

dades) entendida a liberdade decisoacuteria como poder-dever atribuiacutedo aos agen-

tes puacuteblicos para que efetuem as melhores opccedilotildees entre as vaacuterias admissiacuteveis

desde que com sobrepujantes benefiacutecios diretos e indiretos

Imprescindiacutevel que os controles natildeo permaneccedilam indiferentes diante

de inatividades prestacionais concretas32

nem diante de manobras astuciosas

e desavindas de qualquer amparo nas prioridades constitucionais

Nesse prisma as poliacuteticas puacuteblicas natildeo devem mais ser vistas como me-

ros programas governamentais mais ou menos livres ao gosto dos eleitos e de

seus patrocinadores Satildeo na realidade programas constitucionais que in-

cumbe ao agente puacuteblico implementar de maneira estilisticamente nuan-

ccedilada33

mas sem retrocesso Compreendidas nessa acepccedilatildeo inventariam-se por

exemplo certas prioridades-guia que desfrutam de robusto enraizamento no

27

Cf Raymundo Faoro in Repuacuteblica inacabada SP Globo 2007

28 Cf sobre autoengano Robert Trivers in Natural Selection and Social Theory Oxford Oxford

University Press 2002

29 Cf sobre os modelos de racionalidade Bruno Dente e Joan Subirats in Decisiones Puacuteblicas

Madrid Ariel 2014 pp 53-68

30 Cf sobre confiabilidade e validade Lee Epstein e Gary King in Pesquisa empiacuterica em Direito

as regras de inferecircncia SP FGV 2013 p105

31 Cf sobre esse tipo de controle Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Ver-

meule e Michael Herz in Administrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer

2011 p 10

32 Cf no contexto espanhol Ricardo de Vicente Domingo in La inactividad administrativa pres-

tacional y su control judicial Madrid Civitas Thompson Reuters 2014 especialmente por seus

comentaacuterios sobre o art 29 da Lei de Jurisdiccedilatildeo Contenciosa-administrativa de 1998

33 Cf sobre estilos diferenciados Jeremy Richardson (ed) in Policy Stiles in Western Europe Lon-

don George AllenampUnwin 1982

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 203

texto e no espiacuterito da Carta (I) a prioridade das poliacuteticas endereccediladas ao de-

senvolvimento sustentaacutevel sobre aquelas voltadas apenas para o crescimento

econocircmico imediato (CF art225) (II) a prioridade das poliacuteticas voltadas para

a eficaacutecia do nuacutecleo dos direitos fundamentais sobre aquelas destinadas a as-

segurar pleitos natildeo fundamentais (III) a prioridade das poliacuteticas dotadas de

responsabilidade intertemporal e intergeracional sobre aquelas que se preocu-

pam soacute com a geraccedilatildeo presente (ou com a proacutexima eleiccedilatildeo) (IV) a prioridade

das poliacuteticas de benefiacutecios liacutequidos sobre aquelas cujos custos sociais ambien-

tais e econocircmicos ultrapassam os eventuais ganhos (diretos e indiretos) (V) a

prioridade das poliacuteticas explicitamente justificadas sobre aquelas de motivaccedilatildeo

elusiva (VI) a prioridade das poliacuteticas alinhadas toacutepico-sistematicamente

com os objetivos fundamentais da Carta (art3ordm) sobre aquelas transitoacuterias e

natildeo universalizaacuteveis (VII) a prioridade das poliacuteticas redutoras de iniquidades

sobre aquelas que cultivam cegamente o mercado a despeito de suas estriden-

tes falhas

Nessas circunstacircncias34

forccedila rever a categoria da discricionariedade em

seus grandes traccedilos35

com o desiderato de realinhaacute-la ao caraacuteter vinculante das

poliacuteticas puacuteblicas independente de polarizaccedilotildees extremistas Seria de fato er-

rocircneo conceber a discricionariedade como irrestrita liberdade para emitir juiacute-

zos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave praacutetica ou natildeo de certas poliacute-

ticas como se estas natildeo fossem mensuraacuteveis Na verdade as opccedilotildees vaacutelidas

ldquoprima facierdquo nunca satildeo indiferentes Pode-se desse modo reconceituar a dis-

cricionariedade administrativa como a competecircncia (natildeo mera faculdade) de

avaliar e eleger no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indi-

retas (externalidades) de determinados programas preliminarmente estabele-

cidos com observacircncia justificada (interna e externamente36

) de prioridades

constitucionais no uso pertinente e eficaz dos recursos disponiacuteveis37

Dito de outro modo em nosso modelo constitucional as poliacuteticas puacutebli-

cas obrigatoriamente devem ser implementadas e controladas agrave base de prio-

ridades constitucionais vinculantes e nessa perspectiva escrutinadas sem pas-

sivismo no intuito de que apresentem benefiacutecios liacutequidos (sociais econocircmicos

e ambientais) Em outras palavras natildeo pode haver indiferenccedila no tocante agrave

qualidade juriacutedica ldquolato sensurdquo da motivaccedilatildeo e dos propoacutesitos das poliacuteticas

34

Cf Juarez Freitas com detalhe in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Funda-

mentais 5ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2013 Caps 6 e 11

35 Cf Celso Antocircnio Bandeira de Mello in Discricionariedade e Controle Jurisdicional 2a ed 9a

tir Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008 p 10

36 Cf entre outros por seu pioneirismo sobre justificaccedilatildeo externa e interna Jerzy Wroacuteblewski in

ldquoLegal decision and its jusificationrdquo Logique et analyses Vol14 n 53-54 1971 Cf para analiacute-

tica mirada de conjunto Pierluigi Chiarosoni in Teacutecnicas de interpretacioacuten juriacutedica Madrid

Marcial Pons 2011

37 Cf sobre recursos poliacuteticos econocircmicos legais e cognitivos Bruno Dente e Joan Subirats in

obcit pp 86-106

204 bull v 351 janjun 2015

aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omissotildees causa-

doras de danos certos especiais e anocircmalos

Nesse panorama o controle do Estado Democraacutetico natildeo esquecendo

de ver ldquoa trave no proacuteprio olhordquo precisa fazer as vezes de ldquoadministrador ne-

gativordquo e ao mesmo tempo de ativador dos direitos fundamentais de geraccedilotildees

presentes e futuras

Sem exceccedilatildeo o controle do viacutecio ou do ldquodemeacuteritordquo pode-deve alcanccedilar

ateacute a incoerecircncia da conduta administrativa agrave luz das prioridades constituci-

onais vinculantes E ponto nodal natildeo se aceita uma motivaccedilatildeo deacutebil pois se

exige uma justificaccedilatildeo congruente salvo se se tratar de atos de mero expedi-

ente autodecifraacuteveis e naqueles excepcionais casos em que a Constituiccedilatildeo ad-

mitir falta de motivaccedilatildeo (exemplo nomeaccedilatildeo para cargos em comissatildeo) To-

dos poreacutem devem ser no miacutenimo motivaacuteveis vale dizer passiacuteveis de apro-

vaccedilatildeo no teste de racionalidade intersubjetiva coibida toda e qualquer arbitra-

riedade inclusive a do controle

Haacute de fato enormes desvantagens na precariedade exacerbada e na

exagerada preferecircncia pelo presente38

nas escolhas intertemporais do Estado-

administraccedilatildeo ecos do paradigma tardio do direito administrativo volunta-

rista e livre de prestar contas sobre os custos sociais futuros39

Decerto o maacute-

ximo vinculativo pode ateacute ser inimigo da boa administraccedilatildeo (por exemplo se-

ria erro adotar orccedilamento rigidamente vinculado) mas se revela irremissiacutevel

no Estado contemporacircneo40

deixar de cobrar a vinculaccedilatildeo das escolhas admi-

nistrativas ao primado objetivo dos direitos fundamentais de modo a compa-

tibilizar41

o desenvolvimento econocircmico o bem-estar social e o equiliacutebrio eco-

loacutegico

Natildeo se admite sob nenhuma hipoacutetese uma discricionariedade distra-

iacuteda do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo e dos seus fins entrelaccedilados

equidade inclusiva combate agraves falhas de mercado e de governo sustentabili-

dade eficaz do bem-estar social ambiental e econocircmico das geraccedilotildees presentes

e futuras

Na oacutetica adotada o Estado Constitucional prescreve uma espeacutecie de

controle administrativo de constitucionalidade da implementaccedilatildeo das poliacuteti-

cas puacuteblicas tarefa a ser cumprida de ofiacutecio pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e pe-

38

Cf George Loewenstein e Richard Thaler in ldquoAnomalies Intertemporal Choicerdquo Journal of Eco-

nomic Perspectives 3 1989 pp 181-193

39 Cf sobre os custos sociais Richard Titmuss in Social Policy NY Pantheon Books 1974 Cap5

40 Cf sobre parcela dos desafios estatais no seacuteculo em curso Christopher Pierson in The Modern

State3ordf ed NY Routledge 2013

41 Cf sobre eficiecircncia como um dos objetivos estatais ao lado da equidade e de ldquoadministrative

feasibilityrdquo Nicholas Barr in The Economics of the Welfare State 5a ed Oxford Oxford Uni-

versity Press 2012 pp10-12

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

196 bull v 351 janjun 2015

1 INTRODUCcedilAtildeO

Antes que seja tarde o Estado brasileiro precisa comeccedilar a incorporar

uma agenda efetivamente capaz de compatibilizar o desenvolvimento e a sus-

tentabilidade a poupanccedila domeacutestica e o investimento o culto agraves prioridades

constitucionais e o devido senso de urgecircncia mediante imparcial avaliaccedilatildeo

mensuraacutevel (preliminar e sucessiva) das poliacuteticas puacuteblicas com a meta de que

os seus benefiacutecios (diretos e indiretos) para presentes e futuras geraccedilotildees ul-

trapassem os seus custos aiacute incluiacutedas as externalidades negativas

Urge pois instaurar uma seacuterie de novos haacutebitos no bojo das relaccedilotildees

administrativas libertando-as dos viacutecios associados ao abuso patrimonialista

dos programas exclusivamente de curto prazo Trata-se de erguer um modelo

de gestatildeo alicerccedilado no controle autocircnomo (o mais possiacutevel alheio agraves pres-

sotildees partidaacuterias) de sustentabilidade e legitimidade das poliacuteticas puacuteblicas na

trilha de cobrar uma motivaccedilatildeo intertemporal consistente dos atos discricionaacute-

rios e vinculados ao oposto da ancoragem ilusoacuteria no formalismo ingecircnuo e

na liberdade irrestrita cunhada pelo decisionismo irracional do ldquopower staterdquo

autoritaacuterio1

Tudo sem prejuiacutezo de profunda reformulaccedilatildeo da teoria da responsabi-

lidade do Estado em consoacutercio com o ampliado entendimento da proporcio-

nalidade como vedaccedilatildeo simultacircnea de danos causados por demasias e omis-

sotildees Consoante a nova perspectiva natildeo remanesce espaccedilo para a discriciona-

riedade desmesurada nem para a discricionariedade omissa Em outro dizer

na tomada da decisatildeo administrativa o agente estatal ldquolato sensurdquo teraacute de

cumprir o isento dever de oferecer boas razotildees de fato e de direito jaacute na enun-

ciaccedilatildeo jaacute na implementaccedilatildeo das poliacuteticas estatais

Juridicamente a legitimidade das poliacuteticas (conformidade com a taacutebua

axioloacutegica da Constituiccedilatildeo e os seus objetivos concomitantes de justiccedila e de-

senvolvimento sustentaacutevel2) pressupotildee a observacircncia de obrigaccedilotildees resumidas

no direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo cujo conceito (levando em conta

a sua fundamentalidade3) seraacute explicitado a seguir

Pressupotildee ademais a geraccedilatildeo de ambiente institucional amigaacutevel para

os investimentos produtivos com aguda reduccedilatildeo dos entraves oriundos do

burocratismo e da quebra reiterada de confianccedila Pressupotildee sem tardar siner-

1

Cf sobre ldquopower staterdquo Alfred Zimmern in Quo vadimus Oxford Oxford University Press

1934

2 Cf para tentativa dessa compatibilizaccedilatildeo Amartya Sen in The idea of Justice Cambridge Har-

vard University Press 2009

3 Cf entre outros Xavier Groussot e Laurent Pech in ldquoFundamental Rights Protection in the

European Union post Lisbon Treatyrdquo Foundation Robert SchumanEuropean Issue 173 junho

2010 Cf Joana Mendes in ldquoGood Administration in EU Law and the European Code of Good

Administrative Behaviorrdquo EUI Working Papers LAW European University Institute 2009

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 197

gia entre as poliacuteticas e o estabelecimento pactuado de metas monitoraacuteveis ob-

jetivamente em horizonte ampliado Pressupotildee enfim o enraizamento em

alta escala dos princiacutepios de boa governanccedila4 com inovaccedilatildeo de escopo trans-

parecircncia controle participativo e apesar dos riscos tecnocraacuteticos do rigoroso

escrutiacutenio retrospectivo5 e prospectivo

Trata-se de assumir com ecircnfase ineacutedita a sindicabilidade com os olhos

fitos nos princiacutepios da boa administraccedilatildeo6assimilados como autecircnticos nortes

vinculativos em lugar do desleixo tradicional Nesse aspecto a discricionarie-

dade legiacutetima requer (ao mesmo tempo suscita) o protagonismo em rede na

afirmaccedilatildeo do desenvolvimento duradouro (CF arts 225 e 170VI) o qual natildeo

se coaduna com o mito da oposiccedilatildeo inconciliaacutevel entre os domiacutenios do econocirc-

mico e do socioambiental Apenas para ilustrar em nosso sistema a proacutepria

atividade financeira (puacuteblica e privada) estaacute proibida de ignorar os riscos am-

bientais7

Para aleacutem disso intenta-se o Estado que timbra pelo resguardo da pro-

cessualizaccedilatildeo devida com a observacircncia de duraccedilatildeo razoaacutevel8 Almeja-se o Es-

tado da racionalidade aberta natildeo-cartesiana em vez do predomiacutenio senhorial

subproduto do patrimonialismo avesso agrave ativaccedilatildeo de direitos fundamentais

de todas as dimensotildees Natildeo eacute de estranhar na linha esposada que em cir-

cunstacircncia de antinomia entre o direito agrave sauacutede e o regime de impenhorabili-

dade de bens puacuteblicos prepondere o primeiro determinando o bloqueio de

verbas puacuteblicas como meio excepcional de tutela9 Em casos assim eclipsam-

se determinadas regras em prol do primado toacutepico-sistemaacutetico dos direitos

fundamentais

4

Cf o art 41 da Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia e o Coacutedigo Europeu de Boa

Conduta Administrativa Neste entre os princiacutepios proporcionalidade ao objetivo em vista

(art6ordm) objetividade (art9ordm) prazo razoaacutevel para decisotildees (art16) e dever de indicar os motivos

(art18)

5 Cf sobre as vantagens da anaacutelise retrospectiva Cass Sunstein in ldquoThe Regulatory Lookbackrdquo

Boston University Law Review Symposium on Political Dysfunction and the Constitution 2013

6 Cf no sistema britacircnico Principles of Good Administration ldquoGood administration by public

bodies means 1 Getting it right 2 Being customer focused 3 Being open and accountable 4

Acting fairly and proportionately 5 Putting things right 6 Seeking continuous improvement

Sobre proporcionalidade em termos europeus mais amplos vTakis Tridimas in The General

Principles of EC Law 2a edNY Oxford University Press 2006 pp136-249

7 Cf para ilustrar Resoluccedilatildeo 4327 de 25 de abril de 2014 do Bacen

8 A propoacutesito v o julgamento da AMS 20067200003920-0 no TRF-4

a Regiatildeo no qual foi reco-

nhecida a nulidade de auto de infraccedilatildeo entre outras razotildees porque o oacutergatildeo ambiental natildeo ha-

via concluiacutedo o processo administrativo violando o direito agrave razoaacutevel duraccedilatildeo

9 Cf por exemplo REsp 840782-RS rel Min Teori Albino Zavascki

198 bull v 351 janjun 2015

2 POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS E O DIREITO FUNDAMENTAL Agrave BOA ADMINISTRACcedilAtildeO

PUacuteBLICA

O Estado Constitucional em sua presumiacutevel afirmaccedilatildeo da cidadania

(natildeo necessariamente de modo linear)10

possui o compromisso indeclinaacutevel

de prover o acesso ao direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica com-

preendido nesses termos trata-se do direito fundamental agrave administraccedilatildeo puacute-

blica eficiente e eficaz proporcional cumpridora de seus deveres com trans-

parecircncia sustentabilidade motivaccedilatildeo proporcional imparcialidade e respeito

agrave moralidade agrave participaccedilatildeo social e agrave plena responsabilidade por suas condu-

tas omissivas e comissivas A tal direito corresponde o dever de observar nas

relaccedilotildees administrativas a cogecircncia da totalidade de princiacutepios constitucionais

e correspondentes prioridades

Observado de maneira atenta o direito fundamental agrave boa administra-

ccedilatildeo eacute liacutedimo plexo de direitos regras e princiacutepios encartados numa siacutentese11

ou seja o somatoacuterio de direitos subjetivos puacuteblicos No conceito proposto

abrigam-se entre outros os seguintes direitos

(a) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica transparente que supotildee evitar a

opacidade (salvo nos casos em que o sigilo se apresentar justificaacutevel e ainda

assim natildeo-definitivamente) com especial destaque para o direito a informa-

ccedilotildees12

inteligiacuteveis inclusive sobre a execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria13

e sobre o processo

de tomada das decisotildees administrativas que afetarem direitos14

(b) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica sustentaacutevel que implica fazer pre-

ponderar inclusive no campo regulatoacuterio o princiacutepio constitucional da sus-

tentabilidade que determina a preponderacircncia dos benefiacutecios sociais ambien-

tais e econocircmicos sobre os custos diretos e indiretos (externalidades negati-

vas) de molde a assegurar o bem-estar multimensional das geraccedilotildees presentes

sem impedir que as geraccedilotildees futuras alcancem o proacuteprio bem-estar multidi-

mensional15

10

Cf sobre os elementos da cidadania Thomas Humphrey Marshall in Citizenship and social class

and other essays Cambridge Cambridge University Press 1950 Para contraste vide Sergio BF

Tavolaro Lilia GM Tavolaro in ldquoA cidadania sob o signo do desvio Para uma criacutetica da lsquo tese

de excepcionalidade brasileirarsquordquo SocEstado Vol 25 n2 Brasiacutelia MayAug 2010

11 Sobre o tema no contexto europeu em face do art 41 da Carta de Nice v por exemplo Diana-

Urania Galetta ldquoIl diritto ad una buona amministrazione europea come fonte di essenziali ga-

ranzie procedimentali nei confronti della pubblica amministrazionerdquo Rivista Italiana di Diritto

Pubblico Comunitario 3-4819-857

12 Cf Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo (125272011)

13 Cf Lei Complementar 1012000 art 48

14 Cf Lei 978499 art3ordm

15 Cf Juarez Freitas in Sustentabilidade Direito ao Futuro 2ordf ed BH Foacuterum 2012

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 199

(c) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica dialoacutegica com amplas garantias de

contraditoacuterio e ampla defesa mdash eacute dizer do respeito ao devido processo com

duraccedilatildeo razoaacutevel e motivaccedilatildeo expliacutecita clara e congruente

(d) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica imparcial e o mais desenviesada

possiacutevel16

isto eacute aquela que filtrando os desvios cognitivos natildeo pratica nem

estimula discriminaccedilatildeo negativa de qualquer natureza e ao mesmo tempo

promove discriminaccedilotildees inversas ou positivas (redutoras das desigualdades

iniacutequas)

(e) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica proba que veda condutas eacuteticas

natildeo-universalizaacuteveis ou a confusatildeo entre o legal e o moral uma vez tais esferas

se vinculam mas satildeo distintas

(f) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica respeitadora da legalidade tempe-

rada ou seja que natildeo se rende agrave ldquoabsolutizaccedilatildeordquo irrefletida das regras

(g) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica preventiva precavida e eficaz (natildeo

apenas economicamente eficiente) eis que comprometida com resultados

compatiacuteveis com os indicadores de qualidade de vida em horizonte de longa

duraccedilatildeo

Tais direitos natildeo excluem outros17

pois se cuida de ldquostandard miacutenimordquo18

Por certo precisam ser tutelados em bloco no intuito de que a discricionarie-

dade natildeo conspire letalmente contra o aludido direito fundamental agrave boa admi-

nistraccedilatildeo

16

Natildeo se confundem imparcialidade e neutralidade Para a distinccedilatildeo embora na seara judicial v

Joseacute Carlos Barbosa Moreira ldquoImparcialidade reflexotildees sobre a imparcialidade do juizrdquo RJ 250

6-13

17 Cf Klara Klanska in ldquoTowards administrative human rights in the EU impact of the Charter of

Fundamental Rightsrdquo European Law Journal 10296-326 2004

18 Para usar expressatildeo em contexto assemelhado de Meinhard Hilf (ldquoDie Charta der Grundrechte

der Europaumlischen Unionrdquo ldquoSonderbeilagerdquo zu Neue Juristische Wochenschrift 2000 Heft 49)

200 bull v 351 janjun 2015

Em outras palavras as escolhas administrativas seratildeo legiacutetimas se mdash e so-

mente se mdash forem sistematicamente eficazes19

sustentaacuteveis motivadas propor-

cionais20

transparentes21

imparciais22

e ativadoras da participaccedilatildeo social da mo-

ralidade e da plena responsabilidade

A efetividade do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo enfrenta hoje

uma triacuteade de preacute-compreensotildees adversas Em primeiro lugar observa-se a

crenccedila infundada de que as poliacuteticas puacuteblicas pertenceriam ao reino da discri-

cionariedade insindicaacutevel como se as escolhas poliacuteticas (e por vezes as omis-

sotildees) embora manifestamente viciadas natildeo fossem catalogaacuteveis como incons-

titucionais Erro tiacutepico da mentalidade refrataacuteria aos contrapoderes de con-

trole Constata-se em segundo lugar a proposiccedilatildeo natildeo menos equivocada de

que a separaccedilatildeo de poderes representaria autecircntica carta branca para os ges-

tores puacuteblicos os quais apenas seriam controlaacuteveis pelas urnas no tocante agraves

escolhas feitas como se a higidez das prioridades concretamente adotadas

fosse mateacuteria reservada ao processo eleitoral cujas distorccedilotildees de financia-

mento e de ordem cognitiva conspiram frequentes vezes contra o cerne da

Constituiccedilatildeo Erro caracteriacutestico dos que consideram legiacutetimo e juridicamente

seguro apenas aquilo que for produzido por legisladores e governantes eleitos

numa concepccedilatildeo demasiado acanhada do processo de deliberaccedilatildeo democraacute-

tica Naturalmente natildeo se subestimam as dificuldades contramajoritaacuterias mas

conveacutem diante das omissotildees inconstitucionais ou das violaccedilotildees agressivas a

direitos individuais e coletivos natildeo superestimar as ldquovirtudes passivasrdquo de Bi-

ckel23

Persiste por uacuteltimo o postulado iloacutegico de que os controles (externo

19

Engana-se quem supotildee que a Constituiccedilatildeo ao consagrar o princiacutepio da eficiecircncia (art 37 com

o advento da Emenda 191998) excluiu o princiacutepio da eficaacutecia Ao contraacuterio O aludido princiacutepio

consta expressamente no art 74 da CF Portanto ndash disputas semacircnticas agrave parte ndash o direito sub-

jetivo puacuteblico agrave eficaacutecia merece definitivo reconhecimento Integra o direito fundamental agrave boa

administraccedilatildeo puacuteblica jaacute que consiste justamente em incrementar a gestatildeo puacuteblica de maneira

que a administraccedilatildeo escolha fazer o que constitucionalmente deve fazer (conceito de eficaacutecia

sob inspiraccedilatildeo de Peter Drucker) em lugar de apenas fazer bem ou eficientemente aquilo que

natildeo raro se encontra contaminado Motivo preciacutepuo de se falar em eficaacutecia avolumam-se os

casos de discricionariedade administrativa ineficaz

20 Ainda que o Poder Judiciaacuterio natildeo aprecie diretamente o meacuterito verifica se viola ou natildeo prin-

ciacutepios tais como o da proporcionalidade inclusive no tocante agrave compatibilidade entre cargos

em comissatildeo e cargos efetivos V para ilustrar o julgamento do STF no AgR RE 365368-SC rel

Min Ricardo Lewandowski

21 V Tecircmis Limberger ldquoTransparecircncia e novas tecnologiasrdquo IP 3956 e ss

22 A respeito ndash esclarece Diana-Urania Galetta ndash a jurisprudecircncia da Comunidade Europeia ldquoha

sottolineato come il presupposto per una decisione imparziale che sia espressione del principio

di buona amministrazione egrave che siano presi in considerazione lsquo() tutti gli elementi di fatto e

di diritto disponibili al momento dellrsquoadozione dellrsquoattorsquo poicheacute sussiste lrsquoobbligo di predi-

sporre la decisione lsquo() con tutta la diligenza richiesta e di adottarla prendendo a fondamento

tutti i dati idonei ad incidere sul risultatorsquordquo (ldquoIl diritto ad una buona amministrazione europea

come fonte di essenziali garanzie procedimentali nei confronti della pubblica amministra-

zionerdquo Rivista Italiana di Diritto Pubblico Comunitario 3-4825)

23 Cf Alexander M Bickel in The Last Dangerous Branch2a ed New Haven and London Yale

University Press 1986 pp 111-198

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 201

interno e jurisdicional) em que pese serem autocircnomos e tendencialmente me-

nos presos agrave loacutegica do patrimonialismo natildeo deveriam levar a cabo o exame

juriacutedico da congruecircncia e da coerecircncia dos propoacutesitos24

das medidas poliacuteticas

em assombroso convite agrave condescendecircncia com o ldquostatus quordquo Natildeo por acaso

os que assim pensam parecem natildeo se importar por exemplo com a tardanccedila

vexatoacuteria na aboliccedilatildeo da escravatura no Brasil ou na derrubada da segregaccedilatildeo

racial nos Estados Unidos25

Detecta-se em todas essas preacute-compreensotildees a subjacente heuriacutestica de

que a discricionariedade do administrador puacuteblico estaria como que dispen-

sada do cotejo com a eficaacutecia direta e imediata dos direitos fundamentais no-

tadamente do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Ao lado desse evi-

dente desvio cognitivo subsiste a afirmaccedilatildeo sem qualquer lastro de que os

controles (inclusive o judicial) perante inequiacutevoca vulneraccedilatildeo dos direitos

fundamentais extrapolariam se agissem positivamente (ainda que de modo

transitoacuterio) apesar da interdependecircncia dos poderes

Vencidos tais vieses defende-se aqui o controle acima de tudo como

defesa congruente e consistente das prioridades26

cogentes da Carta encarna-

dos no direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Nada menos e nada mais

Com efeito decisionismos arbitraacuterios agrave parte natildeo faz sentido (numa ordem

aberta pluralista e de poderes entrelaccedilados) postular o controle que se abste-

nha perante crocircnicas violaccedilotildees perpetradas sob o veacuteu da discricionariedade

Em definitivo cumpre assimilar que o conteuacutedo das poliacuteticas puacuteblicas

natildeo pode ser estipulado exclusivamente por governantes ou legisladores com

a coadjuvacircncia opaca e subalterna dos outros atores constitucionais pois a

Constituiccedilatildeo por mais ambiacutegua e contraditoacuteria natildeo eacute pacote oniacuterico de pro-

messas soltas ao vento ao sabor da faculdade de querer dos liacutederes poliacuteticos

Em outras palavras a Carta agrave vista da sua continuidade normativa reclama

acatamento seguro contra volatilidades Trata-se de acolher o caraacuteter heterocirc-

nomo da taacutebua constitucional de prioridades conformadoras e limitadoras de

preferecircncias contingentes

A Constituiccedilatildeo fixa expressa ou tacitamente prioridades vinculativas

de partida E o faz de modo a estatuir em alguns casos ateacute ldquoabsoluta priori-

daderdquo (ex CF art 227) na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de determinadas

24

Cf para ilustrar a discussatildeo norte-americana Stephen Breyer (ldquopurpose orientedrdquo) in Making

our democracy work NY Alfred Knoff 2010 Noutro polo com os seus cacircnones excessivamente

textualistas vide Antonin Scalia e Bryan Garner in Reading Law StPaul ThomsonWest 2012

25 Cf por exemplo Michael Klarman in Brown of Education and the Civil Rights Movement NY

Oxford University Press 2007 pp 3-53

26 Considera-se viaacutevel superar de modo fundamentado as dificuldades na eleiccedilatildeo das diretivas

preferenciais comparativas analiticamente arroladas por Pierluigi Chiasoni in Teacutecnicas de in-

terpretacioacuten juriacutedica Madrid Marcial Pons 2011 pp 125-130

202 bull v 351 janjun 2015

poliacuteticas Nesse quadro impende rever em tons precisos os contornos do es-

crutiacutenio das decisotildees puacuteblicas O que se almeja eacute por assim dizer a consagra-

ccedilatildeo da liberdade republicana27

(natildeo oligaacuterquica patrimonialista e autoritaacuteria)

exercida a partir de inferecircncias vaacutelidas no contexto da escolha raciocinada de

prioridades em vez das lamentaacuteveis e ideoloacutegicas desdestinaccedilotildees que a poliacute-

tica convencional engendra em profusatildeo sobremodo quando o engano e o

autoengano parecem industrialmente fabricados28

Natildeo se admite pois embaralhar com ingenuidade friacutevola a liberdade

constitucional democraacutetica (imparcial balanceada e comedida) com a falsa li-

berdade (no fundo liberticida) que caracteriza as opccedilotildees patrimonialistas tiacute-

picas as quais resultam ora em escolhas agressivamente abusivas ora em es-

colhas claramente deficitaacuterias morosas e ateacute em natildeo-decisotildees

Mais seja qual for o modelo decisoacuterio adotado29

a escolha caracterizada

pela validade e pela confiabilidade30

teraacute de por forccedila e direito redundar na

primazia intertemporal dos benefiacutecios liacutequidos econocircmicos e natildeo-econocircmi-

cos31

Quer dizer importa natildeo somente em situaccedilotildees-limite sindicar a escolha

(dos meios necessaacuterios e adequados assim como dos propoacutesitos e das priori-

dades) entendida a liberdade decisoacuteria como poder-dever atribuiacutedo aos agen-

tes puacuteblicos para que efetuem as melhores opccedilotildees entre as vaacuterias admissiacuteveis

desde que com sobrepujantes benefiacutecios diretos e indiretos

Imprescindiacutevel que os controles natildeo permaneccedilam indiferentes diante

de inatividades prestacionais concretas32

nem diante de manobras astuciosas

e desavindas de qualquer amparo nas prioridades constitucionais

Nesse prisma as poliacuteticas puacuteblicas natildeo devem mais ser vistas como me-

ros programas governamentais mais ou menos livres ao gosto dos eleitos e de

seus patrocinadores Satildeo na realidade programas constitucionais que in-

cumbe ao agente puacuteblico implementar de maneira estilisticamente nuan-

ccedilada33

mas sem retrocesso Compreendidas nessa acepccedilatildeo inventariam-se por

exemplo certas prioridades-guia que desfrutam de robusto enraizamento no

27

Cf Raymundo Faoro in Repuacuteblica inacabada SP Globo 2007

28 Cf sobre autoengano Robert Trivers in Natural Selection and Social Theory Oxford Oxford

University Press 2002

29 Cf sobre os modelos de racionalidade Bruno Dente e Joan Subirats in Decisiones Puacuteblicas

Madrid Ariel 2014 pp 53-68

30 Cf sobre confiabilidade e validade Lee Epstein e Gary King in Pesquisa empiacuterica em Direito

as regras de inferecircncia SP FGV 2013 p105

31 Cf sobre esse tipo de controle Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Ver-

meule e Michael Herz in Administrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer

2011 p 10

32 Cf no contexto espanhol Ricardo de Vicente Domingo in La inactividad administrativa pres-

tacional y su control judicial Madrid Civitas Thompson Reuters 2014 especialmente por seus

comentaacuterios sobre o art 29 da Lei de Jurisdiccedilatildeo Contenciosa-administrativa de 1998

33 Cf sobre estilos diferenciados Jeremy Richardson (ed) in Policy Stiles in Western Europe Lon-

don George AllenampUnwin 1982

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 203

texto e no espiacuterito da Carta (I) a prioridade das poliacuteticas endereccediladas ao de-

senvolvimento sustentaacutevel sobre aquelas voltadas apenas para o crescimento

econocircmico imediato (CF art225) (II) a prioridade das poliacuteticas voltadas para

a eficaacutecia do nuacutecleo dos direitos fundamentais sobre aquelas destinadas a as-

segurar pleitos natildeo fundamentais (III) a prioridade das poliacuteticas dotadas de

responsabilidade intertemporal e intergeracional sobre aquelas que se preocu-

pam soacute com a geraccedilatildeo presente (ou com a proacutexima eleiccedilatildeo) (IV) a prioridade

das poliacuteticas de benefiacutecios liacutequidos sobre aquelas cujos custos sociais ambien-

tais e econocircmicos ultrapassam os eventuais ganhos (diretos e indiretos) (V) a

prioridade das poliacuteticas explicitamente justificadas sobre aquelas de motivaccedilatildeo

elusiva (VI) a prioridade das poliacuteticas alinhadas toacutepico-sistematicamente

com os objetivos fundamentais da Carta (art3ordm) sobre aquelas transitoacuterias e

natildeo universalizaacuteveis (VII) a prioridade das poliacuteticas redutoras de iniquidades

sobre aquelas que cultivam cegamente o mercado a despeito de suas estriden-

tes falhas

Nessas circunstacircncias34

forccedila rever a categoria da discricionariedade em

seus grandes traccedilos35

com o desiderato de realinhaacute-la ao caraacuteter vinculante das

poliacuteticas puacuteblicas independente de polarizaccedilotildees extremistas Seria de fato er-

rocircneo conceber a discricionariedade como irrestrita liberdade para emitir juiacute-

zos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave praacutetica ou natildeo de certas poliacute-

ticas como se estas natildeo fossem mensuraacuteveis Na verdade as opccedilotildees vaacutelidas

ldquoprima facierdquo nunca satildeo indiferentes Pode-se desse modo reconceituar a dis-

cricionariedade administrativa como a competecircncia (natildeo mera faculdade) de

avaliar e eleger no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indi-

retas (externalidades) de determinados programas preliminarmente estabele-

cidos com observacircncia justificada (interna e externamente36

) de prioridades

constitucionais no uso pertinente e eficaz dos recursos disponiacuteveis37

Dito de outro modo em nosso modelo constitucional as poliacuteticas puacutebli-

cas obrigatoriamente devem ser implementadas e controladas agrave base de prio-

ridades constitucionais vinculantes e nessa perspectiva escrutinadas sem pas-

sivismo no intuito de que apresentem benefiacutecios liacutequidos (sociais econocircmicos

e ambientais) Em outras palavras natildeo pode haver indiferenccedila no tocante agrave

qualidade juriacutedica ldquolato sensurdquo da motivaccedilatildeo e dos propoacutesitos das poliacuteticas

34

Cf Juarez Freitas com detalhe in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Funda-

mentais 5ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2013 Caps 6 e 11

35 Cf Celso Antocircnio Bandeira de Mello in Discricionariedade e Controle Jurisdicional 2a ed 9a

tir Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008 p 10

36 Cf entre outros por seu pioneirismo sobre justificaccedilatildeo externa e interna Jerzy Wroacuteblewski in

ldquoLegal decision and its jusificationrdquo Logique et analyses Vol14 n 53-54 1971 Cf para analiacute-

tica mirada de conjunto Pierluigi Chiarosoni in Teacutecnicas de interpretacioacuten juriacutedica Madrid

Marcial Pons 2011

37 Cf sobre recursos poliacuteticos econocircmicos legais e cognitivos Bruno Dente e Joan Subirats in

obcit pp 86-106

204 bull v 351 janjun 2015

aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omissotildees causa-

doras de danos certos especiais e anocircmalos

Nesse panorama o controle do Estado Democraacutetico natildeo esquecendo

de ver ldquoa trave no proacuteprio olhordquo precisa fazer as vezes de ldquoadministrador ne-

gativordquo e ao mesmo tempo de ativador dos direitos fundamentais de geraccedilotildees

presentes e futuras

Sem exceccedilatildeo o controle do viacutecio ou do ldquodemeacuteritordquo pode-deve alcanccedilar

ateacute a incoerecircncia da conduta administrativa agrave luz das prioridades constituci-

onais vinculantes E ponto nodal natildeo se aceita uma motivaccedilatildeo deacutebil pois se

exige uma justificaccedilatildeo congruente salvo se se tratar de atos de mero expedi-

ente autodecifraacuteveis e naqueles excepcionais casos em que a Constituiccedilatildeo ad-

mitir falta de motivaccedilatildeo (exemplo nomeaccedilatildeo para cargos em comissatildeo) To-

dos poreacutem devem ser no miacutenimo motivaacuteveis vale dizer passiacuteveis de apro-

vaccedilatildeo no teste de racionalidade intersubjetiva coibida toda e qualquer arbitra-

riedade inclusive a do controle

Haacute de fato enormes desvantagens na precariedade exacerbada e na

exagerada preferecircncia pelo presente38

nas escolhas intertemporais do Estado-

administraccedilatildeo ecos do paradigma tardio do direito administrativo volunta-

rista e livre de prestar contas sobre os custos sociais futuros39

Decerto o maacute-

ximo vinculativo pode ateacute ser inimigo da boa administraccedilatildeo (por exemplo se-

ria erro adotar orccedilamento rigidamente vinculado) mas se revela irremissiacutevel

no Estado contemporacircneo40

deixar de cobrar a vinculaccedilatildeo das escolhas admi-

nistrativas ao primado objetivo dos direitos fundamentais de modo a compa-

tibilizar41

o desenvolvimento econocircmico o bem-estar social e o equiliacutebrio eco-

loacutegico

Natildeo se admite sob nenhuma hipoacutetese uma discricionariedade distra-

iacuteda do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo e dos seus fins entrelaccedilados

equidade inclusiva combate agraves falhas de mercado e de governo sustentabili-

dade eficaz do bem-estar social ambiental e econocircmico das geraccedilotildees presentes

e futuras

Na oacutetica adotada o Estado Constitucional prescreve uma espeacutecie de

controle administrativo de constitucionalidade da implementaccedilatildeo das poliacuteti-

cas puacuteblicas tarefa a ser cumprida de ofiacutecio pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e pe-

38

Cf George Loewenstein e Richard Thaler in ldquoAnomalies Intertemporal Choicerdquo Journal of Eco-

nomic Perspectives 3 1989 pp 181-193

39 Cf sobre os custos sociais Richard Titmuss in Social Policy NY Pantheon Books 1974 Cap5

40 Cf sobre parcela dos desafios estatais no seacuteculo em curso Christopher Pierson in The Modern

State3ordf ed NY Routledge 2013

41 Cf sobre eficiecircncia como um dos objetivos estatais ao lado da equidade e de ldquoadministrative

feasibilityrdquo Nicholas Barr in The Economics of the Welfare State 5a ed Oxford Oxford Uni-

versity Press 2012 pp10-12

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 197

gia entre as poliacuteticas e o estabelecimento pactuado de metas monitoraacuteveis ob-

jetivamente em horizonte ampliado Pressupotildee enfim o enraizamento em

alta escala dos princiacutepios de boa governanccedila4 com inovaccedilatildeo de escopo trans-

parecircncia controle participativo e apesar dos riscos tecnocraacuteticos do rigoroso

escrutiacutenio retrospectivo5 e prospectivo

Trata-se de assumir com ecircnfase ineacutedita a sindicabilidade com os olhos

fitos nos princiacutepios da boa administraccedilatildeo6assimilados como autecircnticos nortes

vinculativos em lugar do desleixo tradicional Nesse aspecto a discricionarie-

dade legiacutetima requer (ao mesmo tempo suscita) o protagonismo em rede na

afirmaccedilatildeo do desenvolvimento duradouro (CF arts 225 e 170VI) o qual natildeo

se coaduna com o mito da oposiccedilatildeo inconciliaacutevel entre os domiacutenios do econocirc-

mico e do socioambiental Apenas para ilustrar em nosso sistema a proacutepria

atividade financeira (puacuteblica e privada) estaacute proibida de ignorar os riscos am-

bientais7

Para aleacutem disso intenta-se o Estado que timbra pelo resguardo da pro-

cessualizaccedilatildeo devida com a observacircncia de duraccedilatildeo razoaacutevel8 Almeja-se o Es-

tado da racionalidade aberta natildeo-cartesiana em vez do predomiacutenio senhorial

subproduto do patrimonialismo avesso agrave ativaccedilatildeo de direitos fundamentais

de todas as dimensotildees Natildeo eacute de estranhar na linha esposada que em cir-

cunstacircncia de antinomia entre o direito agrave sauacutede e o regime de impenhorabili-

dade de bens puacuteblicos prepondere o primeiro determinando o bloqueio de

verbas puacuteblicas como meio excepcional de tutela9 Em casos assim eclipsam-

se determinadas regras em prol do primado toacutepico-sistemaacutetico dos direitos

fundamentais

4

Cf o art 41 da Carta dos Direitos Fundamentais da Uniatildeo Europeia e o Coacutedigo Europeu de Boa

Conduta Administrativa Neste entre os princiacutepios proporcionalidade ao objetivo em vista

(art6ordm) objetividade (art9ordm) prazo razoaacutevel para decisotildees (art16) e dever de indicar os motivos

(art18)

5 Cf sobre as vantagens da anaacutelise retrospectiva Cass Sunstein in ldquoThe Regulatory Lookbackrdquo

Boston University Law Review Symposium on Political Dysfunction and the Constitution 2013

6 Cf no sistema britacircnico Principles of Good Administration ldquoGood administration by public

bodies means 1 Getting it right 2 Being customer focused 3 Being open and accountable 4

Acting fairly and proportionately 5 Putting things right 6 Seeking continuous improvement

Sobre proporcionalidade em termos europeus mais amplos vTakis Tridimas in The General

Principles of EC Law 2a edNY Oxford University Press 2006 pp136-249

7 Cf para ilustrar Resoluccedilatildeo 4327 de 25 de abril de 2014 do Bacen

8 A propoacutesito v o julgamento da AMS 20067200003920-0 no TRF-4

a Regiatildeo no qual foi reco-

nhecida a nulidade de auto de infraccedilatildeo entre outras razotildees porque o oacutergatildeo ambiental natildeo ha-

via concluiacutedo o processo administrativo violando o direito agrave razoaacutevel duraccedilatildeo

9 Cf por exemplo REsp 840782-RS rel Min Teori Albino Zavascki

198 bull v 351 janjun 2015

2 POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS E O DIREITO FUNDAMENTAL Agrave BOA ADMINISTRACcedilAtildeO

PUacuteBLICA

O Estado Constitucional em sua presumiacutevel afirmaccedilatildeo da cidadania

(natildeo necessariamente de modo linear)10

possui o compromisso indeclinaacutevel

de prover o acesso ao direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica com-

preendido nesses termos trata-se do direito fundamental agrave administraccedilatildeo puacute-

blica eficiente e eficaz proporcional cumpridora de seus deveres com trans-

parecircncia sustentabilidade motivaccedilatildeo proporcional imparcialidade e respeito

agrave moralidade agrave participaccedilatildeo social e agrave plena responsabilidade por suas condu-

tas omissivas e comissivas A tal direito corresponde o dever de observar nas

relaccedilotildees administrativas a cogecircncia da totalidade de princiacutepios constitucionais

e correspondentes prioridades

Observado de maneira atenta o direito fundamental agrave boa administra-

ccedilatildeo eacute liacutedimo plexo de direitos regras e princiacutepios encartados numa siacutentese11

ou seja o somatoacuterio de direitos subjetivos puacuteblicos No conceito proposto

abrigam-se entre outros os seguintes direitos

(a) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica transparente que supotildee evitar a

opacidade (salvo nos casos em que o sigilo se apresentar justificaacutevel e ainda

assim natildeo-definitivamente) com especial destaque para o direito a informa-

ccedilotildees12

inteligiacuteveis inclusive sobre a execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria13

e sobre o processo

de tomada das decisotildees administrativas que afetarem direitos14

(b) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica sustentaacutevel que implica fazer pre-

ponderar inclusive no campo regulatoacuterio o princiacutepio constitucional da sus-

tentabilidade que determina a preponderacircncia dos benefiacutecios sociais ambien-

tais e econocircmicos sobre os custos diretos e indiretos (externalidades negati-

vas) de molde a assegurar o bem-estar multimensional das geraccedilotildees presentes

sem impedir que as geraccedilotildees futuras alcancem o proacuteprio bem-estar multidi-

mensional15

10

Cf sobre os elementos da cidadania Thomas Humphrey Marshall in Citizenship and social class

and other essays Cambridge Cambridge University Press 1950 Para contraste vide Sergio BF

Tavolaro Lilia GM Tavolaro in ldquoA cidadania sob o signo do desvio Para uma criacutetica da lsquo tese

de excepcionalidade brasileirarsquordquo SocEstado Vol 25 n2 Brasiacutelia MayAug 2010

11 Sobre o tema no contexto europeu em face do art 41 da Carta de Nice v por exemplo Diana-

Urania Galetta ldquoIl diritto ad una buona amministrazione europea come fonte di essenziali ga-

ranzie procedimentali nei confronti della pubblica amministrazionerdquo Rivista Italiana di Diritto

Pubblico Comunitario 3-4819-857

12 Cf Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo (125272011)

13 Cf Lei Complementar 1012000 art 48

14 Cf Lei 978499 art3ordm

15 Cf Juarez Freitas in Sustentabilidade Direito ao Futuro 2ordf ed BH Foacuterum 2012

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 199

(c) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica dialoacutegica com amplas garantias de

contraditoacuterio e ampla defesa mdash eacute dizer do respeito ao devido processo com

duraccedilatildeo razoaacutevel e motivaccedilatildeo expliacutecita clara e congruente

(d) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica imparcial e o mais desenviesada

possiacutevel16

isto eacute aquela que filtrando os desvios cognitivos natildeo pratica nem

estimula discriminaccedilatildeo negativa de qualquer natureza e ao mesmo tempo

promove discriminaccedilotildees inversas ou positivas (redutoras das desigualdades

iniacutequas)

(e) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica proba que veda condutas eacuteticas

natildeo-universalizaacuteveis ou a confusatildeo entre o legal e o moral uma vez tais esferas

se vinculam mas satildeo distintas

(f) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica respeitadora da legalidade tempe-

rada ou seja que natildeo se rende agrave ldquoabsolutizaccedilatildeordquo irrefletida das regras

(g) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica preventiva precavida e eficaz (natildeo

apenas economicamente eficiente) eis que comprometida com resultados

compatiacuteveis com os indicadores de qualidade de vida em horizonte de longa

duraccedilatildeo

Tais direitos natildeo excluem outros17

pois se cuida de ldquostandard miacutenimordquo18

Por certo precisam ser tutelados em bloco no intuito de que a discricionarie-

dade natildeo conspire letalmente contra o aludido direito fundamental agrave boa admi-

nistraccedilatildeo

16

Natildeo se confundem imparcialidade e neutralidade Para a distinccedilatildeo embora na seara judicial v

Joseacute Carlos Barbosa Moreira ldquoImparcialidade reflexotildees sobre a imparcialidade do juizrdquo RJ 250

6-13

17 Cf Klara Klanska in ldquoTowards administrative human rights in the EU impact of the Charter of

Fundamental Rightsrdquo European Law Journal 10296-326 2004

18 Para usar expressatildeo em contexto assemelhado de Meinhard Hilf (ldquoDie Charta der Grundrechte

der Europaumlischen Unionrdquo ldquoSonderbeilagerdquo zu Neue Juristische Wochenschrift 2000 Heft 49)

200 bull v 351 janjun 2015

Em outras palavras as escolhas administrativas seratildeo legiacutetimas se mdash e so-

mente se mdash forem sistematicamente eficazes19

sustentaacuteveis motivadas propor-

cionais20

transparentes21

imparciais22

e ativadoras da participaccedilatildeo social da mo-

ralidade e da plena responsabilidade

A efetividade do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo enfrenta hoje

uma triacuteade de preacute-compreensotildees adversas Em primeiro lugar observa-se a

crenccedila infundada de que as poliacuteticas puacuteblicas pertenceriam ao reino da discri-

cionariedade insindicaacutevel como se as escolhas poliacuteticas (e por vezes as omis-

sotildees) embora manifestamente viciadas natildeo fossem catalogaacuteveis como incons-

titucionais Erro tiacutepico da mentalidade refrataacuteria aos contrapoderes de con-

trole Constata-se em segundo lugar a proposiccedilatildeo natildeo menos equivocada de

que a separaccedilatildeo de poderes representaria autecircntica carta branca para os ges-

tores puacuteblicos os quais apenas seriam controlaacuteveis pelas urnas no tocante agraves

escolhas feitas como se a higidez das prioridades concretamente adotadas

fosse mateacuteria reservada ao processo eleitoral cujas distorccedilotildees de financia-

mento e de ordem cognitiva conspiram frequentes vezes contra o cerne da

Constituiccedilatildeo Erro caracteriacutestico dos que consideram legiacutetimo e juridicamente

seguro apenas aquilo que for produzido por legisladores e governantes eleitos

numa concepccedilatildeo demasiado acanhada do processo de deliberaccedilatildeo democraacute-

tica Naturalmente natildeo se subestimam as dificuldades contramajoritaacuterias mas

conveacutem diante das omissotildees inconstitucionais ou das violaccedilotildees agressivas a

direitos individuais e coletivos natildeo superestimar as ldquovirtudes passivasrdquo de Bi-

ckel23

Persiste por uacuteltimo o postulado iloacutegico de que os controles (externo

19

Engana-se quem supotildee que a Constituiccedilatildeo ao consagrar o princiacutepio da eficiecircncia (art 37 com

o advento da Emenda 191998) excluiu o princiacutepio da eficaacutecia Ao contraacuterio O aludido princiacutepio

consta expressamente no art 74 da CF Portanto ndash disputas semacircnticas agrave parte ndash o direito sub-

jetivo puacuteblico agrave eficaacutecia merece definitivo reconhecimento Integra o direito fundamental agrave boa

administraccedilatildeo puacuteblica jaacute que consiste justamente em incrementar a gestatildeo puacuteblica de maneira

que a administraccedilatildeo escolha fazer o que constitucionalmente deve fazer (conceito de eficaacutecia

sob inspiraccedilatildeo de Peter Drucker) em lugar de apenas fazer bem ou eficientemente aquilo que

natildeo raro se encontra contaminado Motivo preciacutepuo de se falar em eficaacutecia avolumam-se os

casos de discricionariedade administrativa ineficaz

20 Ainda que o Poder Judiciaacuterio natildeo aprecie diretamente o meacuterito verifica se viola ou natildeo prin-

ciacutepios tais como o da proporcionalidade inclusive no tocante agrave compatibilidade entre cargos

em comissatildeo e cargos efetivos V para ilustrar o julgamento do STF no AgR RE 365368-SC rel

Min Ricardo Lewandowski

21 V Tecircmis Limberger ldquoTransparecircncia e novas tecnologiasrdquo IP 3956 e ss

22 A respeito ndash esclarece Diana-Urania Galetta ndash a jurisprudecircncia da Comunidade Europeia ldquoha

sottolineato come il presupposto per una decisione imparziale che sia espressione del principio

di buona amministrazione egrave che siano presi in considerazione lsquo() tutti gli elementi di fatto e

di diritto disponibili al momento dellrsquoadozione dellrsquoattorsquo poicheacute sussiste lrsquoobbligo di predi-

sporre la decisione lsquo() con tutta la diligenza richiesta e di adottarla prendendo a fondamento

tutti i dati idonei ad incidere sul risultatorsquordquo (ldquoIl diritto ad una buona amministrazione europea

come fonte di essenziali garanzie procedimentali nei confronti della pubblica amministra-

zionerdquo Rivista Italiana di Diritto Pubblico Comunitario 3-4825)

23 Cf Alexander M Bickel in The Last Dangerous Branch2a ed New Haven and London Yale

University Press 1986 pp 111-198

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 201

interno e jurisdicional) em que pese serem autocircnomos e tendencialmente me-

nos presos agrave loacutegica do patrimonialismo natildeo deveriam levar a cabo o exame

juriacutedico da congruecircncia e da coerecircncia dos propoacutesitos24

das medidas poliacuteticas

em assombroso convite agrave condescendecircncia com o ldquostatus quordquo Natildeo por acaso

os que assim pensam parecem natildeo se importar por exemplo com a tardanccedila

vexatoacuteria na aboliccedilatildeo da escravatura no Brasil ou na derrubada da segregaccedilatildeo

racial nos Estados Unidos25

Detecta-se em todas essas preacute-compreensotildees a subjacente heuriacutestica de

que a discricionariedade do administrador puacuteblico estaria como que dispen-

sada do cotejo com a eficaacutecia direta e imediata dos direitos fundamentais no-

tadamente do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Ao lado desse evi-

dente desvio cognitivo subsiste a afirmaccedilatildeo sem qualquer lastro de que os

controles (inclusive o judicial) perante inequiacutevoca vulneraccedilatildeo dos direitos

fundamentais extrapolariam se agissem positivamente (ainda que de modo

transitoacuterio) apesar da interdependecircncia dos poderes

Vencidos tais vieses defende-se aqui o controle acima de tudo como

defesa congruente e consistente das prioridades26

cogentes da Carta encarna-

dos no direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Nada menos e nada mais

Com efeito decisionismos arbitraacuterios agrave parte natildeo faz sentido (numa ordem

aberta pluralista e de poderes entrelaccedilados) postular o controle que se abste-

nha perante crocircnicas violaccedilotildees perpetradas sob o veacuteu da discricionariedade

Em definitivo cumpre assimilar que o conteuacutedo das poliacuteticas puacuteblicas

natildeo pode ser estipulado exclusivamente por governantes ou legisladores com

a coadjuvacircncia opaca e subalterna dos outros atores constitucionais pois a

Constituiccedilatildeo por mais ambiacutegua e contraditoacuteria natildeo eacute pacote oniacuterico de pro-

messas soltas ao vento ao sabor da faculdade de querer dos liacutederes poliacuteticos

Em outras palavras a Carta agrave vista da sua continuidade normativa reclama

acatamento seguro contra volatilidades Trata-se de acolher o caraacuteter heterocirc-

nomo da taacutebua constitucional de prioridades conformadoras e limitadoras de

preferecircncias contingentes

A Constituiccedilatildeo fixa expressa ou tacitamente prioridades vinculativas

de partida E o faz de modo a estatuir em alguns casos ateacute ldquoabsoluta priori-

daderdquo (ex CF art 227) na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de determinadas

24

Cf para ilustrar a discussatildeo norte-americana Stephen Breyer (ldquopurpose orientedrdquo) in Making

our democracy work NY Alfred Knoff 2010 Noutro polo com os seus cacircnones excessivamente

textualistas vide Antonin Scalia e Bryan Garner in Reading Law StPaul ThomsonWest 2012

25 Cf por exemplo Michael Klarman in Brown of Education and the Civil Rights Movement NY

Oxford University Press 2007 pp 3-53

26 Considera-se viaacutevel superar de modo fundamentado as dificuldades na eleiccedilatildeo das diretivas

preferenciais comparativas analiticamente arroladas por Pierluigi Chiasoni in Teacutecnicas de in-

terpretacioacuten juriacutedica Madrid Marcial Pons 2011 pp 125-130

202 bull v 351 janjun 2015

poliacuteticas Nesse quadro impende rever em tons precisos os contornos do es-

crutiacutenio das decisotildees puacuteblicas O que se almeja eacute por assim dizer a consagra-

ccedilatildeo da liberdade republicana27

(natildeo oligaacuterquica patrimonialista e autoritaacuteria)

exercida a partir de inferecircncias vaacutelidas no contexto da escolha raciocinada de

prioridades em vez das lamentaacuteveis e ideoloacutegicas desdestinaccedilotildees que a poliacute-

tica convencional engendra em profusatildeo sobremodo quando o engano e o

autoengano parecem industrialmente fabricados28

Natildeo se admite pois embaralhar com ingenuidade friacutevola a liberdade

constitucional democraacutetica (imparcial balanceada e comedida) com a falsa li-

berdade (no fundo liberticida) que caracteriza as opccedilotildees patrimonialistas tiacute-

picas as quais resultam ora em escolhas agressivamente abusivas ora em es-

colhas claramente deficitaacuterias morosas e ateacute em natildeo-decisotildees

Mais seja qual for o modelo decisoacuterio adotado29

a escolha caracterizada

pela validade e pela confiabilidade30

teraacute de por forccedila e direito redundar na

primazia intertemporal dos benefiacutecios liacutequidos econocircmicos e natildeo-econocircmi-

cos31

Quer dizer importa natildeo somente em situaccedilotildees-limite sindicar a escolha

(dos meios necessaacuterios e adequados assim como dos propoacutesitos e das priori-

dades) entendida a liberdade decisoacuteria como poder-dever atribuiacutedo aos agen-

tes puacuteblicos para que efetuem as melhores opccedilotildees entre as vaacuterias admissiacuteveis

desde que com sobrepujantes benefiacutecios diretos e indiretos

Imprescindiacutevel que os controles natildeo permaneccedilam indiferentes diante

de inatividades prestacionais concretas32

nem diante de manobras astuciosas

e desavindas de qualquer amparo nas prioridades constitucionais

Nesse prisma as poliacuteticas puacuteblicas natildeo devem mais ser vistas como me-

ros programas governamentais mais ou menos livres ao gosto dos eleitos e de

seus patrocinadores Satildeo na realidade programas constitucionais que in-

cumbe ao agente puacuteblico implementar de maneira estilisticamente nuan-

ccedilada33

mas sem retrocesso Compreendidas nessa acepccedilatildeo inventariam-se por

exemplo certas prioridades-guia que desfrutam de robusto enraizamento no

27

Cf Raymundo Faoro in Repuacuteblica inacabada SP Globo 2007

28 Cf sobre autoengano Robert Trivers in Natural Selection and Social Theory Oxford Oxford

University Press 2002

29 Cf sobre os modelos de racionalidade Bruno Dente e Joan Subirats in Decisiones Puacuteblicas

Madrid Ariel 2014 pp 53-68

30 Cf sobre confiabilidade e validade Lee Epstein e Gary King in Pesquisa empiacuterica em Direito

as regras de inferecircncia SP FGV 2013 p105

31 Cf sobre esse tipo de controle Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Ver-

meule e Michael Herz in Administrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer

2011 p 10

32 Cf no contexto espanhol Ricardo de Vicente Domingo in La inactividad administrativa pres-

tacional y su control judicial Madrid Civitas Thompson Reuters 2014 especialmente por seus

comentaacuterios sobre o art 29 da Lei de Jurisdiccedilatildeo Contenciosa-administrativa de 1998

33 Cf sobre estilos diferenciados Jeremy Richardson (ed) in Policy Stiles in Western Europe Lon-

don George AllenampUnwin 1982

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 203

texto e no espiacuterito da Carta (I) a prioridade das poliacuteticas endereccediladas ao de-

senvolvimento sustentaacutevel sobre aquelas voltadas apenas para o crescimento

econocircmico imediato (CF art225) (II) a prioridade das poliacuteticas voltadas para

a eficaacutecia do nuacutecleo dos direitos fundamentais sobre aquelas destinadas a as-

segurar pleitos natildeo fundamentais (III) a prioridade das poliacuteticas dotadas de

responsabilidade intertemporal e intergeracional sobre aquelas que se preocu-

pam soacute com a geraccedilatildeo presente (ou com a proacutexima eleiccedilatildeo) (IV) a prioridade

das poliacuteticas de benefiacutecios liacutequidos sobre aquelas cujos custos sociais ambien-

tais e econocircmicos ultrapassam os eventuais ganhos (diretos e indiretos) (V) a

prioridade das poliacuteticas explicitamente justificadas sobre aquelas de motivaccedilatildeo

elusiva (VI) a prioridade das poliacuteticas alinhadas toacutepico-sistematicamente

com os objetivos fundamentais da Carta (art3ordm) sobre aquelas transitoacuterias e

natildeo universalizaacuteveis (VII) a prioridade das poliacuteticas redutoras de iniquidades

sobre aquelas que cultivam cegamente o mercado a despeito de suas estriden-

tes falhas

Nessas circunstacircncias34

forccedila rever a categoria da discricionariedade em

seus grandes traccedilos35

com o desiderato de realinhaacute-la ao caraacuteter vinculante das

poliacuteticas puacuteblicas independente de polarizaccedilotildees extremistas Seria de fato er-

rocircneo conceber a discricionariedade como irrestrita liberdade para emitir juiacute-

zos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave praacutetica ou natildeo de certas poliacute-

ticas como se estas natildeo fossem mensuraacuteveis Na verdade as opccedilotildees vaacutelidas

ldquoprima facierdquo nunca satildeo indiferentes Pode-se desse modo reconceituar a dis-

cricionariedade administrativa como a competecircncia (natildeo mera faculdade) de

avaliar e eleger no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indi-

retas (externalidades) de determinados programas preliminarmente estabele-

cidos com observacircncia justificada (interna e externamente36

) de prioridades

constitucionais no uso pertinente e eficaz dos recursos disponiacuteveis37

Dito de outro modo em nosso modelo constitucional as poliacuteticas puacutebli-

cas obrigatoriamente devem ser implementadas e controladas agrave base de prio-

ridades constitucionais vinculantes e nessa perspectiva escrutinadas sem pas-

sivismo no intuito de que apresentem benefiacutecios liacutequidos (sociais econocircmicos

e ambientais) Em outras palavras natildeo pode haver indiferenccedila no tocante agrave

qualidade juriacutedica ldquolato sensurdquo da motivaccedilatildeo e dos propoacutesitos das poliacuteticas

34

Cf Juarez Freitas com detalhe in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Funda-

mentais 5ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2013 Caps 6 e 11

35 Cf Celso Antocircnio Bandeira de Mello in Discricionariedade e Controle Jurisdicional 2a ed 9a

tir Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008 p 10

36 Cf entre outros por seu pioneirismo sobre justificaccedilatildeo externa e interna Jerzy Wroacuteblewski in

ldquoLegal decision and its jusificationrdquo Logique et analyses Vol14 n 53-54 1971 Cf para analiacute-

tica mirada de conjunto Pierluigi Chiarosoni in Teacutecnicas de interpretacioacuten juriacutedica Madrid

Marcial Pons 2011

37 Cf sobre recursos poliacuteticos econocircmicos legais e cognitivos Bruno Dente e Joan Subirats in

obcit pp 86-106

204 bull v 351 janjun 2015

aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omissotildees causa-

doras de danos certos especiais e anocircmalos

Nesse panorama o controle do Estado Democraacutetico natildeo esquecendo

de ver ldquoa trave no proacuteprio olhordquo precisa fazer as vezes de ldquoadministrador ne-

gativordquo e ao mesmo tempo de ativador dos direitos fundamentais de geraccedilotildees

presentes e futuras

Sem exceccedilatildeo o controle do viacutecio ou do ldquodemeacuteritordquo pode-deve alcanccedilar

ateacute a incoerecircncia da conduta administrativa agrave luz das prioridades constituci-

onais vinculantes E ponto nodal natildeo se aceita uma motivaccedilatildeo deacutebil pois se

exige uma justificaccedilatildeo congruente salvo se se tratar de atos de mero expedi-

ente autodecifraacuteveis e naqueles excepcionais casos em que a Constituiccedilatildeo ad-

mitir falta de motivaccedilatildeo (exemplo nomeaccedilatildeo para cargos em comissatildeo) To-

dos poreacutem devem ser no miacutenimo motivaacuteveis vale dizer passiacuteveis de apro-

vaccedilatildeo no teste de racionalidade intersubjetiva coibida toda e qualquer arbitra-

riedade inclusive a do controle

Haacute de fato enormes desvantagens na precariedade exacerbada e na

exagerada preferecircncia pelo presente38

nas escolhas intertemporais do Estado-

administraccedilatildeo ecos do paradigma tardio do direito administrativo volunta-

rista e livre de prestar contas sobre os custos sociais futuros39

Decerto o maacute-

ximo vinculativo pode ateacute ser inimigo da boa administraccedilatildeo (por exemplo se-

ria erro adotar orccedilamento rigidamente vinculado) mas se revela irremissiacutevel

no Estado contemporacircneo40

deixar de cobrar a vinculaccedilatildeo das escolhas admi-

nistrativas ao primado objetivo dos direitos fundamentais de modo a compa-

tibilizar41

o desenvolvimento econocircmico o bem-estar social e o equiliacutebrio eco-

loacutegico

Natildeo se admite sob nenhuma hipoacutetese uma discricionariedade distra-

iacuteda do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo e dos seus fins entrelaccedilados

equidade inclusiva combate agraves falhas de mercado e de governo sustentabili-

dade eficaz do bem-estar social ambiental e econocircmico das geraccedilotildees presentes

e futuras

Na oacutetica adotada o Estado Constitucional prescreve uma espeacutecie de

controle administrativo de constitucionalidade da implementaccedilatildeo das poliacuteti-

cas puacuteblicas tarefa a ser cumprida de ofiacutecio pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e pe-

38

Cf George Loewenstein e Richard Thaler in ldquoAnomalies Intertemporal Choicerdquo Journal of Eco-

nomic Perspectives 3 1989 pp 181-193

39 Cf sobre os custos sociais Richard Titmuss in Social Policy NY Pantheon Books 1974 Cap5

40 Cf sobre parcela dos desafios estatais no seacuteculo em curso Christopher Pierson in The Modern

State3ordf ed NY Routledge 2013

41 Cf sobre eficiecircncia como um dos objetivos estatais ao lado da equidade e de ldquoadministrative

feasibilityrdquo Nicholas Barr in The Economics of the Welfare State 5a ed Oxford Oxford Uni-

versity Press 2012 pp10-12

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

198 bull v 351 janjun 2015

2 POLIacuteTICAS PUacuteBLICAS E O DIREITO FUNDAMENTAL Agrave BOA ADMINISTRACcedilAtildeO

PUacuteBLICA

O Estado Constitucional em sua presumiacutevel afirmaccedilatildeo da cidadania

(natildeo necessariamente de modo linear)10

possui o compromisso indeclinaacutevel

de prover o acesso ao direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica com-

preendido nesses termos trata-se do direito fundamental agrave administraccedilatildeo puacute-

blica eficiente e eficaz proporcional cumpridora de seus deveres com trans-

parecircncia sustentabilidade motivaccedilatildeo proporcional imparcialidade e respeito

agrave moralidade agrave participaccedilatildeo social e agrave plena responsabilidade por suas condu-

tas omissivas e comissivas A tal direito corresponde o dever de observar nas

relaccedilotildees administrativas a cogecircncia da totalidade de princiacutepios constitucionais

e correspondentes prioridades

Observado de maneira atenta o direito fundamental agrave boa administra-

ccedilatildeo eacute liacutedimo plexo de direitos regras e princiacutepios encartados numa siacutentese11

ou seja o somatoacuterio de direitos subjetivos puacuteblicos No conceito proposto

abrigam-se entre outros os seguintes direitos

(a) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica transparente que supotildee evitar a

opacidade (salvo nos casos em que o sigilo se apresentar justificaacutevel e ainda

assim natildeo-definitivamente) com especial destaque para o direito a informa-

ccedilotildees12

inteligiacuteveis inclusive sobre a execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria13

e sobre o processo

de tomada das decisotildees administrativas que afetarem direitos14

(b) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica sustentaacutevel que implica fazer pre-

ponderar inclusive no campo regulatoacuterio o princiacutepio constitucional da sus-

tentabilidade que determina a preponderacircncia dos benefiacutecios sociais ambien-

tais e econocircmicos sobre os custos diretos e indiretos (externalidades negati-

vas) de molde a assegurar o bem-estar multimensional das geraccedilotildees presentes

sem impedir que as geraccedilotildees futuras alcancem o proacuteprio bem-estar multidi-

mensional15

10

Cf sobre os elementos da cidadania Thomas Humphrey Marshall in Citizenship and social class

and other essays Cambridge Cambridge University Press 1950 Para contraste vide Sergio BF

Tavolaro Lilia GM Tavolaro in ldquoA cidadania sob o signo do desvio Para uma criacutetica da lsquo tese

de excepcionalidade brasileirarsquordquo SocEstado Vol 25 n2 Brasiacutelia MayAug 2010

11 Sobre o tema no contexto europeu em face do art 41 da Carta de Nice v por exemplo Diana-

Urania Galetta ldquoIl diritto ad una buona amministrazione europea come fonte di essenziali ga-

ranzie procedimentali nei confronti della pubblica amministrazionerdquo Rivista Italiana di Diritto

Pubblico Comunitario 3-4819-857

12 Cf Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo (125272011)

13 Cf Lei Complementar 1012000 art 48

14 Cf Lei 978499 art3ordm

15 Cf Juarez Freitas in Sustentabilidade Direito ao Futuro 2ordf ed BH Foacuterum 2012

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 199

(c) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica dialoacutegica com amplas garantias de

contraditoacuterio e ampla defesa mdash eacute dizer do respeito ao devido processo com

duraccedilatildeo razoaacutevel e motivaccedilatildeo expliacutecita clara e congruente

(d) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica imparcial e o mais desenviesada

possiacutevel16

isto eacute aquela que filtrando os desvios cognitivos natildeo pratica nem

estimula discriminaccedilatildeo negativa de qualquer natureza e ao mesmo tempo

promove discriminaccedilotildees inversas ou positivas (redutoras das desigualdades

iniacutequas)

(e) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica proba que veda condutas eacuteticas

natildeo-universalizaacuteveis ou a confusatildeo entre o legal e o moral uma vez tais esferas

se vinculam mas satildeo distintas

(f) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica respeitadora da legalidade tempe-

rada ou seja que natildeo se rende agrave ldquoabsolutizaccedilatildeordquo irrefletida das regras

(g) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica preventiva precavida e eficaz (natildeo

apenas economicamente eficiente) eis que comprometida com resultados

compatiacuteveis com os indicadores de qualidade de vida em horizonte de longa

duraccedilatildeo

Tais direitos natildeo excluem outros17

pois se cuida de ldquostandard miacutenimordquo18

Por certo precisam ser tutelados em bloco no intuito de que a discricionarie-

dade natildeo conspire letalmente contra o aludido direito fundamental agrave boa admi-

nistraccedilatildeo

16

Natildeo se confundem imparcialidade e neutralidade Para a distinccedilatildeo embora na seara judicial v

Joseacute Carlos Barbosa Moreira ldquoImparcialidade reflexotildees sobre a imparcialidade do juizrdquo RJ 250

6-13

17 Cf Klara Klanska in ldquoTowards administrative human rights in the EU impact of the Charter of

Fundamental Rightsrdquo European Law Journal 10296-326 2004

18 Para usar expressatildeo em contexto assemelhado de Meinhard Hilf (ldquoDie Charta der Grundrechte

der Europaumlischen Unionrdquo ldquoSonderbeilagerdquo zu Neue Juristische Wochenschrift 2000 Heft 49)

200 bull v 351 janjun 2015

Em outras palavras as escolhas administrativas seratildeo legiacutetimas se mdash e so-

mente se mdash forem sistematicamente eficazes19

sustentaacuteveis motivadas propor-

cionais20

transparentes21

imparciais22

e ativadoras da participaccedilatildeo social da mo-

ralidade e da plena responsabilidade

A efetividade do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo enfrenta hoje

uma triacuteade de preacute-compreensotildees adversas Em primeiro lugar observa-se a

crenccedila infundada de que as poliacuteticas puacuteblicas pertenceriam ao reino da discri-

cionariedade insindicaacutevel como se as escolhas poliacuteticas (e por vezes as omis-

sotildees) embora manifestamente viciadas natildeo fossem catalogaacuteveis como incons-

titucionais Erro tiacutepico da mentalidade refrataacuteria aos contrapoderes de con-

trole Constata-se em segundo lugar a proposiccedilatildeo natildeo menos equivocada de

que a separaccedilatildeo de poderes representaria autecircntica carta branca para os ges-

tores puacuteblicos os quais apenas seriam controlaacuteveis pelas urnas no tocante agraves

escolhas feitas como se a higidez das prioridades concretamente adotadas

fosse mateacuteria reservada ao processo eleitoral cujas distorccedilotildees de financia-

mento e de ordem cognitiva conspiram frequentes vezes contra o cerne da

Constituiccedilatildeo Erro caracteriacutestico dos que consideram legiacutetimo e juridicamente

seguro apenas aquilo que for produzido por legisladores e governantes eleitos

numa concepccedilatildeo demasiado acanhada do processo de deliberaccedilatildeo democraacute-

tica Naturalmente natildeo se subestimam as dificuldades contramajoritaacuterias mas

conveacutem diante das omissotildees inconstitucionais ou das violaccedilotildees agressivas a

direitos individuais e coletivos natildeo superestimar as ldquovirtudes passivasrdquo de Bi-

ckel23

Persiste por uacuteltimo o postulado iloacutegico de que os controles (externo

19

Engana-se quem supotildee que a Constituiccedilatildeo ao consagrar o princiacutepio da eficiecircncia (art 37 com

o advento da Emenda 191998) excluiu o princiacutepio da eficaacutecia Ao contraacuterio O aludido princiacutepio

consta expressamente no art 74 da CF Portanto ndash disputas semacircnticas agrave parte ndash o direito sub-

jetivo puacuteblico agrave eficaacutecia merece definitivo reconhecimento Integra o direito fundamental agrave boa

administraccedilatildeo puacuteblica jaacute que consiste justamente em incrementar a gestatildeo puacuteblica de maneira

que a administraccedilatildeo escolha fazer o que constitucionalmente deve fazer (conceito de eficaacutecia

sob inspiraccedilatildeo de Peter Drucker) em lugar de apenas fazer bem ou eficientemente aquilo que

natildeo raro se encontra contaminado Motivo preciacutepuo de se falar em eficaacutecia avolumam-se os

casos de discricionariedade administrativa ineficaz

20 Ainda que o Poder Judiciaacuterio natildeo aprecie diretamente o meacuterito verifica se viola ou natildeo prin-

ciacutepios tais como o da proporcionalidade inclusive no tocante agrave compatibilidade entre cargos

em comissatildeo e cargos efetivos V para ilustrar o julgamento do STF no AgR RE 365368-SC rel

Min Ricardo Lewandowski

21 V Tecircmis Limberger ldquoTransparecircncia e novas tecnologiasrdquo IP 3956 e ss

22 A respeito ndash esclarece Diana-Urania Galetta ndash a jurisprudecircncia da Comunidade Europeia ldquoha

sottolineato come il presupposto per una decisione imparziale che sia espressione del principio

di buona amministrazione egrave che siano presi in considerazione lsquo() tutti gli elementi di fatto e

di diritto disponibili al momento dellrsquoadozione dellrsquoattorsquo poicheacute sussiste lrsquoobbligo di predi-

sporre la decisione lsquo() con tutta la diligenza richiesta e di adottarla prendendo a fondamento

tutti i dati idonei ad incidere sul risultatorsquordquo (ldquoIl diritto ad una buona amministrazione europea

come fonte di essenziali garanzie procedimentali nei confronti della pubblica amministra-

zionerdquo Rivista Italiana di Diritto Pubblico Comunitario 3-4825)

23 Cf Alexander M Bickel in The Last Dangerous Branch2a ed New Haven and London Yale

University Press 1986 pp 111-198

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 201

interno e jurisdicional) em que pese serem autocircnomos e tendencialmente me-

nos presos agrave loacutegica do patrimonialismo natildeo deveriam levar a cabo o exame

juriacutedico da congruecircncia e da coerecircncia dos propoacutesitos24

das medidas poliacuteticas

em assombroso convite agrave condescendecircncia com o ldquostatus quordquo Natildeo por acaso

os que assim pensam parecem natildeo se importar por exemplo com a tardanccedila

vexatoacuteria na aboliccedilatildeo da escravatura no Brasil ou na derrubada da segregaccedilatildeo

racial nos Estados Unidos25

Detecta-se em todas essas preacute-compreensotildees a subjacente heuriacutestica de

que a discricionariedade do administrador puacuteblico estaria como que dispen-

sada do cotejo com a eficaacutecia direta e imediata dos direitos fundamentais no-

tadamente do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Ao lado desse evi-

dente desvio cognitivo subsiste a afirmaccedilatildeo sem qualquer lastro de que os

controles (inclusive o judicial) perante inequiacutevoca vulneraccedilatildeo dos direitos

fundamentais extrapolariam se agissem positivamente (ainda que de modo

transitoacuterio) apesar da interdependecircncia dos poderes

Vencidos tais vieses defende-se aqui o controle acima de tudo como

defesa congruente e consistente das prioridades26

cogentes da Carta encarna-

dos no direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Nada menos e nada mais

Com efeito decisionismos arbitraacuterios agrave parte natildeo faz sentido (numa ordem

aberta pluralista e de poderes entrelaccedilados) postular o controle que se abste-

nha perante crocircnicas violaccedilotildees perpetradas sob o veacuteu da discricionariedade

Em definitivo cumpre assimilar que o conteuacutedo das poliacuteticas puacuteblicas

natildeo pode ser estipulado exclusivamente por governantes ou legisladores com

a coadjuvacircncia opaca e subalterna dos outros atores constitucionais pois a

Constituiccedilatildeo por mais ambiacutegua e contraditoacuteria natildeo eacute pacote oniacuterico de pro-

messas soltas ao vento ao sabor da faculdade de querer dos liacutederes poliacuteticos

Em outras palavras a Carta agrave vista da sua continuidade normativa reclama

acatamento seguro contra volatilidades Trata-se de acolher o caraacuteter heterocirc-

nomo da taacutebua constitucional de prioridades conformadoras e limitadoras de

preferecircncias contingentes

A Constituiccedilatildeo fixa expressa ou tacitamente prioridades vinculativas

de partida E o faz de modo a estatuir em alguns casos ateacute ldquoabsoluta priori-

daderdquo (ex CF art 227) na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de determinadas

24

Cf para ilustrar a discussatildeo norte-americana Stephen Breyer (ldquopurpose orientedrdquo) in Making

our democracy work NY Alfred Knoff 2010 Noutro polo com os seus cacircnones excessivamente

textualistas vide Antonin Scalia e Bryan Garner in Reading Law StPaul ThomsonWest 2012

25 Cf por exemplo Michael Klarman in Brown of Education and the Civil Rights Movement NY

Oxford University Press 2007 pp 3-53

26 Considera-se viaacutevel superar de modo fundamentado as dificuldades na eleiccedilatildeo das diretivas

preferenciais comparativas analiticamente arroladas por Pierluigi Chiasoni in Teacutecnicas de in-

terpretacioacuten juriacutedica Madrid Marcial Pons 2011 pp 125-130

202 bull v 351 janjun 2015

poliacuteticas Nesse quadro impende rever em tons precisos os contornos do es-

crutiacutenio das decisotildees puacuteblicas O que se almeja eacute por assim dizer a consagra-

ccedilatildeo da liberdade republicana27

(natildeo oligaacuterquica patrimonialista e autoritaacuteria)

exercida a partir de inferecircncias vaacutelidas no contexto da escolha raciocinada de

prioridades em vez das lamentaacuteveis e ideoloacutegicas desdestinaccedilotildees que a poliacute-

tica convencional engendra em profusatildeo sobremodo quando o engano e o

autoengano parecem industrialmente fabricados28

Natildeo se admite pois embaralhar com ingenuidade friacutevola a liberdade

constitucional democraacutetica (imparcial balanceada e comedida) com a falsa li-

berdade (no fundo liberticida) que caracteriza as opccedilotildees patrimonialistas tiacute-

picas as quais resultam ora em escolhas agressivamente abusivas ora em es-

colhas claramente deficitaacuterias morosas e ateacute em natildeo-decisotildees

Mais seja qual for o modelo decisoacuterio adotado29

a escolha caracterizada

pela validade e pela confiabilidade30

teraacute de por forccedila e direito redundar na

primazia intertemporal dos benefiacutecios liacutequidos econocircmicos e natildeo-econocircmi-

cos31

Quer dizer importa natildeo somente em situaccedilotildees-limite sindicar a escolha

(dos meios necessaacuterios e adequados assim como dos propoacutesitos e das priori-

dades) entendida a liberdade decisoacuteria como poder-dever atribuiacutedo aos agen-

tes puacuteblicos para que efetuem as melhores opccedilotildees entre as vaacuterias admissiacuteveis

desde que com sobrepujantes benefiacutecios diretos e indiretos

Imprescindiacutevel que os controles natildeo permaneccedilam indiferentes diante

de inatividades prestacionais concretas32

nem diante de manobras astuciosas

e desavindas de qualquer amparo nas prioridades constitucionais

Nesse prisma as poliacuteticas puacuteblicas natildeo devem mais ser vistas como me-

ros programas governamentais mais ou menos livres ao gosto dos eleitos e de

seus patrocinadores Satildeo na realidade programas constitucionais que in-

cumbe ao agente puacuteblico implementar de maneira estilisticamente nuan-

ccedilada33

mas sem retrocesso Compreendidas nessa acepccedilatildeo inventariam-se por

exemplo certas prioridades-guia que desfrutam de robusto enraizamento no

27

Cf Raymundo Faoro in Repuacuteblica inacabada SP Globo 2007

28 Cf sobre autoengano Robert Trivers in Natural Selection and Social Theory Oxford Oxford

University Press 2002

29 Cf sobre os modelos de racionalidade Bruno Dente e Joan Subirats in Decisiones Puacuteblicas

Madrid Ariel 2014 pp 53-68

30 Cf sobre confiabilidade e validade Lee Epstein e Gary King in Pesquisa empiacuterica em Direito

as regras de inferecircncia SP FGV 2013 p105

31 Cf sobre esse tipo de controle Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Ver-

meule e Michael Herz in Administrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer

2011 p 10

32 Cf no contexto espanhol Ricardo de Vicente Domingo in La inactividad administrativa pres-

tacional y su control judicial Madrid Civitas Thompson Reuters 2014 especialmente por seus

comentaacuterios sobre o art 29 da Lei de Jurisdiccedilatildeo Contenciosa-administrativa de 1998

33 Cf sobre estilos diferenciados Jeremy Richardson (ed) in Policy Stiles in Western Europe Lon-

don George AllenampUnwin 1982

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 203

texto e no espiacuterito da Carta (I) a prioridade das poliacuteticas endereccediladas ao de-

senvolvimento sustentaacutevel sobre aquelas voltadas apenas para o crescimento

econocircmico imediato (CF art225) (II) a prioridade das poliacuteticas voltadas para

a eficaacutecia do nuacutecleo dos direitos fundamentais sobre aquelas destinadas a as-

segurar pleitos natildeo fundamentais (III) a prioridade das poliacuteticas dotadas de

responsabilidade intertemporal e intergeracional sobre aquelas que se preocu-

pam soacute com a geraccedilatildeo presente (ou com a proacutexima eleiccedilatildeo) (IV) a prioridade

das poliacuteticas de benefiacutecios liacutequidos sobre aquelas cujos custos sociais ambien-

tais e econocircmicos ultrapassam os eventuais ganhos (diretos e indiretos) (V) a

prioridade das poliacuteticas explicitamente justificadas sobre aquelas de motivaccedilatildeo

elusiva (VI) a prioridade das poliacuteticas alinhadas toacutepico-sistematicamente

com os objetivos fundamentais da Carta (art3ordm) sobre aquelas transitoacuterias e

natildeo universalizaacuteveis (VII) a prioridade das poliacuteticas redutoras de iniquidades

sobre aquelas que cultivam cegamente o mercado a despeito de suas estriden-

tes falhas

Nessas circunstacircncias34

forccedila rever a categoria da discricionariedade em

seus grandes traccedilos35

com o desiderato de realinhaacute-la ao caraacuteter vinculante das

poliacuteticas puacuteblicas independente de polarizaccedilotildees extremistas Seria de fato er-

rocircneo conceber a discricionariedade como irrestrita liberdade para emitir juiacute-

zos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave praacutetica ou natildeo de certas poliacute-

ticas como se estas natildeo fossem mensuraacuteveis Na verdade as opccedilotildees vaacutelidas

ldquoprima facierdquo nunca satildeo indiferentes Pode-se desse modo reconceituar a dis-

cricionariedade administrativa como a competecircncia (natildeo mera faculdade) de

avaliar e eleger no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indi-

retas (externalidades) de determinados programas preliminarmente estabele-

cidos com observacircncia justificada (interna e externamente36

) de prioridades

constitucionais no uso pertinente e eficaz dos recursos disponiacuteveis37

Dito de outro modo em nosso modelo constitucional as poliacuteticas puacutebli-

cas obrigatoriamente devem ser implementadas e controladas agrave base de prio-

ridades constitucionais vinculantes e nessa perspectiva escrutinadas sem pas-

sivismo no intuito de que apresentem benefiacutecios liacutequidos (sociais econocircmicos

e ambientais) Em outras palavras natildeo pode haver indiferenccedila no tocante agrave

qualidade juriacutedica ldquolato sensurdquo da motivaccedilatildeo e dos propoacutesitos das poliacuteticas

34

Cf Juarez Freitas com detalhe in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Funda-

mentais 5ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2013 Caps 6 e 11

35 Cf Celso Antocircnio Bandeira de Mello in Discricionariedade e Controle Jurisdicional 2a ed 9a

tir Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008 p 10

36 Cf entre outros por seu pioneirismo sobre justificaccedilatildeo externa e interna Jerzy Wroacuteblewski in

ldquoLegal decision and its jusificationrdquo Logique et analyses Vol14 n 53-54 1971 Cf para analiacute-

tica mirada de conjunto Pierluigi Chiarosoni in Teacutecnicas de interpretacioacuten juriacutedica Madrid

Marcial Pons 2011

37 Cf sobre recursos poliacuteticos econocircmicos legais e cognitivos Bruno Dente e Joan Subirats in

obcit pp 86-106

204 bull v 351 janjun 2015

aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omissotildees causa-

doras de danos certos especiais e anocircmalos

Nesse panorama o controle do Estado Democraacutetico natildeo esquecendo

de ver ldquoa trave no proacuteprio olhordquo precisa fazer as vezes de ldquoadministrador ne-

gativordquo e ao mesmo tempo de ativador dos direitos fundamentais de geraccedilotildees

presentes e futuras

Sem exceccedilatildeo o controle do viacutecio ou do ldquodemeacuteritordquo pode-deve alcanccedilar

ateacute a incoerecircncia da conduta administrativa agrave luz das prioridades constituci-

onais vinculantes E ponto nodal natildeo se aceita uma motivaccedilatildeo deacutebil pois se

exige uma justificaccedilatildeo congruente salvo se se tratar de atos de mero expedi-

ente autodecifraacuteveis e naqueles excepcionais casos em que a Constituiccedilatildeo ad-

mitir falta de motivaccedilatildeo (exemplo nomeaccedilatildeo para cargos em comissatildeo) To-

dos poreacutem devem ser no miacutenimo motivaacuteveis vale dizer passiacuteveis de apro-

vaccedilatildeo no teste de racionalidade intersubjetiva coibida toda e qualquer arbitra-

riedade inclusive a do controle

Haacute de fato enormes desvantagens na precariedade exacerbada e na

exagerada preferecircncia pelo presente38

nas escolhas intertemporais do Estado-

administraccedilatildeo ecos do paradigma tardio do direito administrativo volunta-

rista e livre de prestar contas sobre os custos sociais futuros39

Decerto o maacute-

ximo vinculativo pode ateacute ser inimigo da boa administraccedilatildeo (por exemplo se-

ria erro adotar orccedilamento rigidamente vinculado) mas se revela irremissiacutevel

no Estado contemporacircneo40

deixar de cobrar a vinculaccedilatildeo das escolhas admi-

nistrativas ao primado objetivo dos direitos fundamentais de modo a compa-

tibilizar41

o desenvolvimento econocircmico o bem-estar social e o equiliacutebrio eco-

loacutegico

Natildeo se admite sob nenhuma hipoacutetese uma discricionariedade distra-

iacuteda do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo e dos seus fins entrelaccedilados

equidade inclusiva combate agraves falhas de mercado e de governo sustentabili-

dade eficaz do bem-estar social ambiental e econocircmico das geraccedilotildees presentes

e futuras

Na oacutetica adotada o Estado Constitucional prescreve uma espeacutecie de

controle administrativo de constitucionalidade da implementaccedilatildeo das poliacuteti-

cas puacuteblicas tarefa a ser cumprida de ofiacutecio pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e pe-

38

Cf George Loewenstein e Richard Thaler in ldquoAnomalies Intertemporal Choicerdquo Journal of Eco-

nomic Perspectives 3 1989 pp 181-193

39 Cf sobre os custos sociais Richard Titmuss in Social Policy NY Pantheon Books 1974 Cap5

40 Cf sobre parcela dos desafios estatais no seacuteculo em curso Christopher Pierson in The Modern

State3ordf ed NY Routledge 2013

41 Cf sobre eficiecircncia como um dos objetivos estatais ao lado da equidade e de ldquoadministrative

feasibilityrdquo Nicholas Barr in The Economics of the Welfare State 5a ed Oxford Oxford Uni-

versity Press 2012 pp10-12

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 199

(c) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica dialoacutegica com amplas garantias de

contraditoacuterio e ampla defesa mdash eacute dizer do respeito ao devido processo com

duraccedilatildeo razoaacutevel e motivaccedilatildeo expliacutecita clara e congruente

(d) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica imparcial e o mais desenviesada

possiacutevel16

isto eacute aquela que filtrando os desvios cognitivos natildeo pratica nem

estimula discriminaccedilatildeo negativa de qualquer natureza e ao mesmo tempo

promove discriminaccedilotildees inversas ou positivas (redutoras das desigualdades

iniacutequas)

(e) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica proba que veda condutas eacuteticas

natildeo-universalizaacuteveis ou a confusatildeo entre o legal e o moral uma vez tais esferas

se vinculam mas satildeo distintas

(f) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica respeitadora da legalidade tempe-

rada ou seja que natildeo se rende agrave ldquoabsolutizaccedilatildeordquo irrefletida das regras

(g) o direito agrave administraccedilatildeo puacuteblica preventiva precavida e eficaz (natildeo

apenas economicamente eficiente) eis que comprometida com resultados

compatiacuteveis com os indicadores de qualidade de vida em horizonte de longa

duraccedilatildeo

Tais direitos natildeo excluem outros17

pois se cuida de ldquostandard miacutenimordquo18

Por certo precisam ser tutelados em bloco no intuito de que a discricionarie-

dade natildeo conspire letalmente contra o aludido direito fundamental agrave boa admi-

nistraccedilatildeo

16

Natildeo se confundem imparcialidade e neutralidade Para a distinccedilatildeo embora na seara judicial v

Joseacute Carlos Barbosa Moreira ldquoImparcialidade reflexotildees sobre a imparcialidade do juizrdquo RJ 250

6-13

17 Cf Klara Klanska in ldquoTowards administrative human rights in the EU impact of the Charter of

Fundamental Rightsrdquo European Law Journal 10296-326 2004

18 Para usar expressatildeo em contexto assemelhado de Meinhard Hilf (ldquoDie Charta der Grundrechte

der Europaumlischen Unionrdquo ldquoSonderbeilagerdquo zu Neue Juristische Wochenschrift 2000 Heft 49)

200 bull v 351 janjun 2015

Em outras palavras as escolhas administrativas seratildeo legiacutetimas se mdash e so-

mente se mdash forem sistematicamente eficazes19

sustentaacuteveis motivadas propor-

cionais20

transparentes21

imparciais22

e ativadoras da participaccedilatildeo social da mo-

ralidade e da plena responsabilidade

A efetividade do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo enfrenta hoje

uma triacuteade de preacute-compreensotildees adversas Em primeiro lugar observa-se a

crenccedila infundada de que as poliacuteticas puacuteblicas pertenceriam ao reino da discri-

cionariedade insindicaacutevel como se as escolhas poliacuteticas (e por vezes as omis-

sotildees) embora manifestamente viciadas natildeo fossem catalogaacuteveis como incons-

titucionais Erro tiacutepico da mentalidade refrataacuteria aos contrapoderes de con-

trole Constata-se em segundo lugar a proposiccedilatildeo natildeo menos equivocada de

que a separaccedilatildeo de poderes representaria autecircntica carta branca para os ges-

tores puacuteblicos os quais apenas seriam controlaacuteveis pelas urnas no tocante agraves

escolhas feitas como se a higidez das prioridades concretamente adotadas

fosse mateacuteria reservada ao processo eleitoral cujas distorccedilotildees de financia-

mento e de ordem cognitiva conspiram frequentes vezes contra o cerne da

Constituiccedilatildeo Erro caracteriacutestico dos que consideram legiacutetimo e juridicamente

seguro apenas aquilo que for produzido por legisladores e governantes eleitos

numa concepccedilatildeo demasiado acanhada do processo de deliberaccedilatildeo democraacute-

tica Naturalmente natildeo se subestimam as dificuldades contramajoritaacuterias mas

conveacutem diante das omissotildees inconstitucionais ou das violaccedilotildees agressivas a

direitos individuais e coletivos natildeo superestimar as ldquovirtudes passivasrdquo de Bi-

ckel23

Persiste por uacuteltimo o postulado iloacutegico de que os controles (externo

19

Engana-se quem supotildee que a Constituiccedilatildeo ao consagrar o princiacutepio da eficiecircncia (art 37 com

o advento da Emenda 191998) excluiu o princiacutepio da eficaacutecia Ao contraacuterio O aludido princiacutepio

consta expressamente no art 74 da CF Portanto ndash disputas semacircnticas agrave parte ndash o direito sub-

jetivo puacuteblico agrave eficaacutecia merece definitivo reconhecimento Integra o direito fundamental agrave boa

administraccedilatildeo puacuteblica jaacute que consiste justamente em incrementar a gestatildeo puacuteblica de maneira

que a administraccedilatildeo escolha fazer o que constitucionalmente deve fazer (conceito de eficaacutecia

sob inspiraccedilatildeo de Peter Drucker) em lugar de apenas fazer bem ou eficientemente aquilo que

natildeo raro se encontra contaminado Motivo preciacutepuo de se falar em eficaacutecia avolumam-se os

casos de discricionariedade administrativa ineficaz

20 Ainda que o Poder Judiciaacuterio natildeo aprecie diretamente o meacuterito verifica se viola ou natildeo prin-

ciacutepios tais como o da proporcionalidade inclusive no tocante agrave compatibilidade entre cargos

em comissatildeo e cargos efetivos V para ilustrar o julgamento do STF no AgR RE 365368-SC rel

Min Ricardo Lewandowski

21 V Tecircmis Limberger ldquoTransparecircncia e novas tecnologiasrdquo IP 3956 e ss

22 A respeito ndash esclarece Diana-Urania Galetta ndash a jurisprudecircncia da Comunidade Europeia ldquoha

sottolineato come il presupposto per una decisione imparziale che sia espressione del principio

di buona amministrazione egrave che siano presi in considerazione lsquo() tutti gli elementi di fatto e

di diritto disponibili al momento dellrsquoadozione dellrsquoattorsquo poicheacute sussiste lrsquoobbligo di predi-

sporre la decisione lsquo() con tutta la diligenza richiesta e di adottarla prendendo a fondamento

tutti i dati idonei ad incidere sul risultatorsquordquo (ldquoIl diritto ad una buona amministrazione europea

come fonte di essenziali garanzie procedimentali nei confronti della pubblica amministra-

zionerdquo Rivista Italiana di Diritto Pubblico Comunitario 3-4825)

23 Cf Alexander M Bickel in The Last Dangerous Branch2a ed New Haven and London Yale

University Press 1986 pp 111-198

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 201

interno e jurisdicional) em que pese serem autocircnomos e tendencialmente me-

nos presos agrave loacutegica do patrimonialismo natildeo deveriam levar a cabo o exame

juriacutedico da congruecircncia e da coerecircncia dos propoacutesitos24

das medidas poliacuteticas

em assombroso convite agrave condescendecircncia com o ldquostatus quordquo Natildeo por acaso

os que assim pensam parecem natildeo se importar por exemplo com a tardanccedila

vexatoacuteria na aboliccedilatildeo da escravatura no Brasil ou na derrubada da segregaccedilatildeo

racial nos Estados Unidos25

Detecta-se em todas essas preacute-compreensotildees a subjacente heuriacutestica de

que a discricionariedade do administrador puacuteblico estaria como que dispen-

sada do cotejo com a eficaacutecia direta e imediata dos direitos fundamentais no-

tadamente do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Ao lado desse evi-

dente desvio cognitivo subsiste a afirmaccedilatildeo sem qualquer lastro de que os

controles (inclusive o judicial) perante inequiacutevoca vulneraccedilatildeo dos direitos

fundamentais extrapolariam se agissem positivamente (ainda que de modo

transitoacuterio) apesar da interdependecircncia dos poderes

Vencidos tais vieses defende-se aqui o controle acima de tudo como

defesa congruente e consistente das prioridades26

cogentes da Carta encarna-

dos no direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Nada menos e nada mais

Com efeito decisionismos arbitraacuterios agrave parte natildeo faz sentido (numa ordem

aberta pluralista e de poderes entrelaccedilados) postular o controle que se abste-

nha perante crocircnicas violaccedilotildees perpetradas sob o veacuteu da discricionariedade

Em definitivo cumpre assimilar que o conteuacutedo das poliacuteticas puacuteblicas

natildeo pode ser estipulado exclusivamente por governantes ou legisladores com

a coadjuvacircncia opaca e subalterna dos outros atores constitucionais pois a

Constituiccedilatildeo por mais ambiacutegua e contraditoacuteria natildeo eacute pacote oniacuterico de pro-

messas soltas ao vento ao sabor da faculdade de querer dos liacutederes poliacuteticos

Em outras palavras a Carta agrave vista da sua continuidade normativa reclama

acatamento seguro contra volatilidades Trata-se de acolher o caraacuteter heterocirc-

nomo da taacutebua constitucional de prioridades conformadoras e limitadoras de

preferecircncias contingentes

A Constituiccedilatildeo fixa expressa ou tacitamente prioridades vinculativas

de partida E o faz de modo a estatuir em alguns casos ateacute ldquoabsoluta priori-

daderdquo (ex CF art 227) na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de determinadas

24

Cf para ilustrar a discussatildeo norte-americana Stephen Breyer (ldquopurpose orientedrdquo) in Making

our democracy work NY Alfred Knoff 2010 Noutro polo com os seus cacircnones excessivamente

textualistas vide Antonin Scalia e Bryan Garner in Reading Law StPaul ThomsonWest 2012

25 Cf por exemplo Michael Klarman in Brown of Education and the Civil Rights Movement NY

Oxford University Press 2007 pp 3-53

26 Considera-se viaacutevel superar de modo fundamentado as dificuldades na eleiccedilatildeo das diretivas

preferenciais comparativas analiticamente arroladas por Pierluigi Chiasoni in Teacutecnicas de in-

terpretacioacuten juriacutedica Madrid Marcial Pons 2011 pp 125-130

202 bull v 351 janjun 2015

poliacuteticas Nesse quadro impende rever em tons precisos os contornos do es-

crutiacutenio das decisotildees puacuteblicas O que se almeja eacute por assim dizer a consagra-

ccedilatildeo da liberdade republicana27

(natildeo oligaacuterquica patrimonialista e autoritaacuteria)

exercida a partir de inferecircncias vaacutelidas no contexto da escolha raciocinada de

prioridades em vez das lamentaacuteveis e ideoloacutegicas desdestinaccedilotildees que a poliacute-

tica convencional engendra em profusatildeo sobremodo quando o engano e o

autoengano parecem industrialmente fabricados28

Natildeo se admite pois embaralhar com ingenuidade friacutevola a liberdade

constitucional democraacutetica (imparcial balanceada e comedida) com a falsa li-

berdade (no fundo liberticida) que caracteriza as opccedilotildees patrimonialistas tiacute-

picas as quais resultam ora em escolhas agressivamente abusivas ora em es-

colhas claramente deficitaacuterias morosas e ateacute em natildeo-decisotildees

Mais seja qual for o modelo decisoacuterio adotado29

a escolha caracterizada

pela validade e pela confiabilidade30

teraacute de por forccedila e direito redundar na

primazia intertemporal dos benefiacutecios liacutequidos econocircmicos e natildeo-econocircmi-

cos31

Quer dizer importa natildeo somente em situaccedilotildees-limite sindicar a escolha

(dos meios necessaacuterios e adequados assim como dos propoacutesitos e das priori-

dades) entendida a liberdade decisoacuteria como poder-dever atribuiacutedo aos agen-

tes puacuteblicos para que efetuem as melhores opccedilotildees entre as vaacuterias admissiacuteveis

desde que com sobrepujantes benefiacutecios diretos e indiretos

Imprescindiacutevel que os controles natildeo permaneccedilam indiferentes diante

de inatividades prestacionais concretas32

nem diante de manobras astuciosas

e desavindas de qualquer amparo nas prioridades constitucionais

Nesse prisma as poliacuteticas puacuteblicas natildeo devem mais ser vistas como me-

ros programas governamentais mais ou menos livres ao gosto dos eleitos e de

seus patrocinadores Satildeo na realidade programas constitucionais que in-

cumbe ao agente puacuteblico implementar de maneira estilisticamente nuan-

ccedilada33

mas sem retrocesso Compreendidas nessa acepccedilatildeo inventariam-se por

exemplo certas prioridades-guia que desfrutam de robusto enraizamento no

27

Cf Raymundo Faoro in Repuacuteblica inacabada SP Globo 2007

28 Cf sobre autoengano Robert Trivers in Natural Selection and Social Theory Oxford Oxford

University Press 2002

29 Cf sobre os modelos de racionalidade Bruno Dente e Joan Subirats in Decisiones Puacuteblicas

Madrid Ariel 2014 pp 53-68

30 Cf sobre confiabilidade e validade Lee Epstein e Gary King in Pesquisa empiacuterica em Direito

as regras de inferecircncia SP FGV 2013 p105

31 Cf sobre esse tipo de controle Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Ver-

meule e Michael Herz in Administrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer

2011 p 10

32 Cf no contexto espanhol Ricardo de Vicente Domingo in La inactividad administrativa pres-

tacional y su control judicial Madrid Civitas Thompson Reuters 2014 especialmente por seus

comentaacuterios sobre o art 29 da Lei de Jurisdiccedilatildeo Contenciosa-administrativa de 1998

33 Cf sobre estilos diferenciados Jeremy Richardson (ed) in Policy Stiles in Western Europe Lon-

don George AllenampUnwin 1982

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 203

texto e no espiacuterito da Carta (I) a prioridade das poliacuteticas endereccediladas ao de-

senvolvimento sustentaacutevel sobre aquelas voltadas apenas para o crescimento

econocircmico imediato (CF art225) (II) a prioridade das poliacuteticas voltadas para

a eficaacutecia do nuacutecleo dos direitos fundamentais sobre aquelas destinadas a as-

segurar pleitos natildeo fundamentais (III) a prioridade das poliacuteticas dotadas de

responsabilidade intertemporal e intergeracional sobre aquelas que se preocu-

pam soacute com a geraccedilatildeo presente (ou com a proacutexima eleiccedilatildeo) (IV) a prioridade

das poliacuteticas de benefiacutecios liacutequidos sobre aquelas cujos custos sociais ambien-

tais e econocircmicos ultrapassam os eventuais ganhos (diretos e indiretos) (V) a

prioridade das poliacuteticas explicitamente justificadas sobre aquelas de motivaccedilatildeo

elusiva (VI) a prioridade das poliacuteticas alinhadas toacutepico-sistematicamente

com os objetivos fundamentais da Carta (art3ordm) sobre aquelas transitoacuterias e

natildeo universalizaacuteveis (VII) a prioridade das poliacuteticas redutoras de iniquidades

sobre aquelas que cultivam cegamente o mercado a despeito de suas estriden-

tes falhas

Nessas circunstacircncias34

forccedila rever a categoria da discricionariedade em

seus grandes traccedilos35

com o desiderato de realinhaacute-la ao caraacuteter vinculante das

poliacuteticas puacuteblicas independente de polarizaccedilotildees extremistas Seria de fato er-

rocircneo conceber a discricionariedade como irrestrita liberdade para emitir juiacute-

zos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave praacutetica ou natildeo de certas poliacute-

ticas como se estas natildeo fossem mensuraacuteveis Na verdade as opccedilotildees vaacutelidas

ldquoprima facierdquo nunca satildeo indiferentes Pode-se desse modo reconceituar a dis-

cricionariedade administrativa como a competecircncia (natildeo mera faculdade) de

avaliar e eleger no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indi-

retas (externalidades) de determinados programas preliminarmente estabele-

cidos com observacircncia justificada (interna e externamente36

) de prioridades

constitucionais no uso pertinente e eficaz dos recursos disponiacuteveis37

Dito de outro modo em nosso modelo constitucional as poliacuteticas puacutebli-

cas obrigatoriamente devem ser implementadas e controladas agrave base de prio-

ridades constitucionais vinculantes e nessa perspectiva escrutinadas sem pas-

sivismo no intuito de que apresentem benefiacutecios liacutequidos (sociais econocircmicos

e ambientais) Em outras palavras natildeo pode haver indiferenccedila no tocante agrave

qualidade juriacutedica ldquolato sensurdquo da motivaccedilatildeo e dos propoacutesitos das poliacuteticas

34

Cf Juarez Freitas com detalhe in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Funda-

mentais 5ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2013 Caps 6 e 11

35 Cf Celso Antocircnio Bandeira de Mello in Discricionariedade e Controle Jurisdicional 2a ed 9a

tir Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008 p 10

36 Cf entre outros por seu pioneirismo sobre justificaccedilatildeo externa e interna Jerzy Wroacuteblewski in

ldquoLegal decision and its jusificationrdquo Logique et analyses Vol14 n 53-54 1971 Cf para analiacute-

tica mirada de conjunto Pierluigi Chiarosoni in Teacutecnicas de interpretacioacuten juriacutedica Madrid

Marcial Pons 2011

37 Cf sobre recursos poliacuteticos econocircmicos legais e cognitivos Bruno Dente e Joan Subirats in

obcit pp 86-106

204 bull v 351 janjun 2015

aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omissotildees causa-

doras de danos certos especiais e anocircmalos

Nesse panorama o controle do Estado Democraacutetico natildeo esquecendo

de ver ldquoa trave no proacuteprio olhordquo precisa fazer as vezes de ldquoadministrador ne-

gativordquo e ao mesmo tempo de ativador dos direitos fundamentais de geraccedilotildees

presentes e futuras

Sem exceccedilatildeo o controle do viacutecio ou do ldquodemeacuteritordquo pode-deve alcanccedilar

ateacute a incoerecircncia da conduta administrativa agrave luz das prioridades constituci-

onais vinculantes E ponto nodal natildeo se aceita uma motivaccedilatildeo deacutebil pois se

exige uma justificaccedilatildeo congruente salvo se se tratar de atos de mero expedi-

ente autodecifraacuteveis e naqueles excepcionais casos em que a Constituiccedilatildeo ad-

mitir falta de motivaccedilatildeo (exemplo nomeaccedilatildeo para cargos em comissatildeo) To-

dos poreacutem devem ser no miacutenimo motivaacuteveis vale dizer passiacuteveis de apro-

vaccedilatildeo no teste de racionalidade intersubjetiva coibida toda e qualquer arbitra-

riedade inclusive a do controle

Haacute de fato enormes desvantagens na precariedade exacerbada e na

exagerada preferecircncia pelo presente38

nas escolhas intertemporais do Estado-

administraccedilatildeo ecos do paradigma tardio do direito administrativo volunta-

rista e livre de prestar contas sobre os custos sociais futuros39

Decerto o maacute-

ximo vinculativo pode ateacute ser inimigo da boa administraccedilatildeo (por exemplo se-

ria erro adotar orccedilamento rigidamente vinculado) mas se revela irremissiacutevel

no Estado contemporacircneo40

deixar de cobrar a vinculaccedilatildeo das escolhas admi-

nistrativas ao primado objetivo dos direitos fundamentais de modo a compa-

tibilizar41

o desenvolvimento econocircmico o bem-estar social e o equiliacutebrio eco-

loacutegico

Natildeo se admite sob nenhuma hipoacutetese uma discricionariedade distra-

iacuteda do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo e dos seus fins entrelaccedilados

equidade inclusiva combate agraves falhas de mercado e de governo sustentabili-

dade eficaz do bem-estar social ambiental e econocircmico das geraccedilotildees presentes

e futuras

Na oacutetica adotada o Estado Constitucional prescreve uma espeacutecie de

controle administrativo de constitucionalidade da implementaccedilatildeo das poliacuteti-

cas puacuteblicas tarefa a ser cumprida de ofiacutecio pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e pe-

38

Cf George Loewenstein e Richard Thaler in ldquoAnomalies Intertemporal Choicerdquo Journal of Eco-

nomic Perspectives 3 1989 pp 181-193

39 Cf sobre os custos sociais Richard Titmuss in Social Policy NY Pantheon Books 1974 Cap5

40 Cf sobre parcela dos desafios estatais no seacuteculo em curso Christopher Pierson in The Modern

State3ordf ed NY Routledge 2013

41 Cf sobre eficiecircncia como um dos objetivos estatais ao lado da equidade e de ldquoadministrative

feasibilityrdquo Nicholas Barr in The Economics of the Welfare State 5a ed Oxford Oxford Uni-

versity Press 2012 pp10-12

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

200 bull v 351 janjun 2015

Em outras palavras as escolhas administrativas seratildeo legiacutetimas se mdash e so-

mente se mdash forem sistematicamente eficazes19

sustentaacuteveis motivadas propor-

cionais20

transparentes21

imparciais22

e ativadoras da participaccedilatildeo social da mo-

ralidade e da plena responsabilidade

A efetividade do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo enfrenta hoje

uma triacuteade de preacute-compreensotildees adversas Em primeiro lugar observa-se a

crenccedila infundada de que as poliacuteticas puacuteblicas pertenceriam ao reino da discri-

cionariedade insindicaacutevel como se as escolhas poliacuteticas (e por vezes as omis-

sotildees) embora manifestamente viciadas natildeo fossem catalogaacuteveis como incons-

titucionais Erro tiacutepico da mentalidade refrataacuteria aos contrapoderes de con-

trole Constata-se em segundo lugar a proposiccedilatildeo natildeo menos equivocada de

que a separaccedilatildeo de poderes representaria autecircntica carta branca para os ges-

tores puacuteblicos os quais apenas seriam controlaacuteveis pelas urnas no tocante agraves

escolhas feitas como se a higidez das prioridades concretamente adotadas

fosse mateacuteria reservada ao processo eleitoral cujas distorccedilotildees de financia-

mento e de ordem cognitiva conspiram frequentes vezes contra o cerne da

Constituiccedilatildeo Erro caracteriacutestico dos que consideram legiacutetimo e juridicamente

seguro apenas aquilo que for produzido por legisladores e governantes eleitos

numa concepccedilatildeo demasiado acanhada do processo de deliberaccedilatildeo democraacute-

tica Naturalmente natildeo se subestimam as dificuldades contramajoritaacuterias mas

conveacutem diante das omissotildees inconstitucionais ou das violaccedilotildees agressivas a

direitos individuais e coletivos natildeo superestimar as ldquovirtudes passivasrdquo de Bi-

ckel23

Persiste por uacuteltimo o postulado iloacutegico de que os controles (externo

19

Engana-se quem supotildee que a Constituiccedilatildeo ao consagrar o princiacutepio da eficiecircncia (art 37 com

o advento da Emenda 191998) excluiu o princiacutepio da eficaacutecia Ao contraacuterio O aludido princiacutepio

consta expressamente no art 74 da CF Portanto ndash disputas semacircnticas agrave parte ndash o direito sub-

jetivo puacuteblico agrave eficaacutecia merece definitivo reconhecimento Integra o direito fundamental agrave boa

administraccedilatildeo puacuteblica jaacute que consiste justamente em incrementar a gestatildeo puacuteblica de maneira

que a administraccedilatildeo escolha fazer o que constitucionalmente deve fazer (conceito de eficaacutecia

sob inspiraccedilatildeo de Peter Drucker) em lugar de apenas fazer bem ou eficientemente aquilo que

natildeo raro se encontra contaminado Motivo preciacutepuo de se falar em eficaacutecia avolumam-se os

casos de discricionariedade administrativa ineficaz

20 Ainda que o Poder Judiciaacuterio natildeo aprecie diretamente o meacuterito verifica se viola ou natildeo prin-

ciacutepios tais como o da proporcionalidade inclusive no tocante agrave compatibilidade entre cargos

em comissatildeo e cargos efetivos V para ilustrar o julgamento do STF no AgR RE 365368-SC rel

Min Ricardo Lewandowski

21 V Tecircmis Limberger ldquoTransparecircncia e novas tecnologiasrdquo IP 3956 e ss

22 A respeito ndash esclarece Diana-Urania Galetta ndash a jurisprudecircncia da Comunidade Europeia ldquoha

sottolineato come il presupposto per una decisione imparziale che sia espressione del principio

di buona amministrazione egrave che siano presi in considerazione lsquo() tutti gli elementi di fatto e

di diritto disponibili al momento dellrsquoadozione dellrsquoattorsquo poicheacute sussiste lrsquoobbligo di predi-

sporre la decisione lsquo() con tutta la diligenza richiesta e di adottarla prendendo a fondamento

tutti i dati idonei ad incidere sul risultatorsquordquo (ldquoIl diritto ad una buona amministrazione europea

come fonte di essenziali garanzie procedimentali nei confronti della pubblica amministra-

zionerdquo Rivista Italiana di Diritto Pubblico Comunitario 3-4825)

23 Cf Alexander M Bickel in The Last Dangerous Branch2a ed New Haven and London Yale

University Press 1986 pp 111-198

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 201

interno e jurisdicional) em que pese serem autocircnomos e tendencialmente me-

nos presos agrave loacutegica do patrimonialismo natildeo deveriam levar a cabo o exame

juriacutedico da congruecircncia e da coerecircncia dos propoacutesitos24

das medidas poliacuteticas

em assombroso convite agrave condescendecircncia com o ldquostatus quordquo Natildeo por acaso

os que assim pensam parecem natildeo se importar por exemplo com a tardanccedila

vexatoacuteria na aboliccedilatildeo da escravatura no Brasil ou na derrubada da segregaccedilatildeo

racial nos Estados Unidos25

Detecta-se em todas essas preacute-compreensotildees a subjacente heuriacutestica de

que a discricionariedade do administrador puacuteblico estaria como que dispen-

sada do cotejo com a eficaacutecia direta e imediata dos direitos fundamentais no-

tadamente do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Ao lado desse evi-

dente desvio cognitivo subsiste a afirmaccedilatildeo sem qualquer lastro de que os

controles (inclusive o judicial) perante inequiacutevoca vulneraccedilatildeo dos direitos

fundamentais extrapolariam se agissem positivamente (ainda que de modo

transitoacuterio) apesar da interdependecircncia dos poderes

Vencidos tais vieses defende-se aqui o controle acima de tudo como

defesa congruente e consistente das prioridades26

cogentes da Carta encarna-

dos no direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Nada menos e nada mais

Com efeito decisionismos arbitraacuterios agrave parte natildeo faz sentido (numa ordem

aberta pluralista e de poderes entrelaccedilados) postular o controle que se abste-

nha perante crocircnicas violaccedilotildees perpetradas sob o veacuteu da discricionariedade

Em definitivo cumpre assimilar que o conteuacutedo das poliacuteticas puacuteblicas

natildeo pode ser estipulado exclusivamente por governantes ou legisladores com

a coadjuvacircncia opaca e subalterna dos outros atores constitucionais pois a

Constituiccedilatildeo por mais ambiacutegua e contraditoacuteria natildeo eacute pacote oniacuterico de pro-

messas soltas ao vento ao sabor da faculdade de querer dos liacutederes poliacuteticos

Em outras palavras a Carta agrave vista da sua continuidade normativa reclama

acatamento seguro contra volatilidades Trata-se de acolher o caraacuteter heterocirc-

nomo da taacutebua constitucional de prioridades conformadoras e limitadoras de

preferecircncias contingentes

A Constituiccedilatildeo fixa expressa ou tacitamente prioridades vinculativas

de partida E o faz de modo a estatuir em alguns casos ateacute ldquoabsoluta priori-

daderdquo (ex CF art 227) na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de determinadas

24

Cf para ilustrar a discussatildeo norte-americana Stephen Breyer (ldquopurpose orientedrdquo) in Making

our democracy work NY Alfred Knoff 2010 Noutro polo com os seus cacircnones excessivamente

textualistas vide Antonin Scalia e Bryan Garner in Reading Law StPaul ThomsonWest 2012

25 Cf por exemplo Michael Klarman in Brown of Education and the Civil Rights Movement NY

Oxford University Press 2007 pp 3-53

26 Considera-se viaacutevel superar de modo fundamentado as dificuldades na eleiccedilatildeo das diretivas

preferenciais comparativas analiticamente arroladas por Pierluigi Chiasoni in Teacutecnicas de in-

terpretacioacuten juriacutedica Madrid Marcial Pons 2011 pp 125-130

202 bull v 351 janjun 2015

poliacuteticas Nesse quadro impende rever em tons precisos os contornos do es-

crutiacutenio das decisotildees puacuteblicas O que se almeja eacute por assim dizer a consagra-

ccedilatildeo da liberdade republicana27

(natildeo oligaacuterquica patrimonialista e autoritaacuteria)

exercida a partir de inferecircncias vaacutelidas no contexto da escolha raciocinada de

prioridades em vez das lamentaacuteveis e ideoloacutegicas desdestinaccedilotildees que a poliacute-

tica convencional engendra em profusatildeo sobremodo quando o engano e o

autoengano parecem industrialmente fabricados28

Natildeo se admite pois embaralhar com ingenuidade friacutevola a liberdade

constitucional democraacutetica (imparcial balanceada e comedida) com a falsa li-

berdade (no fundo liberticida) que caracteriza as opccedilotildees patrimonialistas tiacute-

picas as quais resultam ora em escolhas agressivamente abusivas ora em es-

colhas claramente deficitaacuterias morosas e ateacute em natildeo-decisotildees

Mais seja qual for o modelo decisoacuterio adotado29

a escolha caracterizada

pela validade e pela confiabilidade30

teraacute de por forccedila e direito redundar na

primazia intertemporal dos benefiacutecios liacutequidos econocircmicos e natildeo-econocircmi-

cos31

Quer dizer importa natildeo somente em situaccedilotildees-limite sindicar a escolha

(dos meios necessaacuterios e adequados assim como dos propoacutesitos e das priori-

dades) entendida a liberdade decisoacuteria como poder-dever atribuiacutedo aos agen-

tes puacuteblicos para que efetuem as melhores opccedilotildees entre as vaacuterias admissiacuteveis

desde que com sobrepujantes benefiacutecios diretos e indiretos

Imprescindiacutevel que os controles natildeo permaneccedilam indiferentes diante

de inatividades prestacionais concretas32

nem diante de manobras astuciosas

e desavindas de qualquer amparo nas prioridades constitucionais

Nesse prisma as poliacuteticas puacuteblicas natildeo devem mais ser vistas como me-

ros programas governamentais mais ou menos livres ao gosto dos eleitos e de

seus patrocinadores Satildeo na realidade programas constitucionais que in-

cumbe ao agente puacuteblico implementar de maneira estilisticamente nuan-

ccedilada33

mas sem retrocesso Compreendidas nessa acepccedilatildeo inventariam-se por

exemplo certas prioridades-guia que desfrutam de robusto enraizamento no

27

Cf Raymundo Faoro in Repuacuteblica inacabada SP Globo 2007

28 Cf sobre autoengano Robert Trivers in Natural Selection and Social Theory Oxford Oxford

University Press 2002

29 Cf sobre os modelos de racionalidade Bruno Dente e Joan Subirats in Decisiones Puacuteblicas

Madrid Ariel 2014 pp 53-68

30 Cf sobre confiabilidade e validade Lee Epstein e Gary King in Pesquisa empiacuterica em Direito

as regras de inferecircncia SP FGV 2013 p105

31 Cf sobre esse tipo de controle Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Ver-

meule e Michael Herz in Administrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer

2011 p 10

32 Cf no contexto espanhol Ricardo de Vicente Domingo in La inactividad administrativa pres-

tacional y su control judicial Madrid Civitas Thompson Reuters 2014 especialmente por seus

comentaacuterios sobre o art 29 da Lei de Jurisdiccedilatildeo Contenciosa-administrativa de 1998

33 Cf sobre estilos diferenciados Jeremy Richardson (ed) in Policy Stiles in Western Europe Lon-

don George AllenampUnwin 1982

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 203

texto e no espiacuterito da Carta (I) a prioridade das poliacuteticas endereccediladas ao de-

senvolvimento sustentaacutevel sobre aquelas voltadas apenas para o crescimento

econocircmico imediato (CF art225) (II) a prioridade das poliacuteticas voltadas para

a eficaacutecia do nuacutecleo dos direitos fundamentais sobre aquelas destinadas a as-

segurar pleitos natildeo fundamentais (III) a prioridade das poliacuteticas dotadas de

responsabilidade intertemporal e intergeracional sobre aquelas que se preocu-

pam soacute com a geraccedilatildeo presente (ou com a proacutexima eleiccedilatildeo) (IV) a prioridade

das poliacuteticas de benefiacutecios liacutequidos sobre aquelas cujos custos sociais ambien-

tais e econocircmicos ultrapassam os eventuais ganhos (diretos e indiretos) (V) a

prioridade das poliacuteticas explicitamente justificadas sobre aquelas de motivaccedilatildeo

elusiva (VI) a prioridade das poliacuteticas alinhadas toacutepico-sistematicamente

com os objetivos fundamentais da Carta (art3ordm) sobre aquelas transitoacuterias e

natildeo universalizaacuteveis (VII) a prioridade das poliacuteticas redutoras de iniquidades

sobre aquelas que cultivam cegamente o mercado a despeito de suas estriden-

tes falhas

Nessas circunstacircncias34

forccedila rever a categoria da discricionariedade em

seus grandes traccedilos35

com o desiderato de realinhaacute-la ao caraacuteter vinculante das

poliacuteticas puacuteblicas independente de polarizaccedilotildees extremistas Seria de fato er-

rocircneo conceber a discricionariedade como irrestrita liberdade para emitir juiacute-

zos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave praacutetica ou natildeo de certas poliacute-

ticas como se estas natildeo fossem mensuraacuteveis Na verdade as opccedilotildees vaacutelidas

ldquoprima facierdquo nunca satildeo indiferentes Pode-se desse modo reconceituar a dis-

cricionariedade administrativa como a competecircncia (natildeo mera faculdade) de

avaliar e eleger no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indi-

retas (externalidades) de determinados programas preliminarmente estabele-

cidos com observacircncia justificada (interna e externamente36

) de prioridades

constitucionais no uso pertinente e eficaz dos recursos disponiacuteveis37

Dito de outro modo em nosso modelo constitucional as poliacuteticas puacutebli-

cas obrigatoriamente devem ser implementadas e controladas agrave base de prio-

ridades constitucionais vinculantes e nessa perspectiva escrutinadas sem pas-

sivismo no intuito de que apresentem benefiacutecios liacutequidos (sociais econocircmicos

e ambientais) Em outras palavras natildeo pode haver indiferenccedila no tocante agrave

qualidade juriacutedica ldquolato sensurdquo da motivaccedilatildeo e dos propoacutesitos das poliacuteticas

34

Cf Juarez Freitas com detalhe in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Funda-

mentais 5ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2013 Caps 6 e 11

35 Cf Celso Antocircnio Bandeira de Mello in Discricionariedade e Controle Jurisdicional 2a ed 9a

tir Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008 p 10

36 Cf entre outros por seu pioneirismo sobre justificaccedilatildeo externa e interna Jerzy Wroacuteblewski in

ldquoLegal decision and its jusificationrdquo Logique et analyses Vol14 n 53-54 1971 Cf para analiacute-

tica mirada de conjunto Pierluigi Chiarosoni in Teacutecnicas de interpretacioacuten juriacutedica Madrid

Marcial Pons 2011

37 Cf sobre recursos poliacuteticos econocircmicos legais e cognitivos Bruno Dente e Joan Subirats in

obcit pp 86-106

204 bull v 351 janjun 2015

aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omissotildees causa-

doras de danos certos especiais e anocircmalos

Nesse panorama o controle do Estado Democraacutetico natildeo esquecendo

de ver ldquoa trave no proacuteprio olhordquo precisa fazer as vezes de ldquoadministrador ne-

gativordquo e ao mesmo tempo de ativador dos direitos fundamentais de geraccedilotildees

presentes e futuras

Sem exceccedilatildeo o controle do viacutecio ou do ldquodemeacuteritordquo pode-deve alcanccedilar

ateacute a incoerecircncia da conduta administrativa agrave luz das prioridades constituci-

onais vinculantes E ponto nodal natildeo se aceita uma motivaccedilatildeo deacutebil pois se

exige uma justificaccedilatildeo congruente salvo se se tratar de atos de mero expedi-

ente autodecifraacuteveis e naqueles excepcionais casos em que a Constituiccedilatildeo ad-

mitir falta de motivaccedilatildeo (exemplo nomeaccedilatildeo para cargos em comissatildeo) To-

dos poreacutem devem ser no miacutenimo motivaacuteveis vale dizer passiacuteveis de apro-

vaccedilatildeo no teste de racionalidade intersubjetiva coibida toda e qualquer arbitra-

riedade inclusive a do controle

Haacute de fato enormes desvantagens na precariedade exacerbada e na

exagerada preferecircncia pelo presente38

nas escolhas intertemporais do Estado-

administraccedilatildeo ecos do paradigma tardio do direito administrativo volunta-

rista e livre de prestar contas sobre os custos sociais futuros39

Decerto o maacute-

ximo vinculativo pode ateacute ser inimigo da boa administraccedilatildeo (por exemplo se-

ria erro adotar orccedilamento rigidamente vinculado) mas se revela irremissiacutevel

no Estado contemporacircneo40

deixar de cobrar a vinculaccedilatildeo das escolhas admi-

nistrativas ao primado objetivo dos direitos fundamentais de modo a compa-

tibilizar41

o desenvolvimento econocircmico o bem-estar social e o equiliacutebrio eco-

loacutegico

Natildeo se admite sob nenhuma hipoacutetese uma discricionariedade distra-

iacuteda do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo e dos seus fins entrelaccedilados

equidade inclusiva combate agraves falhas de mercado e de governo sustentabili-

dade eficaz do bem-estar social ambiental e econocircmico das geraccedilotildees presentes

e futuras

Na oacutetica adotada o Estado Constitucional prescreve uma espeacutecie de

controle administrativo de constitucionalidade da implementaccedilatildeo das poliacuteti-

cas puacuteblicas tarefa a ser cumprida de ofiacutecio pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e pe-

38

Cf George Loewenstein e Richard Thaler in ldquoAnomalies Intertemporal Choicerdquo Journal of Eco-

nomic Perspectives 3 1989 pp 181-193

39 Cf sobre os custos sociais Richard Titmuss in Social Policy NY Pantheon Books 1974 Cap5

40 Cf sobre parcela dos desafios estatais no seacuteculo em curso Christopher Pierson in The Modern

State3ordf ed NY Routledge 2013

41 Cf sobre eficiecircncia como um dos objetivos estatais ao lado da equidade e de ldquoadministrative

feasibilityrdquo Nicholas Barr in The Economics of the Welfare State 5a ed Oxford Oxford Uni-

versity Press 2012 pp10-12

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 201

interno e jurisdicional) em que pese serem autocircnomos e tendencialmente me-

nos presos agrave loacutegica do patrimonialismo natildeo deveriam levar a cabo o exame

juriacutedico da congruecircncia e da coerecircncia dos propoacutesitos24

das medidas poliacuteticas

em assombroso convite agrave condescendecircncia com o ldquostatus quordquo Natildeo por acaso

os que assim pensam parecem natildeo se importar por exemplo com a tardanccedila

vexatoacuteria na aboliccedilatildeo da escravatura no Brasil ou na derrubada da segregaccedilatildeo

racial nos Estados Unidos25

Detecta-se em todas essas preacute-compreensotildees a subjacente heuriacutestica de

que a discricionariedade do administrador puacuteblico estaria como que dispen-

sada do cotejo com a eficaacutecia direta e imediata dos direitos fundamentais no-

tadamente do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Ao lado desse evi-

dente desvio cognitivo subsiste a afirmaccedilatildeo sem qualquer lastro de que os

controles (inclusive o judicial) perante inequiacutevoca vulneraccedilatildeo dos direitos

fundamentais extrapolariam se agissem positivamente (ainda que de modo

transitoacuterio) apesar da interdependecircncia dos poderes

Vencidos tais vieses defende-se aqui o controle acima de tudo como

defesa congruente e consistente das prioridades26

cogentes da Carta encarna-

dos no direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo Nada menos e nada mais

Com efeito decisionismos arbitraacuterios agrave parte natildeo faz sentido (numa ordem

aberta pluralista e de poderes entrelaccedilados) postular o controle que se abste-

nha perante crocircnicas violaccedilotildees perpetradas sob o veacuteu da discricionariedade

Em definitivo cumpre assimilar que o conteuacutedo das poliacuteticas puacuteblicas

natildeo pode ser estipulado exclusivamente por governantes ou legisladores com

a coadjuvacircncia opaca e subalterna dos outros atores constitucionais pois a

Constituiccedilatildeo por mais ambiacutegua e contraditoacuteria natildeo eacute pacote oniacuterico de pro-

messas soltas ao vento ao sabor da faculdade de querer dos liacutederes poliacuteticos

Em outras palavras a Carta agrave vista da sua continuidade normativa reclama

acatamento seguro contra volatilidades Trata-se de acolher o caraacuteter heterocirc-

nomo da taacutebua constitucional de prioridades conformadoras e limitadoras de

preferecircncias contingentes

A Constituiccedilatildeo fixa expressa ou tacitamente prioridades vinculativas

de partida E o faz de modo a estatuir em alguns casos ateacute ldquoabsoluta priori-

daderdquo (ex CF art 227) na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de determinadas

24

Cf para ilustrar a discussatildeo norte-americana Stephen Breyer (ldquopurpose orientedrdquo) in Making

our democracy work NY Alfred Knoff 2010 Noutro polo com os seus cacircnones excessivamente

textualistas vide Antonin Scalia e Bryan Garner in Reading Law StPaul ThomsonWest 2012

25 Cf por exemplo Michael Klarman in Brown of Education and the Civil Rights Movement NY

Oxford University Press 2007 pp 3-53

26 Considera-se viaacutevel superar de modo fundamentado as dificuldades na eleiccedilatildeo das diretivas

preferenciais comparativas analiticamente arroladas por Pierluigi Chiasoni in Teacutecnicas de in-

terpretacioacuten juriacutedica Madrid Marcial Pons 2011 pp 125-130

202 bull v 351 janjun 2015

poliacuteticas Nesse quadro impende rever em tons precisos os contornos do es-

crutiacutenio das decisotildees puacuteblicas O que se almeja eacute por assim dizer a consagra-

ccedilatildeo da liberdade republicana27

(natildeo oligaacuterquica patrimonialista e autoritaacuteria)

exercida a partir de inferecircncias vaacutelidas no contexto da escolha raciocinada de

prioridades em vez das lamentaacuteveis e ideoloacutegicas desdestinaccedilotildees que a poliacute-

tica convencional engendra em profusatildeo sobremodo quando o engano e o

autoengano parecem industrialmente fabricados28

Natildeo se admite pois embaralhar com ingenuidade friacutevola a liberdade

constitucional democraacutetica (imparcial balanceada e comedida) com a falsa li-

berdade (no fundo liberticida) que caracteriza as opccedilotildees patrimonialistas tiacute-

picas as quais resultam ora em escolhas agressivamente abusivas ora em es-

colhas claramente deficitaacuterias morosas e ateacute em natildeo-decisotildees

Mais seja qual for o modelo decisoacuterio adotado29

a escolha caracterizada

pela validade e pela confiabilidade30

teraacute de por forccedila e direito redundar na

primazia intertemporal dos benefiacutecios liacutequidos econocircmicos e natildeo-econocircmi-

cos31

Quer dizer importa natildeo somente em situaccedilotildees-limite sindicar a escolha

(dos meios necessaacuterios e adequados assim como dos propoacutesitos e das priori-

dades) entendida a liberdade decisoacuteria como poder-dever atribuiacutedo aos agen-

tes puacuteblicos para que efetuem as melhores opccedilotildees entre as vaacuterias admissiacuteveis

desde que com sobrepujantes benefiacutecios diretos e indiretos

Imprescindiacutevel que os controles natildeo permaneccedilam indiferentes diante

de inatividades prestacionais concretas32

nem diante de manobras astuciosas

e desavindas de qualquer amparo nas prioridades constitucionais

Nesse prisma as poliacuteticas puacuteblicas natildeo devem mais ser vistas como me-

ros programas governamentais mais ou menos livres ao gosto dos eleitos e de

seus patrocinadores Satildeo na realidade programas constitucionais que in-

cumbe ao agente puacuteblico implementar de maneira estilisticamente nuan-

ccedilada33

mas sem retrocesso Compreendidas nessa acepccedilatildeo inventariam-se por

exemplo certas prioridades-guia que desfrutam de robusto enraizamento no

27

Cf Raymundo Faoro in Repuacuteblica inacabada SP Globo 2007

28 Cf sobre autoengano Robert Trivers in Natural Selection and Social Theory Oxford Oxford

University Press 2002

29 Cf sobre os modelos de racionalidade Bruno Dente e Joan Subirats in Decisiones Puacuteblicas

Madrid Ariel 2014 pp 53-68

30 Cf sobre confiabilidade e validade Lee Epstein e Gary King in Pesquisa empiacuterica em Direito

as regras de inferecircncia SP FGV 2013 p105

31 Cf sobre esse tipo de controle Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Ver-

meule e Michael Herz in Administrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer

2011 p 10

32 Cf no contexto espanhol Ricardo de Vicente Domingo in La inactividad administrativa pres-

tacional y su control judicial Madrid Civitas Thompson Reuters 2014 especialmente por seus

comentaacuterios sobre o art 29 da Lei de Jurisdiccedilatildeo Contenciosa-administrativa de 1998

33 Cf sobre estilos diferenciados Jeremy Richardson (ed) in Policy Stiles in Western Europe Lon-

don George AllenampUnwin 1982

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 203

texto e no espiacuterito da Carta (I) a prioridade das poliacuteticas endereccediladas ao de-

senvolvimento sustentaacutevel sobre aquelas voltadas apenas para o crescimento

econocircmico imediato (CF art225) (II) a prioridade das poliacuteticas voltadas para

a eficaacutecia do nuacutecleo dos direitos fundamentais sobre aquelas destinadas a as-

segurar pleitos natildeo fundamentais (III) a prioridade das poliacuteticas dotadas de

responsabilidade intertemporal e intergeracional sobre aquelas que se preocu-

pam soacute com a geraccedilatildeo presente (ou com a proacutexima eleiccedilatildeo) (IV) a prioridade

das poliacuteticas de benefiacutecios liacutequidos sobre aquelas cujos custos sociais ambien-

tais e econocircmicos ultrapassam os eventuais ganhos (diretos e indiretos) (V) a

prioridade das poliacuteticas explicitamente justificadas sobre aquelas de motivaccedilatildeo

elusiva (VI) a prioridade das poliacuteticas alinhadas toacutepico-sistematicamente

com os objetivos fundamentais da Carta (art3ordm) sobre aquelas transitoacuterias e

natildeo universalizaacuteveis (VII) a prioridade das poliacuteticas redutoras de iniquidades

sobre aquelas que cultivam cegamente o mercado a despeito de suas estriden-

tes falhas

Nessas circunstacircncias34

forccedila rever a categoria da discricionariedade em

seus grandes traccedilos35

com o desiderato de realinhaacute-la ao caraacuteter vinculante das

poliacuteticas puacuteblicas independente de polarizaccedilotildees extremistas Seria de fato er-

rocircneo conceber a discricionariedade como irrestrita liberdade para emitir juiacute-

zos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave praacutetica ou natildeo de certas poliacute-

ticas como se estas natildeo fossem mensuraacuteveis Na verdade as opccedilotildees vaacutelidas

ldquoprima facierdquo nunca satildeo indiferentes Pode-se desse modo reconceituar a dis-

cricionariedade administrativa como a competecircncia (natildeo mera faculdade) de

avaliar e eleger no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indi-

retas (externalidades) de determinados programas preliminarmente estabele-

cidos com observacircncia justificada (interna e externamente36

) de prioridades

constitucionais no uso pertinente e eficaz dos recursos disponiacuteveis37

Dito de outro modo em nosso modelo constitucional as poliacuteticas puacutebli-

cas obrigatoriamente devem ser implementadas e controladas agrave base de prio-

ridades constitucionais vinculantes e nessa perspectiva escrutinadas sem pas-

sivismo no intuito de que apresentem benefiacutecios liacutequidos (sociais econocircmicos

e ambientais) Em outras palavras natildeo pode haver indiferenccedila no tocante agrave

qualidade juriacutedica ldquolato sensurdquo da motivaccedilatildeo e dos propoacutesitos das poliacuteticas

34

Cf Juarez Freitas com detalhe in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Funda-

mentais 5ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2013 Caps 6 e 11

35 Cf Celso Antocircnio Bandeira de Mello in Discricionariedade e Controle Jurisdicional 2a ed 9a

tir Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008 p 10

36 Cf entre outros por seu pioneirismo sobre justificaccedilatildeo externa e interna Jerzy Wroacuteblewski in

ldquoLegal decision and its jusificationrdquo Logique et analyses Vol14 n 53-54 1971 Cf para analiacute-

tica mirada de conjunto Pierluigi Chiarosoni in Teacutecnicas de interpretacioacuten juriacutedica Madrid

Marcial Pons 2011

37 Cf sobre recursos poliacuteticos econocircmicos legais e cognitivos Bruno Dente e Joan Subirats in

obcit pp 86-106

204 bull v 351 janjun 2015

aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omissotildees causa-

doras de danos certos especiais e anocircmalos

Nesse panorama o controle do Estado Democraacutetico natildeo esquecendo

de ver ldquoa trave no proacuteprio olhordquo precisa fazer as vezes de ldquoadministrador ne-

gativordquo e ao mesmo tempo de ativador dos direitos fundamentais de geraccedilotildees

presentes e futuras

Sem exceccedilatildeo o controle do viacutecio ou do ldquodemeacuteritordquo pode-deve alcanccedilar

ateacute a incoerecircncia da conduta administrativa agrave luz das prioridades constituci-

onais vinculantes E ponto nodal natildeo se aceita uma motivaccedilatildeo deacutebil pois se

exige uma justificaccedilatildeo congruente salvo se se tratar de atos de mero expedi-

ente autodecifraacuteveis e naqueles excepcionais casos em que a Constituiccedilatildeo ad-

mitir falta de motivaccedilatildeo (exemplo nomeaccedilatildeo para cargos em comissatildeo) To-

dos poreacutem devem ser no miacutenimo motivaacuteveis vale dizer passiacuteveis de apro-

vaccedilatildeo no teste de racionalidade intersubjetiva coibida toda e qualquer arbitra-

riedade inclusive a do controle

Haacute de fato enormes desvantagens na precariedade exacerbada e na

exagerada preferecircncia pelo presente38

nas escolhas intertemporais do Estado-

administraccedilatildeo ecos do paradigma tardio do direito administrativo volunta-

rista e livre de prestar contas sobre os custos sociais futuros39

Decerto o maacute-

ximo vinculativo pode ateacute ser inimigo da boa administraccedilatildeo (por exemplo se-

ria erro adotar orccedilamento rigidamente vinculado) mas se revela irremissiacutevel

no Estado contemporacircneo40

deixar de cobrar a vinculaccedilatildeo das escolhas admi-

nistrativas ao primado objetivo dos direitos fundamentais de modo a compa-

tibilizar41

o desenvolvimento econocircmico o bem-estar social e o equiliacutebrio eco-

loacutegico

Natildeo se admite sob nenhuma hipoacutetese uma discricionariedade distra-

iacuteda do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo e dos seus fins entrelaccedilados

equidade inclusiva combate agraves falhas de mercado e de governo sustentabili-

dade eficaz do bem-estar social ambiental e econocircmico das geraccedilotildees presentes

e futuras

Na oacutetica adotada o Estado Constitucional prescreve uma espeacutecie de

controle administrativo de constitucionalidade da implementaccedilatildeo das poliacuteti-

cas puacuteblicas tarefa a ser cumprida de ofiacutecio pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e pe-

38

Cf George Loewenstein e Richard Thaler in ldquoAnomalies Intertemporal Choicerdquo Journal of Eco-

nomic Perspectives 3 1989 pp 181-193

39 Cf sobre os custos sociais Richard Titmuss in Social Policy NY Pantheon Books 1974 Cap5

40 Cf sobre parcela dos desafios estatais no seacuteculo em curso Christopher Pierson in The Modern

State3ordf ed NY Routledge 2013

41 Cf sobre eficiecircncia como um dos objetivos estatais ao lado da equidade e de ldquoadministrative

feasibilityrdquo Nicholas Barr in The Economics of the Welfare State 5a ed Oxford Oxford Uni-

versity Press 2012 pp10-12

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

202 bull v 351 janjun 2015

poliacuteticas Nesse quadro impende rever em tons precisos os contornos do es-

crutiacutenio das decisotildees puacuteblicas O que se almeja eacute por assim dizer a consagra-

ccedilatildeo da liberdade republicana27

(natildeo oligaacuterquica patrimonialista e autoritaacuteria)

exercida a partir de inferecircncias vaacutelidas no contexto da escolha raciocinada de

prioridades em vez das lamentaacuteveis e ideoloacutegicas desdestinaccedilotildees que a poliacute-

tica convencional engendra em profusatildeo sobremodo quando o engano e o

autoengano parecem industrialmente fabricados28

Natildeo se admite pois embaralhar com ingenuidade friacutevola a liberdade

constitucional democraacutetica (imparcial balanceada e comedida) com a falsa li-

berdade (no fundo liberticida) que caracteriza as opccedilotildees patrimonialistas tiacute-

picas as quais resultam ora em escolhas agressivamente abusivas ora em es-

colhas claramente deficitaacuterias morosas e ateacute em natildeo-decisotildees

Mais seja qual for o modelo decisoacuterio adotado29

a escolha caracterizada

pela validade e pela confiabilidade30

teraacute de por forccedila e direito redundar na

primazia intertemporal dos benefiacutecios liacutequidos econocircmicos e natildeo-econocircmi-

cos31

Quer dizer importa natildeo somente em situaccedilotildees-limite sindicar a escolha

(dos meios necessaacuterios e adequados assim como dos propoacutesitos e das priori-

dades) entendida a liberdade decisoacuteria como poder-dever atribuiacutedo aos agen-

tes puacuteblicos para que efetuem as melhores opccedilotildees entre as vaacuterias admissiacuteveis

desde que com sobrepujantes benefiacutecios diretos e indiretos

Imprescindiacutevel que os controles natildeo permaneccedilam indiferentes diante

de inatividades prestacionais concretas32

nem diante de manobras astuciosas

e desavindas de qualquer amparo nas prioridades constitucionais

Nesse prisma as poliacuteticas puacuteblicas natildeo devem mais ser vistas como me-

ros programas governamentais mais ou menos livres ao gosto dos eleitos e de

seus patrocinadores Satildeo na realidade programas constitucionais que in-

cumbe ao agente puacuteblico implementar de maneira estilisticamente nuan-

ccedilada33

mas sem retrocesso Compreendidas nessa acepccedilatildeo inventariam-se por

exemplo certas prioridades-guia que desfrutam de robusto enraizamento no

27

Cf Raymundo Faoro in Repuacuteblica inacabada SP Globo 2007

28 Cf sobre autoengano Robert Trivers in Natural Selection and Social Theory Oxford Oxford

University Press 2002

29 Cf sobre os modelos de racionalidade Bruno Dente e Joan Subirats in Decisiones Puacuteblicas

Madrid Ariel 2014 pp 53-68

30 Cf sobre confiabilidade e validade Lee Epstein e Gary King in Pesquisa empiacuterica em Direito

as regras de inferecircncia SP FGV 2013 p105

31 Cf sobre esse tipo de controle Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Ver-

meule e Michael Herz in Administrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer

2011 p 10

32 Cf no contexto espanhol Ricardo de Vicente Domingo in La inactividad administrativa pres-

tacional y su control judicial Madrid Civitas Thompson Reuters 2014 especialmente por seus

comentaacuterios sobre o art 29 da Lei de Jurisdiccedilatildeo Contenciosa-administrativa de 1998

33 Cf sobre estilos diferenciados Jeremy Richardson (ed) in Policy Stiles in Western Europe Lon-

don George AllenampUnwin 1982

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 203

texto e no espiacuterito da Carta (I) a prioridade das poliacuteticas endereccediladas ao de-

senvolvimento sustentaacutevel sobre aquelas voltadas apenas para o crescimento

econocircmico imediato (CF art225) (II) a prioridade das poliacuteticas voltadas para

a eficaacutecia do nuacutecleo dos direitos fundamentais sobre aquelas destinadas a as-

segurar pleitos natildeo fundamentais (III) a prioridade das poliacuteticas dotadas de

responsabilidade intertemporal e intergeracional sobre aquelas que se preocu-

pam soacute com a geraccedilatildeo presente (ou com a proacutexima eleiccedilatildeo) (IV) a prioridade

das poliacuteticas de benefiacutecios liacutequidos sobre aquelas cujos custos sociais ambien-

tais e econocircmicos ultrapassam os eventuais ganhos (diretos e indiretos) (V) a

prioridade das poliacuteticas explicitamente justificadas sobre aquelas de motivaccedilatildeo

elusiva (VI) a prioridade das poliacuteticas alinhadas toacutepico-sistematicamente

com os objetivos fundamentais da Carta (art3ordm) sobre aquelas transitoacuterias e

natildeo universalizaacuteveis (VII) a prioridade das poliacuteticas redutoras de iniquidades

sobre aquelas que cultivam cegamente o mercado a despeito de suas estriden-

tes falhas

Nessas circunstacircncias34

forccedila rever a categoria da discricionariedade em

seus grandes traccedilos35

com o desiderato de realinhaacute-la ao caraacuteter vinculante das

poliacuteticas puacuteblicas independente de polarizaccedilotildees extremistas Seria de fato er-

rocircneo conceber a discricionariedade como irrestrita liberdade para emitir juiacute-

zos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave praacutetica ou natildeo de certas poliacute-

ticas como se estas natildeo fossem mensuraacuteveis Na verdade as opccedilotildees vaacutelidas

ldquoprima facierdquo nunca satildeo indiferentes Pode-se desse modo reconceituar a dis-

cricionariedade administrativa como a competecircncia (natildeo mera faculdade) de

avaliar e eleger no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indi-

retas (externalidades) de determinados programas preliminarmente estabele-

cidos com observacircncia justificada (interna e externamente36

) de prioridades

constitucionais no uso pertinente e eficaz dos recursos disponiacuteveis37

Dito de outro modo em nosso modelo constitucional as poliacuteticas puacutebli-

cas obrigatoriamente devem ser implementadas e controladas agrave base de prio-

ridades constitucionais vinculantes e nessa perspectiva escrutinadas sem pas-

sivismo no intuito de que apresentem benefiacutecios liacutequidos (sociais econocircmicos

e ambientais) Em outras palavras natildeo pode haver indiferenccedila no tocante agrave

qualidade juriacutedica ldquolato sensurdquo da motivaccedilatildeo e dos propoacutesitos das poliacuteticas

34

Cf Juarez Freitas com detalhe in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Funda-

mentais 5ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2013 Caps 6 e 11

35 Cf Celso Antocircnio Bandeira de Mello in Discricionariedade e Controle Jurisdicional 2a ed 9a

tir Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008 p 10

36 Cf entre outros por seu pioneirismo sobre justificaccedilatildeo externa e interna Jerzy Wroacuteblewski in

ldquoLegal decision and its jusificationrdquo Logique et analyses Vol14 n 53-54 1971 Cf para analiacute-

tica mirada de conjunto Pierluigi Chiarosoni in Teacutecnicas de interpretacioacuten juriacutedica Madrid

Marcial Pons 2011

37 Cf sobre recursos poliacuteticos econocircmicos legais e cognitivos Bruno Dente e Joan Subirats in

obcit pp 86-106

204 bull v 351 janjun 2015

aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omissotildees causa-

doras de danos certos especiais e anocircmalos

Nesse panorama o controle do Estado Democraacutetico natildeo esquecendo

de ver ldquoa trave no proacuteprio olhordquo precisa fazer as vezes de ldquoadministrador ne-

gativordquo e ao mesmo tempo de ativador dos direitos fundamentais de geraccedilotildees

presentes e futuras

Sem exceccedilatildeo o controle do viacutecio ou do ldquodemeacuteritordquo pode-deve alcanccedilar

ateacute a incoerecircncia da conduta administrativa agrave luz das prioridades constituci-

onais vinculantes E ponto nodal natildeo se aceita uma motivaccedilatildeo deacutebil pois se

exige uma justificaccedilatildeo congruente salvo se se tratar de atos de mero expedi-

ente autodecifraacuteveis e naqueles excepcionais casos em que a Constituiccedilatildeo ad-

mitir falta de motivaccedilatildeo (exemplo nomeaccedilatildeo para cargos em comissatildeo) To-

dos poreacutem devem ser no miacutenimo motivaacuteveis vale dizer passiacuteveis de apro-

vaccedilatildeo no teste de racionalidade intersubjetiva coibida toda e qualquer arbitra-

riedade inclusive a do controle

Haacute de fato enormes desvantagens na precariedade exacerbada e na

exagerada preferecircncia pelo presente38

nas escolhas intertemporais do Estado-

administraccedilatildeo ecos do paradigma tardio do direito administrativo volunta-

rista e livre de prestar contas sobre os custos sociais futuros39

Decerto o maacute-

ximo vinculativo pode ateacute ser inimigo da boa administraccedilatildeo (por exemplo se-

ria erro adotar orccedilamento rigidamente vinculado) mas se revela irremissiacutevel

no Estado contemporacircneo40

deixar de cobrar a vinculaccedilatildeo das escolhas admi-

nistrativas ao primado objetivo dos direitos fundamentais de modo a compa-

tibilizar41

o desenvolvimento econocircmico o bem-estar social e o equiliacutebrio eco-

loacutegico

Natildeo se admite sob nenhuma hipoacutetese uma discricionariedade distra-

iacuteda do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo e dos seus fins entrelaccedilados

equidade inclusiva combate agraves falhas de mercado e de governo sustentabili-

dade eficaz do bem-estar social ambiental e econocircmico das geraccedilotildees presentes

e futuras

Na oacutetica adotada o Estado Constitucional prescreve uma espeacutecie de

controle administrativo de constitucionalidade da implementaccedilatildeo das poliacuteti-

cas puacuteblicas tarefa a ser cumprida de ofiacutecio pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e pe-

38

Cf George Loewenstein e Richard Thaler in ldquoAnomalies Intertemporal Choicerdquo Journal of Eco-

nomic Perspectives 3 1989 pp 181-193

39 Cf sobre os custos sociais Richard Titmuss in Social Policy NY Pantheon Books 1974 Cap5

40 Cf sobre parcela dos desafios estatais no seacuteculo em curso Christopher Pierson in The Modern

State3ordf ed NY Routledge 2013

41 Cf sobre eficiecircncia como um dos objetivos estatais ao lado da equidade e de ldquoadministrative

feasibilityrdquo Nicholas Barr in The Economics of the Welfare State 5a ed Oxford Oxford Uni-

versity Press 2012 pp10-12

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 203

texto e no espiacuterito da Carta (I) a prioridade das poliacuteticas endereccediladas ao de-

senvolvimento sustentaacutevel sobre aquelas voltadas apenas para o crescimento

econocircmico imediato (CF art225) (II) a prioridade das poliacuteticas voltadas para

a eficaacutecia do nuacutecleo dos direitos fundamentais sobre aquelas destinadas a as-

segurar pleitos natildeo fundamentais (III) a prioridade das poliacuteticas dotadas de

responsabilidade intertemporal e intergeracional sobre aquelas que se preocu-

pam soacute com a geraccedilatildeo presente (ou com a proacutexima eleiccedilatildeo) (IV) a prioridade

das poliacuteticas de benefiacutecios liacutequidos sobre aquelas cujos custos sociais ambien-

tais e econocircmicos ultrapassam os eventuais ganhos (diretos e indiretos) (V) a

prioridade das poliacuteticas explicitamente justificadas sobre aquelas de motivaccedilatildeo

elusiva (VI) a prioridade das poliacuteticas alinhadas toacutepico-sistematicamente

com os objetivos fundamentais da Carta (art3ordm) sobre aquelas transitoacuterias e

natildeo universalizaacuteveis (VII) a prioridade das poliacuteticas redutoras de iniquidades

sobre aquelas que cultivam cegamente o mercado a despeito de suas estriden-

tes falhas

Nessas circunstacircncias34

forccedila rever a categoria da discricionariedade em

seus grandes traccedilos35

com o desiderato de realinhaacute-la ao caraacuteter vinculante das

poliacuteticas puacuteblicas independente de polarizaccedilotildees extremistas Seria de fato er-

rocircneo conceber a discricionariedade como irrestrita liberdade para emitir juiacute-

zos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave praacutetica ou natildeo de certas poliacute-

ticas como se estas natildeo fossem mensuraacuteveis Na verdade as opccedilotildees vaacutelidas

ldquoprima facierdquo nunca satildeo indiferentes Pode-se desse modo reconceituar a dis-

cricionariedade administrativa como a competecircncia (natildeo mera faculdade) de

avaliar e eleger no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indi-

retas (externalidades) de determinados programas preliminarmente estabele-

cidos com observacircncia justificada (interna e externamente36

) de prioridades

constitucionais no uso pertinente e eficaz dos recursos disponiacuteveis37

Dito de outro modo em nosso modelo constitucional as poliacuteticas puacutebli-

cas obrigatoriamente devem ser implementadas e controladas agrave base de prio-

ridades constitucionais vinculantes e nessa perspectiva escrutinadas sem pas-

sivismo no intuito de que apresentem benefiacutecios liacutequidos (sociais econocircmicos

e ambientais) Em outras palavras natildeo pode haver indiferenccedila no tocante agrave

qualidade juriacutedica ldquolato sensurdquo da motivaccedilatildeo e dos propoacutesitos das poliacuteticas

34

Cf Juarez Freitas com detalhe in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Funda-

mentais 5ordf ed Satildeo Paulo Malheiros 2013 Caps 6 e 11

35 Cf Celso Antocircnio Bandeira de Mello in Discricionariedade e Controle Jurisdicional 2a ed 9a

tir Satildeo Paulo Malheiros Editores 2008 p 10

36 Cf entre outros por seu pioneirismo sobre justificaccedilatildeo externa e interna Jerzy Wroacuteblewski in

ldquoLegal decision and its jusificationrdquo Logique et analyses Vol14 n 53-54 1971 Cf para analiacute-

tica mirada de conjunto Pierluigi Chiarosoni in Teacutecnicas de interpretacioacuten juriacutedica Madrid

Marcial Pons 2011

37 Cf sobre recursos poliacuteticos econocircmicos legais e cognitivos Bruno Dente e Joan Subirats in

obcit pp 86-106

204 bull v 351 janjun 2015

aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omissotildees causa-

doras de danos certos especiais e anocircmalos

Nesse panorama o controle do Estado Democraacutetico natildeo esquecendo

de ver ldquoa trave no proacuteprio olhordquo precisa fazer as vezes de ldquoadministrador ne-

gativordquo e ao mesmo tempo de ativador dos direitos fundamentais de geraccedilotildees

presentes e futuras

Sem exceccedilatildeo o controle do viacutecio ou do ldquodemeacuteritordquo pode-deve alcanccedilar

ateacute a incoerecircncia da conduta administrativa agrave luz das prioridades constituci-

onais vinculantes E ponto nodal natildeo se aceita uma motivaccedilatildeo deacutebil pois se

exige uma justificaccedilatildeo congruente salvo se se tratar de atos de mero expedi-

ente autodecifraacuteveis e naqueles excepcionais casos em que a Constituiccedilatildeo ad-

mitir falta de motivaccedilatildeo (exemplo nomeaccedilatildeo para cargos em comissatildeo) To-

dos poreacutem devem ser no miacutenimo motivaacuteveis vale dizer passiacuteveis de apro-

vaccedilatildeo no teste de racionalidade intersubjetiva coibida toda e qualquer arbitra-

riedade inclusive a do controle

Haacute de fato enormes desvantagens na precariedade exacerbada e na

exagerada preferecircncia pelo presente38

nas escolhas intertemporais do Estado-

administraccedilatildeo ecos do paradigma tardio do direito administrativo volunta-

rista e livre de prestar contas sobre os custos sociais futuros39

Decerto o maacute-

ximo vinculativo pode ateacute ser inimigo da boa administraccedilatildeo (por exemplo se-

ria erro adotar orccedilamento rigidamente vinculado) mas se revela irremissiacutevel

no Estado contemporacircneo40

deixar de cobrar a vinculaccedilatildeo das escolhas admi-

nistrativas ao primado objetivo dos direitos fundamentais de modo a compa-

tibilizar41

o desenvolvimento econocircmico o bem-estar social e o equiliacutebrio eco-

loacutegico

Natildeo se admite sob nenhuma hipoacutetese uma discricionariedade distra-

iacuteda do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo e dos seus fins entrelaccedilados

equidade inclusiva combate agraves falhas de mercado e de governo sustentabili-

dade eficaz do bem-estar social ambiental e econocircmico das geraccedilotildees presentes

e futuras

Na oacutetica adotada o Estado Constitucional prescreve uma espeacutecie de

controle administrativo de constitucionalidade da implementaccedilatildeo das poliacuteti-

cas puacuteblicas tarefa a ser cumprida de ofiacutecio pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e pe-

38

Cf George Loewenstein e Richard Thaler in ldquoAnomalies Intertemporal Choicerdquo Journal of Eco-

nomic Perspectives 3 1989 pp 181-193

39 Cf sobre os custos sociais Richard Titmuss in Social Policy NY Pantheon Books 1974 Cap5

40 Cf sobre parcela dos desafios estatais no seacuteculo em curso Christopher Pierson in The Modern

State3ordf ed NY Routledge 2013

41 Cf sobre eficiecircncia como um dos objetivos estatais ao lado da equidade e de ldquoadministrative

feasibilityrdquo Nicholas Barr in The Economics of the Welfare State 5a ed Oxford Oxford Uni-

versity Press 2012 pp10-12

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

204 bull v 351 janjun 2015

aplicadas especialmente se estas se revelarem por accedilotildees ou omissotildees causa-

doras de danos certos especiais e anocircmalos

Nesse panorama o controle do Estado Democraacutetico natildeo esquecendo

de ver ldquoa trave no proacuteprio olhordquo precisa fazer as vezes de ldquoadministrador ne-

gativordquo e ao mesmo tempo de ativador dos direitos fundamentais de geraccedilotildees

presentes e futuras

Sem exceccedilatildeo o controle do viacutecio ou do ldquodemeacuteritordquo pode-deve alcanccedilar

ateacute a incoerecircncia da conduta administrativa agrave luz das prioridades constituci-

onais vinculantes E ponto nodal natildeo se aceita uma motivaccedilatildeo deacutebil pois se

exige uma justificaccedilatildeo congruente salvo se se tratar de atos de mero expedi-

ente autodecifraacuteveis e naqueles excepcionais casos em que a Constituiccedilatildeo ad-

mitir falta de motivaccedilatildeo (exemplo nomeaccedilatildeo para cargos em comissatildeo) To-

dos poreacutem devem ser no miacutenimo motivaacuteveis vale dizer passiacuteveis de apro-

vaccedilatildeo no teste de racionalidade intersubjetiva coibida toda e qualquer arbitra-

riedade inclusive a do controle

Haacute de fato enormes desvantagens na precariedade exacerbada e na

exagerada preferecircncia pelo presente38

nas escolhas intertemporais do Estado-

administraccedilatildeo ecos do paradigma tardio do direito administrativo volunta-

rista e livre de prestar contas sobre os custos sociais futuros39

Decerto o maacute-

ximo vinculativo pode ateacute ser inimigo da boa administraccedilatildeo (por exemplo se-

ria erro adotar orccedilamento rigidamente vinculado) mas se revela irremissiacutevel

no Estado contemporacircneo40

deixar de cobrar a vinculaccedilatildeo das escolhas admi-

nistrativas ao primado objetivo dos direitos fundamentais de modo a compa-

tibilizar41

o desenvolvimento econocircmico o bem-estar social e o equiliacutebrio eco-

loacutegico

Natildeo se admite sob nenhuma hipoacutetese uma discricionariedade distra-

iacuteda do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo e dos seus fins entrelaccedilados

equidade inclusiva combate agraves falhas de mercado e de governo sustentabili-

dade eficaz do bem-estar social ambiental e econocircmico das geraccedilotildees presentes

e futuras

Na oacutetica adotada o Estado Constitucional prescreve uma espeacutecie de

controle administrativo de constitucionalidade da implementaccedilatildeo das poliacuteti-

cas puacuteblicas tarefa a ser cumprida de ofiacutecio pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e pe-

38

Cf George Loewenstein e Richard Thaler in ldquoAnomalies Intertemporal Choicerdquo Journal of Eco-

nomic Perspectives 3 1989 pp 181-193

39 Cf sobre os custos sociais Richard Titmuss in Social Policy NY Pantheon Books 1974 Cap5

40 Cf sobre parcela dos desafios estatais no seacuteculo em curso Christopher Pierson in The Modern

State3ordf ed NY Routledge 2013

41 Cf sobre eficiecircncia como um dos objetivos estatais ao lado da equidade e de ldquoadministrative

feasibilityrdquo Nicholas Barr in The Economics of the Welfare State 5a ed Oxford Oxford Uni-

versity Press 2012 pp10-12

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 205

los controles em geral natildeo apenas os jurisdicionais Enfrenta-se com este re-

desenho do controle a sofreguidatildeo pantanosa da discricionariedade sem meacute-

trica avessa agrave contiacutenua avaliaccedilatildeo de longo prazo

Nessa ordem de consideraccedilotildees uacutetil fixar os dois principais viacutecios no

exerciacutecio da discricionariedade administrativa Ei-los em grande traccedilos (a) o

viacutecio da discricionariedade excessiva ou abusiva (arbitrariedade por accedilatildeo) mdash

hipoacutetese de ultrapassagem dos limites impostos agrave competecircncia discricionaacuteria

isto eacute quando o agente puacuteblico opta por soluccedilatildeo sem lastro ou amparo em

regra vaacutelida Ou quando a atuaccedilatildeo administrativa se encontra por algum mo-

tivo enviesada e desdestinada (desvio abusivo das finalidades constitucionais

eou legais) (b) o viacutecio da discricionariedade insuficiente (arbitrariedade por

omissatildeo) mdash hipoacutetese em que o agente deixa de exercer a escolha administra-

tiva ou a exerce com inoperacircncia notadamente ao faltar com os deveres de

prevenccedilatildeo e de precauccedilatildeo aleacutem das obrigaccedilotildees redistributivas Nessa modali-

dade igualmente antijuriacutedica a omissatildeo mdash verdadeiro dardo que atinge as pri-

oridades vinculantes mdash traduz-se como descumprimento de diligecircncias impo-

sitivas Para citar palpitante exemplo tome-se o dever puacuteblico de matricular

crianccedilas em idade preacute-escolar na creche Ora natildeo se pode deixar de fazecirc-lo

por mero juiacutezo de conveniecircncia ou oportunidade sob pena de cometimento

do mencionado viacutecio da discricionariedade insuficiente E mais cobra-se o

controle de qualidade (cognitiva e de ldquosoft skillsrdquo) da educaccedilatildeo oferecida

Como se preconiza todos os atos administrativos42

ao menos negativa

ou mediatamente satildeo controlaacuteveis e os viacutecios de omissatildeo tambeacutem precisam

ser combatidos de modo vigoroso e fora de qualquer condescendecircncia a des-

peito da baixa tradiccedilatildeo na mateacuteria Induvidoso que a conduta administrativa

(vinculada ou discricionaacuteria) apenas se justifica por definiccedilatildeo se imantada

pelo primado do direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo com tudo que re-

presenta

Pode-se agrave base do articulado entender o ato administrativo legiacutetimo

como a declaraccedilatildeo de vontade da administraccedilatildeo puacuteblica lato sensu ou de quem

exerccedila atividade por ela delegada de natureza infralegal (em regra43

) com o

fito de produzir efeitos no mundo juriacutedico em sintonia com o direito funda-

mental agrave boa administraccedilatildeo direta e imediatamente eficaz

Nessa linha satildeo requisitos de juridicidade dos atos administrativos

(mais que de vigecircncia e validade) sob pena de degradaccedilatildeo dos princiacutepios e

42

Caracterizam-se aqui os atos administrativos como atos juriacutedicos expedidos por agentes puacutebli-

cos (incluiacutedos os que atuam por delegaccedilatildeo) no exerciacutecio das atividades de administraccedilatildeo puacute-

blica (inconfundiacuteveis com atos jurisdicionais ou legislativos) cuja regecircncia ateacute quando envol-

vem atividade de exploraccedilatildeo econocircmica resulta matizada por regras publicistas

43 O sistema constitucional por exceccedilatildeo passou a admitir atos administrativos ldquoautocircnomosrdquo com

o advento das Emendas Constitucionais 32 e 45

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

206 bull v 351 janjun 2015

direitos fundamentais (a) a praacutetica por sujeito capaz e investido de compe-

tecircncia (irrenunciaacutevel exceto nas hipoacuteteses legais de avocaccedilatildeo e de delegaccedilatildeo)

(b) a consecuccedilatildeo eficiente e eficaz dos melhores resultados contextuais nos

limites da Constituiccedilatildeo (isto eacute a exteriorizaccedilatildeo de propoacutesitos de acordo com as

prioridades constitucionais vinculantes de modo sustentaacutevel com a necessaacute-

ria compatibilizaccedilatildeo praacutetica entre equidade e eficiecircncia) (c) a observacircncia da

forma sem sucumbir aos formalismos teratoloacutegicos (d) a devida e suficiente

justificaccedilatildeo das premissas do silogismo dialeacutetico decisoacuterio com a indicaccedilatildeo

clara dos motivos (fatos e fundamentos juriacutedicos) (e) o objeto determinaacutevel

possiacutevel e liacutecito em sentido amplo

Agrave luz desses requisitos (mais substanciais do que de forma) inadiaacutevel

recalibrar a amplitude de sindicabilidade dos atos administrativos De fato o

ato administrativo precisa estar em conexatildeo expliacutecita com o plexo de princiacutepios

constitucionais o que soacute engrandece a missatildeo dos controles independentes a

liberdade do administrador teraacute de ser constitucionalmente defensaacutevel natildeo

bastando ser legal Importa a partir daiacute reorientar o controle da discricionari-

edade presentes as premissas acima

Indispensaacutevel assim sobrepassar a labiriacutentica e improdutiva tendecircncia

de controle unidimensional legalista e despreocupado com o monitoramento

autocircnomo e objetivo de resultados e benefiacutecios diretos e indiretos a longo

prazo

Milita sem duacutevida a favor dessa mudanccedila de modelo um conceito mais

completo de poliacuteticas puacuteblicas

As poliacuteticas puacuteblicas e a discricionariedade administrativa imantadas

pelo direito agrave boa administraccedilatildeo passam agrave condiccedilatildeo de categorias entrelaccedila-

das no intuito de que as prioridades constitucionais vinculantes graccedilas ao

controle (retrospectivo e prospectivo) de benefiacutecios liacutequidos alcancem empiacute-

rica compatibilidade com os elevados padrotildees do desenvolvimento sustentaacute-

vel Forccedila sublinhar que sofismas agrave parte o Estado Constitucional consagra

expliacutecitas e impliacutecitas prioridades vinculantes a serem observadas de modo cri-

terioso na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas

Crucial que o escrutiacutenio independente das escolhas puacuteblicas esteja en-

dereccedilado racionalmente ao adimplemento de prioridades encapsuladas no

direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica44

Com efeito a margem de

escolha das consequecircncias (diretas e indiretas) conferida a sujeito competente

(ao lado da discriccedilatildeo cognitiva para fixar o conteuacutedo de conceitos indetermi-

nados) natildeo se coaduna com falsas liberdades tais como aquelas que redun-

44

Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

SP Malheiros 2013 Do mesmo autor vide Direito Fundamental agrave Boa Administraccedilatildeo Puacuteblica

3ordf ed SP Malheiros 2014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 207

dam em obras inuacuteteis e superfaturadas desregulaccedilotildees temeraacuterias ilusionis-

mos contaacutebeis compras insustentaacuteveis e empreacutestimos puacuteblicos distraiacutedos de

finalidades constitucionais Ao assinalar que a discricionariedade administra-

tiva precisa estar em alto grau vinculada de modo expresso agraves prioridades

vinculantes da Carta quer-se deixar niacutetido que a escolha administrativa com

o selo da discricionariedade legiacutetima soacute pode ser aquela decorrente da justa

apreciaccedilatildeo intertemporal dos custos e benefiacutecios diretos e indiretos nas fron-

teiras da juridicidade em sentido lato que inclui a tutela de valores natildeo-econocirc-

micos45

agrave diferenccedila do cogitado pela anaacutelise utilitarista claacutessica de custo-bene-

fiacutecio

Seraacute pois legiacutetima aquela decisatildeo administrativa que resguardar as re-

gras legais (atribuidoras da liberdade de escolha) e simultaneamente a con-

formidade com o sistema inteiro (nos limites dos poderes atribuiacutedos aos atores

puacuteblicos para que realizem as melhores opccedilotildees) Na agenda das poliacuteticas puacute-

blicas subsiste tatildeo-somente uma restrita (natildeo propriamente residual) liber-

dade conformadora pois natildeo pode ser considerado indiferente por exemplo

decidir entre uma intervenccedilatildeo urbana voltada para o transporte individual ou

para o transporte coletivo brota da Constituiccedilatildeo a prioridade inequiacutevoca do

transporte coletivo Tambeacutem natildeo se pode reputar indiferente contratar a obra

puacuteblica pelo miacuteope menor preccedilo de construccedilatildeo ou ao contraacuterio levar em

conta os custos de sua manutenccedilatildeo a proacutepria economicidade (CF art 70) exige

uma estimativa prospectiva Tampouco pode ser tido como indiferente conce-

ber o mercado como se fosse por si soacute resiliente ou assumir o pleno reconhe-

cimento das suas falhas uma vez que natildeo haacute como sobremodo apoacutes a crise de

2008 ignorar as externalidades negativas as informaccedilotildees privilegiadas e o po-

der dominante

Nessas circunstacircncias natildeo se admitem as condutas administrativas can-

didamente indiferentes que se furtam de cumprir (ao agir ou ao se abster) os

condicionantes modulados pelas prioridades constitucionais de florescimento

da qualidade de vida acima do crescimento pelo crescimento econocircmico me-

dido pelo precaacuterio PIB46

Eacute que natildeo faz sentido a tese mesmerizada pela insin-

dicabilidade do cerne poliacutetico dos programas administrativos porque o juiacutezo

de conveniecircncia requer invariavelmente uma motivaccedilatildeo intertemporal sujeita

ao crivo das avaliaccedilotildees independentes de impactos sistecircmicos e de custos-be-

nefiacutecios (natildeo apenas econocircmicos)47

45

Cf Stephen Breyer Richard Stewart Cass Sunstein Adrian Vermeule e Michael Herz in Ad-

ministrative Law and Regulatory Policy 7a ed NY Wolters Kluwer 2011 p 10

46 Cf para uma criacutetica ao PIB e proposta de ldquocounter-theoryrdquo Martha Nussbaum in Creating Ca-

pabilities Cambridge Harvard University Press 2013 pp 46-50

47 Cf para ilustrar Eric Posner in ldquoControlling agencies with cost-benefit analysisrdquo University of

Chicago Law Review V 68 n4 2001 pp 1137-1199

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

208 bull v 351 janjun 2015

Em suma natildeo se aceitam em ordens realmente democraacuteticas os atos

puramente discricionaacuterios tiacutepicos do patrimonialismo de extraccedilatildeo subjetivista

assim como se mostram implausiacuteveis os atos completamente vinculados e au-

tocircmatos (de mera obediecircncia irreflexiva) Com tais pressupostos reequaciona-

se por inteiro o escrutiacutenio das escolhas puacuteblicas com o foco no crescente

adimplemento dos deveres de enunciaccedilatildeo e implementaccedilatildeo em tempo uacutetil

das poliacuteticas prioritaacuterias do Estado Constitucional seja pela emissatildeo expedita

dos atos administrativos vinculados seja pelo exerciacutecio comedido dos atos ad-

ministrativos discricionaacuterios expungindo destes e daqueles as arbitrarieda-

des por accedilatildeo e por omissatildeo

O ponto eacute que natildeo se coaduna com a efetividade do direito fundamen-

tal agrave boa administraccedilatildeo uma discricionariedade administrativa vulneraacutevel aos

cantos de sereia que depreciam a liberdade como poder de veto sobre os im-

pulsos e pontos cegos de curto prazo Nesse enfoque reconceituam-se com

vantagem cientiacutefica as poliacuteticas puacuteblicas como aqueles programas que o Poder

Puacuteblico nas relaccedilotildees administrativas deve enunciar e implementar de acordo

com as prioridades constitucionais cogentes sob pena de omissatildeo especiacutefica

lesiva Ou seja as poliacuteticas puacuteblicas satildeo assimiladas como autecircnticos progra-

mas de Estado (mais do que de governo) que intentam por meio de articula-

ccedilatildeo eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais cumprir as priorida-

des vinculantes da Carta de ordem a assegurar com hierarquizaccedilotildees funda-

mentadas a efetividade do plexo de direitos fundamentais das geraccedilotildees pre-

sentes e futuras

Quer dizer o controle das poliacuteticas puacuteblicas imantado pelo direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo puacuteblica requer o escrutiacutenio em inovadores ter-

mos que decirc conta da inteireza do processo de tomada das decisotildees adminis-

trativas desde a escolha do agir (em vez de se abster) ateacute culminar na poacutes-

avaliaccedilatildeo dos efeitos primaacuterios e secundaacuterios no encalccedilo (baseado em argu-

mentos e sobretudo em evidecircncias) do primado empiacuterico ao longo do tempo

dos benefiacutecios no cotejo com os custos sociais ambientais e econocircmicos

Conveacutem reiterar a imprescindiacutevel redefiniccedilatildeo do exame de custo-bene-

fiacutecio para que este se converta em escrutiacutenio que transcenda os ditames da

eficiecircncia econocircmica conferindo primazia ao bem-estar multidimensio-

nal48

Nesse aspecto faz-se imperiosa a inclusatildeo do desenvolvimento sustentaacute-

vel entre as prioridades constitucionais49

(CF art225 combinado com 170 VI)

com a capacitaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos para que se tornem exiacutemios na ciecircncia

48

Cf para uma redefiniccedilatildeo da anaacutelise de custo-benefiacutecio em favor do bem-estar Matthew Adler

e Eric Posner in New Foundations of Cost-Benefits Analysis Cambridge Harvard University

Press 2006

49 Cf sobre o papel da Constituiccedilatildeo como fonte numa perspectiva comparada Bertrand Seiller

in Droit Administratif Les sources et le juge 5ordf ed Paris Flammarion 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 209

retrospectiva e prospectiva de estimar os interdependentes ganhos sociais

ambientais e econocircmicos

Tal controle genuinamente qualitativo e de largo espectro eacute o que se

revela haacutebil para gradualmente desconstruir as falaacutecias subjacentes agraves deci-

sotildees perpetuadoras de oligarquias plutocratas Certamente natildeo se coaduna

com o controle perfunctoacuterio opaco imediatista e satisfeito com informaccedilotildees

incompletas especialmente ao tratar de atos discricionaacuterios que envolvem por

definiccedilatildeo escolhas de meios e metas Nada colabora nesse ponto serem vistas

as poliacuteticas puacuteblicas como meros programas governamentais natildeo de Estado

Trata-se de noccedilatildeo seriamente deficitaacuteria Em primeiro lugar peca ao tratar as

poliacuteticas puacuteblicas como se natildeo fossem tambeacutem implementaacuteveis pelo Estado-

Legislador pelo Estado-Juiz (no exerciacutecio da tutela especiacutefica) entre outros

atores poliacuteticos Em segundo lugar equivoca-se ao tratar as poliacuteticas puacuteblicas

como se tomassem parte do reino da discricionariedade imperial no qual cada

governante eleito poderia formular ldquoad hocrdquo o rol de suas prioridades perso-

nalistas Nada mais incompatiacutevel com o planejamento e com o regime de res-

ponsabilidade centrado na proteccedilatildeo efetiva de direitos individuais e coleti-

vos50

Na realidade as poliacuteticas puacuteblicas 51

natildeo satildeo meros programas episoacutedi-

cos de governo motivo pelo qual o seu nuacutecleo tem de ser revisto Eis nessa

perspectiva a triacuteade de elementos caracterizadores das poliacuteticas puacuteblicas no

acordo semacircntico proposto (a) satildeo programas de Estado Constitucional (mais

do que de governo) (b) satildeo enunciadas e implementadas por vaacuterios atores po-

liacuteticos especialmente pela Administraccedilatildeo Puacuteblica e (c) satildeo prioridades consti-

tucionais cogentes Vale dizer satildeo programas que precisam ser enunciados e

implementados a partir da vinculaccedilatildeo obrigatoacuteria com as prioridades estatuiacute-

das pela Carta cuja normatividade depende de positivaccedilatildeo final (insubstituiacute-

vel) pelo administrador

Do conceito sugerido e de seus elementos emerge a premecircncia do aban-

dono de anaacutelises epideacutermicas e meramente abstratas de poliacuteticas puacuteblicas in-

gressando na fase de avaliaccedilatildeo marcadamente sistecircmica e mais do que formal

de plausibilidade das motivaccedilotildees complexas (agraves vezes perigosamente contra-

ditoacuterias52

) do agir ou do deixar de agir administrativo Passa a figurar entre os

requisitos de juridicidade das poliacuteticas puacuteblicas o cumprimento categoacuterico das

50

Cf para comparar regimes de responsabilidade Anne Jacquemet-Gaucheacute in La responsabiliteacute

de la puissance publique en France et en Allemagne Paris LGDJ 2013

51 Cf sobre poliacuteticas puacuteblicas Michael Moran Martin Rein e Robert Goodin (Eds) The Oxford

Handbook of Public Policy Londres Sage 2006 Cf ainda Poliacuteticas puacuteblicas Enrique Saravia

e Elisabete Ferrarezi (orgs) Brasiacutelia ENAP 2006 V1

52 V Guy Peters e Jon Pierre (eds) in Handbook of Public Policy Londres Sage 2006

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

210 bull v 351 janjun 2015

prioridades constitucionais jaacute para impedir a ldquotrageacutedia dos comunsrdquo53

jaacute para

prestigiar indicadores fidedignos e confiaacuteveis de desenvolvimento sustentaacute-

vel que seguem mensuraccedilotildees de bem-estar (distribuiccedilatildeo de renda e do con-

sumo mdash inclusive para atividades fora do mercado) acima das meacutetricas limita-

das e limitantes de produccedilatildeo com o atendimento simultacircneo de itens multi-

dimensionais de bem-estar como sauacutede educaccedilatildeo atividades pessoais (inclu-

sive o trabalho decente) voz poliacutetica e governanccedila conexatildeo social e relaciona-

mentos ambiente (condiccedilotildees presentes e futuras) e seguranccedila tanto de natu-

reza econocircmica como fiacutesica54

Bem por isso55

impende observar que a discrici-

onariedade administrativa tem de se adequar ao caraacuteter cogente dos direitos

fundamentais tarefa que demanda decifraccedilatildeo o mais possiacutevel isenta de con-

traproducentes preconceitos

Com pertinecircncia Hans Julius Wolff e Otto Bachof56

perceberam que

cada abstrata ou concreta criaccedilatildeo de Direito se situa entre os polos da inteira

liberdade e da rigorosa vinculaccedilatildeo sem que as extremas possibilidades jamais

se realizem Na vida real natildeo se tocam em nenhuma hipoacutetese nem o sistema

juriacutedico eacute auto-regulaacutevel por inteiro mdash ainda que completaacutevel mdash nem a dis-

criccedilatildeo eacute absolutamente franqueada ao agente puacuteblico Acresce que o controle

dos atos discricionaacuterios (e dos atos vinculados por suposto) natildeo pode aplicar

uma loacutegica reducionista do ldquotudo-ou-nadardquo ao menos em atuaccedilatildeo eminente-

mente proporcional Laboram em erro pois os maximalistas que pretendem

tudo controlar causando mdash agraves vezes com a intenccedilatildeo funesta de vender facili-

dades mdash uma paralisia insana com bilhotildees de horas destinadas ao trabalho

improdutivo de saciar o burocratismo parasitaacuterio57

No polo oposto erram os

minimalistas que preferem deixar tudo ao sabor de poliacuteticas conjunturais ig-

norando as falhas estridentes de mercado

Em semelhante quadro seria insuficiente conceber a discricionariedade

como liberdade para emitir juiacutezos de conveniecircncia ou oportunidade quanto agrave

praacutetica de atos administrativos Como enfatizado as opccedilotildees vaacutelidas ldquoprima fa-

cierdquo natildeo satildeo indiferentes Por isso a discricionariedade administrativa eacute vista

como a competecircncia administrativa (natildeo mera faculdade) de avaliar e esco-

lher no plano concreto as melhores consequecircncias diretas e indiretas (exter-

nalidades) dos programas puacuteblicos

53

V sobre o tema da ldquotrageacutedia dos comunsrdquo e por seus ldquodesign principlesrdquo Elinor Ostrom in

Governing the commons Cambridge Cambridge University Press 1990

54 Cf indicadores do Relatoacuterio Stiglitz-Sen-Fitoussi (Commission on the Measurement of Eco-

nomic Performance and Social Progress de 2009) disponiacutevel in wwwstiglitz-sen-fitoussifr

55 Cf Juarez Freitas in O Controle dos Atos Administrativos e os Princiacutepios Fundamentais 5ordf ed

obcit especialmente Caps 6 e 11

56 Cf Hans Julius Wolff e Otto Bachof in Verwaltungsrecht vol I Munique C H BeckrsquoacheVer-

lag 1974 p 186

57 Cf Cass Sunstein in Simpler NY Simon amp Shuster 2013

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 211

Para ilustrar a decisatildeo de licitar eacute discricionaacuteria todavia o edital seraacute

nulo se deixar de incorporar os criteacuterios de sustentabilidade ambiental social

e econocircmica (CF arts 170 VI e 225)58

Mais qualquer sucessatildeo de atos admi-

nistrativos teraacute de ser sopesada em seus custos e benefiacutecios diretos e indiretos

medidos com paracircmetros59

qualitativamente estipulados (alheios agrave contrapo-

siccedilatildeo riacutegida entre as abordagens positivistas e poacutes-positivistas60

ou entre as fi-

losofias consequencialistas e deontologistas)61

Desses pressupostos brota o completo redesenho do modelo de gestatildeo

puacuteblica (e do correspondente controle) de maneira a introduzir vedados par-

ticularismos e sem invalidar o espaccedilo proporcional e razoaacutevel62

da deferecircncia63

as meacutetricas capazes de propiciar a ponderaccedilatildeo acurada de custos e benefiacutecios

globais com o sensato sopesamento

Vale dizer para retomar o exemplo a decisatildeo de licitar em si mostra-

se passiacutevel de amplo escrutiacutenio Cumpre perquirir de saiacuteda se a decisatildeo de

realizar o certame em tempo e lugar encontra-se consistentemente motivada

ou se merece pronta rejeiccedilatildeo seja por reforccedilar falha de mercado seja por acar-

retar prejuiacutezo inaceitaacutevel ao eraacuterio ou a terceiros Ato contiacutenuo impotildee-se ava-

liar se o contrato decorrente eacute a melhor opccedilatildeo agrave vista do potencial de projetos

alternativos

Como se nota ao longo do processo (desde a tomada da decisatildeo ateacute a

execuccedilatildeo do ajuste) o controle de prioridades vinculantes natildeo eacute simples facul-

dade (exposta aos juiacutezos peregrinos de conveniecircncia e oportunidade) como

objeta o conservadorismo inercial confinado ao vieacutes do ldquostatus quordquo Sem duacute-

vida impotildee-se que o Estado-Administraccedilatildeo incremente aquelas poliacuteticas cons-

titucionalizadas no intuito de exercer funccedilatildeo indutora de praacuteticas sociais sa-

lutares e redistributivas ao lado da funccedilatildeo inibitoacuteria de discriminaccedilotildees nega-

tivas ou das ldquodesvantagens corrosivasrdquo64

58

Cf Lei 866693 art3ordm

59 Cf nessa linha art 4ordm III da Lei de RDC (Lei 124622011)

60 Cf na senda de conciliaccedilatildeo entre tais abordagens Michael Howlett M Ramesh Anthony Perl

in Studying Public Policy 3ordf Ed Oxford University Press 2009 Cap II

61 Cf Martha Nussbaum in obcit pp93-96

62 Cf Paul Craig in The nature of reasobleness review Current Legal Problems 66(1) 2013 pp

131-167

63 Cf sobre significados de deferecircncia noutro contexto Paul Daly in Theory of Deference in Ad-

ministrative Law NY Cambridge University Press 2012

64 Cf Jonatham Wolff e Avner De-Shalit Disavantage NY Oxford University Press 2007

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

212 bull v 351 janjun 2015

Dessa maneira as decisotildees administrativas haveratildeo de ser controladas

de jeito a aferir a qualidade intertemporal das escolhas puacuteblicas65

66

com o ad-

vento de apropriada representaccedilatildeo do futuro e de meacutetricas objetivas e subje-

tivas Indesmentiacutevel que se revela viaacutevel na maior parte dos casos identificar

de modo consensual entre pessoas de boa formaccedilatildeo o que eacute mdash e o que natildeo eacute

mdash prioritaacuterio por maiores que sejam as objeccedilotildees filosoacuteficas sobre a possibili-

dade de consensos de fundo67

Incontroversa por exemplo a erronia de taacuteticas

anacrocircnicas de congelamento de tarifas desequilibrando contratos puacuteblicos

em vez de reduzir os gargalos estruturais e de ampliar a produtividade com

incentivo agrave poupanccedila domeacutestica Indefensaacutevel um preacutedio funcionar sem al-

varaacute ou sem vistoria perioacutedica capaz de detectar em tempo uacutetil falhas que

podem ser fatais

Como se observa mostra-se perfeitamente possiacutevel ao menos em situ-

accedilotildees extremas identificar o prioritaacuterio Isto eacute natildeo se admite a liberdade para

descumprir as obrigatoacuterias funccedilotildees ambientais sociais e econocircmicas das deci-

sotildees administrativas68

Parafraseando o art 421 do Coacutedigo Civil a liberdade

administrativa soacute pode ser exercida ldquoem razatildeo e nos limitesrdquo das prioridades

constitucionais vinculantes relacionadas ao desenvolvimento sustentaacutevel

Note-se de passagem que a Lei de Resiacuteduos Soacutelidos69

estabelece a pri-

oridade (art 7ordm XI) nas aquisiccedilotildees e contrataccedilotildees administrativas para produ-

tos reciclados ou reciclaacuteveis e para bens serviccedilos e obras que correspondam a

paracircmetros de baixo carbono Prioridade no enunciado normativo natildeo se co-

aduna com a singela indicaccedilatildeo de preferecircncia Realmente a adoccedilatildeo de poliacutetica

voltada agrave ecoeficiecircncia (no sentido de obter mais com menos recursos naturais)

eacute cogente

O sopesamento fundamentado de boa-feacute dos custos diretos e indiretos

converte-se em elemento-chave de avaliaccedilatildeo da funcionalidade das decisotildees

administrativas Como resulta cristalino rejeita-se o decisionismo irracional

(por accedilatildeo ou por omissatildeo) dado que o controle de prioridades incorpora de

modo incisivo o escrutiacutenio independente dos fundamentos de juridicidade

sistemaacutetica70

ensejando o salutar questionamento relativamente ao porquecirc e

ao ldquotimingrdquo das escolhas efetuadas ou natildeo efetuadas

65

V Shane Frederick George Loewenstein e Ted OacuteDonoghue in Time Discounting and Time

Preference A Critical Reviewrdquo Journal of Economic Literature Vol 40 Nordm 2 2002 pp 351-401

66 Cf o Relatoacuterio do Desenvolvimento Humano 2013 ldquoA Ascensatildeo do Sul Progresso humano

num mundo diversificadordquo PNUD 2013 p 68

67 Cf sobre o tema do problemaacutetico consenso de fundo Juumlrgen Habermas in Teoria e Praacutexis SP

Unesp 2013

68 Cf o art 421 do Coacutedigo Civil segundo o qual a liberdade seraacute exercida em razatildeo e nos limites

da funccedilatildeo social do contrato

69 Cf Lei 12305 de 2010

70 Sobre o tema da juridicidade como vinculaccedilatildeo ao Direito vide Paulo Otero Legalidade e Ad-

ministraccedilatildeo Puacuteblica Coimbra Livraria Almedina 2003

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 213

Para evitar os viacutecios mencionados (entre tantos outros) o agente do Es-

tado-Administraccedilatildeo natildeo pode aderir ao mito da liberdade insindicaacutevel em-

bora a sua atuaccedilatildeo experimente aqui e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade

estrita Retome-se a liccedilatildeo antiga inexiste mdash jaacute o dizia Georges Vedel71

mdash a pura

discricionariedade tampouco a pura vinculaccedilatildeo Quer dizer a escolha liacutecita

somente ocorre no quadro de justificativas necessariamente universalizaacuteveis e

intertemporalmente consistentes Natildeo se permite a discricionariedade desa-

tada que opera em nome da suposta discriccedilatildeo que inibe o consenso em torno

de prioridades constitucionais em que pese o nuacutecleo essencial do direito fun-

damental ser inegociaacutevel por definiccedilatildeo

Nesse prisma impotildee-se corrigir dois fenocircmenos simeacutetricos igualmente

nocivos de uma parte a vinculaccedilatildeo que cede aos automatismos poliacuteticos e

culturais e de outra a concepccedilatildeo da discricionariedade propensa a dar as cos-

tas agrave vinculaccedilatildeo constitucional (expressa ou impliacutecita) minando em ambos os

casos pela arbitrariedade interditada os contrapoderes indispensaacuteveis

Afortunadamente o quadro evolui Jaacute se acolhe por exemplo o direito

agrave nomeaccedilatildeo de aprovados em concurso dentro das vagas previstas no edital

postura que seria impensaacutevel haacute pouco tempo No entanto forccedila avanccedilar

muito mais exigir a discricionariedade vinculada agraves prioridades constitucio-

nais na enunciaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo de todas as poliacuteticas puacuteblicas

Natildeo significa pensar que inexista competecircncia para escolher entre op-

ccedilotildees vaacutelidas ldquoprima facierdquo contudo impende abolir a indiferenccedila crocircnica pe-

rante as prioridades constitucionais Ora persiste relativa liberdade para rea-

lizar esta ou aquela compra puacuteblica mas com a condiccedilatildeo incontornaacutevel de que

se revele necessaacuteria adequada e compatiacutevel com a responsabilidade pelo ciclo

de vida dos produtos72

Ou seja a discriccedilatildeo afigura-se indescartaacutevel todavia

serve tatildeo-soacute para ldquocolorirrdquo a performance administrativa com eficiecircncia (CF

art 37) eficaacutecia (CF art 74) e sustentabilidade (CF art225)

Decerto a liberdade natildeo se desfaz por essa carga de vinculaccedilatildeo legi-

tima-se ao deixar de fixar a residecircncia no espaccedilo fluido de vontades particu-

laristas e pouco ou nada universalizaacuteveis Em outras palavras imperativo que

a liberdade seja conferida para que a autoridade administrativa responsavel-

mente (sem ardis manipulatoacuterios) adimpla as suas obrigaccedilotildees e o faccedila em

tempo uacutetil

71

Cf Georges Vedel in Droit Administratif Paris PUF 1973 pp 318-319

72 Cf Lei 12305 de 2010 art 3 IV

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

214 bull v 351 janjun 2015

A Administraccedilatildeo Puacuteblica natildeo apenas pode (a rigor inexistem atos ad-

ministrativos meramente facultativos)73

mas estaacute obrigada a realizar avalia-

ccedilotildees de custos e benefiacutecios abrangentes (econocircmicos e natildeo econocircmicos) com

a correspondente prestaccedilatildeo de contas74

definitivamente exorcizada a recor-

rente crenccedila em atos poliacuteticos sem controle dado que todos os elementos da

tomada de decisatildeo (e respectivas execuccedilotildees) precisam acatar (natildeo apenas lite-

rariamente) as premissas da boa administraccedilatildeo ainda que examinadas obli-

quamente

Nessa ordem de ideias mdash e eacute isso que conveacutem natildeo perder de vista mdash os

atos administrativos podem ser vinculados propriamente ditos ou seja aque-

les que devem intenso (nunca total ou automaacutetico) respeito a requisitos for-

mais com escassa liberdade do agente (o que natildeo exclui a cautela reflexiva)

De outra parte existem os atos administrativos de discricionariedade vincu-

lada agrave integra das prioridades cogentes da Carta a saber aqueles que o agente

puacuteblico pratica mediante juiacutezos de adequaccedilatildeo conveniecircncia e oportunidade

tendo em vista encontrar a maior praticabilidade dos mandamentos constitu-

cionais sem que se mostre indiferente a escolha contextual de consequecircncias

diretas e indiretas

Ou seja o administrador puacuteblico nos atos ditos discricionaacuterios goza de

liberdade para emitir juiacutezos instrumentais de aperfeiccediloamento do direito fun-

damental agrave boa administraccedilatildeo Natildeo desfruta da discricionariedade ilimitada

nem padece da vinculaccedilatildeo total dois equiacutevocos espelhados Bem pensadas as

coisas a distinccedilatildeo entre atos vinculados e atos discricionaacuterios radica tatildeo-soacute no

atinente agrave intensidade do viacutenculo agrave lei como regra

Agrave vista do exposto considera-se insuficiente a proposiccedilatildeo claacutessica de

Jenkis que concebia a poliacutetica puacuteblica como simples conjunto de decisotildees to-

madas por um ator poliacutetico ou vaacuterios concernentes agrave seleccedilatildeo de objetivos e

meios necessaacuterios para realizaacute-los75

76

Peca ao natildeo atinar para a ldquoaccountabi-

lityrdquo que se impotildee77

e por sua extrema imprecisatildeo De outro lado e a despeito

dos seus meacuteritos o ciclo de poliacuteticas puacuteblicas segundo a descriccedilatildeo dos estaacutegios

de Harold Lasswell78

tambeacutem fraqueja ao desconsiderar significativos fatores

exoacutegenos que influenciam de variadas formas a tomada da decisatildeo adminis-

trativa

73

Cf Ruy Cirne Lima in Princiacutepios de Direito Administrativo Brasileiro 7a ed Satildeo Paulo Ma-

lheiros Editores p 241

74 Cf Miguel Seabra Fagundes in O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciaacuterio Rio

de Janeiro Forense 1967 pp 166-167

75 Cf William Jenkins in Policy Analysis Londres Martin Robertson 1978

76 Cf sobre essa definiccedilatildeo de William Jenkis Michael Howlet M Ramesh e Anthony Perl in Po-

liacutetica Puacuteblica 3ordf ed Rio Campus 2013 p8

77 Cf Guy Peters in The politics of bureacracy 5a ed London e NY Routledge 2001

78 Cf Harold Lasswell in A Pre-View of Policy Sciences NY American Elsevier 1971

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 215

Assim o controle dos atos administrativos precisa operar com uma no-

ccedilatildeo juridicamente refinada de poliacuteticas puacuteblicas a saber satildeo aquelas poliacuteticas

constitucionais de Estado que o governo precisa em tempo haacutebil agendar e

implementar mediante programas eficientes eficazes e justificados intertem-

poralmente em conjunto com outros atores poliacuteticos

Desse modo o controle da discricionariedade administrativa insere-se

sobretudo como filtro de prioridades nas escolhas puacuteblicas79

Numa siacutentese a

ser levada a efeito a reforma80

do controle das poliacuteticas puacuteblicas as prioridades

constitucionais e os seus melhores fundamentos81

veratildeo dissipadas as nuvens

espessas de tantas promessas constitucionais natildeo cumpridas

As visotildees antigas do controle de discricionariedade administrativa (e de

governanccedila puacuteblica)82

natildeo oferecem respostas satisfatoacuterias deixam justamente

de filtrar os enviesamentos que conduzem a fracassos Logo a criacutetica dos vie-

ses precisa crescer no exame toacutepico-sistemaacutetico das poliacuteticas puacuteblicas numa

afirmaccedilatildeo da liberdade entendida sobretudo como a capacidade de controle

reflexivo sobre os impulsos e vieses cognitivos (ldquobiasesrdquo)83

O exame dos vieses merece pois ser fomentado com investimentos pre-

ciacutepuos na permanente formaccedilatildeo dos agentes puacuteblicos Significa que a prepa-

raccedilatildeo para a tomada de decisatildeo tem de levar em conta natildeo apenas os aspectos

cognitivos ou relacionados ao conhecimento juriacutedico-formal mas incluir o

cuidado com o acervo de valores motivaccedilotildees e habilidades sociais do agente

puacuteblico

Em uacuteltima instacircncia a decisatildeo administrativa tomada com a consciecircn-

cia dos vieses gera o serviccedilo puacuteblico reorientado pela reflexatildeo imparcial natildeo

movida por anseios de satisfaccedilatildeo de interesses subalternos tampouco por in-

diferenccedilas arbitraacuterias

3 CONCLUSOtildeES

Para finalizar sugerem-se as seguintes principais assertivas

79

Cf John Forester in Planning in the face of power Berkeley University of California Press 1989

Sobre o controle jurisdicional vide Faacutebio Konder Comparato in ldquoEnsaio sobre o juiacutezo de cons-

titucionalidade de poliacuteticas puacuteblicasrdquo Revista dos Tribunais n737 p353 Cf ainda Maria

Paula Dallari Bucci in Direito Administrativo e poliacuteticas puacuteblicas 2ordf ed SP Saraiva 2006

80 Cf sobre reforma e suas trajetoacuterias em Estados de tradiccedilatildeo napoleocircnica Edoardo Ongaro in

Public Management Reform and Modernization Edward Elgar Publisching 2009 pp 201-246

81 Cf sobre fundamentos em termos comparados Denis Galligan e Mila Versteeg (Eds) The So-

cial and Political Foundations of Constitutions NY Cambridge University Press 2013

82 Cf New Public Governance Stephen P Osborne (ed) London e NY Routledge 2010

83 Cf Paul Litvak e Jennifer Lerner in ldquoCognitive biasrdquo The Oxford Companion to Emotion and

the Affective Sciences Oxford Oxford University Press 2009 p 90

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

216 bull v 351 janjun 2015

(a) A discricionariedade administrativa no Estado Democraacutetico deve

estar vinculada agraves prioridades constitucionais sob pena de se converter em

arbitrariedade por accedilatildeo ou por omissatildeo solapando as bases racionais de con-

formaccedilatildeo motivada das poliacuteticas puacuteblicas

(b) O controle da discricionariedade administrativa e das poliacuteticas puacute-

blicas no modelo proposto precisa considerar as poliacuteticas como programas de

Estado Constitucional (mais do que de governo) sem excluir a pluralidade de

atores envolvidos em mateacuteria de sindicabilidade independente

(c) Nos atos administrativos discricionaacuterios o agente puacuteblico queira ou

natildeo emite juiacutezos de valor (escolhas no plano das consequecircncias diretas e in-

diretas) no intuito (juris tantum) de imprimir eficiente e eficaz incremento das

prioridades da Lei Fundamental Daiacute segue que o controle da discricionarie-

dade administrativa deve ser efetuado no tocante agraves motivaccedilotildees e aos resulta-

dos porque a discriccedilatildeo existe somente para que se materializem com presteza

adaptativa as vinculantes finalidades constitucionais

(d) No exame da liberdade administrativa legiacutetima constata-se que a

autoridade jamais desfruta de liberdade pura para escolher (ou deixar de es-

colher) as consequecircncias diretas e indiretas embora a sua atuaccedilatildeo guarde aqui

e ali menor subordinaccedilatildeo agrave legalidade estrita do que na consumaccedilatildeo de atos

vinculados Nessa medida alargam-se sensivelmente as possibilidades e os

deveres do controle de porquecircs e do ldquotimingrdquo das decisotildees administrativas

(e) Quanto mais se aprofunda essa sindicabilidade mais se desvela o

controle como poder racional de veto em relaccedilatildeo aos vieses e impulsivismos

poliacuteticos natildeo universalizaacuteveis jamais como instrumento de burocratismo pa-

ralisante e custoso

(f) O administrador puacuteblico obrigado a declinar os fundamentos para a

tomada da decisatildeo (agir ou natildeo agir) tem a sua conduta esquadrinhaacutevel em

termos de qualidade intertemporal das opccedilotildees realizadas Como dito a liber-

dade eacute conferida somente para que o bom administrador desempenhe a con-

tento as suas atribuiccedilotildees com criatividade probidade e sustentabilidade

Nunca para o excesso nem para a omissatildeo procrastinatoacuteria

(g) A agenda administrativa tem de ser reconstruiacuteda com variaccedilotildees na-

turais tendo em exata conta a realizaccedilatildeo primordial de prioridades vinculan-

tes Precisamente por isso as poliacuteticas puacuteblicas foram aqui reconcebidas como

autecircnticos programas de Estado Constitucional (mais do que de governo) que

intentam por meio de articulaccedilatildeo eficiente e eficaz dos meios estatais e sociais

cumprir as prioridades vinculantes da Carta em ordem a assegurar com hie-

rarquizaccedilotildees fundamentadas a efetividade do complexo de direitos funda-

mentais das geraccedilotildees presentes e futuras

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014

Revista do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Direito da UFC bull 217

Nesses moldes o direito fundamental agrave boa administraccedilatildeo pode-deve

deitar raiacutezes entre noacutes sem perpetuar o impeacuterio do medo que parece assaltar

os bons administradores Nas relaccedilotildees administrativas doravante o impeacuterio

necessaacuterio eacute o das prioridades constitucionais algo que acarreta aprofunda-

mento sem precedentes (mais do que ampliaccedilatildeo) do escrutiacutenio das decisotildees

administrativas agrave base das prioridades cogentes da Constituiccedilatildeo

Recebido em 26052014