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As mulheres da capa Uma análise semiótica de traços, cores e performances ilustrados na revista feminina Grande Hotel em finais da década de 40 Denise Marciano de Aquino São Paulo Dez/ 2011 Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

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As mulheres da capa

Uma análise semiótica de traços, cores e performances ilustrados

na revista feminina Grande Hotel em finais da década de 40

Denise Marciano de Aquino São Paulo ● Dez/ 2011

Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica

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II

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III

DENISE MARCIANO DE AQUINO

As mulheres da capa

Uma análise semiótica de traços, cores e performances ilustrados

na revista feminina Grande Hotel em finais da década de 40

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como parte dos pré-requisitos para a obtenção do Título de Mestre em Comunicação e Semiótica .

Orientador: Prof. Dr. José Amálio de Branco Pinheiro

SÃO PAULO/ SP 2011

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IV

Ficha catalográfica

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V

assinaturas da banca

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VI

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VII

AGRADECIMENTOS

 

 

Ao professor e orientador Amálio Pinheiro, que mostrou que meu corpo tem seu próprio modo de ser, mas que contamina e é contaminado por todos os corpos;

Ao meu filho que através do seu corpo, me fez ser;

À minha mãe que emprestou seu corpo, para eu ser;

À grande Fabi Jesus, consultora acadêmica, que mostrou que o meu corpo é um jardim e minha vontade é o jardineiro;

À Jaqueline Stegal, um corpo abençoado que transmite energia e paz;

À minha família linda e amigos que amo, e tenho pedacinhos de cada um deles me fazendo mais do que um corpo.

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VIII

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IX

Dedico este trabalho ao meu filho que amo muito!

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X

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XI

Ficaria mais atraente se eu o tornasse atraente. Usando, por exemplo, algumas das coisas que

emolduram uma vida ou uma coisa ou romance ou um personagem. É perfeitamente lícito tornar atraente, só

que há o perigo de um quadro se tornar quadro porque a moldura o fez quadro.

Clarice LISPECTOR, Romance

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XII

RESUMO

O “corpo” transcende sua condição material de existência; marca, projeta e mostra um ser e um

estar no mundo, moldado por realidades que o tornam tátil, ainda que subjetivo; vibrátil, e ao

mesmo tempo enclausurado em padrões. Volátil, mesmo que se queira perene. Essas

realidades são bordadas por ideais de beleza, que confluem em padrões estéticos

insistentemente perseguidos. Que processos traduzem a representação de um “corpo”

considerado ideal? Este é o problema central desta dissertação. A hipótese inicial é a de que a

mídia voltada ao público feminino contamina/ é contaminada por padrões estéticos de beleza

tecidos num caleidoscópio em que práticas culturais bordam um mosaico bio-político-cultural.

Vale lembrar que, quando considero o público feminino, parto do pressuposto de que a “beleza”

é frequentemente relacionada a ele. Nesta pesquisa, pois, considero que as revistas femininas

constituem um lugar importante para investigar a questão proposta: por meio de recursos

linguísticos e visuais, esta mídia instaura um querer e um dever ser “bonita”. A leitora tem acesso

a um saber e a um poder passíveis de serem incorporados para fazê-la “bonita”, sancionados

pela sociedade e também pelo público a que se dirige. A revista que introduziu no Brasil a

fotonovela será analisada nesta pesquisa: trata-se da Grande Hotel, cujas edições semanais

circularam entre 1947 e 1980. São analisadas capas publicadas em seu primeiro ano de

circulação; espécie de “obra artística”, são desenhadas à mão e funcionam como identificação do

periódico. A escolha por este material de análise se deve à ideologia cultural de finais dos anos

40. A análise se embasa em uma proposta na qual, para além de um sistema de signos, a

cultura é compreendida à luz de teorias tradicionais da comunicação e das artes revistas e

traduzidas para uma nova dimensão de conhecimento – na qual se considera a necessidade de

alteração de campos e métodos de aplicação. Esta pesquisa se debruça sobre o modo como

uma produção midiática se relaciona com séries culturais, redesenhando e distribuindo formas

porosas e não-ortogonais de crenças, valores e modos de vida, intercambiando traduções

interfronteiriças cujos encadeamentos investigo. Este trabalho se fundamenta, pois, em

vertentes teóricas da comunicação e das artes (principalmente em filiação a trabalhos

semióticos de extração eslava, dentre os quais, Tynianov, Lotman e outros).

Três capítulos compõem a dissertação: o capítulo inicial verifica processos em que a

contaminação entre códigos, séries e linguagens inscrevem em corpos (considerados ideais)

subjetividades bordadas num duplo em que o natural e o cultural se entrelaçam. O capítulo 2

aborda “universos estéticos impressos”: trata do surgimento da revista, relacionando esta mídia

com linguagens do universo estético. As análises do corpus proposto são desenvolvidas no

capítulo 3. Algumas considerações finais encerram a dissertação, e também são apontadas

possibilidades de pesquisas futuras na área.

Palavras-chave: 1. Semiótica da Cultura e Imagem 2. Beleza 3. Corpo – Aspectos Culturais 4.

Década de 40/ 50 – Beleza Feminina 5. Revistas Femininas 6. Revista Grande Hotel

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XIII

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XIV

ABSTRACT

The "body" transcends its material condition of existence, marks, designs and shows a being

staying in a world shaped by realities which make it tactile, albeit subjective, vibrating, and at

the same time encased in standards. Volatile, even if you want it to be everlasting. These

realities are embroidered by ideals of beauty, which converge into aesthetic standards that are

persistently. Which are the Processes that reflect the representation of a "body" that is

considered ideal? The initial hypothesis is that the media aimed at female audiences defile / is

contaminated by aesthetic standards of beauty woven into a kaleidoscope in which cultural

practices embroider a mosaic bio-political and socio-cultural.It is worth remembering that when I

consider the female audience, I assume that the "beauty" is often related to it. In this study,

therefore, I believe that women's magazines are an important source to investigate the question

posed: by means of linguistic and visual resources this media establishes a will and a duty to

be "beautiful." The female reader has access to a kind of knowledge and power that can be

incorporated to make her "beautiful", sanctioned by the society and the public for whom it is

aimed. The magazine that introduced the photo-story in Brazil will be analyzed in this study: it is

the Grand Hotel, whose weekly editions circulated between 1947 and 1980.Covers published in

its first year of service are being analyzed; a kind of "artistic work", they are drawn by hand and

function as an identification of the journal. The choice of this analysis material is due to the

cultural ideology of the late 40'sThe analysis is grounded in a proposal which, in addition to a

system of signs, the culture is understood as a light of traditional theories of communication and

arts magazines and translated into a new dimension of knowledge - which considers the need

for a change of fields and methods of application .This research focuses on how a media

production is related to cultural series, redesigning and distributing porous and non-orthogonal

forms of beliefs, values and ways of life, exchanging cross bordering translations whose threads

I intend to investigate. This work is based therefore on theoretical aspects of communication

and the arts (especially in the semiotic work of the Slavic extraction, among which, Tynianov,

Lotman and others). Three chapters compose the dissertation: the first chapter checks cases in

which the contamination between codes, sets and languages inscribed in bodies (considered

ideal) embroidered in a double subjectivity in which the natural and cultural are intertwined.

Chapter 2 covers "printed aesthetic universes" it deals with the emergence of the magazine,

relating this media with an aesthetic language of the universe. The proposed analysis of the

corpus are developed in Chapter 3. Some final remarks close the paper, and opportunities for

future research in the area are also highlighted.

Keywords: 1. Semiotics of Culture and Image 2. Beauty 3. Body - Cultural Aspects 4. 40' s and

50's Decades - 5 Female Beauty. 6 Women's Magazines. Grand Hotel Magazine.

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XV

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XVI

Sumário

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 – BELEZA: UM “SANTO REMÉDIO” ......................................... 7

Do sagrado ao bio-político-cultural: para o corpo, no corpo, do corpo .................. 8 Os “bonitos do paraíso”: o primeiro modelo foi “Adão”......................................... 11 ... e “Eva mordeu a maçã” .................................................................................... 14

CAPÍTULO 2 – UNIVERSOS ESTÉTICOS IMPRESSOS................................ 23

Revistas femininas ............................................................................................... 28 A revista Grande Hotel ......................................................................................... 34

CAPÍTULO 3 – AS MULHERES DA CAPA ..................................................... 38

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 48

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 54

ANEXOS .......................................................................................................... 60

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Introdução

1

INTRODUÇÃO

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Introdução

2

O “corpo” transcende sua condição material de existência; marca,

projeta e mostra um ser e um estar no mundo, moldado por realidades que o

tornam tátil, ainda que subjetivo; vibrátil, e ao mesmo tempo enclausurado em

padrões. Volátil, mesmo que se queira perene. Essas realidades são bordadas

por ideais de beleza, que confluem em padrões estéticos insistentemente

perseguidos. Que processos traduzem a representação de um “corpo”

considerado ideal? Este é o problema central desta dissertação. A hipótese

inicial é a de que a mídia voltada ao público feminino contamina/ é

contaminada por padrões estéticos de beleza tecidos num caleidoscópio em

que práticas culturais bordam um mosaico bio-político-cultural.

Considero que as revistas femininas constituem um lugar importante para

investigar a questão proposta: por meio de recursos lingüísticos e visuais, esta

mídia instaura um querer e um dever ser “bonita”1. A leitora tem acesso a um

saber e a um poder passíveis de serem incorporados para fazê-la “bonita”,

sancionados pela sociedade e também pelo público a que se dirige.

Revistas femininas constituem um objeto sobre o qual vários estudiosos

se debruçaram. Tratando de temas sociológicos, semiológicos e/ ou ideológicos

em questões associadas à linguagem e gênero, figuram obras como as de

Ferguson2, Ballaster e Beetham3. Podemos pensar ainda em investigações

discursivas como as de Figueiredo4 e Heberle5, que fazem parte de um rol de

1 Vale lembrar que, quando considero o público feminino, parto do pressuposto de que a “beleza” é frequentemente relacionada a ele. 2 FERGUNSON, M. (1983). Forever Feminine - Women’s Magazines and the Cult of Femininity. Exeter (NH) Heinemann: Editora London. 3 BALLASTER, R. BEETHAM, (1991) Woman Words. London - MacMillan. 4 FIGUEIREDO, (1996). Sexualidade feminina: Transformação e crise nos anos 90. Anais Fazendo Gênero. Seminário de Estudos sobre a mulher. UFSC. 1996. Ponta Grossa: Centro de Publicações UEPG, 1996.

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Introdução

3

pesquisadores cujos trabalhos científicos mobilizaram revistas femininas como

material de análise6.

Esta dissertação se embasa em vertentes teóricas da comunicação e

das artes (principalmente em filiação a trabalhos semióticos de extração

eslava, dentre os quais, Tynianov, Lotman e outros), rearticuladas por

pesquisadores como Martín-Barbero, Sarduy e Lezama Lima: condições

específicas do continente latino-americano e da atualidade são revistas

epistemologicamente.

Mobilizar o quadro teórico-epistemológico da Semiótica da Cultura

contribui na compreensão do processo de reconfiguração ou tradução de

manifestações culturais, o mundo das representações além da língua: trata a

cultura como memória não-genética, como um conjunto de informações que os

grupos sociais acumulam e transmitem por meio de diferentes manifestações,

como por exemplo religião, arte, leis etc; ela forma um tecido, uma estrutura,

um mecanismo de relações (Lotman:1996: 25).

Minhas análises se embasam nesta proposta em que, para além de um

sistema de signos, a cultura é compreendida à luz de teorias tradicionais da

comunicação e das artes revistas e traduzidas para uma nova dimensão de

conhecimento – na qual se considera a necessidade de alteração de campos e

métodos de aplicação. Esta pesquisa se debruça sobre o modo como uma

produção midiática se relaciona com séries culturais, redesenhando e

distribuindo formas porosas e não-ortogonais de crenças, valores e modos de

5 HERBELE V. (1997). An investigation of textual and contextual parameters in editorials of women’s magazines. Tese de Doutorado. Pós-graduação em Inglês. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. 6 Embora não mobilize estes trabalhos nesta pesquisa, cito-os como forma de apontar estudos desenvolvidos em outras áreas do conhecimento para situar, ainda que brevemente, um panorama de estudos voltados ao tema com que me ocupo.

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Introdução

4

vida, num intercâmbio de traduções interfronteiriças cujos encadeamentos

investigo.

A revista que introduziu no Brasil a fotonovela será analisada nesta

pesquisa: trata-se da Grande Hotel, cujas edições semanais circularam entre

1947 e 1980. Considero também nas análises o ambiente “externo”: qual o

cenário daquele momento histórico, que invade e tece códigos culturais? Neste

sentido, este periódico constitui um material de analise bastante produtivo, na

medida em que, nele, (i) o “brasileiro”, (ii) o “europeu” e (iii) o “norte-americano”

se entrelaçam, (re)desenhando determinadas imagens/ representações de

beleza feminina: (i) a revista é carioca e com tiragem de âmbito nacional, (ii) foi

fundada por um italiano, num contexto em que padrões estéticos europeus –

principalmente os franceses – contaminavam a cultura brasileira, e (iii) aludia

frequentemente à cultura norte-americana. Pelo exposto, nota-se um processo

multi-inter-civilizatório, interligando códigos numa conexão que absorve outras

culturas e gêneros:

Trata-se de mosaicos ou arabescos barroco-mestiços em movimento, descentralizados, inacabados e descontínuos, para os quais os sistemas lógico-cognitivos da ciência moderna e seus corolários tecnológicos, baseados em unidades totalizantes e no crescimento contínuo, não fornecem conceitos compreensíveis (Pinheiro, 2009:14).

A revista funciona como instrumento ideológico: aquém da aparência

considerada ideal, é a percepção de mundo que vai sendo tecida num processo

de mestiçagem – e as informações podem estar em vários os lugares ao mesmo

tempo. Vale lembrar que

Mestiçagem aqui não remete ao cruzamento de raças, ainda que obviamente o inclua, mas à interação entre objetos, formas e imagens da cultura. Mestiçagem na opera por fusão, que apaga as diferenças, nem por mero reconhecimento das diversidades, que as mantém isoladas: é sim um conhecimento a partir do bote canibalizante no alheio, em vaivém e ziguezague, montagem em mosaico móvel dessas multidões de outros, suas linguagens e civilizações (Pinheiro,

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Introdução

5

2009).

São analisadas capas publicadas em seu primeiro ano de circulação (do

exemplar no. 1 ao no. 53): espécie de “obra artística”, são desenhadas à mão e

funcionam como identificação do periódico. A escolha por este material de

análise se deve à ideologia cultural de finais dos anos 40. Verifico traços, cores

e performances das mulheres ilustradas, observando gestos, olhares, posturas,

cenários, personagens etc, como forma de compreender o mito da beleza

daquele período. É o que Tynianov me autoriza: o semioticista compreende a

cultura social como constitutiva de textos; ao analisar um sistema micro (no

caso desta dissertação, capas da revista Grande Hotel), me ocupo da relação

que eles mantém com o sistema macro. É assim que os textos, de acordo com

a concepção de Tynianov, devem ser analisados: na dialética entre sistemas

micro e o macro social.

Investigo questões como: de que modo era figurada a mulher nas capas

da Revista Grande Hotel? O que/ como era materializado o ideal de beleza

feminina? Ou: que séries culturais redesenham formas de vida, traduzidas em/

sendo traduzidas por corpos considerados belos?

Para dar conta destas questões, dividi a dissertação em três capítulos.

Considero que a cultura não se traduz como um processo cumulativo cujo

sentido de desenvolvimento é linear, mas como uma rede de conexões: a

cultura se interliga e se comunica. Portanto, ao interrogar o mito da beleza

feminina da década de 40 neste trabalho:

A investigação tem que ser externa também, a ponto de identificar os encaixes entre raízes e enzimas, não apenas as noções fixas (Pinheiro, 2007:17).

O capítulo inicial da dissertação verifica processos em que a

contaminação entre códigos, séries e linguagens inscrevem em corpos

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Introdução

6

(considerados ideais) subjetividades bordadas num duplo em que o natural e o

cultural se entrelaçam. O capítulo 2 aborda “universos estéticos impressos”:

trata do surgimento da revista, relacionando esta mídia com linguagens do

universo estético. As análises do corpus proposto são desenvolvidas no

capítulo 3. Algumas considerações finais encerram a dissertação, e também

são apontadas possibilidades de pesquisas futuras na área.

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

7

CAPÍTULO 1 – BELEZA: UM “SANTO REMÉDIO”

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

8

Frei Carlos: Ascensão, (1530). Museu Nacional de Arte Antiga (Lisboa, Portugal)

Do sagrado ao bio-político-cultural: para o corpo, no corpo, do corpo

Muitas vestes, corpo todo recoberto, olhar

invariavelmente voltado para cima, para o

céu: durante a Idade Média, o corpo era

sacralizado e as artes européias

ilustravam uma beleza física que, na

época, se relacionava à devoção: lábios

finos, bocas pequenas – simbolizando

ausência de desejos carnais –, corpo

longilíneo, ventre proeminente, seios

pequenos, ombros estreitos e levemente caídos. Fora do espaço privado, o

corpo só podia ser tocado em rituais sagrados – da igreja católica; fora desse

contexto, nem mesmo o médico podia fazê-lo (Ramos:2001).

O busto, o rosto, as mãos seriam os únicos lugares chamados para a estética física, descobrindo-se ‘principalmente numa parte, a saber, a parte superior que olha para a luz do Sol’. Eles têm uma ‘aproximidade com a natureza dos anjos’ (Vigarello, 2006:18).

A ideia de corpo e templo sagrado se misturam. “O céu cósmico e o céu

corporal se correspondem” – o que remete ao intocável (Vigarello, 2006:18). Se

o toque não era permitido, a exposição do corpo era considerada obscena. “O

olhar é orientado, submetido a um código de moralidade” (Vigarello, 2006:17).

Quando e como foi permitido tocar e expôr o corpo? Como seriam os

moldes deste corpo para não ser barrado pela moralidade de uma sociedade

regida pelo “Divino”? Ou: que códigos se encaixaram numa rede de conexões

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

9

Pablo Picasso: Les demoiselles d´Avignon (1907). Museu de Arte Moderna (Nova Iorque)

culturais, contaminando aquilo que se entende como sendo para o/ no/ do

corpo?

●●●

No mundo moderno, o corpo é

dessacralizado, tornando-se objeto de

controle, de domínio; manipulação física,

simbólica, ideológica. Picasso, com sua

dissolução da noção de corpo, Morgani e

Bichat, inaugurando a medicina científica7,

são alguns dos expoentes cujos trabalhos se

pautam em/ refletem a “nova” noção de corpo8.

Em finais do século XVIII e início do século XIX, Foucault argumenta que

o desenvolvimento do capitalismo sociabilizou o corpo como força de trabalho,

força de produção; o controle que a sociedade opera sobre os indivíduos

começa com o corpo, e nele se realiza:

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política (Foucault, 1979: 80).

O corpo é “carne” em que se inscrevem processos caleidoscópicos de

sociabilização moldados em práticas sócio-político-culturais: do corpo, o corpo,

7 Embora não seja este o ponto da questão que investigo nesta dissertação, parece-me que a noção de “saúde” é a que vai (re)significando aquilo que se entende por corpo. Vejamos. Aquele corpo sagrado, “casa de Deus”: a interdição do aspecto físico, em detrimento do espiritual, não estaria vinculada à ideia de manter a vida, a saúde? Ou seja: “não pecar” para não ter o corpo punido por Deus? E, prosseguindo num breve passeio pela História: as doenças, a epidemias não teriam apontado para a necessidade de alterar aquela noção de corpo? Estas questões, que formulo aqui de modo breve e supercial, certamente poderiam ser investigadas em outras pesquisas. 8 Para uma ampla e rica investigação acerca do corpo, ver: COURTINE, J-J. (2008) História do corpo: mutações do olhar: o século XX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

10

no corpo imprimindo/ sendo impressas subjetividades num duplo em que o

natural e o cultural são concomitantes. Trata-se de “algo que se tem” e não

“algo que se é” (Ortega, 2008: 104). Concordando com Merleau-Ponty

(2006:14): o corpo é forma de ser e estar no mundo – e o mundo não se traduz

por objeto ou idéia: “o mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu

vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas

não o possuo, ele é inesgotável”.

Helena Katz e Christine Greiner (2001) entendem o corpo como mídia,

sugerindo novas possibilidades de estudos da cultura a partir do

entrecruzamento de disciplinas como a Filosofia, a Psicologia, a Biologia, a

Semiótica e algumas vertentes das “Ciências Cognitivas”. Concordo com as

pesquisadoras: “as informações estão no mundo, agindo, contaminando e

sendo contaminadas” (2001: 74) e investigo processos em que a contaminação

entre códigos, séries e linguagens confluem caleidoscopicamente inscrevendo

no corpo realidades bio-político-culturais que transcendem uma simples

aproximação multicultural cumulativa.

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

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Os “bonitos do paraíso”: o primeiro modelo foi “Adão”

O “belo” fornece filtros de um pertencer a um lugar: um ser, um estar no

mundo. Desde Vênus de Milo – ideal da beleza e da perfeição na antiguidade –

até a “era Barbie”, o conceito de beleza se transforma ao longo da história.

Com Le Breton (2008:18), vemos que “nossos gostos mais elementares, e até

a forma do nosso corpo e tantas outras características, provêm de um meio

social e cultural particular”.

O conceito de beleza se pretende universal, porém é bom esclarecer

que aquilo que é entendido como belo, o é de acordo com os códigos culturais,

determinados conforme o momento histórico. Nesta dissertação, faço minha a

pergunta de Humberto Eco (2004: 193): que cânones, gostos e costumes

sociais permitem considerar “belo” um corpo?

●●●

No século XIX, houve um movimento de ideias inscritas num outro

pensamento puritano americano sobre o corpo; alguns membros religiosos

associaram a moralidade do corpo aos “músculos”:

Essa cruzada do músculo e da saúde foi poderosamente assumida tanto por organizações como a Young Men´s Christian Association, quanto por todos aqueles que pregavam um evangelho social e sustentavam qua regeneração espiritual dos Estados Unidos passava por uma reforma do modo de vida (Courtine, 1995:92).

Houve, pois, um movimento em que “o corpo foi ‘desencantado’ (...), a

obsessão pela saúde e a busca infinita de purificação se intensificaram”

(Courtine, 1995:101). Nas primeiras décadas do século XIX, virilidade e força

(traduzidas pela imagem do homem belo = homem musculoso) representavam

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

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beleza e poder. Neste processo, o homem que persegue o ideal de beleza da

época busca trabalhar o corpo para aumentar as proporções dos músculos. O

corpo continua sendo significado pelo discurso religioso cristão, mas este

discurso vai se emaranhando na voz da ciência:

(...) o pensamento da Cristandade Muscular era, ao mesmo tempo, um reordenamento do discurso religioso face à transformação das percepções científica do corpo (Courtine, 1995:93).

É neste ínterim – nessa euforia americana em torno

dos músculos, relacionados à ideia de sucesso – que

Charles Atlas “é a primeira das anatomias

masculinas

a se tornar

um objeto

publicitário

(...), um dos

símbolos exemplares de êxito físico e

pecuniário nos Estados Unidos da Depressão”9

(Courtine: 1995, 98-99): na primeira competição de

beleza do mundo moderno (organizada por

Mac Fadden, em 1921), o canditado Charles Atlas

conquista o título de “homem mais bonito do

mundo”; sua imagem contamina/ é contaminada

por ideais de beleza da década de 20.

9 Me lembro aqui de (GOES, 1999:33), para o qual “construir uma representação física torna-se fundamental”.

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

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Esse padrão de beleza (do homem musculoso e viril,

indicando força e poder), estava por toda parte nos

Estados Unidos; era exposto como um “espetáculo” no

qual o “belo” era traduzido por uma forma andar mecânica,

cabeça mais para dentro do pescoço e peito estufado.

Carrega o seu corpo como um objeto valioso (Courtine,

1995: 82). “O body-building constitui, assim, uma das

manifestações mais

espetaculares de uma

cultura da aparência

do corpo nos EUA”

(Courtine, 1995:101).

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

14

Mary Katherine Campbel (Miss América 1922)

Concurso Miss América 1922: candidatas

... e “Eva mordeu a maçã”

A beleza há tempos é associada à feminilidade e, a força, ao

masculino. Porém as representações do “belo” advieram de uma série de

transformações na história:

Da medicina ao esporte, passando pela higiene e pela moda, esta história é heterogênea, pouco explorada, embora ela trate de uma preocupa ção ao mesmo tempo antiga e contemporânea. Na verdade, um conjunto diversificado de registros do “gesto que embeleza” (Sant´Anna, 1995:121).

Ainda nestes primeiros vinte anos do

século XIX:

“Os primeiros títulos de Miss América são

concedidos. O segundo concurso de

Miss América (1922) coroará (...) uma

mulher originária de Ohio, de formas

atléticas e ombros largos (...). A feminilidade não

podia se mostrar em público, a não ser

dessexualizando-se pelo empréstimo de alguns

traços viris” (Courtine, 1995:98 – grifos nossos)

O esporte se torna um estilo de vida, traduzindo

o músculo como “amigo da ordem” e a integração dos

dois sexos era assimilada nessa “democracia” da

forma e saúde.

Mas essa integração era também estimulada porque se quer então tornar musculosas as mulheres, que garantem a qualidade da reprodução da raça. Regenerar uma middle-class branca que se sente ameaçada: a prática da bicicleta fortalece, imagina-se, os músculos do útero (Courtine, 1995:95).

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

15

Se durante a idade medieval “a gordura foi sinônimo de saúde, beleza e

sedução” (Andrade, 2003: 126), o século XIX advoga em prol da magreza: os

editoriais das revistas de beleza dos anos 1930 destacam “uma silhueta esbelta

e esportiva, com membros finos e músculos sem gordura” (Vigarello, 2004:

200). As mulheres também podiam contar com produtos que combateriam

“defeitos” na aparência feminina, como pomadas para afinar a cintura,

branquear a pele, tirar pelos ou escurececer os cabelos brancos – e são

comumente chamadas de remédio. Vale lembrar que

Durante décadas, a maior parte dos conselheiros de beleza é formada pelo sexo masculino. Antes dos anos 50, eles eram, sobretudo, médicos e escritores moralistas, para quem a aparência feminina deveria revelar a beleza de uma alma pura, condições para se manter o corpo limpo, belo e fecundo (Sant´Anna, 1995:125).

A higiene e a elegância persistem em cuidados com a pele, unhas, olhos e

cabelos, conferindo um lugar de destaque ao corpo feminino. Na evolução na

valorização de produtos e métodos de beleza, percebemos um interesse

econômico.

É importante essa promoção pela estética, pelo menos na elite ‘Com a Europa do Renascimento, o segundo sexo se torna o belo sexo’. A mulher pela primeira vez, aproxima-se da perfeição, parcialmente liberada da tradição que a demonizava (Vigarello, 2004:24).

Traduzida como falta de beleza, a doença era preocupação essencial

sobretudo para as famílias de elite: um médico no dia-a-dia da família, exames

médicos e uso de medicamentos (como tônicos, loções e “pós higiênicos”,

voltados para um “se embelezar” crescente) foram incorporados à rotina.

Nesses tempos em que o uso da fotografia em publicidade ainda é caro [1908], diversos desenhos ilustram as expressões de dor e de desânimo da mulheres ao mesmo tempo doentes e desprovidas de beleza (Vigarello, 2004:123).

Esta beleza reconhecida nas mulheres, passou por outro processo

importante na história: na década de 40, acontecia a segunda grande Guerra

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

16

Mundial, cujas consequências se fizeram sentir para além dos países

diretamente envolvidos:

É quase desnecessário demonstrar que a Segunda Guerra Mundial foi global. Praticamente todos os Estados independentes se envolveram, quisessem ou não, embora as repúblicas da América Latina só participassem de forma mais nominal (Hobsbawn, 1995:30)

Nos anos 40, as condições sociais possibilitam que as mulheres ocupem

espaços sociais tradicionalmente masculinos. Modos de ser e agir advindos da

Europa e da América do Norte (nos quais as mulheres exerciam funções na

produção industrial, rural e em tarefas do Exército) circulavam em revistas

femininas brasileiras “como modelo de um novo lugar da mulher” (Cytrynowicz,

2000:123). Esta mulher que sai de casa desempenha papéis importantes:

trabalhar fora e assumir funções que eram comumente destinadas apenas para

os homens. Abraçando várias funções, ela ainda é instigada pela mídia, que

incentiva os cuidados estéticos.

E vale dizer, por exemplo, que a discussão em torno da emancipação

feminina trouxe como uma das consequências a queda das taxas de

natalidade: em idos dos anos 40, as mulheres já não mais se identificavam com

a posição de procriadora (Cytrynowicz, 2000:122-123)

A mulher moderna é, realmente, um ser artificial, porque sua existência é menos do lar, da família, do que da rua, dos ambientes falsos de uma vida ociosa (...) Este tipo de mulher moderna que não frequenta a igreja, mas que frequenta o bar, onde bebe “coktails” e fuma cigarros exóticos, de conversação livre, sem pudor, que sorri para o primeiro homem, que lê livros da chamada literatura “canalle”, que faz do “dancing”, quando não do “cabaret” a sua escola social de boa “viveuse”, não é, como se imagina, um ser requintamente civilizado (Cytrynowicz, 2000:131)

Nas grandes metrópoles, as moças não sentiam necessidade de se

casar cedo. Em 1944, houve um debate sobre a “crise matrimonial”, ou “Crise

também de Casamentos”. Outro fator que instigava esta crise era o crescente

aumento do custo de vida e ainda, o “novo Estatuto dos Militares, que proibia

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

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aos militares casar-se antes dos 25 anos” (Cytrynowicz, 2000:128). Também se

falava em outros prejuízos decorrentes do adiamento das relações

matrimoniais:

No caso das moças, seria o prejuízo obstétrico, com alta mortalidade infantil; no caso dos rapazes, é um problema de ordem higiênica, ao alongar ‘o nefasto convívio dos moços com a prostituição ou com o ‘donjuanismo’ – dois graves males para a saúde e a moralidade.(Cytrynowicz, 2000:130)

Mas sempre há um herói que reina e prospera. E os norte-americanos

são campeões em criar heróis carismáticos que transmitem mensagens

ideológicas, frente a este cenário em que as pessoas estão vivendo:

Num sistema pouco desenvolvido, essa função profética e poética é decisiva. Todavia, ela mantém igualmente sua importância na sociedade industrial avançada. Neste universo de estatística, neste mundo mecânico e materialista governado por técnicos, o povo sonha com novos gurus. Para rasgar o horizonte. Para delinear um porvir coletivo menos cinzento, menos abstrato. Mas humana (Schwartzenberg, 1977:23)

Envolto ao esplendor e ao sonho, o herói simboliza certeza:

Tendo o domínio da segurança, ele ajuda a vencer a angústia, a incerteza dos períodos difíceis e de mudanças. Atrás de seu guia, o povo se sente seguro. Porque o herói não pode errar. Ele sempre enxerga mais longe, mais claro e mais certo (Schwartzenberg, 1977: 23).

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

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Em 1941, as mulheres ganham um nova

heróina: a “Mulher Maravilha”. Marston, seu

criador, imprimiu-lhe características diferentes

dos heróis desta década de 40. Ela era uma

princesa amazona, nasceu e cresceu numa ilha,

chamada Ilha Paraíso ou Themyscira. Ganhou

este título de Mulher Maravilha quando foi

declarada a mais habilidosa e inteligente de sua

tribo, através de desafios:

Quando um piloto da Força Aérea chamado Steve Trevor faz um pouso de emergência em Themyscira, a tribo manda a Mulher Maravilha tratar suas feridas e acompanhá-lo de volta ao "mundo dos homens" (para fora da ilha) como embaixadora. De volta ao mundo dos homens, ela assume a identidade de Princesa Diana para ocultar a sua verdadeira origem (Coustan, 200810)

Quadris largos, busto grande, vasta cabeleira: inspira, pois, boa saúde e

fertilidade. Com acessórios detentores de poderes mágicos, esta heroína

mantém a beleza e sensualidade, numa releitura dos músculos bem torneados

nos braços e nas pernas. Uma heroína que não elimina o inimigo. Ela está ali

para combater o crime e conscientizar o criminoso que “o crime não

compensa”.

●●●

Intrigante e instigante a confluência/ disfluência entre a história, a beleza

e a estética corporal: um convoca o outro, intercambiando séries culturais; o

conjunto de informações acumuladas historicamente por diferentes grupos

10 Dave Coustan. "HowStuffWorks - Os segredos proibidos da Mulher Maravilha". Publicado em 21 de abril de 2005 (atualizado em 12 de maio de 2008)

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

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Gabrielle Bonheur Chanel, posteriormente conhecida como Coco Chanel (1883-

sociais vão bordando caleidoscopicamente um tecido que sustenta as relações

sociais. Desta maneira vemos uma pletórica disseminação de valores voltados ao

controle do corpo, reconfigurando padrões de beleza. Embora muito se pudesse

dizer sobre as transformações que redesenharam modos de vida, imprimindo no

corpo feminino códigos culturais interconectados, destaco três personagens

emblemáticos que traduzem o intercâmbio de objetos, formas e imagens da

cultura: Coco Chanel (1883-1971), Marilyn Monroe (1926-1962) e a boneca Barbie

(1959-...). Suas vidas-histórias interligam códigos culturais – e, simultaneamente,

são interligadas por eles, “a partir do bote canibalizante no alheio, em vaivém e

ziguezague, montagem em mosaico móvel dessas multidões de outros, suas

linguagens e civilizações” (Pinheiro, 2009).

stilista francesa e criadora da marca Chanel no

início de 1900, é considerada uma grande

revolucionária no século 20. Seu estilo é apontado

frequentemente como um “clássico que nunca sai de

moda”: em cores predominantemente preta e branca, com

o longo colar de pérola (acessório símbolo da marca), ela

produziu peças como o minivestido preto, o suéter, a saia plissada, o tomara-que-

caia, as golas e punhos brancos, os sapatos de duas cores; e não se deixou os

homens de fora: criou capas de chuva e as jaquetas, preocupada com a versatilidade

das peças. Coco produziu roupas femininas que tradicionalmente eram consideradas

masculinas (como a calça comprida) e vai “abolir” as mulheres, nos anos 20, dos

apertados espartilhos. Marca-ícone de elegância, glamour e feminilidade, propõe-se a

embelezar as mulheres de todos os tempos. Até os momentos atuais, seus perfumes,

roupas e acessórios povoam desejos de consumo.

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

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Boneca Barbie Coco Chanel

Boneca Barbie Marilyn Monroe

oluptuosa, Marilyn Monroe alcançou o auge de sua

carreira em finais dos anos 40. Com cabelos

tingidos de loiro muito claro, é referência de beleza e

comportamento para várias mulheres. Começou sua

carreira de atriz em

pequenos filmes e

tornou-se uma das

“estrelas” de Hollywood

mais famosas. Símbolo sexual, foi garota propaganda do perfume Chanel 5.

primeira boneca a ser maquiada e ter

acessórios foi criada pelo designer Jack Ryan, e

lançada oficialmente em 1959 na

Feira Anual de Brinquedos de

Nova York. Seu sucesso de

vendas estimulou a produção de

diversos modelos de Barbies, e

logo a boneca também ganhou

uma família: em 1961 chega seu namorado Ken.

É umas das bonecas mais vendidas

no mundo. Não é raro muitas meninas e adolescentes

quererem se parecer essa boneca esguia e eternamente

jovem – ícone de beleza dos mais insistentes.Tendo habitado

a infância das meninas do mundo inteiro há quase meio

século, a Barbie tornou-se um verdadeiro clássico na

imposição das leis do “corpo bom” em nossa sociedade.

Marilyn Monroe (1926-1962)

Barbie (1959)

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

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A “Vênus” vai sendo (re)apresentada...

Figura 1

Figura 2

Figura 3

Figura 5

Figura 4

Figura 7

Figura 6

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Capítulo 1 – Beleza: Um “Santo Remédio”

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Figura 1

Alexandros de Antióquia: Vênus de Milo (130 a 100 d.C.). Louvre. Representa Afrodite, deusa grega do amor e da beleza e era considerada na Grécia antiga como o ideal de perfeição da beleza física feminina.

Figura 2

Sandro Botticelli: O Nascimento de Vênus (cerca de 1485). Galeria Uffizi, Florença. A pintura representa a deusa Vênus emergindo do mar como mulher adulta, conforme descrito na mitologia romana.

Figura 3

Ticiano Vecellio: Vênus de Urbino (1538). Galeria degli Uffizi, Florença. Serviu de inspiração para a pintura de Olympia de Édouard Manet, na qual a figura da Vênus foi substituída por uma prostituta.

Figura 4

Édouard Manet: Olympia (1863). Musée D’Orsay, França. é uma das figuras mais importantes da arte do século 19. Representa uma cortesã nua lançando um olhar provocante a um observador (foi duramente atacada quando exibida no Salão Oficial de 1863. Causou escândalo e foi considerada indecente).

Figura 5 A mulher cubista de Pablo Picasso, como esta Grande Driade (1908), rompeu com os padrões ocidentais e foi buscar inspiração nas máscaras africanas.

Figura 6 Marilyn Monroe (1952) Aqui (foto acima, no centro) em fotografia feita para um calendário, personifica a beleza para consumo difundida pela mídia do século XX.

Figura 8

Barbie (1959). “As medidas da Barbie são humanamente impossíveis: se os 29 cm de plástico oco que a conformam fossem transformados em carne feminina, para conservar as proporções de sua silhueta curvilínea demandariam uma altura de 2m13 e as seguintes medidas de busto, cintura e quadris: 96-45-83 cm (...). Uma mulher com essa contextura pesaria menos de 50 kg, portanto não possuiria a quantidade de gordura corporal , suficiente para ter ciclos menstruais regulares e não conseguiria nem sequer andar (Sibília, 2002:1).

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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CAPÍTULO 2 – UNIVERSOS ESTÉTICOS IMPRESSOS

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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As revistas e a sociedade têm uma relação emaranhada: nas páginas

deste periódico é impressa uma mescla de linguagens e traduções interculturais

de práticas da cultura.

Os primórdios deste tipo de periódico remontam a meados do século 17:

muitos escritores e filósofos da época defendiam o avanço científico contra a

religião e a autoridade tradicional em favor do desenvolvimento da liberdade de

expressão e pensamento11. As primeiras revistas surgiram na Europa, eram

publicações de resumos de livros e serviam de discussão para intelectuais,

artistas e cientistas que difundiam instituições urbanas que financiaram a

Revolução Industrial (Ali,2009:308).

Até a primeira metade do século XIX, a maior parte da população era

analfabeta; as revistas circulavam, pois, na chamada elite. Os Estados Unidos

importavam revistas da Inglaterra; o Brasil importava também da Inglaterra e da

França. Paulatinamente, seu conteúdo foi contemplando conselhos sobre

comportamentos, moda, vida social, religião, moral, política e literatura. As

publicações em geral tinham vida breve: a produção era complicada; o sistema

de distribuição, primitivo; e as dificuldades financeiras, muito grandes (Mira,

2001:18; Ali, 2009:316 ).

Resumo brevemente a história das primeiras revistas (considero aqui as

publicações que, durante o século XIX, atingiram circulação superior a 300 mil

exemplares):

11 Naquele período, a ciência desenvolvia-se principalmente em instituições científicas, com a Royal Society da Inglaterra, instituições científicas, como a Academie dês Sciences e a Académie des Inscriptions et Belles-Letres da França, que tiveram papel fundamental na gênese do mercado de revistas (Ali, 2009, p.308).

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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1663 - Erbauliche Monaths-Nterredungen Criada por um teólogo e poeta chamado Johann Rist, da cidade de Hamburgo, na Alemanha, essa foi a primeira revista de que se tem notícia. As "Edificantes Discussões Mensais" foram publicadas até 1668.

1693 - Ladie’s Mercury O jornalista inglês John Dunton foi

responsável por essa pioneira revista feminina, um segmento que faria grande

sucesso. Três anos antes de lançá-la, Dunton havia editado a Athenian Gazette,

destinada a responder "todas as questões curiosas" - seria uma Mundo

Estranho da época? A Athenian deu experiência a Dunton para preparar uma

publicação dedicada ao "belo sexo".

1842 - The Illustrated London News O inglês Herbert Ingram acreditava que revistas ilustradas seriam um sucesso comercial. Sua publicação semanal The Illustrated London News provou que ele estava certo. Ela foi a primeira revista a utilizar gravuras para acompanhar o texto dos artigos. A inovação inspirou outras revistas ilustradas na época. À esquerda, uma capa da London News de 1953.

1731 – The gentleman´s MagazinePublicada na Inglaterra por Edward

Cave, é considerada a primeira revista moderna. A maior parte de suas

páginas era dedicada ao entretenimento, incluindo ensaios,

textos de ficção e poemas. Mas havia ainda comentários políticos e críticas.

Foi a primeira vez que a palavra magazine foi usada para esse tipo de

publicação. À direita, edição da Gentleman’s de 1731

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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1855 – Leslie´s WeeklyFoi uma das primeiras revistas

americanas a utilizar ilustrações. Na segunda metade do século 19, tinha

uma circulação média de 100 mil exemplares. Entretanto, esse número

triplicava de acordo com o assunto tratado na edição. Durante a Guerra

Civil Americana (1861-1865), publicação inovou, mandando 12

correspondentes para cobrir o conflito. À direita, capa da Leslie’s de 1915

1888 – National Geographic Publicada até hoje, é uma das revistas científicas mais importantes do mundo, financiando expedições e explorações. Foi uma das primeiras a publicar fotos coloridas, além de ser pioneira em vários tipos de imagens, como do fundo do mar, do espaço e de animais selvagens. À esquerda, uma National de 1907

1892 – Vogue Inicialmente, essa revista

americana, fundada por um editor aristocrata chamado Arthur Turnure,

era dedicada aos luxos e prazeres da vida, além das reportagens sobre moda, é claro. O público alvo da

Vogue era a rica elite da cidade de Nova York do final do século 19. Sua

reputação como bíblia da moda se mantém até hoje

1925 – The New Yorker Fundada pelo editor americano Harold Ross, ficou famosa pelo humor e pela qualidade dos textos literários. Ela começou tratando da vida cultural e social de Nova York, mas logo abriu espaço para críticas, textos de ficção e reportagens. Entre seus colaboradores estão grandes escritores do século 20, como Dorothy Parker e J.D. Salinger

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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1928 – O CruzeiroUma das revistas mais

importantes do Brasil. Foi fundada pelo jornalista Assis Chateaubriand. O

primeiro número da Cruzeiro - ainda sem o "O" - teve tiragem de 50 mil

exemplares, trazendo contos e, principalmente, grandes reportagens,

ilustradas com desenhos e fotografias. À direita, a primeira capa

da Cruzeiro

1936 – Life Magazine Fundada pelo editor americano Henry Luce, ela foi a revista mais importante e influente da história do fotojornalismo. Para se ter uma idéia, sua primeira edição tinha 96 fotografias de página inteira. A publicação deixou de circular semanalmente em 1972. À esquerda, capa da Life de 1936.

Fonte: Revista Mundo Estranho, edição 13 (Março/ 2003).

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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Revistas femininas

A revista feminina é uma mídia versátil:

poesias, receitas de bolo, reportagens, figurinos, consultório sentimental, artigos de psicologia, entrevistas, testes, horóscopo, contos, fofocas, maquilagem, plantas de arquiteturas, moldes, saúde, educação infantil, tudo parece caber dentro da revista feminina (Buitoni, 1986: 8).

A Lady´s Mercury (Inglaterra) foi a pioneira. Fundada em 1693, era

editada em apenas duas páginas, pelo livreiro londrino John Duton; apesar de

ser direcionada às mulheres, era elaborada por homens (Ali, 2009:311).

Espécie de “consultório sentimental”, veiculava seções que fizeram muito

sucesso, tratando de beleza, moralidade e confissões de problemas e

conselhos (Buitoni, 1986:7).

Outra revista feminina, mania da época com um título extenso:

Ladies´ Magazine, and Museums of Belles Lettres or Entertaining Companion for the Fair Sex (1770 a 1837). Inicialmente, quase todos eram gazetas literárias; a moda foi-se tornando presente ao longo do século XIX (Buitoni 1986: 25)

A primeira revista feminina produzida por uma mulher nasceu na

Inglaterra (1741): The Female Spectator (tradução: A Observadora). Foi

fundada por uma das mais importantes escritoras inglesas, Eliza Haywood, que

foi a porta-voz das mulheres pela primeira vez, em uma revista que:

[com circulação] mensal, era muito popular. Tratava-se de uma coleção de ensaios originados das cartas das leitoras, que escreviam contando seus problemas pessoais e reclamando das restrições que a sociedade patriarcal impunham às mulheres. Eliza Haywood tomava posição sobre questões como casamento, filhos, leitura, educação e comportamento, defendia seu ponto de vista de que era possível não se sujeitar a essas restrições. E incentivava as leitoras a trabalhar e estudar (ALI, 2009: 314).

Na Alemanha, o primeiro periódico feminino foi lançado em 1774:

Akademie der Grazien. Mas foi na França que a imprensa feminina mais

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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cresceu, “servindo depois de modelo para a incipiente similar brasileira”

(Buitoni, 1996: 25-26).

No Brasil, a primeira revista feminina foi o carioca Espelho Diamantino,

criada pelo historiador Gondin da Fonseca, com conteúdo político, literatura,

bellas-artes, teatro e moda. Mas não durou muito: circulou entre 1827 a 1828

(Ali, 2009: 319; Buitoni, 1986: 37). Destino oposto teve a Revista Feminina:

fundada por Virgínia de Souza Sales, foi a primeira revista brasileira criada para

as mulheres por uma mulher; mais de vinte anos se passaram entre a primeira

e a última edição deste periódico (1914 até 1936).

Essa publicação foi um exemplo mais perfeito da vinculação imprensa/ indústria/ nascente/ publicidade, pois deve sua existência a uma bem-montada sustentação comercial, hoje ingênua, mas muito eficaz na época (Buitoni, 1986: 43)

Havia mais revistas femininas na época, como A Cigarra, A Senhorita,

que tratava de moda e penteados e A Vida Galante, com distribuição semanal e

ilustrada (Buitoni, 1986: 44); no Brasil vicejaram vários periódicos do ramo.

●●●

A imprensa feminina era inicialmente voltada à literatura; depois, a moda

foi dividindo as atenções, quando os direitos femininos começaram a

conquistar espaço nos século XVIII e XIX (Buitoni, 1986:22). Também é

importante lembrar que

A indústria de cosméticos veio incrementar neste século outra vertente – a editoria de beleza, que até então aparecera timidamente. Em torno de 1940, estavam solidificadas as quatro editoriais: moda, beleza, casa e culinária. Alguns acrescentam trabalhos manuais; estes, porém, costumam enquadrar-se em moda e casa (decoração) (Buitoni, 1986:22)

A literatura assim, começa a perder força para moda e atividades

domésticas.

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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Na Europa e nos EUA, ainda manteve um certo espaço, devido à tradição de leitura de suas populações. No Brasil, a literatura permaneceu até o começo deste século, para praticamente desaparecer nos anos 60. Substituiu em forma de fotonovela, mas o espaço para contos ou romances seriados diminuiu muito dentro de jornais e revistas (Buitoni, 1986:23).

A imprensa foi aprimorando a parte técnica, tanto nas capas como nos

conteúdos. Com o aperfeiçoamento gráfico, permitiu imprimir cada vez mais

revistas femininas melhor e sofisticadas, com fotos e cores, encontrando um

nincho ideal para a comercialização de determinados produtos (Buitoni,

1996:57). “A universalização da indústria cultural também contribuiu para a

homogeneização dos produtos impressos” (Buitoni, 1996:58).

As capas das revistas inicialmente não possuíam ilustrações nas capas,

pois a entrega era por assinatura; já as revistas brasileiras tiveram que

enfrentar as bancas, e as capas agradáveis constituíam um importante recurso

para chamar a atenção das leitoras. Estampavam desenho, em geral uma

figura de mulher, jovem, alegre e bonita. As fotos foram utilizadas a partir da

década de 50, nas revistas francesas, italianas, alemãs e americanas; Elle,

fundada em 1945, fez muito sucesso. Porém, apesar da tendência das fotos, as

revistas de fotonovelas e de estórias sentimentais mantiveram por mais um

tempo as capas desenhadas, mantendo talvez a tradição, para não perder o

espiríto de suas mensagens (Buitoni, 1996:58-59).

●●●

A importância desta mídia impressa se deve aos registros de

acontecimentos impressos suas páginas: ”a imprensa feminina estava ligada

estreitamente ao contexto histórico que cria razões para o seu surgimento, e

que interfere em cada passo de sua evolução” (Buitoni, 1986: 24).

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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Não se pode pensar as revistas femininas desconsiderando uma relação

sintática entre elas (e seu exterior), da qual participam textos em que se

misturam e se sobrepõem imagens femininas e masculinas, inscritas em

determinados ideias de beleza: cores, cenário, comportamento etc concorrem

nestes espaços de idealização/ representação: “a aceleração dos dispositivos

tradutórios inscritos nos mecanismos produtivos das culturas plurais intensifica

reticularmente o pendor para a incorporação material do alheio” (Pinheiro,

2009: 17). Ou ainda:

O barroco é proliferante, é uma ciência dos encaixes por bordadura, é construção contínua de mosaicos móveis, por isso, a relação entre dois textos culturais cria fricções entre sistemas semióticos distintos, podendo ou não resolver-se em sintaxes mais ou menos elaboradas, de melhor “encaixe” ou não tão bem encaixadas (Rodrigues, 2009:115)

Na sociedade nacional,

Se no século XIX e início do século XX, a sociedade e a cultura brasileira eram magnetizadas pelas normas francesas, a partir dos anos 30, mais evidentemente no pós-guerra, o Brasil dá uma guinada em direção aos EUA. Obviamente, o fato não é isolado. Trata-se de hegemonia econômica e cultural norte-americana, uma das caraterísticas mais marcantes do século XX. Mais especificamente da política de boa vizinhança encorajada pelo presidente Roosevelt em relação aos países latino-americanos. A política, que incluía acordos econômicos e vantajosos para os EUA, também foi palco de grandes demonstrações de amizades responsáveis pela intensificação das relações daquele país com a América Latina (Mira, 2001: 25).

Dentro deste cenário, em meados do século XX, o grande pólo de

contaminação é o cinema, que aparece “como a primeira linguagem

potencialmente Universal” (Mira, 2001: 27). A influência da indústria

cinematográfica atingia cada vez mais o conteúdo das publicações. As críticas

de Maria Lacerda de Moura (através de sua revista Renascença12), ilustram

movimentos de resistência às “novidades” divulgadas:

As revistas cinematográficas vieram concorrer mais para a

12 1923

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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deseducação e as atitudes da mulher, da brasileira pelo menos. Dos romancinhos franceses ou das aventuras policiais a menina passou a notícias dos casamentos e divórcios de Carlitos, às fugas da povincianas se fazendo estrelas, assuntos teatrais idealizados pelos empresários ávidos de dinheiro, para atrair a atenção da imaginação rocambolesca das mulheres em geral e dos medíocres (Buitoni, 1986: 46).

As revistas frequentemente apresentavam histórias românticas em

quadrinhos desenhados (década de 30) e, depois, em fotos (Buitoni, 1986: 48;

Mira, 2001: 27). Também conhecida como “imprensa do coração”,

A fotonovela surgiu na Europa dentro de um contexto de sentimentalização da imprensa voltada para as mulheres. As editoras descobriram que era preciso falar dos problemas amorosos das pessoas (Buitoni,1986: 47).

Nasceu das públicações conhecidas como cine-romances, resumos de

filmes contendo fotografias das principais cenas e um texto curto. Angeluccia

Habbert resumiu bem sua trajetória:

Aguns editores, Rizzoli, Mondadori e Cino Del Duca, começaram a fazer cine-romance sem cinema. Simultaneamente, em março de 1947, apareceram as primeiras fotonovelas na revista Sogno (Ed. Rizzoli), graças ao jornalista Stefano Reda, e na revista Bolero (Mondadori), essa última realizada pelo famoso diretor de cinema Damiano Damiani (...) O início da fotonovela foi bastante entrelaçado com a produção cinematográfica, inclusive porque Cino Del Duca, o magnata das revistas sentimentais, também foi um produtor de cinema muito ativo. Aos poucos a indústria da fotonovela se tornou autônoma, ou pelo menos organizada e lucrativa. O processo de expansão alcançou a França, em 1949, na revista Festival (Del Duca), onde foi publicada na primeira FN. Em seguida, a produção começou a ser exportada para os países de língua francesa (Luxemburgo e Bélgica) e depois para a América Latina e África do Norte... Controlada por grupos econômicos italianos, a penetração da fotonovela no mundo anglo-saxão é nula (Citado por Mira, 2001: 34)

Este gênero encontrou lugar na mídia impressa feminina brasileira a

partir de 1951, mas a francesa Confidences já consumia desde 1938 este

gênero confissionário que atraía o público de leitoras.

(...) o gênero confessionário em que leitoras discorriam sobre amores e redatores forjavam depoimentos “verdadeiros”, alcançando um milhão de exemplares por edição (1986: 47).

Com a narrativa amorosa, a fotonovela foi bem aceita na América Latina;

seu sucesso é atribuído à base melodramática com a qual o público destes

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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países se identificavam:

...intrigas amorosas, traições, desencontros e mal-entendido); personagens (o herói, o vilão e a vítima); a divisão do mundo entre ricos e pobres, visão manequeísta, o moralismo e o desfecho ditado pelo destino (Mira, 2001:34).

A imprensa femimina se relaciona, pois, com um cenário histórico; seu

surgimento/ desenvolvimento é resultado de uma montagem de mosaicos

móveis, em movimento e sempre em construção, em reconfguração.

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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A revista Grande Hotel

Arturo Vecchi chegou no Brasil em 1913, e fundou em São Paulo sua

editora, desenvolvendo uma nova forma de vender o romances-folhetins:

Sua especialidade era a revenda de porta em porta de romances-folhetins, editados na Itália ou na Espanha em língua portuguesa. Ao final de 100 a 130 fascículo semanais, após dois ou três anos, o leitor tinha a história completa. O negócio durou até 1933 e foi base para a entrada no ramo de fotonovela (Mira, 2001: 34)

Em 1947, Vecchi lança um periódico direcionado ao público feminino: a

revista Grande Hotel, tradução da francesa Nous Deux – que, por sua vez, se

inspirava na italiana Grand Hôtel (ambas do grupo Del Duca):

Na verdade, o setor é dominado por esse grupo que atua na Itália e na França, centro de difusão de gêneros. Não por acaso, a iniciativa pioneira no Brasil veio de um italiano e de uma editora cuja a tradição

fora construída na área do romance-folhetim (Mira.2001:34).

Novelas desenhadas figuravam em suas edições semanais publicadas

até 1980. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro, com distribuição nacional13

e

introduziu no Brasil a fotonovela.

A Grande Hotel é uma revista ilustrada, uma espécie de “obra artística”:

com a capa desenhada à mão – pelo artista italiano Walter Molino (1915-1997)

que assinava as capas sob o pseudônimo, J. W. Symes –, desde o exemplar

número um a profusão de cores da capa chamava a atenção, ilustrando uma

imagem de mulher considerada bela, elegante e feminina, em cenários

variados e quase sempre acompanhada por um homem. Este tipo de ilustração

funciona como identificação da revista.

13A redação, administração e oficinas estavam localizadas à Rua do Resende, 144 – Rio de

Janeiro

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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Embora seu conteúdo tenha sofrido alterações durante o período em

que circulou14

, temas românticos femininos norteavam o conteúdo editorial da

revista: entre propagandas e dicas de beleza, seções abertas à participação

das leitoras, informações sobre filmes em cartaz15

e novela em quadrinhos,

modelos de beleza e padrões de comportamento buscavam inspirar os hábitos

da mulher brasileira.

A seção “fotonovela” com duas produções romanceadas, em que as

imagens são desenhadas em preto e branco como, por exemplo, a “Almas

acorrentadas”, publicadas das edições nr. 01 ao nr. 31- 30/07/1947 à

25/02/1948. As narrativas são repletas de romantismo, amores não

correspondidos, traição, ternura etc. Também cito outra fotonovela: “Lágrimas

de Ouro” (30/07/1947 à 28/01/1948), que explora outros tipos sociais, como por

exemplo, os ciganos.

Um aspecto que caracteriza a revista é a publicação de histórias cuja

continuidade se dá ao longo de várias edições; é possível notar, pois, um modo

de fidelização das leitoras: para saber o restante da novela, tornava-se

necessária a compra de edições posteriores ao início da história. Além disso,

outro modo de conquistar e fidelizar o público-alvo era proporcionar sua

participação no conteúdo da revista: seções como “Problemas do Coração”,

“Concurso de Casais” figuram dentre as que publicavam cartas, histórias e

depoimentos dos leitores. Assim, o público registra momentos amorosos em

14Algumas seções foram incorporadas, outras subtraídas; as 15 páginas iniciais foram se

somando a outras posteriormente. Vale lembrar, porém, que essas modificações não alteram o escopo do projeto inicial: a linha editorial é sempre seguida. 15

Os filmes norte-americanos ganhavam destaque em suas páginas centrais.

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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seções como histórias de amor, recados, cartas. Há também, por exemplo, a

seção chamada “Amores Vividos” em que as leitoras são as romancistas;

enfatiza-se as experiências amorosas vivenciadas por elas: “isto não é uma

novela, mas sim a narrativa de um fato acontecido realmente. A própria

protagonista a narra, usando, por óbvias razões, nomes supostos” (edição

no.1, 30-07-1947). As histórias narradas pelas leitoras possuem geralmente

uma foto ou uma gravura de um casal romântico no corpo da matéria. Temos,

pois, situações cuja análise aponta uma determinada história da nação: a

revista funciona, também, como uma espécie de testemunha de uma época,

(re)produzindo momentos que são apresentados como unívocos.

O cinema de Hollywood também tem seu lugar de destaque na revista:

dentre outras seções, chama o atenção “O Amor nos filmes”: publicado na

parte central da revista, divulga filmes americanos, com comentários e fotos de

estrelas hollywoodianas.

A partir do quinto exemplar, são oferecidos para venda apenas livros,

na seção entitulada como: Leituras empolgantes! OS MAIS BELOS CONTOS

DE AMOR. E com autores famosos nacional e internacional, como: Anatole

France, Machado de Assis, Zola, Fiodor Dostoievski, Marcel Proust, José de

Alencar, Vargas Vila, Pierre Frondaie, Henri Bordeaux, Matilde. Mas percebe-

se que, depois do terceiro ou quarto exemplar, os autores brasileiros perdem

um pouco de espaço, e aparecem esporadicamente nos próximos exemplares.

Posteriormente, anúncios publicitários oferecem produtos de beleza e higiene,

(a partir de décimo primeiro exemplar): timidamente começam com loções para

os cabelos e depois é introduzida uma variedade maior de produtos.

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Capítulo 2 – Universos Estéticos Impressos

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A seção de aconselhamentos (falando sobre romance, conduta,

culinária etc) é veiculada desde o início da revista. E a seção de passatempos

e humor (“Vida em brincadeira”) também vai ocupando cada vez mais espaço

no periódico.

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Capítulo 3 – As Mulheres da Capa

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CAPÍTULO 3 – AS MULHERES DA CAPA

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Capítulo 3 – As Mulheres da Capa

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Sorriso e tailleur vermelhos16, braços dados com um cavalheiro vestido

“à la Cary Grant”, observando cartazes de filmes expostos diante do cinema

(todos eles estampando o nome da primeira novela em quadrinhos17 da revista,

“Almas Acorrentadas”): em termos gerais, é assim que a moça bonita (feliz,

elegante e bem situada) se apresenta ao público na primeira edição da revista

Grande Hotel. Seu traje conta com chapéu e luvas, formando um figurino que

vai se repetir frequentemente nas capas das revistas18. A presença masculina

(quase sempre ilustrada por um homem de terno e gravata) é constante.

As capas também ilustram, por vezes, personagens (tanto homens19,

como mulheres20) cujos trajes são informais; no entanto, a informalidade das

vestes dialoga com conteúdos considerados cultos, numa erudição produzida

pelo intercâmbio de modos de vida/ culturas que vão produzindo informação:

os cenário são lugares exóticos, em que a leitora vê, por exemplo, um casal

esquiando21 ou o homem tocando violino22 na praia para a mulher que ouve

pensativa.

A ilustração resulta de “complexas correlações dialógicas e lúdicas entre

diferentes subestruturas do texto, que constituem o poliglotismo interno, do

mesmo, são mecanismos de formação de sentidos” (Lotman, 1996: 88-89): o

terninho discreto de Coco Chanel ganha uma cor vibrante (entrelaçando,

16 Essa tonalidade colore frequentemente as roupas das mulheres ilustradas na capa (ver figuras 3, 4, 7, 8, 11, 19, 23, 24, 29, 31, 32, 33, 39, 40, 43, 45, 50 e 51). 17 Enquanto isso, na Itália as novelas em quadrinhos fazem grande sucesso. 18 Este é o figurino que estampa várias capas (ver, por exemplo, figuras 16, 19 , 20, 23 e 34). 19 Usando calça jeans, calção, camiseta regata e malha xadrez (ver figuras 35, 36, 44 e 49) 20 Com blusa e saia ou biquini, maiô (ver figuras 2, 3, 7, 8, 12, 24, 30, 35, 36, 37, 44, 45, 49, 50, 51, 52 e 53. 21 Ver figura 36. 22 Ver figura 44

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Capítulo 3 – As Mulheres da Capa

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talvez, o tomara-que-caia da heroína americana23 e o espírito alegre do

brasileiro, sem deixar de lado uma cor bem característica da Itália) e veste uma

moça cujo biótipo é comumente considerado como o da “mulher brasileira”24.

Com todas estas informações, as leitoras brasileiras dialogam umas com

as outras, interpretando as informações resultantes do entrelaçamento de

códigos, com uma ou mais linguagens, conforme procedimentos de construção

fornecidos por esta cultura:

ao necessitar de um parceiro, cria com seus próprios esforços esse 'alheio', portador de uma outra consciência, que codifica de outra maneira o mundo e os textos (Lotman, 1996:71).

Vejamos.

●●●

O logotipo da revista Grande Hotel é ilustrado com efeito em néon25.

Remete, pois, ao novo; é escrito em letra cursiva, tal como um autógrafo (que a

leitora poderá ter). Objeto de identificação da revista (o logotipo é um recurso

que auxilia o leitor a localizar sua revista predileta na banca, quando em meio a

outras), o nome da revista se situa na parte superior da capa, “brilhando” sobre

uma tarja larga, com um fundo preto. O efeito em néon destaca a marca da

revista de longe. E vai iluminando o “palco do sucesso”, traz a luz para algo

escondido ou que não tenha sido percebido; é um dos elementos que geram

informações que instauram um lugar glamuroso para a leitora viver – enquanto

está exposta ao periódico.

23 A Mulher Maravilha. 24 Esse biótipo aparece em praticamente todas as capas, em algumas é mais evidenciado (ver figuras 2, 3, 4, 7, 8, 9, 13, 14,15, 17, 19, 20, 23, 24, 25, 26, 29, 30, 32, 33, 35, 37, 38, 39, 40, 41, 44, 46, 47, 48 e 50). 25 Origem grega; neos, nea, novo.

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Capítulo 3 – As Mulheres da Capa

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Sob esta luz, as capas da revista iluminam cada cenário em que, tal

como uma sequência de capítulos de uma história como nos cinemas, a figura

da capa sempre ilustra um casal, lembrando astros de cinema de Hollywood;

imprime-se, pois, um tom cinematográfico.

A imagem da mulher “linda”, magra e com um corpo bem torneado

representa a protagonista – a “dona da cena” –, inserida em um cenário que se

movimenta em volta dela, em sua direção. As cenas do casal normalmente

acontecem durante o dia, e algumas vezes não se passam em lugares do

Brasil: Veneza26, um campo de futebol americano27 e lugares com neve, talvez

algum país da Europa28. A revista mostra ainda cenários ao ar livre: praias,

campos, parques, campo de futebol, jóquei etc, além de rotinas como: ir ao

teatro, à ópera, ao baile à fantasia, velejar, esquiar.

E assim

a interconexão de todos os elementos do espaço semiótico não é metáfora, mas sim realidade (Lotman 1996: 35).

A leitora brasileira tem acesso a um padrão de beleza feminina, ilustrado

pelo formato do corpo, vestimenta, acessórios, cena. E – vale reforçar – desta

beleza feminina participa também – e talvez sobretudo – seu acompanhante:

um homem elegante e bonito, ambos transitando por cenários empolgantes,

coloridos e românticos.

Observamos aqui que esse processo articulatório, que atravessa/

perpassa/ entremeia as fronteiras de códigos, linguagens e séries, interliga as

diferenças e heterogeneidades e incrusta o eu no outro. A cultura é um sistema

26 Ver Figura 5 27 Ver figura 23. 28 Ver figura 30.

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Capítulo 3 – As Mulheres da Capa

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de organização, conservação e criação de informação (Uspenski, 1987) que o

homem recebe e transmite em sua relação com o mundo exterior; é a cultura

que estrutura aquilo que torna possível a vida social (Lotman; Uspenski, 1971). E

o processo de tradução se dá na prática da experiência perceptiva do cotidiano

dentro da cultura. A mídia, no caso a revista, exerce uma função importante:

gera informações para este público das leitoras brasileiras, que acessam uma

variedade de culturas.

O homem e a mulher que na maioria das cenas das capas, ela está de

traje social como: vestidos, tailler, inclusive de salto alto, e a maioria dos

homens, sempre estão trajando terno e gravata em quase todas as cenas. Os

dois utilizam trajes cultos que não combinam logicamente com alguns locais,

como por exemplo na praia, montanhas, campo de futebol e parquinho que

percebe-se alguns conflitos nos códigos culturais e gerando informações outras

informações tais como, parece que eles não precisam combinar com a cena, e

sim entre eles, forma um casal, um romance.

●●●

Néon também lembra hotéis na beira da estrada, aventura, viagens e

divertimento. É esta informação a que a leitora fica exposta, por exemplo, na

edição no. 5 da revista (27/08/1947)29: em Veneza, o casal passeia dentro da

“Gôndola das Quimeras”30; a mulher de cabelos pretos, vestido azul, unhas

vermelhas, flor no cabelo e lenço vermelho contornando o quadril se recosta no

homem, loiro com cabelo ondulado, jaqueta e calça comprida bege, com um

29 Ver figura 5. 30 Todas as revistas estampam uma “chamada”, um dizer que, situado no canto inferior esquerdo da capa, direciona o olhar da leitora. A desta edição é “Gôndola das Quimeras”.

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Capítulo 3 – As Mulheres da Capa

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detalhe de lenço no bolso de cima da jaqueta, camiseta listada de azul e listras

pretas, com sapato esporte bege, um cigarro na mão.

O gondoleiro conduz o casal entrelaçado num abraço que parece ter

uma Veneza exclusiva para seu “amor” (esse efeito é gerado por uma outra

gôndola parada, vazia, logo atrás; parece que o canal é só para os dois). Há,

aqui, séries culturais também “abraçadas”, traduzidas pelas representações (i)

da mulher – misto de cigana e latina americana, com uma postura aristocrática

que remete ao europeu –, (ii) do homem – perfil de galã norte americano – e

(iii) do gondoleiro – o condutor deste passeio que mistura realidade e sonho

lembra um gaúcho, devido ao bigode, chapéu, colete e lenço no pescoço.

Estes elementos separados apontam para culturas distintas; ao dialogarem, se

intercambiando, geram uma outra informação que traduz para a leitora a

“beleza do amor”: um casal apaixonado fazendo um passeio romântico, cujas

expressões demonstram a fruição daquele momento.

Aqui, o caráter excessivo de combinações dão a ver a contaminações

entre códigos e nexos culturais, séries e linguagens dos italianos, latinos, norte-

americanos (cuja releitura é feita por condições específicas da sociedade

nacional), envolvendo a leitora brasileira na dinâmica destes processos de

produção de informação, que só dependem episódica e tangencialmente do

respeito às fronteiras que separam o longe e o perto, do rico e o pobre, o

centro e a periferia, o alto e o baixo, o antigo e o novo. A aceleração dos

dispositivos tradutórios inscritos nos mecanismos de culturas plurais intensifica

as redes, a tendência à incorporação material do alheio, de outras culturas31.

31 Há também outras capas que expõem “abraços culturais” similares (ver figuras 36, 37, 39, 44 e 49), interligando características que se repetem no aspecto físico das mulheres (com cabelos

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Capítulo 3 – As Mulheres da Capa

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●●●

Bordando um mosaico móvel, arabescos que redesenham formas

ortogonais e porosas de valores, crenças, modos de vida, a luz do néon da

Grande Hotel ilumina séries culturais entremeando religião, tradição, ciência,

elações de gênero, e “experimenta mais nexos e sintaxes entre estas séries e

áreas mais amplas da cultura, buscando critérios tradutórios entre fronteiras”

(Pinheiro, 2009:15). Chamo a atenção para as edições no. 21 e 4132, que

refletem dinâmica entre o dentro e o fora, entre o micro e o macro, dos

elementos que se comunicam com séries da cultura.

Nestas capas específicas, começando pela no.21: o casal se beija

lubricamente na sala de estar, enquanto uma senhora de cabelos brancos e

curtos está sentada numa poltrona vermelha que lembra um trono de rainha ou

rei; de cabeça baixa (parece ter dormido com a linha e agulha de crochê na

mão), e de roupa toda preta, sua imagem se confunde com a de um padre. A

ambiguidade de sua imagem é constituída pelo entrelaçamento de códigos

culturais são apagados, num movimento que confunde gênero (feminino x

masculino), função (senhora idosa x padre), mas que mantém a “idade” (o

velho, o antigo, a quantidade de anos acumulados) como representação da

tradição (e o lugar que ela ocupa no mundo moderno33).

Outros elementos compõem a cena: na mesinha de centro, estão

dispostos um vaso de planta espada de São Jorge (religião africana), um

bem ondulados e esvoaçantes, enfeitadas por adornos que lembram os de cigana (ver figuras 5, 36 e 37). 32 Ver figuras 21 e 41. 33 Por mundo moderno não me refiro aos dias atuais (embora evidentemente eles não estejam excluídos), mas àquele momento ideológico da década de 40.

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Capítulo 3 – As Mulheres da Capa

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fumegante cigarro acesso, um isqueiro, a revista Grande Hotel e três xícaras

de café vazias. A espiral formada por estes objetos faz um movimento que

passa por aquilo que foi o “filtro” das atitudes humanas (a religião cristã, umas

das instituições que fundam a “cultura ocidental”) e, em estado de dormência,

impotente, não impede o gesto sensual dos noivos34 abraçados em formato de

coração (que se fecha num ponto que é justamente aquele em que as bocas se

tocam).

A velhinha/ padre (agora reduzida ao testemunho cego e mudo da

tradição, da moralidade), não impede a cena; mas permanece lá, faz parte da

narrativa traduzida em imagens. Frente à multiplicidade de séries culturais, em

constante estado de troca e tradução, a ideia de família é arrastada e

reconfigurada num “terreno da associação, aproximações, combinações que

fecundam uma produção de mérito nunca é plano ou retilíneo, porém

descontinuamente e intercomplementar” (Pinheiro, 2009: 27).

A edição no.4135 também é visitada pela “senhora que tricota”. A figura

da senhora já não mais se confunde com a do padre (ainda que suas agulhas

em cruz mantenham o “cristão” na cena). O dia está ensolarado e o banco de

praça acomoda um casal sensualmente envolvido. O rapaz, de traje social e

gravata borboleta, segura a mão da moça enquanto ensaia beijá-la; os corpos

se movem em direção ao beijo, enquanto a sombrinha da moça a protege do

sol e do olhar da senhora (cujo vestido comprido e marrom com golinha branca

destoa da paisagem; ela usa chapéu e óculos redondinho e, sentada no

mesmo banco, limita o olhar à peça vermelha que está tecendo).

34 A “chamada” desta edição é “Doces momentos do noivado”. 35 Ver Figura 41

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Capítulo 3 – As Mulheres da Capa

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A tensão permanece provocando e alimentando um ponto de fricção que permite a mobilidade e a capacidade de tradução e interação do objeto mestiço que, por sua vez, reflete a natureza barroca da cultura da América Latina (Pinheiro; Rocha, Albuquerque, Oliveira, 2009:35)

●●●

O neon do nome da revista Grande Hotel também nos remete ao

estrelato, palco, mundo de celebridades. Nele, o feminino e o masculino se

interligam: há uma relação de identificação entre o homem e a mulher que, em

conjunto, geram informações sobre a noção de “vida de sucesso”. Os “artistas”

representam pessoas “de carne e osso”, mas foram desenhados, criados;

existe, o tempo todo, uma relação em que o real e o imaginário, o mundo da

vida e o mundo dos sonhos, fantasia e realidade traduzem um estilo de vida

considerada bem-sucedida (na qual o “belo” é central, e as séries culturais se

movimentam na sua constituição): embora, por exemplo, as cenas remetam

àquilo que se reporta ao cinematográfico, ao espetacular, ao brilho da ribalta

iluminada pelo neon/ sol, os personagens são pessoas “comuns”, isto é, não há

imagens de pessoas famosas.

Os personagens da capa são representados por “manequins”, que

transmitem elementos com os quais a leitora possa se identificar: beleza,

romance, emancipação, sucesso; oferecem uma abertura que torna possível à

leitora se projetar naquela manequim, que contamina/ é contaminada por aquilo

que a leitora quer ser e ter – e a beleza funciona como uma espécie de porta

que se abre para a conquista desse querer. A mulher transita, se move e

impele o homem a tirar o chapéu em reconhecimento àquilo que a faz bela. É

assim que aparecem as mulheres da edição no. 3336: uma loira, de vestido,

36 Ver figura 33

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Capítulo 3 – As Mulheres da Capa

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sandália de salto, bolsa e chapéu azul (estilo norte-americano), uma morena de

vestido, bolsa, chapéu e sandália de salto vermelha (estilo latino-americano) e

uma ruiva, vestido, bolsa (rosa), sandália de salto e chapéu verde (estilo

francesa). Cada uma usa vestidos até o joelho e chapéu, todas têm pernas

longas e bem torneadas que proporcionam passos largos, firmes e decididos,

que transitam pelos caminhos do charme e da sensualidade.

Exibem sua beleza num calçadão que lembra o Rio de Janeiro e ao

passar por cavalheiro de terno e gravata, ele cumprimenta tirando o chapéu

para as três moças e a ruiva olha para ele. A cultura local se encontra/ mistura

com culturas estrangeiras, de forma amistosa: as três mulheres caminham

juntas de braços dados e sorridente, em ritmo de união. E – vale ressaltar – só

uma das moças se interessa pelo homem; as outras, movem o olhar para o que

está a vir (um homem bonito e charmoso com o qual possam fazer par?).

Percebe-se, dentre outras constatações, que a beleza não se dá em si mesma;

ela se constitui, também, no reconhecimento de sua existência.

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Considerações Finais

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Considerações Finais

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A beleza pertence a todas as épocas e a todas civlizações; aqui, me

ocupo do mito da beleza feminina impresso em capas de uma revista feminina

em finais da década de 40, a Grande Hotel. Torrentes de “pequenos nadas” e

diferenças aparentemente pequenas promovem transformações num processo

em que mosaicos móveis, descontínuo e em reconfiguração contante vão

bordando caleidoscopicamente o mito da beleza, nas mais diversas culturas e

tempos históricos.

Fiz, inicialmente, um breve passeio histórico para investigar o tema

desta pesquisa. O recorte foi feito entre o período que vai da Idade Média à

década de 60: nele, visualizamos um ciclo no qual a relação corpo x beleza

sofre transformações nas quais códigos culturais vão sendo reconfigurados

num processo tradutório que borda no corpo uma identidade com o mundo.

Códigos, linguagens e séries culturais contaminam e, simultaneamente, são

contaminados por valores vigentes socialmente.

Na Idade Média o corpo mantém uma relação com o espiritual; a religião

(cristã) é a voz predominante que rege padrões estéticos voltados para códigos

de cultura controladores do corpo num processo de apagamento de sua

realidade física: corpo e “casa de Deus” funcionam quase como sinônimos.

Intangível, intocável, o corpo se esconde em trajes volumosos, camadas de

tecidos para recobrir uma “carne” entendida como imoral. Tanto o homem,

como a mulher se movimentam/ se prendem em corpos sacralizados, cuja

exposição é considerada indecente. Apenas o rosto e as mãos se podiam

observar; no mais, reserva-se a interações restritas ao ambiente privado.

Intervenções de séries culturais – sobretudo a ciência, com o

desenvolvimento da medicina que vai combater as epidemias que assolavam

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Considerações Finais

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os corpos que, mesmo protegidos das “mazelas da carne”, ainda teimavam em

adoecer: Embora não seja este o ponto que investigo nesta dissertação,

parece-me que a noção de “saúde” é a que vai (re)significando aquilo que se

entende por corpo. Vejamos.

A interdição do aspecto físico, em detrimento do espiritual, não estaria

vinculada à ideia de manter a vida, a saúde? Ou seja: “não pecar” para não ter

o corpo punido por Deus? As doenças, a epidemias não teriam apontado para

a necessidade de alterar aquela noção de corpo? Estas questões, que formulo

aqui de modo breve e superficial, me vieram à mente durante a pesquisa e as

deixo apontadas como possibilidades de estudos futuros.

O desenvolvimento do capitalismo coloca em cena o intercâmbio de

séries culturais que vão se somando, interligando num processo de assimilação

e conflito que vai gerando novas informações. A religião não é apagada, ela

permanece; mas a ciência, a moda, o comércio e outras séries vão

promovendo plataformas outras de interpretação.

Século 20: outro padrão de beleza é redesenhado – o que está sempre

em movimento, em intercâmbio, em conexões culturais que vão tecendo redes

bordadas por arabescos inacabados: há tempos, por exemplo, a preocupação

com cuidados estéticos é relacionada ao universo feminino. Reportagens atuais

dizendo de homens que estão “começando” a se preocupar com a aparência

física trabalham com uma ideia de inversão: como se o masculino estivesse

ocupando um lugar que usualmente é o do feminino.

Uma das grandes contribuições da Semiótica da Cultura, em filiação a

trabalhos como de Lotman, Pinheiro e outros, é a de compreender como esses

lugares não são exclusivos, fixos, presos a classificações estanques: nesta

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Considerações Finais

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dissertação, vemos que a abertura a partir da qual a ideia de exposição do

corpo foi abandonando uma relação com aquilo que era considerado

pecaminoso, imoral, indecente, foi resultado de um processo no qual a

medicina começou a contaminar a noção de corpo/ beleza. E como isso foi

possível?

As primeiras décadas do século XIX constituíram cenários nos quais, em

nome de uma saúde, força, vitalidade, o corpo considerado ideal e dentro dos

padrões de beleza era o corpo masculino: proclamando massa muscular,

virilidade, poder. O músculo é o “passaporte” para a exposição deste corpo,

sem ultrapassar as fronteiras da moralidade, do obsceno, do feio.

Paulatinamente, o corpo feminino também passou a objeto publicitário; no

entanto, era necessário tomar de empréstimo padrões masculinizantes

(traduzidos pelos músculos), como forma de dessexualizá-lo. Portanto, textos

independentes e fronteiriços colocados em relação mútua promovem o início

de uma nova informação, quando eles interpenetram, se contaminam e fluem

em vertentes, funcionamentos e sentidos remodelados entre o mesmo e o

diferente. Assim, o homem foi a referência para a mulher nesse processo de

reconfiguração de padrões de beleza x permissividade com o corpo.

Para compreender o desejo de ser bela (e aquilo que a coloca nessa

condição), é preciso considerar que “tudo o que é externo é interno, desde que

bem bordado, tecido no mosaico, por tensões em suspensão” (Pinheiro, 2009:

13). Numa relação em que sociedade e revista feminina se emaranham,

contaminando e sendo contaminadas mutuamente, o “universo estético

impresso” tem, no desenvolvimento de técnicas, facilidade para captar

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Considerações Finais

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alterações no mercado, alterar fórmulas de edição; imprimir cada vez mais e

melhor.

Na revista Grande Hotel, na década de 40, as peças publicitárias se

voltavam para o ideário da beleza, oferecendo produtos, conselhos e fórmulas

gerais para o enquandramento em seus padrões. As capas, em sua profusão

de cores e imagens, convidam as leitoras para o palco da felicidade, sucesso,

admiração, para aquela que “sabe o que quer”, “aproveita a vida”, “é

poderosa”. Paqueras, namoro, noivado e casamento preenchem o sabe, o

aproveita; o ser. Os músculos masculinizantes viram pernas bem torneadas

que caminham rumo ao “sucesso”.

O padrão de beleza está está aquém do rosto, cabelos, roupas; formato

físico do corpo. O ventre saliente, as coxas roliças, as “gordurinhas extras” que

traduzem a beleza da “Vênus de Urbino” de Vecellio (1538) são características

que certamente levariam ao fracasso a carreira de Gisele Bündchen. O padrão

de beleza tem uma história (que não é linear, mas combinatória), não é fixo e

envolve isto: processos. Movimentos, intercambialiades, reconfiguração que

precisam (e merecem) ser analisados. A beleza e seus mitos é uma textura em

constante (re)produção, a partir de processos tradutórios que envolvem a

cultura do cotidiano (visual, oral, corpóreo-táctil), performances urbano-

espaciais, de revistas, cinema, romances-folhetim, e muito mais.

Não é, pois, apenas a aparência visível e externa de formas não-

ortogonais (corpo, beleza, homem, mulher, moda etc) que conforma um ser

bonita, mas a textura em retícula dos materiais e signos (luzes, nádegas, seios,

pernas, cores etc), que estão situados dentro/ fora dos processos tradutórios

inscritos em fronteiras de inúmeros textos (americanos, italianos, franceses e

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Considerações Finais

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brasileiros) marcados por diferentes séries culturais (ciência, moda, beleza,

gênero, religião, em constante revisão/ atualização). Em práticas e saberes

diversos, códigos, séries culturais e linguagens são aportados e assimilados no

grande “laboratório” que é a cultura. E é nas relações combinatórias entre

textos e séries culturais que a cultura funciona como um conjunto de

informações que tornam possíveis as relações sociais.

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Bibliografia

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ANEXOS

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Figura 1: Grande Hotel, 30/07/1947

Figura 2: Grande Hotel, 06/08/1947

Figura 3: Grande Hotel, 13/08/1947

Figura 4: Grande Hotel, 20/08/1947

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Figura 5: Grande Hotel, 27/08/1947

Figura 6: Grande Hotel, 03/09/1947

Figura 7: Grande Hotel, 10/09/1947

Figura 8: Grande Hotel, 17/09/1947

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Figura 9: Grande Hotel, 24/09/1947

Figura 10: Grande Hotel, 01/09/1947

Figura 11: Grande Hotel, 08/09/1947

Figura 12: Grande Hotel, 15/10/1947

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Figura 13: Grande Hotel, 22/10/1947

Figura 14: Grande Hotel, 29/10/1947

Figura 15: Grande Hotel, 05/11/1947

Figura 16: Grande Hotel, 12/11/1947

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Figura 17: Grande Hotel, 19/11/1947

Figura 18: Grande Hotel, 26/11/1947

Figura 19: Grande Hotel, 03/12/1947

Figura 20: Grande Hotel, 10/12/1947

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Figura 21: Grande Hotel, 17/12/1947

Figura 23: Grande Hotel, 31/12/1947

Figura 24: Grande Hotel, 07/01/1948

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Figura 25: Grande Hotel, 14/01/1948

Figura 26: Grande Hotel, 21/01/1948

Figura 27: Grande Hotel, 28/01/1948 Figura 28: Grande Hotel, 04/02/1948

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Figura 29: Grande Hotel, 11/02/1948

Figura 30: Grande Hotel, 11/02/1948

Figura 31: Grande Hotel, 25/02/1948

Figura 32: Grande Hotel, 03/03/1948

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Figura 33: Grande Hotel, 10/03/1948

Figura 34: Grande Hotel, 17/03/1948

Figura 35: Grande Hotel, 24/03/1948

Figura 36: Grande Hotel, 31/03/1948

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Figura 37: Grande Hotel, 07/04/1948

Figura 38: Grande Hotel, 14/04/1948

Figura 39: Grande Hotel, 21/04/1948

Figura 40: Grande Hotel, 28/04/1948

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Figura 41: Grande Hotel, 05/05/1948

Figura 42: Grande Hotel, 12/05/1948

Figura 43: Grande Hotel, 19/05/1948

Figura 44: Grande Hotel, 26/05/1948

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Figura 45: Grande Hotel, 02/06/1948

Figura 46: Grande Hotel, 09/06/1948

Figura 47: Grande Hotel, 16/06/1948

Figura 48: Grande Hotel, 23/06/1948

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Figura 50: Grande Hotel, 07/07/1948

Figura 51: Grande Hotel, 14/07/1948 Figura 52: Grande Hotel, 21/07/1948

Figura 49: Grande Hotel, 30/06/1948

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Figura 53: Grande Hotel, 28/07/1948