as mídias sociais colocando em xeque o monopólio da fala dos grandes veículos

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010 A imprensa está nua: As mídias sociais colocando em xeque o monopólio da fala dos grandes veículos 1 Flávia Valério LOPES 2 Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG RESUMO No atual ambiente sociotécnico, a informação tem ganhado novos suportes, ocasionando uma mudança de paradigmas na maneira como as pessoas produzem e buscam conteúdo noticioso na atualidade. Hoje não se pode falar em produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, mas como “participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras”. A partir dessa percepção, torna-se oportuno analisar como as ferramentas de mídias sociais, em especial o Twitter, têm atuado na reconfiguração das relações de poder e na mudança do jogo de sentidos no qual imprensa se insere. O monopólio da fala dos grandes veículos parece ter sido colocado em xeque. A partir de casos como “Cala Boca Galvao”, o “erro na publicidade do Extra” e a “fala de Dilma” no Twitter, pretende-se avaliar como a população e mesmo os veículos de comunicação estão tendo a percepção de que “a imprensa está nua”. PALAVRAS-CHAVE: mídias sociais; Twitter; convergência; vigilância; desmentido INTRODUÇÃO Em fevereiro de 2010, o inglês Peter Horrocks assumiu a direção da British Broadcasting Corporation (BBC) – maior emissora pública de televisão do mundo - com a missão de fazer com que seus jornalistas mergulhassem no ambiente das mídias sociais, na tentativa de melhorar práticas de colaboração e de produção de notícias. Em sua argumentação, o novo diretor destacou que estes instrumentos de sociabilidade ofereciam o acesso a uma gama maior de opiniões e vozes, além de possibilitarem a identificação de novas fontes e de agilizarem a difusão de informações jornalísticas na rede 3 . Um mês depois, o presidente da Cable News Network (CNN) – maior emissora de TV a cabo do mundo - Jon Klein, confessou temer mais a concorrência das redes 1 Trabalho apresentado no GP Cibercultura do X Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, linha de pesquisa Estética, Redes e Tecnocultura, email: [email protected] / twitter: @flavialopes 3 http://bit.ly/guardianbbc 1

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No atual ambiente sociotécnico, a informação tem ganhado novos suportes, ocasionando uma mudança de paradigmas na maneira como as pessoas produzem e buscam conteúdo noticioso na atualidade. Hoje não se pode falar em produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, mas como “participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras”. A partir dessa percepção, torna-se oportuno analisar como as ferramentas de mídias sociais, em especial o Twitter, têm atuado na reconfiguração das relações de poder e na mudança do jogo de sentidos no qual imprensa se insere. O monopólio da fala dos grandes veículos parece ter sido colocado em xeque. A partir de casos como “Cala Boca Galvao”, o “erro na publicidade do Extra” e a “fala de Dilma” no Twitter, pretende-se avaliar como a população e mesmo os veículos de comunicação estão tendo a percepção de que “a imprensa está nua”.

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaçãoXXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Caxias do Sul, RS – 2 a 6 de setembro de 2010

A imprensa está nua:As mídias sociais colocando em xeque o monopólio da fala dos grandes veículos 1

Flávia Valério LOPES2

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

RESUMO

No atual ambiente sociotécnico, a informação tem ganhado novos suportes, ocasionando uma mudança de paradigmas na maneira como as pessoas produzem e buscam conteúdo noticioso na atualidade. Hoje não se pode falar em produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, mas como “participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras”. A partir dessa percepção, torna-se oportuno analisar como as ferramentas de mídias sociais, em especial o Twitter, têm atuado na reconfiguração das relações de poder e na mudança do jogo de sentidos no qual imprensa se insere. O monopólio da fala dos grandes veículos parece ter sido colocado em xeque. A partir de casos como “Cala Boca Galvao”, o “erro na publicidade do Extra” e a “fala de Dilma” no Twitter, pretende-se avaliar como a população e mesmo os veículos de comunicação estão tendo a percepção de que “a imprensa está nua”.

PALAVRAS-CHAVE: mídias sociais; Twitter; convergência; vigilância; desmentido

INTRODUÇÃO

Em fevereiro de 2010, o inglês Peter Horrocks assumiu a direção da British

Broadcasting Corporation (BBC) – maior emissora pública de televisão do mundo -

com a missão de fazer com que seus jornalistas mergulhassem no ambiente das mídias

sociais, na tentativa de melhorar práticas de colaboração e de produção de notícias. Em

sua argumentação, o novo diretor destacou que estes instrumentos de sociabilidade

ofereciam o acesso a uma gama maior de opiniões e vozes, além de possibilitarem a

identificação de novas fontes e de agilizarem a difusão de informações jornalísticas na

rede3.

Um mês depois, o presidente da Cable News Network (CNN) – maior emissora

de TV a cabo do mundo - Jon Klein, confessou temer mais a concorrência das redes

1 Trabalho apresentado no GP Cibercultura do X Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, linha de pesquisa Estética, Redes e Tecnocultura, email: [email protected] / twitter: @flavialopes

3 http://bit.ly/guardianbbc

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sociais, como Twitter e Facebook, que a dos novos canais que dedicam 24 horas de sua

programação diária ao jornalismo. "Estou muito mais preocupado com as 500 milhões

de pessoas que estão no Facebook do que com os dois milhões que assistem à Fox4”,

disse em uma referência à sua principal concorrente, durante a conferência de mídia

Bloomberg BusinessWeek 2010, em Nova York5.

Na tentativa de se adaptar a essa nova forma de consumir informações, grandes

veículos renderam-se às redes sociais e apropriaram-se do formato já difundido em uma

clara intenção de se aliar ao “inimigo”, na tentativa de manter seu lugar ao sol. Entre os

principais veículos na web, o primeiro passo foi dado pelo Estadão, que se lançou no

Twitter em julho de 2008, mais de dois anos após a criação da ferramenta, em março de

2006, pela empresa Obvious. O ingresso na rede foi seguido pela concorrente Folha de

São Paulo, em novembro do mesmo ano. Curiosamente, os sites noticiosos só se

adaptaram depois, como o G1, em maio de 2009 e o Terra, em outubro de 2009.

O trabalho com as redes sociais chegou a ser apontado pela direção da Folha de

São Paulo, durante o anúncio de seu novo formato, como uma das prioridades do

veículo, em maio de 2010. Uma equipe específica foi escalada para ampliar a presença

do site do jornal no Twitter (no perfil @folhaonline e nos 18 canais das editorias), no

Facebook (www.facebook.com/folhadesp) e em outras redes “que atualmente atraem

quase 90% dos internautas ativos do Brasil”6.

A movimentação dos grandes veículos no sentido de incorporar novos

fenômenos que surgem na internet, no entanto, não é nova. O mesmo já havia ocorrido

no início dos anos 2000, durante a explosão dos weblogs, que ganhou força na rede

mundial de computadores após o ataque às torres do World Trade Center. Grandes

grupos de mídia passaram a abarcar, em seus portais, este formato de publicação, até

então visto como uma forma “alternativa” de divulgar informações, contornando a

concentração dos grandes conglomerados de comunicação.

Essa utilização, contudo, ocorreu por meio da publicação de blogs de seus

colunistas mais experientes ou mesmo de editorias específicas, embora, inicialmente,

muitos deles sejam apresentados como colunas “que mudaram de nome e se tornaram

4 “I'm more worried about the 500 million or so people on Facebook versus the 2 million on Fox”

5 http://bit.ly/guardiancnn

6 http://bit.ly/folharedes

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mais dinâmicas, com atualização contínua e a possibilidade de inserção de comentários

dos leitores” (PALACIOS, 2006).

A preocupação dos veículos de comunicação em adaptar seu conteúdo e sua

forma de distribuição, ampliando seus canais frente ao avanço das ferramentas de

mídias sociais, apenas reforça a teoria de que a sociedade em geral presencia um

desgaste do padrão baseado em um centro distribuidor de conteúdos. Diante desse

cenário, a principal aposta passa a ser a de um modelo em que todos têm a possibilidade

de transmitir informações (modelo todos-todos) (LÉVY, 1999, p.63).

A partir dessa percepção, torna-se oportuno analisar como as ferramentas de

mídias sociais, em especial o Twitter, têm atuado na reconfiguração das relações de

poder e na mudança do jogo de sentidos no qual imprensa se insere. É importante

destacar que tal fenômeno deve ser observado com cautela, visto que é precoce e seu

alcance ainda tem sido questionável. Todavia, já tem colocado em xeque o monopólio

da fala dos grandes veículos e dado a parte da população e a aos meios de comunicação

a sensação de que “a imprensa está nua”. O barulho ecoado nas redes sociais já

incomoda e exige explicações.

MUDANÇA DE PARADIGMAS

Bem mais precioso desta era de globalização, digitalização e convergência

tecnológica, a informação tem ganhado novos suportes, ocasionando uma mudança de

paradigmas na maneira como as pessoas produzem e buscam conteúdo noticioso na

atualidade (LOPES, 2010). Jenkins vai além e visualiza uma interação cada vez mais

complexa entre novas e antigas mídias, por meio da convergência.

Por convergência refiro-me aos fluxos de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam (JENKINS, 2008, p.29).

Conforme o autor, a circulação de conteúdo depende fortemente da participação

ativa dos consumidores. Para ele, a convergência representa uma transformação

cultural, já que a sociedade é incentivada a procurar novas informações e a fazer novas

conexões em meio a conteúdos de mídia dispersos. “Em vez de falar sobre produtores e

consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos considerá-los

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como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras” (JENKINS,

2008, p.30).

A fusão entre papéis dos produtores e consumidores de informações também foi

destacada por Bruns, que cunhou a expressão “produsuário”7, na tentativa de classificar

esses novos atores da rede. “Produsuários estão envolvidos em produsage – a

construção contínua e colaborativa e a ampliação do conteúdo existente na busca de

novas melhorias” (BRUNS, 2008, p.21).

Neste momento, em que não é possível visualizar com clareza os papéis

desempenhados por produtores e consumidores no palco da rede mundial de

computadores, Steven Johnson aponta a existência de um novo fenômeno, uma espécie

de segunda onda da revolução interativa que a computação desencadeou: um modelo de

interatividade baseado na comunidade, na colaboração muitos-muitos (JOHNSON,

2001).

Tal prática já havia sido apresentada por Pierre Lévy (1994), que a conceituou

como inteligência coletiva, caracterizada por um novo tipo pensamento sustentado por

conexões sociais que são viáveis através da utilização das redes abertas. Em sua obra A

inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço, define o fenômeno como

uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências. (...) o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuos das pessoas, e não o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas" (LÉVY, 1994, p. 29).

A possibilidade de descentralização das iniciativas é um dos pontos discutidos

por Callon (2004). O autor caracteriza a existência de uma terceira via “que reconcilia

modernização e tradição, a que torna compatíveis ação individual e projeto coletivo, a

que nos faz entrar em um mundo que compartilhamos pacificamente as coisas que

criamos” (CALLON, 2004, p. 79).

Já Lemos (2004) cita Pool para conceituar os novos media como “tecnologias da

liberdade”

Por tecnologias da liberdade Pool entende aquelas que não se pode controlar o conteúdo, que colocam em questões hierárquicas, que proporcionam agregações sociais e que multiplicam o polo de emissão não-centralizada. Assim, por

7 Produser (BRUNS, 2008)

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exemplo, com os hipertextos, a liberdade de navegação do usuário desestabiliza distinções clássicas entre leitor e autor (LEMOS, 2004, p. 70).

O pesquisador Chris Anderson, em A Cauda Longa, faz um estudo mais

aprofundado dos novos produtores de conteúdo que se multiplicam na web. Analisando

o caso de blogueiros, o autor observa que a maior parte deles escreve sobre as áreas que

dominam principalmente devido à sua condição de “participantes e não apenas de

observadores, que chegam a ter mais acesso às fontes do que os próprios jornalistas”

(ANDERSON, 2006, P.183). Ainda conforme o pesquisador, “notícias e informações

não mais pertencem apenas ao domínio de profissionais” (ANDERSON, 2006, p. 187).

TWITTER: ABRANGÊNCIA E MOBILIZAÇÃO

Uma das ferramentas de mídias sociais que têm contribuído efetivamente para a

divulgação de conteúdos de caráter informativo é o Twitter, que vem ganhando espaço e

repercussão entre os brasileiros. De acordo com levantamento divulgado pela

consultoria francesa Semiocast, em junho de 2010, o Brasil é o quarto país de origem

em número de mensagens no Twitter (tweets) em todo o mundo. As mensagens

originadas no Brasil representavam, ao final de junho, 11% de todas as mensagens no

mundo (Figura 1).

Outra pesquisa, do Instituto Ibope Nielsen Online, mostra os usuários brasileiros

na posição de liderança no ranking de penetração do meio, ficando à frente de países

como Estados Unidos e Inglaterra8. Levantamento de março de 2010, do mesmo

instituto, aponta que 85,6% dos internautas brasileiros conectaram-se a redes, como 8 Cf. levantamento do instituto Ibope Nielsen Online, publicado em 13 de julho de 2009.

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Twitter e Facebook no mês. A estimativa do número de usuários é baseada em

pesquisas independentes, já que a empresa não informa oficialmente número de contas

ativas.

Mesmo diante de seu crescimento no país e adoção por parte dos internautas,

torna-se oportuno conceituar a ferramenta de microblogging, com caráter híbrido entre

blog, rede social e mensageiro instantâneo. Com limite de 140 caracteres por tweet, seus

textos podem ser escritos não apenas pelo site ou por programas específicos adaptados à

sua interface, mas também por meio de dispositivos móveis, como (como PDAs,

notebooks e smatphones).

Lançado em 2006, pela empresa Obvious, o sistema chama os usuários a se

comunicarem com seus followers9, em partir da pergunta: What are you doing?10 Sua

interface pode ser considerada como uma espécie de “blog simplificado”, na medida em

que possui os recursos inerentes ao formato blog – como publicação de conteúdo em

ordem cronológica inversa, interatividade e pessoalidade (RECUERO, 2003).

Uma das práticas adotadas pela ferramenta é a de tagging11, recurso utilizado

pelos usuários para categorizar temas de relevância e facilitar a recuperação de

mensagens sobre um mesmo assunto. “O hashtag, como foi batizado, é um fenômeno

emergente, um ‘protocolo social’ compartilhado pelas pessoas que conhecem o

processo” (Primo, 2008). Outra forma de classificação são os trending topics, utilizados

pelo próprio Twitter para medir, em tempo real, os temas mais comentados na rede

social. Por meio do sistema, é possível solicitar a classificação das expressões mais

postadas no mundo, em países específicos (Brasil, México, Reino Unido, Canadá,

Estados Unidos e Irlanda) e também em 13 cidades norte-americanas, além de São

Paulo e Londres.

IMPRENSA VIGIADA

Não é possível analisar as redes sociais, com suas práticas de sociabilidade,

isentando-as das formas de vigilância que lhe são inerentes. Segundo a pesquisadora

Fernanda Bruno,

Os sistemas de vigilância e monitoramento são imanentes a tais redes e são parte integrante tanto da eficiência do sistema, que monitora, arquiva e analisa

9 Seguidores10 O que você está fazendo?11 Palavra ou termo associado com uma informação que o descreve e permite uma classificação da informação baseada em palavras-chave.

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os dados disponibilizados pelos usuários de modo a otimizar seus serviços, quanto das relações sociais que aí se travam, as quais encontram um de seus motores na vigilância mútua e consentida. (BRUNO, 2009)

Essa vigilância a partir das relações sociais travadas não atinge apenas as

pessoas que integram o sistema, mas seus atores como um todo. Nesta análise, o foco

será dado à imprensa e seu posicionamento diante de situações que colocam seu poder,

isenção e monopólio em xeque, diante da possibilidade de “a massa” ou mesmo

indivíduos isolados terem voz.

Para exemplificar como a ferramenta tem atuado na reconfiguração das relações

de poder e na mudança do jogo de sentidos entre os grandes veículos, conforme dito

anteriormente, pretende-se analisar três fenômenos com características distintas, que

mostraram a força das mídias sociais e sua consequente repercussão nos grandes

veículos: o “Cala Boca Galvao”, o “erro na publicidade do Extra” e o “questionamento

da candidata à presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma

Rousseff, feito à Folha de São Paulo”.

A partir deles, objetiva-se demonstrar que posicionamentos, erros, distrações ou

gafes cometidas pela imprensa, que antes poderiam passar despercebidos aos olhos de

muitos, hoje são potencializados por meio da ferramenta, que possibilita amplas

discussões e exige da grande imprensa uma reposta, dada a repercussão atingida.

Uma das formas que se buscou para medir o impacto da utilização de tais redes

foi a análise do material utilizado em sites informativos a partir da expressão

“desmentiu pelo Twitter”. Para isso foi realizado levantamento junto ao Google

Notícias12, no período compreendido entre os dias 23 de junho e 15 de julho13. Segundo

os dados obtidos, o termo "desmentiu pelo Twitter" foi utilizado em 2.633 matérias de

sites de conteúdo noticioso indexados pelo Google Notícias em período inferior a um

mês.

Não é necessário fazer uma análise aprofundada para perceber que na maioria

dos termos, os usuários são pessoas públicas que discordaram de alguma declaração

publicada na imprensa. Conforme o jornalista e escritor Eugênio Bucci em Sobre Ética

e Imprensa, os veículos de informação devem “reconhecer erros substativos e corrigi-

los pronta e exlicitamente” (BUCCI, 2006, p. 230). A partir do levantamento, não é

possível avaliar se os personagens tentaram, junto aos veículos, uma forma de

12 O Google Notícias é um site automatizado de informações que reúne em torno de 1.500 fontes de notícias em português, conforme informações do próprio site.13 O período disponível para pesquisa de notícias no site do Google Notícias.

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divulgação de errata ou de retratação. No entanto, a ferramenta possibilita, aos usuários

a possibilidade de vocalização, dispensando a presença de mediadores (no caso a

imprensa).

“CALA BOCA GALVAO”

Um dos fenômenos que mais mobilizaram os usuários da rede durante a Copa do

Mundo foi o “Cala boca Galvao” que ganhou força poucos dias após o início do

mundial. Segundo levantamento compilado pela revista Veja14, na edição 2170, de 26 de

junho de 2010, cerca de 1,2 milhão de comentários foram postados no Twitter no

período de uma semana (entre os dias 10 e 17 de junho de 2010), questionando o

principal narrador da Rede Globo, Galvão Bueno, há 29 na emissora de maior audiência

do Brasil. O movimento ganhou proporção internacional, motivado pela criação de uma

falsa campanha para salvar um pássaro brasileiro ameaçado de extinção (Save Galvão

Birds), que se espalhou entre usuários de todo o planeta e fez com que o tema atingisse

a liderança mundial entre os trending topics. (Figura 2)

De acordo com busca realizada somente junto aos sites de notícias indexados

pelo Google no período entre 15 de junho de 2010 e 15 de julho do mesmo ano, foram

divulgadas 765 notícias em veículos do Brasil com a expressão “Cala Boca Galvao”.

14 http://bit.ly/vejadigital

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Diante de tamanha repercussão, que chegou a grandes jornais internacionais,

como The New York Times e El País o narrador, que inicialmente havia negado

conhecer o movimento na internet, pronunciou-se em entrevista15 na própria emissora,

que dedicou reportagem de seis minutos ao tema. A Rede Globo, que sempre divulgou,

durante jogos de futebol, faixas com dizeres como “Filma eu Galvão”, achou necessário

dar explicações.

ERRO NA PUBLICAÇÃO DE PUBLICIDADE

Outra situação que causou burburinho na rede durante os meses de Copa do

Mundo foi a publicação de um anúncio no caderno especial Copa 2010 da edição do dia

29 de junho, do jornal Folha de São Paulo, em que os supermercados Extra dão adeus à

seleção brasileira no Mundial. A propaganda foi divulgada na data seguinte a uma

vitória da seleção brasileira que garantiu a classificação para as oitavas de final.

Postada no Twitter, a informação ganhou repercussão e mais de mil menções ao

tema apenas na parte da manhã, segundo dados da empresa de consultoria E.Life16.

Diante do movimento, o presidente do Conselho administrativo do Grupo Pão de

Açúcar, Abílio Diniz, veio a público desculpar-se pelo equívoco cometido pelo jornal,

usando, para isso, o seu próprio perfil no Twitter (@abilio_diniz).

No jornal, o erro, foi corrigido em publicidade de uma página inteira no caderno

principal da edição seguinte e também por meio de errata de publicidade no caderno de

esportes do veículo. Na edição do dia 4 de julho, o tema voltou a ser discutido na coluna

Ombudsman pela ocupante do cargo de mesmo nome, Suzana Singer, sob o título “A

Folha errou; alegria no Twitter” (página A8 - Poder). Na coluna, a jornalista admite que

“além da fúria do anunciante, a Folha sentiu a força do boca a boca na era digital”. E

também mostrou posicionamentos diversos, como o de leitores questionando a

veracidade e exatidão dos fatos apurados pelo veículo “Como vocês garantem que não

cometem esses erros na apuração das matérias?”.

A FALA DE DILMA

A exemplo do que ocorreu nas eleições presidenciais norte-americanas de 2008,

as mídias sociais também têm sido amplamente utilizadas por candidatos brasileiros nas 15 http://www.youtube.com/watch?v=EBNv0dSdmBc16 http://bit.ly/pesquisaelife

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campanhas presidenciais e de deputados estaduais, federais e senadores que ocorrem em

2010. Diante da possibilidade de falar diretamente ao público sem a presença de

intermediários, tais ferramentas, sobretudo o Twitter, têm sido um canal a mais para os

candidatos ampliarem seu contato junto aos eleitores.

A maioria dos presidenciáveis já se lançou nas redes sociais. As ações, que

anteriormente eram acompanhadas somente pela imprensa e também pelos blogs de

campanha, agora podem ser seguidas em tempo real, pela timeline17 dos usuários que

seguem os candidatos.

Um episódio que serve como exemplo da utilização da ferramenta envolveu a

candidata à presidência pelo PT, Dilma Rousseff. No dia 14 de abril de 2010, a até

então pré-candidata postou em seu Twitter uma informações questionando um trecho de

seu discurso publicado na edição do dia 11 de abril na Folha de São Paulo. “"Mandei

uma carta para a Folha de São Paulo, ontem, porque na matéria de domingo o jornal

atribuiu a mim um trecho de frase que eu não disse..." Em outro tweet postou: "'Eu não

fugi da luta e não deixei o Brasil.' Falei que não fugia da luta. Não falei nada referente a

sair do Brasil. Coisas bem diferentes.” Em seguida, publicou link do Youtube, que

mostra a gravação do discurso com a fala referida (Figura 3).

No dia seguinte ao post, a Folha de São Paulo publicou errata, comunicando o

equívoco “em parte dos exemplares” do jornal (Figura 4).

17 Linha do tempo que classifica, por ordem cronológica, as informações postadas pelos followings no Twitter

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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A sociedade está presenciando profundas modificações nas formas de se

transmitir e mesmo de “consumir” informações. O limite entre o produtor e o

consumidor de conteúdo, na atualidade, é uma linha tênue, e a “inteligência coletiva

pode ser vista como uma fonte alterntiva de poder midiático” (JENKINS, 2009, p.30).

No atual cenário, também é importante destacar o crescimento do poder de vigilância,

que ocorre por todos os lados, em todos os sentidos, atingindo cada ator da rede. A

imprensa, principalmente os grandes veículos, não está imune a este poder e uma das

proposições deste artigo foi mostrar que sua isenção e monopólio estão sendo colocados

em xeque, a partir de fenômenos que mostram que a população, ou mesmo indivíduos

isolados, têm a possibilidade da vocalização e de serem ouvidos. É como se a imprensa

estivesse nua, já parte dos atores envolvidos têm a possibilidade de questionar,

acrescentar e discordar.

Tal movimento é relativamente recente e os veículos estão procurando formas de

se adaptar a estas situações, contratando profissionais especializados, para medir o

buzz18e também para interagir com um público cada vez mais ativo e diverso daquele

conhecido até então.

Nesse contexto, o Twitter vem ganhando força, e um dos fenômenos que

merecem mais atenção por parte dos veículos midiáticos é a questão do desmentido. Por

meio do dado obtido pelo Google Notícias não é possível traçar um parâmentro de

comparação e nem mostrar o real significado dos números. No entanto, é preciso que os

veículos fiquem atentos a este crescimento e também que levem em consideração o fato

de muitas informações hoje já não passarem mais por estes mediadores. É preciso

ponderar, contudo, com dados que mostram a exclusão digital no país. Os brasileiros

com acesso à internet em 2008 atingiram 56 milhões, o que representa 34,8% da

população do Brasil, segundo levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE).

Diante deste contexto, a expansão das redes sociais não significa, conforme

lembrou Primo (2008), “que estejamos alcançando um estágio de total transparência.

Nem tampouco se pode pensar que as instituições midiáticas e o capital transnacional

estejam perdendo sua força”. Mas é importante atentar para a reconfiguração destes

veículos diante de uma nova realidade de convergência, na qual todo o sistema de

informação passou por uma reengenharia, saindo de um sistema top-down19 com pouca

18 Barulho na rede.19 De cima para baixo.

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propensão de feedback, “para um tipo de rede neural de jornalismo”, em direção ao

bottom-up20, como afirmou Johnson (2003). Pretende-se deixar claro neste artigo, que o

atual ambiente não traz um embate entre veículos tradicionais e as redes socias, mas

uma relação rizomática em que ambos se beneficiam dos conteúdos que transitam na

rede, em direção a uma inteligência coletiva.

BIBLIOGRAFIA

ANDERSON, C. A cauda longa: Do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006

BRUNO, F. Mapas de crime: vigilância distribuída e participação na cibercultura.IN: ENCONTRO DA COMPÓS, 38. Belo Horizonte, MG, PUC, 2009. Disponível em: <http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1170.pdf>. Acesso em 12 de Jun. 2010.

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