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1 Porto Alegre, 2 de abril de 2020. Boletim Técnico nº 72/2020 Decreto Estadual nº 55.154, de 1º de abril de 2020, que reitera a declaração de estado de calamidade pública em todo território do Rio Grande do Sul, para fins de prevenção e enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus) e revoga o Decreto Estadual nº 55.128, de 19 de março de 2020, e suas alterações. Considerações. 1. Foi publicado, no Diário Oficial do Estado, em 2ª edição, e republicado em 4ª edição, de 1º de abril, o Decreto nº 55.154, que reitera a declaração de estado de calamidade pública em todo o território do Rio Grande do Sul para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus). Como regra geral, o art. 45 estabelece que as suas medidas são vigentes até 30 de abril, exceto nos casos de fechamento de comércio e convocação e servidores púbicos, que vigorarão até 15 de abril, bem como outras medidas com prazo especificamente estabelecido. Conforme art. 48, o novo Decreto Estadual nº 55.154/2020 entrou em vigor na data da sua publicação e revogou os seguintes: Decreto nº 55.115, de 12 de março de 2020, que dispõe sobre medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo COVID-19 (novo Coronavírus), para os órgãos e entidades da Administração Pública Estadual direta e indireta, e as medidas complementares estabelecidas no Decreto nº 55.118, de 16 de março de 2020; Decreto nº 55.128, de 19 de março de 2020, exceto o "caput" do seu art. 1º, e o seu art. 12 1 ; e as alterações promovidas pelo Decreto 1 Com isso, manteve-se em vigor o art. 1º, caput, do Decreto Estadual nº 55.128, de 19 de março de 2020, consistente na declaração original de calamidade pública por conta da pandemia do novo

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Porto Alegre, 2 de abril de 2020.

Boletim Técnico nº 72/2020

Decreto Estadual nº 55.154, de 1º de abril de 2020, que reitera a declaração de estado de calamidade pública em todo território do Rio Grande do Sul, para fins de prevenção e enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus) e revoga o Decreto Estadual nº 55.128, de 19 de março de 2020, e suas alterações. Considerações.

1. Foi publicado, no Diário Oficial do Estado, em 2ª edição, e

republicado em 4ª edição, de 1º de abril, o Decreto nº 55.154, que reitera a declaração

de estado de calamidade pública em todo o território do Rio Grande do Sul para fins

de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo

Coronavírus). Como regra geral, o art. 45 estabelece que as suas medidas são

vigentes até 30 de abril, exceto nos casos de fechamento de comércio e convocação

e servidores púbicos, que vigorarão até 15 de abril, bem como outras medidas com

prazo especificamente estabelecido. Conforme art. 48, o novo Decreto Estadual

nº 55.154/2020 entrou em vigor na data da sua publicação e revogou os seguintes:

Decreto nº 55.115, de 12 de março de 2020, que dispõe

sobre medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo COVID-19 (novo

Coronavírus), para os órgãos e entidades da Administração Pública Estadual direta e

indireta, e as medidas complementares estabelecidas no Decreto nº 55.118, de 16 de

março de 2020;

Decreto nº 55.128, de 19 de março de 2020, exceto o

"caput" do seu art. 1º, e o seu art. 121; e as alterações promovidas pelo Decreto

1 Com isso, manteve-se em vigor o art. 1º, caput, do Decreto Estadual nº 55.128, de 19 de março de 2020, consistente na declaração original de calamidade pública por conta da pandemia do novo

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55.130, de 20 de março de 2020; Decreto nº 55.135, de 23 de março de 2020, exceto

seu art. 3º2; Decreto nº 55.136, de 24 de março de 2020; Decreto nº 55.149, de 26 de

março de 2020; e Decreto nº 55.150, de 28 de março de 2020.

2. A publicação do Decreto Estadual nº 55.154, em 1º de abril

de 2020, foi anunciada pelo próprio Governador do Estado do Rio Grande do Sul,

Eduardo Leite, por meio de redes sociais, na internet, no dia 31 de março, horas antes

de ser divulgado pelo Diário Oficial do Estado. De acordo com seus pronunciamentos,

a partir do acompanhamento de dados epidemiológicos fornecidos pelas autoridades

sanitárias, o Poder Executivo Estadual entendeu ter chegado o tempo em que se

fazem necessárias restrições mais rígidas em relação à circulação de pessoas, para

evitar a propagação do Coronavírus e o adoecimento da população. Alega a

necessidade disso em razão de que muitas Administrações Municipais estavam

prestes a relaxar as medidas de afastamento social, voltando a permitir o

funcionamento do comércio, justamente em um momento que impõe um tratamento

mais rigoroso em relação ao contato social. Assumiu a relevância dos Municípios na

fiscalização das medidas determinadas na nova normativa, mas alertou que a não

observância das novas regras pode, inclusive, gerar a caracterização de crime de

responsabilidade, por parte dos agentes públicos municipais, dado que são medidas

sanitárias que visam a salvaguarda da vida e da saúde da população.

Coronavírus, bem como a alteração que o Decreto Estadual nº 55.128/2020 promoveu no inciso I do art. 7º-D do Decreto Estadual nº 51.803, de 10 de setembro de 2014, para estender o prazo de regularização de áreas de risco de incêndio existentes e não licenciadas pelo Corpo de Bombeiros Militar, que deveriam, a partir de 27 de março de 2020, estar dotados de sistemas de extintores de incêndio, de sinalização de emergência e de treinamento de pessoal, independente de protocolo de Projeto de Prevenção Contra Incêndio – PPCI, cujo novo prazo ficou para 27 de junho de 2020. 2 Também foi mantido o art. 3º do Decreto Estadual nº 55.135, de 23 de março de 2020, que promoveu alterações no Decreto Estadual nº 55.129, de 19 de março de 2020, que instituiu o Gabinete de Crise para o Enfrentamento da Epidemia de COVID-19, o Conselho de Crise para o Enfrentamento da Epidemia COVID-19, Grupo Interinstitucional de Monitoramento das Ações de Prevenção e Mitigação dos efeitos do COVID-19 no Sistema Prisional do Estado do Rio Grande do Sul e o Centro de Operação de Emergência - COVID 19 (COE COVID-19).

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3. O novo Decreto Estadual nº 55.154/2020 consolida uma série

de regras que já vigoravam desde a declaração de calamidade pública estadual, pelo

Decreto nº 55.128, publicado em 20 de março, inovando em relação às medidas

aplicáveis à sociedade civil, em especial aos estabelecimentos comerciais, neles

compreendidos os de prestação de serviço. Também estabelece, de forma mais clara

que as normas anteriores, o âmbito de atuação dos Municípios, restringindo, mais uma

vez, as suas competências legislativa e material, determinadas pelo art. 30, incisos I

e II, da Constituição da República, conforme referimos nos nossos Boletins Técnicos

nº 45, de 24 de março, e nº 55, de 27 de março, deste ano. Trata-se de uma

problemática situada no campo do direito constitucional, que esgarça as relações

federativas, colocando em xeque a própria organização do poder político no território

brasileiro. Assim, inobstante a grave crise sanitária que o país atravessa, com severas

consequências econômicas e sociais, também as instituições representativas dos

poderes republicanos, em suas relações políticas, acabam gerando desnecessárias

tensões, tanto por normas jurídicas que extrapolam as suas competências

constitucionais, quanto por pronunciamentos em que a posição adotada busca

responsabilizar terceiros pelas consequências inevitáveis do cenário atual.

4. Ainda assim, está em vigor o Decreto Estadual

nº 55.154/2020, que se organiza basicamente em cinco capítulos:

Capítulo I Medidas Emergenciais

Capítulo II Das Medidas Emergenciais no Âmbito da

Administração Pública Estadual

Capítulo III Da Suspensão de Prazos e Prorrogação de

Contratos e Outros Instrumentos

Capítulo IV Das Medidas no Âmbito da Secretaria Estadual

de Saúde

Capítulo V Das Medidas Emergenciais no Âmbito dos

Municípios

Capítulo VI Das Disposições Finais

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Concentraremos a abordagem, nesse Boletim Técnico, em

relação aos arts. 1º e 2º, que trazem disposições gerais não abrangidas no Capítulo I,

ao próprio Capítulo I e aos Capítulos V e VI, pela aplicabilidade direta no âmbito dos

Municípios, seja por regular as condutas das pessoas físicas e jurídicas em seu

território, seja por determinar-lhes atuação específica em relação à calamidade

estadual decretada.

DISPOSIÇÕES GERAIS

5. O Decreto Estadual nº 55.154/2020 reitera o estado de

calamidade pública em todo o território do Rio Grande do Sul, declarado por meio

do Decreto nº 55.128, de 19 de março de 2020, e reconhecido pela Assembleia

Legislativa por meio do Decreto Legislativo nº 11.220, de 19 de março de 2020, mas,

diferentemente da normativa anterior, não mais estabelece prazo previsto para a sua

duração.

6. O art. 2º determina uma obrigação, no território estadual, às

autoridades públicas, aos servidores e aos cidadãos, de adoção de todas as medidas

e providências necessárias para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia

causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus), de acordo com o que estabelece o

Decreto nº 55.154/2020, determinando, ainda, como medidas sanitárias de adoção

obrigatória por todos, entre outras, as três seguintes: (a) a observância do

distanciamento social, restringindo a circulação, as visitas e as reuniões presenciais

de qualquer tipo ao estritamente necessário; (b) a observância de cuidados pessoais,

sobretudo da lavagem das mãos, antes e após a realização de quaisquer tarefas, com

a utilização de produtos assépticos, como sabão ou álcool em gel 70% (setenta por

cento), bem como da higienização, com produtos adequados, dos instrumentos

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domésticos e de trabalho; (c) a observância de etiqueta respiratória, cobrindo a boca

com o antebraço ou lenço descartável ao tossir ou espirrar.

DAS MEDIDAS EMERGENCIAIS

7. O art. 3º do Decreto Estadual nº 55.154/2020, assumindo ter

se fundamentado em evidências científicas e análises sobre as informações

estratégicas em saúde – as quais não são sequer referidas nas cláusulas de

“considerações” do próprio Decreto –, refere que as medidas determinadas são

limitadas ao indispensável à promoção e à preservação da saúde pública, com

fundamento no art. 3º da Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para fins

de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo

Coronavírus).

Nessa esteira, o art. 4º, ao tratar das medidas obrigatórias

para estabelecimentos industriais e comerciais – nestes compreendidos os de

prestação de serviços, conforme § 1º do art. 5º, tais como lojas, centros comerciais,

teatros, cinemas, casas de espetáculos, dentre outros, que impliquem atendimento ao

público, em especial, mas não só, os com grande afluxo de pessoas –, bem como

restaurantes, bares e lanchonetes, quando permitido o seu funcionamento,

estabelece as seguintes:

higienizar, após cada uso, durante o período de

funcionamento e sempre quando do início das atividades, as superfícies de toque

(mesas, equipamentos, cardápios, teclados etc.), preferencialmente com álcool em

gel 70% (setenta por cento) ou outro produto adequado;

higienizar, preferencialmente após cada utilização ou, no

mínimo, a cada 3 (três) horas, durante o período de funcionamento e sempre quando

do início das atividades, os pisos, as paredes, os forros e o banheiro,

preferencialmente com água sanitária ou outro produto adequado;

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manter à disposição, na entrada no estabelecimento e em

local de fácil acesso, álcool em gel 70% (setenta por cento), para a utilização dos

clientes e dos funcionários do local;

manter locais de circulação e áreas comuns com os

sistemas de ar condicionados limpos (filtros e dutos) e, obrigatoriamente, manter pelo

menos uma janela externa aberta ou qualquer outra abertura, contribuindo para a

renovação de ar;

manter disponível "kit" completo de higiene de mãos nos

sanitários de clientes e de funcionários, utilizando sabonete líquido, álcool em gel 70%

(setenta por cento) e toalhas de papel não reciclado;

manter louças e talheres higienizados e devidamente

individualizados de forma a evitar a contaminação cruzada;

adotar sistemas de escalas, de revezamento de turnos e

de alterações de jornadas, para reduzir fluxos, contatos e aglomerações de seus

funcionários;

diminuir o número de mesas ou estações de trabalho

ocupadas no estabelecimento de forma a aumentar a separação entre elas,

diminuindo o número de pessoas no local e garantindo o distanciamento interpessoal

de, no mínimo, dois metros;

fazer a utilização, se necessário, do uso de senhas ou outro

sistema eficaz para evitar filas ou aglomeração de pessoas;

dispor de protetor salivar eficiente nos serviços ou

refeitórios com sistema de "buffet";

determinar a utilização pelos funcionários encarregados de

preparar ou de servir alimentos, bem como pelos que, de algum modo, desempenhem

tarefas próximos aos alimentos, do uso de Equipamento de Proteção Individual - EPI

adequado;

manter fixado, em local visível aos clientes e funcionários,

de informações sanitárias sobre higienização e cuidados para a prevenção do COVID-

19 (novo Coronavírus);

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instruir seus empregados acerca da obrigatoriedade da

adoção de cuidados pessoais, sobretudo da lavagem das mãos ao fim de cada turno,

da utilização de produtos assépticos durante o desempenho de suas tarefas, como

álcool em gel 70% (setenta por cento), da manutenção da limpeza dos instrumentos

de trabalho, bem como do modo correto de relacionamento com o público no período

de emergência de saúde pública decorrente do COVID-19 (novo Coronavírus);

afastar, imediatamente, em quarentena,

independentemente de sintomas, pelo prazo mínimo de 14 (quatorze) dias, das

atividades em que exista contato com outros funcionários ou com o público, todos os

empregados que regressarem de localidades em que haja transmissão comunitária

do COVID-19, conforme boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde, bem como

aqueles que tenham contato ou convívio direto com caso suspeito ou confirmado;

afastar, imediatamente, em quarentena, pelo prazo mínimo

de 14 (quatorze) dias, das atividades em que exista contato com outros funcionários

ou com o público todos os empregados que apresentem sintomas de contaminação

pelo COVID-19, conforme o disposto no art. 42 do Decreto Estadual nº 55.154/2020.

7.1. Como se pode verificar, essas medidas sanitárias são

objetivas e de fácil compreensão. As duas últimas, que correspondem aos incisos XIV

e XV do art. 4º, parecem, entretanto, extrapolar as questões sanitárias e interferir

diretamente na iniciativa privada, em especial nas relações laborais entre empresas e

empregados, posto que obriga aqueles a afastarem, imediatamente, para quarentena,

pelo prazo mínimo de 14 (quatorze) dias, funcionários que tenham regressado de

localidades em que haja transmissão comunitária do vírus ou que apresentem

sintomas de contaminação pelo COVID-19. Embora louvável a pretensão estatal de

preservação da saúde coletiva, é necessário considerar que o próprio Governo do

Estado do Rio Grande do Sul, bem como o Ministério da Saúde, por meio da Portaria

nº 454, de 20 de março de 2020, já declararam o Estado do Rio Grande do Sul, bem

como todo território nacional, como em estado de transmissão comunitária de COVID-

19.

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7.2. Além disso, é imperioso reportar a reserva legal para

normatizar e regular a atividade econômica, como no caso, nos termos do art. 174 da

Constituição da República, sendo competência legislativa privativa da União, nos

termos do art. 22, inciso I, dispor sobre direito trabalhista. Neste ponto, convém frisar

que o trabalho, além de um direito fundamental social, estabelecido no art. 6º e

disciplinado no art. 7º da Constituição, é um dos valores sociais, juntamente com a

livre iniciativa, da República Federativa do Brasil, conforme inciso IV do art. 1º. Assim,

restringir os valores que fundamentam a forma de Estado e a forma de Governo

elegidas pelo constituinte originário, em 1988, deve merecer tratamento legal, em

âmbito nacional, e não de forma precária, por decreto de Estado-membro, cujas

competências constitucionais são residuais, nos termos do art. 25 da Constituição.

7.3. Considerando, entretanto, que a norma está em vigor,

convém também referir que a medida sanitária do art. 4º, inciso VIII, para indústria,

comércio e prestação de serviços, de distanciamento interpessoal mínimo de 2 (dois)

metros, pode ser reduzida, na forma do parágrafo único, para o mínimo de 1 (um)

metro, no caso de utilização de Equipamentos de Proteção Individual - EPIs -

adequados para evitar contaminação e transmissão do COVID-19 (novo Coronavírus).

FUNCIONAMENTO DO COMÉRCIO (INCLUÍDO SERVIÇOS) E DA INDÚSTRIA

8. Uma das questões mais tormentosas acerca das medidas

excepcionais para a contenção e o enfrentamento da pandemia de COVID-19 diz

respeito à possibilidade de funcionamento, ou não, dos empreendimentos privados,

ou seja, produção agropecuária, comércio, prestação de serviços, indústria e

construção civil. Neste sentido, duas regras do Decreto Estadual nº 55.154/2020 são

relevantes: o art. 5º, inserido na Seção II do Capítulo II, que dispõe “Do fechamento

excepcional e temporário dos estabelecimentos comerciais”, e o art. 17, na Seção XIII

do mesmo Capítulo II, que trata “Das atividades e serviços essenciais”.

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8.1. Estabelece o art. 5º do Decreto Estadual nº 55.154/2020:

Art. 5º Fica proibida, diante das evidências científicas e análises sobre as informações estratégicas em saúde, observado o indispensável à promoção e à preservação da saúde pública, para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus),com fundamento no art. 3º da Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020,a abertura para atendimento ao público, em caráter excepcional e temporário, dos estabelecimentos comerciais situados no território do Estado do Rio Grande do Sul.

§ 1º Consideram-se estabelecimentos comerciais para os fins do disposto no "caput" todo e qualquer empreendimento mercantil dedicado ao comércio ou à prestação de serviços, tais como lojas, centros comerciais, teatros, cinemas, casas de espetáculos, dentre outros, que impliquem atendimento ao público, em especial, mas não só, os com grande afluxo de pessoas.

§ 2º Não se aplica o disposto no "caput" às seguintes hipóteses:

I - à abertura de estabelecimentos que desempenhem atividades consideradas essenciais conforme o estabelecido no art. 17 deste Decreto, cujo fechamento fica vedado;

II - à abertura de estabelecimentos para o desempenho de atividades estritamente de tele-entregas e "take-away", vedada, em qualquer caso, a aglomeração de pessoas;

III - aos estabelecimentos industriais de qualquer tipo, inclusive da construção civil, vedado, em qualquer caso, o atendimento ao público que importe aglomeração ou grande fluxo de clientes.

IV - aos estabelecimentos comerciais que forneçam insumos às atividades essenciais ou à indústria, inclusive a da construção civil, vedado, em qualquer caso, o atendimento ao público que importe aglomeração ou grande fluxo de clientes;

V - aos estabelecimentos de prestação de serviços, ainda que não essenciais, que não atendam ao público.

A regra geral, estabelecida no caput do art. 5º, é o

fechamento, temporário e excepcional, do comércio, em todo o território do Rio

Grande do Sul, até 15 de abril de 2020, conforme art. 45, inciso I, do Decreto Estadual

nº 55.154/2020. É preciso considerar, nos termos da Lei Complementar nº 95, de 26

de fevereiro de 1998, que estabelece normas de técnica legislativa, que os parágrafos

enunciam aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo, bem

como às suas exceções (art. 11, inciso III, alínea “c”).

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Assim, de fato, o § 1º enuncia uma complementação à regra

do caput do art. 5º, ao considerar na definição de “estabelecimentos comerciais”

abrangidos todo e qualquer empreendimento mercantil dedicado ao comércio ou à

prestação de serviços, como lojas, centros comerciais, teatros, cinemas, casas de

espetáculos, dentre outros, que impliquem em atendimento ao público, em especial,

mas não só, os com grande afluxo de pessoas. Sana-se assim, uma dúvida que havia

quando da vigência do revogado Decreto Estadual nº 55.128/2020, que não tratava

expressamente dos empreendimentos de prestação de serviços.

O § 2º do art. 5º, por sua vez, estabelece as exceções, ou

seja, as atividades comerciais e de prestação de serviços que poderão funcionar

durante o período da calamidade pública no território do Rio Grande do Sul. São

5 (cinco) hipóteses, como visto na transcrição acima. A relativa aos estabelecimentos

que desempenham atividades consideradas essenciais (inciso I), serão tratadas no

item 8.2 deste Boletim Técnico. Os estabelecimentos industriais de qualquer tipo,

que incluem a construção civil, também estão autorizados, assim como os

comércios que forneçam insumos a essas atividades, bem como às atividades

essenciais (incisos III e IV). Em qualquer caso, é vedado o atendimento ao público

que importe aglomeração ou grande fluxo de clientes. Também estão autorizados ao

funcionamento os estabelecimentos de prestação de serviços, ainda que não

essenciais, mas que não atendam ao público presencialmente, o que permitiria o

trabalho a portas fechadas, como em escritórios de contabilidade e advocacia, desde

que com equipes reduzidas, trabalho domiciliar e atendimentos remotos, por exemplo,

mas impediria outros serviços, como os de estética3, cuja prestação é diretamente

dependente da presença e do contato com o público (inciso V).

3 Em relação ao funcionamento de estéticas, salões de beleza e barbearias, adotamos, em nossa interpretação, a premissa de que tais atividades não são consideradas como acessórias e de suporte indispensável às de “assistência à saúde”, razão pela qual não se enquadram como essenciais e, consequentemente, não poderão funcionar. Essas atividades, nessa perspectiva, também não podem se aproveitar da autorização de funcionamento prevista no art. 5º, §2º, V, do Decreto Estadual, pois esse só permite atuação dos estabelecimentos de prestação de serviços, ainda que não essenciais, que não atendam ao público, e, o atendimento ao público, é inerente à estéticas, salões de beleza e barbearias. Contudo, existem interpretações diferentes, que partem do pressuposto de que tais serviços são atividades acessórias e de suporte indispensável às de “assistência à saúde”,

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A hipótese de mais difícil compreensão é a do inciso II, que

trata da “abertura de estabelecimentos para o desempenho de atividades estritamente

de tele-entregas e “take-away”, vedada, em qualquer caso, a aglomeração de

pessoas”. A primeira consideração, inevitável no processo de interpretação, é pela

redação da norma, que não prima nem pelo léxico, nem pela técnica. Ainda assim,

considerando-se as palavras escolhidas pelo legislador estadual, tem-se que é

possível o funcionamento de estabelecimentos que executem atividades

exclusivamente por meio de tele-entrega de produtos ou retirada destes no local.

Algumas considerações, entretanto, são relevantes. A primeira diz respeito ao

emprego da palavra “estritamente”, que conduz ao sentido de se tratar de uma forma

rigorosa, precisa ou absoluta de atuação. A segunda, à utilização das expressões

“tele-entrega e ‘take-away’” (essa última traduzida livremente, do inglês, como

retirada), que conduzem à conclusão de que o cliente não adentra no estabelecimento

para examinar, escolher ou experimentar produtos, esperar atendimento, conversar

com pessoas ou realizar atos pré-negociais. Pressupõem-se que estes atos já tenham

sido realizados, por telefone ou pela internet, cabendo ao fornecedor do produto

realizar apenas a entrega no domicílio do cliente ou na porta, quando muito e não

preferencialmente, no balcão do seu estabelecimento – hipótese em que seriam

aplicáveis todas as medidas sanitárias do art. 4º do Decreto Estadual nº 55.154/2020

e vedada a aglomeração de pessoas.

classificando-se como essenciais e, por isso, defendendo o seu funcionamento que, pela natureza própria dos serviços, seria com atendimento presencial, inclusive, respeitadas as restrições sanitárias do Decreto Estadual (art. 4º) e mais as eventualmente estabelecidas, com fundamento em critério sanitário, pelo Município (número simultâneo de atendimentos, por exemplo). Esta interpretação parte, como fundamento, do art. 5º, §2º, I, c/c art. 17, §1º, I e §2º e art. 44.

O Município, no entanto, ao fim e ao cabo, é quem tem a competência, com fundamento em estudos técnicos, evidências científicas e análise sobre as informações estratégicas em saúde (art. 3º, §1º, da Lei Federal 13.979/2020, citado expressamente pelo caput do art. 5º do Decreto Estadual), para definir quais são as atividades acessórias e de suporte indispensável às de “assistência à saúde”, de modo a enquadrar ou não determinado serviço ou atividade, como de estéticas, salões de beleza e barbearias, entre o rol das essenciais. O ponto a destacar, nessa leitura, é que o Município não terá como não aplicar essa linha de interpretação a outras atividades semelhantes e/ou correlatas, sob pena de violar a isonomia. Então, se as atividades de estéticas, salões de beleza e barbearias forem entendidas como acessórias e de suporte indispensáveis às de “assistência à saúde”, pela lógica será difícil não incluir, nesse mesmo conceito, outros serviços, como, por exemplo, academias de ginástica, centros de massagem, estúdios de pilates, atividades desenvolvidas por personal trainers, entre outras.

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Inclinamo-nos a entender que a redação do inciso II do § 2º

do art. 5º é aplicável a todo e qualquer estabelecimento comercial, mesmo os que

desempenham atividades mercantis não classificadas como essenciais, na forma do

art. 17 do Decreto Estadual nº 55.154/2020. Isso porque, de acordo com a redação do

caput do art. 5º, “Fica proibida, [...] a abertura para atendimento ao público, em caráter

excepcional e temporário, dos estabelecimentos comerciais situados no território do

Estado do Rio Grande do Sul”. Logo, se não houver abertura para atendimento ao

público, qualquer estabelecimento comercial poderá funcionar. Por isso a regra de

tele-entrega ou retirada – e apenas e tampouco a retirada do produto, na embalagem

de entrega – no local.

8.2. O que muda do funcionamento desses estabelecimentos

comerciais para aqueles de serviços ou atividades essenciais é que esses, por sua

vez, podem fazer atendimento ao público, adotadas as medidas sanitárias

determinadas no art. 4º. Neste sentido, importa considerar quais são os serviços e as

atividades essenciais, no território do Estado, nos termos do art. 17 do Decreto

Estadual nº 55.154/2020:

Art. 17. As medidas estaduais e municipais para fins de prevenção e de enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus) deverão resguardar o exercício e o funcionamento das atividades públicas e privadas essenciais, ficando vedado o seu fechamento.

§ 1º São atividades públicas e privadas essenciais aquelas indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim consideradas aquelas que, se não atendidas, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como:

I - assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares;

II - assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade;

III - atividades de segurança pública e privada, incluídas a vigilância, a guarda e a custódia de presos;

IV - atividades de defesa civil;

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V - transporte de passageiros e de cargas, observadas as normas específicas;

VI - telecomunicações e internet;

VII - serviço de "call center";

VIII - captação, tratamento e distribuição de água;

IX - captação e tratamento de esgoto e de lixo;

X - geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, incluído o fornecimento de suprimentos para o funcionamento e a manutenção das centrais geradoras e dos sistemas de transmissão e de distribuição de energia, além de produção, transporte e distribuição de gás natural;

XI - iluminação pública;

XII - produção, distribuição, transporte, comercialização e entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de produtos de saúde, de higiene, de alimentos e de bebidas;

XIII - serviços funerários;

XIV - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, de equipamentos e de materiais nucleares;

XV - vigilância e certificações sanitárias e fitossanitárias;

XVI - produção e distribuição de numerário à população e manutenção da infraestrutura tecnológica do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro;

XVII - prevenção, controle e erradicação de pragas dos vegetais e de doença dos animais;

XVIII - inspeção de alimentos, de produtos e de derivados de origem animal e vegetal;

XIX - vigilância agropecuária;

XX - controle e fiscalização de tráfego;

XXI - serviços de pagamento, de crédito e de saque e de aporte prestados pelas instituições supervisionadas pelo Banco Central do Brasil, obedecido, quanto ao atendimento ao público, o disposto no § 15 do art. 2º deste Decreto;

XXII - serviços postais;

XXIII - serviços de imprensa e as atividades a eles relacionados, por todos os meios de comunicação e de divulgação disponíveis, incluídos a radiodifusão de sons e de imagens, a internet, os jornais, as revistas, dentre outros;

XXIV - serviços relacionados à tecnologia da informação e de processamento de dados "data center" para suporte de outras atividades previstas neste Decreto;

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XXV - atividades relacionadas à construção, manutenção e conservação de estradas e de rodovias;

XXVI - atividades de fiscalização em geral, em âmbito municipal e estadual;

XXVII - produção de petróleo e produção, distribuição e comercialização de combustíveis, de gás liquefeito de petróleo e de demais derivados de petróleo;

XXVIII - monitoramento de construções e de barragens que possam acarretar risco à segurança;

XXIX - levantamento e análise de dados geológicos com vistas à garantia da segurança coletiva, notadamente por meio de alerta de riscos naturais e de cheias e de inundações;

XXX - mercado de capitais e de seguros;

XXXI - serviços agropecuários, veterinários e de cuidados com animais em cativeiro;

XXXII - atividades médico-periciais;

XXXIII - produção, distribuição e comercialização de equipamentos, de peças e de acessórios para refrigeração, serviços de manutenção, conserto e reparos de aparelhos de refrigeração, de elevadores e de outros equipamentos essenciais ao transporte, à segurança e à saúde, bem como à produção, à industrialização e ao transporte de cargas, em especial de alimentos, medicamentos e de produtos de higiene;

XXXIV - atividades de pesquisa, científicas, laboratoriais ou similares, relacionadas com a pandemia de que trata este Decreto;

XXXV - atividades de representação judicial e extrajudicial, de assessoria e de consultoria jurídicas exercidas pelas advocacias públicas, relacionadas à prestação regular e tempestiva dos serviços públicos.

Como se verifica, a relação do art. 17 do Decreto Estadual

nº 55.154/2020 repetiu, praticamente a lista do § 9º do art. 2º do Decreto Estadual

nº 55.128/2020, na redação dada pelo Decreto Estadual nº 55.150/2020. Contudo

suprimiu das atividades essenciais a “produção e distribuição de numerário à

população e manutenção da infraestrutura tecnológica do Sistema Financeiro

Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro” (que estava previsto em

duplicidade, na primeira publicação do Decreto Estadual nº 55.154/2020), e “serviços

de hotelaria e hospedagem”. A vantagem, na novel normativa publicada, é a inserção

do § 2º ao art. 17 que também considera essenciais, dentre outras, as atividades

acessórias de suporte indispensável às essenciais:

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§ 2º Também são consideradas essenciais, dentre outras, as seguintes atividades acessórias e de suporte indispensáveis às atividades e aos serviços de que trata o § 1º:

I - atividades e serviços de limpeza, asseio e manutenção de equipamentos, instrumentos, vestimentas e estabelecimentos;

II - atividades e serviços de produção, de importação, de comercialização, de transporte, de disponibilização, de reparo, de conserto, de substituição e de conservação de equipamentos, implementos, maquinário ou qualquer outro tipo de instrumento, vestimentas e estabelecimentos;

III - atividades e serviços de produção, de importação, de comercialização, de transporte e de disponibilização de todo e qualquer tipo de insumos, em especial os químicos, petroquímicos e plásticos;

IV - atividades e serviços de produção, de importação, de comercialização, de transporte e de disponibilização de todo e qualquer tipo de peças para reparo, conserto, manutenção ou conservação de equipamentos, de implementos, de maquinário ou de qualquer outro tipo de instrumento, de vestimentas e de estabelecimentos;

V - atividades e serviços de coleta, de processamento, de reciclagem, de reutilização, de transformação, de industrialização e de descarte de resíduos ou subprodutos de animais, tais como, dentre outros, curtumes e graxarias.

Para garantir o funcionamento dos serviços e das atividades

essenciais, o § 3º do art. 17 veda a restrição à circulação de trabalhadores, ao

passo que o § 4º proíbe às autoridades estaduais ou municipais que determinem o

fechamento das agências bancárias, que poderão funcionar, desde que observem

as medidas sanitárias do art. 4º; assegurem a utilização, pelos funcionários

encarregados de atendimento direto ao público, do uso de Equipamento de Proteção

Individual - EPI adequado; bem como estabeleçam horários, agendamentos ou

setores exclusivos para atender os clientes com idade igual ou superior a 60

(sessenta) anos e aqueles de grupos de risco, conforme autodeclaração. O Decreto

Estadual nº 55.154/2020 nada trata sobre as lotéricas, que, a nosso ver, poderão

funcionar, observadas as medidas do art. 4º, dado que o inciso XL do § 1º do art. 1º

do Decreto Federal nº 10.282, de 20 de março, com redação dada pelo Decreto

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Federal nº 10.292, de 25 de março, as incluiu no rol de atividades essenciais da

União.4

Por fim, o § 5º do art. 17 autorizou a abertura dos aeroclubes

e dos aeródromos, inclusive dos seus serviços de manutenção e de fornecimento de

combustível, para utilização de aeronaves privadas em missões humanitárias, vedada

a realização de aulas ou cursos presenciais.

8.3. Ainda em relação aos estabelecimentos comerciais, o

Decreto Estadual nº 55.154/2020 determina que deverão fixar horários ou setores

exclusivos para atender os clientes com idade superior ou igual a 60 (sessenta)

anos e aqueles de grupos de risco, conforme autodeclaração (art. 10), além de terem

que estabelecer limites quantitativos para a aquisição de bens essenciais à

saúde, à higiene e à alimentação, sempre que necessário para evitar o esvaziamento

do estoque de tais produtos (art. 12). Já em relação aos produtores e aos fornecedores

de bens ou de serviços essenciais à saúde, à higiene e à alimentação, há proibição

de elevar, excessivamente, o seu preço ou exigir do consumidor vantagem

manifestamente excessiva (art. 11).

8.4. No contexto da análise feita, é importante considerar o

paradigma hermenêutico desse estudo, para fins de justificar as conclusões

apresentadas. Em primeiro lugar, consideramos que o ordenamento jurídico constitui

um sistema, estruturado por uma rede de normas fundamentadas em princípios

gerais, que se conectam com valores constitucionais, com vistas a desenvolver uma

ordem normativa e uma unidade coerente. Assim, a interpretação, a partir das mais

fundamentais exigências ético-jurídicas, de uma normativa, como é o Decreto

4 Vale referir a decisão na Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela nº 5002992-50.2020.4.02.000/RJ, pela Presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, proposta pela Advocacia Geral da União em face do Ministério Público Federal, para suspender a decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Duque de Caxias, que excluía do rol de atividades essenciais do Decreto Federal nº 10.282/2020 as lotéricas e as atividades religiosas restaurando os efeitos da norma jurídica federal.

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Estadual nº 55.154/2020, deve partir da ideia de sistema jurídico, alicerçado em um

conjunto dos mais elevados valores de Direito.

Diante do atual surto epidêmico provocado, no mundo, pelo

Coronavírus, colocam-se, de um lado, os valores da saúde individual e coletiva, que

são a garantia da vida, maior bem de qualquer pessoa, e de outro, o trabalho e a livre

iniciativa e, em decorrência deles, as condições de vida digna. Em uma acomodação

de todos esses valores, é necessário ponderar que nenhum desses três últimos

subsiste sem os primeiros, ou seja, é necessário que haja vida e que ela possa ser

usufruída com saúde, para que se possa trabalhar, de forma livre e/ou

empreendedora.

Nesse aspecto, os Poderes Públicos de todas as esferas

federativas brasileiras estão empenhados em garantir mínimos existenciais para

responder às consequências da crise derivada dessa pandemia, porque não se pode

escolher, em uma sociedade que se pretende livre, justa e democrática, quais

são as pessoas que possuem direito à vida saudável e quais, em homenagem

ao desenvolvimento ou à sustentação da economia, devem ter sua saúde e,

quiçá, sua vida postas em risco. Isso diz respeito às pessoas mais vulneráveis à

doença causada pelo Coronavírus, seja porque fazem parte de grupos de risco, pela

idade ou por apresentarem comorbidades, seja porque, dada a sua condição de vida,

não possuem meios de promover o necessário afastamento social, tampouco as

medidas de higiene e limpeza que a contenção da epidemia requerem.

Isso posto, a nosso ver, a intepretação das normas jurídicas

editadas pela União, pelo Estado ou pelos Municípios deve partir do seguinte

paradigma: (a) a vida e a saúde humana são mais relevantes, no atual cenário de

surto epidêmico, devendo os esforços estatais, visarem à redução dos danos à saúde

individual e coletiva e, em consequência, à diminuição de possíveis mortes; (b) na

pandemia provocada pelo Coronavírus no Brasil, devem-se, a seguir, procurar reduzir

o impacto social e econômico que, inevitavelmente, derivará da calamidade pública

reconhecidas estadual e nacionalmente; (c) devem ser mantidos em funcionamento

os serviços públicos e as atividades privadas declarados como essenciais por normas

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legais. (d) em sendo possível a continuidade do funcionamento das atividades

privadas não essenciais sem acarretar risco de propagação de COVID-19, estas

deverão ser mantidas.

OUTRAS ATIVIDADES PÚBLICAS E PRIVADAS

Reuniões, excursões e celebrações religiosas

9. O art. 6º do Decreto Estadual nº 55.154/2020 manteve a

proibição da realização de eventos e de reuniões de qualquer natureza, de caráter

público ou privado, incluídas excursões, celebrações religiosas em igrejas e templos,

com mais de 30 pessoas. Assim, quando permitidas essas atividades, ou seja, com

até 30 (trinta) pessoas na ocasião, deverá ser observado um distanciamento

interpessoal mínimo de 2 (dois) metros entre os participantes, bem como o disposto

nos incisos I, II, III, IV, V, VI, VIII, IX, X, XI, XII e XIII do art. 4º.

Aulas, cursos e treinamentos presenciais

10. O art. 7º suspendeu as aulas, os cursos e os treinamentos

presenciais em todas as escolas, autoescolas, faculdades, universidades, públicas ou

privadas, municipais, estaduais ou federais, e demais instituições de ensino, de todos

os níveis e graus, bem como em estabelecimentos educativos, de apoio pedagógico

ou de cuidados a crianças, incluídas as creches e pré-escolas, situadas em todo o

território do Estado do Rio Grande do Sul. O parágrafo único do art. 17 determina que

a Secretaria da Educação estabeleça, no âmbito das escolas públicas estaduais,

plano de ensino e medidas necessárias para o cumprimento das medidas de

prevenção da transmissão do COVID-19. O Decreto Estadual nº 55.154/2020 refere,

no caput do art. 45, que essa suspensão vai até 30 de abril de 2020. Lembramos

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que, a depender de como avança o surto epidêmico no Estado, esse prazo poderá ser

revisto e ampliado.

Verifica-se, no art. 7º, mais uma vez, clara invasão de

competência constitucional do Município, ao determinar, o Chefe do Poder Executivo

do Estado do Rio Grande do Sul, a suspensão das aulas das redes municipais de

ensino, independentemente de constituírem ou não sistema próprio dos Municípios.

Neste ponto, vale ressaltar o disposto no art. 30, inciso VI, que atribui ao ente local a

competência para “manter, em cooperação técnica e financeira da União e do Estado,

programas de educação infantil e de ensino fundamental”, o que é repetido no art. 211,

quando refere que os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na

educação infantil, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal a atuação prioritária no

ensino fundamental e médio (§§ 2º e 3º). Consideradas, assim, a organização

administrativa para oferta do ensino, em cada ente federado, não pode, o Chefe do

Poder Executivo de um interferir em matéria própria da auto-organização do outro,

sob pena de afronta ao art. 18, que estabelece a autonomia dos entes federados, e

ao art. 60, § 4º, inciso I, que traz a forma federativa como cláusula inabolível da

Constituição da República.

Interdição de praias

11. O art. 8º manteve a interdição de todas as praias do litoral e

das águas internas do Estado, como já estava previsto no inciso VI do art. 2º do

Decreto Estadual nº 55.128/2020, incluído pelo Decreto Estadual nº 55.130/2020.

Para os fins dessa interdição, que também terá validade até 30 de abril, o parágrafo

único do art. 8º estabelece que entende-se por praia a área coberta e descoberta

periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal

como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação

natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.

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Lojas de conveniência de postos de combustíveis

12. Outra regra que foi mantida é a de funcionamento das lojas

de conveniência de postos de combustíveis. As lojas de conveniência, de acordo com

o art. 9º, poderão funcionar, em todo o território estadual, apenas no intervalo

compreendido entre as 7h e as 19h, vedadas a abertura aos domingos. A exceção é

para as lojas de conveniência localizadas em estradas ou rodovias, que poderão

manter seu funcionamento regular, inclusive aos domingos. Em qualquer hipótese, é

vedada a aglomeração de pessoas nos espaços de circulação e dependências dos

postos de combustíveis e suas lojas, abertos e fechados. Vale ressaltar que a regra

de horário de funcionamento não se aplica ao posto de combustível, em si.

Transporte coletivo e individual, público ou privado, de passageiros

13. As regras relativas aos operadores do sistema de mobilidade,

concessionários e permissionários do transporte coletivo e seletivo por lotação, bem

como aos responsáveis por veículos do transporte coletivo e individual, público e

privado, de passageiros, inclusive os de aplicativos, quando permitido o seu

funcionamento, foram mantidas, nos termos previstos no art. 3º do revogado Decreto

Estadual nº 55.128/2020. As medidas a serem adotadas são as seguintes:

realizar limpeza minuciosa diária dos veículos com

utilização de produtos que impeçam a propagação do vírus como álcool líquido 70%

(setenta por cento), solução de água sanitária, quaternário de amônio, biguanida ou

glucoprotamina;

realizar limpeza rápida das superfícies e pontos de contato

com as mãos dos usuários, como roleta, bancos, balaústres, pega-mão, corrimão e

apoios em geral, com álcool líquido 70% (setenta por cento) a cada viagem no

transporte individual e, no mínimo, a cada turno no transporte coletivo;

realizar limpeza rápida com álcool líquido 70% (setenta por

cento) dos equipamentos de pagamento eletrônico (máquinas de cartão de crédito e

débito), após cada utilização;

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disponibilizar, em local de fácil acesso aos passageiros,

preferencialmente na entrada e na saída dos veículos, de álcool em gel 70% (setenta

por cento);

manter, durante a circulação, as janelas e alçapões de teto

abertos para manter o ambiente arejado, sempre que possível;

manter higienizado o sistema de ar-condicionado;

manter fixado, em local visível aos clientes e funcionários,

de informações sanitárias sobre higienização e cuidados para a prevenção do COVID-

19 (novo Coronavírus);

utilizar, preferencialmente, para a execução do transporte

e montagem da tabela horária, veículos que possuam janelas passíveis de abertura

(janelas não lacradas), utilizando os demais veículos apenas em caso de necessidade

e para fins de atendimento pleno da programação de viagens;

instruir seus empregados acerca da obrigatoriedade da

adoção de cuidados pessoais, sobretudo da lavagem das mãos ao fim de cada viagem

realizada, da utilização de produtos assépticos durante a viagem, como álcool em gel

setenta por cento, da manutenção da limpeza dos veículos, bem como do modo

correto de relacionamento com os usuários no período de emergência de saúde

pública decorrente do COVID-19 (novo Coronavírus);

afastar, imediatamente, em quarentena,

independentemente de sintomas, pelo prazo mínimo de 14 (quatorze) dias, das

atividades em que haja contato com outros funcionários ou com o público todos os

empregados que regressarem de localidades em que haja transmissão comunitária

do COVID-19, conforme boletim epidemiológico da Secretaria da Saúde, bem como

aqueles que tenham contato ou convívio direto com caso suspeito ou confirmado;

afastar, imediatamente, em quarentena, pelo prazo mínimo

de quatorze dias, das atividades em que haja contato com outros funcionários ou com

o público todos os empregados que apresentem sintomas de contaminação pelo

COVID-19, conforme o disposto no art. 42 do Decreto Estadual nº 55.154/2020.

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Além disso, o art. 14 determinou que o transporte coletivo

de passageiros, público e privado, urbano e rural, inclusive realizado por trens

urbanos, qualquer que seja o modal, em todo o Estado, seja executado sem exceder

à capacidade de passageiros sentados. No caso específico de transporte coletivo

intermunicipal de passageiros, público ou privado, em todo o território do Estado,

deverá ser realizado sem exceder à metade da capacidade de passageiros

sentados (art. 15).

Proibição de ingresso e circulação no território estadual

14. Questão bastante polêmica, prevista o art. 16, é a proibição

de ingresso e a circulação, em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul, de

veículos terrestres de transporte coletivo de passageiros, públicos e privados,

oriundos de outros estados ou de países estrangeiros. A exceção é prevista para os

casos de (a) repatriação de estrangeiros, mediante autorização prévia da Secretaria

da Segurança Pública; (b) transporte de funcionários das empresas e das indústrias

ou para as atividades de colheita de gêneros alimentícios em veículo fretado,

devidamente identificado, desde que observados o limite de passageiros previsto no

art. 15 e as medidas sanitárias do art. 13; e (c) o transporte de servidores públicos

civis e militares convocados para atuar na prevenção e enfrentamento à epidemia

causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus).

Referimos como polêmica a regra porque a Lei Federal

nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, teve incluído, no art. 3º, por força da Medida

Provisória nº 926/2020, o § 11, que veda a restrição à circulação de trabalhadores que

possa afetar o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais, e de

cargas de qualquer espécie que possam acarretar desabastecimento de gêneros

necessários à população. Como se vê, a norma da Lei Federal nº 13.979/2020 é mais

ampla que a do Decreto Estadual nº 55.154/2020, além do que, prevê, em âmbito

nacional, na alínea “b” do inciso VI do art. 3º, que a restrição excepcional e temporária

de locomoção interestadual e intermunicipal, por rodovias, portos ou aeroportos, só

pode ocorrer conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional

de Vigilância Sanitária – ANVISA. Neste ponto, tramita, no Supremo Tribunal Federal,

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a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.343-DF, pautada para julgamento no

próximo dia 15 de abril, que manteve a redação da Lei nº 13.979/2020, em sede de

cognição sumária, conforme abordado em nosso Boletim Técnico nº 50/2020.

Atividades essenciais de transporte de carga de bens essenciais

15. Ao que parece, no sentido de coadunar a regra do art. 16 ao

disposto na Lei Federal nº 13.979/2020, o art. 18 do Decreto Estadual nº 55.154/2020

vem determinar que as autoridades estaduais e municipais não poderão determinar o

fechamento dos serviços de manutenção, de reparos ou de consertos de veículos, de

equipamentos e de pneumáticos, bem como serviços dedicados à comercialização,

distribuição e fornecimento de peças, combustíveis, alimentação e hospedagem, a

transportadores de cargas e de passageiros, especialmente os situados em estradas

e rodovias, inclusive em zonas urbanas, desde que observadas, no que couber, as

medidas de que trata o art. 4º do Decreto.

MEDIDAS EMERGENCIAIS NO ÂMBITO DOS MUNICÍPIOS

16. Diante da regulamentação constante do Decreto Estadual

nº 55.154/2020, que trata do funcionamento dos empreendimentos privados de forma

detalhada, e considerando a nossa orientação de alinhamento interfederativo entre

normas e ações dos governos, tem coerência, embora permita fortes questionamentos

sob o prisma da inconstitucionalidade, o art. 37:

Art. 37. Os Municípios do Estado do Rio Grande do Sul, no âmbito de suas competências, deverão adotar as medidas necessárias para a prevenção e o enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-19 (novo Coronavírus), em especial:

I - determinar a fiscalização, pelos órgãos municipais responsáveis, acerca do cumprimento das proibições e das determinações estabelecidas neste Decreto;

II - determinar aos operadores do sistema de mobilidade, aos concessionários e permissionários do transporte coletivo e seletivo por lotação, bem como a todos os responsáveis por veículos do transporte coletivo e individual, público e privado, de passageiros,

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inclusive os de aplicativos, a adoção, no mínimo, das medidas estabelecidas nos artigos 13 e 14 deste Decreto;

III - determinar a convocação de todos os profissionais da saúde, servidores ou empregados da administração pública municipal, bem como os prestadores de serviços de saúde, em especial aqueles com atuação nas áreas vitais de atendimento à população, para o cumprimento das escalas estabelecidas pelas respectivas chefias.

Parágrafo único. Fica vedado aos Municípios a adoção de medidas restritivas ao exercício das atividades essenciais de que trata este Decreto, bem como ao ingresso e à saída de pessoas e veículos de seus limites territoriais, ressalvadas, neste último caso, as determinações emitidas pelas autoridades sanitárias competentes, conforme o disposto na Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Indubitavelmente, os Municípios deverão adotar medidas

para a prevenção, a contenção e o enfrentamento à epidemia causada pelo COVID-

19, como, aliás, já vinham fazendo, com a decretação de situação de emergência ou

estado de calamidade público e o estabelecimento de medidas excepcionalíssimas,

em relação ao afastamento social e ao funcionamento das atividades pública e

privada. Agora, com o Decreto Estadual nº 55.154/2020, restou uma margem

extremamente reduzida para inovação, sem contrariedade, ao que estabelece o

Estado. Por evidente, tal argumento não afasta a usurpação das competências

municipais estabelecidas no art. 30 da Constituição, nem afasta o vício de se imiscuir,

o Governador do Estado, na Administração Pública Municipal, cuja iniciativa para o

ato é privativa do Prefeito, em simetria ao disposto no art. 60, inciso II, alínea “d”, da

Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, aplicável a teor do seu art. 8º, bem

como do art. 29, caput, da Constituição da República. Tais argumentos, aliás, dariam

ensejo à ação direta de inconstitucionalidade, para a qual teria, inclusive, legitimidade

ativa, o Prefeito Municipal ou a Câmara de Vereadores, a teor dos incisos IX e X do

§ 1º do art. 95 da Constituição do Estado.

16.1. Ainda assim, enquanto não for alterada, revogada ou

declarada inconstitucional, pelo Plenário do Tribunal de Justiça, a norma deve ser

cumprida. Nesse sentido, o inciso I do art. 37 estatui que o Município deverá

determinar a fiscalização, pelos órgãos municipais responsáveis, acerca do

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cumprimento das proibições e das determinações estabelecidas no Decreto. A

questão, bem como as infrações administrativas e os crimes contra a saúde pública

decorrentes do descumprimento das medidas temporárias de contenção e

enfrentamento à epidemia de Coronavírus foram tratados em nosso Boletim Técnico

nº 43, de 24 de março, em que assim nos manifestamos:

Assim, no contexto da competência municipal, constatado, pela fiscalização, o descumprimento das regras estipuladas nos Decretos de Estado de Emergência e/ou de Calamidade Pública, será imediatamente iniciado o procedimento administrativo correspondente fundamentado na legislação local (Código de Posturas, Código Sanitário ou equivalente, Código Tributário etc.) com vistas a orientar o infrator ou, de pronto, aplicar as sanções respectivas, conforme a natureza e a gravidade do descumprimento, respeitando o adequado procedimento administrativo: (i) lavratura do auto de infração; (ii) notificação do infrator; (iii) concessão de prazo para defesa e para posterior eventual recurso e, se não surtirem efeitos imediatos no sentido de coibir condutas contrárias à propagação, (iv) a cassação da licença e a interdição do estabelecimento.

Relevante anotar que a atuação da fiscalização municipal não exige a ação conjunta da Brigada Militar ou das demais entidades integrantes do sistema de Segurança Pública, pois, como acima referido, a apuração feita pelo Município é restrita à verificação do descumprimento das regras estipuladas nos Decretos de Estado de Emergência e/ou de Calamidade Pública. Isso não significa, porém, que frente a situações mais delicadas de enfrentamento e insurgência dos particulares contra as medidas administrativas de natureza restritiva, o Município não possa requisitar força policial, o que, aliás, é uma medida jurídica já existente no Código de Posturas de muitos Municípios. (grifamos)

A propósito, tem sido recorrentes, na atividade de consultoria,

nos reportarem que a legislação municipal, muitas vezes utilizada do Município-mãe,

em casos que, após emancipação, não foram editados os diplomas legais respectivos,

não prevê infrações, tampouco sanções que possam ser aplicáveis e o respectivo

processo administrativo sancionador. Assim, agora, pelo descumprimento das

medidas excepcionais determinadas por normas estaduais ou municipais, não há

alternativa de coerção para fazer cumpri-las. A principal dúvida é sobre a viabilidade

de disciplinar a matéria por decreto municipal, que se depara com a necessidade de

tratamento por lei ordinária, dado que a tipificação de condutas e a dosimetria das

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sanções requerem reserva legal. A orientação, neste ponto, é pelo encaminhamento

de projeto de lei à Câmara de Vereadores, com pedido de tramitação em regime de

urgência, cabendo ao Legislativo deliberar sobre a sessão (que poderá ocorrer, a

depender das normas da Casa Legislativa, por meio virtual). Quando essa alternativa

for inviável e, dada a calamidade instalada no País e no Estado, é que essa matéria

se prevista em decreto local, poderia ser objeto de chancela posterior, por lei que

reconhecesse a calamidade local e convalidasse as disposições decretadas

(conforme orientações constantes do nosso Boletim Técnico nº 36, de 20 de março).

16.2. O inciso II do art. 37 do Decreto Estadual nº 55.154/2020 trata

de obrigar os Municípios a determinar aos operadores do sistema de mobilidade, aos

concessionários e permissionários do transporte coletivo e seletivo por lotação, bem

como a todos os responsáveis por veículos do transporte coletivo e individual, público

e privado, de passageiros, inclusive os de aplicativos, a adoção, no mínimo, das

medidas sanitárias previstas do art. 13 e a determinação de que não trafeguem com

excesso de passageiros em relação à capacidade de assentos, do art. 14.

16.3. A terceira e última medida a que os Municípios estão

obrigados – e mais uma vez, pensamos, também permite argumentação quanto a

existência de vício de inconstitucionalidade, especialmente por violar o art. 60, inciso

II, alínea “d”, da própria Constituição Estadual, aplicável a teor do seu art. 8º, bem

como do art. 29, caput, da Constituição da República – é a do inciso III do art. 37, que

determina a convocação de todos os profissionais da saúde, servidores ou

empregados da Administração Pública Municipal, bem como os prestadores de

serviços de saúde, em especial aqueles com atuação nas áreas vitais de atendimento

à população, para o cumprimento das escalas estabelecidas pelas respectivas

chefias.

A norma, da forma como redigida, não apresenta quaisquer

exceções. Entretanto, a riqueza e a pluralidade de situações fáticas fazem com que,

em determinadas hipóteses, a convocação desses profissionais seja inviabilizada,

como é o caso de profissionais de saúde, que trabalham na linha de frente, atendendo

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aos usuários, e são maiores de 60 (sessenta) anos ou pertencem ao grupo de risco,

em razão de problemas de saúde. Situações como tais exigirão dos gestores

municipais prudência na análise do problema e justificativa para a solução adota.

16.4 Já o parágrafo único, ao referir a vedação, aos Municípios, de

adoção de medidas restritivas ao exercício das atividades essenciais de que trata este

Decreto, bem como ao ingresso e à saída de pessoas e veículos de seus limites

territoriais, ressalvadas, neste último caso, as determinações emitidas pelas

autoridades sanitárias competentes, conforme o disposto na Lei Federal nº 13.979, de

6 de fevereiro de 2020 – e já aproveitando o ensejo para considerar a previsão do

art. 44, que suspende a eficácia das determinações municipais que conflitem com as

normas estabelecidas no Decreto Estadual nº 55.154/2020, respeitada a competência

local apenas para dispor de medidas sanitárias de interesse exclusivamente local e

de caráter supletivo às determinadas pelo Estado – renova a problemática que já

existia no art. 12-B do revogado Decreto Estadual nº 55.128/2020. Desde o Boletim

Técnico nº 45/2020, ao abordar a introdução, pelo Decreto Estadual nº 55.135/2020,

do art. 12-B ao Decreto Estadual nº 55.128/2020, frisamos como plenamente

questionável a regra sob o ponto de vista constitucional. Por outro lado, a norma, cuja

redação, tanto em um como em outro Decreto Estadual, é bastante similar, parece

buscar garantir uniformidade no tratamento das medidas de contenção e

enfrentamento à pandemia causada pelo COVID-19, em todo território estadual.

CONCLUSÕES

17. O Decreto Estadual nº 55.154/2020, embora tenha revogado

o Decreto Estadual nº 55.128/2020 e suas alterações, incorporou as regras nele

previstas, tornando mais claras muitas das suas disposições, em especial àquelas que

dizem respeito aos serviços e atividades que devem suspender suas atividades de

atendimento ao público ou que podem funcionar durante o período das medidas

extremas, sendo ou não essenciais, na forma do art. 17. O novel diploma ganha,

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assim, em clareza e ordem lógica, atributos essenciais para interpretação jurídica, a

teor do art. 11 da Lei Complementar nº 95/1998.

Ainda assim, o texto, em nossa opinião, permite

questionamentos sob o ponto de vista da inconstitucionalidade formal, por violar o art.

60, inciso II, alínea “d”, da própria Constituição Estadual, aplicável a teor do seu art.

8º, bem como do art. 29, caput, da Constituição da República, e material, por usurpar

competências municipais previstas no art. 30, inciso I, II, VI e VII, da Constituição da

República. É passível, deste modo, de ser impugnado via ação direta de

inconstitucionalidade, perante o órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Sul, inclusive com pedido de liminar, para a qual são legítimos ativos

o Prefeito ou a Câmara de Vereadores, nos termos dos incisos IX e X do § 1º do art.

95 da Constituição do Estado.

No entanto, há de se considerar que as medidas adotadas

pelo Estado eram, em grande parte, pretendidas por muitos Municípios, que se

deparavam com a resistência dos empreendimentos privados locais, muitos dos quais

já acionando o Poder Judiciário, com mandados de segurança, para buscar manter

suas atividades em funcionamento. Trata-se, sem dúvida, de uma ação política que

em larga medida desgasta a imagem do governo – ônus assumido pelo Estado do Rio

Grande do Sul, exigindo dos Municípios apenas a aplicação das disposições vigentes.

Neste sentido, se a opção da gestão local for, de fato, pelo alinhamento das normas

e ações públicas do Município àquelas do Estado e da União, poderá editar decreto

municipal mais enxuto, dispondo apenas acerca das medidas excepcionais aplicáveis

à própria Administração Pública Municipal direta e indireta, bem como dos atos de

fiscalização do disposto no Decreto Estadual nº 55.154/2020.

18. O inteiro teor do Decreto Estadual nº 55.154/2020,

republicado na 4ª edição do Diário Oficial do Estado de 1º de abril, pode ser acessado

no seguinte endereço eletrônico:

https://www.diariooficial.rs.gov.br/materia?id=401187

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