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Eugênia Rodrigues* As donas de prazos do Zambeze Políticas imperiais e estratégias locais Resumo Distintamente de outros espaços de colonização portuguesa, as mulheres adquiriram um notável protagonismo na região do vale do Zambeze, em Moçambique. Essa preeminência estava associada à posse de extensos territórios, designados prazos, obtidos quer por concessão directa da coroa, quer por sucessão. Baseando-se no elevado número de mulheres detentoras de terras e na sua grande influência na região, bem como em documentação tardia, a historiografia considerou a concessão de terras às mulheres e a sucessão feminil uma peculiaridade do regime jurídico dos prazos do vale do Zambeze. Neste texto, pretende-se mostrar que tal asserção longe de corresponder à imposição de uma política régia para a região, como geralmente é assumido, foi introduzida pela administração de Goa, primeiro, e pela de Moçambique, mais tarde, em determinados contextos históricos. Independentemente disso, as famílias locais lidaram com esse regime jurídico de modo a tornar a sucessão feminina um dado relevante, mas não exclusivo, na sociedade do vale do Zambeze. Palavras-chave: Moçambique, terras, mulheres. Abstract Unlikely what happened in other Portuguese colonial areas, women got a remarkable protagonism in the Zambezi valley, in Mozambique. This notoriety was associated with the possession of extensive territories, called prazos, granted directly by the Portuguese crown or acquired by succession. Based on the high number of women possessing lands and on their notable ascendancy in the region as well as in posterior official documentation, the historiography usually considered the grant of lands to women and the feminine succession a peculiar norm of the legal regime of the prazos of the Zambezi area. This text tries to show that such assertion is far from to correspond to the politics of the crown, like commonly it is assumed. However, some practices of the portuguese administration of Goa and Mozambique imposed the feminine succession, in certain historical contexts. Independently of the legal or the administrative constraints, the local families manipulated the juridical regime to make the feminine possession of lands a relevant aspect of the society of the Zambezi valley. Keywords: Mozambique, lands, women. * Investigadora do Instituto de Investigação Cientifica Tropical, Lisboa. 15

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Eugênia Rodrigues*

As donas de prazos do Zambeze Políticas imperiais e estratégias locais

Resumo Distintamente de outros espaços de colonização portuguesa, as mulheres adquiriram um notável protagonismo na região do vale do Zambeze, em Moçambique. Essa preeminência estava associada à posse de extensos territórios, designados prazos, obtidos quer por concessão directa da coroa, quer por sucessão. Baseando-se no elevado número de mulheres detentoras de terras e na sua grande influência na região, bem como em documentação tardia, a historiografia considerou a concessão de terras às mulheres e a sucessão feminil uma peculiaridade do regime jurídico dos prazos do vale do Zambeze. Neste texto, pretende-se mostrar que tal asserção longe de corresponder à imposição de uma política régia para a região, como geralmente é assumido, foi introduzida pela administração de Goa, primeiro, e pela de Moçambique, mais tarde, em determinados contextos históricos. Independentemente disso, as famílias locais lidaram com esse regime jurídico de modo a tornar a sucessão feminina um dado relevante, mas não exclusivo, na sociedade do vale do Zambeze. Palavras-chave: Moçambique, terras, mulheres.

Abstract Unlikely what happened in other Portuguese colonial areas, women got a remarkable protagonism in the Zambezi valley, in Mozambique. This notoriety was associated with the possession of extensive territories, called prazos, granted directly by the Portuguese crown or acquired by succession. Based on the high number of women possessing lands and on their notable ascendancy in the region as well as in posterior official documentation, the historiography usually considered the grant of lands to women and the feminine succession a peculiar norm of the legal regime of the prazos of the Zambezi area. This text tries to show that such assertion is far from to correspond to the politics of the crown, like commonly it is assumed. However, some practices of the portuguese administration of Goa and Mozambique imposed the feminine succession, in certain historical contexts. Independently of the legal or the administrative constraints, the local families manipulated the juridical regime to make the feminine possession of lands a relevant aspect of the society of the Zambezi valley. Keywords: Mozambique, lands, women.

* Investigadora do Instituto de Investigação Cientifica Tropical, Lisboa.

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As donas de prazos do Zambeze Políticas imperiais e estratégias locais

Eugênia Rodrigues

- A . região do vale do rio Zambeze, em Moçambique, começou a atrair a atenção dos mercadores portugueses antes de meados de século XVI. Por essa altura, o itinerário ao longo do rio constituía uma importante rota de escoamento do ouro das feiras do mítico império do Monomotapa e de outros Estados karangas. Em breve, os mercadores internaram-se no sertão, tentando garantir o controlo do comércio entre aqueles Estados e os mercados asiáticos, dominado por mercadores muçulmanos. À expansão comercial sucedeu o domínio territorial, principalmente quando a Coroa portuguesa, no contexto de projectos de territorialização do Estado da índia, do qual Moçambique fazia parte, encetou a nomeação de governadores-conquistadores para a região. Pese embora o fracasso de muitas dessas empresas, a partir dos anos de 1570, assistiu-se à construção do domínio territorial português no vale do Zambeze, através da conquista e da aliança com chefes locais. Toda esta região, designada Rios de Cuama e mais tarde Rios de Sena, passou a depender administrativamente do governo da capitania instalado na ilha de Moçambique. As terras adquiridas, correspondentes a antigas chefaturas africanas, foram transformadas em Terras da Coroa. Estes extensos territórios foram concedidos a particulares em regime de emprazamento, por três vidas, em troca do pagamento de um foro. Os prazos da Coroa e os seus foreiros marcaram a história e a identidade do vale do Zambeze, muito para além da sua extinção legal no século XIX.

Distintamente de outros espaços de colonização portuguesa, as mulheres adquiriram um notável protagonismo na região, geralmente associado à posse destas terras, quer por concessão directa da coroa, quer por sucessão. Alguns historiadores, baseados sobretudo nos textos oficiais do final do Antigo Regime e na literatura memorialista, consideraram a concessão de prazos às mulheres e a sucessão por via feminina um elemento central do regime jurídico dos prazos dos Rios de Sena. No entanto, tal como a própria instituição dos prazos, a aludida singularidade jurídica tem de ser encaraada em função das conjunturas históricas. De facto, a perspectiva histórica da legislação vigente na colónia, nomeadamente a oriunda de Goa, tem sido descurada a favor de interpretações sustentadas por documentação tardia.

Este texto pretende discutir a sucessão feminina no contexto da legislação reguladora dos prazos e das práticas políticas definidas em Lisboa, Goa e Moçambique em confronto com os condicionalismos e as estratégias locais que favoreceram a titulação dos prazos nas mulheres. Parte de uma breve análise do regime jurídico dos prazos, considerando como ele correspondeu à estruturação de determinado modelo de sociedade e constituiu um instrumento de administração do território. Aborda, de seguida, a política régia e as práticas administrativas relativas à concessão de terras a mulheres e o modo como essas medidas foram aplicadas ou manipuladas em função de diferentes interesses locais, dando origem à construção de um discurso que ergueu a sucessão feminina como elemento central da instituição dos prazos. Finalmente, tenta mostrar que, mais do que o resultado de uma presumida imposição legal, a posse dos prazos pelas mulheres no vale do Zambeze tem de ser relacionada com o contexto africano e as estratégias das famílias da colónia para acederem e preservarem o património.

1. Os prazos da Coroa nos Rios de Sena: regime jurídico, sociedade e administração do território

O regime jurídico dos prazos no contexto do Estado da índia A instituição do regime jurídico dos prazos nos Rios de Sena tem de ser entendida no contexto no

Estado da índia, onde já vigorava a concessão de Terras da Coroa, nos territórios de Ceilão e da Província do Norte. Perdida a ilha cingalesa, o conjunto normativo que regulava a cedência de terras foi evoluindo até 1752, quando Moçambique transitou para a dependência directa do governo de Lisboa, em função do que se

passava na Província do Norte, onde os prazos - aqui designados aldeias - marcaram também os territórios de Damão e Baçaim.

Em Portugal, existiam vários regimes de cedência de terras, remontando ao período romano ou medieval, os quais foram transplantados para os espaços do império. Nos territórios do Atlântico, o regime instituído foi o das sesmarias, que visava a cedência de terras geralmente incultas e implicava a obrigatoriedade de as cultivar, isentando-as aqui de qualquer pensão, excepto o dízimo eclesiástico. Este regime foi aplicado às ilhas atlânticas, desertas à data da descoberta, e, posteriormente, aos territórios habitados de Angola e do Brasil1.

Diferentemente do Atlântico, nas zonas densamente povoadas e agricultadas do Estado da índia, a concessão de terras foi enquadrada pela enfiteuse, comummente usada para as terras cultivadas. Tal implicava que a Coroa retinha o domínio directo das terras, cedendo a outrem o domínio útil, em troca da satisfação dos direitos dominiais, entre os quais o pagamento de um foro. Este vínculo denominava-se prazo, do latim placitum ou emprazamento, ou seja, contrato. Era, ainda, denominado aforamento por derivação da palavra foro, que designava a pensão paga2. Como a própria enfiteuse admitia diversos tipos de cedência das terras, no Estado da índia, multiplicaram-se as fórmulas contratuais, muitas integrando, ainda, condições anteriores ao domínio português. Ademais, embora as Terras da Coroa pudessem ser emprazadas seguindo as normas dos contratos enfitêuticos entre particulares, no Estado da índia, esses aforamentos foram entendidos também como concessão de bens da Coroa, que serviam para recompensar serviços. Do ponto de vista normativo, criou-se, assim, um regime híbrido já que a concessão dos bens da Coroa, regulada pela Lei Mental, divergia no plano legal da enfiteuse3. A convocação de ambos os regimes jurídicos geraria, ao longo dos tempos, intensas polémicas e diferentes entendimentos acerca da concessão e da sucessão das terras do Estado da índia.

No caso de Moçambique, conhecem-se doações de terras remontando aos anos de 1580, as quais seguiam as normas já aplicadas no Estado da índia4. A instituição de normas dirigidas aos Rios de Sena, por iniciativa do governo de Goa, ocorreu apenas nas primeiras décadas de Seiscentos. Os tratados de 1607 e 1629 com o Estado do Monomotapa, em troca de auxílio militar, reconheceram aos portugueses a posse de zonas de minas, no primeiro caso, e de extensos territórios sob a sua soberania formal, no último. Assim, o alvará de 6 de Fevereiro de 1608, posteriormente completado com o de 14 de Dezembro de 1633, regulava o aforamento de terras aos moradores dos Rios de Sena5. O governo de Lisboa, distintamente do sucedido com a Província do Norte e com Ceilão, raramente se ocupou da concessão de terras dos Rios de Sena e não interveio no processo legislativo desta região situada na ultra-periferia do império enquanto ela dependeu do Estado da índia. As iniciativas directas da Coroa limitaram-se a determinar a distribuição de terras e, até, a sua divisão para atrair povoadores, medidas geralmente associadas a projectos de colonização e de autonomização da administração de Moçambique. Mas, essa intervenção acabaria por fracassar, umas vezes devido à oposição dos foreiros instalados nos Rios, outras, pela dificuldade de encontrar povoadores para terras tão remotas, outras, ainda, em função da urgência de acudir a partes do império onde a soberania portuguesa periclitava6.

Nestas circunstâncias, o regime jurídico das concessões dos Rios de Sena foi-se alterando por iniciativa do governo de Goa, em conexão com as directrizes da política régia para a Província do Norte. Na verdade, os prazos dos Rios, que rendiam diminutas receitas, não compunham, como noutras áreas, uma importante fonte de rendimento para suscitar intervenções específicas da Coroa7. No território, a maior parte das rendas provinha do arrendamento do monopólio do comércio aos capitães de Moçambique ou das receitas alfandegárias geradas pelas trocas mercantis". Assim, depois da perda de Ceilão, a reflexão sobre as modificações a introduzir no regime de concessão de prazos da índia centrava-se invariavelmente nas aldeias da Província do Norte, um tópico recorrente na correspondência entre Lisboa e Goa. A aplicação dessas normas também a Moçambique dependia da iniciativa das autoridades de Goa, sobretudo dos procuradores da Coroa e Fazenda, cujos pareceres precediam a confirmação do aforamento pelos vice-reis. Enquanto alguns destes funcionários tendiam a encarar do mesmo modo os prazos de todos os territórios do Estado da índia, outros restringiam a execução dos novos diplomas régios à Província do Norte. Importa, então, ver como se caracterizou o regime jurídico dos prazos nos Rios de Sena.

Tal como nos contratos enfitêuticos entre particulares, o domínio útil destas terras obrigava o foreiro à satisfação de um foro à Coroa, o qual era aqui pago em ouro, desde 16339. No entanto, enquanto bens da Coroa, as terras dos Rios de Sena destinavam-se a recompensar serviços10, como no resto do Estado da índia. Assim, as novas concessões e mesmo a confirmação das sucessões atendiam aos serviços dos mercenários ou dos seus familiares, designando-se, aliás, "mercês". A política de remuneração de serviços da Coroa foi fundamental na criação da estrutura social dos Rios de Sena, tal como no reino e noutros espaços

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do império. As concessões às ordens religiosas, no caso, os dominicanos e os jesuítas, destinavam-se a assegurar o sustento das missões instaladas na região. A concessão coagia os foreiros a residirem na região e a prestarem serviços com a população africana dos prazos, embora esta condição, inerente à concessão dos bens não patrimoniais da Coroa, poucas vezes integrasse o clausulado das cartas de aforamento dos Rios. Incluíam-se serviços como a construção e a reparação dos fortes e das vias públicas e, sobretudo, a participação na guerra defensiva e ofensiva".

Quanto à duração, as concessões enfitêuticas podiam fazer-se a título perpétuo (em fateusim) ou em vidas, geralmente três. Nos Rios de Sena, apenas os aforamentos feitos às ordens religiosas eram em fateusim, tal como os chãos para casas e boticas. A concessão em três vidas significava que o mercenário dispunha do usufruto da terra durante a sua vida, devendo designar a segunda e esta a terceira. A nomeação de um sucessor fazia-se de forma escrita, podendo ocorrer por doação entre vivos, através de um instrumento público, ou por morte, por meio de um testamento12. Conforme a lei geral, no caso de o foreiro falecer sem chamar um sucessor, o prazo passava aos herdeiros, descendentes ou ascendentes, e, na sua ausência, ficava devoluto ao senhorio (Ord. IV, 36, 2)13. No entanto, a concessão por três vidas não significava que, findo aquele prazo, as terras seriam obrigatoriamente devolvidas à Coroa. Desde o final de Quinhentos, consolidara-se o direito de renovação14, permitindo ao detentor da última vida declarar um sucessor, que, geralmente, alcançava mais três vidas.

A transmissão dos prazos de vidas, tal como a dos bens da Coroa, regulava-se pela indivisibilidade, devendo o foreiro nomear um único sucessor para cada prazo, e pela inalienabilidade, significando que era necessária a autorização da Coroa, geralmente concedida, para nomear a vida seguinte. Em relação aos bens da Coroa, a indivisibilidade expandiu-se em Portugal na segunda metade do século XIV, por cláusula de doação ou por incorporação num morgado. O historiador António Hespanha, para além de lhe reconhecer um objectivo económico tendente a manter o poder das famílias nobres, aponta-lhe um valor simbólico evocativo do sistema linhagístico vigente na sucessão da Coroa e das dignidades. Por isso, os bens da Coroa puramente patrimoniais, ou seja, os que não continham jurisdição nem regalia, não estavam sujeitos à indivisibilidade15. Do ponto de vista da enfiteuse, o direito nacional tendeu igualmente no sentido da indivisibilidade, quer determinando a entrega do foro a um só dos herdeiros do senhorio, o qual deveria pagar aos outros a estimação {Ord. IV, 36, 1), quer estabelecendo o encabeçamento apenas num dos sucessores do foreiro (Ord. IV, 96, 23 )16. Pese embora a proibição, tornou-se costume dividir o prazo, entregando cada um dos co-enfiteutas a sua parte do foro. Alguns juristas modernos, como Guerreiro e Pegas, consideravam que ao admitir esta prática, o senhorio estava a anuir à fragmentação do aforamento, podendo ele próprio expressar esse consentimento. Neste quadro, a lei de 6 de Março de 1669, reiterando embora a indivisibilidade, acabaria por reconhecer o costume, autorizando o senhorio a assentir na divisão do prazo17. Não obstante, nos prazos dos Rios de Sena prevaleceu a indivisibilidade inerente aos bens da Coroa, mesmo tendo o monarca ordenado, em 1646, a divisão das terras18. A transmissão dos prazos estava também sujeita, pela lei geral, à inalienabilidade sem o consentimento do senhorio directo, sob pena de comisso19. Esta era uma cláusula inerente a todos os aforamentos, reforçada no caso dos Rios de Sena por se tratar de bens da Coroa. Com efeito, um dos princípios da Lei Mental era o da inalienabilidade sem autorização régia, conforme a Ord. II, 35, 19, que visava impedir a doação dos bens dos donatários aos seus criados e a criação de hierarquias feudais20.

Tal como a outros níveis, a sucessão dos prazos dos Rios combinou aspectos da Lei Mental e da enfiteuse. A sucessão dos bens da Coroa, conforme aquela lei, fazia-se de acordo com os princípios da primogenitura e da masculinidade, derivados do direito feudal, que excluía as mulheres da sucessão, excepto se tal fosse consagrado na enfeudação. A exclusividade masculina alicerçava-se na ideia da incapacidade das mulheres para prestarem serviços militares ou exercer a autoridade. No entanto, ainda segundo Hespanha, este princípio foi frequentemente derrogado, permitindo que as herdeiras, através do casamento, redistribuíssem as terras aos filhos segundos de outras linhagens21. A enfiteuse, por sua vez, admitia várias hipóteses de sucessão conforme a natureza do aforamento, podendo combinar fornias de beneficiar diferentes familiares ou admitir a livre nomeação em sucessores sem vínculo biológico22. Na Província do Norte, a sucessão dos prazos começou por fazer-se por varonia, conforme a Lei Mental, mas a sucessão feminina foi autorizada desde 156023. De qualquer modo, ficavam excluídas da nomeação as comunidades de religiosos, uma interdição constante na lei geral e no clausulado das cartas de aforamento24. No caso dos Rios de Sena, os títulos de aforamento previram desde cedo a livre nomeação, uma cláusula constante em todos os documentos emitidos até aos finais de Seiscentos25. Tal significava que os foreiros podiam nomear os prazos em qualquer parente ou em estranhos. A adopção desta forma de sucessão, em vez

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de qualquer uma das outras previstas na enfiteuse, parece ter sido um meio de assegurar que o domínio das terras não caía no vazio, numa região onde a mortalidade europeia era alta e o controlo do território dependia dos foreiros. Assim, a livre nomeação funcionava como um instrumento para preservar a continuidade das casas sem descendentes e amparar a estabilidade da região. Não obstante, entre 1698 e 1751, alguns prazos dos Rios de Sena foram concedidos a mulheres com a condição de casarem com europeus ou com a cláusula de sucederem filhas. Como se verá adiante, esta norma nasceu para a Província do Norte e a sua aplicação a Moçambique dependeu do entendimento das autoridades de Goa, pelo que a maioria das concessões continuou a prever a livre nomeação.

As concessões dos Rios não implicavam apenas a cedência do domínio útil da terra, como ocorria na enfiteuse, mas também da jurisdição sobre as populações africanas livres que habitavam os prazos. De facto, essa cedência foi expressa no caso de algumas cartas de aforamento e estava subjacente às relações entre a Coroa e os foreiros durante grande parte do período moderno26. Na prática, a administração portuguesa dependia dos exércitos africanos dos senhores dos prazos para manter a soberania na região e a jurisdição sobre as populações africanas foi transferida para as suas mãos. Deste modo, os foreiros não dispunham apenas do uso da terra, mas também do direito de administrar os seus habitantes. Essa jurisdição implicava que os senhores tinham a faculdade de exigir diversas rendas e serviços dos africanos residentes nos prazos, incluindo prestações de carácter judicial27. A instituição dos prazos favoreceu, assim, o enraizamento político-administrativo dos portugueses na região.

Também do ponto de vista burocrático, os aforamentos dos Rios aproximavam-se do processo de confirmação dos bens da Coroa. Ao longo do século XVII, a concessão de terras era feita por diversas autoridades, desde os capitães e governadores de Moçambique, aos capitães-mores dos Rios de Sena e aos provedores da Fazenda enviados por Goa. Quando foi instituído o cargo de tenente-general dos Rios, na viragem para Setecentos, essa competência passou para esta autoridade28. Tanto as mercês novas dos prazos como a sucessão de vidas obrigavam a obtenção de uma carta de confirmação régia passada pelo vice-rei da índia. Essa exigência, que era imposta pelo direito português para a sucessão dos bens da Coroa, mas não para os contratos enfitêuticos, constituiu claramente um instrumento de controlo da Coroa sobre os foreiros. Porém, muitos foreiros não desencadeavam o processo de confirmação, que implicava o pagamento de elevados direitos, mantendo, ainda assim, as terras. Os seus sucessores podiam, então, pagar os direitos do encartamento anterior, quando eles próprios requeriam a confirmação29.

Em suma, o conjunto normativo que regulava os prazos dos Rios de Sena tornava-se um instrumento de estruturação social e de implementação de um modelo de administração do território. O sistema de concessão dos prazos associado à remuneração de serviços apontava para o recrutamento de indivíduos em várias partes do império para o topo de uma sociedade hierarquizada. Constituía-se, assim, uma elite que era originária sobretudo de Portugal e da índia e cuja reprodução biológica era assegurada pelo casamento com mulheres naturais dos Rios e algumas de Goa. A grande parte dos rendimentos dessa elite provinha do comércio e da mineração desenvolvidos fora dos prazos, mas era a posse das terras que permitia angariar entre a população africana livre a mão-de-obra utilizada nas actividades militares, económicas e domésticas e estabelecer aí escravos com idênticas funções. Os prazos constituíam também a base política e simbólica das casas dos Rios, identificando os seus principais moradores nos mundos português e africano. A casa, enquanto modelo organizacional da elite de foreiros, abrangia não apenas os bens materiais, mas também o património simbólico e o conjunto das pessoas do que então se entendia por família, desde os parentes biológicos, aos dependentes e aos criados30. Concomitantemente, a instituição dos prazos visava a construção de um modelo político de administração do território, que conferia aos membros dessa elite o poder para administrar as populações africanas e os responsabilizava pela defesa das fronteiras. Deste modo, as relações entre os funcionários da Coroa e as populações africanas dos prazos e dos territórios vizinhos passava pela mediação dos poderosos senhores dos Rios de Sena, os quais construíram chefias políticas em muitos aspectos semelhantes às africanas.

A autonomia de Moçambique e a sesmarização dos prazos O regime jurídico dos prazos iria sofrer alterações na sequência da passagem da administração de

Moçambique do Estado da índia para a dependência directa da Coroa, em 1752, conquanto tais mudanças tivessem produzido poucos efeitos práticos nos anos seguintes. O conjunto legislativo então definido tendeu a aproximar O ordenamento jurídico da propriedade em Moçambique do que enquadrava a posse da terra no Brasil. Isso resultou, em primeiro lugar, do facto de a experiência das autoridades de Lisboa estar muito mais

baseada na produção legislativa para a colónia americana do que para a índia. O Conselho Ultramarino era a instituição que tutelava o processo de concessão de terras no Brasil e muita da legislação composta para Moçambique inspirou-se na que já vigorava ou era aprontada para as capitanias brasileiras. Neste contexto, grande parte das normas legais elaboradas para os prazos de Moçambique e o discurso em redor da questão fundiária basearam-se nas sesmarias, o regime que moldava a propriedade da terra naquela colónia. Acresce que os altos funcionários da administração moçambicana, como os governadores-gerais, os governadores dos Rios, os ouvidores e os secretários de governo, passaram mais frequentemente a ser recrutados no reino e no Brasil. Diferentemente dos seus antecessores, incluindo os reinóis, estes funcionários não tinham uma experiência indiana. Tal como o governo central, tenderam a transportar para a capitania uma visão atlântica da concessão de terras. Essa percepção era reforçada pela própria migração de novos colonizadores oriundos do Brasil, a qual se tornou relevante no final do século XVIII. Assim, a par da legislação emanada de Lisboa, o discurso na colónia tendia igualmente a assimilar os prazos às sesmarias. A correspondência das autoridades de Moçambique e do reino bem como os diplomas legislativos passaram a aludir cada vez mais a datas de terras ou de sesmarias, em vez de mercês de terras ou de prazos.

Finalmente, à medida que se caminhava para o final do século, a associação dos prazos de Moçambique às sesmarias do Brasil terá sido acentuada pela própria evolução do regime de propriedade nesta colónia. Também aqui existia uma legislação diversa consoante as capitanias e o momento histórico em que fora introduzida. Inicialmente, as terras repartidas em sesmaria estavam livre de encargos, constituindo-se em propriedade livre e hereditária, sem entraves de tipo enfitêutico. Em meados de Seiscentos, a Coroa chegara a considerar impor foros sobre as sesmarias brasileiras, mas vários juristas, como Cabedo, pronunciaram-se pela impossibilidade de tributação. O Conselho Ultramarino não conseguiu um consenso pelo que a questão transitou para o Desembargo de Paço, também contrário à imposição do ónus. Assim, a provisão de 5 de Dezembro de 1653 declarou que as dadas de sesmarias no Brasil não se reputavam bens da Coroa, embora estivessem lançadas nos livros dos Próprios3 '. Não obstante, uma carta régia, de 27 de Dezembro de 1695, determinou a imposição de um foro sobre as sesmarias brasileiras. Ainda assim, apenas a partir do final do século XVIII a Coroa conseguiu introduzir progressivamente a cobrança de pensões em várias capitanias da colónia32. Tal facto reforçaria os argumentos a favor da associação entre prazos e sesmarias, como seria evidente quando a Coroa se instalou no Brasil, em 180833. Essa visão dos prazos construída na segunda metade de Setecentos teria reflexos na discussão historiográfica recente. A tese, muito divulgada, de que as terras dos Rios, apesar de vulgarmente serem conhecidas por prazos, eram dadas em sesmaria apoia-se, de facto, na documentação posterior à autonomia, não tendo em conta que as concessões foram entendidas de modos diferentes consoante o período histórico34.

Esta sesmarização dos prazos iniciou-se em 1760, quando Lisboa começou a legislar sobre as terras de Moçambique. Um aviso régio de 5 de Abril comunicava que, no respeitante à doação de "sesmarias", o governo de Moçambique passaria a regular-se pelos regimentos e ordens aos governadores e capitães-generais do Brasil35. Na mesma altura, o Conselho Ultramarino, pela provisão de 3 de Abril, definia o regulamento da concessão das terras da capitania, a aplicar aos prazos então vagos e progressivamente àqueles cujas vidas findassem. A área a conceder não excederia as três léguas de comprimento por uma de largura, área já adoptada para o Brasil36, e era reduzida a meia légua em quadra no caso de terras minerais ou localizadas junto aos rios e à costa. Os foreiros teriam de ceder terra e serventias públicas para a fundação de novas povoações, podendo demandar a redução do foro, mas não reclamar qualquer eventual prejuízo, uma disposição muito frequente nas cartas de sesmaria atlânticas37. Não eram, deste modo, contempladas as condições de indivisibilidade e inalienabilidade, mantidas pela inércia administrativa nas cartas de aforamento dos Rios. Apenas em 1779, uma provisão do Conselho Ultramarino recuperava a cláusula da inalienabilidade das terras3S.

Quanto ao processo burocrático, as concessões passavam a integrar a jurisdição do govemador-geral, como no Brasil, deixando os tenentes-generais de poder prover as terras, como tinham feito até à autonomia. Além disso, eram exigidos os pareceres das Câmaras e do feitor da Fazenda Real, um modelo semelhante ao seguido naquela colónia. A confirmação régia dos aforamentos transitava do vice-rei da índia para o Conselho Ultramarino, tendo de ser obtida dentro de quatro anos39. A aplicação deste diploma teria implicado profundas transformações nos Rios de Sena, nomeadamente pela divisão das terras e pela sua concessão em áreas diminutas. Tal medida iria necessariamente enfraquecer a autoridade de cada senhor e alterar as relações de poder nos Rios, mas, durante anos, a legislação enviada do reino ficou no papel e a concessão de terras continuou a regular-se pelo regime jurídico anterior.

As alterações subsequentes do regime dos prazos ocorreram por iniciativa da administração de

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Moçambique, na ausência de qualquer ordem expressa da Coroa. Em 1783, o governador Pedro Saldanha de Albuquerque recolheu todos os títulos sem confirmação régia, obrigando os foreiros a pedir novas cartas, que passaram a incluir uma cláusula que restringia a nomeação das restantes vidas aos descendentes ou ascendentes40. Tal norma transformava a natureza das terras dos Rios em prazos familiares em vez de livre nomeação. Contudo, no breve governo de Saldanha de Albuquerque, a nova cláusula não teria impacto assinalável e seria ignorada pelos foreiros e pela administração de Moçambique.

No final do século, num contexto de maior centralização política, a administração de Moçambique passou a exercer um controlo mais apertado sobre os foreiros. Antes de mais, aumentou a inspecção sobre as inúmeras terras sem confirmação régia para lá dos quatro anos previstos para a obter. De facto, muitos senhores dos Rios ignoravam essa cláusula, quer por falta de procuradores na longínqua Lisboa, quer como uma estratégia ensaiada para iludir o pagamento dos elevados direitos de encartamento e, mais raramente, dos foros. O governo-geral passou a exigir aos foreiros a reforma quadrienal das provisões de aforamento, com o pagamento dos respectivos direitos, até obterem a carta de confirmação régia. Além disso, a ausência de confirmação passou a pesar como uma ameaça junto dos moradores dos Rios, que a qualquer momento podiam ver as terras confiscadas por comisso. O controlo dos foreiros passou igualmente pela introdução de restrições na sucessão das vidas e na renovação dos aforamentos. Seguindo à letra a cláusula imposta por Saldanha de Albuquerque, a partir do final do século, os governadores limitaram as sucessões aos descendentes ou ascendentes. Tal prática traduziu-se no aumento do número de terras revertidas à Coroa, o que permitia à administração concedê-las a novos moradores, conquanto a norma pudesse ser contornada em benefício de determinado indivíduo41.

Por último, foram mudados os critérios para a atribuição de novos prazos. O governo-geral evocou as ordens régias de 1753 e de 1783 interditando novas concessões aos moradores que já tinham terras. Para contrariar a latitude das determinações régias e as estratégias dos moradores dos Rios para conseguirem novas mercês, em 1798, o governador-geral Francisco Guedes Meneses da Costa determinou que os foreiros agraciados com um novo prazo, com base no argumento de que o que possuíam era de ténue rendimento, deveriam desistir deste último. O mesmo princípio foi estabelecido em relação às uniões em que ambos os cônjuges eram detentores de prazos e às sucessões em que as vidas recaíam sobre moradores já possuidores de terras42. Conquanto as citadas ordens régias visassem apenas as novas concessões, a norma estabelecida por Meneses da Costa vinha colocar em causa também os direitos de sucessão e de renovação, que, apesar dos confiscos ocasionais, tinham vigorado durante os séculos XVII e XVIII. Na prática, na viragem para Oitocentos, o reconhecimento desses direitos tornou-se cada vez mais dependente do arbítrio dos governadores43. Como se verá adiante, o mesmo governador Francisco Guedes Meneses da Costa estabeleceu, em 1799, que as mercês novas seriam feitas a mulheres e orientadas por critérios restritos, fazendo legitimar a sua decisão com a alegada ordem régia para as terras serem dadas preferencialmente às filhas dos habitantes da colónia para casarem com europeus de modo a promover o povoamento dos Rios44.

A definição deste conjunto normativo para a atribuição das Terras da Coroa diluía a relação secularmente instituída entre serviço e mercê, que começara já a ser subsumida, para associar a concessão de terras apenas ao povoamento europeu. O argumento racial era explicitamente conectado com as necessidades de povoamento, desenvolvimento agrícola e segurança, o que introduzia uma novidade no discurso sobre as Terras da Coroa. De facto, até então, a concessão de prazos tinha sido encarada como forma de povoar os Rios com vassalos beneméritos cujos serviços eram assim recompensados. Esses vassalos eram recrutados fundamentalmente entre europeus e goeses, mas os seus descendentes, os "naturais", tinham sido reconhecidos como súbditos com os mesmos direitos dos seus antepassados, o que fora reforçado pela legislação pombalina, aplicada a Moçambique em 1763, interditando a distinção entre naturais do reino e do Estado da índia45. A política de um prazo por foreiro era particularmente usada contra os descendentes das antigas famílias dos Rios, que tinham conseguido acumular vários prazos, e, de um modo geral, viria a enfraquecer a sua posição.

2. Mulheres e terras no Zambeze:

a sucessão feminina no quadro jurídico dos prazos

Baseados no elevado número de mulheres possuidoras de terras e na sua grande influência na região,

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bem como em documentação tardia, alguns historiadores consideraram a concessão dos aforamentos às mulheres e a sucessão por via feminina uma peculiaridade do regime das terras dos Rios de Sena. Alexandre Lobato terá sido provavelmente o historiador que modernamente mais insistiu em estabelecer a sucessão uterina como uma característica legal dos prazos dos Rios de Sena, uma tese largamente aceite por outros historiadores46. A historiografia tem associado essa proposição a determinados momentos fundadores, geralmente relacionados com normas legais impostas pela Coroa. Consoante a legislação avocada, a origem das concessões femininas teria sido desencadeada pela política régia para o Estado da índia ou para os Rios de Sena. Importa, então, rever esses momentos fundadores e perceber como eles condicionaram a visão dos prazos associados às mulheres.

A tese da exclusividade feminina no acesso e na sucessão dos prazos dos Rios tem sido concatenada por vários historiadores com as mercês nupciais implantadas pela Coroa no Estado da índia47. Desde 1543, eram regularmente enviadas do reino órfãs do rei, filhas de nobres mortos em serviço nas áreas de expansão, para casarem com portugueses do Estado da índia a quem eram feitas mercês. Um alvará régio de 1583, visando regular o processo de dotação de cargos aos maridos destas mulheres, isentava as mercês de ofícios trienais até à categoria de feitor da confirmação régia exigida para a entrância nas capitanias. O que se infere desse alvará é que a dotação de cargos para beneficiar estas órfãs enviadas do reino estava já na altura difundida no Estado da índia. Os fidalgos da índia reagiram e a medida foi alargada, em 1595, às filhas dos casados da região tombados em combate48. O objectivo destas dotações consistia principalmente em beneficiar as descendentes de vassalos mortos ao serviço do rei e que não podiam assegurar às filhas casamentos convenientes. A prática de dotação das órfãs, tendo em vista conseguir-lhes casamentos, consolidou-se em Goa com a criação do Recolhimento de Nossa Senhora da Serra, inaugurado em 1605. Aqui passaram a acolher-se as órfãs do rei, em número de vinte, enquanto aguardavam a sua vez no mercado nupcial49. Desde 1607, os vice-reis foram autorizados a dotar as recolhidas com uma pensão, que, atentas as dificuldades financeiras do Estado, podia provir da concessão de aldeias com um rendimento até 600 cruzados50. Após a Restauração, D. João IV confirmaria a política dos seus antecessores em carta de 15 de Fevereiro de 1647. Finalmente, em 1664, uma provisão do príncipe regente D. Pedro, de 22 de Dezembro, alargava a dotação nupcial às filhas dos homens beneméritos com serviços51. Assim, divulgou-se a prática de conceder a estas mulheres mercês que consistiam em tenças em dinheiro ou em cargos, como capitanias de fortaleza ou de viagem, feitorias e escrivaninhas, a serem exercidos pelos seus maridos ou vendidos a outrem para os ocupar52. No entanto, as terras dos Rios não foram usadas para dotar as órfãs da índia e tudo indica que as várias mulheres beneficiadas com mercês de cargos e viagens a Moçambique as obtiveram por serviços testados e não no contexto daqueles diplomas53.

Nos anos de 1670, a Coroa chegou a formular medidas visando a dotação de órfãs a enviar para a capitania de Moçambique, no âmbito de uma política mais vasta para povoar a capitania, assegurar a defesa e dinamizar o seu comércio. O monopólio do comércio foi transferido, em 1673, dos capitães de Moçambique para a Junta de Comércio de Moçambique e Rios de Sena. O povoamento da capitania foi igualmente objecto de medidas da Coroa. Para aumentar a diminuta população europeia dos Rios de Sena, foi organizada uma expedição de casais e órfãs, a qual chegaria à colónia apenas em 1677. Neste contexto, o príncipe regente D. Pedro, em 1675, aprovou a proposta da Junta de Comércio para criar na capitania um recolhimento de órfãs do reino, cujos casamentos seriam assegurados com a dotação de cargos e terras. Entretanto, determinou a remessa da índia de casais e de órfãs para casarem com portugueses, os quais seriam beneficiados do mesmo modo54. Esta ordem tem servido de argumento à tese de ter sido a Coroa a reservar as terras para as mulheres, tal como de fundamento à proposição que funda a origem dos prazos nas dotações nupciais. Alexandre Lobato chegou a defender: "Assim nasceram os prazos, e assim se fez a Zambézia, que gradualmente deixou de pertencer ao Monomotapa"55. Todavia, este diploma não previa exclusivamente a dotação de órfãs, abrangendo também os casais a enviar da índia. De resto, o recolhimento de órfãs, cuja edificação foi logo adiada, nunca seria instituído e o envio regular de mulheres para Moçambique não passaria de mais um projecto atado ao papel. O príncipe regente determinou igualmente a distribuição de terras tanto aos casais como às órfãs integradas na expedição chegada do reino, em 167756. Mas, a Coroa não definiu nenhum enquadramento normativo no sentido de privilegiar essas órfãs e o vice-rei D. Pedro de Almeida, incumbido de governar directamente a capitania nesse período, tendo fixado as regras dos emprazamentos dos Rios numa minuta dos títulos a emitir, estabeleceu apenas que as concessões seriam em três vidas e de livre nomeação57. Deste modo, a legislação que regulava os prazos dos Rios permaneceu inalterada. Acresce que as fontes disponíveis indiciam que nenhuma dessas órfãs foi dotada com terras, pois os seus nomes não constam dos títulos de aforamento conhecidos. A origem da concessão de terras a

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mulheres não parece radicar, portanto, na tradição destas dotações nupciais, que de modo algum definiam a feminilidade como critério de acesso às terras ou à sua sucessão. Não obstante, posteriormente, muitas mulheres nos Rios de Sena alegariam ser pobres e filhas de vassalos beneméritos, baseadas certamente na referida provisão de 1664.

A política da Coroa que privilegiava, no Estado da índia, a concessão de terras às mulheres e a sucessão feminina surgiu, antes, associada às necessidades de defesa da região, mormente da Província do Noste, participando do esforço de reverter a perda sucessiva das fortalezas portuguesas do Oriente. Com efeito, ela foi iniciada pela ordem régia de 14 de Fevereiro de 1626, que estava claramente imbuída de objectivos militares. Por um lado, restringia a admissão ao despacho de mercês aos homens com os oito anos regimentais de serviço militar cumprido. Por outro, compelia à nomeação das vidas das aldeias da Província do Norte em filhas, de preferência a filhos, com a obrigação de casarem com portugueses nascidos no Reino que apresentassem serviços58. No ano seguinte, esta ordem era integrada na instrução ao vice-rei e alargada também às novas concessões da Província do Norte, prevendo-se que o seu não acatamento implicasse a perda das mercês59. A medida visava simultaneamente coagir os orgulhosos fidalgos do Norte a servirem e atrair a nobreza do reino à índia, de modo a garantir um número de efectivos suficiente para defender as fortalezas numa altura em que a migração diminuía. Esta cláusula introduzia uma mudança dramática na transmissão dos bens da Coroa, regulada pela primogenitura e pela masculinidade, mesmo considerando que a sucessão feminina já antes era autorizada, tanto no reino como na índia. Era também claramente oposta aos diversos padrões hereditários indianos, que excluíam as mulheres da titulação destas sucessões.

Evidentemente, a medida suscitou uma tenaz resistência dos fidalgos do Norte, excluídos deste modo do acesso aos rendimentos das aldeias, a base do seu estatuto social. Evocando a colisão entre a restrição imposta pela ordem régia e a liberdade de escolha nupcial, reconhecida pelo direito canónico, os casados de Baçaim protestaram ser beneméritos e descendentes da melhor nobreza do reino. Finalmente, em 1648, um alvará revogava a ordem de 1626, tanto para Baçaim como para toda a índia60. Deste modo, a norma da sucessão uterina nasceu dirigida à Província do Norte, onde, porém, a varonia prevaleceu como a forma dominante de transmissão das aldeias61. A aplicação desta ordem régia aos Rios de Cuama não foi sequer equacionada nesta altura. Para além de visar a Província do Norte, no Sudeste Africano, os tempos eram de conquista e de entrada de importantes contingentes militares, que havia de recompensar com mercês.

A persistente falta de gente para enfrentar as pressões militares maratas sobre o Estado da índia conduziu o príncipe regente D. Pedro a recuperar, em 1672, a ordem para as aldeias do Norte serem nomeadas em filhas para casarem com naturais do reino com oito anos de serviços62. Provavelmente, como acontecera antes, a lei não passou de letra morta. Nova carta régia, de 21 de Março de 1682, desta vez com assento no Conselho de Estado e Ministros da Relação de 7 de Outubro de 1682, renovava a ordem emitida dez anos antes, explicitando que o seu incumprimento implicava a perda das aldeias63. Por esta altura, várias cartas de aforamento das aldeias do Norte incluíram esta cláusula, com a salvaguarda da nomeação em filhos com serviços, na ausência de filhas64. Mas, os foreiros reeditaram os protestos anteriores e, se a ordem não foi aparentemente revogada, continuou a predominar a sucessão masculina e, até, a prática, autorizada pelos vice-reis, de os foreiros venderem as aldeias aforadas65. Por fim, em 1737, novamente num contexto de grande pressão militar dos maratas, uma provisão do Conselho Ultramarino renovava as antigas ordens sobre a sucessão uterina dos prazos da Província do Norte66.

Importa, então, discutir se esta legislação foi dirigida ou aplicada aos Rios de Sena e em que contextos. Alguns historiadores sustentaram que a exclusividade feminina no acesso e na sucessão dos prazos resultou da política régia, quer porque aquelas ordens se dirigiam também aos Rios, quer porque as medidas para a Província do Norte se estenderam aos Rios. José Capela defendeu que a lei de 1626 foi dirigida aos prazos da índia e portanto alargada "naturalmente" na década de 1680 aos Rios de Sena, embora reconheça não ter existido uma "obrigatoriedade absoluta" no cumprimento daquela norma67. Maliyn Newitt, por seu lado, tendo argumentado que as concessões a mulheres se tornaram frequentes nos Rios na década de 1670, no âmbito das dotações nupciais, considerou que a sucessão seria legalmente restrita à via feminina na sequência da execução da referida provisão de 1737, do Conselho Ultramarino68. Importa, então, relembrar que todas essas determinações régias relativas à concessão de aldeias eram especificamente dirigidas à Província do Norte e não ao Estado da índia. O argumento da sua extensão "natural" aos Rios é apenas aceitável no caso das normas gerais para o Estado da índia e, ainda assim, a sua execução dependia frequentemente da resistência dos vários territórios. De facto, tal como aconteceu com outras leis, a generalização a Moçambique da legislação sobre os aforamentos na Província do Norte não resultou da uniformização da política régia

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para todo o Estado da índia, mas dependeu do entendimento, amiúde contraditório, das autoridades de Goa. Ou seja, o pluralismo jurídico e administrativo, que, como vários estudos têm demonstrado, caracterizava todo o império69, verificava-se dentro do próprio Estado da índia.

Com efeito, a política régia dirigida aos prazos da Província do Norte não parece ter tido reflexos nos Rios de Sena no decurso de Seiscentos e apenas no final da centúria, seria alargada pelo governo de Goa, aos Rios de Sena. Por esta altura, estava ainda muito acesa a discussão sobre a natureza das concessões das aldeias da Província do Norte e sobre a ordem régia para serem mantidas na linha feminina. Eventualmente, as queixas dos moradores dos Rios de Sena sobre a falta de soldados e a precariedade do domínio português na região terão sugerido ao governo de Goa a extensão daquela norma às terras desta região™. Tanto quanto as fontes disponíveis indicam, apenas em 1692 foram emitidas as primeiras cartas de confirmação dos aforamentos dos Rios com a condição de as restantes vidas serem nomeadas em filhas para se casarem com portugueses do reino. Porém, a inclusão desta cláusula não foi generalizada, continuando a ser passados títulos prevendo a livre nomeação. Entre 1692 e 1751, altura em que deixou de constar nas cartas de aforamento, a sucessão feminina foi integrada em 31 % das cartas, emitidas na sua maior parte durante as décadas de 1730 e 1740. Saliente-se, ainda, que não parece existir relação entre a ocorrência da cláusula de sucessão feminina e a concessão de mercês novas, já que essa norma também foi incluída em cartas de confirmação de vidas. Acresce que doze (6,5 %) destas concessões foram feitas a mulheres, igualmente com a condição de casarem ou a justificação de já estarem casadas com portugueses do reino. Com efeito, a administração de Goa, nomeadamente os procuradores da Coroa e Fazenda, entendeu, nestes casos, sujeitar a validade da confirmação à "clazulla irritante na forma das ordens reaes, que sendo cazada com portuguez nascido no reino, e não o sendo cazará, e quando tenha feito, ou faça de outra sorte seja a merce de nenhum effeito"71.

Formas de Transmissão dos Prazos Segundo as Cartas de Aforamento (1692-1751)72

Total Sem referência à forma de nomeação73

Livre nomeação Nomeação em filha

Nomeação em descendentes ou

ascendentes 184 34 92 57 1 184

18,5 % 5 0 % 31 % 0,5 %

Na verdade, tudo indica não ter existido uma política régia compelindo à concessão e à sucessão femininas nos prazos dos Rios de Sena. Esta exigência, nos casos em que ocorreu, derivou da prática administrativa do Estado da índia tendente a aplicar àquela região as medidas definidas pela Coroa para a Província do Norte. Mas a extensão dessa prática aos Rios, dependendo do entendimento dos procuradores em exercício, não foi sequer generalizada. Assim, por exemplo, em 1737, o vice-rei conde de Sandomil ordenava ao tenente-general dos Rios de Sena para, no caso das mercês novas, privilegiar os homens do reino, em vez dos oriundos de Goa ou naturais dos Rios, não equacionando qualquer obrigação de reservar as terras para as mulheres74.

Da mesma forma, a autonomia de Moçambique face à índia não seria acompanhada de qualquer legislação régia coagindo à exclusividade feminina na concessão e na transmissão dos prazos. A instrução ao primeiro governador-geral de Moçambique, de 20 de Abril de 1752, aludia à concentração de terras nas mãos de alguns foreiros e sugeria a oportunidade de fixar na região o numeroso contingente de soldados então enviados para a colónia. Assim, esse diploma ordenava que os foreiros portugueses e goeses desposassem as filhas exclusivamente com reinóis, sob pena de perderem as terras. O texto desta instrução foi frequentemente evocado como fundamento da existência de ordens régias para atribuir terras às mulheres e firmar o princípio da sucessão uterina, pelo que vale a pena considerá-lo:

Nesta occazião embarca muita gente que com grande facilidade me parece podia muita parte delia estabelecer-se, cazando com as mulheres brancas, e com as filhas dos Canarins, e repartindo-se algumas terras das muitas que há, e estão com hum só dono por falta de habitantes, como V.Sa refere na sua Relação, e para este effeito ordena Sua Magestade que V.S.a com modo, e prudência execute estes estabelecimentos, e que V. S.a, não consinta, que branca nenhuma, ou filha de Canarim cazem com outrem senão com Portuguez.75

Por esta altura, muitas terras estavam nas mãos de "naturais", descendentes de reinóis, indianos e africanas. O governador-geral Francisco de Melo e Castro apressou-se a generalizar a ordem, estendendo-

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a às filhas dos "naturais"76. A iniciativa recebeu inteira aprovação da Coroa, que garantiu igualmente os direitos sucessórios dos descendentes masculinos dos portugueses casados com africanas77. A política da Coroa visava promover o aumento da fixação de europeus, forçando o casamento das mulheres dos Rios de Sena com os reinóis. Porém, em momento algum impunha a feminilidade no acesso e na transmissão das terras, como explicitamente se ordenara no caso da Província do Norte. Nem tão pouco a legislação emanada do reino em 1760 relativamente às terras dos Rios, agora designadas frequentemente "sesmarias", condicionava, como foi referido, a sua concessão ao sexo dos mercenários. Na sucessão dos prazos, a administração de Moçambique continuou a reconhecer as escolhas feitas pelos foreiros defuntos, mesmo quando os designados não eram mulheres apesar de tal imposição constar nos títulos de aforamento, ou, na ausência de sucessores nomeados, o direito dos herdeiros, masculinos e femininos, às restantes vidas ou à renovação. De igual modo, as novas concessões de terras seriam feitas tanto a homens como a mulheres, em ambos os casos, usando como argumento a necessidade de povoar e desenvolver a agricultura dos Rios de Sena. De resto, a cláusula da feminilidade na transmissão dos prazos deixou de constar nos títulos de aforamento posteriores àquela data, quer se tratasse de sucessões, quer de mercês novas78.

3. Mulheres e terras nos Rios de Sena:

estratégias locais na elaboração da sucessão feminina

Independentemente das efectivas, mas cronologicamente delimitadas, constrições contratuais relativas à sucessão uterina, ineficazes na Província do Norte, é certo que, na viragem para Setecentos, se tornou comum a designação de mulheres para sucederem nos prazos dos Rios de Sena. Esse facto foi notado, em 1717, pelo tenente-general dos Rios, que se queixou ao vice-rei D. Luís de Meneses do elevado número de mulheres detentoras de terras, reclamando medidas para assegurar o controlo dos prazos pelos homens. O vice-rei considerou a sucessão feminina dos bens da Coroa nos Rios uma "diabólica introdução", mas justificou que, sendo as terras de livre nomeação, não tinha poderes para alterar os testamentos, pelo que lhe restava unicamente reservar para os homens as mercês novas79. A sucessão feminil estava, deste modo, a tornar-se relevante nos Rios de Sena, também em virtude das nomeações feitas pelos foreiros e independentemente da política da administração de Goa.

De facto, o aumento da concentração dos prazos nas mãos das mulheres é notório ao longo do período moderno. Assim, na década de 1630, das 74 terras detidas por particulares, apenas 13, ou seja, 17,6 %, estavam tituladas em mulheres, todas viúvas e órfãs, mas eram administrados pelos seus familiares masculinos80. As listas de prazos elaboradas a partir de meados do século XVIII, combinadas com os títulos de aforamento, permitem concluir que as mulheres se tornaram as foreiras de mais de metade dos prazos dos Rios. Por exemplo, em 1760, elas possuíam 52 das terras aforadas aos privados, representando 64,2%, enquanto aos homens apenas cabiam 2981. Mesmo concedendo algum peso às práticas administrativas do governo de Goa, esta tendência terá resultado principalmente das estruturas demográficas, sociais e políticas construídas nos Rios de Sena.

Durante o período moderno, a colonização da região foi feita com homens oriundos da Europa ou de Goa, neste caso procedentes maioritariamente de famílias luso-asiáticas. Ao longo destes séculos, a imigração feminina de ambas as proveniências foi insignificante. De facto, raras europeias alcançaram o vale do Zambeze, enquanto apenas um número reduzido de goesas se deslocou para aí durante o século XVIII. Deste modo, a elite de foreiros integrava um elevado número de homens de fora do país, enquanto as mulheres eram maioritariamente nascidas aí. A elevada mortalidade dos estrangeiros na região dos Rios de Sena, provavelmente superior à verificada noutras partes do império onde o domínio territorial era, então, expressivo, favorecia a sucessão das viúvas. Muitas mulheres celebraram múltiplos casamentos, por vezes quatro ou cinco, desempenhando carreiras notáveis como viúvas detentoras de prazos. Conforme a lei geral, no caso de o foreiro falecer sem nomear sucessor, o prazo passava aos herdeiros, descendentes ou ascendentes, e, na sua ausência, ficava devoluto ao senhorio (Ord. IV, 36, 2). Esta norma combinada com a que proibia as doações entre marido e mulher (Ord. IV, 65) poderia fazer reverter à Coroa um elevado número de prazos devido à alta mortalidade verificada na região. Não obstante, nos prazos de livre nomeação aforados a um dos cônjuges, como acontecia nos Rios de Sena, não existia unanimidade quanto à possibilidade da sua transmissão ao cônjuge sobrevivo. Alguns juristas (como Caldas, Pinheiro, Barbosa) defendiam a comunicação do aforamento ao cônjuge, fundados no facto de apenas ser transmitido

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o domínio útil e não a posse plena da terra. Outros inferiam da interdição de a mulher quinquagenária novamente casada nomear prazos no marido (Ord. IV, 105), a admissão pela lei da transmissão em todas as outras situações. Outros, ainda, consideravam que a nomeação dos prazos se regulava pela regra geral das doações entre marido e mulher, a qual previa que as mulheres se constituíam como herdeiras apenas na falta de descendentes e ascendentes, que podiam embargar as doações (Ord. IV, 65, l)82.

Apesar da ambiguidade jurídica, a nomeação do cônjuge sobrevivo, homem ou mulher, como sucessor nos prazos era comum nos Rios de Sena, mesmo existindo descendentes ou ascendentes. Todavia, devido à alta mortalidade europeia, o número de mulheres que sobreviviam aos cônjuges era superior ao dos homens. A posição da administração portuguesa evoluiu, de resto, no sentido de aceitar plenamente as mulheres como sucessoras. Nas primeiras décadas de Seiscentos, quando entravam numerosos exércitos na região, as mulheres viúvas e órfãs sucediam aos homens nas Terras da Coroa, mas perdiam os títulos das terras quando casavam. Assim, no início da década de 1630, inúmeras mulheres estavam na posse de terras na sequência de um desastre militar que vitimara os seus parentes masculinos. Essas mulheres, na sua maioria, casaram novamente e as cartas de aforamento constantes no tombo levantado em 1634-1637 foram passadas no nome dos maridos e não no delas83. Ou seja, a sucessão era transferida para os homens e elas perdiam a titularidade das cartas de aforamento. Todavia, no decurso de Seiscentos, a administração passou a reconhecer às mulheres o direito a manterem os títulos das terras. Eventualmente, tal mudança relacionou-se com o facto de a migração europeia para a região ter diminuído dramaticamente depois da década de 1630, marcada pelo afluxo de significativos contingentes militares. Ao admitir a sucessão feminina a administração pretenderia assegurar a continuidade das casas que defendiam o domínio português na região e mantinham as trocas que sustentavam o comércio da índia. A sucessão das viúvas tornou-se vulgar e até quando os foreiros morriam intestados as autoridades portuguesas reconheciam esse direito. Mas, mesmo havendo descendentes, acontecia os foreiros designarem as mulheres como sucessoras. Na base desta escolha e do seu reconhecimento pela administração portuguesa estava certamente a consideração da idade e da experiência do cônjuge. Por exemplo, Lopo Sanches da Silveira, senhor dos extensíssimos prazos Luabo e Gorongoza e do mais acanhado Inhacatondo, deixou apenas este último ao filho, Custódio Sanches da Silveira, nomeando como sua sucessora nos primeiros a sua mulher, D. Inês Garcias Cardoso84.

A relevância da sucessão feminina na transferência dos prazos para a geração dos descendentes pode também ser explicada em parte pelas estruturas demográficas. De facto, conforme Jack Goody, nas sociedades pré-industriais, cerca de 20 % dos casais não têm filhos, enquanto outros 20% têm apenas filhas. Faltam estudos demográficos que confirmem este dado para os Rios de Sena, no entanto, ele não será certamente muito diferente do verificado noutras sociedades. No caso dos Rios, as mulheres podiam tornar-se titulares da sucessão e da herança, uma situação que suscitava resistências noutras sociedades, como a indiana, onde diversos padrões de herança e administração dos bens familiares privilegiavam em geral os homens85.

Mas, quer a prática das sucessões femininas, quer a obtenção de novas concessões para mulheres devem fundamentalmente ser entendidas no quadro das estratégias das famílias dos Rios de Sena para assegurarem a perpetuação das suas casas. Nas situações em que a família dispunha de vários prazos, era possível beneficiar mais do que um filho, dando mesmo origem a várias casas. No entanto, dado que muitas famílias possuíam apenas um prazo, a que estava associada a sua casa, a escolha do sucessor, que deveria assegurar a sobrevivência dos restantes membros, era uma decisão relevante. Não obstante a escassez de informação sobre a composição das famílias dos Rios, sobretudo até meados de Setecentos, alguns casos conhecidos indiciam que o conjunto dos familiares (ascendentes e colaterais) investia na sucessão feminina. Com efeito, várias famílias, tendo descendentes masculinos, escolheram mulheres como sucessoras. Por exemplo, D. Ana Maria Flor das Neves foi escolhida como sucessora da t e m Chemba, apesar de ter um irmão86. Noutro caso, Salvador Serrão de Sousa nomeou o prazo Chupanga na filha D. Ana Rodrigues Serrão de Sousa, apesar de ter pelo menos um filho, Manuel de Sousa81.

Aparentemente, através da nomeação de uma filha em vez de um filho, essas famílias investiam em alianças matrimoniais com homens oriundos da índia ou do reino. Essas uniões eram procuradas pelo estatuto social dos recém-chegados, entre os quais se incluíam elementos da fidalguia e da nobreza da terra. Mas, sobretudo, esses homens eram detentores de um capital social de que a maioria dos foreiros nascidos nos Rios não dispunha. De facto, independentemente dos constrangimentos impostos em parte das cartas de aforamento emitidas na primeira metade de Setecentos, a união com homens do reino ou da índia oferecia, relativamente à ligação com outros sucessores dos Rios, possibilidades acrescidas de conservar e aumentar a casa. Essas alianças integravam a construção de redes sociais, frequentemente de carácter clientelar88, que

se estendiam aos centros administrativos da parte oriental do império, a ilha de Moçambique e Goa, e, até, a Lisboa. Nomeadamente, esperava-se que esses indivíduos mobilizassem meios de comunicação política privilegiados - quer pela sua proximidade face à administração, quer porque eles próprios desempenhavam ofícios - para influenciar a obtenção de prazos, cargos e distinções que conferiam estatuto social, como o grau de cavaleiro de ordem militar ou o foro de fidalgo da casa real. De igual modo, confiava-se na capacidade desses indivíduos para estabelecer contactos comerciais as redes mercantis transoceânicas, o que se tornaria relevante sobretudo depois de definitivamente estabelecida, em 1758, a liberdade de comércio. O processo de atribuição do prazo Cheringoma a D. Maria Caetana de Mendonça Corte Real exemplifica como funcionavam essas redes sociais. Na altura, o governador-geral Baltazar Pereira do Lago explicou que o seu marido, José Caetano da Mota, além de ser um dos moradores mas ricos, era "favorecido" de Paulo de Carvalho e Mendonça, o irmão do poderoso marquês de Pombal89. Dada a raridade da imigração feminina na colónia, essas alianças teriam de constituir-se pelo casamento das mulheres das famílias dos Rios com os homens que aí afluíam. O favorecimento das filhas em detrimento dos filhos, tendo em vista a construção de alianças matrimoniais com recém-chegados, foi igualmente observado por M. Nazzari na capitania brasileira de S. Paulo, em particular no decurso do século XVII90.

O caso de D. Francisca Josefa Moura Meneses e do seu marido João Moreira Pereira ilustra como, na flagrante ausência de constrangimentos legais, as famílias construíam essas escolhas. O casal ficou sem descendentes, depois da morte da sua única filha. Sendo senhores de inúmeros prazos, ambos fizeram uma doação em vida de terras, escravos e casas para dote de casamento de duas sobrinhas, D. Maria Antónia Teodora de Carvalho e D. Ana Felisberta Peregrina de Carvalho. Estas eram as irmãs mais velhas de uma vasta prole, que compreendia pelo menos um irmão. Uma das terras em causa era um prazo da Coroa, sem qualquer cláusula relativa à sucessão feminina, e a outra era uma terra de fatiota, portanto uma propriedade alodial, que não estava sujeita ao enquadramento jurídico dos prazos. No entanto, a escritura sujeitava a doação ao casamento de ambas as dotadas com portugueses do reino, invalidando-a mesmo no caso de esta cláusula levantar a oposição dos pais. Apenas por morte das duas irmãs, anterior a um matrimónio, aqueles bens passariam para irmãs seguintes já sem aquele artigo91. Com efeito, tanto quanto os dados disponíveis permitem concluir, ao longo dos séculos XVII e XVIII, a maioria das donas dos prazos diligenciava casar-se com indivíduos oriundos de Goa ou de Portugal.

Deste modo, muitas das casas dos Rios, identificadas com a posse de certos bens, de entre os quais os principais eram os prazos, eram transmitidas por linha feminina. Tudo indica, portanto, que estas famílias investiam mais na preservação da casa do que da linhagem, associada ao apelido transmitido por linha masculina. Aliás, algumas sucessões parecem indiciar a tentativa de construção de linhagens femininas. Por exemplo, D. Catarina de Faria Leitão era considerada a sucessora de Maria da Guerra, apesar de esta ter nomeado também outras pessoas como sucessoras das suas inúmeras terras92. No final de Setecentos, essas alianças matrimoniais ganharam ainda mais importância na medida em que não estava apenas em causa a obtenção de novos prazos, mas também o reconhecimento das sucessões, cada vez mais dependentes do poder discricionário dos governadores.

Para os homens que queriam estabelecer-se nos Rios, essas uniões permitiam o acesso aos prazos e aos circuitos comerciais dominados pela elite dos Rios. De facto, a terra podia ser adquirida através da concessão de mercês novas pela administração, mediante a apresentação de serviços feitos à Coroa na capitania de Moçambique ou noutras partes do império. Mas a obtenção de uma mercê nova dependia da existência de prazos devolutos, o que, atenta a liberdade de nomeação dos sucessores, não era frequente até às últimas décadas de Setecentos. A obtenção de terra passava, então, pela aliança matrimonial com os detentores de prazos ou, mais raramente, a criação de laços conducentes à nomeação num estranho, uma forma de transmissão admitida pelo clausulado das cartas de aforamento até à década de 1780.

Estes casamentos eram frequentemente contratados através de procuradores, em Goa ou na ilha de Moçambique. A administração portuguesa promovia igualmente estas uniões matrimoniais, visando satisfazer uma clientela cujas oportunidades no Estado da índia eram cada vez mais reduzidas, bem como assegurar o fluxo comercial e a ténue soberania portuguesa no sertão, muito dependente dos exércitos dos mercenários das Terras da Coroa93. Esta intervenção da administração tornou-se mais notória a partir do final de Seiscentos, opondo-se, por vezes, às estratégias familiares das visadas. Sob o argumento de contrariar a liberdade nupcial consagrada pelo direito canónico, originou diversas queixas, incluindo de eclesiásticos. A Coroa acabaria por interditar tal prática, em 1727 e 174194, mas os casamentos das jovens e das viúvas não deixou de interessar os governadores.

O controlo das tetras pelas mulheres, diferentemente de outras sociedades do Estado da Índia onde

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existiram prazos, não implicava uma transformação profunda das estruturas sociais. Com efeito, nas sociedades matrilineares a norte do Zambeze (macuas e maraves), onde o poder da linhagem da mãe se traduzia pela predominância dos seus elementos femininos, eram as mulheres a controlar as terras e as colheitas e em algumas comunidades maraves elas desempenhavam também o papel de chefes. Nas sociedades patrilineares do sul do Zambeze (karangas), as várias esposas do imperador Monomotapa tinham também os seus próprios territórios e um importante papel na estrutura do Estado, sendo, por exemplo, enviadas como embaixadoras. Quanto aos tongas do vale do Zambeze, parece ter funcionado um sistema dual, combinando formas de sucessão matrilineares e patrilineares95.

Saliente-se que a associação entre prazos e mulheres não decorreu apenas do lugar que as mulheres ocuparam na sucessão das terras, tendo radicado também no protagonismo que alcançaram. A administração poprtuguesa ao fazer concessões às mulheres ou ao reconhecer a sua sucessão nos prazos, esperava que os maridos como "cabeças de casal" gerissem as casas dos Rios. No entanto, essas mulheres construíram uma notoriedade certamente pouco consentânea com o papel subalterno que lhes era destinado e algumas, mormente as viúvas, adquiriram um poder extraordinário, equiparável ao dos seus congéneres masculinos, como já abordei noutro local96. Esse papel deve igualmente ser entendido no âmbito dos sistemas sociais africanos onde as mulheres tinham grande influência. As donas dos prazos, dominando os mecanismos políticos, sociais e simbólicos africanos, estavam em posição de construir um poder significativo, nomeadamente em função dos laços forjados com os seus dependentes africanos e as chefias da região. Ao poderem mobilizar o apoio das populações dos prazos que os homens recém-chegados tinham mais dificuldade em obter, elas puderam construir um poder assinalável e igualmente desempenhar papéis económicos idênticos aos dos homens. Frequentemente, o domínio desses mecanismos permitiu-lhes ainda servir de intermediárias entre os maridos vindos de fora e as populações africanas dos prazos97 ou entre a administração portuguesa e as chefias africanas98. A notoriedade conseguida por algumas dessas mulheres valeu-lhes o reconhecimento do seu próprio nome para identificar as suas casas, como ilustram os exemplos de D. Inês Castelbranco e de D. Catarina de Faria Leitão, apesar dos cinco casamentos de ambas99. A história das "donas da Zambézia", como ficaram conhecidas, permanece ainda em grande medida por construir, apesar de alguma visibilidade conferida pelo discurso historiográfico100.

4. O triunfo da exclusividade feminina na viragem para Oitocentos

A preeminência das mulheres enquanto titulares e administradoras dos prazos favoreceu certamente a construção da representação social e ideológica que perspectivava a posse das terras dos Rios de Sena como privativa do sexo feminino, conquanto essa visão possa radicar em algumas cartas de aforamento emitidas na índia. Mas apenas na viragem para Oitocentos, o emblema da exclusividade feminina no acesso e na transmissão das terras dos Rios se tornou recorrente, erguendo-se como argumento da prática administrativa e do discurso dos que na capitania disputavam os prazos. Justificado como parte constituinte de um plano normativo imemorial decorrente da política da Coroa para atrair homens europeus à região, esse tópico tinha raízes em algumas cartas expedidas de Goa, mas a legislação mais citada era a de Instrução de 1752, que, como foi referido, de modo algum impunha restrições quanto ao género dos foreiros. Esse discurso era empunhado principalmente pelos negociantes da ilha de Moçambique, um grupo que se afirmara na sequência da liberalização do comércio e cujos rendimentos estavam maioritariamente associados ao tráfico de escravos para o Índico e para a América1"1. De facto, os comerciantes da ilha estavam a tentar territorializar-se, investindo na aquisição de terras para as suas filhas, que casavam com outros negociantes e funcionários chegados à colónia. Tal objectivo apenas era factível havendo terras livres, ou seja, introduzindo mecanismos para desapossar a elite foreira dos Rios, já que os prazos não eram acessíveis pela compra.

Esse processo ocorreu na viragem para Oitocentos, quando o poder estava mais centralizado na ilha de Moçambique e os altos funcionários da administração, incluindo os governadores, muito envolvidos nos circuitos mercantis esclavagistas e, portanto, mais susceptíveis à pressão dos interesses dos seus parceiros comerciais. As alterações então introduzidas não resultaram de qualquer ordem procedida do reino, correspondendo antes à iniciativa da administração de Moçambique. Em 1799, o governador-geral Francisco Guedes Menezes da Costa estabeleceu a exclusividade feminina no acesso às novas concessões de terras, legitimando-a com a alegada ordem régia para as terras dos Rios serem "dadas com preferência as filhas dos abitantes destas colonias para cazarem com omens Europeos [...] por querer que se propague

nos seus Dominios a rasa branca que os cafres tanto mais respeitão que os seus semelhantes ou aquelles que decendem delles, ou que com eles parecem na cór". A citação das supostas ordens régias constituía-se como argumento discursivo relevante para as normas que o governador pretendia impor. Num formulário enviado ao governador dos Rios, o paulista Francisco de Lacerda e Almeida, Meneses da Costa estabelecia que as mercês novas beneficiariam apenas as mulheres e seriam orientadas por critérios de raça, estado civil, riqueza, saúde e beleza. Em iguais circunstâncias, deveriam ser preferidas as mulheres brancas às de outra cor, as solteiras às casadas, as casadas com filhos às que os não tinham. Entre as solteiras, seriam prepostas as que estivessem em estado de casar, gozassem de melhor saúde e fossem mais bem proporcionadas. Por fim, deveriam ser escolhidas as descendentes de pais sem terras já que, alegava, os foreiros pediam prazos para as filhas como estratégia para alcançarem mais terras, acabando por retardar os seus casamentos102. Estes regras não se traduziram, no entanto, na inclusão nas cartas de aforamento de qualquer cláusula compelindo à sucessão feminina, como acontecia em títulos emitidos em Goa na primeira metade de Setecentos.

Não obstante, a bengala da exclusividade feminina serviria frequentemente para retirar as terras aos sucessores dos anteriores foreiros e beneficiar os mercadores da ilha de Moçambique, que obtiveram terras para as filhas e as casaram com os recém-chegados à colónia. A pressão era maior sobre as grandes terras mais próximas do litoral, nos distritos de Sena e Quelimane. Importantes prazos de Sena foram então disputados por residentes da ilha de Moçambique e alguns deles, como Caia, Chemba e Gorongoza, passaram então para as suas mãos103. Alguns dos novos foreiros desfrutavam na capital os rendimentos dos prazos e o seu novo estatuto de senhores de terras. Ainda assim, outros transferir-se-iam para Quelimane, quando esta vila se afirmou como um importante porto exportador de escravos para os mercados internacionais. De facto, a partir de 1796, foram emitidas autorizações para os navios do tráfico saírem directamente de Quelimane, sem passarem pela ilha de Moçambique, e em 1812 foi instalada ali uma alfândega. A relevância adquirida por este porto no comércio internacional conferiu aos prazos do delta uma importância estratégica superior à que possuíam quando as exportações eram dominadas pelo ouro e pelo marfim. Não só os escravos aguardavam aí o embarque, como também o alargamento do mercado de mantimentos por via do tráfico negreiro criou novas oportunidades para a produção agrícola desenvolvida no delta104.

O longo processo que, no início de Oitocentos, opôs o herdeiro de uma das principais casas dos Rios e um dos mais destacados comerciantes de Moçambique esclarece a discussão teórica e a prática administrativa em torno dos prazos dos Rios. Estava em causa o grande prazo Gorongoza, na altura na posse do menor António de Araújo Bragança, descendente, pela parte materna, de uma família que remontava ao início do século XVII e que incluía vassalos reputados, entre os quais vários fidalgos com inúmeros serviços à Coroa e o exercício dos mais altos cargos na governação dos Rios105. A sucessão do prazo fora disputada durante algum tempo entre os dois filhos da última foreira, D. Inês Pessoa de Almeida Castelbranco, que, por pressão do último marido, fizera uma nomeação por instrumento público no filho de ambos, mas no testamento designara como sucessor um filho de um anterior casamento106. A morte do irmão mais velho encerrou o litígio e o menor António de Araújo Bragança obteve carta de aforamento da terra107. No entanto, o governador-geral Francisco de Paula Albuquerque Cardoso declarou o prazo em comisso, alegando a falta de confirmação régia, embora a mãe do foreiro a tivesse obtido108. A terra Gorongoza foi então concedida a D. Juliana da Cruz e Almeida, a filha de António José da Cruz e Almeida, um dos maiores armadores e negociantes de escravos da capital, entretanto, casada com o secretário do governo de Moçambique, Francisco da Costa Lacé109. De acordo com o procurador do menor, o governador envolvera-se em negócios com Cruz e Almeida, tendo contraído grandes dívidas junto do comerciante. Nestas circunstâncias, teria feito desaparecer o requerimento atempado da avó e tutora do menor para reformar a carta de aforamento, declarando o comisso e confiscando o prazo para o conceder a D. Juliana110.

O novo tutor do menor, João Caetano Andrade Socorro, casado com uma sua tia, interpôs recurso para tentar anular o novo aforamento. O procurador da Coroa, no Rio de Janeiro, atendeu às alegações do tutor. Assim, considerou nula a concessão à filha de Cruz e Almeida já que o prazo não estava extinto, mas apenas em comisso, situação em que as Ordenações concediam ainda um ano para obter confirmação"1, e o direito comum um período de trinta anos. Outros princípios geralmente aceites pelo direito pendiam a favor do foreiro, como a sua menoridade, a lonjura do lugar, a demora intencional dos papéis na secretaria, as benfeitorias feitas e o pontual pagamento dos foros. Por fim, acrescia o facto de o mesmo governador ter atendido outra foreira nas mesmas condições"2.

Os argumentos do pai da nova foreira de Gorongoza, e depois do seu marido, fincavam-se antes no conveniente princípio de as terras servirem para dotar mulheres. Cruz e Almeida evocava especificamente a Instrução de 20 Abril de 1752, afirmando "que diz que se repartão as terras por filhas de Portuguezes vindos

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da Europa, e que não possa ter sucessão nellas senão mulheres que se possão cazar com Europeus, afim de haver moradores desta qualidade, que nesta colonia se fazem tão precizos"113. A ordem régia era, assim, citada e deturpada de modo a legitimar as pretensões do requerente. Cruz e Almeida denunciava o facto de o anterior foreiro ser homem, mulato e menor, concluindo que estava, portanto, excluído da sucessão dos prazos. Estando o prazo em comisso, a doação à sua filha era uma mercê nova, que o governador podia fazer a quem entendesse. Por fim, retirava a legitimidade aos testemunhos certificando o pedido atempado de nova carta de aforamento pela tutora do menor baseado no facto de os seus autores serem um goês e um baneane"4. O marido da foreira argumentava ainda com as presumíveis ordens da Coroa para os prazos serem concedidos às mulheres e se excluírem os homens da sucessão, concluindo que "sendo elle [herdeiro] varão, nem mesmo hum prazo podia pessuir, segundo as mesmas ordens, que mandão andarem em femeas para dote, e cazamento, e quando as não há nas vidas, inda que estejão confirmados os afforamentos, passão a devolver-se á Coroa, como tem acontecido à muitos em Mossambique"'".

0 procurador da Coroa, já no Brasil, ripostou não se verificar a alegada vacatura do prazo por falta de confirmação régia, atendendo ao costume da dispensa de tempo nos emprazamentos de bens da Coroa. A ideia de que os prazos estavam reservados às mulheres, declarada extravagante, contrapôs que, ainda assim, tal princípio só poderia ser aplicado a prazos vagos. Quanto ao direito de sucessão do menor considerou-o indiscutível, atendendo à lei de 9 de Setembro de 1769 sobre as sucessões, nomeações, devoluções e vacaturas dos prazos vitalícios, explicada pelo assento de 16 de Fevereiro de 1786 e conciliada com a Ordenação, II, 35, 7 acerca dos prazos da Coroa116. Não obstante o parecer do procurador da Coroa e a consulta favorável do Desembargo do Paço, o juiz dos feitos da Coroa e Fazenda entendeu não estarem provados os direitos de nomeação è de sucessão, devendo o caso ser julgado em juízo competente. O juiz não fundamentou a sua decisão, mas, aparentemente, estaria em causa saber se o prazo tinha revertido à Coroa, atentas as duas nomeações feitas pela mãe do foreiro e o facto de o último sucessor por ela designado ter falecido. O rei ratificou a decisão, encaminhando-a para as vias ordinárias117. O prazo manter-se-ia nas mãos da nova foreira, mas na década de 1820 ainda não estava decidido o contencioso118.

Casos como este evidenciam a emergência de um novo padrão na política de concessões das terras da Coroa, tendente a limitar os direitos de sucessão e renovação dos prazos às famílias dos Rios a favor de novos foreiros. Estes eram comerciantes e funcionários da ilha de Moçambique, que usavam a proximidade face aos governadores para fazer valer as suas pretensões. Tal era possível pelo facto de o processo de concessão dos prazos estar muito mais centralizado nos governadores-gerais119. E difícil estimar o número de prazos que, por esta altura, foi concedido a residentes em Moçambique. As relações de terras limitam-se a indicar o nome dos foreiros, enquanto parte das cartas de confirmação deste período alude aos foreiros como moradores na capitania de Moçambique, não discriminando a povoação em que residiam. Mas, para além da documentação resultante de disputas sobre o direito às terras, algumas memórias sobre os Rios denunciam precisamente o facto de muitos prazos estarem nas mãos de residentes na ilha de Moçambique, que os arrendavam ou nomeavam administradores120.

Tal situação era claramente oposta ao discurso recorrente que clamava destinarem-se os prazos a dotar mulheres para atraírem povoadores europeus, de modo a garantir a segurança e a agricultura nos Rios de Sena. Com efeito, esse princípio, justificado com as ordens régias para povoar os Rios de Sena, resultou de medidas administrativas e, sobretudo, foi construído como um instrumento para escudar a posição dos residentes na ilha de Moçambique. O êxito deste grupo na imposição da doutrina da exclusividade feminina no acesso e na sucessão dos prazos pode aferir-se pela assunção da existência dessa norma jurídica no discurso da administração e nos textos legais oitocentistas. Já no final do século, o relatório do decreto de 27 de Junho de 1880 começava por afirmar que "os territórios da Província de Moçambique eram constituídos em prazos que deveriam ser dados por mercê, em três vidas, a pessoas do sexo feminino, descendentes de Portugueses da Europa, com obrigação de casarem com Portugueses de igual origem e, na ordem de sucessão, o varão era excluído pela fêmea"121. Um vez consolidada na prática administrativa e nos documentos oficiais, a associação entre prazos dos Rios de Sena e mulheres entrou no discurso memorialista122 e, posteriormente, historiográfico.

Notas 1 Para a instituição das sesmarias em Portugal, ver RAU, Virgínia (org. José Manuel Garcia). Sesmarias medievais portuguesas. Lisboa:

Editorial Presença, 1982. Para o Atlântico, ver SALDANHA, António Vasconcelos de. As Capitanias. O Regime Senhorial na Expansão Ultramarina Portuguesa. Funchal: Centro de Estudos de História do Atlântico, 1992.

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2 Sobre as normas jurídicas que regiam os aforamentos, ver SOUSA, Manuel de Almeida (Lobão). Tractado pratico, e critico de todo o direito emphyteutico conforme a legislação, e costumes deste reino e uso actual das naçoens. Lisboa: Impressão Regia, 1814.

3 Sobre a transmissão dos bens da Coroa, ver HESPANHA, António Manuel..4s vésperas do Leriathan. Instituições e poder politico. Portugal - Séc. XVII. Coimbra, Almedina, 1994, pp. 402-414; MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. O crepúsculo dos grandes. A casa e o património da aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: Imprensa Nacional, 1998, pp. 212-217.

4 Os principais estudos sobre os prazos dos Rios de Sena são: LOBATO, Alexandre. Evolução administrativa e económica de Moçambique. 1752-1763. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1957; LOBATO, Alexandre. Colonização senhorial da Zambézia e outros estudos. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1962; ISAACMAN, Allen. 1972, Mozambique: the africanization ofa European Institution. The Zambezi Prazos. 1750-1902. Madison: The University ofWiscosin Press, 1972; NEWITT, M.D.D., Portuguese settlement on the Zambesi. London: Longman, 1973; NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. London: Hurst & Company, 1995; CAPELA, José. Donas, Senhores e Escravos. Porto: Afrontamento, 1995; RODRIGUES, Eugênia. Portugueses e Africanos nos Rios de Sena. Os prazos da Coroa nos séculos XVII e XVIII. Universidade Nova de Lisboa, Dissertação de Doutoramento em História, 2002.

5 RODRIGUES, Eugênia. Mercadores, Conquistadores e Foreiros: a construção dos prazos dos Rios de Cuama na primeira metade do século XVII. in MAGALHÃES, Joaquim Romero; FLORES, Jorge Manuel (coord.). Vasco da Gama. Homens, Viagens e Culturas. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001, vol. I, pp. 443-480.

6 RODRIGUES, Portugueses e Africanos ..., pp. 409-464. 7 Os foros de Ceilão constituíam a principal receita deste território. SUBRAHMANYAM, Sanjay, O império asiático português, 1500-

1700. Uma história politica e económica. Lisboa: Difel, 1995, pp. 186-187. Em Damão, o peso dos foros variou ao longo do tempo, mas era, de qualquer modo, significativo. Em 1635, os foros arrecadados representavam 80 % das rendas, enquanto em 1688 a maior diversidade económica os fez baixar para 32%. MATOS, Artur Teodoro de (dir. e prefi). O Tombo de Damão - 1592. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2001, pp. 20-21.

s HOPPE, Fritz. A África Oriental Portuguesa no tempo do Marquês de Pombal, 1750-1777. Lisboa: 1970, pp. 25-37; 141-147. 9 RODRIGUES, Mercadores, Conquistadores ..., p. 460. 10 Sobre o dever do príncipe de recompensar os serviços dos vassalos, presente na teoria política medieval e moderna, ver HESPANHA, As

vésperas ..., pp. 402-414; MONTEIRO, O crepúsculo ..., pp. 204-7, 545-550. 11 Ver, por exemplo, Historical Archives of Goa (doravante, HAG), eód. 2328, passim. 12 O direito admitia, ainda, o escrito particular na presença de terceiros ou a declaração da vontade do foreiro feita perante testemunhas,

possibilidades omissas nas cartas de aforamento dos Rios de Sena. SOUSA, Tractado pratico .... vol. I, § 369-378, pp. 261-267. 13 Reporto-me ás Ordenações Filipinas. A edição usada foi: ALMEIDA, Cândido Mendes de (ed.). Ordenações Filipinas, (reprodução "fac-

simile" da ed. de 1870). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. 14 O direito de renovação afirmou-se progressivamente em Portugal, mas apenas seria formalmente estabelecido pela lei de 9 Setembro de 1769.

Ver Lei de 9 Setembro de 1769 in ALMEIDA, Ordenações ..., vol. Ill, PP- 1038-1041,1057-1061. 15 HESPANHA, As vésperas ..., pp. 403-405. 16 Ver também SOUSA, Tractado pratico ..., vol. I, § 273-282, pp. 193-200. 17 A lei de 1669 seria reforçada pela de 9 de Julho de 1773, § 28. SOUSA, Tractado pratico ..., vol. I, § 728-733, pp. 489-495. Ver também

ALMEIDA, Ordenações..., Ill, p. 966. , s Carta do vice-rei para o rei, 26 de Dezembro de 1649, Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo (doravante, IAN/TT), Livro das

Monções (doravante, LM) 58, fl. 93; Carta do vice-rei para o rei, 25 de Novembro de 1650, IAN/TT, LM 60, fl. 280; Carta do vice-rei para o rei, 25 de Novembro de 1650, IAN/TT, LM 60,11. 280 v.

19 SOUSA, Tractado pratico ..., vol. II, § 809-886, pp. 1-59. 20 HESPANHA, As vésperas ..., p. 407. 21 As Ordenações (II, 37) admitiam a sucessão e a doação a mulheres com rendimentos superiores a 50 mil reis, mas os seus casamentos

exigiam autorização régia. HESPANHA, As vésperas ..., pp. 413-414. 22 Assim, os prazos podiam ser nomeados em herdeiros (hereditários); recair em filhos, descendentes ou familiares (familiares); ou, ainda,

beneficiar filhos, descendentes, herdeiros ou sucessores (mistos). Os prazos de vidas admitiam a nomeação apenas em filhos (de providência); na sua falta, em familiares (dc providência familiar); na sua falta, em quem o foreiro entendesse (de providência mistos); e, finalmente, a livre nomeação. SOUSA, Tractado pratico .... vol. I, § 107, pp. 86-88.

23 O vice-rei D. Antão dc Noronha autorizou as mulheres a sucederem nos prazos da Província do Norte, ficando obrigadas a casar dentro de seis meses. FERRÃO, Lívia Baptista de Souza. Tenants, Rents and Revenues from Daman in the Late 16th Century. MARE LIBERUM, 1995, n. 9, pp. 139-148.

24 A provisão régia de 18 de Janeiro de 1598 interditou aos religiosos a compra de propriedades de raiz, conforme as Ordenações (II, 16 e 18, § 21 e § 23). Um alvará de 1609 proibia as ordens religiosas c as pessoas eclesiásticas de adquirirem bens da Coroa. Carta régia para o vice-rei, 28 de Novembro de 1609; Alvará régio, 24 de Dezembro de 1609 in PATO, Raymundo António de Bulhão. Documentos Reinettidos da índia, ou Livros das Monções. Lisboa: Academia dc Sciencias, 1880, vol. I, PP- 264-268; 279-281.

23 Ver, por exemplo, Carta de aforamento da terra Inhacaranga, 22 de Novembro de 1628, HAG, cód. 2328, fls. 193-194. 26 A jurisdição foi cedida, por exemplo, aos dominicanos na Carta dc aforamento das terras Inhamiói, Bengueira, Quitundo e Quituca, 19

de Janeiro dc 1609, HAG, cód. 2328, fls. 248v-255; ou a um particular no Assento da carta de confirmação da terra Tangalane passada a António Rodrigues Pinto, 16 de Janeiro de 1692, HAG, cód. 426, fl. 151. Uma carta régia de 1633, confirmando aquele aforamento aos dominicanos, interditava o exercício de jurisdição. Supostamente tal proibição aplicava-se a todos os foreiros, mas não passou de letra morta, mesmo no caso dos dominicanos, que continuaram a exibir o documento dc 1609. Carta régia de 5 de Fevereiro dc 1633 incorporada no Alvará do vice-rei conde de Linhares, 11 de Novembro de 1633, HAG, cód. 2328, fl. 257-257v.

2 7 Ver também ISAACMAN. Mozambique..., pp. 29-42; NEWITT. Portuguese settlement..., pp. 269-186; NEWITT, A history..., pp. 232-233; CAPELA, Donas, Senhores .... pp. 32-33.

28 Essa competência foi definida em 1709 na Instrução ao castelão da fortaleza de Moçambique Luis Gonçalves Freire, 14 de Janeiro de 1709, HAG, cód. 1426, fls. 61-62v, e no Regimento do tcnente-gcneral dc Moçambique e Rios e governador deles António Simões Leitão, 14 de Janeiro dc 1709 in Arquivo Português Oriental, Nov. Ed., IV, II, 11,1937, pp. 161-168. Por vezes omissa nos regimentos seguintes, na prática, manteve-se até depois da separação de Moçambique do Estado da índia.

Ver, por exemplo, Carta de confirmação de aforamento da terra Chatoe passada a Cláudia de Meneses, 17 de Dezembro de 1735, H Aü, cód. 7573, fls. 188v-l 89v.

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30 Sobre o conceito de casa no Antigo Regime, ver MONTEIRO, O crepúsculo ..., pp. 79-97. 3 1 A L M E I D A , Ordenações.... I l l , pp . 8 2 2 , 8 2 6 . 32 Ver, por exemplo, GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Ática, 1980, pp. 371-373; OSÓRIO, Helen. Apropriação

da terra no Rio Grande de São Pedro e a formação do espaço platino. Dissertação de Mestrado em História, Porto Alegre, Universidade do Rio Grande do Sul, 1990, pp. 50-51.

3 3 Ver, por exemplo, a Consulta do Conselho da Fazenda, 17 de Junho de 1820, Arquivo Nacional - Rio de Janeiro, (doravante, AN-RJ), cx. 701, pac. 2, doe. 15.

34 Foi precisamente o discurso emergente nesta altura sobre as terras dos Rios que conduziu autores como Alexandre Lobato a considerarem que as Terras da Coroa desta região eram sesmarias. LOBATO, Evolução administrativa ..., pp. 211-217; LOBATO, Colonização senhorial..., pp. 102-104.

3 5 Cartas do secretário de Estado para o governador-geral Pedro Saldanha de Albuquerque, 5 de Abril de 1760, Arquivo Histórico Ultramarino (doravante, AHU), Moç. cx. 17, doc.s 58 e 65.

36 No Brasil, as concessões eram de 5 léguas quadradas e foram reduzidas a 3, pela carta régia de 7 de Dezembro de 1697, mas estas áreas eram frequentemente excedidas. Uma légua linear correspondia a 6.600 m. Uma sesmaria de 3 léguas por 1 perfazia 13.068 ha. OSÓRIO, Apropriação da terra.... p. 46.

37 Sobre esta cláusula nas sesmarias atlânticas, veja-se SALDANHA, As Capitanias..., p. 209. 3 8 Provisão do Conselho Ultramarino, 25 de Fevereiro de 1779, AHU, cód. 1340, fl. 37. 39 Provisão régia, 3 de Abril de 1760, AHU, Moç., cx. 17, doe. 58. Sobre o processo de concessão no Brasil, ver OSÓRIO, Apropriação da

terra..., pp. 51-52. 40 Ver, por exemplo, Carta de aforamento da terra Inhapanda passada a Vicência Cabral de Abreu, 11 de Junho de 1783, AHU, Moç., cx.

50, doe. 41. Em relação a cartas passadas posteriormente, ver, por exemplo, Carta de aforamento da terra Chupanga passada a Manuel Ribeiro dos Santos, 28 de Dezembro de 1783, AHU, Moç., cx. 44, doe. 48

4 1 RODRIGUES, Portugueses e Africanos ..., pp. 506-514. 42 Carta do governador-geral Francisco Carvalho e Meneses da Costa para o governador dos Rios Francisco Lacerda e Almeida, 9 de Junho

de 1798, AHU, Moç., cód. 1358, fls. 204v-206. 4 3 O governador Isidro de Almeida Sousa e Sá acolheu as normas estabelecidas pelos seus antecessores Ver, em particular, a Instrução do

governador-geral Isidro de Almeida Sousa e Sá ao governador dos Rios António Norberto Barbosa Truão, 20 de Outubro de 1803, AHU, cód. 1306, fls. 69v-74v.

44 Carta do governador-geral Francisco Carvalho e Meneses da Costa para o governador dos Rios Francisco Lacerda e Almeida, 9 de Junho de 1798, AHU, cód. 1358, fls. 204v-206; Carta do governador-geral Francisco Guedes Meneses da Costa para o governador dos Rios Jerónimo Pereira, 16 de Maio de 1799, AHU, cód. 1358, fl. 210v-211.

4 5 O alvará régio que estabelecia a abolição das diferenças entre reinóis e naturais dos domínios ultramarinos era de 2 de Abril de 1761. Alvará do governador-geral João da Silva Barba, 10 de Abril de 1763, AHU, Moç., cx. 23, doe. 31.

46LOBATO, Evolução administrativa ..., pp. 28; 216-218; LOBATO, Colonização senhorial ..., pp. 105-106. Já antes essa tese era reproduzida na documentação oficial e defendida por vários estudiosos, como Pedro Álvares. ÁLVARES, Pedro. O Regime dos prazos da Zambézia. Lisboa: Sociedade de Geografia de Lisboa, 1916, p. 255. Entre os autores actuais, ver HOPPE, A África Oriental..., p. 41; PAPAGNO, Giuseppe. Colonialismo e Feudalismo. A questão dos prazos da coroa em Moçambique nos finais do século XIX. Lisboa: A Regra do Jogo, 1980, pp. 27-28; NEWITT, Portuguese settlement..., pp. 68, 97-98; NEWITT, A history ..., p. 229; THOMAZ, Luís Filipe F. R. De Ceuta a Timor. Lisboa: Difel, 1998, pp. 239-240; SUBRAHMANYAM, O império asiático ..., p. 278..

47 LOBATO, Colonização senhorial..., pp. 107-108; PAPAGNO, Colonialismo e Feudalismo ..., pp. 28-29; NEWITT, A history ..., p. 224; THOMAZ, De Ceuta ..., pp. 239-240.

4 8 Alvarás régios de 24 de Novembro de 1583 e 25 de Fevereiro de 1595 in LOPES, Maria de Jesus dos Mártires. As recolhidas de Goa em Setecentos. In O Rosto Feminino da Expansão portuguesa. Lisboa: Comissão Para a Igualdade e Para os Direitos das Mulheres, 1995, vol. I, pp. 660-662.

49 Sobre estes recolhimentos e as órfãs do rei, ver, por exemplo, LOPES, As recolhidas de Goa ..., pp. 653-665; GUEDES, Ana Isabel Marques. Tentativas de controle da reprodução da população colonial: as órfãs d'el-rei. In O Rosto Feminino ..., vol. I, pp. 665-674; BELO, Maria Filomena Valente. Os recolhimentos femininos e a expansão (séculos XVI-XVII). In O Rosto Feminino ..., vol. I, pp. 675-686; COATES, Timothy J. Degredados e Órfãs: colonização dirigida pela coroa no império português. 1500-1755. Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1998, pp. 236-249.

50 Carta régia para o vice-rei, 27 de Janeiro de 1607, PATO, Documentos ..., vol. I, p. 126. 51 Transcrita em LOPES, As recolhidas de Goa ..., p. 662. 52 Sobre estas concessões, ver LOBATO, Colonização senhorial..., pp. 108. Ver também NEWITT, Portuguese settlement..., pp. 68, 97. 53 Uma lista dos beneficiados com mercês de cargos, viagens e tenças relativa à África Oriental pode ser vista em PINTO, Rui Miguel Costa.

A Costa Oriental Africana (1640-1668). O Monopólio dos capitães. Lisboa: Estar, 2002, pp. 94-99. 54 Carta do príncipe regente para o vice-rei, 14 de Março de 1675, HAG, LM 39/40, fl. 63, Carta do vice-rei para o príncipe regente, 29 de

Janeiro de 1676, HAG, LM 39/40, fl. 64. 5 5 Alexandre Lobato chega a defender "Assim nasceram os prazos, e assim se fez a Zambézia, que gradualmente deixou de pertencer ao

Monomotapa." LOBATO, Evolução administrativa ..., p. 28. 56 Edital do príncipe regente, s/d [Maio de 1677], Biblioteca da Ajuda, cód. 51 -VI-13, fl. 167. 57 "Registo da carta de aforamento da fortaleza de Moçambique e Rios", 1677, Biblioteca Nacional, Res., cód. 525, fl. 129-129v. 5 8 Carta régia para o vice-rei da índia D. Francisco da Gama, Conde da Vidigueira, 14 de Fevereiro de 1626, IAN/TT, LM 23, fl. 34. 59 Instrução régia ao vice-rei, 11 de Dezembro de 1627, Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, (doravante, BPADE), cód. CXV/1-

39, fl. 131. 60 No entanto, os bens já perdidos na sequência do cumprimento da lei revogada ficavam na posse dos novos senhores. Alvará régio, 12

de Maio de 1648, BPADE, cód. CXV/1-39, fls. 83-85. Sobre os protestos dos nobres de Baçaim, ver também os argumentos usados num período posterior na Carta de Luís Gonçalves Cota, 25 de Outubro de 1688, HAG, cód. 2415.

61 De acordo com o historiador Luís Filipe Thomaz, que também associa a sucessão feminina aos prazos dos Rios e não aos da Província do Norte. THOMAZ, De Ceuta .... pp. 239-240.

52

62 Carta do príncipe regente para o vice-rei, 19 Fevereiro de 1672, HAG, LM 37, fl. 56. 63 Carta de Luís Gonçalves Cota, 25 de Outubro de 1688, HAG, cód. 2415. 64 Ver, por exemplo, FIAG, cód. 424, passim. 65 Relação de Luís Gonçalves Cota, 25 de Outubro de 1688, HAG, cód. 2415; Carta do secretário do governo de Goa Manuel Pereira para o

rei, 8 de Dezembro de 1695, AHU, índ., maç. 88, (n° 97 verm.). 66 Provisão do Conselho Ultramarino, 9 de Março de 1737, Academia de Ciências de Lisboa, SV, ms. 555, fl.57v; Arquivo Português

Oriental, Sup., p. 516. 6 7 CAPELA, Donas, Senhores ..., pp. 20-21. 6 8 NEWITT, Portuguese settlement..., pp. 68, 97. 6 9 HESPANHA, António Manuel. A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes. In FRAGOSO, João;

BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima, (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos : a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 163-188.

70 Presumivelmente, em 1685, o governador Caetano de Melo e Castro chegou a inserir a cláusula da obrigatoriedade de nomeação em filha num título de aforamento de uma terra de Sena, confirmado em 17 de Dezembro de 1688. Todavia, apenas existe referência a essa situação num documento de 1723. Ver Carta de confirmação de aforamento da terra Inhacaranga passada a Teresa Aguiar de Almeida, 1 de Dezembro de 1723, HAG, cód. 2332, fl. 43-43v.

71 Carta de confirmação da terra Dossa, 12 de Janeiro de 1740, HAG, cód. 441, fl. 39v. 72 Fontes: HAG, códs. 418, 425, 427, 429, 430, 432, 434, 436, 437, 438, 441, 443, 1614, 2206, 2332, 2333, 2612 e 7573. 73 Algumas concessões são conhecidas apenas pelo assento da carta de confirmação, que pode não especificar a forma de nomeação.

Algumas cartas não referem a forma de nomeação porque são relativas à confirmação da terceira vida. No entanto, por vezes, previa-se também a forma de nomear o direito de renovação.

74 Carta do vice-rei para o tenente-general António da Fonseca Freire, 19 de Janeiro de 1737, FIAG, cód. 2323, fl. 81. 7 5 Copia do 18° § das Instruçoens Regias de 20 de Abril de 1752, AHU, Moç.,cx. 11, doe. 17; Cópia da instrução régia ao governador-geral

Francisco de Melo e Castro, 20 de Abril de 1752, AHU, Moç., cx. 23, doe. 12. Esta medida parece ter tido por base a memória do governador e antigo tenente-general Francisco de Melo e Castro, onde se aludia à falta de população e à concentração das terras dos Rios nas mãos de alguns senhores. CASTRO, Francisco de Melo e. Descripção dos Rios de Serina, 1750, pp. 26-29. Ver também NEWITT, Portuguese settlement..., p. 1 0 2 .

76 Carta do governador-geral Francisco de Melo e Castro para o secretário de Estado, 22 de Novembro de 1753, AHU, Moç., cx. 8, doe. 45. A ordem foi integrada no Regimento do tenente-general dos Rios David Marques Pereira, 23 de Abril de 1754, AHU, Moç., cx. 10, doe. 6.

7 7 "Espero que tenha todo o bom sucesso o bando, que em execução das ordens que participei a V. S." mandou publicar nos Rios de Sena, para que nenhum morador branco, ou natural tendo filhas as não podesse cazar, senão com Portuguezes, impondo-lhe a pena de que fazendo o contrario perderião as terras da Coroa que possoissem, e que os brancos, no cazo de cazarem com negras, os filhos que tiverem serão hábeis a sucederem nas terras da Coroa que possuírem os pais". Cópia do aviso régio de 7 de Abril de 1755, AHU, Moç., cx. 8, doe. 45.

78 Ver, por exemplo, várias cartas de aforamento registadas em AHU, cód.s 1331 e 1335. 79 Carta do vice-rei para o tenente-general dos Rios António da Fonseca Freire, 25 de Janeiro de 1718, HAG, cód.784, fl. 114. 8,1 RODRIGUES, Mercadores, Conquistadores e Foreiros ..., p. 467. 81 Relação das Terras da Coroa dos Rios de Sena, 14 de Agosto de 1760, AHU, Moç., cx. 18, doe. 57. 82 Numerosas disposições regulavam a sucessão nos prazos conforme a sua natureza. Nos prazos fateusins era encabeçado o cônjuge

sobrevivente, excepto quando era nomeado um herdeiro. Nos prazos vitalícios concedidos para fulano e sua mulher, a mulher do enfiteuta era considerada vida necessária nos prazos e, uma vez investida na primeira ou segunda vida, ficava in solidum, e, por morte do marido, no todo, pelo jus non descrescendi. As Ordenações previam a revogação das doações entre marido e mulher pelo nascimento dos filhos, devendo no caso de falecimento de um dos cônjuges ser feitas partilhas (Ord. IV, 65). Sobre as formas de divisão da herança nos diferentes tipos de prazos, ver SOUSA, Tractadopratico ..., vol. I, § 134-527, pp. 108-357.

83 RODRIGUES, Mercadores, Conquistadores e Foreiros ..., p. 463. 84 RODRIGUES, Portugueses e Africanos ..., pp. 329-339. 8 5 GOODY, Jack. O Oriente no Ocidente. Miraflores: Difel, 2000, pp. 213-214. 8 6 Carta de aforamento da terra Chemba passada a José dos Santos Matos, 27 de Fevereiro de 1794, AHU, Moç., cx. 80, doe. 7. 8 7 Carta de aforamento da terra Chupanga passada a Manuel Ribeiro dos Santos, 28 de Dezembro de 1783, AHU, cx. 44, doe. 48; Devassa

sobre o jogo na fortaleza de Sena, 17 de Dezembro de 1784, AHU, cx. 48, doe. 42. 8 8 Sobre as redes clientelares no Antigo Regime, ver XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, António Manuel. A representação da sociedade

e do poder. In MATTOSO, José (dir.). História de Portugal, s/l, Círculo de Leitores, 1993, vol. IV, pp. 381-393. 8 9 Carta do governador-geral Baltazar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 11 de Agosto de 1767, AHU, Moç., cx. 27, doe. 80. 90 NAZZARI, Muriel. O Desaparecimento do dote. Mulheres, famílias e mudança social em S. Paulo, Brasil, 1600-1900. São Paulo:

Companhia das Letras, 2001. " RODRIGUES, Eugênia. Chiponda, a 'senhora que tudo pisa com os pés'. Estratégias de poder das donas dos prazos do Zambeze no século

XVIII. ANAIS DE HISTÓRIA DE ALÉM-MAR, 2000, vol. 1, p. 119. 92 Carta do governador-geral Baltazar Pereira do Lago para o secretário de Estado, 30 de Agosto de 1775, AHU, cód. 1332, fls. 189v-191. 9 3 Essa preocupação reflectia-sc tanto da correspondência oficial como na particular. Ver, por exemplo, Carta do vice-rei para o secretário de

Estado Mendo de Foios Pereira, 20 de Janeiro de 1704, BA, ms. av. 54-VIII-26, n° 302; HAG, cód. 784, passim. 94 Carta régia para o vice-rei, 3 de Maio de 1741, AHU, cx. 6, doe. 4.

Sobre os maraves, ver GAMITO, A. C. P. O Muata Cazembe. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1937, vol. I, p. 37; CASTRO, Dionízio de Mello e. Notícia do Império Marave e dos Rios de Sena, 1763. in DIAS, Luiz Fernando de Carvalho. Fontes para a Historia, Geografia e Comércio de Moçambique (Séc. XVIII). Lisboa, 1956, p. 140. Para os macuas, ver GEFFRAY, Christian. Nem pai nem mãe. Crítica do parentesco: o caso macua. Lisboa: Caminho, 2000. Sobre os karangas, ver MUDENGE, S.I.G. A politicai History of Munhumutapa c.¡400-1902. Harare: Zimbabwe Publishing House, 1988, pp. 104-110. Esta questão é também analisada por NEWITT, A History ..., pp. 230-231.

96 RODRIGUES, Chiponda ..., pp. 101-132. Ver também NEWITT, A Histoiy ..., pp. 230-231,

" RODRIGUES, Eugênia. Senhores, Escravos e Colonos nos Prazos dos Rios de Sena no Século XV11I: Confli to e Resistência em Tambara . PORTUGUESE STUDIES REVIEW, v o l . 9, n . 1-2, 2001, p p . 289-320.

9 8 RODRIGUES, Chiponda ..., p. 129. 9 9 Ve r , por exemplo, Atestação passada por Diogo José Lameda, 14 de Outubro de 1777, AHU, cód. 1340, fis. 85-86; Carta do governador

de Moçambique Antônio Manuel de Melo e Castro para o governador dos Rios de Sena Agostinho de Melo e Almeida, 18 de Maio de 1790, AHU, cód. 1358, fl. 100v; Carta do comandante de Quelimane D. Diogo António Barros Souto Maior para o governador-geral José Almeida Vasconcelos, 13 de Agosto de 1780, AHU, Moç., cx. 34, doe. 35..

""' Conhecem-se alguns traços biográficos das mais proeminentes mulheres do período entre meados de Setecentos e meados de Oitocentos, mas muito poucas suscitaram uma investigação aprofundada. Sobre as biografias destas mulheres, ver CAPELA, Donas, Senhores .... pp. 81-99. ANTUNES, Luís Frederico Dias. D. Ignez Gracias Cardozo: uma mulher de armas. In O Rosto Feminino .... vol. I, pp. 789-798; RODRIGUES, Chiponda ..., pp. 101-132.

11,1 Sobre a constituição deste grupo, ver HOPPE, A Africa Orienta!...; CAPELA, José. Le négoce des esclaves au Mozambique aux XVIIIe et XIXe siècles. In BONI, Hubert; CAHEN, Michael (orgs.). Négoce blanc en Afrique Noire. L'évolution du commerce à longue distance en Afrique noire du 18' au 20' siècles. Société Française d'Histoire d'Outre-Mer, 2001, pp. 371 -386.

102 Carta do govemador-geral Francisco Carvalho e Meneses da Costa para o governador dos Rios Francisco Lacerda e Almeida, 9 de Junho de 1798, AHU, Moç cód. 1358, fis. 204v-206. Ver também a Carta do govemador-geral Francisco Guedes Menezes da Costa para o governador dos Rios Jerónimo Pereira, 16 de Maio de 1799, AHU, cód. 1358, fis. 210v-211. Instruções semelhantes foram enviadas para Sofala c Cabo Delgado, onde também existiam prazos. Ver Carta do governador-geral Francisco Guedes Meneses da Costa para o governador dc Sofala José Pinheiro Salazar, 22 de Maio de 1798, AHU, cód. 1349, fis. 181 v-182; Carta do governador-geral Francisco Guedes Meneses da Costa para o governador de Cabo Delgado Constantino Álvares da Silva, 9 de Julho de 1798, AHU, cód. 1352, fis. 167v-168.

103 RODRIGUES, Portugueses e Africanos ..., pp.519-526. 104 Sobre a instalação da alfândega, ver CAPELA, Le négoce des esclaves ..., pp. 378-386. Sobre a disputa dos prazos de Quelimane, ver Os

senhores dos prazos de Quelimane: parentes, clientes e acesso à terra nos séculos XVII e XVIII. ARQUIVO, Maputo (no prelo). 105 Ver, por exemplo, "Auttos de justificação entre partes Donna Ignes Pessoa de Almeyda Castello Branco com o procurador da Coroa

Phelipe Caetano de Souza", 1773, AHU, Moç., cx. 31, doc. 1. 106 A nomeação em vida teria resultado da pressão do último marido da forcira e pai do menor. Testamento de D. Inês Pessoa dc Almeida

Castelbranco, 1796, AN-RJ, cx. 701, pac. l ,doc . 27 107 Carta de aforamento da terra Gorongoza passada a António de Araújo Bragança, 2 de Junho de 1803, AN-RJ, cx. 701, pac. 1, doe. 27. 108 Carta de confirmação da terra Gorongoza passada a D. Inês Pessoa Castelbranco, 25 de Janeiro de 1785, AHU, Moç., cx. 42, doe. 63. 1(19 Carta de aforamento da terra Gorongoza passada a D. Juliana da Cruz e Almeida, 12 de Setembro de 1807, AN-RJ, cx. 701, pac. 1, doe.

27. António José da Cruz e Almeida participava no comércio dc escravos para as Mascarenhas, Cabo da Boa Esperança, Brasil e Montevideu. Para além disso, era funcionário da alfândega. CAPELA, José, "Le négoce des esclaves ...", p. 377.

Requerimento de Manuel José do Socorro ao governador-geral Francisco de Paula Albuquerque Cardoso, ant. 13 Abril de 1809, AN-RJ, cx. 701, pac. 1, doc. 27. Esta informação é apoiada por outras fontes como CIRNE, Manuel Joaquim Mendes de Vasconcellos e. Memoria sobre a Província de Moçambique, [post. 1822] 1890, p. 26.

111 Baseou-se na Ord., IV, 43, 1, que estabelecia que, lias terras de sesmaria, os enfiteutas e senhorios tinham um ano para aproveitar ou alienar as terras por venda, doação ou emprazamento.

112 Parecer do procurador da Coroa, ant. a 13 de Janeiro de 1812, AN-RJ, cx. 701, pac. 1, doe. 27. 113 Requerimento de António da Cruz e Almeida ao governador-geral António Manuel de Melo Castro e Mendonça, ant. a 25 de Agosto de

1810, AN-RJ, cx. 701, pac. 1, doe. 27. 114 Carta de António da Cruz e Almeida, lOde Setembro de 1810,AN-RJ, cx .701,pac . 1,doe.27. 115 Requerimento de Francisco Carlos da Costa Lacé ao governador-geral António Manuel de Melo Castro e Mendonça, ant. a 8 de Janeiro

de 1816, AN-RJ, cx. 701, pac. l ,doc . 27. 116 Parecer do procurador da Coroa à margem da Consulta do Desembargo do Paço, 6 de Junho de 1814, AN-RJ, cx. 701, pac. 1, doe. 28.

O assento pode ser visto em ALMEIDA, Cândido Mendes de. Auxiliar jurídico. Apêndice às Ordenações Filipinas, (reprodução "fac-símile" da edição de 1870). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, vol. I, pp. 278-281.

117 Despacho régio de 24 de Julho de 1816, à margem da consulta do Desembargo do Paço, 8 de Janeiro de 1816, AN-RJ, cx. 701, pac. 1, doe. 27.

118 CIRNE, Memoria ..., pp. 26-28. 119 RODRIGUES, Portugueses e Africanos ..., pp. 508-526. 120 Ver, por exemplo, Carta dos governadores interinos de Moçambique para o rei, 28 de Julho de 1808, AN-RJ, cx. 658, pac. 2, doe. 33;

TRUÃO, António Norberto de Barbosa de Villas Boas. Estatística da Capitania dos Rios de Senna do Anno de 1806, [10 de Julho de 1810], 1889, p. 9; CIRNE, Memoria ..., pp. 26-27; BARBOSA, José Francisco Alves. Analyse statistica, topografica, e politica, da Capitania de Rios de Senna, 1821, BA, Ms. Av. 54-XI-2, n° 41; GAMITTO, António. Prasos da Coroa em Rios de Sena. ARCHIVO PITTORESCO, vol. I, 1° ano, Julho de 1857, pp. 67-67.

121 Relatório do decreto de 27 de Outubro de 1880 in COISSORÓ, Narana. O regime das terras em Moçambique. Lisboa, s/d, p. 10. Exemplo anterior dessa assumpção é a Carta do governador-geral Marcos Caetano d'Abreu Meneses para o rei, 15 de Dezembro de 1812, AN-RJ, cx. 701, pac. 2, doe. 2;

122 Ver, por exemplo, CIRNE, Memoria ..., p. 26. António Gamito, que viveu na região no segundo quartel do século XIX, explicava: "O antigo governo da metropole [...] determinou que esses prasos fossem dados por sesmaria em 1res vidas, mas só a viuvas de officiaes, e empregados que tivessem servido na Africa, ou suas filhas como dote de casamento, para nélles se estabelecerem, preferindo sempre os europeus, e na sucessão a linha feminina, e nesta a linha directa á colateral." GAMITTO, Prasos ...

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