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0 AS DONAS DA HISTÓRIA Capítulo 51. Novela de Renan Fernandes. Escrita por Renan Fernandes.

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AS DONAS DA

HISTÓRIA Capítulo 51.

Novela de Renan Fernandes.

Escrita por Renan Fernandes.

1

AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

CENA 1. ATELIÊ DE JAQUELINE E RENÉE. ARQUIBANCADA. INT.

NOITE.

Retrospectiva da última cena do capítulo anterior.

Todos os convidados se distanciam para apreciarem o discurso de Renée.

RENÉE — (pega o microfone) Meus queridos, é de uma

felicidade imensa compartilhar mais uma vitória na

minha vida e na vida de minha melhor amiga,

Jaqueline. Ela, assim como eu, passou por

momentos de grande adversidade, e de perdas

muito profundas. Nada preenche os vazios

existenciais de nossas dores, mas, ao menos, o

destino proporciona ferramentas e forças para o

nosso progresso e superação. Por isso, sou a porta-

voz da inauguração deste ateliê, e, para dar uma

degustação de nossa grife, convido todas as

modelos a se juntarem até a arquibancada.

Dentre as modelos, destaca-se Cláudia, a qual olha sorridente para todos os

seus amigos e sua mãe, e sobe até a arquibancada. De chofre, Malu surge no

local e pega uma taça de champanhe de um garçom avulso. Antes de falar

algo, Renée a observa atentamente, assim como Sônia, Jaqueline e Cláudia,

as quais ficam estarrecidas.

MALU — Não esperavam a minha vinda, não é mesmo?

Mas como eu poderia faltar à inauguração do ateliê

de pessoas tão generosas e queridas, não é mesmo,

Cláudia?

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

Cláudia olha para todos os convidados, mas focaliza principalmente as

reações atônitas de Gene, Jaqueline e Sônia. Mesmo assim, Cláudia decide

descer em direção a Malu.

CLÁUDIA — Seja bem vinda à nossa festa!

Falsamente, Malu lhe dá um beijo no rosto, quando, simultaneamente,

começa a rasgar o vestido azul de Cláudia na frente de todos.

Música de suspense. Cláudia fica extremamente constrangida, e fotógrafos

começam a disparar os seus flashes. Malu, por sua vez, com o vestido

arrancado em mãos, olha de modo debochado e prepotente para Cláudia.

MALU — Muito obrigada pela recepção, querida. Mas a

estrela dessa noite com certeza vai ser você. Eu

sou apenas uma mera coadjuvante!

Jaqueline tenta avançar em cima de Malu, porém é contida por Eriberto e

Sônia. Guilherme fica envergonhado. Afonso se indigna. Os amigos de

Cláudia ficam com intenso ódio de Malu, e, finalmente, Cláudia se protege

como pode, contorcendo-se para não ficar nua na frente de tantas pessoas.

ABERTURA DO ENREDO.

Tema: UNDER PRESSURE-QUEEN.

CENA 2. ATELIÊ DE JAQUELINE E RENÉE. ARQUIBANCADA. INT.

NOITE.

Continuação imediata da última cena do capítulo anterior.

Clima tenso. Todos continuam apreensivos e, ao mesmo tempo, boquiabertos

com a circunstância atual em que se encontra Cláudia. Jaqueline, no entanto,

decide sair do estado passional e toma uma atitude.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

JAQUELINE — (p/fotógrafos) Vocês respeitem a minha filha, e

parem com esses flashes. O foco principal dessa

noite é a inauguração do ateliê, não a exposição

forçada de uma pessoa constrangida.

MALU — (irônica) Mas justo a sua filha, Jaqueline, que

adora se aparecer. Deixe os fotógrafos

trabalharem em paz, porque assim, além de

garantir o seu estabelecimento como assunto por

no mínimo uma semana, ainda ajuda a Cláudia a ser

uma celebridade polêmica e barraqueira.

Revoltada, Jaqueline tenta avançar em Malu, porém Sônia coloca as suas

mãos sobre os ombros dela e a tranquila. Depois, Renée surge com uma capa

e protege Cláudia, a qual não sabe nem para onde olhar. Gene decide

intervir.

GENE — Malu, por favor! Você não precisava ter perdido

a cabeça desse jeito/

MALU — Agora você vai querer se meter na minha vida,

Gene? Que eu saiba, desde quando o meu contrato

na Agência Vital foi rescindido, o nosso vínculo foi

sumariamente desligado. Logo, não seja ridículo!

GENE — Eu não vou me magoar com as suas ofensas,

porque eu sei que você tá numa má fase. Mas

cuidado pra não se tornar extremamente tirana e

cruel com tanta cólera, Maluzinha.

CLÁUDIA — É isso mesmo, Malu. Você está se deixando levar

por um impulso doentio...

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... Um desejo inconsistente de querer atingir a

todos que você julga responsáveis pela sua

derrocada. Mas, apesar do constrangimento do

espetáculo, foi mesmo muito bom você ter

aparecido.

MALU — Ah, é? E eu posso saber por qual razão?

CLÁUDIA — Uma vez que todos os fotógrafos estão em

fervorosa por conta dessa situação que você criou,

vamos, de maneira pública, esclarecer as nossas

divergências. Você vai se dar conta de que eu não

causei mal algum a você. Eu e o Gene temos muito o

que dizer.

MALU — O que vocês estão pretendendo agora?

GENE — Malu! Eu e a Cláudia descobrimos que você foi

vítima de uma armação provocada pela Júlia,

principalmente no que diz respeito àquela matéria

sensacionalista sobre o seu casamento com o

Antônio.

Som de suspense. Malu fica atenta e, ao mesmo tempo, surpresa com essa

revelação. Gene e Cláudia, por sua vez, ficam ao redor dela, apreensivos.

MALU — E como vocês podem ter tanta certeza disso?

De chofre, ao ver que o fotógrafo suspeito está prestes a fugir, Gene vai ao

seu encalço e o traz arrastado até Malu.

GENE — Esse covarde aqui! Esse mercenário que vendeu

o próprio serviço a troco de garantir uma certa

estabilidade...

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... Ele vai te contar tudo. Vai te revelar como a

Júlia conseguiu a informação do seu casamento, e

de que maneira ela usou a sua influência pra

divulgar a sua vida privada pra imprensa marrom.

CLOSES alternados. Malu fica bastante apreensiva. Cláudia e Gene, por sua

vez, encaram o fotógrafo com ódio no olhar. Renée e Jaqueline, atônitas,

apenas observam na arquibancada. Por fim, Sônia, Eriberto, Afonso,

Guilherme, Jake, Sandra, Neusa, Raquel, Leandrinho, Fabiano e André ficam

secundários na cena, porém, suas reações são também de expectativa.

CENA 3. APART DE ANTÕNIO. SALA. INT. NOITE.

Constantinopla, incomodada com a presença de Taís, tenta impedi-la de

entrar no seu apart, projetando o corpo de frente à porta. Taís, por sua

vez, respira fundo, dá uma voltinha e, com as mãos na cintura, aguarda

apreensivamente a vilã ceder um pouco de seu tempo para escutá-la.

TAÍS — Talvez eu tenha sido muito invasiva, não é

mesmo? Mas o meu desespero, nesse momento, é

maior do que o meu bom senso. Portanto, é melhor

nós mudarmos o tom dessa conversa informal, e

sermos um pouco mais civilizadas.

CONSTANTINOPLA — Eu sempre fui uma pessoa bem educada. Você é

que nasceu desse jeito, mal instruída, ignorante e

digna de pena.

TAÍS — Pena eu passaria a ter de você daqui a um

tempo...

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... Ainda mais se nós, com essa conversinha entre

comadres, não chegarmos a um acordo justo de

nossos mútuos favores.

CONSTANTINOPLA — E por que eu passaria a ser digna de pena, posso

saber?

TAÍS — Simplesmente porque você não passaria a ser

apenas criminosa aos olhos das poucas pessoas

espertas que enxergam a sua alma podre, mas

também diante da opinião pública. A mãe do

médico corrupto, traficante de mulheres

procurada pela INTERPOL. Isso daria uma

manchete digna de nota nos programas

sanguinários de TV, e tese de doutorado em

criminologia, minha cara!

Música de suspense. Sentindo-se ameaçada, Constantinopla coloca as mãos

sobre o pescoço, demostrando estar com a garganta seca. Depois, abre

espaço para Taís entrar no seu apart. Esta entra e lentamente vai

observando cada canto da mobília. Quando Constantinopla fecha a porta, a

outra se vira na sua direção. Ambos se encaram frente uma para a outra, e

de perfil para a CAM. Aos fundos, a fresta da sacada faz surgir um vento

que dá movimento à persiana.

CONSTANTINOPLA — Eu não podia imaginar que o seu emprego tão

seguro na clínica Arcádia iria afundar junto com o

lamaçal de falcatruas do meu filho. Logo, não é

justo que você me venha fazer cobranças...

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... Eu prometi a você dinheiro, mas quando

efetivamente essa grana estivesse correndo sem

nenhuma restrição.

TAÍS — Eu nem cheguei a receber o meu primeiro

salário como secretária, Constantinopla. E pra

piorar a minha condição, nesse momento, o meu

nome tá no Serasa, o que quer dizer que nem

crédito eu consigo ter na praça. Sem contar que eu

preciso ajudar nas despesas da minha família,

afinal, são muitas pessoas, e eu não posso ficar

inerte, à espera de um milagre.

CONSTANTINOPLA — E você acha que eu posso mudar a sua vida pra

melhor? Taís, quando você se prontificou a me

ajudar, deveria ter refletido um pouco mais e se

dado conta de que comigo não existe tempo pra

caridade e, tampouco, camaradagem. Eu sou uma

mulher extremamente moderna e antenada com o

meu tempo. Afinal, eu sou do tipo que me adequo

de maneira eficaz ao utilitarismo e ao

pragmatismo. Portanto, não me venha chorar as

suas pitangas, porque, além de eu detestar

dramalhão mexicano, nesse momento, problema

maior é eu garantir o que é meu. Eu não tenho

dinheiro pra te ajudar. A conta do meu filho foi

bloqueada pela justiça.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

TAÍS — Você realmente é um ser humano mesquinho,

prepotente e nojento. A minha ambição foi mesmo

um mecanismo que me deixou burra e alienada. O

meu irmão sempre me dizia, pra eu não me meter

de novo com gente assim. Mas a minha insistência e

a minha teimosia me fizeram perder o controle da

própria vida e o senso de perigo. Só que eu ainda

não perdi a minha esperteza. E a minha argúcia me

diz que você esconde dinheiro nessa casa. Um

dinheiro que te garante sobreviver diante dos

empecilhos e das surpresas desagradáveis. Você

vai me dizer onde está esse dinheiro e vai me

entregar. Senão, além de apelar pra justiça e te

denunciar, eu posso também apelar pra ignorância.

CONSTANTINOPLA — Como é que é?

De chofre Taís tira do bolso direito de sua calça um canivete, mirando

imediatamente na face de Constantinopla.

Música de ação. CLOSES alternados entre as duas. Constantinopla se afasta

um pouco, e Taís vai se aproximando cada vez mais.

TAÍS — Eu não vou deixar mais que você me humilhe

dessa forma e me descarte como se eu fosse um

utensílio de quinta categoria. E eu também não vou

deixar você se sobressair diante dessa situação, e

sair ilesa por conta do depoimento que você me

induzir a prestar pra justiça...

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... Eu coloquei uma outra mulher no seu lugar como

traficante, mas posso mudar o jogo e te fazer

aprender a não ser traíra nos negócios informais,

sua vaca!

Constantinopla tenta se proteger com duas almofadas que ela pega do sofá,

enquanto Taís, obstinadamente, continua a ameaçando com o canivete.

CENA 4. ATELIÊ DE JAQUELINE E RENÉE. SALÃO. INT. NOITE.

O fotógrafo suspeito continua se sentindo pressionado a revelar a verdade

por Gene. Este e Cláudia, por sinal, mostram-se extremamente apreensivos.

GENE — O que foi agora? Voltou a ser aquela figura

lacônica e dissimulada, é isso? Ora, seu fotógrafo

mequetrefe, você tem que falar toda a verdade

agora.

FOTÓGRAFO — (dissimulado) Mas se eu contar toda a verdade

aqui, na frente de todo mundo, todo mundo vai

saber que você não é um profissional digno de

confiança.

Música de suspense. Malu fica ainda mais confusa e desnorteada. Porém,

mantém-se obstinada e cheia de revolta dentro de si.

MALU — Mas que palhaçada é essa? (p/fotógrafo) Você

está sendo coagido pelo Gene a acusar uma outra

pessoa de ter tirado aquelas fotos minhas.

FOTÓGRAFO — (mente) É isso mesmo! Eu não posso deixar de

lado a liberdade de expressão e ir contra um

direito constitucional...

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... O serviço que eu fiz foi pra Agência Vital, e o

Gene, como dono, sabia muito bem de todo o

procedimento.

GENE — Seu filho da mãe. (gritando) Aposto que foi a

Júlia que te pagou uma quantia ainda maior pra

você dizer essas baboseiras, não é verdade? Seu

mercenário de merda, seu desgraçado!

Gene começa a avançar em cima do fotógrafo, e a imprensa começa a

disparar mais flashes. Eriberto, Afonso e Guilherme decidem intervir e

separam o fotógrafo suspeito de Gene. Malu, por sua vez, aproxima-se de

Gene com uma expressão irônica.

MALU — Tudo isso você fez só pra se proteger, Gene?

Ou vai me dizer que você não se juntou também a

Cláudia pra me destruir?

CLÁUDIA — Olha aqui, Malu. Você já me humilhou demais por

hoje. E eu estou a cada dia mais cansada de ouvir

os seus desaforos.

MALU — Mas se for preciso eu coloco a minha voz até

como um despertador, pra que, ao acordar, você se

dê conta da sua falta de caráter, e do quanto a sua

consciência deveria pesar cada vez mais por conta

de todas as suas traições e artimanhas.

RENÉE — (aproxima-se) E você, minha cara Malu, deveria

acordar todo dia ao lado de uma corda que te

prendesse e te impedisse de sair de casa pra

cometer essas suas loucuras.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

Música de suspense. Malu fica surpresa com o jeito de Renée.

MALU — Você por acaso é alguém relevante na minha vida

pra vir com esse arsenal de ironias? Ah, sim, como

eu podia deixar de lembrar. Você é a tal sócia da

Jaqueline dessa zona. Deixa eu ser mais

específica: Renée Assunção, não é mesmo? A

primeira mulherzinha do Antônio, que foi traída de

maneira ordinária. Conheço a sua história muito

bem.

RENÉE — Infelizmente, desse passado eu não posso me

desvencilhar completamente.

MALU — Não mesmo. Até porque, o pivô da sua separação

com o Antônio foi a Letícia, não é verdade?

RENÉE — Foi, sim. Como você soube desse detalhe

específico.

MALU — Porque infelizmente, minha cara Renée, os

nossos destinos estão entrelaçados por laços de

família implacáveis e surpreendentes. Eu sou a

filha da Letícia! Fruto de um relacionamento dela

com um traficante chamado Leonel.

Som de suspense. Renée fica horrorizada, e se emociona com essa

descoberta.

RENÉE — Meu Deus! A filha da Letícia e do Leonel...

MALU — Eu descobri isso recentemente. Você deve

saber que ambos morreram num acidente de carro,

não é?

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

RENÉE — Sim, claro! Eu lembro, porque eu que armei pro

Antônio flagrar a Letícia com o seu pai. Eu também

só queria vingança.

MALU — Mas eu quero muito mais do que isso! Porque

você, de certa forma, também mudou a minha vida,

a causou o acidente do carro que culminou na

morte dos meus pais e na perda da minha memória.

RENÉE — Eu nunca desejaria uma coisa dessas. Ainda mais

contra uma criança.

MALU — Mas aconteceu. E agora, você também não vai

ser poupada. Nem você, e muito menos a Cláudia, a

Sônia, o Irineu, o Gene, o Guilherme. Ou seja,

todos que me fizeram mal de alguma forma.

RENÉE — Eu sinto muito, Malu. Mas você está muito

exaltada, e sendo injusta. Por isso, além de pedir

pra você deixar essa vingança de lado, eu peço que

você se retire desse estabelecimento. Mude a sua

vida antes que seja tarde. Se desapegue desse

passado. E, por favor, pare de continuar

estragando essa noite, porque a nossa festa ainda

vai continuar.

MALU — Comemorem à vontade. Mas não sorriem de

maneira leviana. A vida ainda vai proporcionar a

vocês muito desconforto. Essa festa vai ficar

apenas numa lembrança de um tempo bom que não

volta mais.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

RENÉE — Ou você sai daqui por bem, ou eu mando chamar

os seguranças e termino o escândalo de maneira

ainda mais espetacular. Se pra gente só vai haver

tempo ruim depois, isso independe do seu desejo.

Mas acredite, você sendo tão mesquinha e fria, a

sua vida é que não terá mais razão pra sorrir.

Som de suspense no final da cena.

PRIMEIRO BREAK.

CENA 5. ATELIÊ DE JAQUELINE E RENÉE. SALÃO. INT. NOITE.

Continuação imediata da última cena do bloco anterior.

Clima tenso. Renée continua encarando Malu com tenacidade, exigindo que

ela se retire do recinto. Os outros personagens, neste instante, alternam

olhares entre si com gestos de expectativa, ansiedade e angústia. Os

fotógrafos, por sua vez, sossegam um pouco e deixam de disparar flashes.

MALU — Em matéria de rogar praga, eu posso dizer,

Renée, que nós duas somos campeãs.

RENÉE — Eu não estou me rebaixando a esse ponto, Malu.

Até porque, eu sei muito bem a diferença entre

superstição e realidade. Se eu digo a você que a

sua conduta vai te fazer infeliz, é porque a

experiência é infalível quando a sua função

principal é observar a natureza humana.

MALU — Você só observa de maneira superficial, Renée...

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... Nem a natureza humana, nem a experiência,

podem explicar a minha ansiedade de ir em busca

de justiça, mesmo essa justiça sendo tardia. Pode

até ser que você tenha razão quando diz que os

meus dias passarão a ser difíceis. Mas eu não me

importo muito com isso, contanto que todos vocês

também sintam na pele o meu sofrimento.

RENÉE — Pra quê? Pra você se sentir saciada com esse

seu desejo por sangue?

MALU — Pra vocês aprenderem a não se meter de

maneira tão invasiva na vida dos outros. Pra vocês

pensarem muito bem antes de insistir num objetivo

destrutivo e inconsequente.

O clima tenso vai diminuindo e, aos poucos, uma música de emoção incide

sobre a cena. Renée passa a olhar para o chão, e se direciona até a

arquibancada, ao lado de Jaqueline. Malu, por outro lado, olha ao redor e

encara, de maneira emocionada e tenaz, os semblantes estarrecidos e

constrangidos dos convidados. Depois disso, ela também olha para o chão,

num tom de humilhação, e vai embora em passos curtos e desanimados. Por

fim, Renée se aproxima de Jaqueline.

RENÉE — Não existe mais clima pra continuar essa festa.

É melhor nós dispensarmos os convidados.

JAQUELINE — Tudo bem. Eu vou dar o aviso.

Logo, Jaqueline sobe a arquibancada, pega o seu microfone e chama a

atenção de todos.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

JAQUELINE — Gente, infelizmente, como vocês puderam

observar, a nossa festa foi interrompida de

maneira muito brusca. Por essa razão, eu peço

desculpas pelo transtorno e digo que, apesar de

tudo, a noite foi um sucesso, e o nosso novo ateliê

estará funcionando a seu pleno vapor. Muito

obrigada a todos que compareceram. Estamos

encerrando a nossa noite e pedindo que todos

vocês saiam daqui somente com as lembranças

positivas. Uma boa noite!

Assim, os convidados começam a ir embora e, depois de alguns instantes,

sobram apenas Renée, Jaqueline e Cláudia no local.

CLÁUDIA — Agora só nos resta seguir em frente.

RENÉE — É! Foi um grande transtorno e uma grande

emoção. Mas tudo isso não vai tirar o brilho da

nossa inauguração.

JAQUELINE — Não mesmo. O que nos resta é insistir no nosso

trabalho e esperar por dias melhores. A praga da

Malu não vai nos atingir. Nós vamos manter um

sucesso estável, vocês vão ver!

Assim, as três dão um abraço entre si e CAM vai se distanciando do local,

mostrando-as no centro do ambiente vazio.

CENA 6. CASA DE FABIANO. SALA. INT. NOITE.

Neste momento, surgem Neusa, Raquel, Leandrinho, Sandra e Fabiano no

recinto. Eles sentam no sofá, exaustos e, ao mesmo tempo, surpresos.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

NEUSA — Mas eu não sei como que pode. É barraco atrás

de barraco. Justo você, Fabiano, que disse que

essa festa seria tão requintada e de bom gosto. O

que eu vi foi um tipo de baixaria que nem

programas de auditório conseguiriam a façanha de

superar.

FABIANO — Bobagem, mãe. Essas situações da vida são tão

comuns e, ao mesmo tempo, imprevisíveis...

SANDRA — E bota imprevisível nisso. (coloca a mão na sua

barriga) Às vezes, eu acho que as surpresas podem

até mesmo ser fatais.

LEANDRINHO — Nossa, Sandra! Mas por que essa visão tão

fatalista agora?

RAQUEL — Pois é, minha querida. Aconteceu algo que te

deixou preocupada?

De chofre, Sandra começa a recordar do instante quando reencontrou Jake,

no capítulo anterior e na festa da inauguração do ateliê. Depois de muito

pensar, Sandra segura fortemente na sua barriga de grávida e volta a se

expressar.

SANDRA — Foi força de expressão, gente. É que essas

emoções fortes podem ser prejudiciais pra minha

gestação.

NEUSA — (preocupada) Ah, nisso eu tenho que concordar

com você, minha sobrinha. Portanto, trate de

descansar e cuidar da sua saúde. Porque agora a

sua responsabilidade é em dobro.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

SANDRA — Tudo bem! Boa noite pra vocês.

TODOS — Boa noite!

Assim, ela some pelo corredor que interliga a sala com a cozinha e os

quartos.

FABIANO — (levanta-se) Bom! Eu também vou me mandar.

Dar um beijo de boa noite pra Taís e descansar.

NEUSA — Então tá certo.

Assim, CAM acompanha Fabiano entrando pelo corredor e abrindo a porta

do quarto de Taís. Quando abre, se surpreende por não encontrá-la no local.

FABIANO — Meu Deus! Onde essa maluca da Taís foi se

meter?

Som de suspense no final da cena.

CENA 7. APART DE ANTÔNIO. SALA. INT. NOITE.

Música de ação. Constantinopla continua tentando se proteger da investidas

de Taís, a qual segura um canivete e a ameaça.

CONSTANTINOPLA — Você só pode estar completamente louca, não é

mesmo? Quando foi que passou pela sua cabeça de

prostituta, tão energúmena e sem instrução, que

eu guardaria aqui um tesouro ao estilo dos

caçadores da Arca Perdida?

TAÍS — Porque eu cheguei a ouvir uma conversa, lá na

clínica, em que o seu filho disse que costumava

guardar uma quantia no cofre da casa dele, sendo

um dinheiro não declarado e necessário pras horas

mais apertadas...

18

AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... Então, deduzo eu que louca não posso estar. Mas

sim muito consciente do seu medo não só de me

mostrar essa quantia em espécie, como de acabar

se saindo ferida no meio desse embate.

CONSTANTINOPLA — Você já está passando de todos os limites,

minha cara! Está perdendo o mínimo de razão e de

dignidade que ainda lhe restava pra, numa última e

impulsiva cartada, tentar garantir algumas

migalhas. É lógico que você está em vantagem

agora, a ponto de me coagir a lhe indicar o cofre.

Mas talvez essa vantagem seja apenas aparente.

No fundo, eu sei que você tá tão acuada, ou até

mais amedrontada do que eu. Dá pra ver na sua

expressão desesperada. Dá, inclusive, pra notar o

seu nervosismo por conta do tremelique das suas

mãos. Ora, Taís, deixe de ser retardada! Você não

vai conseguir me ferir com esse canivete e nem

sair daqui com um centavo em suas mãos. Você não

está dominando a situação agora. Você está

prestes a sentir na pele as consequências de

mexer comigo!

Assim, de maneira sagaz, Constantinopla pega discretamente um porta

retrato situado numa mesinha ao seu lado e arremessa em cima de Taís.

Esta fica distraída e cai, jogando o canivete em direção a Constantinopla.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

Esta oportunamente pega o objeto com a sua mão direita e puxa os cabelos

de Taís com toda a sua força, arremessando-a até a porta e, de quebra,

cortando um pedaço do cabelo dela.

TAÍS — (grita) Sua desgraçada! Isso é lesão corporal!

CONSTANTINOPLA — E o que você fez aqui na minha casa é invasão de

domicílio. E pra agravar ainda mais o seu caso,

tentou me coagir com grave ameaça! Então, em

matéria de crime impune, minha queridinha,

estamos quites. Agora, em matéria de paz de

espírito, pode ter certeza de que você não tirará a

minha. Muito pelo contrário, a sua vida é que não

terá mais sossego se você continuar me

perseguindo.

Assim, Constantinopla prensa Taís na parede e coloca o canivete no seu

pescoço.

TAÍS — (chorando) O que você vai fazer agora, sua

maldita? Vai terminar a sua tortura psicológica?

CONSTANTINOPLA — (fria) Eu tinha muita vontade de fazer isso. Mas

hoje eu estou muito controlada e não vou sujar as

minhas mãos com esse seu sangue contaminado de

doença venérea, biscate ordinária!

Assim, Constantinopla abre a porta com e a faz Taís cair para fora do apart.

Assim, Constantinopla a encara com ironia e fecha a porta com toda a sua

força. Lá fora, Taís tenta se levantar. Para isso, ela se apoia na porta e, ao

mesmo tempo, seca os seus olhos cheios de lágrimas.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

Triste e derrotada, Taís pega o elevador. Lá dentro, ela senta no chão e

começa a chorar compulsivamente.

CENA 8. APART DE ANTÔNIO. QUARTO DE ANTÔNIO. INT.

NOITE.

Respirando fundo e recuperando o fôlego, Constantinopla se direciona até o

guarda-roupa de seu filho, por onde ter um fundo falso. De lá, esconde-se o

cofre tão comentado na cena anterior. Constantinopla digita senha e começa

a contar a pilha de dólares.

CONSTANTINOPLA — (p/si) Aqui não é mais um lugar seguro pra eu

manter esse tesouro. Eu vou esconder em outro

lugar, e é hoje mesmo.

Som de suspense no final da cena.

CENA 9. DELEGACIA. CELA. INT. NOITE.

Neste instante, todos os detentos do local se encontram dormindo, menos

Antônio e Codinome, os quais estão juntos numa cela, separados dos outros.

ANTÔNIO — Então você caiu num esquema de uns magnatas

da fronteira?

CODINOME — É! Eu posso ter a pena diminuída com a delação

que eu vou fazer. Mas até esperar a homologação

dessa delação, eu ainda preciso me manter calado.

É por uma questão de segurança.

ANTÔNIO — É verdade. É bom mesmo você se precaver. Um

sujeito tão novo, se perder na vida assim é uma

tristeza. Já eu, sou de meia-idade...

21

AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... Então já não importa muito o que virá pela

frente, a não ser arcar com os prejuízos que eu

causei.

CODINOME — E a sua situação é tão grave assim?

ANTÔNIO — Envolvimento em contrabando e desvio de

medicamentos. Era um esquema que fazia lucrar a

clínica por fora.

CODINOME — Eu imagino a sua decepção com a vida. Afinal, um

cara que tinha tudo em mãos, de repente se viu

completamente desamparado.

ANTÔNIO — Pra te falar a verdade, eu me decepciono mais

comigo mesmo. Com a minha burrice e falta de

cuidado. Eu não sou um coitado, Codinome. Eu

mereço estar aqui.

CODINOME — Bom. Por enquanto, aqui na cadeia, até que o

tratamento está sendo light para nós. Mas depois,

quando formos transferidos pra penitenciária, aí

vem chumbo grosso pela frente. Por isso, eu queria

muito te oferecer ajuda, caso a gente seja

transferido pro mesmo lugar. Eu conheço uns caras

lá que podem garantir a sua segurança.

Música de suspense. Antônio fica bastante preocupado.

ANTÔNIO — Não se preocupe comigo, Codinome. Eu me

garanto.

CODINOME — Tudo bem. Mas qualquer coisa, pode contar

comigo.

22

AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

ANTÔNIO — Muito obrigado.

Assim, Codinome volta até a sua cama e se vira para dormir. Antônio, por sua

vez, continua com insônia e, por isso, levanta-se em direção à janela. Ele olha

para a visão limitada do céu e respira fundo.

ANTÔNIO — (p/si) Com o dinheiro lá de casa eu não posso

mais contar. Tenho certeza de que a minha mãe vai

me depenar. Pelo jeito, só mesmo o Codinome é um

amigo leal. (rindo por dentro) Quem diria, eu...

Tendo amigos sinceros.

Assim, a música de suspense dá entrada a uma música emocionante, porém,

não piegas. Antônio vira o seu olhar para Codinome, o qual, nesse instante,

dorme de maneira serena. Antônio dá um leve sorriso, deixando a entender

que sente uma afeição pelo jovem amigo.

CENA 10. LARGO DA ORDER. EXT. NOITE.

Neste local, ao som de uma outra música de emoção, observa-se,

primeiramente, as construções históricas servindo de cenário para o

ambiente em que inúmeros jovens se divertem. Muitos bebem em bares a

céu aberto, outros andam pelas ruas ladrilhadas e de declive. Chegando ao

local, mais precisamente, vindo das proximidades da travessa, está Taís,

desamparada e desnorteada. Ela decide sentar numa das cadeiras externas

do bar. No mesmo instante, mas do outro lado, chega Malu. Esta está tão

entristecida quanto Taís. De chofre, ambas estão próximas e se encaram de

uma maneira muito profunda e envolvente.

MALU — Você vai me desculpar, mas eu tenho a

impressão de que conheço você/

23

AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

TAÍS — É verdade. Você também não me é estranha.

Claro, lá da festa do shopping Metrópole.

MALU — Sim! Lembro de você. Aquela situação toda em

que você foi violentada, um horror/

TAÍS — É! Mas são águas passadas. Bom, se você quiser,

pode sentar junto comigo. Eu confesso não estar

num bom momento, mas/

MALU — Eu aceito. Porque eu também não estou nada

bem.

Malu senta e ambas se encaram de uma maneira um pouco constrangida.

MALU — Podemos pedir uma bebida, o que você acha?

TAÍS — Por mim, tudo ótimo. Já que estamos tão

tristes, podemos compartilhar algo. Vai que isso

nos ajude. E uma bebida pra acompanhar pode

melhorar o nosso astral.

MALU — (rindo) É verdade!

Assim, Malu faz um aceno para o garçom e CAM vai se distanciando do local,

destacando-as conversando de maneira espontânea.

CENA 11. MANSÃO DE SÉRVIA. ADEGA. INT. NOITE.

Sérvia começa a se embriagar na sua casa e, quando vemos, já há mais de

quatro garrafas de vinho vazias em cima da mesinha da adega. Ela rumina

sobre os últimos acontecimentos, sobretudo a sua separação com Irineu. De

repente, ela começa a mexer no bolso da sua calça e encontra nela uma

chave.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

SÉRVIA — (embriagada) Nós não podemos terminar assim,

Irineu. O meu amor por você é forte demais pra se

deixar influenciar pelas fraquezas.

Assim, ela se levanta e vai até o telefone.

SÉRVIA — (T) Por favor, providencie um Uber até a minha

casa.

Corta imediatamente para...

CENA 12. APART DE IRINEU. SALA. INT. NOITE.

Minutos depois, Sérvia chega discretamente até o local, abrindo-o com a

chave que ela havia tirado da bolsa de sua calça. Depois, ela se direciona

lentamente até o quarto de Irineu e, ao ver o ambiente vazio, deita-se na

cama e começa a cheirar dos lençóis, completamente envolvida e sem receio

de ser pega em flagrante. De chofre, ela começa a ficar cansada e dorme.

CENA 13. ATELIÊ DE JAQUELINE E CLÁUDIA. LAGOA. EXT.

NOITE.

Neste momento, Renée, Cláudia e Jaqueline se encontram conversando com

André, na frente da lagoa iluminada pelo chafariz.

ANDRÉ — Então, gente. Eu acabei ficando mais um pouco

aqui porque fiquei impressionado com essa lagoa.

Ela me proporciona uma visão espetacular do

ambiente.

CLÁUDIA — Não deixa mesmo de ser apaixonante. Mas eu, a

minha mãe e a Renée já estamos indo.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

ANDRÉ — Tudo bem. Como hoje eu não vim de moto, vou

pegar um Uber pra daqui a pouco.

Assim, Cláudia, Jaqueline e Renée se despedem dele com um beijo. Quando

elas saem, surge Jake do outro lado, apreensivo e, por outro lado, feliz ao

ver André. Este, ao notar a presença de Jake, fica bastante mexido

também.

ANDRÉ — (sorri) Eu pensei que só eu tivesse sobrado aqui

no meio desse furacão.

JAKE — É que eu estava analisando algumas fotos. E

também porque queria ficar um pouco aqui,

observando essa lagoa.

ANDRÉ — É! Então eu não sou o único que ficou encantado

por ela.

JAKE — (aproxima-se) Com certeza, não. Aliás, foi

muito bom encontrar você aqui. A sua presença

deixa o ambiente ainda mais iluminado.

André sorri por dentro, não demonstrando nenhum constrangimento. Jake,

por sua vez, demonstra uma expressão serena, não sorrindo, mas também

não se mostrando triste. É um semblante equilibrado, que ressalta o olhar

penetrante e apaixonado que ele direciona para André.

CENA 14. LARGO DA ORDER. EXT. NOITE.

Neste momento, Malu e Taís tomam um chope e conversam.

MALU — O seu sofrimento realmente é muito marcante,

Taís. Traficada por aquele cafetão que tentou te

violentar na minha festa?

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

TAÍS — Sim! Um bandido sem categoria, que, justiça

seja feita, hoje está morto e caído no

esquecimento.

MALU — Mas ainda tem a tal mulher, né? Aquela que você

me contou que te explorou junto com ele e que tá

totalmente ilesa e imune das mãos da justiça.

TAÍS — Tem sim! Mas ela provou hoje que é muito pior

do que eu pensava! E que é capaz de tudo pra se

manter longe da polícia.

MALU — Então você procurou ela hoje?

TAÍS — Sim! E ela me violentou, cortando um fio do meu

cabelo.

MALU — Mas você precisa denunciá-la por lesão

corporal/

TAÍS — Eu até faria isso. Mas a Constantinopla também

pode me prejudicar.

Música de suspense. CLOSE no olhar chocado de Malu.

MALU — Você disse Constantinopla?

TAÍS — Sim... (lembra-se de algo) Claro! Naquele

momento que eu te encontrei na clínica Arcádia

com essa bandida. Vocês eram/

MALU — Aquela ordinária seria a minha sogra. Mas o

Antônio foi preso no momento em que nós iríamos

nos casar.

TAÍS — Meu Deus! Que coincidência.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

MALU — Pois é! Sinal de que algum propósito isso tem,

Taís! Portanto, eu quero muito que você conte mais

sobre a Constantinopla. Eu tinha descoberto

recentemente que ela traficava mulheres nos EUA,

mas encontrar uma das vítimas dela foi de uma

sorte incrível. Porque justamente, eu não pretendo

deixar ninguém impune. E a Constantinopla precisa

pagar, também, por tudo o que ela fez.

SEGUNDO BREAK.

CENA 15. LARGO DA ORDEM. BAR. EXT. NOITE.

Continuação imediata da última cena do bloco anterior.

Clima tenso. Taís começa a revelar mais detalhes sobre os crimes de

Constantinopla a Malu. Esta fica bastante atenta e, ao mesmo tempo,

chocada com as descobertas.

MALU — Meu Deus! Mas então essa mulher é um monstro!

TAÍS — A Constantinopla é um tipo de gente que, se

você não tomar cuidado, é capaz de te

desestabilizar e ainda se passar por coitada diante

dos outros. O problema é que eu me deixei

influenciar pela lábia dela, quando, num momento

de desespero, decidi prestar aquele depoimento

pra livrá-la de qualquer investigação.

MALU — Você errou muito feio mesmo. Mas eu não estou

aqui pra fazer juízos de valor...

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... Até porque, a sua condição financeira sempre

foi ruim, pelo que você me contou.

TAÍS — Ruim? Ruim é até elogio. Depois que o meu pai

morreu, cada um lá em casa tem que colaborar com

algum trocado. Só que nem assim nós conseguimos

nos garantir direito. Sempre falta alguma coisa.

Os desejos de uma vida melhor ficam dispersados

diante do cenário triste da minha realidade.

MALU — No fundo, você acabou novamente sendo vítima

da Constantinopla. Porque ela foi bastante

favorecida com o seu depoimento, já você nada

pode pedir em troca desse favor. E se for até a

polícia, pode ser processada por falso testemunho.

TAÍS — É por isso que eu quis apelar pra uma última

jogada. Ou seja, garantir o dinheiro que eu sei que

ela e o Antônio guardavam no cofre. Mas agora

isso é impossível. Ela conseguiu me deixar em

pânico com aquela agressão física.

MALU — Você realmente estava em desvantagem. Mas se

você contar com a ajuda de uma outra pessoa, você

pode conseguir o que você quer. Portanto, não

desista.

TAÍS — Mas quem teria coragem de se bandear pro meu

lado e fazer algo tão reprovável?

MALU — Reprovável, minha querida, é você ser

politicamente correta e hipócrita ao mesmo tempo.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

Enquanto as pessoas realmente safas se dão bem e

ainda riem da nossa conduta eticamente perfeita.

(obstinada) Eu posso te ajudar. Se é na

intimidação que a Constantinopla gosta de resolver

as suas negociatas, é nessa linguagem que nós

vamos virar esse jogo a seu favor.

Música de suspense. Taís fica muito receosa, e assim, coloca as suas mãos

sobre as de Malu.

TAÍS — É melhor você não se meter nisso, Malu! Eu até

imagino que, nesse momento, você está dominada

por uma energia cheia de raiva e de revanche. Mas

isso pode se tornar um impulso prejudicial a você.

E a nossa situação se complica agora justamente

porque a Constantinopla ficou com o meu canivete.

Ela pode perder a cabeça caso eu vá lá de volta e

terminar a madrugada cometendo um assassinato.

MALU — Não seja tão melodramática, Taís. As suas

deduções são bastante lógicas, mas não é o

caminho certo se torturar de graça. A noite

terminar repleta de sangue é só uma das

hipóteses. Confie em mim! Nós vamos conseguir

esse dinheiro pra você. E a Constantinopla vai se

arrepender de todo o mal que ela te causou.

CLOSES alternados. Taís consente com a cabeça, embora relutando. Já

Malu, dá um sorriso de satisfação, demonstrando uma coragem e uma

obstinação de uma mulher vingativa.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

CENA 16. ATELIÊ DE JAQUELINE E RENÉE. LAGOA. EXT. NOITE.

Num clima mais leve e descontraído, André e Jake andam ao redor da lagoa

iluminada pelo chafariz e conversam sobre a vida.

ANDRÉ — Ingressar a Curitiba aos 26 anos, depois de uma

vida inteiramente consolidada no Espírito Santo,

foi uma mudança muito radical pra mim. Isso me

afetou de uma forma muito marcante.

JAKE — Pro bom ou pro mal sentido?

ANDRÉ — Mais pro bom sentido. De certa forma, de nada

adiantaria guardar dentro de mim os fantasmas de

um passado tão difícil. Até porque, depois da

morte do meu namorado, nada mais me prendia a

Vitória.

JAKE — E você acha que é impossível a possibilidade de

voltar a morar na sua cidade natal?

ANDRÉ — Eu posso afirmar, sem medo de errar, que sim.

Por mais que eu viva cheio de dúvidas, essa é uma

das únicas certezas que eu tenho.

JAKE — Já eu, pra ser bem sincero, tive momentos bem

difíceis aqui em Curitiba. E voltar pra minha cidade

talvez me ajudasse a refletir sobre as escolhas

erradas que eu fiz.

ANDRÉ — Então você tá obstinado mesmo a voltar pra sua

cidade?

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

JAKE — Estou sim. As lembranças das coisas erradas

que eu fiz aqui me torturam de uma forma muito

incansável.

De repente, ambos sentam numa cadeirinha e observam a lagoa se movendo

com a intensidade do vento.

JAKE — Eu não queria entrar em detalhes, mas eu

prejudiquei a vida de algumas pessoas por conta de

uma ambição idiota.

ANDRÉ — Imagina! Nem gostaria de invadir tanto a sua

privacidade. Dá pra ver que esse assunto te deixa

bastante incomodado. Mas a impressão que dá é

que nós dois, de certa forma, queremos fugir do

que ficou pra trás. Mas, mesmo que a gente mude o

cenário do nosso roteiro, essas lembranças nos

acompanham também, mesmo sendo tão

inconvenientes e ingratas.

Jake dá um sorriso de leve e olha apaixonadamente para André.

JAKE — Você tem toda a razão, André. Aliás, que

garotinho mais sábio. 26 anos e cheio de

maturidade. Eu, um reles mortal de 32, ainda não

aprendi direito a resolver os meus próprios

problemas.

ANDRÉ — (rindo/acaricia o rosto dele) Mal te conheço,

mas já te acho tão cheio de história pra contar, e

uma companhia tão agradável...

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

... Você ficou mesmo até mais tarde aqui somente

pra observar a lagoa, ou, sem querer ser

indelicado, você queria conversar comigo.

JAKE — Eu queria ficar perto de você, sim. Senti uma

profunda confiança e uma vontade irracional de

ter a sua companhia.

ANDRÉ — Que ótimo. Porque eu também não consigo

explicar o que tá me acontecendo. Acho que a

gente tá se curtindo bastante.

JAKE — É sim. Percebi que, assim como eu, você é

bastante objetivo.

ANDRÉ — Sou, sim. E pra te falar a verdade, já sentia

muito falta de me sentir assim tão envolvido por

alguém.

Ao som de Hungry Eyes-Eric Carmen, Jake também passa a acariciar o rosto

de André e ambos começam, paulatinamente, a aproximarem os seus rostos

um do outro. Esse primeiro beijo se dá de maneira bastante sutil, sem

excesso de paixão ou desejo. É um beijo simples, amável, de pessoas que

acabaram de se conhecer, no entanto, aos poucos, vão se descobrindo

através da experiência.

CENA 17. APART DE ANTÔNIO. QUARTO DE ANTÔNIO. INT.

NOITE.

Música de suspense. Rapidamente, Constantinopla começa a guardar um bolo

de dinheiro tirado do cofre numa bolsa espaçosa. Ansiosa, ela deixa o cofre

escancarado e se direciona até a saída do quarto.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

CENA 18. APART DE ANTÔNIO. SALA. INT. NOITE.

Agora, Constantinopla senta-se um pouco no sofá, dá uma última olhada nos

dinheiros guardados na bolsa e reflete.

CONSTANTINOPLA — (p/si) O último lugar que descobririam esse

dinheiro é naquele pensionato onde o Nader ficou

hospedado. Mas é melhor eu dar um tempo na

minha cabeça. Agora não há perigo de a Taís me

ameaçar.

Corta imediatamente para...

CENA 19. DELEGACIA. CELA. INT. NOITE.

Antônio pensa no dinheiro que está infiltrado no cofre de seu apart. Ao

mesmo tempo, observa que Codinome dorme tranquilamente no mesmo local.

ANTÔNIO — (pensando) A Constantinopla pode gastar à

vontade aquela quantia. Ninguém, nem mesmo a

justiça ou qualquer delator, vai descobrir o

dinheiro que está no nome falso da Letícia. Podem

bloquear a minha conta não declarada, o meu

patrimônio declarado, a minha conta conjunta com

o Humberto. Mas, quando eu sair daqui, eu sei

como me garantir.

CLOSE no seu sorriso discreto.

CENA 20. APART DE IRINEU.QUARTO. INT. NOITE.

Irineu chega extremamente cansado até o seu apart e, já no sofá, começa a

desabotoar o paletó e tirar os seus sapatos.

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AS DONAS DA HISTÓRIA CAPÍTULO 51

Depois, ele toma um gole de uísque e relaxa por alguns instantes. Até que,

levado pelo corpo, uma vez que está exausto, direciona-se até o seu quarto.

Quando chega lá, leva um susto ao ver Sérvia dormindo estirada na sua

cama.

IRINEU — Mas o que é isso, Sérvia? Você enlouqueceu.

Sérvia, por sua vez, acorda lentamente, e se aproxima sutilmente de Irineu.

SÉRVIA — Você acha mesmo que eu vou perder o homem da

minha vida? Pode ter certeza de que a minha

felicidade não vai ser desperdiçada.

Assim, no impulso, Sérvia agarra Irineu e o beija de maneira intensa e

afobada. Ele, por sua vez, quase perde e equilíbrio do corpo e segura

fortemente no quadril de Sérvia, sentando junto com ela numa cadeira da

escrivaninha. Clima de intenso desejo e romance entre os dois.

CENA 21. APART DE CONSTANTINOPLA. SALA. INT. NOITE.

Constantinopla acaba de desligar o telefone, após providenciar um táxi.

CONSTANTINOPLA — (p/si) Agora vamos lá.

No instante em que abre a porta e carrega o objeto, ela se surpreende com

Malu e Taís, que a esperavam no corredor.

MALU — Já está indo embora, Constantinopla? O quê

você carrega com você, posso saber?

Impulsiva, Constantinopla tenta voltar para o apart e se trancar lá dentro.

Contudo, Malu é mais rápida e, com as suas pernas, impede-a de fechar a

porta. Taís apenas observa, preocupada. CLOSES alternados entre as três.

FIM DO CAPÍTULO 51.