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1 Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos. Realização Curso de História ISSN 2178-1281 AS COMPETÊNCIAS HISTÓRICAS NO VESTIBULAR DA UEG 1 Euzebio Carvalho 2 RESUMO Os documentos oficiais produzidos pelo Ministério da Educação do Brasil que servem de orientação curricular para o Ensino Médio tomam por referenciais as chamadas pedagogias das competências inspiradas nas tradições pedagógicas de origem estadunidense e francesa. Em nossa pesquisa sobre as provas de história do vestibular da Universidade Estadual de Goiás, entre 2005 e 2009, identificamos e problematizamos as competências relativas ao conhecimento histórico a serem verificadas nos vestibulandos. A partir dessa pesquisa, formulamos as concepções de competências tradicionais e competências textuais. Confrontamos tais noções com as competências disciplinares da história. PALAVRAS-CHAVE Pedagogia das Competências; Competências Históricas; Competências Tradicionais. Competências textuais. Competências oficiais Na sequencia da promulgação da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, o Ministério da Educação publicou uma série de documentos que objetivava orientar e guiar as discussões sobre o currículo a ser seguido na Educação Básica. Tais documentos estimularam um novo vocabulário nos ambientes escolares e nos espaços de formação de professores. Depois da tão falada, mas pouco implementada, “interdisciplinaridade”, talvez os termos mais populares sejam as chamadas “competências e habilidades”. Contreras (2002, p.135) ao discutir a apropriação generalizada do t ermo reflexivo chama nossa atenção para o esvaziamento de sentido provocado pela utilização indiscriminada de certo termos. Acreditamos que processo semelhante ocorreu com os termos “interdisciplinaridade” e “competência”. Os autores dos documentos oficiais, apesar de muito empregar, pouco discutiram conceitualmente tais conceitos e categorias. Certamente, esta ausência não contribuiu para que 1 Este texto é um dos produtos finais do projeto de pesquisa História para quê? Ensino de história, currículo e o vestibular apresentado à Pró-reitoria de Graduação e Pesquisa, da UEG, em 2011 (Memorando PrP/CP n.072/2011). 2 Professor de Didáticas, Práticas e Estágios em História na Universidade Estadual de Goiás (UEG), Unidade Universitária de Porangatu. Mestre em história PPGH/UFG (2008). E-mail: [email protected] Currículo: http://lattes.cnpq.br/7307117258225181

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Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.

Realização Curso de História – ISSN 2178-1281

AS COMPETÊNCIAS HISTÓRICAS NO VESTIBULAR DA UEG1

Euzebio Carvalho2

RESUMO

Os documentos oficiais produzidos pelo Ministério da Educação do Brasil que servem de

orientação curricular para o Ensino Médio tomam por referenciais as chamadas pedagogias

das competências inspiradas nas tradições pedagógicas de origem estadunidense e francesa.

Em nossa pesquisa sobre as provas de história do vestibular da Universidade Estadual de

Goiás, entre 2005 e 2009, identificamos e problematizamos as competências relativas ao

conhecimento histórico a serem verificadas nos vestibulandos. A partir dessa pesquisa,

formulamos as concepções de competências tradicionais e competências textuais.

Confrontamos tais noções com as competências disciplinares da história.

PALAVRAS-CHAVE

Pedagogia das Competências; Competências Históricas; Competências Tradicionais.

Competências textuais.

Competências oficiais

Na sequencia da promulgação da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

em 1996, o Ministério da Educação publicou uma série de documentos que objetivava

orientar e guiar as discussões sobre o currículo a ser seguido na Educação Básica. Tais

documentos estimularam um novo vocabulário nos ambientes escolares e nos espaços de

formação de professores. Depois da tão falada, mas pouco implementada,

“interdisciplinaridade”, talvez os termos mais populares sejam as chamadas “competências e

habilidades”. Contreras (2002, p.135) ao discutir a apropriação generalizada do termo

reflexivo chama nossa atenção para o esvaziamento de sentido provocado pela utilização

indiscriminada de certo termos. Acreditamos que processo semelhante ocorreu com os termos

“interdisciplinaridade” e “competência”.

Os autores dos documentos oficiais, apesar de muito empregar, pouco discutiram

conceitualmente tais conceitos e categorias. Certamente, esta ausência não contribuiu para que

1 Este texto é um dos produtos finais do projeto de pesquisa História para quê? Ensino de história, currículo e o

vestibular apresentado à Pró-reitoria de Graduação e Pesquisa, da UEG, em 2011 (Memorando PrP/CP n.072/2011). 2 Professor de Didáticas, Práticas e Estágios em História na Universidade Estadual de Goiás (UEG), Unidade

Universitária de Porangatu. Mestre em história PPGH/UFG (2008). E-mail: [email protected] Currículo: http://lattes.cnpq.br/7307117258225181

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os demais agentes educacionais os utilizassem de forma autônoma e crítica. Pelo contrário, a

falta de reflexão provoca a uma repetição simples, mecânica e desprovida de potencia tão

presente nos modismos que atravessam todos os espaços e dimensões da vida social. A

utilização indiscriminada retira do indivíduo a autonomia que eles devem apresentar ao

manipular as categorias conceituais que perpassam seu cotidiano de trabalho.

Se estes conceitos estavam na base da concepção de educação dos documentos

governamentais, se eles constituem o referencial teórico-metodológico mais amplo a partir do

qual se pensa a educação, por que não discuti-los?

Os princípios gerais que orientam a reformulação curricular do Ensino Médio são

apresentados em documento publicado pelo Ministério da Educação, em 2000, na seguinte

forma:

Propõe-se, no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à

formação específica; o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar

informações, analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar,

formular, ao invés do simples exercício de memorização (MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, 1999, p. 16).

A instituição da lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96) provocou a

discussão e a reformulação curricular para o Ensino Médio. Essas novas concepções

decorreriam das mudanças estruturais provocadas, entre outras coias, pela revolução do

conhecimento, em processo desde a década de 1980, que alteraram as relações de trabalho e

as relações sociais. Numa sociedade tecnológica, a forma de se relacionar com a informação

passa da simples habilidade da memorização da informação para a competência da gestão da

informação. No caso do ensino de história didaticamente orientado, não basta a gestão. Tanto

o mestre quanto o aprendiz devem dominar o processo de produção e apresentação do

conhecimento histórico, como será discutido adiante.

O Ensino Médio, portanto, torna-se a etapa final do ciclo básico, etapa

caracterizada por um processo educativo de caráter geral, afinado com a contemporaneidade,

com a construção de competências básicas, que situem o educando como sujeito produtor de

conhecimento e participante do mundo do trabalho, e com o desenvolvimento da pessoa,

como “sujeito em situação” – cidadão (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p. 21).

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Poderíamos classificar as competências estabelecidas para o novo Ensino Médio,

apresentadas no artigo 22 da LDB, em quatro categorias: epistemológica, profissionalizantes,

humanizadoras e política. Para a primeira, o aprendizado é entendido como contínuo, de

forma autônoma e crítica, galgando níveis cada vez mais complexos (“prosseguimento nos

níveis mais elevados e complexos de educação”) ou para a “compreensão dos fundamentos

científico-tecnológicos dos processos produtivos” (art.35).

As competências profissionais, por sua vez, garantiriam uma formação para o

mercado de trabalho (chamada no PCNEM de forma eufemística de “aprimoramento” ou no

artigo 22 de “base para o acesso às atividades produtivas” ou para “a qualificação para o

trabalho” como assevera o artigo 2) que acompanhasse as mudanças contínuas nas relações de

produção na sociedade tecnológica.

As competências humanizadoras objetivariam o “desenvolvimento pessoal,

referindo à sua interação com a sociedade e sua plena inserção nela”, voltando-se para a

formação da pessoa humana, incluindo sua formação ética, por meio do desenvolvimento de

valores e competências que integrasse os interesses individuais aos coletivos (art. 35).

Por fim, as competências políticas assegurariam “a formação comum

indispensável para o exercício da cidadania” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p. 21)

ou como consta no artigo 35: para “a autonomia intelectual e do pensamento crítico”.

No concernente às “Ciências humanas e suas tecnologias”, área que congrega as

disciplinas escolares de história, geografia, sociologia e filosofia (que por sua vez remeteriam

a outros conhecimentos como antropologia, política, direito, economia e psicologia), os

PCNEM defendem uma compreensão curricular denominada humanista, posto que baseada

em princípios estéticos (estética da sensibilidade), políticos (política da igualdade) e éticos

(ética da identidade). Os temas clássicos da área seriam o trabalho e a produção, a

organização e o convívio sociais, a construção do “eu” e do “outro” (MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, 1999, p. 286).

Dentre os quatro princípios propostos para a educação no século XXI publicado

pela ONU de autoria de Edgar Morin: aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser, as

DCNEM privilegiaram o aprender a conhecer, como conhecimento síntese dos demais. Esta

educação está baseada no “desenvolvimento de competências cognitivas, sócio-afetivas e

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psicomotoras, gerais e básicas, a partir das quais se desenvolvem competências e habilidades

mais específicas e igualmente básicas para cada área e especialidade de conhecimento

particular” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p. 289).

As competências básicas para a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias

teriam por objetivo potencializar a ação do indivíduo, favorecer o prosseguimento dos estudos

e preparar adequadamente para a vida em sociedade. Estas competências não deveriam

eliminar os conteúdos posto que “não é possível desenvolvê-las no vazio”. Tais competências

deveriam orientar a seleção dos conteúdos. O que importaria na educação básica não é a

quantidade de informações, mas a capacidade de lidar com elas, por meio de sua apropriação,

comunicação, produção e reconstrução, pois somente assim poderiam ser transpostas para

novas situações. Neste sentido não se quer a memorização de fatos, mas a interpretação, o

entendimento e a operacionalização de ideias, argumentos, conceitos e categorias

(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p. 289). A forma de apresentar as competências

muito as aproximou dos objetivos, chegando mesmo a fundi-los.

Os PCNEM de 1999 apresentavam as seguintes competências para a área de

Ciências Humanas e suas tecnologias:

Compreender a constituição da identidade própria e dos outros, em seus

elementos cognitivos, afetivos, sociais e culturais;

Compreender os processos sociais como orientadores da dinâmica dos

diferentes grupos de indivíduos e a si mesmo como agente social,

competência que passa pela compreensão da gênese, transformação e

fatores que intervêm na sociedade;

Compreender que a sociedade se desenvolve como processo de ocupação

de espaços físicos e nas relações das pessoas com a paisagem entendida

em suas dimensões político-sociais, culturais, econômicos e humanos;

Compreender as instituições sociais, políticas e econômicas em relação às

práticas dos diferentes grupos e atores sociais, aos princípios que regulam

a convivência em sociedade, aos direitos e deveres da cidadania, à justiça e

à distribuição dos benefícios econômicos;

Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a sociedade, a economia, as

práticas sociais e culturais em condutas de indagação, análise,

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problematização e protagonismo diante de novas situações, problemas e

questões da vida pessoal, social, política, econômica e cultural;

Entender as dimensões individuais, sociais e culturais das tecnologias,

valorizando sua aplicabilidade na resolução de problemas. Entender a

importância das atuais tecnologias de comunicação e informação para o

planejamento, gestão, organização e fortalecimento do trabalho de equipe;

Entender as tecnologias das Ciências Humanas em sua relação com a vida

pessoal, os processos de produção, o desenvolvimento do conhecimento e

a vida social. Aplicar as tecnologias das Ciências Humanas e Sociais na

escola, no trabalho e nos demais contextos da vida. Em particular, esta

competência aproxima-se muito da compreensão da didática da história,

como discorreremos adiante (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p.

290-296).

Na apresentação das competências, destacamos o emprego do verbo

“compreender”, “entender”, “traduzir” em detrimento dos tradicionais explicar, identificar,

informar etc. Esta atitude revela as referências historicistas, hermenêuticas e fenomenológica

em substituição à tradicional atitude positivista para as ciências humanas. Compreender

pressupõe a valorização do outro e dos sentidos por ele criado. Explicar, além de partir de um

ponto zero não problematizado, impõe sobre o outro sentidos pré-existentes e quase revelados

a priori. As primeiras competências valorizariam o “como” e o “porque”, as tradicionais o

“quê”, “quando” e o “onde”. Não que estas dimensões não sejam importantes, mas não podem

ser o fim em si, durante uma aula. Elas devem levar a raciocínios e entendimentos. Estes sim

devem pautar os maiores esforços dos professores.

Quanto aos conhecimentos históricos a serem ensinados no Ensino Médio, o

documento assevera:

Deverá estar presente também enquanto História das Linguagens e História

das Ciências e das Técnicas, não na perspectiva tradicional da História

Intelectual, que se limita a narrar biografias de cientistas e listar suas

invenções e descobertas, mas da nova História Cultural, que enquadra o

pensamento e o conhecimento nas negociações e conflitos da ação social

(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1999, p. 286).

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As competências e habilidades a serem desenvolvidas em história segundo os

PCNEM se relacionam à:

Representação e comunicação: Criticar, analisar e interpretar fontes

documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes

linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos

envolvidos em sua produção; Produzir textos analíticos e interpretativos

sobre os processos históricos, a partir das categorias e procedimentos

próprios do discurso historiográfico;

Investigação e compreensão: Relativizar as diversas concepções de tempo e

as diversas formas de periodização do tempo cronológico, reconhecendo-as

como construções culturais e históricas. Estabelecer relações entre

continuidade/permanência e ruptura/transformação nos processos históricos.

Construir a identidade pessoal e social na dimensão histórica, a partir do

reconhecimento do papel do indivíduo nos processos históricos

simultaneamente como sujeito e como produto dos mesmos; Atuar sobre os

processos de construção da memória social, partindo da crítica dos diversos

“lugares de memória” socialmente instituídos.

Contextualização sociocultural: Situar as diversas produções da cultura –

as linguagens, as artes, a filosofia, a religião, as ciências, as tecnologias e

outras manifestações sociais – nos contextos históricos de sua constituição e

significação; Situar os momentos históricos nos diversos ritmos da duração e

nas relações de sucessão e/ou de simultaneidade; Comparar problemáticas

atuais e de outros momentos históricos; Posicionar-se diante de fatos

presentes a partir da interpretação de suas relações com o passado

(MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2000, p. 29).

Competências históricas no vestibular: tradicionais e textuais

Abordamos o exame do vestibular, analisando, especificamente, as questões que

objetivam medir a quantidade/qualidade do conhecimento histórico do vestibulando da

Universidade Estadual de Goiás (UEG), entre os anos de 2005 e 2009. Para isto, classificamos

as provas do vestibular da UEG a partir de certos objetivos previamente determinados. O

principal deles foi identificar as competências pressupostas dos candidatos a serem avaliadas

pelas questões de história.

Em se tratando das competências, na classificação das questões, estabelecemos

duas categorias: as tradicionais e as textuais.

Como resultado das análises das questões de história das provas do vestibular da

Universidade Estadual de Goiás, realizadas entre 2005 e 2009 estruturamos várias tabelas em

que classificamos as questões em relação a certos programas e projetos de análise. Para tratar

os dados que constituíram as tabelas, produzimos gráficos.

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Competências tradicionais

Para nós, as competências chamadas tradicionais enfatizam as habilidades de

lembrança/recordação de dados, fatos, informações, acontecimentos, eventualidades. Além

disto, esperam que seja feita a identificação e comparação de tempos/espaços em termos

conteudistas e informacionais, simplesmente. Essas competências valorizam o domínio

preciso e restrito de conteúdos/informações historiográficos, ou seja, a verificação pura e

objetiva de memorização e identificação de conteúdos e informações históricas, assim como a

referência indireta a essas informações. Nessas questões, sugere-se o que o candidato deve

identificar, por meio da valorização da ausência do conhecimento. Isto poderia ser suavizado

pela presença de um enunciado explicativo ou pela exploração de um trecho de documento ou

obra que poderia estimular o raciocínio do vestibulando.

Sabemos que a verificação de conteúdo é uma condição imprescindível de

qualquer processo avaliativo. Contudo, a ênfase exacerbada na simples verificação de

conteúdo pode ser apontada como a característica condicionante da história tradicional.

Os comandos dominantes nas questões caracterizadas como tradicionais foram: a)

responder, b) caracterizar e c) analisar. Entre os verbos indicativos de ação, “responder” é o

mais problemático, à medida que demanda precisão e delimitação na resposta. O comando

“analisar” é ambíguo, pois pode referir-se tanto uma competência tradicional como textual,

como será discutido mais à frente.

As competências tradicionais, como aqui as compreendemos, relacionam-se ao

paradigma tradicional da história. Esse paradigma estende-se à dimensão produtiva e

Associação …

Só textuais

4

4

2

Vestibular UEG 2005/1 Discursiva Competências

Associação …

Só textuais

1 6

2

Vestibular UEG 2005/2 Conhecimentos Gerais

Competências

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reprodutiva do conhecimento histórico. Ele preside desde os processos de produção do

conhecimento histórico às diversas formas de sua comunicação. Estão presentes tanto nos

espaços institucionais (acadêmicos, científicos e escolares) quantos nos espaços

socioculturais, constituídos pelos meios de comunicações midiáticas, nos produtos da

indústria cultural e nas formas de sociabilidades, em geral.

O paradigma tradicional da história confunde-se com o que, por muito tempo, foi

chamado de História Oficial que enfatiza a dimensão político-administrativa em detrimento

das outras dimensões do conhecimento histórico, como a econômica, a social e a cultural. A

história, entendida da forma tradicional, estaria descolada dos interesses, das necessidades e

urgências do tempo presente. Ela começa e termina no passado. Não se preocupa em

evidenciar as relações e as potencialidades da história para produzir conhecimento sobre as

sociedades no tempo presente.

Com uma pequena variação, o conhecimento histórico tradicional pode adquirir

um caráter exemplar, expresso pela fórmula historia magistra vitae. De acordo com essa

compreensão, ao informar sobre a conduta dos grandes homens, o conhecimento histórico

ofereceria padrões de ações para o presente. A história possuiria uma função moralizadora e

exemplar. Por isto, o paradigma tradicional apresenta uma compreensão extremamente

conservadora do passado, o qual seria mais valorizado que o presente ou o futuro.

Contudo, as características mais marcantes desse paradigma são os recortes

político-administrativos e o cronológico como os principais eixos explicativos do passado.

Dentro desse paradigma, os a-lunos são entendidos como receptáculo de informações

históricas, organizadas cronologicamente. Estas informações deveriam ser memorizadas tal

Associação …

Só tradicionais

Só textuais

0

7

3

Vestibular UEG 2006/1 Conhecimentos Gerais

Competências

Associação …

Só tradicionais

Só textuais

6

1

3

Vestibular UEG 2007/1 Discursiva Competências

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qual constam nos livros. Consequentemente, a avaliação de história, dentro desse paradigma,

resume-se na simples verificação da equivalência entre a resposta do aluno e a informação

presente nos livros didáticos. A informação histórica aparece nesse paradigma não como

resultado de um trabalho especializado. O conhecimento histórico é anunciado, revelado. Ele

preexiste ao trabalho do historiador e deve ser descoberto pelo seu trabalho.

A persistência do paradigma tradicional nas provas de história possui implicações

políticas que devem ser questionadas e superadas. Qual a importância dos conteúdos

históricos muito específicos nas provas?

No vestibular, eles mais discriminam do que possibilitam analisar a aprendizagem

de uma pessoa. Questões com conteúdos muito precisos interessam mais aos cursos

concorridos. Nesses, é grande o número de candidatos que empatam numa mesma

classificação. Nessa situação, essas questões se mostram muito importantes: possuem maior

índice de erro do que acerto. Por isso, na função tradicional do vestibular que é a

discriminação radical essas questões são mais importantes do que em situações em que o

vestibular possui como função majoritária a avaliação das potencialidades do candidato. A

questão geral é: o vestibular objetiva discriminar ou avaliar o aprendizado do candidato? Sé

há poucas vagas para o ensino superior (caso clássico dos cursos com grande concorrência),

consequentemente, as questões devem ser mais discriminativas e a tentação/necessidade em

construir questões chamadas de “muito difíceis” é maior.

No caso de um sistema de ensino superior cujo número de vagas é drasticamente

inferior à demanda social, a discriminação entre os candidatos é fundamental. Em casos como

esses, seleção/exclusão são duas faces de um mesmo processo avaliativo.

A verificação de conteúdo é uma atitude implícita à situação de

ensino/aprendizagem. Mas não deve ser seu fim último. Ela deve vir relacionada a objetivos,

deve possuir intenções que não sejam simplesmente a discriminação clássica entre “quem

sabe” e “quem não sabe” determinado conteúdo. Não deve “caber em si”, como diz o poeta,

caso se queira ir além do paradigma tradicional do ensino de história. O ensino relaciona-se a

apreensão de um conhecimento, a aprendizagem pressupõe a aquisição de uma competência,

como nos lembra Barthes. É isso que deve ser avaliado. Sendo assim, o conteúdo não pode

existir separado do objetivo: serve para quê? Esse conteúdo possibilitará o quê? Qual sua

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importância para o desenvolvimento da aprendizagem da pessoa? Nesse sentido, a elaboração

da questão deve preocupar-se tanto com o conteúdo quanto com o objetivo desse conteúdo.

Por exemplo, “informar” é um objetivo que se cumpre com a aquisição da

informação/conteúdo. É no processo de leitura que a pessoa se informa. Para ser “informado”

basta que a pessoa seja exposta à informação e tenha as tecnologias adequadas para

decodificar sua linguagem, ou seja, que a pessoa possa lê-la. Mas podemos informar quando

oferecemos instrumentos de análise, de crítica, de novas leituras. Informar é um objetivo

textual, sobretudo quando se relaciona à dimensão teórico-metodológica do conhecimento, ou

seja, informar sobre teoria capacitará sempre as novas leitura de mundo. Contudo, no geral,

interpretar, criticar, analisar é mais propício a uma aprendizagem do que, simplesmente,

informar.

Competências textuais

A atitude interpretativa é a principal característica das competências textuais. O

passado porta um sentido que deve ser lido. Ela pressupõe, portanto, uma atitude

hermenêutica do estudioso. Essas competências valorizam a relação entre

documento/fonte/obra e o contexto/período histórico/conjuntura/estrutura estudados. São

pedidas a análise e a crítica como atitudes esperadas dos discentes. Pedem-se comparações e

interpretações de conceitos. Valoriza o desenvolvimento de argumentos. São propostas

discussões sobre atualidades. O conteúdo histórico não é simplesmente uma informação,

torna-se uma in-formação sobre o tempo presente.

As competências textuais valorizam os temas historiográficos atuais, a partir das

abordagens das relações de gênero, vida privada, historia cultural, meio ambiente etc. Além

Associação …

Só tradicionais

Só textuais

0

4

6

Vestibular UEG 2008/1 Discursiva Competências

Associação Trad./Text.

Só tradicionais

Só textuais

0

4

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Vestibular UEG 2009/1 Conhecimentos Gerais

Competências

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de uma compreensão interdisciplinar do conhecimento histórico, a utilização das diferentes

linguagens para sua avaliação também caracterizam as competências textuais.

Importa afirmar que a diferença entre competência tradicional e textual não é

garantida, simplesmente, pelo tema, pela forma ou pelo método de avaliação do conteúdo.

Podemos ter questões de múltipla escolha que legitimem competências tradicionais e outras

que estimulem competências textuais. Ao mesmo tempo em que as questões de múltipla

escolha possibilitam explorar uma gama maior de informações e suas relações dentro de um

recorte temático elas também podem avaliar o conteúdo de forma tradicional.

A questão 46, de 2006/1 serve para ilustrar a ocorrência de questões que possuem

um enunciado ‘culturalista’ mas que buscam verificar conteúdos tradicionais, como a história

político-administrativa.

Os principais comandos relacionados às competências textuais são: analisar,

relacionar, interpretar, historicizar, problematizar e criticar.

Percebemos que, diferentemente da prova de História, as provas de Literatura e

Língua Portuguesa apresentam maior domínio e valorizam mais a utilização das diferentes

linguagens.

A prova de 2009/2 inova ao não seguir uma ordem das questões que seja orientada

temporalmente a partir da linha do tempo clássica na história (antiga, medieval, moderna e

contemporânea). Contudo, a linguagem utilizada ainda é predominantemente tradicional.

Nessa prova, em particular, as outras disciplinas mostram mais habilidade em explorar o

conhecimento histórico numa dimensão textual e interdisciplinar do que a própria prova de

Associação Trad./Text.

Só textuais

4

0 1

Vestibular UEG 2009/1 Discursiva

Competências

Associação …

Só textuais

2 8 8

Vestibular UEG 2009/2 Conhecimentos Gerais

Competências

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história. Isto evidencia o quanto os historiadores são conservadores em relação ao seu próprio

conhecimento.

Há questões estruturadas da seguinte forma: primeiro apresentam uma citação

direta de uma obra, depoimento, fonte etc.; depois, segue-se o enunciado apresentando os

comandos relativos ao tema; na sequência, apresentam as assertivas para serem avaliada pelo

leitor. Por fim, trazem as possíveis respostas. Entendemos que estruturas como essa exigem e

estimulam várias habilidades cognitivas ao mesmo tempo: coetanidade, inter e

transtextualidade, relação entre documento e contexto, memória, atenção etc.

CONCLUSÕES EM CURSO

Qual a importância do vestibular para o ensino de história? Central, é nossa

resposta. Tal prova deveria pretender, justamente, avaliar o processo de ensino/aprendizagem

em história não como quantidade de informação histórica acumulada. Outras questão a ser

enfrentada é: devemos entender o conhecimento histórico de forma quantitativa ou

qualitativa?3 Quais as conseqüências desses entendimentos? Haveria uma relação entre a

forma das questões na elaboração de uma avaliação? Mudando as formas do vestibular seria

possível modificar a concepção de história?

De acordo com o paradigma tradicional do ensino de história, como veremos

adiante, entende-se a história em forma de conteúdos a serem verificados. A partir de uma

compreensão utilitarista e pragmática (expressa na clássica pergunta “História para quê?”)

compreende-se a história em termos de competências e habilidades passíveis de avaliação?

Para a Didática da História, enquanto metateoria do conhecimento histórico, a

história possui uma função social bastante objetiva: oferecer orientação temporal às pessoas,

de forma individual e coletiva. Essa orientação seria fundamental para enfrentar o inexorável

processo de constante (trans)formação a que estamos submetidos, produtor contínuo de

carência de orientação (RÜSEN, 2001, 2007). A Consciência Histórica seria uma tecnologia

cultural desenvolvida coletivamente para resistirmos à crise existencial decorrente da

transformação contínua e perpétua daquilo que nos constitui e daquilo que construímos? Se

3 A pedagogia das competências, central nas revisões curriculares brasileiras, na década de 1990, pode ser

entendida como um esforço para fugir ao domínio dos conteúdos, simplesmente (o que identificamos com característica central do paradigma tradicional)

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sim, como medir a Consciência Histórica, em grande medida subjetiva e particular numa em

termos objetivos num exame como o vestibular? Antes disso, devemos nos perguntar, é

possível medir a Consciência Histórica?

Encaminhamos alguns desses questionamentos a partir da análise das questões de

história presentes nos vestibulares da UEG, entre 2005 e 2009. Observamos como tais

questões usam as diferentes linguagens de comunicação para avaliar o conhecimento histórico

dos vestibulandos. Afinal, neste vestibular avalia-se conteúdos, habilidades ou as

competências dos indivíduos?4

A metodologia, a forma e o currículo estabelecidos pelo ENEM, consolidado na

última década, trouxe esperança de provas menos conteudistas e mais qualitativas na

verificação dos conhecimentos históricos do Ensino Médio. O ENEM dialoga com a

perspectiva do ensino/aprendizagem de história divulgado pelas diretrizes curriculares

publicadas pelo MEC desde a segunda metade da década de 1990 e anos posteriores. Ele está

em sintonia com a pedagogia das competências que orientaram os documentos referidos. Por

conta deste exame, houve uma modificação profunda na concepção do ensino nessa última

etapa da Educação Básica. Ela deixou de ser unicamente preparatória para o vestibular ou

voltada para a formação para o mercado de trabalho. Agora, o Ensino Médio é um fim em si

mesmo, retomando temas e problemas apresentados na segunda fase do Ensino Fundamental.

Aliás, o Ensino Médio passou a ser entendido como etapa final do ciclo básico, iniciado no

fundamental.

A partir da pedagogia das competências, para além da preocupação com o

acúmulo de conteúdo no ensino de história (o que fomentava o tradicional estilo “decoreba”

nas aulas de história), começou-se a pensar nas habilidades e competências que deveriam ser

desenvolvidas e adquiridas por meio do conhecimento histórico, como a capacidade de

dissertação e argumentação, com tendências mais analíticas e críticas.

Na elaboração das questões, os conteúdos são entendidos como fim e não como

meio. Eles são verificados, simplesmente. Verificam a correção entre a informação publicada

4 A sugestão de trabalhar a Didática da História e Consciência Histórica (conforme consta no parecer de

aprovação do projeto “História para quê? Ensino de História, Currículo e o vestibular” UEG/PrP 2011) exigiria metodologia diferente que aquela desenvolvida aqui. Por se mostrar uma importante perspectiva de análise, e por isto exigir outros procedimentos ela deverá ser realizada em trabalho posterior.

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Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.

Realização Curso de História – ISSN 2178-1281

pela historiografia e a informação presente na memória dos vestibulandos. Como não se pode

entender a historiografia acadêmica como consensual, mas que varia em acordo com o tempo

em que foi produzida, com a vigência de orientações teóricas e procedimentos metodológicos

de pesquisa, o consenso sobre o conteúdo cobrado no vestibular somente pode ser buscado ao

nível do conhecimento histórico apresentado pelo livro didático. Aí, verifica-se a relação entre

o conteúdo histórico veiculado na bibliografia escolar e a capacidade de memorização dos

candidatos. A verificação da correção dessa relação expressa o entendimento presente nas

provas do vestibular que o conteúdo é o fim de toda a elaboração da questão.

Mais desafiador seria entender o conteúdo como meio, como apresentei

anteriormente ao pensar o uso das competências textuais nas questões de história. Utilizar o

conteúdo histórico para chegar em outro patamar de entendimento e de construção de

conhecimento, para além dos conteúdos, como diz o título de uma obra referencial da década

de 1990. Partir de um conhecimento conhecido para interpretar uma situação desconhecida.

Partir de um conhecimento para produzir outro, ou seja, chegar em outra situação de

aprendizagem diferente e mais complexa do que aquela de que se partiu.

REFEÊNCIAS

CONTRERAS, José. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

(DCNEM). Brasília: [Ministério da Educação; Secretaria da Educação Básica], 2000.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCNEM).

Ciências Humanas e Suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação; Secretaria da

Educação Básica; Departamento de Políticas de Ensino Médio, 2006. (Orientações

curriculares para o Ensino Médio, volume 3)

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio

(PCNEM). Brasília: [Ministério da Educação; Secretaria da Educação Básica], 2000.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio

(PCNEM). Parte IV – Ciências Humanas e suas Tecnologias, [Brasília: Ministério da

Educação, post. 2000?]

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PCN+ Ensino Médio: orientações educacionais

complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+EM) – Ciências Humanas e

suas Tecnologias. [Brasília: Ministério da Educação], [2002?].

RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história I. Brasília: Ed. UnB, 2001.

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RÜSEN, Jörn. Reconstrução do passado: teoria da história II (os princípios da pesquisa

histórica). Brasília: Ed. UnB, 2007.

RÜSEN, Jörn. História viva: teoria da história III (formas e funções do conhecimento

histórico). Brasília: Ed. UnB, 2007.