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1 Políticas públicas para a Energia: Desafios para o próximo quadriênio 31 de maio a 02 de junho de 2006 Brasília - DF AS ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO DA INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL: ENFOQUE NO SETOR DE TRANSPORTE. Hirdan Katarina de Medeiros Costa 1 Jurandir Gonçalves Ferreira 2 Miguel Edgar Morales Udaeta 3 1. RESUMO O presente trabalho tem o objetivo de discorrer, especificamente, acerca das proposições legislativas que tratam o transporte de gás natural. Metodologicamente apresenta-se uma analise histórica da indústria do gás natural no Brasil, bem como do enfoque dado pela Lei do Petróleo e pelas Resoluções da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) ao transporte de gás natural. Nesse sentido são detalhadas as questões relevantes concernentes ao transporte de gás natural nos Projetos de Lei propostos para a Industria de Gás Natural no Brasil. Conclusivamente, apresenta-se um paralelo entre segurança jurídica e a realização de investimentos no setor de transporte de gás natural. 2. ABSTRACT The present paper aims to dissertation, specifically, concerning to legislative proposals deal with the transport natural gas. In methodological sense we show one brief historical exposition of the natural gas industryin Braz il, as well as the approach given for the Law of the Oil and the Resolutions of the National Agency of Oil, Gas Natural and Biofuels (ANP) for the natural gas transport. Therefore relevant questions to the natural gas transport are detailed in the Legislatives Bills proposals for the natural gas Braz ilian industry. As conclusions,it is presented a parallel between legal security and the accomplishment of investments in the sector of natural gas transport. 1 Hirdan Katarina de Medeiros Costa, Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia, Instituto de Eletrotécnica e Energia, Universidade de São Paulo, [email protected]. 2 Jurandir Gonçalves Ferreira, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade,Universidade de São Paulo, [email protected]. 3 Miguel Edgar Morales Udaeta, Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia, Instituto de Eletrotécnica e Energia, Universidade de São Paulo, [email protected].

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Políticas públicas para a Energia: Desafios para o próximo quadriênio31 de maio a 02 de junho de 2006

Brasília - DF

AS ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO DA INDÚSTRIA DE GÁS NATURAL: ENFOQUE NO SETOR DE TRANSPORTE.

Hirdan Katarina de Medeiros Costa 1

Jurandir Gonçalves Ferreira 2

Miguel Edgar Morales Udaeta 3

1. RESUMO O presente trabalho tem o objetivo de discorrer, especificamente, acerca das

proposições legislativas que tratam o transporte de gás natural. Metodologicamente apresenta-se uma analise histórica da indústria do gás natural no Brasil, bem como do enfoque dado pela Lei do Petróleo e pelas Resoluções da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) ao transporte de gás natural. Nesse sentido são detalhadas as questões relevantes concernentes ao transporte de gás natural nos Projetos de Lei propostos para a Industria de Gás Natural no Brasil. Conclusivamente, apresenta-se um paralelo entre segurança jurídica e a realização de investimentos no setor de transporte de gás natural.

2. ABSTRACTThe present paper aims to dissertation, specifically, concerning to legislative proposals deal with the transport natural gas. In methodological sense we show one brief historical exposition of the natural gas industry in Brazil, as well as the approach given for the Law of the Oil and the Resolutions of the National Agency of Oil, Gas Natural and Biofuels (ANP) for the natural gas transport. Therefore relevant questions to the natural gas transport are detailed in the Legislatives Bills proposals for the natural gas Brazilian industry. As conclusions, it is presented a parallel between legal security and the accomplishment of investments in the sector of natural gas transport.

1 Hirdan Katarina de Medeiros Costa, Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia, Instituto de Eletrotécnica e Energia, Universidade de São Paulo, hirdanmedeiros@ iee.usp.br. 2

Jurandir Gonçalves Ferreira, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade,Universidade de São Paulo, jurasferreira@ gmail.com. 3 Miguel Edgar Morales Udaeta, Programa Interunidades de Pós-graduação em Energia, Instituto de

Eletrotécnica e Energia, Universidade de São Paulo, udaeta@ pea.usp.br.

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1. INTRODUÇÃO

Encontram-se, em discussão no Congresso Nacional, três Projetos de lei sobre a indústria do gás natural. Nesse sentido, o presente trabalho tem o objetivo de discorrer sobre o enfoque dado ao setor de transporte de gás natural na legislação brasileira, bem como nos Projetos de Lei acima mencionada em tramitação no Congresso Nacional.

Para fins de uma melhor compreensão do trabalho será feito um corte metodológico de análise histórica a partir da década de 80, considerando que nos anos anteriores a essa data, o setor de gás natural no Brasil, em especial, o segmento de transporte se apresentava bastante incipiente.

Dessa forma, pretende-se abordar o arcabouço normativo anterior à Emenda Constitucional nº 09/95, bem como a Lei do Petróleo, para verificar de que forma esses diplomas trataram o segmento de transporte de gás natural, com o intuito de levantar pontos acerca do posterior processo de regulação empreendido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Situado o assunto, serão comentados os principais artigos pertinentes ao transporte de gás natural nos Projetos de Lei supracitados.

Assim, almeja-se explanar sobre como a indecisão na alteração da legislação afeta o investimento no segmento de transporte e como a indefinição no processo regulatório pode gerar perdas de investimento.

2. O SETOR DE GÁS NATURAL NAS DÉCADAS DE 80 E DE 90

A partir de 1980 ocorreram as grandes descobertas de petróleo e de gás natural na Bacia de Campos no Rio de Janeiro. A produção de gás natural foi, paulatinamente, crescendo, e saltou de uma média de 5% ao ano na década de 70, para uma média de crescimento de 19,5% ao ano entre 1980 e 1985 (CECCHI, 2001).

Na seara jurídica, a Portaria nº 1.061, de 08 de agosto de 1986, do Ministério de Minas e Energia, que dispôs sobre a produção, transporte, distribuição, consumo, importação e exportação de gás natural4, surgiu exatamente da necessidade de uma norma própria, para dar pleno aproveitamento às reservas e para regulamentar o transporte, a distribuição e o consumo desse energético para fins residenciais, comerciais, industriais etc.

Essa portaria consistia num primeiro passo para a fixação de uma política para o gás natural no país e definiu, dentre várias questões, que a Petrobrás deveria acelerar estudos e atividades de pesquisa e lavra, com vistas a aumentar a sua disponibilidade; e, que o transporte de gás natural, por todos os meios, bem como a competência de construí-los eram de exclusividade da Petrobrás (arts. 1º, 2º e 3º).

Em 1987 o governo federal instituiu o chamado Plano Nacional do Gás Natural (PNGN), tendo como objetivo elevar a restrita participação do gás natural na matriz energética. Em 1991, novos estudos foram conduzidos em âmbito federal, os quais resultaram na formalização da meta governamental de aumentar a participação do gás natural na matriz energética para 12% até 2010, em virtude de atenuar a excessiva dependência do país em relação aos derivados de petróleo e à energia elétrica de origem hídrica.

Em termos constitucionais, a Carta Magna de 1988 alçou, o setor upstream5 e o downstream 6 (menos a distribuição de derivados de petróleo), a monopólio da 4 O art. 10 dessa Portaria estabeleceu que a importação e exportação de gás natural deveriam ser promovidas pelo Governo Federal e realizadas pela Petrobrás, sob supervisão do CNP. 5 UPSTREAM – Termo empregado para definir as atividades de exploração e produção de petróleo e

gás natural. In:http//www.petrobras.com.br.

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União a ser desempenhado pela Petrobrás, consoante redação original do seu art. 177. E dispôs que a distribuição de gás canalizado era monopólio dos Estados da federação, a ser exercido por empresas públicas, conforme redação original do seu § 2º, do art. 257.

Contudo, a Constituição Federal de 1988 passou por diversas Emendas que alteraram substancialmente esses artigos e os quais foram efetivadas, posteriormente, por meio da Lei Nacional de Privatizações8.

Dessa forma o legislador iniciou, principalmente, no governo Collor, a adequação do Estado brasileiro ao contexto da globalização econômica, diminuindo o seu tamanho, enxugando-o por meios de ajustes fiscais e de outras medidas com vistas ao fim do déficit público existente à época, ou seja, incorporaram-se alguns dos ideais neoliberais9.

Assim, com a edição das Emendas Constitucionais, após as de revisão ao texto constitucional, empreendeu-se, em 1995, a possibilidade de entrada de empresas privadas nacionais e estrangeiras em setores outrora de cunho exploratório tão-somente estatal.

Para tanto, destacam-se as Emenda nº 05, de 15.8.95, que alterou o § 2º do artigo 25 e abriu à iniciativa privada a concessão pelos Estados-membros da exploração do serviço de distribuição de gás canalizado; e depois a Emenda nº 09, de 9.11.1995, que flexibilizou o setor de petróleo e gás no país, ao estabelecer a faculdade da União contratar com empresas privadas de atividades relativas à pesquisa e lavra de jazidas de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a refinação de petróleo nacional ou estrangeiro, a importação, exportação e transporte de produtos e derivados básicos de petróleo.

Com a reforma intentada pelo legislador alterou-se o modelo de intervencionismo direto, no qual o Estado executava tal atividade por meio de sua empresa estatal, para, então, permitir a realização por empresas privadas, porém sob a fiscalização das chamadas agências reguladoras, com funções normativas, sancionadoras, fomentadores e fiscalizadoras10.

6 DOW NSTREAM - Termo usado para definir, essencialmente, as atividades de refino do petróleo bruto, e também o tratamento do gás natural, o transporte e a comercialização/distribuição de derivados. In:http//www.petrobras.com.br. 7 Com a Constituição de 1988 estava proibida à Petrobrás a negociação de contratos diretamente com os consumidores. Porém, a estatal já detinha o mercado de fato. Com exceção do Rio de Janeiro e de São Paulo, nos demais estados a rede existente era destinada a usos próprios da Petrobrás. Além disso “os governos locais não tinham condições (e provavelmente interesse) de desenvolver o mercado de gás natural, dificultando, assim, a expansão da indústria gasífera brasileira fora dos grandes centros consumidores”. Daí “a Petrobrás (através da BR) promoveu a constituição de 13 distribuidoras estaduais ao longo da década de 90, período em que o volume de gás natural comercializado no Brasil saltou de 7,8 milhões de m³/dia para 17,4 milhões de m³/dia” (RECHELO NETO, 2005, p.17). 8 Dentre as medidas utilizadas com o objetivo de empreender a diminuição do papel do Estado, Di Pietro (2005, p.26) aponta: a desregulação, desmonopolização, a venda de ações de empresas estatais ao setor privado, a concessão de serviços públicos e os contracting out. A seguir essa autora leciona que a privatização é um processo em aberto, “que pode assumir diferentes formas, todas se amoldando ao objetivo de reduzir o tamanho do Estado e fortalecer a iniciativa privada e os modos privados de gestão dos serviços públicos”. Em seguida, a autora ventila que a Lei nº 9.491, de 9.9.97, referiu-se a um modelo de privatização mais restrito, qual seja, a desestatização. 9 O Consenso de W ashington foi um dos principais incentivadores a essa ordem de idéias. Para aprofundar esse assunto, dentre muitos escritos, confira: CHONG, Alberto. LÓPEZ-DE-SILANES, Florencio. The truth about privatization in Latin America. Inter-American Development Bank,W ashington, 2003. 10 Nesse desiderato, importante é registrar que o modelo de agências de inspiração norte-americana vem sendo utilizado amplamente no Brasil, como também outros instrumentos alienígenas, porém, há de se lembrar que o direito administrativo brasileiro é baseado no sistema europeu-continental, fortemente arraigado à lei; já, o direito norte-americano pertence ao sistema anglo-saxão (common

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No tocante à Emenda Constitucional nº 09, de 9.11.1995, editou-se a Lei nº 9.478/97 referente à política de petróleo e gás natural no país, tendo como princípios, dentre outros, a implementação de um modelo competitivo e o incremento do uso econômico do gás natural na matriz energética brasileira.

3. O TRANSPORTE DE GÁS NATURAL NA LEI DO PETRÓLEO

Conforme já foi explicada, a flexibilização ocorrida no setor de petróleo e gás natural no Brasil foi regulamentada pela Lei nº 9.478, de 6.08.1997 (Lei do Petróleo).

No entanto, uma análise preliminar permite inferir que o tratamento dado por essa lei ao setor de gás natural foi bastante precário, sem olvidar que os aspectos relacionados à criação de um ambiente mais competitivo no tocante à indústria de rede, por meio de instrumentos legais de mitigação do poder econômico, também não foram aprofundados.

Assim, relevante entender que o setor de gás natural, consoante a área petrolífera, apresenta características referentes à indústria mineraria, na medida em que a exploração e produção oferecem riscos próprios a essas atividades, conduzem ao esgotamento da jazida, bem como proporcionam rendas econômicas superiores ao nível de lucro normal da atividade industrial.

Igualmente, do ponto de vista geológico, o reservatório de gás natural, que pode ser associado ou não associado ao petróleo, possui, em regra, características semelhantes aos depósitos desse hidrocarboneto, o que torna semelhante à pesquisa, o desenvolvimento e a produção desses dois energéticos.

Ressalta-se, ainda, que a “descoberta tardia de reservas em território nacional fez do uso de gás natural uma prática bem recente no Brasil”; junto à natureza de gás associado das reservas, que fica a mercê da produção em primeiro lugar de petróleo e à ausência de infra-estrutura de escoamento acabaram dando ao gás um papel secundário diante do petróleo (CECCHI, 2001, p.35).

Portanto, parece acertado o espírito da lei ao prevê inúmeros dispositivos que agregam a exploração, o desenvolvimento e a produção do petróleo e do gás natural, como por exemplo, as definições técnicas comuns (Capítulo III – Seção II, art. 6º); às regras gerais sobre a exploração, o desenvolvimento e a produção, bem como o edital de licitação prévio à assinatura do contrato de concessão de uso de bem público dominical e as respectivas participações governamentais, constantes no Capítulo V (arts. 21 e seguintes).

Não obstante, tais fatos, os dispositivos desse diploma que trata o setor de gás natural como acessório ao de petróleo, dando pouca importância à regulamentação daquele energético, devem ser criticados, pois desde o início dispuseram sobre “a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo e institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providencias” (grifo acrescido).

Todavia, ao mesmo tempo, em que a cadeia do gás natural possui características de indústria mineraria nos segmentos acima referenciados, após a sua extração do poço apresenta peculiaridades existentes em indústrias de rede,

law), em que a jurisprudência tem um relevante papel de criação do direito. Por tal razão Di Pietro (2005, p.47) alerta que “o direito administrativo está passando na frente do direito constitucional. A administração pública copia um modelo do direito estrangeiro e começa a aplicá-lo, muitas vezes com afronta direta e flagrante à Constituição; depois é que vem a lei e, finalmente, a alteração da Constituição (quando vem)”. Em seguida, essa autora também ilustra que a imensa quantidade “de resoluções, portarias e outros atos normativos baixados por órgãos públicos e entidades da Administração indireta, com inobservância do principio da legalidade e criando uma miscelânia legislativa difícil, senão impossível de ser conhecida e cumprida pelos destinatários das normas”.

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haja vista o fato de que ele necessariamente precisa de estruturas físicas que detenha a volatilidade própria dos gases.

Igualmente, o atual nível tecnológico permite uma maior escala econômica do uso do gás natural quando o meio de transporte se dá por gasodutos, o que ocasiona também o aspecto regional desse mercado, a forte interdependência entre os elos da cadeia, a presença de altos custos de transação etc. (LAUREANO, 2005).

Contudo, exatamente, as características do gás que lhe são próprias não foram tão bem tratadas pela Lei nº 9.478/97, bem como as pertinentes à criação de mecanismos voltados a uma maior competição na indústria do gás natural.

Assim, o art. 56, caput, desse diploma, prevê que a ANP irá outorgar a qualquer empresa ou consórcio de empresas a autorização para construir instalações e efetuar qualquer modalidade de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, seja para suprimento interno ou para importação e exportação.

O parágrafo único desse artigo permite a transferência da titularidade da autorização mediante prévia e expressa aprovação da ANP; e, o art. 57, como dispositivo de transição, prevê que a ANP tem 180 dias para expedir a autorização dos dutos já existentes.

Por seu turno, o artigo 58 faculta o acesso de terceiros a instalações já existentes por meio de uma tarifa adequada, acordada entre as partes (§ 1º) e o artigo 59 possibilita a reclassificação pela ANP dos dutos de transferência11 como de transporte12.

Em seguida, o artigo 65 diz que a Petrobras deverá constituir uma subsidiária com atribuições específicas de operar e construir seus dutos, terminais marítimos e embarcações para transporte de petróleo, seus derivados e gás natural. Ou seja, mera separação jurídica, pois a subsidiária continua sendo integrante do mesmo grupo econômico.

Ora, com a presença de rede física de transporte é possível a realização das atividades de importação, exportação, distribuição e comercialização.

O que se visualiza desses artigos, porém, é que não existiu a preocupação em se tomar medidas com força de lei, destinadas a proibir a integração vertical e a horizontal. Também não se realizou a separação das atividades de maneira contábil e de outras formas mais eficazes do que a mera constituição de subsidiária, com a previsão de percentagem de participação de cada pessoa jurídica nos respectivos segmentos da cadeia, como por exemplo, o produtor não poder participar com mais de 20% de ativos de transporte. A Lei nº 9.478/97 também não tratou de reger as atividades de gás natural liquefeito e de gás natural comprimido13.

A implementação do livre acesso, previsto no artigo 58, foi deixada à atividade regulatória da agência, ocasionando a demora na edição de normas. Igualmente, o transporte é um típico exemplo de monopólio natural, porém a lei não o enxergou assim, não fixando como competência da ANP a regulação da tarifa de acesso à rede pelo terceiro.

11 Nos termos do inciso VIII, do art. 6º da Lei do Petróleo a transferência é “a movimentação de petróleo, derivados ou gás natural em meio ou percurso considerado de interesse específico e exclusivo do proprietário ou explorador das facilidades”.12 De acordo com o inciso VII, do art. 6º da Lei do Petróleo o transporte é “a movimentação de petróleo e seus derivados ou gás natural em meio ou percurso considerado de interesse geral.” 13 O que foi feito posteriormente pelas respectivas portarias: Portaria ANP nº 118 de 11.7.2000 que regulamenta as atividades de distribuição de gás natural liqüefeito (GNL) a granel e de construção, ampliação e operação das centrais de distribuição de GNL; e a Portaria ANP nº 243 de 18.10.2000 que regulamenta as atividades de distribuição e comercialização de gás natural comprimido (GNC) a granel e a construção, ampliação e operação de Unidades de Compressão e Distribuição de GNC.

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Ou seja, para o segmento de transporte da cadeia de gás natural deveria ter sido definidas normas específicas, aproveitando-se as normas comuns concernentes à exploração, ao desenvolvimento e à produção do setor de petróleo, com o escopo de promover efetivamente a realização de investimento, a eficiência, a concorrência (aonde possível) e evitar a integração vertical e horizontal.

Vale ressaltar ainda que no Capítulo IV da Lei nº 9.478/97 encontram-se as disposições dispõe sobre a instituição, as atribuições e a estrutura organizacional da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), bem como das receitas, do acervo e do processo decisório a qual a ANP deverá observar. Esse ente é integrante da Administração Federal indireta, submetido ao regime autárquico especial e vinculado ao Ministério de Minas e Energia, sendo o órgão responsável pela regulação, fiscalização e monitoramento das atividades de importação, exportação, exploração, desenvolvimento, produção, processamento, estocagem, transporte da indústria do gás natural.

4. O PPT E AS RESOLUÇÕES DA ANP PARA O SETOR DE TRANSPORTE DE GÁS NATURAL

Para fins de uma melhor compreensão dos debates travados no setor de transporte de gás natural será abordado nesse tópico o Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT) como pano de fundo às transformações vivenciadas pela indústria do gás natural no Brasil.

Em seguida, passa-se a expor o arcabouço normativo editado pela ANP dentro de sua atribuição de regulamentar o segmento em comento.

4.1.1.1 A POLÍTICA DO GOVERNO E O PPT

A Petrobrás no inicio da década de noventa começou as negociações com a Bolívia, a fim de assegurar o fornecimento do gás natural e, por conseguinte, alavancar a demanda desse produto no Brasil. Para tanto, foi firmado um contrato take or pay entre a Petrobrás e a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos para a compra e venda de gás natural boliviano.

A construção do gasoduto Bolívia-Brasil (GASBOL) ficou a cargo da Petrobrás, tendo em contrapartida, a exclusividade na operação do trecho brasileiro e a preferência em relação a exercer a opção de ampliar a capacidade de carregamento de 24 milhões de m3/dia para 30 milhões de m3/dia (RECHELO NETO, 2005).

O PPT foi implantado em setembro de 1999 pelo governo federal e tinha como objetivo principal incentivar investimentos do setor privado em geração de energia térmica a gás natural a fim de reduzir a dependência do sistema elétrico nacional às condições hidrológicas e reduzir a vulnerabilidade do sistema de transmissão brasileiro (RECHELO NETO, 2005).

Inicialmente o PPT identificou 15 projetos prioritários a serem implementados até 2003, gerando num total de 12 GW de capacidade instalada. Contudo, dado as criticas recebidas da escolha dos projetos, o PPT foi expandido para 51 plantas com capacidade conjunta instalada de 22 GW, atendendo interesses de autoridades locais e investidores privados.

No entanto, a ampliação só foi possível porque a Petrobrás exerceu a opção de compra do gás natural adicional previsto no contrato de compra e venda com a YPFB, ampliando dessa forma o volume previamente contratado de 24 milhões de m3/dia em 2003 para 30 milhões de m3/dia em 2004.

Neste contexto a geração de energia termelétrica deixa de ser um simples mecanismo de redução dos prováveis riscos de déficit de geração de energia

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elétrica e passa a ser utilizada como fator relevante para proporcionar um mercado consumidor para o gás natural já contratado no âmbito do projeto do GASBOL. Isto pode ser constado pelo gráfico abaixo.

Participação do consumo de gás natural na geração de energia elétrica e consumo industrial em relação ao

consumo total.

00,10,20,30,40,50,6

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

anos

Consumo elétrico/consumo total Consumo industrial/consumo total

Figura 1 – Participação do Consumo de GN na Geração de Energia Elétrica e o Consumo Industrial em relação ao Consumo Total. Fonte: dados do BEN. Elaboração própria.

De acordo com o gráfico, o consumo de gás natural na geração de energia elétrica em relação ao consumo total aumentou consideravelmente a partir de meados de 1998, passando de aproximadamente de 5% para 25% em 2004. Pode-se notar, ainda, que o consumo industrial em relação ao consumo total começa a declinar, caindo de 50% para 40% aproximadamente no período em questão.

Esses dados vêm corroborar a tendência de concentração dos investimentos nos segmentos intensivos em gás natural que proporcionem maiores retornos sobre o capital investido, restringindo o atendimento a setores como o residencial, o comercial e o de pequenas e médias indústrias (RECHELO NETO, 2005).

4.2.1.1. A INFLUÊNCIA DO PPT NO TRANSPORTE DE GÁS NATURAL

Com a implementação da nova política emergencial do governo federal, o PPT, e devido à necessidade de aperfeiçoamento do setor de transporte, a Superintendência de Comercialização e Movimentação de gás natural (SCG/ANP) elaborou uma minuta de Portaria sobre o livre acesso, que foi colocada para consulta pública em fevereiro de 2001. Ainda, neste contexto, a Portaria ANP nº 169/98 que regulamentava o livre acesso foi revogada pela Portaria ANP nº 62/01. Dada à complexidade do tema e à necessidade rápida de expansão da capacidade de dutos no país, a fim de atender às demandas impostas pelo PPT, foi publicada, em junho de 2001, a Portaria ANP nº 98/01, introduzindo apenas uma parte da regulamentação referente à expansão de capacidade das malhas de transporte (ANP, 2001).

O processo de elaboração de uma regulamentação definitiva a respeito do livre acesso teve continuidade, porém, optou-se por segmentar a minuta da consulta pública de fevereiro em uma série de regulamentos distintos, de acordo com os temas incluídos na minuta original.

Assim, o livre acesso às instalações de transporte de gás natural, que seria regulamentado por apenas uma Portaria, foi regulamentado por um conjunto de

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normas, conforme relacionado a seguir: (i) resolução de livre acesso às instalações de transporte de gás natural; (ii) portaria que regulamenta o processo de resolução de conflito; (iii) portaria de informações a serem enviadas pelos transportadores e carregadores de gás natural à ANP, ao mercado e aos carregadores; (iv) resolução de cessão de capacidade de transporte de gás natural; e (v) resolução de critérios tarifários.

No que toca à regulamentação do artigo 58 da Lei n° 9478/97, a ANP editou três resoluções, quais sejam, a Resolução sobre o Acesso a Gasodutos, a Resolução sobre a Cessão de Capacidade e a Resolução sobre os Critérios Tarifários.

4.3.1.1. RESOLUÇÃO SOBRE O ACESSO A GASODUTOS

A Resolução n° 27, de 14.10.2005, em seu artigo 1º, anunciou a regulamentação do uso das instalações de transporte dutoviário de gás natural, mediante remuneração adequada ao Transportador.

Essa Resolução vedou a integração vertical do transportador, em virtude de impedir o exercício da atividade de compra e venda de gás natural por esse agente, salvo o caso de consumo próprio nas instalações e para a manutenção de estoque operacional (art. 3º).

Igualmente, foi previsto o acesso não discriminatório às instalações de transporte, bem como à conexão desse sistema, salvo em se tratando de novas instalações de transporte (art. 4º).

Outrossim, essa norma estabelece as condições gerais de contratação14 e submete à aferição dos modelos dos contratos de transporte ao crivo da ANP.

Outro ponto relevante nessa Resolução é o Concurso Público de Alocação de Capacidade (CPAC), procedimento de oferta e de alocação de capacidade de serviço de Transporte Firme15, pelo qual se possibilita o acesso de terceiro interessado à capacidade de transporte dentro dos princípios de transparência, isonomia e publicidade.

4.4.1.1. RESOLUÇÃO SOBRE A CESSÃO DE CAPACIDADE

A Resolução n° 28, de 14.10.2005, regulamenta, conforme prescreve o seu artigo 1º, a cessão de capacidade contratada de transporte dutoviário de gás natural.

Em seu art. 3º estabelece que o carregador, titular de um contrato de Serviço de Transporte Firme, poderá ceder a um terceiro não transportador, total ou parcialmente, sua capacidade contratada de transporte, respeitados os direitoscontratuais do transportador. Caso seja necessário, será firmado um aditivo ao contrato de transporte vigente.

14 Nos termos dessa Resolução: “art. 6º Os serviços de transporte de gás natural serão formalizados em contratos, padronizados para cada modalidade de serviço, explicitando: I. Tipo de serviço contratado; II. Termos e condições gerais de prestação do serviço; III. Capacidades Contratadas de Transporte entre Zonas de Recepção e Zonas de Entrega; IV. Capacidades Contratadas de Entrega por Ponto de Entrega; V. Tarifas; VI. Prazo de vigência. Parágrafo único. O Transportador deverá elaborar, e enviar à ANP no prazo de 60 (sessenta) dias antes da sua aplicação, os modelos de contrato previstos no caput desse artigo”. 15 Essa norma define o Serviço de Transporte Firme como “serviço de transporte no qual o Transportador se obriga a programar e transportar o volume diário de gás natural solicitado pelo Carregador, até a Capacidade Contratada de Transporte estabelecida no contrato com o Carregador”. Outro conceito importante é o de Serviço de Transporte Interruptível, ou seja, “o serviço de transporte o qual poderá ser interrompido pelo Transportador, dada a prioridade de programação do Serviço de Transporte Firme”.

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Prevê, também, que a cessão de capacidade não liberará o carregador cedente de suas obrigações contratuais frente ao transportador, salvo se houver acordo expresso com o transportador.

Há de se registrar que essa cessão de direitos deverá ser informada à ANP, inclusive com a submissão do contrato ao exame da agência para que essa verifique a ocorrência de qualquer tipo de ilícito.

4.1.1.1. RESOLUÇÃO SOBRE O CRITÉRIO TARIFÁRIO

A Resolução n° 29, de 14.10.2005, estabelece, consoante seu artigo 1º, critérios para cálculo de tarifas de transporte dutoviário de gás natural.

Essa norma em seu art. 3º prevê que as tarifas de transporte de gás natural não implicarão tratamento discriminatório ou preferencial entre usuários.

A presente Resolução prescreve que as tarifas aplicáveis a cada serviço e/ou carregador serão compostas por uma estrutura de encargos relacionados à natureza dos custos atribuíveis a sua prestação, devendo refletir os custos da prestação eficiente do serviço, bem como os determinantes de custos, tais como a distância entre os pontos de recepção, entrega do volume e o prazo de contratação.

5. OS PROJETOS DE LEI SOBRE O GÁS NATURAL

O intuito desse tópico é discorrer sobre a maneira pela qual os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional estão cuidando do transporte de gás natural.

5.1.1.1. PROJETO DE LEI Nº 226/2005

O Projeto de Lei nº 226/2005, de autoria do senador Rodolpho Tourinho “dispõe sobre a importação, exportação, processamento, transporte, armazenagem, liquefação, regaseificação, distribuição e comercialização de gás natural”, de autoria do Senador Rodolpho Tourinho, e que atualmente se encontra na Câmara dos Deputados para apreciação.

Nos Considerandos desse Projeto de Lei, o Autor alega que se faz relevante o estabelecimento de um regime legal mais adequado para a indústria do gás natural, em virtude das lacunas apresentadas na Lei nº 9.478/97.

Interessante observar que o Autor também reforça que esse Projeto de Lei serve ao desenvolvimento do mercado de gás natural, em razão da ausência de um marco legal adequado ter inibido investimentos na indústria e agravado a concentração de mercado nas mãos da Petrobrás.

Dessa forma, para o senador Rodolpho Tourinho apesar da abertura do setor, a Petrobrás continuou sendo o principal player em todo a cadeia de gás natural. Por isso, para esse, o novo modelo legal para a indústria do gás natural deverá, ainda, promover o investimento; aperfeiçoar a regulação de determinadas atividades, prevenindo o exercício do poder de monopólio, impedindo práticas anticompetitivas e garantindo a utilização da infra-estrutura existente, mediante tarifas justas e adequadas16.

Adentrando o mérito do Projeto de Lei em comento, vale fazer referência ao art. 3º desse Projeto que condizente à Constituição Federal prevê o monopólio da União sobre a atividade de transporte de gás natural.

Esse Projeto apresenta uma grande inovação para o setor de transporte. Em seu art. 6º institui o Operador do Sistema Nacional de Transporte de Gás Natural –

16 Esse projeto também frisa a promoção da concorrência nos setores de distribuição e comercialização.

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ONGÁS, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, a ser organizado na forma de associação civil.

Em seu art. 7º reza que objetivo da ONGÁS é promover o uso eficiente dos Gasodutos de Transporte e Unidades de Armazenagem de Gás Natural, com vistas a aumentar a confiabilidade do sistema e a eliminar condutas discriminatórias.

Neste sentido, fica sob a responsabilidade do Operador do Sistema Nacional de Transporte o estabelecimento de regras para a correta e eficiente operação do sistema de transporte e armazenagem de gás, além da Interação com a Empresa de Pesquisa Energética - EPE na formulação de planos de expansão do sistema.

Com relação a ANP, o art. 10 determina as suas atribuições. Dentre elas, as principais são: regular e fiscalizar as atividades da indústria do gás natural; realizar concurso público para a oferta e alocação de capacidade nos gasodutos de transporte novos; elaborar editais e promover licitações para a concessão das atividades de transporte e de armazenagem de gás natural; fixar as tarifas de transporte e de armazenagem de gás natural; autorizar a construção e operação de gasodutos de transferência e de produção, bem como reclassificar os gasodutos de transferência na forma estabelecida no art. 37 deste Projeto; interagir com a EPE na formulação de planos de expansão do sistema de transporte e por fim, fiscalizar as atividades do ONGÁS.

Em seu art. 11 o PL determina que a atividade de transporte de gás natural por meio de dutos será exercida mediante contratos de concessão, precedidos de licitação. A concessão, de acordo com o art. 17, somente poderá ser obtida para o exercício da atividade de transporte de gás natural por meio de dutos às empresas que se dediquem, com exclusividade, a esta atividade e que atendam aos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela ANP.

As tarifas aplicáveis ao transporte de gás natural, de acordo com o art 26, bem como os critérios de cálculo e revisão, serão fixadas pela ANP e deverá garantir tratamento não discriminatório a todos os carregadores, bem como o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

O livre acesso é assegurado no art. 27 a qualquer carregador interessado aos gasodutos de transporte, mediante o pagamento da tarifa. Sendo que o acesso ocorrerá por meio de oferta pública de capacidade, que deverá ser promovida pelo transportador sempre que houver capacidade disponível de transporte ou capacidade ociosa de transporte17.

A expansão dos gasodutos de transporte se dará por meio da submissão do projeto técnico-econômico a ANP, nas hipóteses previstas no contrato de concessão ou em circunstâncias que a justifiquem. Ademais, qualquer empresa interessada poderá solicitar essa expansão, todavia deverá ser um pedido fundamentado.

Outrossim, o art. 34 define como de competência da ANP a edição de normas para a cessão de capacidade de transporte entre carregadores, assegurando a publicidade e a transparência do processo para inibir práticas discriminatórias.

5.1.1.1.1. SUBSTITUTIVO DO PROJETO DE LEI 226, DE 2005.

Recentemente, o Senador Rodolpho Tourinho enviou para a apreciação do relator a Emenda nº 25/2006, substitutiva ao PLS 226, de 2005 (Lei do Gás).

Dentre as alterações feitas destacam-se as atribuições dadas ao Operador Nacional de Transporte de Gás Natural – ONGÁS com fins de evitar possíveis

17 É facultada ao transportador a obrigatoriedade de promover oferta pública de capacidade caso não haja capacidade disponível de transporte ou capacidade ociosa de transporte ou, ainda, em caso de impedimentos técnicos e de segurança declarados pela ANP.

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inconstitucionalidades em função da interseção do texto com atribuições estaduais relativas a regulação dos serviços locais de gás canalizado.

As obrigações dos concessionários de transporte de gás natural receberam um tratamento mais abrangente, bem como o conteúdo dos contratos de concessão para atividade de transporte.

As competências que eram destinadas a ANP foram transferidas para o Poder Executivo. Também houve alterações nos incisos que tratam das novas atribuições estabelecidas pelo Poder Executivo ao órgão competente de regular a indústria de gás natural18, de modo a melhor especificar seu relacionamento com o ONGÁS, com os órgãos reguladores estaduais e com órgãos de controle ambiental.

Adicionou-se atribuição definida, também, pelo Poder Executivo, ao órgão competente de regular a indústria de gás natural, no que se refere à proposição e adoção de ações necessárias para restaurar os serviços de transporte em caso de falhas no suprimento de gás.

Do mesmo modo, foram adicionadas atribuições ao ONGÁS relacionadas com a necessária interface entre esse órgão e o Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS.

5.2.1.1 PROJETO DE LEI DO GÁS MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA -

PL 6673/06 DO MME DE 06/03/2006

O Projeto de Lei encaminhado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) ao Congresso Nacional trata “sobre a movimentação, estocagem e comercialização de gás natural, e dá outras providências”.

Nas Justificativas desse Projeto de Lei é importante mencionar que segundo o MME as condições similares dadas ao petróleo e ao gás natural pela Lei nº 9.478/97 não mostrou a eficiência desejada. Ou seja, em virtude das peculiaridades do mercado de gás natural, a referida Lei não acompanhou as necessidades de desenvolvimento e de investimento para essa área19.

Nesse ínterim, foram apontados fatores que diferenciam o mercado de gás natural dos derivados de petróleo, tais como, a maturidade e a menor complexidade logística de transporte dos combustíveis líquidos, assim como a característica de monopólio natural do transporte e da distribuição de gás natural canalizado.

Dentre os principais pontos desse PL, citam-se a introdução do regime de concessão (precedida de licitação) para a construção e operação de gasodutos, com a possibilidade da outorga de autorizações para dutos de menor importância (art.1º).

Sendo que o §2º do art. 7º prevê o prazo máximo de trinta e cinco anos de concessão, incluídas eventuais prorrogações, caso necessário. Ao final da concessão os bens vinculados aos gasodutos de transporte serão revertidos para a União (art.9º).

Igualmente, merece menção o acesso regulado de terceiros interessados à rede de gasoduto, dentro do ideal de conciliar a entrada de agentes e o estimulo de investimentos privados em novas instalações (arts.14, 15 e 16). Todavia, pela redação do texto se nota a tendência clara de um processo posterior de regulamentações para efetivação desse acesso (art. 14. Fica assegurado o acesso de terceiros aos gasodutos de transporte nos termos da lei e de sua regulamentação).

18 Nesse instante verifica-se que o órgão competente de regular a indústria de gás natural, a principio, não seria a ANP, mas ente a ser definido posteriormente conforme assim entender o Poder Executivo.19 Outro ponto interessante desse Projeto é a criação de mercados Primários e Secundários de Comercialização de Gás Natural (art.27 e ss).

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A Seção IV cuida do compartilhamento de gasoduto de escoamento da produção e de instalação de Processamento ou Tratamento de Gás Natural. Encontra-se na autonomia da vontade das partes a matéria referente preço pago e prazo pelo compartilhamento, porém a ANP, baseando-se em regulamentação, será chamada caso aconteça desacordo entre as partes.

No que atine a ANP, assentou-se uma maior competência para a execução de suas atribuições incluindo, em seu âmbito, a criação de um organismo destinado a supervisionar a operação da rede de gasodutos e coordená-lo em situações caracterizadas como de emergência.

5.3.1.1 PROJETO DE LEI 6666/2006, ALTERA A LEI DO PETRÓLEO

O Projeto de Lei 6666/2006 de autoria do deputado federal Luciano Zica (PT/SP) altera a Lei nº 9.478/97. Esse PL (Projeto de Lei) dispõe sobre normas para as atividades de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural. Essa terceira via de PL do Gás Natural, em síntese, detalha as características da indústria do gás natural que não foi devidamente tratado pela Lei do Petróleo e aproveita os pontos semelhantes da indústria do petróleo no que concerne à exploração e produção.

De acordo com a nova redação dada ao art 56 da Lei nº 9.478/97 a atividade de transporte continuará sendo realizada mediante autorização. Qualquer empresa ou consórcio de empresas que atenda ao disposto no art. 5º poderá receber autorização da ANP para construir instalações e efetuar qualquer modalidade de transporte e estocagem de petróleo, seus derivados e gás natural. A atividade de transporte somente poderá ser explorada por empresa ou consórcio de empresas que a ela se dediquem com exclusividade, enquanto que a atividade de estocagem poderá ser concomitantemente exercida com a de transporte.

As alterações feitas no art 58 da referida lei, citada anteriormente, estabelecem que o transportador deverá permitir o livre acesso a suas instalações, equipamentos ou meios de transporte, mediante acordo previamente firmado com os interessados e em havendo disponibilidade de capacidade. Bem como, assegura a qualquer interessado o direito de interconectar suas instalações de transporte com as instalações de transporte de terceiros, mediante acordo prévio entre ambos, e a prévia autorização da ANP.

Em seu art 57-A o Projeto de Lei determina que remuneração cobrada pela prestação do serviço de transporte de petróleo, seus derivados e gás natural deverá garantir tratamento não-discriminatório a todos os interessados; considerar os custos de operação e manutenção, incluindo a adequada remuneração ao investimento realizado e os riscos inerentes à atividade de transporte; guardar relação com o tipo de transporte; garantir a segurança e a confiabilidade dos serviços de transporte e refletir as alterações dos tributos incidentes sobre as atividades de transporte.

Ademais, o PL 6673/06 foi apensado ao PL 6666/06 com o intuito de serem examinados conjuntamente, visto a oportunidade e conveniência de tramitarem juntos no processo legislativo.

6. CONCLUSÃO A partir dos elementos analisados neste trabalho, nota-se que a falta de uma

legislação consolidada especificamente para a indústria de gás natural gerou incertezas para os agentes que atuam nesta indústria. Aliados a isso, ainda têm três projetos de lei tramitando no Congresso Nacional cuja finalidade é o estabelecimento de um marco regulatório para o gás natural no Brasil. Ou seja, faz-

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se necessário aguardar o desfecho dessas proposições legislativas para se definir um marco regulatório consistente, coerente e transparente.

Por conseguinte, as incertezas quanto à indefinição normativa retraem os investimentos. Desta maneira, resulta que as dúvidas em relação ao processo regulatório no setor de gás natural permanecem elevadas. Em especial, no setor de transporte em virtude das mudanças substanciais na sua regulamentação ao longo dos anos, bem como se nota que esse segmento será o mais afetado pelas alterações legislativas em tramitação.

Contudo, para que o processo regulatório seja consistente, coerente e transparente, assim como não prejudique os investimentos, faz-se imprescindível a confiança dos agentes econômicos na legislação.

Dessa forma, conclui-se que são fundamentais regras transparentes e permanentes (consistentes e coerentes), ou seja, o agente regulador deve evitar mudanças substanciais ao longo do tempo. Para tanto, o arcabouço legal deve estar delineado e fortalecido de forma tal que consubstancie as ações subseqüentes do ente regulador.

Contudo, não foi isso que ocorreu no setor de gás natural no Brasil, em especial no setor de transporte. Fatores exógenos à indústria do gás natural, como a falta de energia elétrica em 2001, levaram a mudanças no segmento de transporte, a fim de trazer uma solução emergencial ao problema do setor elétrico (PPT).

A indefinição no processo legislativo também colabora de alguma maneira à ausência de investimento no setor, porque os agentes em função disso demonstram dúvidas em relação ao retorno de seus investimentos e aos seus direitos de propriedade. Porém, cabe destacar que a Petrobrás que atua em toda a cadeia produtiva continua a investir e ser o principal investidor. A definição de um marco legislativo e regulatório que facilite a transparência e competitividade e, além disso, que estabeleça a garantia de livre acesso é de fundamental para diversificar os investimentos e os investidores no setor.

7. BIBLIOGRAFIA

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS – ANP (2004). Portarias, Resoluções e Leis. IN: http://www.anp.gov.br. Acesso em 03 de dezembro de 2004. CHONG, Alberto. LÓPEZ-DE-SILANES, Florencio. The truth about privatization in Latin America. Inter-American Development Bank, Washington, 2003. CECCHI, José Cesário. Indústria Brasileira de gás natural: regulação atual e desafios. Rio de Janeiro: ANP, 2001. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. LAUREANO, Fernanda Helena Garcia Cobas. A Indústria de Gas Natural e as Relações. Contratuais - Uma Análise do Caso Brasileiro. Mestrado em Energia da COPPE, Rio de Janeiro, 2005. RECHELO NETO, Carlos Alberto. GNL para suprimento interno e exportação versus gasodutos: oportunidades, ameaças e mitos. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.