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Rev. UNIFA, Rio de Janeiro, 21(24): jul 2009.

ARTIGOS ORIGINAISEDITORIAL

O IMPACTO DO CRM NA AVIAÇÃO DE ASAS ROTATIVAS DA FABTenente Coronel Aviador Alexandre Anselmo Lima

PREVALÊNCIA DE CERVICALGIA EM PILOTOS DE HELICÓPTERO DAFABTenente Coronel Aviador Márcio José Régis da Silva

TÓPICOS DE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO NO SETOR DE DEFESAE NA FORÇA AÉREA BRASILEIRALuiz Maurício de Andrade da Silva

Martinho Isnard Ribeiro de Almeida

LIDERANÇA SITUACIONAL EM MISSÕES AÉREAS COMPOSTASMajor Aviador Rodrigo Fernandes Santos

FORMAÇÃO DE LÍDERES: UMA ANÁLISE SOBRE HABILIDADESESSENCIAIS PARA A FORMAÇÃO DE LÍDERES DE ACORDO COM AABORDAGEM DE DIFERENTES AUTORES.Maria Estela Ferreira Nascimento

GESTÃO AMBIENTAL NA FABCapitão Intendente Flávio Garcia Netto Machado

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ARTIGOS DE REVISÃO

ESTUDO DE CASO

OPINIÃO

REQUISITOS ERGONÔMICOS EM AVIAÇÃO: IMPORTÂNCIA EAPLICAÇÕES PARA A FABTenente Coronel Aviador Gilvan Vasconcelos da Silva

LIÇÕES DA CAMPANHA DE INTERDIÇÃO NO VIETNÃTenente Coronel Aviador Enio Beal Júnior

DISSUASÃO ESTRATÉGICA: DEFESA DA AMAZÔNIATenente Coronel Aviador Geraldo Corrêa de Lyra Júnior

CONHECIMENTO COGNITIVO DE PILOTOS: FATOR DE AUMENTONA SEGURANÇA DE VOOTenente Coronel Aviador Mario Cesar Berto

O CASO DA TRANSFERÊNCIA DE SEDE DE UMA ORGANIZAÇÃOMILITAR DA AERONÁUTICATenente Coronel Aviador Paulo Henrique Mendonça Rodrigues

AS FORÇAS ARMADAS E A POLÍTICA DE DEFESA NACIONALCoronel Aviador Reformado Manuel Cambeses Júnior

NORMAS DE PUBLICAÇÃO

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GESTÃO DO CONHECIMENTO NAS ATIVIDADES CIENTÍFICAS

Apesar do atual destaque dado à Gestão do Conhecimento (GC) como um valioso recurso estratégico,

principalmente no meio empresarial, não é de hoje que se valoriza a aquisição, o domínio e a aplicação do conhecimento

no meio científico, que tem na divulgação sua grande relevância e contribuição.

Neste contexto, a Revista da UNIFA orgulha-se de há mais de 24 anos vir se empenhando e contribuindo para a

seleção, uso, divulgação e compartilhamento de informações valiosas e necessárias ao desenvolvimento do saber, em

seus mais variados campos. Assim, o periódico contribui para fomentar a pesquisa, o debate, o pensamento crítico, a

busca incessante, a utilização e a reutilização de dados e informações na construção do conhecimento.

Identificando-se plenamente com a definição de Melo (2003)1 na qual a gestão do conhecimento é vista como

“uma disciplina que objetiva democratizar o acesso aos conhecimentos obtidos por indivíduos, seja qual for o meio

escolhido pelo gestor, organizando, classificando e criando dispositivos para a sua disseminação, conforme o interesse

e o propósito do grupo”, a Revista da UNIFA já se adequou a nova realidade da Tecnologia da Informação e

ampliou ainda mais as suas fronteiras a partir de sua versão eletrônica (www.revistadaunifa.aer.mil.br – ISSN Online

2175-2567), com acesso livre em qualquer parte do planeta. Contribuindo, assim, de forma ilimitada para a

democratização do acesso ao conhecimento.

Os conceitos basilares da GC estão pautados na divulgação e no compartilhamento do conhecimento, obedecendo

às necessidades atuais de que quanto mais se transmite o conhecimento mais se obtém e quanto mais pessoas o

utilizarem mais valor é agregado a ele. Nesse escopo, a GC tem sido plenamente aplicada às atividades científicas, nas

quais as palavras de ordem são compartilhar, integrar, disseminar, registrar e divulgar. Além do mais, para que serve

um conhecimento ou uma descoberta que não pode ser utilizado para a formulação ou o aprofundamento de um

novo conhecimento, que não pode ser transformado em censo comum ou que não possa ter aplicação prática em

benefício de determinado grupo e, por vezes, de toda a humanidade?

Destarte, o meio científico e acadêmico já tem gerenciado o conhecimento ao longo dos anos à medida que

proporciona a formação de um contexto organizacional e de uma rede de relacionamento capaz de integrar pessoas

que buscam e/ou produzem saberes, por meio de ferramentas como os periódicos científicos (impressos e eletrônicos)

e mais recentemente as bases eletrônicas de dados, ferramentas com um imensurável poder de armazenar e disseminar

conhecimento. Esses instrumentos permitem controlar, gerenciar e facilitar o seu acesso e, portanto, promovem a

construção de novas possibilidades e a integração irrestrita de pessoas ao redor do mundo.

Como exemplo da aplicação prática da GC nas atividades científicas, pode-se citar a “medicina baseada em

evidências” que tem na revisão sistemática e na meta-análise os seus principais suportes. Assim, a partir de uma ampla

busca em base eletrônica de dados, se seleciona qualitativamente, dentre diversos estudos realizados em várias partes

do mundo, aqueles que cumprem certos critérios de qualidade em relação à determinada intervenção. O objetivo é

poder verificar a eficácia dessa intervenção por meio da análise dos estudos mais rigorosos e controlados (normalmente

ensaios clínicos randomizados), que apresentam evidências significativas, consistentes e semelhantes.

O relevante e valioso resultado da GC na “medicina baseada em evidências” é a criação de um novo conhecimento

que proporciona a base científica para a aceitação de uma nova técnica/intervenção, a partir da integração de experiências

e práticas anteriores, a qual passa a ser utilizada no tratamento e cura de determinada patologia ou disfunção ou, ainda,

salvando inúmeras vidas.

Consciente de toda a importância e aplicação da GC, a Universidade da Força Aérea tem se esforçado para

aprimorar cada vez mais o seu principal meio de divulgação de conhecimento e contribuir tanto com o aprendizado

organizacional, a partir do compartilhamento das informações produzidas por militares da Força Aérea, quanto com

o aprendizado científico, por meio da divulgação de pesquisas das mais diversas instituições de ensino e pesquisa.

Conhecimento para todos: esta é a nova Revista da UNIFA.

1MELO, L.E.V. Gestão do Conhecimento: conceitos e aplicações. São Paulo: Ed. Érika, 2003.

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Rev. UNIFA, Rio de Janeiro, 21(24): jul 2009. 03 - 20

Recebido: 24/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 08/06/2009

O Impacto do CRM na Aviação de Asas Rotativas daFAB

The Impatc of CRM Training on Brazilian Air ForceRotary Wing Squadrons

RESUMO

Este estudo propôs-se a investigar o impacto do programa de Gerenciamento de Recursos de Tripulação (CRM), como forma deotimização da interface homem-máquina e suas atividades interpessoais no meio aéreo, verificando as conseqüências dessa medida paraos esquadrões de helicóptero da Força Aérea Brasileira. Para tanto, investigou-se tal impacto por meio dos Fatores Contribuintesligados ao desempenho dos tripulantes e presentes nas ocorrências aeronáuticas, em dois períodos distintos na vida da organização:antes e após a implantação do treinamento CRM. Uma pesquisa de campo também foi empregada com o intuito de verificar o atualestágio de implementação do CRM e sua influência nas organizações, segundo a percepção de seus responsáveis. Delimitou-se oarcabouço teórico pela revisão dos conceitos que balizam a interação do homem com o meio aeronáutico e suas consequências para asegurança de tal atividade, e ainda, os modos de aquisição de comportamentos no contexto social, citados por Bandura, Ajzen eFishbein, como idéia-chave que permeia o treinamento CRM como ferramenta para o incremento operacional. Com os resultadosauferidos pelo estudo, não foi possível inferir que a doutrina CRM consolidou-se em um novo “modus operandi” dos esquadrões dehelicóptero, o qual resultaria em otimização da sua cultura de segurança de voo.

Palavras-chave: Prevenção de acidentes. Segurança de voo. Gerenciamento. Asas Rotativas.

*Tenente Coronel Aviador Alexandre Anselmo Lima 1, 2

1 Comandante do 3/8 Grupo de Aviação - RJ2 Mestre em Segurança de Voo - Universidade Central do Missouri - EUA

*Autor: Alexandre Anselmo Lima, Tenente-Coronel Aviador, é comandante do 3/8 Grupo de Aviação – RJ, possui Mestrado em Segurança de Vôo pelaUniversidade Central do Missouri nos EUA (M.Sc. Aviation Safety) 2007, Pós-graduação em Docência do Ensino Superior pela Universidade Federal do Rio deJaneiro (2001), MBA em Gestão de Processos pela Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro. Contato: [email protected]

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ABSTRACT

The purpose of this study was to investigate the influence of Crew Resource Management (CRM) training as a way to improve the man-machine interfaceas well as interpersonal airborne activities, verifying its consequences to the Brazilian Air Force helicopter squadrons. With this objective an investigationwas conducted throughout the Contributing Factors linked with the crew performance revealed on aircraft mishaps in two distinctive periods: before andafter the CRM training implementation. A survey was also designed in to verify the current stage of training achievements and its influence overresearched organizations according to CRM managers to determine the current CRM implementation stage. The theoretical research basis was delimitedby the revision of benchmark concepts correlating the human interaction with the aeronautical mean and its consequences to aviation safety, and, theacquisition ways of behaviors in the social context, cited by Bandura, Ajzen e Fishbein as key idea involving the CRM training as an operacional resourceWith the results achieved, it was not possible to infer that CRM doctrine is consolidated in a new “modus operandi” within the helicopter squadrons, whichwould result in an improvements of its flight safety culture.

Keywords: Accident prevention. Flight safety. Management. Rotating Wings.

INTRODUÇÃO

A atividade de prevenção de acidentesaeronáuticos congrega inúmeras ações pró-ativasvisando reduzir os riscos intrínsecos à atividadeaérea, no campo dos fatores humano, operacionale material, os quais representam o homem, o meioe a máquina que ele opera. Conforme Wiegmann eShappell (2003), na medida em que as máquinasse tornaram cada vez mais confiáveis, o homemtem desempenhado um papel cada vez maisimportante como indutor de erros no sistema. Deacordo com Reason (1997, p. 61), pesquisasenvolvendo ocorrências no âmbito da aviaçãocomercial de grande porte (empresas aéreasregulares) apontaram para um índice de 80% detodos os maiores acidentes terem a contribuiçãode uma ou diversas falhas humanas para a suaocorrência.

Segundo o modelo SHELL (Software, Hardware,Environment e Liveware), utilizado para explicar ofenômeno da influência dos diversos fatores nosistema da aviação (FLIGHT SAFETYFOUNDATION, 2002), os erros ocorrem comoconseqüência do desempenho do homem em suaatividade, na interação com outros participantesdo processo e, ainda, na interface com oequipamento e o meio.

Segundo o Dr. James Reason, pesquisador daUniversidade de Manchester-Inglaterra, oGerenciamento de Recursos de Tripulação (CrewResource Management - CRM), surgido no meioaeronáutico ao longo da década de 1980, se propõea preencher uma lacuna no programa de

treinamento das tripulações, cobrindo áreasvulneráveis à ação do homem no sistema daaviação, áreas estas não abordadas pelos aspectostécnicos e nem pelos procedimentos operacionais(REASON, 1997).

Em um mundo de recursos escassos e nocontexto sócio-econômico atual, a otimização dosmeios existentes é um pré-requisito para asobrevivência de qualquer negócio (WOOD, 2003).Os meios à disposição de uma força aérea modernaseguem essa mesma lógica, portanto, para oComando da Aeronáutica (COMAER), apreservação de seus recursos é assunto da maiorrelevância. Seguindo esse viés, a Força AéreaBrasileira adotou em 1998 o seu próprio programade Gerenciamento de Recursos de Tripulação,sendo que a sua implementação redundou namobilização de recursos e dispêndio de esforçospara o cumprimento de uma determinaçãonormativa, qual seja a implantação de taltreinamento em todas as unidades aéreas da FAB,conforme preconizado nas diretrizes do COMAER.O ônus da sua implantação, no entanto, é perene,pois exige a constante necessidade de capacitaçãodo pessoal docente e a atualização dos conteúdosministrados.

Conforme Wood (2003), nesse tipo detreinamento são abordados aspectos relativos aotrabalho em equipe, melhoria da comunicaçãointerpessoal, processo decisório e alerta situacional,aperfeiçoando, ainda, as características de liderança,a distribuição racional da carga de trabalho, adetecção e o gerenciamento do erro e suas

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consequências. Como treinamento direcionado aosfatores humanos, o propósito, de uma maneirageral, é criar uma equipe de trabalho mais eficienteno desempenho de suas tarefas, reduzindo,conseqüentemente, os acidentes cujos FatoresContribuintes estejam ligados ao desempenho dohomem.

Segundo Lima (2002), dados divulgados pelomaior operador de helicópteros do mundo, oexército dos Estados Unidos da América (USARMY), revelam que a implantação pelos militaresnorte-americanos de seu Aircrew CoordinationProgram – Programa de Coordenação paraTripulantes de Voo, no início da década de 1990, afim de atender à demanda operacional em ambientehostil e de alto risco, no qual as tripulações teriammargem mínima para cometer erros ao atuarem sobpressão extrema, foi um grande sucesso.

A validade do programa implantado no U.S. Army foicomprovada através de avaliações realizadas comuma amostra formada por 16 tripulantes de UH-60Black Hawk pertencentes à 101ª. Brigada de Aviação,baseada em Fort Campbell. A comparação nodesempenho dos mesmos tripulantes demonstrouuma maior habilidade das equipes e um consumo detempo menor para a tomada de decisão, devido àmelhora nos processos de comunicação. Todas astripulações treinadas demonstraram mais eficiênciano gerenciamento de tarefas críticas na conduçãode eventos inesperados. Os dados coletados tambémapresentaram uma dramática redução nos erroscometidos em vôo, principalmente aqueles maiscomumente associados aos acidentes aeronáuticos.(LIMA, 2002, p. 16).

Os indicadores do sucesso do programaimplantado no US ARMY foram depreendidos apartir da comparação qualitativa no desempenhode um grupo de tripulantes, centrada noscomportamentos emanados frente à determinadademanda operacional.

O presente estudo se propôs a investigar oimpacto para a segurança de vôo decorrente daimplementação do CRM como forma de otimizaçãoda interface homem-máquina e suas atividadesinterpessoais no meio aéreo. O estudo pretendeuverificar as conseqüências da implantação do CRMnos esquadrões de asas rotativas da Força AéreaBrasileira, por meio do levantamento de indicadoresda eficácia do referido programa. Para este estudo,entende-se por eficácia a extensão na qual asatividades planejadas são realizadas e os resultados

pretendidos alcançados, conforme a NBR ISO9000:2000.

Para tanto, tencionou-se identificar por meiodos registros disponíveis no Sistema de Investigaçãoe Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER),os Fatores Contribuintes ligados ao desempenhodos tripulantes definidos pela Norma Sistêmica doMinistério da Aeronáutica, NSMA 3-1 (BRASIL,1996), em dois períodos distintos na vida daorganização: antes da intervenção e após aimplantação do CRM. Esses dados foram revistosà luz dos conceitos teóricos que norteiam osprogramas de Gerenciamento de Recursos deTripulação em uso na aviação mundial. Umapesquisa de campo também foi implementada como intuito de verificar a coerência entre os conteúdosministrados nos atuais cursos de CRM das unidadesaéreas e a sua relação com os Fatores Contribuintesidentificados nas ocorrências envolvendo osaspectos humano e operacional relacionados àdoutrina CRM.

Dessa forma, o problema de pesquisa foiformulado a fim de se compreender em que medidaa implantação do programa de treinamento nogerenciamento dos recursos de tripulaçãocontribuiu para o incremento da segurança de vôonos esquadrões de asas rotativas da Força AéreaBrasileira.

Sob a ótica da segurança de voo, a resposta aoproblema da pesquisa auxiliará a identificar comoos esquadrões de asas rotativas da Força AéreaBrasileira foram beneficiados pela implantação doatual programa de Gerenciamento dos Recursos deTripulação. Por fim, os resultados deste trabalhopoderão auxiliar no aperfeiçoamento do escopo doprograma de CRM, orientando o SIPAER noprovimento de um produto que satisfaça a demandaoperacional da Força Aérea por meio do empregodos recursos disponíveis, e pela otimização dosmeios para a realização da tarefa alocada.

A pesquisa se investe de relevância pois seusresultados servirão como subsídios de basecientífica para assessorar no planejamento demedidas preventivas adotadas pelo Comando daAeronáutica, revertendo em benefícios para asegurança de vôo não só dos esquadrões

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participantes, mas para todas as unidadesoperacionais da Força Aérea.

Inicialmente serão revisitadas as principaisteorias e conceitos que referendam o treinamentoCRM como ferramenta de prevenção no ambienteaeronáutico e, em seguida, a metodologia correlata,utilizada neste estudo. Na seqüência, serãoapresentados os dados coletados, os quais foramanalisados e interpretados segundo o arcabouçoteórico previamente apresentado. Por fim, serãodiscutidas as conclusões decorrentes de todo otrabalho de pesquisa, à luz dos conceitos teóricospreviamente elencados.

1 REVISÃO DA LITERATURA

Com o intuito de responder o problema depesquisa proposto, contribuindo assim para aampliação do campo de conhecimento a respeitodo assunto, optou-se, primeiramente, pela revisãoda literatura afeta aos conceitos e idéias quepermeiam a interação do homem com o meioaeronáutico e suas conseqüências para a segurançade tal atividade. Conseqüentemente, foraminvestigados não somente os conceitos ligados àprevenção de acidentes em sua forma objetiva, mastambém, os modos de aquisição decomportamentos e atitudes no contexto social, queexercem influência na conduta dos indivíduos, aqual é a idéia original que permeia todo o programaCRM (REASON, 1997; WOOD, 2003).

Como base do arcabouço teórico explorado napesquisa, encontra-se a relação entre a exposiçãodos sujeitos a um determinado tipo de intervençãono ambiente operacional, ou seja, ao treinamentoCRM, e o provável estabelecimento de umamudança atitudinal derivando comportamentospró-ativos à prevenção. Estes por sua vez, podemvir a se refletir na freqüência dos FatoresContribuintes presentes nas ocorrênciasaeronáuticas.

Assim, com a finalidade de apontar osindicadores que retratem objetiva equantitativamente o impacto causado peloprograma CRM no contexto operacional dasorganizações pesquisadas na FAB, foramanalisados os Relatórios Finais de Investigação deAcidentes Aeronáuticos (RELFIN), os Relatórios

de Investigação de Incidentes Aeronáuticos(RELIN) e os Relatórios de Ocorrência de Solo(RELOS) disponíveis, analisando seus FatoresContribuintes nos períodos considerados pré e pós-intervenção. As informações disponíveis no bancode dados do CENIPA foram organizadas,classificadas e correlacionadas com os aspectos queguardam afinidade com os conteúdos ministradosno curso de CRM das Unidades Aéreas investigadas.

Verificando os processos cognitivoscompreendidos a partir da interação humanadescritos por Rodrigues et al. (2000), buscou-seno campo da psicologia social o referencial teóricoque contemplasse estudos a respeito da formaçãoe modificação das atitudes sociais. McGuire (1969)apud Rodrigues et al. (2000) sustenta que aaquisição e fortalecimento de determinada atitudeem relação a um objeto tanto mais forte será quantomais favorável e constante for a argumentação emprol de tal atitude. Por sua vez, o modelo propostopor Fishbein e Ajzen citado por Rodrigues et al.(2000) indica que atitudes e normas sociaissubjetivas influenciam a intenção aocomportamento de uma maneira objetiva.

À luz dessas posições teóricas, sem, no entanto,enfatizar os fenômenos psicossociais particularesenvolvidos no processo de aquisição ou mudançacomportamental, buscou-se uma abordagem paraos referenciais teóricos que guardassem correlaçãoentre uma evidência quantitativa e a possívelmudança de comportamento ocorrida em funçãoda exposição a um fenômeno, sofrida pordeterminado grupo social, em certo contextoespaço-temporal definido.

1.1 A GÊNESE DO ACIDENTE AERONÁUTICO E AINFLUÊNCIA DO FATOR HUMANO

Conforme Wood (2003), a Segurança de Vôoocupa lugar de destaque no ambiente da aviação,pois tem como meta propiciar a salvaguarda dosrecursos humanos e materiais empenhados em talatividade. Ações voltadas à prevenção deacidentes, com o intuito de eliminar, reduzir, ouao menos controlar os riscos existentes, estãoinclusos nos planos gerenciais de qualquer empresa,inclusive nas de aviação. Tal abordagem éfundamental para o alcance dos objetivos propostos

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pelas organizações, sendo, portanto, uma questãoestratégica para a sobrevivência das instituições(WOOD, 2003).

Para os autores Perrow e Reason, um acidentenão é uma simples “fatalidade”, mas umaconjunção de fatores ou “múltiplas falhas”(PERROW, 1999). Ao encontrar um ambientepropício, essas múltiplas falhas latentes naorganização se interconectam com os erros ativosdos operadores, ultrapassando as defesas existentesno sistema e, como resultado, tem-se um adventode conseqüências indesejáveis (REASON, 1997).Uma idéia conceptual proposta por alguns autorestais como Diehl (1991) e Wood (2003) define que,embora os acidentes catastróficos da aviação sejamextremamente raros, os poucos que ocorrem devemser investigados para a identificação de suas“causas” e determinação de contramedidas paraimpedir a repetição da mesma ocorrência no futuro.

Os procedimentos de investigação,especificados no Anexo 13 da OrganizaçãoInternacional de Aviação Civil (ICAO, 2001),objetivam possibilitar a reconstrução dascircunstâncias do acidente e permitir aidentificação dos fatores causais contribuintes emtorno do evento e, assim, estabelecer asrecomendações de segurança necessárias paraimpedir a recorrência daquela tragédia. Esseprocesso é considerado como uma ação reativa,em contraste, uma medida pró-ativa, segundo oteórico Dr. James Reason (1997), deve estarvoltada para as condições latentes que permeiamtodo o sistema as quais devem ser eliminadas,reduzidas ou controladas, antes que uma perda(acidente) possa acontecer.

Em meados dos anos 1970, o resultado deestudos capitaneados pelo Centro de PesquisasAmes da NASA apresentou para a indústriaaeronáutica mundial suas conclusões para uma sériede acidentes ocorridos na aviação comercial ligadosdiretamente aos problemas gerados peladesempenho, percepção e interação humanas como ambiente e outros elementos presentes no meioaeronáutico (HELMREICH; MERRITT, 1998).Algumas estatísticas apontavam para o patamar de80% de todos os maiores acidentes terem acontribuição de uma ou diversas falhas humanas

para a sua ocorrência (REASON, 1997). Comoconseqüência, uma série de iniciativas para secontrapor aos problemas intrínsecos do ser humano,conhecidos como fatores humanos, tornaram-seprioritárias para a comunidade da aviação. Osresultados de recente pesquisa realizada nocontexto da aviação nacional por Lima (2007)indicaram que os problemas envolvendo o fatorhumano também são a peça central nas açõesreativas e proativas visando o aperfeiçoamento dasegurança de vôo nas unidades aéreas dehelicóptero e patrulha da FAB.

Como são os próprios seres humanos queidealizam, constróem, testam, operam, e gerenciamsistemas complexos como os da aviação, nãodeveria ser uma surpresa a constatação do papelfundamental exercido pelo homem no que tangeaos acidentes envolvendo equipamentos de altatecnologia. Portanto, referir-se aos “fatoreshumanos” no meio aeronáutico é fazer menção atudo aquilo que tenciona otimizar as interaçõesentre as pessoas, máquinas, métodos eprocedimentos, bem como suas interfaces com opróprio ambiente em um sistema definido, o qualse propõe a atingir um objetivo proposto (WELLS;RODRIGUES, 2003).

Devido a inexistência por parte da ICAO deuma padronização mundial para a classificação dosfatores causais das ocorrências, o Brasil por meioda NSMA 3-1 (BRASIL, 1999), adotou um sistemade categorização de suas ocorrências conformedefinidas pelo Centro de Investigação e Prevençãode Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), o qual é oórgão central e regulador do SIPAER para toda aaviação brasileira, civil e militar, conforme constano Código Brasileiro de Aeronáutica.

A despadronização terminológica e conceitualna classificação das ocorrências aeronáuticaspoderia causar dificuldades na análise objetiva deseus fatores motivadores, com conseqüênciasdiretas na determinação do nexo causal envolvido,redundando em ações preventivas desfocadas comos verdadeiros Fatores Contribuintes associadosaos acidentes e incidentes. Portanto, a taxonomiaadotada pelo CENIPA padroniza a identificaçãodas variáveis de ordem fisiológica, psicológica,

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operacional ou material que, isoladas ou emassociação, tenham conduzido à ocorrência de umacidente, incidente ou ocorrência de solo, outenham contribuído para o agravamento de suasconseqüências. Essas variáveis são chamadas deFatores Contribuintes as quais dão origem às açõesde prevenção. As ações de prevenção, cunhadascomo Recomendações de Segurança de Voo “[...]referem-se a uma circunstância perigosa e visa aeliminação ou ao controle de uma condição derisco” (BRASIL, 1996).

Segundo o SIPAER (BRASIL, 1999) tais fatoresse subdividem em Fator Humano (aspectopsicológico e aspecto fisiológico); Fator Material(deficiência de Projeto, deficiência de fabricação edeficiente manuseio do material); e FatorOperacional (condições meteorológicas adversas,deficiente infraestrutura, deficiente instrução,deficiente manutenção, deficiente aplicação decomandos, deficiente controle de tráfego aéreo,deficiente coordenação de cabine, deficientejulgamento, deficiente pessoal de apoio, deficienteplanejamento, deficiente supervisão, esquecimento,indisciplina de vôo, influência do meio-ambiente,pouca experiência de vôo ou na aeronave e outrosaspectos operacionais).

Os Fatores Contribuintes classificados no FatorOperacional, que trata do desempenho do homemligado à própria atividade da aviação, e o AspectoPsicológico, que se refere às variáveis psicológicasindividuais, psicossociais e organizacionais, são osque mais se aproximam das teorias dos fatoreshumanos abordados nos conceitos do CRM. Assim,infere-se que os conceitos, tópicos e áreas sensíveisabordadas nos cursos de CRM, aplicados naindústria aeronáutica e na FAB, apesar de não seremidênticos, encontram os seus equivalentes naprópria definição dos Fatores Contribuinteselencados pelo SIPAER em seus processos deinvestigação.

Além dos fatores elencados acima, há ainda ofator definido como “outros” para contemplar ascondições não abrangidas por nenhum outro, e oFator Humano – aspecto psicológico, tambémcontempla os seguinte aspectos: individuais(personalidade, atitude, estado emocional,

motivação, atenção, percepção, memória, processodecisório, experiência profissional, resposta motorae estresse); psicossociais (comunicação, dinâmicada tripulação, relacionamento no ambiente detrabalho e situação fora do ambiente de trabalho);organizacionais (equipamento e sistema de apoio);e ambiente organizacional.

1.2 O CRM NA INDÚSTRIA AERONÁUTICA

Desde que foram identificadas asvulnerabilidades intrínsecas à performance dohomem face à operação com sistemas de elevadatecnologia, os especialistas focaram seus esforçospara se contrapor aos acidentes em programas detreinamento baseados nos seminários degerenciamento, já existentes à época (PATT, 2004).Dessa forma, as primeiras iniciativas dirigidas àformulação de ações de prevenção, quecontemplassem as falhas afetas à performance dohomem, foram identificadas pela NASA em umseminário ocorrido em 1979. Tais falhas centraram-se na comunicação interpessoal, processo decisórioe liderança nas cabines de vôo. Segundo Helmreich,Merritt e Wilhelm (1999), esse seminário deuorigem ao processo de treinamento em liderançavoltado somente para os comandantes de aeronave,o qual foi cunhado como Gerenciamento dosRecursos de Cabine (Cockpit Resource Management -CRM). Tal treinamento tinha como meta reduziros “erros dos pilotos” por meio da melhor utilizaçãodos recursos humanos disponíveis na cabine devôo. Ao longo do tempo, a indústria aeronáuticatestemunhou a incorporação de novos conceitos àidéia original do CRM. Cada nova tendênciaincorporada que recebesse o aval dos teóricospassou a ser cunhada como “uma nova geração doCRM”, conforme o quadro demonstrativo abaixo(Tabela 1).

Segundo Dekker (2002), os erros humanosligados aos acidentes aeronáuticos são apenas umsintoma que evidencia problemas mais profundosestabelecidos quando há a interação dedeterminadas circunstâncias organizacionais comas características do comportamento humano.Assim, em cada uma das gerações, os teóricos defatores humanos introduziram diversos temas no

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programa de treinamento os quais se refletiram naforma de operação das empresas, em um esforçopara garantir um ambiente mais seguro,contrapondo-se às ameaças desvendadas por meiodas investigações dos acidentes aeronáuticos e doreflexo evolutivo do próprio treinamento. Estudosrealizados pela indústria aeronáutica demonstraramque a incorporação dos conceitos do CRM emprocedimentos operacionais, fraseologia, modo deoperação e práticas sociais influenciaram acapacidade dos operadores em gerenciar os recursosa sua disposição (PATT, 2004).

Após a difusão do CRM, foram criadosinstrumentos para identificar o comportamento detripulantes no gerenciamento de suas tarefas nascabines de vôo e tais instrumentos passaramtambém a auxiliar na definição da abordagemcurricular concebida nos programas de treinamento.Um desses primeiros tabuladores de performance,criado por Fowlkes et al. (1994), citado porO’Connor et al (2002, p. 265), foi o TargetedAcceptable Responses to Generated Events or Tasks(TARGET) concebido para as tripulações doshelicópteros militares de carga norte-americanos.Baseado em uma série de comportamentoscooperativos aceitáveis, o instrumento foiprojetado para verificar a ocorrência dos mesmosem um cenário no qual toda a tripulação deveriaatuar. Os comportamentos cooperativos foramagrupados em sete áreas básicas: análise da missão,

adaptabilidade, flexibilidade, liderança, processodecisório, assertividade, consciência situacional ecomunicação.

Na Europa, um projeto desenvolvido pelaUniversidade de Aberdeen da Escócia, a BritishAirways e outros parceiros da ComunidadeEuropéia, desenvolveu um modelo teórico com ointuito de avaliar as competências (não-técnicas)presentes em tripulações compostas por mais deum piloto (O’CONNOR et al., 2002). Oinstrumento conhecido como Nontechnical SkillsAssessment Framework (NOTECH), elaborado etestado pelo grupo de pesquisa, reuniu em quatrocategorias (cooperação, liderança e gerenciamento,consciência situacional e processo decisório)diversos elementos básicos presentes nos conceitosde CRM e, conforme O’Connor et al. (2002), tinhacomo propósito basilar auxiliar no aperfeiçoamentodo sistema de treinamento do programa CRMexigido pela autoridade da aviação civil européia.Segundo esse mesmo autor, a comunicaçãopermearia todos os outros principais tópicoselencados.

O CENIPA, que desde 1998 tem sido o pólodifusor para a divulgação da filosofia CRM para aFAB, tem o seu curso de CRM calcado em 4 grandesáreas (comunicação, dinâmica da tripulação,consciência situacional e processo decisório) asquais contém os elementos básicos do treinamentopara o desenvolvimento de competências,

Tabela 1 – Evolução dos conceitos CRM

Fonte: Adaptado de MACLEOD (2005).

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compartilhados por autores como Reason (1990),Wood (2003), Helmreich, Merritt e Wilhelm (1999),Salas et al. (2001), dentre outros. Tais elementosbásicos abordados nas quatro grandes áreas são:comunicação interpessoal, “power distance”,liderança situacional, atitudes perigosas,gerenciamento da carga de trabalho, priorização detarefas, estresse e fadiga, resolução de conflitos,violação e gerenciamento do erro humano, alémda identificação de ameaças. É importante notarainda que, no contexto nacional, a definição dotermo competências (skills) utlizado pelos autorescitados, encerra-se na idéia de uma combinaçãosinérgica entre três pilares, os quais, segundoCarbone (2006), são “[...] o conhecimento, ashabilidades e as atitudes, expressas pelodesempenho profissional em um determinadocontexto organizacional, agregando valor às pessoase a própria organização” (CARBONE, 2006).

O arcabouço teórico que baliza o conteúdo aser abordado nos cursos de Gerenciamento dosRecursos de Tripulação não delimita uma estruturarígida para a sua concepção, porém, segundo aliteratura pesquisada, os teóricos apresentam umasérie de tópicos, os quais são comuns e estãoalinhados com os propósitos basilares do CRM(Tabela 2).

Aeronáutica, para difundir o CRM como umprograma institucional. Antes disso, algumasorganizações, por iniciativa própria, já possuíamos seus próprios cursos, como o Grupo deTransporte Especial (GTE). Nesse primeiromomento, devido a diversidade de ambientesoperacionais existente, um curso básico, integrandoelementos e conceitos de diversas “gerações” doCRM foi divulgado com o intuito de que cadaorganização fizesse as adaptações necessárias assuas características operacionais e, ainda, que asrespectivas cadeias de comando regulamentassema operacionalização do curso. Assim, a partir doano de 1999, passou a constar no Programa dePrevenção de Acidentes Aeronáuticos para aAviação Brasileira (Instrução do Comando daAeronáutica 3-1 ou ICA 3-1) as ações a seremempreendidas para a implantação edesenvolvimento do treinamento. A aviação civilrespondeu as orientações da ICA 3-1 e da própriaOACI, regulamentando o treinamento de CRM pormeio da Instrução de Aviação Civil - IAC 060/1002 de 18 de julho de 2003.

Na aviação militar brasileira, conforme Silva(2007), a partir de 1999 o Programa de Prevençãode Acidentes Aeronáuticos (PPAA) do ComandoGeral de Operações Aéreas, ao qual se subordinam

as Forças Aéreas que detém o comandooperacional imediato das Unidades aéreasda FAB, incorporou em seu texto asorientações para a implantação emanutenção do treinamento dastripulações em CRM. Dessa iniciativaresultou a Diretriz do Comando Geral deOperações Aéreas 003 - DCAR 003(BRASIL, 2004) replicada pelas ForçasAéreas em seus próprios documentos

orientadores, os quais constavam que cadaesquadrão deveria manter um programa dereciclagem de seus tripulantes a cada 24 meses, eainda, que o treinamento deveria ser ministradoem três fases: uma instrução formal em sala de aula,uma fase de exercitação por meio de simulação euma fase de reforço anual.

Na DCAR 003 consta a necessidade de apoiodos Comandos Aéreos Regionais e Forças Aéreas,

1.3 O CRM NO CONTEXTO DA FAB

A Força Aérea Brasileira iniciou o processo deincorporação dos conceitos de CRM através da“doutrina de cabine”, ainda nos anos 1980, massomente nos idos de 1998 é que realmente houveuma iniciativa capitaneada pelo CENIPA com oapoio do Instituto de Psicologia da Aeronáutica(IPA) e outros profissionais voluntáriospertencentes aos quadros do Ministério da

Tabela 2 - Conteúdos balizadores do curso de CRM.

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não prevendo um conteúdo mínimo para o curso,mas citando alguns tópicos a serem abordados,como por exemplo, comunicação, trabalho emequipe, consciência situacional e processodecisório. Incluído nessas grandes áreas a DCARainda cita, genericamente, a necessidade de seabordar o brifim, debrifim, crítica, solução deconflitos, dinâmica da tripulação, assertividade,consciência situacional, relacionamentointerpessoal e liderança. Esses temascorrespondem, em essência, ao conteúdo do cursode CRM ministrado pelo CENIPA na formação de“facilitadores” de CRM, desde 1998 (BRASIL,2005b). Essa técnica, que utiliza facilitadores e nãoinstrutores, visa alterar a situação mecanicista depassividade e sujeição do instruendo que passa aser sujeito de sua própria educação (PILETTI,1999). Dessa forma as Unidades Aéreas, em maiorou menor grau, aderiram ao programa por meio deseus facilitadores, adaptando o treinamento as suasrealidades específicas, fazendo-o constar nosprogramas de instrução de suas equipagens.

O contexto de aplicação do program CRM porparte do CENIPA, no âmbito da aviação militarde asas rotativas nacional, encontrou terrenofavorável para a difusão das doutrinas degerenciamento dos recursos disponíveis aostripulantes, pois conforme atestou Lima (2007) empesquisa envolvendo tripulantes e mecânicosmilitares, ficou patente o elevado nível decomprometimento pessoal e a prioridade percebidapor tais indivíduos para as matérias e assuntosrelativos à prevenção de acidentes aeronáuticos.

1.4 A AVALIAÇÃO DO TREINAMENTO CRM

Segundo Maranhão (2006), a existência deindicadores para o monitoramento, medição eanálise dos processos implantados pelasorganizações é uma premissa básica no ciclo degestão de toda atividade, com o intuito de garantira consecução dos objetivos propostos.Consequentemente, sistemas tecnológicoscomplexos, como o que envolve a operação devetores aeroespaciais, não podem prescindir de taisferramentas. Conforme Maranhão e Macieira(2004), sem instrumentos de medida que permitam

a análise de seu desempenho, qualquer processogerencial torna-se carente de objetividade e a suasubsistência dependerá da intuição, o acaso e boavontade dos gestores, e não da identificação dasnecessidades e ameaças que possam comprometera integridade da organização. Indicadores, segundoos autores supracitados, são ferramentasindispensáveis para o controle dos processos queasseguram os resultados positivos alcançados pelasorganizações.

MacLeod (2005) sustenta que havendo dadospara suportar um programa de treinamentoimplantado, é possível justificar os recursosaplicados como investimento, e ainda, proporcionacontrole sobre os resultados auferidos. Helmreich,Merritt e Wilhelm (1999), atribuem ao sistema deavaliação do programa CRM a própria validaçãodo impacto que o treinamento pode exercer nosistema de aviação. Para estes mesmos autores,entretanto, o sistema de validação mais óbvio,correlacionado com o número de acidentes porhoras de vôo não deve ser utilizado, pois o númerototal de acidentes na indústria aeronáutica é tãopequeno que a variação nesse índice por algumaunidade de tempo representaria um resultado pífioe distorcido da realidade e, ainda, como acomunicação de incidentes é voluntária na maioriados países do mundo, não é possível incluir essasocorrências em uma base de dados confiável(HELMREICH, MERRITT e WILHELM, 1999).Essa é uma realidade em muitos sistemas como onorte-americano ou o australiano citados pelosautores, porém o Sistema de Investigação ePrevenção de Acidentes Aeronáuticos brasileirodetermina que todos os operadores sejamcompulsados a comunicar suas ocorrências. Amesma legislação define a obrigatoriedade dacomunicação e da investigação de todas asocorrências para os operadores militares, havendoraríssimas exceções a essa determinação (BRASIL).

Uma outra abordagem para a validação dotreinamento CRM segue os princípios conceituaisestabelecidos por Kirkpatrick (1976) apudMacLeod (2005), em sua “hierarquia deefetividade”, por meio de um modelo com 4estágios, utilizado para verificar, por meio de

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múltiplos recursos de avaliação, em primeiro lugaras reações dos instruendos ao curso ministrado,depois, o que efetivamente foi absorvido doconteúdo apresentado, a aplicação desse conteúdoàs tarefas do cotidiano e, por fim, os benefíciosauferidos pela organização como resultado dotreinamento.

Conforme Salas et al. (2001), após a revisão de54 estudos que se empenharam na tentativa deavaliar o treinamento CRM, foram observadasevidências para suportar os três primeiros níveisde Kirkpatrick, porém em nenhum dos estudosanalisados foi identificado o quarto nível, qual seja,os benefícios auferidos pelas organizações.Entretanto, Diehl (1991) cita estudos realizadospela marinha de guerra americana (U.S. NAVY)correlacionando a implantação do programa CRMe a redução de ocorrências, sem no entanto, citar ametodologia empregada nessas pesquisas.

Seguindo o pensamento dos pesquisadoresHelmreich, Merritt e Wilhelm (1999) os doiscritérios mais lógicos e acessíveis para determinaro valor do treinamento CRM seria por meio de umaavaliação comportamental dos instruendos em seuslocais de trabalho e uma verificação de suas atitudesrelacionadas a um processo de aceitação ourejeição dos conceitos da filosofia CRM.

Estudos anteriores avaliando o CRM nocontexto nacional, como os de Coutinho (2006) eSilva (2007), verificaram a inexistência de critériosinstitucionais objetivos para determinar a eficáciado modelo de programa de gerenciamento deRecursos de Tripulação adotado pela FAB. Ambosos estudos citados focaram nas apreciações dosindivíduos, quais sejam, impressões e expectativasquanto a validade do programa, abordandoconceitos subjetivos e opiniões pessoais sem, noentanto, retratar indicadores organizacionais querefletissem o resultado da implementação do CRMcomo uma ferramenta de prevenção para obenefício da instituição.

1.5 TEORIAS PSICOSSOCIAIS E DA APRENDIZAGEMAPLICADAS AO TREINAMENTO CRM

Segundo a perspectiva da Teoria CognitivaSocial (BANDURA, 1989), o comportamento podeser influenciado não só por fatores ambientais, mas

também pela influência da interação social a qualo individuo é sujeito. Bandura (1989) afirma queas expectativas humanas, crenças, cargasemocionais, e competências cognitivas sãodesenvolvidas e modificadas por influência socialao processar a informação recebida e ativar reaçõesemocionais por meio do modelamento, instruçãoe persuasão no ambiente social. Algumas variáveispodem evocar diferentes reações a partir do mesmoambiente social, dependendo de fatores tais comosexo, idade, grupo étnico e até mesmo do papel estatus social do indivíduo. Essa influência, segundoo teórico, é recíproca e simultânea, porém algunsaspectos do ambiente podem não influenciar ocomportamento caso não sejam elicitados peloestímulo adequado. Dessa forma, pessoas são aomesmo tempo produto e produtores do ambienteem que vivem.

Ajzen (2001) afirma que valores pessoais sãoinfluenciados por princípios fundamentaiscompartilhados culturalmente. O autor citadiversos estudos que demonstram a importânciadas normas sociais subjetivas influenciando ocomportamento de indivíduos que pertencem aculturas que valorizam o coletivo muito mais queem culturas individualistas. Assim, valorescompartilhados pelo grupo, aprendidos etransmitidos por meio da interação social, sãoreconhecidamente importantes na predição dodirecionamento do comportamento.

Helmreich e Merritt (1998) confirmam que ascrenças sociais e a cultura são determinantes naformação e quebra dos paradigmas de segurançaexistentes em determinados contextosorganizacionais. Acima de tudo, a segurança comoum constructo social, ou seja, um estado mentalcompartilhado por um grupo, não se sustenta sónas estruturas formais e protocolos, mas,fundamentalmente, nas atitudes dos indivíduos(HELMREICH; MERRITT, 1998).

Fishbein (1995) advoga que pesquisas recentesno campo da psicologia social demonstram quecomportamentos considerados imutáveis podemser alterados. A teoria da comunicação persuasivaestabelecida por McGuire tem sido utilizada poreducadores em diversos campos de atividade

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humana com o propósito de modificar ocomportamento dos indivíduos face a um objeto(MCGUIRE, 1968). A chave para tal mudançacomportamental é a “força” da argumentação emprol de tal atitude (RODRIGUES et al., 2000).

Em síntese, tais autores defendem que umamudança de atitude em prol de um objeto, que podeser a segurança de vôo, é possível por meio dainteração social e uma mensagem persuasivaconsistente, permeados por estruturas formaisreconhecidas, tais como normas e protocolosexistentes no contexto organizacional.

1.6 QUESTÕES NORTEADOAS

Com o objetivo de esquadrinhar os fatorescorrelacionados com o objeto de estudo, ordenandoassim o encaminhamento da investigação eauxiliando na elucidação da questão problemaproposta para a pesquisa, algumas questõesnorteadoras foram formuladas e descritas a seguir:

a) quais Fatores Contribuintes ligados aodesempenho dos tripulantes estiveram presentescom maior freqüência nos acidentes, incidentes eocorrências de solo que envolveram as unidadesde helicóptero da FAB no período de 1995 a 1999,anterior à implantação do CRM ?

b) quais conteúdos abordados nos cursos deGerenciamento dos Recursos dos Tripulantescontemplariam os Fatores Contribuintesidentificados, e agiriam como contramedida parapropiciar uma mudança de atitude dos sujeitos?

c) em que medida os Fatores Contribuintesligados ao desempenho dos tripulantes foramimpactados após a implantação do treinamento noGerenciamento dos Recursos de Tripulação, noperíodo compreendido entre 2000 e 2006?

Assim, foram verificados os aspectos queenvolvem o constructo do conhecimento relativoao objeto da pesquisa, bem como os referenciaisteóricos eleitos como fundamentais para referendara metodologia e a seleção dos procedimentos depesquisa adotados para a análise de seus resultados.A partir de tais referenciais, os conceitos teóricosforam operacionalizados a fim de tornar aobservação do fenômeno passível de mensuraçãoe análise.

2 METODOLOGIA

Como foi visto, uma pesquisa documental ebibliográfica foi levada a termo para a obtençãodo panorama geral de inserção do Programa deGerenciamento de Recursos de Tripulação naindústria aeronáutica e no contexto da Força AéreaBrasileira.

Por meio do banco de dados disponível noCENIPA, o Sistema de Gerenciamento Integradoda Prevenção de Acidentes Aeronáuticos(SIGIPAER), no qual constam registradas asocorrências civis e militares de responsabilidadedo SIPAER, tencionou-se identificar os FatoresContribuintes dos acidentes, incidentes eocorrências de solo ligados ao desempenho dostripulantes, em dois intervalos de tempo distintosna rotina das unidades aéreas de helicóptero daFAB: antes da intervenção (entre 1995 e 1999) eapós a implantação e consolidação do CRM (entre2000 e 2006). Considerou-se como premissa paraeste estudo, que nos anos de 1998 e 1999 houveuma fase adaptativa na qual as organizaçõesdesempenharam tarefas determinadas peloCENIPA para possibilitar a efetiva implantação doCRM em seus programas de treinamento. O escopotemporal mais amplo entre 2000-2006 emcomparação com 1995-1999 foi definido com ointuito de manter uma equidade no número totalde ocorrências, e evitar o mascaramento dosFatores Contribuintes que porventura poderiam serinfluenciados por meio de outras ferramentas deprevenção inseridas pelo SIPAER após o ano de1999, concomitantemente com o CRM.

Para a elucidação do contexto no qual otreinamento CRM ocorreu e suas influênciasorganizacionais, um questionário foi construídocomo instrumento para a coleta de dados. Opropósito foi verificar a aderência dos cursospersonalizados pelas unidades aéreas aos conteúdosministrados no Curso de Facilitadores promovidopelo CENIPA e difundido para toda a Força Aérea.Para tanto, os gerentes locais dos programas de CRM,quais sejam, os Oficiais de Segurança de Vôo (OSV)dos sete esquadrões de asas rotativas da FAB, foramconvidados a responder o instrumento de pesquisa,e o índice de retorno foi de 100%.

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O instrumento foi concebido em uma planilhano formato Microsoft Word, junto com uma cartaexplicativa dos propósitos e benefícios ligados àpesquisa. A construção do questionário seguiu oscritérios descritos por Leedy e Ormrod (2001),levando-se em consideração o público alvo: asquestões foram formuladas em linguagem clara ecorrente, evitando-se ambigüidades, idéiasimplícitas ou tendenciosas, com questões simples,acompanhado de instruções para o seupreenchimento. O questionário foi dividido emduas seções, uma seção inicial para o levantamentode informações demográficas e outra contendoquestões abertas e fechadas, visando estabelecer aconexão entre a demanda operacional e o enfoquedo treinamento CRM nas organizaçõesinvestigadas.

O instrumento, antes de sua aplicaçãodefinitiva, foi pré-testado com uma amostra comcaracterísticas semelhantes e representativa emrelação à população alvo do estudo, isto é, Oficiaisde Segurança de Voo que já desempenharamfunção como gerentes do Programa CRM em suasrespectivas organizações. Essa etapa foi concebida,conforme Marconi e Lakatos (2006), com o intuitode verificar a validade do instrumento para olevantamento proposto, dirimindo dúvidas em suaaplicação e ambiguidades na formulação dasquestões e, ainda, segundo Leedy e Ormrod (2001),para assegurar a validade e aumentar aconfiabilidade do questionário. Durante esta fasede crítica foram verificadas algumas característicasde confecção do instrumento, tais como: clareza eprecisão da terminologia empregada, quantidadeadequada de itens a serem respondidos, formulaçãodos questionamentos em vocabulário corrente,ordenamento das questões evitando indução àsrespostas subsequentes e a própria apresentaçãodo questionário

Assim, a despeito da tentativa de verificaçãode indicadores em um processo de mensuraçãoobjetiva da eficácia do programa implementado, ainstrumentação qualitativa da pesquisa se deu pormeio de um questionário que vislumbrou, por meiode questões abertas e fechadas, depreender dosrespondentes os conteúdos ministrados no CRM

correlatos com os Fatores Contribuintes dosacidentes, incidentes e ocorrências de solo. Poroutro lado, a análise da correlação numérica,diagnosticada por meio da freqüência dos FatoresContribuintes presentes nas ocorrências,representou a natureza quantitativa do trabalho depesquisa.

Para realizar o levantamento dos FatoresContribuintes presentes nas ocorrências da aviaçãode helicópteros da FAB, foi solicitada à Divisão deTecnologia da Informação do CENIPA umaconsulta e recuperação em seu banco de dados, detodas as ocorrências com aeronaves de asasrotativas da FAB investigadas no período de 1995a 2006. Nesta fase de coleta, foi identificada umadeficiência nos dados registrados no SIGIPAER:60,3% das ocorrências registradas no período de1995 a 1999 e 15% das registradas no período de2000 a 2006 não tiveram seus Fatores Contribuintesidentificados. Esse fato determinou que seampliasse o escopo da busca, incluindo tambémos dados arquivados na Seção de Prevenção deAcidentes Aeronáuticos da Segunda Força Aérea,para determinar, por meio da cópia dos relatóriosde investigação respectivos, quais os FatoresContribuintes não inclusos no sistema SIGIPAERdo CENIPA. Foi identificado também, que até oano de 1999 não havia critérios para especificar ediferenciar o “incidente grave” dos demais tiposde “incidente”, e que essa nova classificação sópassou a ser aplicada a partir do ano de 2000.

A compilação de todas as informaçõeslevantadas nos bancos de dados do CENIPA e daSegunda Força Aérea, resultaram na identificaçãoda ausência de Fatores Contribuintes para 36% das63 ocorrências registradas no período de 1995 a1999 e 5,8 % das 51 ocorrências registradas noperíodo entre 2000 e 2006, de um total de 114ocorrências aeronáuticas envolvendo aeronaves deasas rotativas da FAB entre 1999 e 2006.

As ocorrências foram distribuídas em doisgrandes conjuntos (pré e pós intervenção), os quaisforam analisados segundo a mesma ótica: tipo deocorrência, suas características e os FatoresContribuintes associados. Essa metodologiapermitiu a verificação empírica de alguma variação

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na freqüência dos Fatores Contribuintesidentificados com o treinamento CRM e a posteriorinferência dos resultados correlatos.

O questionário, auto-administrável e deaplicação direta pelos gerentes do programa CRMem suas organizações, foi projetado para serrespondido em meio eletrônico e retornadodiretamente ao pesquisador por e-mail. Aosrespondentes foi garantida a sua confidencialidade.

A estrutura do instrumento de pesquisa foidividida em duas seções principais, uma voltadapara identificar as características demográficas dosrespondentes e outra focada nos tópicos de CRM.Os dados, depois de ordenados e analisados,serviram para delinear a resposta ao problema depesquisa proposto.

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Em relação às características dos atuais gerentesdo treinamento CRM, verificou-se que todos foramformados como Oficiais de Segurança de Voo entreos anos de 2003 e 2007, tendo, portanto, recebidoa instrução fundamental a respeito do programaCRM em questão. Todos os indivíduos, comexceção de um, possuem menos de dois anos deexercício da função de OSV, sendo que o tempototal na organização variou entre dois e cinco anospara quatro militares, menos de dois anos para ume dois respondentes pertencem há mais de cincoanos ao efetivo de seu esquadrão. Quatro entre seterespondentes (57%) não possuem o curso defacilitador de CRM ministradopelo CENIPA e dois participaramde outros cursos de CRM, além dooferecido pelo CENIPA. Todas asUnidades Aéreas (UAé) possuemo treinamento de CRM implantadoe sua periodicidade é anual, excetopara um esquadrão. Há ainda, ummódulo de instrução para revisãodos conceitos (refreshment), queocorre bi-anualmente em quatrounidades e, anualmente em três.Em cinco dessas organizações, atécnica LOFT é empregada noseu treinamento corrente.

Por meio da questão aberta, na qual foi dada aoportunidade para que cada OSV fizesse seuscomentários livremente, foram elencadas diversasquestões que estão ligadas diretamente àsexpectativas de resultado do treinamento. Umadessas questões foi a ausência de facilitadores naorganização para ministrar o curso, e o excesso deencargos e missões de seu esquadrão que dificultao planejamento do treinamento para atingir todo opúblico alvo da organização. Outra questão, diziarespeito à utilização de novos recursos tecnológicoscomo o programa de simulação MS Flight Simulatorna seção de LOFT. Cinco OSV informaram quenão receberam apoio externo para promover o CRMe três afirmaram que as característicasimplementadas no treinamento decorrem doesforço pessoal do OSV. Em uma única organizaçãofoi identificada uma tentativa de avaliação por meiode uma das fases da “hierarquia da efetividade” deKirkpatrick (aplicação de um questionário para osinstruendos), conforme já descrita anteriormente.

As disciplinas e assuntos ministrados nos cursosde CRM, por cada uma das organizaçõesinvestigadas, encontram-se elencados na Tabela 3.Os esquadrões citados na Tabela 3 foramidentificados aleatoriamente.

Foi identificado que os gerentes do treinamentoCRM são, em sua maioria, oficiais recém chegadosàs Unidades Aéreas, recentemente formados comoOSV e, muitos não possuem o próprio curso defacilitador de CRM, que os capacitaria aodesenvolvimento e ministração do curso. Essas

Tabela 3 - Disciplinas e assuntos ministrados no curso CRM

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deficiências tornam-se relevantes na medida emque, conforme constatado por meio do questionário,são esses indivíduos que imprimem ascaracterísticas e personalizam o treinamento emsuas organizações, segundo o seu própriojulgamento.

A despeito da existência de uma normaorientadora para a condução do CRM, a norma nãoé específica o suficiente para definir os objetivos aserem atingidos, a abrangência do público alvo eas competências a adquirir. Desta forma, todas asorganizações seguem uma orientação genéricaquanto às disciplinas a abordar, a partir do cursodo CENIPA, abrangendo suas quatro grandes áreas(Comunicação, Dinâmica da Tripulação,Consciência Situacional e Processo Decisório) sem,no entanto, haver uma unificação dos conteúdos.Foi identificado que, até mesmo tópicosfundamentais, como gerenciamento do erro ecaracterísticas de liderança, já deixaram de serabordados em algumas organizações.

Por outro lado, apesar das dificuldadesmencionadas, o treinamento vem ocorrendo comregularidade em todos os esquadrões. Algunsbuscam aperfeiçoá-lo com recursos como o LOFT,o uso do programa de simulação Flight Simulator eaté mesmo uma tentativa de avaliação dosresultados do CRM foi apresentada por uma dasorganizações.

Foram registradas nos bancos de dados doSIPAER, 114 ocorrências envolvendo aeronavesde asas rotativas da FAB (Apêndice B), sendo 63no período de 1995 a 1999 e 51 entre 2000 e 2006,

os quais são os escopos temporais delimitados paraesta pesquisa. Tais ocorrências envolveramacidentes, incidentes graves, incidentes eocorrências de solo conforme a classificação doSIPAER e a sua distribuição por períodos pré epós intervenção encontra-se retratada nas figuras1 e 2 respectivamente.

A freqüência dos Fatores Contribuintespresentes nas ocorrências apresentou-se conformedemonstra a figura 3, e os fatores de maiorincidência foram: Deficiente Manutenção,Deficiente Supervisão, Aspectos Psicológicos,Deficiente Julgamento, Deficiente Instrução eFalha de Projeto.

Na comparação entre os dois períodos (1995-1999 e 2000-2006) foi identificado que, apesar dadiminuição no número total de todas as ocorrênciasem especial do número de acidentes, houve oaumento na freqüência de alguns fatoresrelacionados ao CRM tais como AspectoPsicológico (+333%), Deficiente Instrução(+83%), Deficiente Supervisão (+50%) eDeficiente Manutenção (+127%). Houve,entretanto, a diminuição na freqüência de outrosfatores tais como Deficiente Julgamento (-18%),Deficiente Aplicação dos Comandos (-14%),Deficiente Planejamento (-20%) e DeficientePessoal de Apoio (-60%). Não houve variaçãosignificativa nos demais Fatores Contribuintesrelacionados ao CRM.

Há, ainda, um Fator Contribuinte nominado deDeficiente Coordenação de Cabine, o qual nãoabrange suficientemente todos os conceitos

Figura 1 - Ocorrências aeronáuticas com helicópteros da FAB entre 1995e 1999.

Figura 2 - Ocorrências aeronáuticas com helicópteros da FAB entre 2000e 2006.

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abordados pelo CRM mas, mesmo assim, foiconstatado um aumento significativo de ocorrênciasenvolvendo tal fator. É importante mencionar que adespeito da coleta de informações nos bancos dedados do CENIPA e da Segunda Força Aérea, aindaassim, 36% de todas as ocorrências do período de1995-1999 e 5,8% das ocorrências de 2000 a 2006 nãotiveram seus fatores contribuintes determinados.

A flutuação na freqüência dos FatoresContribuintes evidenciou a ausência de uma diretrizclara na perseguição dos objetivos traçados para otreinamento CRM adotado pela FAB. Se por umlado, é possível constatar uma diminuição noaspecto relativo ao julgamento das tripulaçõesenvolvidas em acidentes, por outro, não é possíveldeterminar quais características do AspectoPsicológico influenciaram as tripulações a pontode redundar em aumento da sua influência nasocorrências aeronáuticas. O aumento nas falhas desupervisão e manutenção também evidenciamfalhas nos conceitos do CRM para outras esferas,além da própria cabine de voo.

A ausência na identificação dos FatoresContribuintes por indeterminação de tais fatoresao longo das investigações ou por ocorrências nãoinvestigadas, estiveram presentes em 41,8% de todaa amostra de acidentes, incidentes e ocorrênciasde solo registradas, sendo 36% somente no períodode 1995 a 1999. Essa distorção não permitiu que

Figura 3 - Freqüência dos Fatores Contribuintes.

interpretações mais acuradas pudessem serinferidas a partir dos resultados obtidos.

Em resposta à primeira questão norteadora,verificou-se que, excetuando-se o FatorContribuinte definido como “outros”, 77,7% detodos os Fatores Contribuintes ligados aodesempenho dos tripulantes, e que estiverampresentes nas ocorrências aeronáuticas comhelicópteros da FAB no período de 1995 a 1999,tiveram comportamento análogo ou intensificarama sua incidência após a implantação do treinamentoCRM pelos esquadrões.

Apesar da unanimidade apurada, revelando queas grandes áreas do Programa CRM enfatizadaspelo CENIPA são abordadas pelos esquadrõesinvestigados, o conteúdo ministrado nos cursos deGerenciamento dos Recursos de Tripulantes sãodeterminados pelos próprios gerentes locais, e nãoguardam relação direta com a análise dos FatoresContribuintes ligados às falhas relacionadas aoFator Humano, presentes nas ocorrênciasaeronáuticas nos períodos investigados.

Por fim, quanto à última questão norteadora,identificou-se que os Fatores Contribuintes ligadosao desempenho dos tripulantes foram impactadosde forma absolutamente irregular, não permitindoestabelecer inferências diretas no que tange a umarelação de causa e efeito com a implantação dotreinamento CRM.

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CONCLUSÃO

Como resultado do trabalho de pesquisa,identificou-se que no programa CRM adotado pelaFAB com o aval dos Comandos Operacionais, pormeio de normalização específica, foi facultado acada unidade aérea implementar em seutreinamento o seu programa próprio, adaptado aslinhas norteadoras emanadas pelo CENIPA.Portanto, não foram encontradas organizações queadotassem projetos de curso, métodos de aplicaçãoou formas de avaliação idênticos. A ausência naobrigatoriedade de um currículo-base refletiu-se nasespecificidades de cada usuário, o que resultou noaperfeiçoamento do conteúdo programático emcertos casos e, em outros, propiciou odesvirtuamento dos objetivos originais dotreinamento CRM.

A despeito dessas características presentes nasorganizações, foram identificadas, no conteúdo dotreinamento ministrado, diversas disciplinascomuns àquelas que norteiam os programas deGerenciamento de Recursos de Tripulação ora emuso na aviação mundial, disciplinas essas que vãoao encontro dos conceitos teóricos emanados porO’Connor (2002) e compartilhados por Reason(1997), Wood (2003) e outros autores.

Embora as grandes áreas do Programa CRMenfatizado pelo CENIPA sejam abordadas portodas as unidades aéreas investigadas, como oconteúdo ministrado nos cursos de Gerenciamentodos Recursos de Tripulação, que são determinadospelos próprios gerentes locais, estes não guardamrelação com os Fatores Contribuintes identificadoscom as falhas do Fator Humano, presentes nasocorrências aeronáuticas investigadas. Desta forma,não foi possível afirmar, somente com os dadosapurados, que as teorias sociais estabelecidas porMcGuire (1968), Fishbein (1995) e Bandura (1989)têm influenciado os sujeitos na valorização dosconceitos CRM, direcionando-os a uma mudançacomportamental em prol da segurança de vôo. Poroutro lado, dentre todos os aspectos investigados,a redução na participação das falhas de julgamentoapontam para o aperfeiçoamento do processodecisório, corroborando os achados de Diehl (1991,p. 103). Esse aspecto carece de maior

aprofundamento investigativo, tendo em vista queo Fator Contribuinte Aspecto Psicológico, o qualteve um incremento significativo, também podeabranger características psicológicas ligadas aoprocesso decisório.

Apesar do amplo universo de ocorrências e seusfatores contribuintes correlatos, esta pesquisaidentificou a dificuldade de se estabelecer umsistema de validação do impacto do treinamentoe, consequentemente, um indicador quantitativopara o monitoramento, medição e análise dosprocessos implantados a partir do número deocorrências registradas, confirmando asdificuldades de ordem metodológica citadas porHelmreich, Merritt e Wilhelm (1999, p. 22).

Os resultados auferidos na tentativa deavaliação do impacto do CRM, segundo osprincípios conceituais estabelecidos porKirkpatrick em sua “hierarquia de efetividade” eseu modelo em 4 estágios (reação, aprendizado,comportamento e resultados), citado por MacLeod(2005), não se mostraram efetivos para evidenciaros benefícios alcançados pela Força Aérea e seusesquadrões, como resultado de tal treinamento.Neste sentido, somente com os dados apuradospelo estudo, não foi possível afirmar que a doutrinaCRM encontra-se consolidada no “modus operandi”adotado pelos esquadrões de helicóptero, os quaisresultariam em otimização da cultura de segurançade vôo, respondendo o problema de pesquisaformulado com o intuito de se verificar em quemedida a implantação do programa de treinamentono Gerenciamento dos Recursos de Tripulaçãocontribuiu para o incremento da segurança de vôonos esquadrões de asas rotativas da Força AéreaBrasileira.

A relação do nível de segurança com otreinamento provido pelos esquadrões, redundandoem ações proativas por meio de técnicasinstrucionais que fossem ao encontro dasnecessidades operacionais da Força Aérea Brasileiranão se confirmou. Sob esse aspecto, não há indíciosde que um diagnóstico organizacional, como basepara o projeto de instrução CRM, tenha precedidoa particularização do treinamento em cada uma dasorganizações investigadas.

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Cabe fazer menção às questões identificadascomo relevantes para a pesquisa e para odesenvolvimento do CRM como doutrina adotadapela FAB. Há a necessidade de se expandir a gamade estudos no que se refere aos diferentes tipos deabordagem para a validação do treinamento CRMora aplicado. Com a inexistência de um currículomínimo de disciplinas, bem como a ausência dedefinição quanto às competências desejáveis, otrabalho de avaliação dos resultados do programaCRM torna-se extremamente complexo.

Embora haja evidências sugerindo que otreinamento CRM produz reações positivas nosinstruendos (SILVA, 2007; COUTINHO, 2006;SALAS ET AL., 2001), esta investigação sugereque se ampliem os estudos voltados para aavaliação sistemática e em outros níveis(aprendizado efetivo, mudança comportamental eimpacto para a missão da organização), paraverificar a efetividade do modelo de treinamentoCRM adotado pela Força Aérea Brasileira.

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A ausência de evidências quantitativascorrelatas à efetividade do programa CRM nãoinvalida o esforço dispendido em sua implantaçãoe manutenção. A difusão de informações a respeitodos problemas afetos aos fatores humanos, mesmoque incipiente, denotam o interesse da organizaçãoem propiciar mudanças na cultura interna desegurança de vôo, privilegiando ações quecontemplem os processos de preparo e empregoda força, ao considerar as falhas e limitações dohomem no desempenho de suas atividades.

Cabe, portanto, aos órgãos de planejamento,supervisão e controle das atividades ligadas àprevenção de acidentes, otimizar a doutrina CRMe adequar as ações já implementadas àsnecessidades operacionais impostas pelo ambienteaeronáutico, convertendo todo esse esforço embenefícios práticos para o desenvolvimento damissão atribuída à Força Aérea Brasileira.

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Recebido: 25/03/2009 Revisado: 26/05/2009 Aceito: 23/06/2009

*Tenente Coronel Aviador Márcio José Régis da Silva 1,2

1 Instrutor e Adjunto da Chefia do Curso de Comando e Estado-Maior CCEM2 MBA em Gestão de Processos pela Universidade Federal Fluminense

*Tenente Coronel Aviador Márcio José Régis da Silva 1,2

1 Instrutor e Adjunto da Chefia do Curso de Comando e Estado-Maior CCEM2 MBA em Gestão de Processos pela Universidade Federal Fluminense

*Autor: Márcio José Régis da Silva, Tenente-Coronel Aviador, graduado em educação física pela ESEFEX (1995) e MBA em Gestão de Processos pelaUniversidade Federal Fluminense (2008). É instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica – ECEMAR – RJ e instrutor de voo emhelicópteros. Contato: [email protected]

Prevalência de Cervicalgia em Pilotos de Helicópteroda FAB

Prevalence of Cervical Pain in Brazilian Air ForceHelicopter Pilots

RESUMO

Estudos recentemente publicados têm sugerido que a prevalência de cervicalgias (CV) em pilotos de helicóptero atingiu níveis preocupantes.No intuito de pesquisar como a CV ocorre entre os pilotos de helicóptero (PH) da Força Aérea Brasileira (FAB), o presente estudo tempor objetivo verificar como os fatores de risco: tipo de helicóptero voado, horas de vôo totais dos pilotos, horas de voo com Óculosde Visão Noturna (NVG) e condicionamento físico, exercem influência sobre a prevalência de CV nesses pilotos. Foi aplicado umquestionário em 110 PH, de 5 Esquadrões Operacionais da Força Aérea Brasileira, ao qual responderam 75 desses pilotos. A prevalênciade CV encontrada foi de 21,3%, para um período de 6 meses. A análise estatística descritiva foi utilizada para se interpretar os dadosobtidos e os resultados mostraram que tais fatores de risco, quando observados isoladamente, aparentemente não exercem influênciasobre a prevalência de CV no grupo de pilotos estudados. Contudo, há indícios de que a junção dos fatores horas de vôo totais ehelicóptero voado (H-1H), pode exercer alguma influência sobre esse mal em questão.

Palavras-chave: Prevalência. Cervicalgia. Pilotos de Helicóptero. Militares.

Prevalência de Cervicalgia em Pilotos de Helicópteroda FAB

Prevalence of Cervical Pain in Brazilian Air ForceHelicopter Pilots

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ABSTRACT

Recently published surveys had suggested that cervical pain in helicopter’s pilots reached preoccupying levels. The goal of this paper isto verify how the risk factors such as, type of helicopter, total fligth hours, fligth hours with nigth vision goggles (NVG) and physicalcondition have been factors of influence on the prevalence of cervical pain in those pilots. In the hope of finding the cause of thosepains among the Brazilian Air Force Helicopter Pilots. A questionnaire was applied to 110 HP, from five different squadrons and 75were returned. The predominance founded was about 21.3% for a period of six months. The descriptive statistics was used to analyzethe obtained data and the results which showed that those factors of risk, when observed separately,does not seem to have influenceover that kind of predominance. Although, the association of two factors, the total fligth hours and the type of helicopter, areindicatios that they may cause some influence in that malady.

Keywords: Prevalence. Cervical pain. Helicopter pilots. Military personnel.

INTRODUÇÃO

A Cervicalgia, ou dor no pescoço, é um tipocomum de desordem músculo-esquelética. SegundoFejer et al. (2006), sua prevalência na populaçãomundial é de 50%. Estudos, como os realizadospor Bridger et al (2002) e Sharma e Agarwal (2006),confirmaram que as lombalgias são as queixas maisfreqüentes dentre os problemas de algias vertebrais(AV) que acometem os pilotos. Para os mesmosautores, as cervicalgias ou dores cervicaiscaracterizam-se como sendo a segunda maiorqueixa. A maioria dos estudos relativos aosproblemas de dores cervicais referem-se à aviaçãode caça, pois as queixas dos pilotos sobre dores nopescoço e o grande número de casos de lesões namesma região despertaram o interesse dospesquisadores. Newman et al. (1997), apud Ang(2007), em seu estudo com pilotos de caça da RoyalAustralian Air Force, encontraram uma prevalênciade 85% de casos de cervicalgias entre os pilotosentrevistados, durante toda a carreira dos mesmos.

Em um estudo envolvendo 127 pilotos dehelicóptero da Força Aérea Sueca, Ang (2006)concluiu que a cervicalgia é um mal muito comumentre esses pilotos e cerca de metade dos que delasofriam afirmaram que a mesma exercia influencianegativa em suas missões de voo.

Diante desses dados e pelo fato de a aviaçãode helicóptero na FAB vir, nos últimos dez anos(testemunhado por este autor), incrementando emsua doutrina de emprego missões de Combatesimilar e dissimilar, Navegação entre obstáculos,emprego com óculos de visão noturna (NVG), sefaz necessário realizar pesquisas, em âmbitonacional, que possam avaliar o grau de prevalência

das cervicalgias e suas prováveis conseqüências.Esta necessidade coadunou-se ao fato deste autorter percebido queixas de alguns PH em relação adesconfortos e dores no pescoço e na região altadas costas (ombros), durante ou logo após os vôos.

Dessa forma, o presente estudo identificou adimensão da prevalência de cervicalgias em pilotosde helicóptero da FAB e a influência de algunsfatores de risco, em proveito da oferta de dadospara elaboração de programas de prevenção do malem questão e em prol da melhoria da qualidade devida e do desempenho operacional desses pilotos.O conhecimento obtido possibilitará queprovidências sejam tomadas de modo a atenuar asconseqüências prejudiciais à saúde dos pilotos eàs suas vidas operacionais.

Pelo exposto, optou-se por realizar um estudocom o objetivo geral de: verificar como os fatoresde risco operacionais e os fatores decondicionamento físico influenciam na prevalênciade cervicalgias em pilotos operacionais dehelicóptero da FAB.

1 REVISÃO TEÓRICA

Em relação à prevalência de cervicalgias,Andrew (2000) apud Wosiack (2002), as doresrelacionadas à coluna vertebral afetam cerca de80% da população mundial, sendo que a dorcervical afeta 36% dessa população. Além dapopulação idosa, que naturalmente tem maiortendência a apresentar problemas ósteo-articulares,as pesquisas apontam para um aumento entre ostrabalhadores ativos (CAILLET, 2003). Napopulação adulta saudável,os problemas posturais,ocasionados pela deficiente ergonomia dos postos

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de trabalho, afiguram-se como prováveis agentescausadores de tais dores. Hales et al. (1996), apudWosiack (2002), relataram que, até o momento desua pesquisa, existiam tendências positivas decervicalgias relacionadas com posturas fixas eprolongadas, curvaturas exageradas do tronco,flexão cervical acentuada durante as atividades,fatores ergonômicos inadequados e atividades queenvolvessem vibração do segmento mão-braço.

As sobrecargas mecânicas, para outros estudos,representam fator chave no desencadeamento dasdesordens músculo-esqueléticas, pelo fato deexporem a estrutura suporte e a musculatura dopescoço a sobre-esforços. Para Aranha ePernambuco (2000), as desordens mecânicas sãoas causas mais comuns de cervicalgias. Comoexemplo, Viel e Esnault (2000) citam que a buscapor uma posição da cabeça em retitude, correçãoabusiva da posição naturalmente inclinada à frente,pode desencadear cervicalgias mecânicas. Ainda,para esses autores, os motoristas, os operadoresde máquinas e os pilotos de aeronaves, sãocategorias profissionais expostas constantementea esse fator.

“Os pilotos militares, em especial os da caça eos de helicópteros, são particularmentesusceptíveis a dores no pescoço devido ao uso docapacete e dispositivos de visão noturna porambos” (SENG et al., apud NETTO e BURNETT,2006, p. 1049). Para os pilotos de caça, um dosfatores que mais contribuem para a incidênciadessas dores é a exposição a fortes cargas “+G”,que são experimentadas em vôos de combate.Entre os pilotos de helicóptero, segundo Aydog(2004) apud Ang (2007), parece haver uma maiorprevalência de mudanças degenerativas na regiãocervical do que na região lombar, principalmentequando comparados com os demais pilotos. Assim,por observarem que existiam motivos para sepreocuparem com tais ocorrências, diversospesquisadores procuraram levantar em que grau asalgias vertebrais, em especial, na região cervical,subsistiam entre os pilotos de caça e dehelicópteros.

Alguns estudos internacionais, descritos emseguida, com foco na prevalência e nos mecanismos

causadores desse mal, apresentaram resultados queatestaram quão importante era a magnitude dessasocorrências no seio da comunidade dos pilotos.Newman (1997) apud Ang (2007) reportou umaprevalência de 85% entre os pilotos de Caça daReal Força Aérea Australiana. Dentre esses, 40%informaram que tais dores tinham forte influênciasobre as suas capacidades de cumprir às missõesde vôo. Yoshihara et al. (2000), em estudo sobrelombalgias e cervicalgias em pilotos de Caça daForça Aérea Japonesa, encontraram prevalência dedores cervicais em cerca de 69% dos pilotos de F-15 daquela Força. A maioria dos pilotosentrevistados informaram que as cargas “+GZ”, apostura dos pilotos durante o voo e os movimentosde cabeça e tronco para observar o espaço em tornoda aeronave eram, definitivamente, fatoresimportantes para causarem dores lombares ecervicais.

Em estudos realizados no Brasil, Hypollito(2006) encontrou entre os pilotos de Caça da FABuma prevalência de 23,8% para dores cervicais,ao passo que Da Silva (2005) encontrou apenas7,5% entre os mesmos. Quanto aos helicópteros,alguns estudos sobre algias vertebrais destacam,secundariamente, prevalências de cervicalgias napopulação em questão, em virtude de a lombalgiasempre apresentar taxas bem superiores àquela.

Para Thuresson et al. (2003) o helicópteropropicia condições férteis para que dores nas regiõesda coluna vertebral incidam nos seusaeronavegantes, pela forte vibração vertical e peloposicionamento dos comandos de voo, que fazemcom que o piloto assuma postura assimétrica aopilotar. Caso somem-se a essas variáveis, osobrepeso do capacete/NVG, a tensão dos vôos àbaixa altura ou dos voos por instrumento,provavelmente ter-se-á uma conjugação de fatorescom potencial suficiente para causar sobre-esforço,resultando em fadiga e dor na região cervical.

Bridger et al. (2002) em estudo com pilotos daForça Aérea Inglesa, encontraram uma prevalênciade 80% para dores nas costas, em um período de12 meses. No mesmo estudo foi encontrada umaprevalência de 29% para os casos de cervicalgia.Thomae et al. (1998) apud Ang (2007), em seu

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estudo com pilotos da Real Força AéreaAustraliana, encontraram um percentual de 64%para dores nas costas. Desses, 28% afirmaramsenti-la durante o voo, 55% informaram que asdores interferem em sua concentração durante osvôos e 16% já abortaram missões pelo mesmomotivo. Como estudo voltado exclusivamente paradores cervicais em pilotos de helicóptero, Ang(2007), encontrou uma prevalência para cervicalgiade 57%, em um período de três meses. Desses, 58%afirmaram que tais episódios interferem em suasatividades aéreas.

Este pesquisador, pela amplitude do estudo,selecionou alguns fatores de risco já utilizados porAng (2006), assim distribuídos:

a) associados ao voo (operacionais):• tipo de Helicóptero voado: quatro tipos de

helicópteros diferentes foram utilizados: 1) H-1H(Iroquois); H-34 (Super-Puma); AH-50 Esquilo; H-60, Black Hawk;

• horas totais de voo: três categorias foramusadas: 1) <750 horas de voo (hs) (piloto jovem);2) 750-1500 hs (piloto experiente); 3) >1500 hs(muito experiente);

b) individuais:• condicionamentos aeróbico (corrida de 12

min)/neuromuscular (flexão de braços eabdominal): na tabulação dos dados os pilotosforam classificados conforme o desempenho(apontados pelos mesmos nos questionários) noTeste de Avaliação do Condicionamento Físico2008\1 (TACF), nas categorias: Muito abaixo donormal (MAB), abaixo do normal(ABN), normal(NOR); acima do normal (ACN) e muito acima donormal (MAC), de acordo com tabela contida naICA 54-1.

Dentre os fatores Operacionais, a literaturamostra que, o tipo de helicóptero voado, o tipo devôo realizado, as horas de vôo totais e o uso deNVG podem ser fatores a se levar em consideraçãoem estudos de causas de dores na região dorsal docorpo humano. Além disso, uma condição naturaldos helicópteros - a vibração vertical - podepotencializar esses outros fatores, fazendo com queexacerbem-se os sintomas. Deve-se, então,entender a dinâmica desses mecanismos.

De Oliveira e Nadal (2005) concluíram que asvibrações características dos helicópterosaumentam a carga imposta à coluna vertebral dospilotos, o que pode explicar a alta incidência dedores nas costas e doenças degenerativas vertebraisnesses profissionais.Wikstrom (1994) apudThuresson et al. (2003) mostrou a correlação entreo aumento da carga sobre a musculatura dosombros e do pescoço e a tendência de seaumentarem os problemas nessas regiões apósexposições a vibrações sobre o corpo,especialmente em combinação com posturas nãoneutras de pilotagem.

Pela característica de baixa velocidade deoperação do vetor em estudo, os pilotos militaresde helicóptero são obrigados a voar a baixíssimaaltura e se ocultar por entre o relevo, na tentativade evitar ataques inimigos. Essas missões de vôo abaixa altura geram uma tensão naturalmente maiselevada do que em outros tipos de vôos, pelo fatode os pilotos elevarem o nível de atenção.

Os agentes estressores que mais prejudicam apilotagem de helicópteros são a dor lombar,provavelmente originada pela postura desfavorávele pela vibração da aeronave, e as dores no pescoçoe ombros, geradas, além da postura, pela ansiedade,tensões vinculadas a determinados tipos de missõescom grande exigência técnica tais como: vôos táticos,de emergência, noturno e de instrução (GUIMARÃES,2004, p.8).

Além dos vôos à baixa altura, os vôos porinstrumento, pela adoção, por parte do piloto, deuma postura do pescoço mais flexionada, podem,também, ocasionar fadiga nessa região.Blanchonette et al.(1998) apud Guimarães (2004)concluíram que a alta incidência de dor na regiãodo ombro e do pescoço, causada por umposicionamento desfavorável dos instrumentos,bem como pelo incremento da carga de trabalho eda concentração mental, reduzem a capacidade deatenção do piloto. Segundo Bridger et. al. (2006),em estudo com pilotos de helicópteros da ForçaAérea Inglesa, o vôo por instrumentos apresentoualta correlação com a prevalência de algiasvertebrais (72%), provavelmente pela inclinaçãoda cabeça e tronco dos pilotos ao olharem para osmonitores dos instrumentos de vôo.

Com o advento do NVG, que potencializa aluz existente no ambiente, as missões de vôo a baixa

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altura passaram, também, a ser feitas no períodonoturno. Em países como a Suécia, Estados Unidose Inglaterra, seu uso é intensivo. No Brasil, apesarde ser utilizado há uma década, seu uso ainda éincipiente. Ang (2006) concluiu que o uso dosNVG era um fator de risco considerável para oscasos de cervicalgia entre os pilotos de helicópteroda Real Força Aérea Sueca. Todavia, Thuresson etal. (2003) concluíram que a as posições da cabeçae do tronco parecem exercer mais influência do queo próprio NVG. No Brasil, Cunha (2007), emestudo sobre NVG e fadiga de vôo com tripulantesdo 5º/8º GAV, observou que, durante o voo comNVG, 8% da amostra sentia dores cervicaisfrequentemente e, 33%, as sentia às vezes. Após ovôo, as marcas foram de 4% frequentemente e 54%às vezes, para a mesma dor.

Em relação ao fator helicóptero voado, Sharmae Agarwal (2006), em estudo sobre incidência dedores na região posterior do corpo nos pilotos dehelicóptero da Força Aérea e Exército indianos,concluíram que: embora houvesse diferençasignificativa de percentual de incidência em um dosEsquadrões (80% dos pilotos), o tipo de aeronavenão era o fator-chave e sim o tipo de terreno emque o Esquadrão voava (relevo montanhoso), queelevava a fadiga. Corroborando tal conclusão, Ang(2006) afirmou que o tipo de aeronave voada e atéo numero de horas de vôo totais de cada pilotonão representavam risco significativo naprevalência de cervicalgias.

Alguns fatores individuais costumam pontuarmuitas pesquisas. A respeito do tema Ang (2006)utilizou os seguintes fatores: altura, IMC (Índicede Massa Corpórea), treino aeróbico, treino deforça, histórico de dor cervical e dores em regiõespróximas do pescoço.Esta pesquisa preferiu limitar-se aos fatores relacionados ao condicionamentofísico, deixando os demais para um estudo futuro.Entretanto, quaisquer dados extraídos dosquestionários, que sinalizaram para possíveisinfluências desses outros fatores, foramconsiderados por este autor nas discussões.

No estudo de Simpson (2003) apud Da Silva(2005) realizado com pilotos da aviação geral,nenhuma diferença significante foi encontrada emquaisquer das variáveis de características pessoais

(idade, peso, altura, índice de massa corpórea), entreos pilotos que relataram sentir algia vertebral e osque relataram não senti-la. O aspecto decondicionamento físico e o tipo de atividade físicaque melhor protegeria a região da coluna vertebraldos fatores ambientais e ergonômicos associadosao vôo com helicóptero sempre foram abordados,e suas atuações sempre foram controversas.Alricsson et al. (2004) apud Netto e Burnett (2007)concluíram que exercícios específicos para opescoço podem aumentar significativamente aforça da musculatura do pescoço, quandocomparados aos exercícios neuromusculares paratodo o corpo e aos exercícios aeróbicos”. Ang(2007) concluiu que os pilotos de helicóptero quepraticavam exercícios de força (musculação) pelomenos uma vez na semana, por uma hora,demonstraram menor índice de ocorrência de dorescervicais. Em contrapartida, entre aqueles quepraticavam só exercícios aeróbicos não houveefeitos significativos sobre a prevenção das mesmasocorrências.

2 METODOLOGIA

A presente pesquisa teve como foco os pilotosoperacionais de helicóptero da FAB. Caracterizou-se por uma investigação epidemiológica de naturezaquantitativa e de cunho exploratório, ao verificar aprevalência de cervicalgias em pilotos dehelicóptero da FAB e, após, verificar a influênciade alguns fatores de risco utilizados por Ang (2006)e já consagrados pela literatura como prováveiscontribuintes para as ocorrências de dores vertebraisnos mesmos pilotos.

O questionário aplicado foi similar ao utilizadoem dois estudos no âmbito da FAB (DA SILVA,2005, e HYPOLLITO, 2006), ambos acerca doefeito do vôo sobre a saúde dos pilotos, tendo sidoalteradas e acrescentadas algumas perguntasrelacionadas ao objetivo do estudo. Além disso, foiinserida a figura 1 retratando a região posterior(dorsal) do corpo humano, dividida em áreasespecíficas, conforme modelo do estudo de Ang(2007).

Os sujeitos da pesquisa foram selecionadosdentro do efetivo dos pilotos operacionais de cincoesquadrões: 1º/8º Grupo de Aviação (GAV) (Bell

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Nordeste (climas tropical atlântico e semi-árido);3º/8º GAV, sediado no Rio de Janeiro, realizaprioritariamente, voos com mais de duas horas deduração e em todo o território nacional.; 5º/8ºGAV, sediado em Santa Maria- RS, realiza,majoritariamente, missões com duração em tornode uma hora e na região Sul (clima sub-tropical);7º/8º GAV, sediado em Manaus- AM, realiza, emsua maioria, missões com duração superior a duashoras de vôo e na região amazônica (climaequatorial).

Dos 110 questionários distribuídos aos militaresdos Esquadrões em questão, foram devolvidos 75,uma taxa de participação de 68,2%. Após a análisedos questionários recebidos, todos foram validados.Então, a amostra total do estudo foi formada por75 sujeitos, todos do sexo masculino, com idadesentre 24 e 43 anos.

Após a definição da prevalência por tipo deaeronave/ Esquadrão de voo, os pilotos foramcategorizados por: a) horas totais de voo; b)desempenho no teste físico; c) grupos: comcervicalgia, sem cervicalgia, com algias vertebraise sem algias vertebrais. Para se avaliar se haviaalguma influência do total de horas de voo sobre aocorrência de cervicalgias, confrontaram-se osdados das horas de voo totais com os dados dosgrupos das algias por percentil. Dessa forma pode-se perceber se a diferença existente entre opercentual de pilotos de uma faixa de horas de voo,para um grupo em especial representava resultadoexpressivo.

Os dados de condicionamento físico foramtabulados em função do Esquadrão de voo. Emseguida, foram distribuídos, em três grupos G1(MAB e ABN), G2 (NOR) e G3 (ACN e MAC) eretabulados em função dos grupos das algias.Assim, pode-se observar se o grupo queapresentava cervicalgia tinha um condicionamentofísico, aeróbico e neuromuscular, pior ou melhorque os outros grupos.

Os dados de prevalência dos Esquadrões levaraaos dados de prevalência por aeronave voada. Emfunção do desvio em relação à prevalência média,buscou-se estudar com mais atenção os casos commaior desvio. Ao se fazerem as observações foramconsideradas as seguintes variáveis: o ambiente de

Figura 1: Área do dorso dividida em regiões.Fonte: Ang, B., 2007, p.17.

H-1H),2º/8º GAV (Helibrás AH-50), 3º/8º GAV(Eurocopter H-34), 5º/8º GAV (Bell H-1H), e o 7º/8º GAV (Sykorsky H-60). O 1º/11º GAV, apesar deseus pilotos (n= 20) serem todos operacionais, nãofoi incluído na pesquisa, por ser um Esquadrão deinstrução, onde a maior parte dos vôos não têmcunho operacional. O 2º/10º GAV também nãofoi incluído, porque seus pilotos também pilotamaeronaves de asa fixa, portanto, poderiamcontaminar a amostra. A respeito desse último, omesmo procedimento foi adotado por Ang (2006)em sua pesquisa. Assim, os indivíduos focalizadosnesta pesquisa (110 de um total de 130)representam 85% do total de pilotos operacionaisem ação nos Esquadrões de Helicóptero na FABque, exclusivamente, pilotem tal aeronave. Todosforam voluntários e os procedimentos e utilizaçõesdos dados da pesquisa foram esclarecidos aosmesmos antes do seu início.

Os Esquadrões selecionados possuem asseguintes características operacionais:1º/8º GAV,sediado em Belém, realiza, prioritariamente, vôoscom mais de duas horas de duração e sobre a regiãoamazônica (clima Equatorial); 2º/8º GAV, sediadoem Recife, realiza, prioritariamente, seus voos emmissões com duração de uma hora e na Região

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vôo, características Operacionais do Esquadrão,média de horas de voo por esquadrão dos pilotos econdicionamento físico.

Outro desdobramento refere-se às limitaçõesdesta pesquisa. Pelo próprio método adotado(indutivo), não se podem obter generalizaçõesconclusivas- as conclusões ficarão limitadas aresultados prováveis. Os cinco esquadrõesanalisados voam quatro helicópteros diferentes erealizam perfis de missões de vôo diferentes. Issopode limitar as observações e por conseqüência asconclusões. Outra limitação recai sobre o estudoda influência das horas totais de vôo sobre aocorrência das dores cervicais. Os pilotos maisjovens têm menos horas de vôo, de tal forma quenão se pôde afirmar categoricamente se a influênciarecaiu sobre a idade dos pilotos ou sobre as horasde vôo totais dos mesmos. Também se consideramcomo limitações: 1) o fato de os dados coletados apartir de questionários, uma vez que se baseiamna lembrança dos sujeitos, poderem não refletir arealidade dos fatos pesquisados; 2) o fato de que ador é um fenômeno subjetivo, ou seja, a suapercepção e, subseqüentemente, o seu relato, sãoinfluenciados por fatores sociais e cognitivos,somados à sua presença ou não no momento daresposta (DA SILVA, 1993, apud DA SILVA, 2005,p. 13).

3 RESULTADOS

A seguir, os dados colhidos serão apresentadossob forma de tabela. Em complemento, algumastabelas mais complexas, compostas por disposiçõesdas categorias com os grupos, foram tambémincluídas, por servirem de ajuda à conclusão doprocesso de análise.

Nas tabelas 1, 2 e 3 serão apresentados os dadosrelativos às prevalências de algias vertebrais ecervicalgias nos Esquadrões estudados.

Na tabela 4, os pilotos foram classificados emfaixas de horas de vôo totais. Pilotos jovens (= 750hs), pilotos experientes (>750 e < 1500 hs), pilotosmuito experientes (= 1500 hs) e separados nosseguintes grupos: AM (amostra); AV (com algiasvertebrais); SA (sem algias vertebrais); CV (comcervicalgias); SC (sem cervicalgias).

Na tabela 5, os dados das faixas decondicionamento físico foram confrontados commesmos grupos da tabela anterior.

4 DISCUSSÃO

A prevalência de lombalgia entre os pilotosnesta pesquisa foi similar à encontrada por Da Silva(2005), em torno de 66%, em estudo similar.Todavia, o mesmo autor encontrou índices de 8%e 3,5% para dores torácicas e cervicais,respectivamente, ao passo que este autor encontrouíndices de 17,3% e 21,3% para as mesmasocorrências (tabela 1). Tal fato, em relação àsdiferenças de índice apresentados, pode serindicador de um agravamento do quadro de algiasvertebrais. A prevalência de 21,3% para cervicalgiasfoi inferior à encontrada por Ang (2007), 57%,porém, próxima ao valor encontrado por Bridgeret al. (2002), 29%. O valor também foi semelhanteao encontrado por Hyppolito (2006), 23%, paraos pilotos de caça da FAB.

Quanto à influência do tipo de aeronave (tabela3), percebeu-se que o H-1H apresentou maiorprevalência de CV (26,7%), com o 1°/8°GAVapresentando percentual de 38,5% e o 5°/8°GAV,17,6%. O Esquadrão que voa AH-50, 2/8°GAV,apresentou índice de 22,2% e o que opera o H-60,7°/8°GAV, 18,7%. Observou-se, ainda, que o H-34, operado pelo 3°/8°GAV, apresentou a menorprevalência (9,1%).

Outra condição observada foi a diferença decerca de 20% para a prevalência de cervicalgiasentre esquadrões que operam o H-1H.- 1°/8°GAV,com 38,5% e o 5°/8°GAV, com 17,6% (tabela 3).Uma provável causa reside na condição de que o1°/8°GAV realiza muitas missões comdeslocamentos superiores a duas horas de duração,condição apontada na pesquisa como uma dasmaiores causadoras de dores cervicais (tabela 7),ao passo que o 5°/8°GAV, em geral, executamissões com duração inferior. Entretanto, ao seobservarem os parâmetros de idade média e médiade horas de vôo totais nesses Esquadrões, tabela6, vê-se que o 1°/8°GAV tem uma média de horasde vôo totais de seus pilotos de 1015 horas,enquanto o 5°/8°GAV, 598 horas. Assim, além da

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possibilidade do tipo de missãocitada exercer algumainfluência, a quantidade dehoras totais voadas pelospilotos parece responder,também, pela prevalência deCV bem acima da médiaobservada no 1°/8°GAV.

Em contrapartida, o 7°/8°GAV, operador do H-60,apresentou prevalência de CVem (18,7%), abaixo daprevalência geral (21,3%) erealiza muitas missões de longaduração, em um mesmoambiente que o 1°/8°GAV,além disso, as médias de horastotais e idade dos pilotos deambos os esquadrões é muitosimilar (tabela 6). Diante dessesdados, atenua-se a suspeitasobre o tipo de missão.Todavia, permanecem assuspeitas sobre a conjugaçãodos fatores horas de vôo totaise helicóptero voado (H-1H),para justificar a prevalência do1°/8°GAV.

Quando observadoisoladamente o fator horas devôo totais aparentemente nãoexerce influência sobre aprevalência de tal dor. Adiferença de 2,5% entre ospilotos com menos de 750horas de vôo dos grupos com esem cervicalgia, e a diferençade 3% entre os pilotos commais de 1500 horas para osmesmos grupos (tabela 4)aparentemente são muitopequenas para se despertaremquaisquer suspeitas. Alémdisso, ao se compararem asmédias de horas de vôo dospilotos dos Esquadrões commaior e menor prevalência de

Tabela 3: Prevalência de cervicalgias por tipo de helicóptero (06 meses).

Tabela 2: Prevalência das cervicalgias por Esquadrão de Vôo.

Tabela 1: Prevalência das algias vertebrais por região da coluna vertebral.

Obs: os pilotos poderiam apontar mais de uma região em que sentissem dores.

Tabela 4: Faixas de horas de vôo por grupos.

Tabela 5: Desempenho dos grupos no TACF.

Obs: não foram respondidas as perguntas sobre o desempenho no TACF pelos seguintes percentuais depilotos: AM (4%), AV (1,7%), SA (13,4%), SC (5,1%).

Tabela 6: Características da amostra estudada por Esquadrão (média)

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CV, 1°/8°GAV e 3°/8°GAV, respectivamente com38,5 e 9,1%, vê-se que este último possui cerca de700 horas a mais de média de horas de vôo entreos seus pilotos (tabela 6) e, mesmo assim,apresentou patamar bem menor de prevalência dedor cervical. Esse resultado aproxima-se do estudode Ang (2007), para o qual a quantidade de horasvoadas não exerce influência significativa sobre aprevalência do mal em questão.

Quanto ao uso do NVG, apesar do estudo deCunha (2005) ter relatado incidências de até 54%para dores cervicais após vôo com NVG, no 5º/8ºGAV, este autor não encontrou ligação entre oscasos de cervicalgia desse esquadrão e o uso doNVG, pois os pilotos não acusaram este tipo demissão como causadora dessas ocorrências (tabela9). Deve-se, ainda, levar em consideração que, dosdezessete pilotos entrevistados, apenas nove jáhaviam voado com tal equipamento, e, desses,apenas cinco tinham voado mais do que vinte horas.Portanto, não foi possível afirmar se o uso do NVGpropicia maior prevalência de CV, porque, além daamostra ter sido muito pequena, a quantidade dehoras voadas no ano pelo 5º/8º GAV pode ter sidoinsuficiente para causar tais dores.

Quanto ao condicionamento físico, observou-se que, ao se analisar o percentual de pilotos comcervicalgia e os sem dor cervical, nos diversosníveis do condicionamento físico (tabela 5), oseguinte resultado foi obtido: a) observando-se ogrupo com CV e o grupo SC, percebeu-se índicesmuito próximos em todos os níveis docondicionamento físico, com leve melhordesempenho do grupo com CV; b) comparando-seo grupo AV com o grupo sem algias vertebrais,percebeu-se que o condicionamento desse último

Tabela 7: Você sente dor na região cervical em que situações?

Nota: Os pilotos puderam assinalar mais de uma resposta.

grupo era pior do que o doprimeiro. Vale ressaltar, paraefeitos de estudos futuros, queos pilotos do grupo sem algiasestão, em todos os aspectos doTACF, pior condicionados doque os que apresentam algiasvertebrais e cervicalgias. Tudoisso leva a crer que,provavelmente, não existe

influência dos condicionamentos aeróbico eneuromuscular, nos moldes do TACF, como fatorcoadjuvante para se evitar cervicalgias.

Tal verificação, no aspecto aeróbico corroboraestudos de Ang (2007), para o qual os exercíciosaeróbico têm pouca influência para evitar essasdores. No aspecto neuromuscular, não foramdemonstradas evidências que corroborassem oestudo de Ang (2007), para o qual a prática deexercícios generalizados de força demonstrou serum fator coadjuvante na prevenção de dorescervicais. Vale salientar que, neste estudo, ocondicionamento físico foi quantificado através doresultado de dois exercícios neuromusculares e oteste de corrida de 12 minutos do (TACF), ao passoque, no estudo de Ang (2007), o tipo e aregularidade da prática de atividade físicapraticadas pelos pilotos foram considerados.

CONCLUSÕES

O estudo da influência de fatores de riscooperacionais e individuais sobre a prevalência decervicalgia em pilotos de helicóptero da FABmostrou que, primeiramente, a cervicalgia é ummal a ser considerado, pois a sua prevalência médiaencontrada foi de 21,3% e um dos esquadrõesregistrou 38,5%, todos próximos de valoresencontrados em estudos internacionais. O fatores“helicóptero voado” e “horas de vôo totais”aparentemente não exercem influência sobre talprevalência, quando observado isoladamente.Todavia pode-se afirmar que o modelo H-1H,aparentemente, poderia, em associação com o fator“horas de voo totais”, exercer alguma influência.

Os graus de condicionamento físico aeróbico eneuromuscular, baseados no TACF, aparentemente

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não exercem influência, pois o grupo dos pilotoscom cervicalgia apresentou-se em um nível muitosimilar a amostra total e ao grupo de pilotos semcervicalgia.

Pesquisas futuras devem ser realizadas, nabusca de um maior aprofundamento no assunto ena tentativa de se isolar as variáveis em questão,com o objetivo de buscar resultados maisconclusivos, desenvolvendo ações preventivas ede tratamento da cervicalgia que acomete os pilotosde forma geral.

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ANEXO A – TABELAS DO TACF

Avaliação da resistência muscular dos membros superioresFlexão e extensão dos membros superiores com apoio de frente sobre o solo

(em nº de repetições).Avaliação da Resistência Muscular da Região Abdominal

Flexão do tronco sobre as coxas (nº de repetições em 1 minuto)Avaliação da Capacidade Aeróbica MáximaCorrida ou marcha de 12 minutos (distância em metros percorridos)

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Tópicos de Planejamento Estratégico no Setor deDefesa e na Força Aérea Brasileira

Topics of strategic planning in the defensesector and the Brazilian Air Force

Recebido: 20/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 05/06/2009

*Autor: Luiz Maurício de Andrade da Silva é professor de Planejamento Estratégico e Processo Decisório na Academia da Força Aérea (AFA-Pirassununga/SP), Mestre em Administração de Empresas pela PUC- SP e doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (USP). È pesquisador da Universidadede São Paulo, no Grupo de Pesquisa (CNPq) em Planejamento Estratégico. Contato: [email protected].

RESUMO

O artigo analisa tópicos relativos ao planejamento estratégico do setor de defesa e da Força Aérea Brasileira, como linha de argumentaçãode que, contrariando os axiomas, seria o pensamento estratégico, e não as formas jurídicas de controle dos atos dos administradorespúblicos, que talvez possa servir de ferramenta efetiva na construção do projeto de nação ideal, ainda ausente no caso brasileiro. Tal linhade argumentação se inicia com a contraposição entre o estado burocrático e o estado gerencial, para, em seguida, revisitar a bibliografiaconsagrada de planejamento estratégico, obtendo assim as chancelas do esboço do planejamento estratégico a que se pretende chegar.Uma vez realizada a fundamentação teórica, e discutida a orientação estratégica formulada segundo os pressupostos de Ansoff (1983)e Porter (1989), apresentam-se as conclusões de que o País – no setor aeronáutico e aeroespacial – talvez tenha perdido parte do vigoroutrora conquistado, nos tempos dos pioneiros, fundadores do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e da Embraer. Muitasvariáveis levam à indicação de que ainda se necessita, para que se realize um bom trabalho de vigilância e reconhecimento das imensasfronteiras, e proteção da diversidade de riquezas naturais brasileiras, apreciáveis investimentos em tecnologia aeronáutica e aeroespacial.

Palavras-chave: Planejamento estratégico. Setor de defesa. Aeronáutica. Estado.

Tópicos de Planejamento Estratégico no Setor deDefesa e na Força Aérea Brasileira

Topics of strategic planning in the defensesector and the Brazilian Air Force

*Luiz Maurício de Andrade da Silva - Academia da Força Aérea1,2

1 Professor na Academia da Força Aérea (AFA)2 Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (USP)

Martinho Isnard Ribeiro de Almeida – Universidade de São Paulo3

3 Professor do Departamento de Administração da FEA – USP

*Luiz Maurício de Andrade da Silva - Academia da Força Aérea1,2

1 Professor na Academia da Força Aérea (AFA)2 Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (USP)

Martinho Isnard Ribeiro de Almeida – Universidade de São Paulo3

3 Professor do Departamento de Administração da FEA – USP

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ABSTRACT

This article analyzes topics concerning the strategic planning of the defense sector and of the Brazilian Air Force, as an argument that, contradictingthe axioms, it would be the strategic thought, and not the juridical methods to control the public administrators’ actions, that may serve as effective toolin the construction of the project for an ideal nation, which does not exist in Brazil yet. Such argument begins with the opposition between thebureaucratic state and the managerial state, to, afterwards, revisit the renowned bibliography of strategic planning, obtaining by this way the seals of thesketch to the strategic planning that it is intended to be made. Once the theoretical recital was accomplished, and discussed the strategic orientationformulated according to Ansoff (1983) and Porter´s (1989) assumptions, the conclusions are presented, assuming that the country – in the aeronauticaland aerospacial sectors – may have lost part of the superiority formerly conquered, in the pioneers’ times, founders of the Technological Institute ofAeronautics (ITA) and of Embraer. Many variables indicate that great investments in aeronautical and aerospacial technology are still needed in orderto accomplish a good surveillance and reconnaissance work for the huge borders, and for the protection of the diversity of Brazilian natural resources.

Keywords: Strategic Planning. Defense sector. Aeronautics. State.

INTRODUÇÃO

O presente artigo procura avaliar diversos tópicosrelativos ao planejamento estratégico do setor dedefesa e da Força Aérea Brasileira (FAB), tomandocomo ponto de partida a – já tão discutida –tradicional contraposição entre, por um lado, oEstado burocrático brasileiro (PEREIRA, 2001), e,por outro lado, o Estado gerencial brasileiro(PEREIRA E SPINK, 2005).

Uma vez que a FAB, vinculada diretamente aoMinistério da Defesa (MD), e sendo uma organizaçãomilitar, insere-se em larga medida no modeloconvencional de administração pública, pretende-se,com este trabalho, alargar o espectro daquelacontraposição, a partir de discussões em torno doplanejamento estratégico do setor de defesa e da FAB.

Estas discussões – em torno do planejamentoestratégico dessas instituições – são de caráteracadêmico, não refletindo o planejamento estratégicooficial das instituições, nem a opinião de seucomando superior. As discussões decorrem depesquisas bibliográficas feitas pelos autores desteartigo, e de aulas de planejamento estratégicoministradas aos cadetes dos 4 anos da Academia daForça Aérea, em Pirassununga, São Paulo.

Uma vez coerentemente apresentada a referidacontraposição, que se localiza precisamente na tensãoexistente entre os que defendem uma visão de Estadoweberiano, mais burocrático e controlado, e outrosque defendem uma visão de Estado gerencial apoiadaem exemplos bem sucedidos como o britânico e oneozelandês, recorre-se às questões técnicas, deplanejamento estratégico.

São discutidos alguns dos conceitos maisutilizados no arsenal conceitual de planejamento

estratégico (ANSOFF, 1983; PORTER, 1989), para,ao final, apresentar-se como estudo de caso um esboçodo planejamento estratégico do setor de defesa e daFAB, verificando em que medida este esboço podeajudar nas grandes questões acerca do tipo de Estadoque se quer para a nação brasileira. E, principalmente,sugere-se como hipótese que o planejamentoestratégico coerentemente fundamentado e aplicadopode vir a ser a mais importante “arma” em busca deum Estado ideal.

1 PROBLEMA DE PESQUISA E OBJETIVO

O problema de pesquisa deste artigo é acontraposição entre o Estado burocrático e oEstado gerencial brasileiro. Partindo da hipótesede que um bom planejamento estratégico pode vira se configurar como o mais importante projeto denação ideal, e de que este projeto seria maisimportante do que a miríade de formas jurídicascom que o Estado brasileiro acabou seconfigurando para controlar os atos de seusadministradores, apresenta-se como estudo de casoum esboço do planejamento estratégico do setorde defesa e da FAB, como argumentos de análise.

2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS EM FACE DOPROBLEMA DE PESQUISA E DO OBJETIVOPROPOSTO

Entende-se que a fundamentação teórica paraeste trabalho poderia abordar inicialmente aquestão da contraposição apontada acima, entre oEstado burocrático e o Estado gerencial. Emseguida, entende-se ser necessário revisitar asprincipais escolas de planejamento estratégico,identificando aquelas que nortearão este artigo.

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2.1 O ESTADO BUROCRÁTICO BRASILEIRO E OSEU IDEAL, O ESTADO GERENCIAL

Max Weber, segundo Pierucci (2004), eramovido pela curiosidade que o desafiava a pensarnas razões para o “desencantamento do mundo”(ernüchtern Sie von der Welt). O filósofo alemãoentendia que tal desencantamento era decorrentedo excesso de racionalidade com que nós, sereshumanos, passamos a encarar o mundo, e o mundode nossas relações: humanas?

Ao ver na questão do poder – e suasistematização – a forma mais imediata de mediar,ou buscar o reequilíbrio perdido em nosso excessode racionalidade, Weber apresenta contribuiçõesem torno da discussão do poder nas organizações.E acaba ficando conhecido entre os teóricos dasorganizações como o “pai da burocracia”.

Segundo Pereira (2001), o Estado burocráticobrasileiro foi alicerçado sobre o trinômiopaternalismo, centralização decisória eassistencialismo. O paternalismo para com ocidadão comum veio sendo praticadoprincipalmente através do excesso de regalias aofuncionalismo público e seu sistema previdenciário,que se tornaram mais engessados ainda após apromulgação da Constituição de 1988. Já opaternalismo junto à classe empresarial veio atravésda adoção de uma restritiva política monetáriaapoiada em promessas de grandes obras e políticasde subsídio.

A centralização decisória se apoiou emimbricados esquemas legislativos e jurídicos,permeando os níveis municipal, estadual e federal,sob a tutela deste último, que centraliza e controlaos repasses das arrecadações aos estados emunicípios.

Já o ideal de Estado gerencial seria maisadaptado à globalização, por meio de um eficientesistema político de decisões, com otimização daeficiência produtiva – repassada à iniciativa privadae supervisionada pelo Estado – e concentrar-se-iaprioritariamente em: educação, saúde, segurança esaneamento (PEREIRA; SPINK, 2005).

Não se aborda aqui a questão da diferenciaçãoque é feita entre segurança e defesa, em que asegurança deveria se voltar mais para ameaças à

ordem interna e seria papel dos órgãos de polícia,e a defesa deveria se voltar mais para as ameaçasexternas e seria papel das forças armadas. Entende-se que na enunciação de Estado gerencial feitaanteriormente o conceito de segurança perfaz ospapéis tanto da polícia como das forças armadas.

Há argumentos bem justificados (PEREIRA,2001; PEREIRA; SPINK, 2005) de que acomplexidade das formas jurídicas existentes naadministração pública brasileira, e seu excesso deformalismo para a tomada de decisões, seria a raizmais profunda do quid pro quo em que se tornou aadministração pública no Brasil.

Entre as diferentes formas jurídicas observadasrotineiramente no país, encontram-se:administração direta, administração indireta,empresa pública, empresa estatal, empresa mista,autarquia, fundação, agências reguladoras,contratos de gestão, parcerias público-privadas,organizações da sociedade civil de interessepúblico, entre outras.

Ainda, segundo os mesmos autores, estacomplexidade de formas jurídicas teria sempre umamesma inspiração inicial: controlar os atos dosadministradores públicos. Não algum ideal deeficiência estratégica, somente controle. Mas a durarealidade mostra a corrupção e a má gestão dosrecursos públicos campeando como se nãohouvesse controle algum.

Tudo indica que este quid pro quo (segundo oModerno Dicionário da Língua PortuguesaMichaelis 1998, do latim: ação de confundir umobjeto com outro, de tomar ou dar um objeto poroutro; equívoco, erro, tolice, engano, confusão)poderia ser solucionado mais pela diferenciação daautonomia decisória (decisões estratégicas,operacionais e táticas), e menos pela forma deorganização jurídica das diferentes esferas degoverno. E uma vez que se está falando emdiferentes níveis decisórios, se está falandotambém, inescapavelmente, em planejamentoestratégico.

Há necessidade, ainda, de se promover umareforma administrativa do Estado, através de:reforma fiscal, reforma da previdência e eliminaçãodos monopólios (PEREIRA, 2001).

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Pereira (2001, P.237) afirma: “Seu novo papel(do Estado) é o de facilitar que a economia nacionalse torne internacionalmente competitiva”.

O que é endossado, em nota na mesma página,pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: “Aglobalização modificou o papel do Estado (…) aênfase da intervenção governamental (está) agoradirigida quase exclusivamente para tornar possívelàs economias nacionais desenvolverem esustentarem condições estruturais decompetitividade em escala global”.

Naturalmente a FAB, sendo uma organizaçãopública brasileira, acaba por incorporar em suacultura, talvez até mesmo sem desejar, boa partedas dificuldades da contraposição apontada acima.

Mas, como se disse no início deste trabalho, oque se pretende é alargar o foco destacontraposição, estudando até onde estes elementoscontraditórios poderiam ser mais bem enquadradosatravés do exercício de planejar estrategicamente.

2.2 PRINCIPAIS ESCOLAS DE PLANEJAMENTOESTRATÉGICO

O exercício de planejar estrategicamente foiapresentado por um de seus pioneiros em 1965quando da publicação do livro Corporate Strategy(ANSOFF, 1965).

Iniciava-se uma nova fase na gestão dasorganizações, que deixavam de ser vistas comosistemas fechados, e passavam a ser vistas comoorganismos vivos e de dinâmica interação com oseu meio ambiente.

E isto, é claro, passou a exigir dos dirigentes deempresas uma maior preocupação com o futuro,mais exatamente o futuro de longo prazo.

Como decorrência das idéias fundadoras deAnsoff, pesquisadores da Universidade deStanford, liderados por Albert Humphrey,adaptaram, na década dos 70, um modelo deanálise para o planejamento estratégico conhecidocomo SWOT (strengthness, weaknesses, opportunitiesand threats, ou, no português, segundo traduçãolivre dos autores: forças, fraquezas, oportunidadese ameaças) através do qual a organização, a partirde minuciosa análise que faz dos ambientes

externo e interno, define suas possibilidades deorientações estratégicas, genéricas.

Uma vez caracterizadas as ameaças, asoportunidades, os pontos fortes e os pontos fracos,é proposto um esquema de definição da orientaçãoestratégica genérica (Quadro 1).

Outro modelo importante desenvolvido porAnsoff ficou conhecido como matriz deposicionamento produto-mercado, que passou a serutilizada para a definição das estratégias dasdiferentes unidades estratégicas de negócios (UEs).É uma matriz de dupla entrada, de dois eixos, asaber, produto (atual e novo) e mercado (atual enovo).

Em 1969, George Steiner lança seu livro TopManagement Planning (Steiner, 1969) que inauguraa fase considerada como a escola de planejamento,cujos autores principais foram McNichols (1972),Paine & Naumes (1974) e Glueck (1976).

A escola de planejamento caracterizava-se pelasproposições basicamente analíticas de quedispunha para o exercício de planejamentoestratégico, ou seja, os planejadores deveriam serindivíduos racionais e analíticos que – assessorandoa cúpula das organizações, ou delas participandodiretamente – deveriam praticar o mais tradicionalmétodo científico: quanto mais distantes do objetode estudo, tanto melhor.

Schendel e Hofer (1979), com a publicação dolivro Strategic Management: a new view of business policyand planning , iniciam uma etapa de maiorparticipação de diferentes escalas hierárquicas noprocesso de planejamento estratégico, comproposições de metodologias menos top-down queas anteriores.

No início da década dos oitenta, Derek Abell(1981) apresentou seu modelo de “definição denegócio”, como base para todo o planejamentoestratégico de uma organização, uma vez que seria

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na etapa de definição do negócio que se teria umaproposição sobre a abrangência e o escopo damissão da organização.

O modelo de Abell foi à base conceitual sobrea qual se desenvolveram diversos métodos deanálise de posicionamento de indústrias, sendo queos mais notáveis foram o do Boston Consulting Group(1971), o da McKinsey (HENDERSON, 1979) eo da Arthur D. Little (1974), todas as empresas deconsultoria em estratégia empresarial.

Destes, os mais notáveis e de maior aplicaçãoforam o da Arthur D. Leite (ADL), que ficouconhecido como ciclo de vida de produtos, e o doBoston Consulting Group, que ficou conhecidocomo análise de portfólio de produtos BCG.

O ciclo de vida de produtos da ADL preconizaque as estratégias de uma organização devem levarem consideração o estágio de “vida” dos seusprodutos, que, genericamente passam por cincoestágios: introdução, crescimento, maturidade,saturação e declínio.

Já o preconizado pelo BCG é que – através deoutra matriz dupla entrada – se devem consideraras variáveis “taxa de crescimento do mercado” e“participação relativa da empresa no mercado”.Essa análise conduz, então, ao enquadramento detodos os produtos da empresa em quatro grupos:

Vacas leiteiras – alta participação relativa daempresa no mercado e baixa taxa de crescimentodo mercado.

Estrelas – alta participação relativa da empresano mercado e alta taxa de crescimento do mercado.

Crianças problemas, ou incógnitas – baixaparticipação relativa da empresa no mercado e altataxa de crescimento do mercado.

Abacaxis – baixa participação relativa daempresa no mercado e baixa taxa de crescimentodo mercado.

O modelo da McKinsey foi bastante utilizadono General Electric, e, a partir da mesmaabordagem de posicionamento da situação daempresa através de matrizes, utiliza-se das variáveis“atratividade de mercado” e “posição no negócio”,identificando, assim, as áreas atrativas para o focodos esforços estratégicos.

Deve-se destacar, ainda, um método deplanejamento estratégico que ficou conhecido

como Profit impact of marketing strategies (PIMS), queé uma análise quantitativa, tipo regressão linearmúltipla, que, a partir de dados secundários dediferentes empresas dos Estados Unidos, procurouverificar o impacto das estratégias de marketingnos lucros. Nada mais é que uma regressão quetem como variável dependente o lucro, e comovariáveis independentes as características do setor,da concorrência e do mercado; o volume de vendase os custos.

Na década dos 80, surge algo novo em termosde planejamento estratégico, quando um jovemprofessor de Harvard, Michael E. Porter publicaseu hoje célebre Competitive Strategy (PORTER,1980). Porter lança as bases para a fase deplanejamento estratégico-processo- permanente,que busca, sobretudo, o encontro da organizaçãocom a competitividade em seu ramo de atuação,através de um modelo de industry analysis, com forteinspiração nos conceitos de microeconomia.

Notáveis, também, em suas argumentações(PORTER, 1980) são as variáveis que definem achamada teoria das cinco forças competitivas, quaissejam:

• poder de barganha de clientes;• poder de negociação dos fornecedores;• caráter da rivalidade entre os concorrentes;• barreiras de entrada de novos competidores,

e;• ameaça de serviços ou produtos substitutos.O planejamento empresarial - que

tradicionalmente buscava nas variáveismacroeconômicas suas melhores opções decaminhos estratégicos – hoje tem se voltado maise mais para as influências da microeconomia(BESANKO et al., 2000). Ou seja, é na dinâmicaprópria de um setor produtivo: seus preços, suasquantidades ofertadas e os custos de insumos, quese tem encontrado as melhores opções estratégicaspara as organizações envolvidas num determinadosetor.

A economia dos custos de transação, ocomprometimento dos administradores e a visãodas organizações a partir de seus recursos são ospilares desta nova dinâmica (BESANKO et al.,2000). Em uma palavra: o comportamento de cada

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organização irá determinar o resultado do conjuntode organizações envolvidas no setor como um todo.

Outra corrente teórica é a do planejamentoestratégico baseado em metas. Foi desenvolvidotomando-se por base as recomendações de PeterDrucker, que, em 1954, apresentou suaAdministração por objetivos (APO). Umaadaptação foi apresentada por Kaplan e Norton(1996), que sugerem a elaboração de um plano demetas em três grandes áreas, a saber: perspectivafinanceira; perspectiva dos clientes; e perspectivados processos internos.

Mintzberg (1994; p. 330) declara o “dilema doplanejamento”, que em suas próprias palavras (comgrifos dos autores) seria:

“O dilema do planejamento pode ser resolvidopela combinação destes dois modelos

de pensamento, um largamente representadopelo gestor (intuição, julgamento) e outra, peloplanejador (racional, analítico).”

Segundo Mintzberg (1994) existem três faláciasou fundamental fallacies of strategic planning, que,sustentando o dilema do planejamento, seriam: (a)predeterminação; (b) destacamento, e; (c)formalização. Foge ao objetivo central deste artigoanalisá-las mais detidamente.

Vê-se que o exercício de planejarestrategicamente apresenta um númerosignificativo de opções de estratégias, imenso lequede variáveis a serem estudadas, e críticas pelodistanciamento ainda existente entre o uso doferramental analítico, por um lado, e o subjetivo,do outro.

Drucker (1989: p. 128) apresenta visãocontundente acerca destes questionamentos,argumentando tratar-se de uma evolução naturaldo conhecimento, que se desloca do eixoanalítico-racional representado por Renè Descartesno século XVII, para o eixo da percepção iniciadopela Escola Gestalt na década de 1890:

“ No governo e nas empresas, o planejamentocada vez mais envolve ‘cenários’ nos quais apercepção é o ponto de partida.”

Pode-se constatar que o eixo das discussõessobre o uso de métodos combinados que têm comonorte as questões de competitividade e orientação

estratégica vai se alargando, de tal forma que,recentemente, Kaplan & Norton (1996, p.2),autores citados, de Harvard, oriundos das ciênciascontábeis, afirmam:

“O ‘ Balanced Scorecard ’ traduz a missão e aestratégia de uma organização em umcompreensivo leque de performances desejadas,que proporcionam um quadro de mensuração eavaliação dos sistemas estratégicos e de gestão.”

Assim, uma abordagem de planejamentoestratégico que combina o melhor de todas asabordagens, inclusive com aquilo que diz respeitoà capacidade analítica dos decisores, seria a que sebaseia em formulação de cenários (MENDELL,1985).

No Brasil, merecem destaques os trabalhos deZacarelli (2000), pioneiro nas proposições deanálise da ecologia das empresas e Fischmann &Almeida (1991).

Observa-se que, atualmente, os estudiosos deplanejamento estratégico se defrontam com umverdadeiro arsenal teórico, arsenal este que oferecegrande profusão de abordagens, técnicas e autores.Este artigo apóia-se em idéias fundadorasoriginalmente apresentadas por dois dos principaisautores da área: Igor H. Ansoff (1983) e MichaelE. Porter (1989).

Utilizam-se, para isto, dois conceitos centrais:o conceito de análise ambiental, segundo asprescrições da matriz SWOT, para realização dodiagnóstico estratégico do setor de defesa e daFAB, assim como a sistemática de planejamentoestratégico que sugere a seqüência Diagnóstico /Missão / Objetivos estratégicos / DiretrizesEstratégicas (ANSOFF, 1983; PORTER, 1989;FISCHMANN & ALMEIDA, 2001).

3 O SETOR DE DEFESA E A FAB, SOB A LUZDO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

Analisam-se, com base em documentos comoa Política de Defesa Nacional do MD e a missãoda FAB, algumas questões de planejamentoestratégico destas instituições. Considere-se tratarde tópicos gerais, e que, assim, não esgotamsuficientemente o assunto. Considere-se, ainda,que tampouco se faz – nestes tópicos – algumaalusão a que tal esboço represente o planejamento

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formal ou oficial destas instituições públicas.Como se disse o que se pretende com este esboçoé argumentar a favor da prática do pensamentoestratégico como “ferramenta” de enquadramento,e possível solução, das grandes dificuldades vividasem nosso país.

Inicialmente consideram-se as ameaças,oportunidades, forças e fraquezas que se presentampara o Brasil, para que se possa realizar odiagnóstico estratégico do setor de defesa, segundoa metodologia proposta anteriormente.

Fica bastante evidente, pela predominância –em termos de relevância – de fraquezas por umlado, e oportunidades por outro lado, que opaís deveria ter como orientação estratégicagenérica o crescimento (Quadro 1).

Analisam-se então, alguns aspectos relativos àmissão e vocação brasileiras, especificamente em

questões de defesa e setor aeronáutico. A brevecronologia apresentada na tabela 1 evidencia aforte vocação brasileira para a aeronáutica,representada não apenas pela criação do InstitutoTécnico de Aeronáutica em 1950, e pela criaçãoda Embraer em 1969 (Quadro 2), mas ainda pelamarcante atuação de brasileiros que foramverdadeiros pioneiros da aviação mundial.

O Quadro 3 apresenta os objetivos estratégicose as diretrizes estratégicas brasileiras e da FAB,segundo a Política Nacional de Defesa, do MD, e amissão da FAB, segundo o Comando daAeronáutica.

Fica patente, pelo exame do quadro 2, que oBrasil necessitou – e, o que é mais importante,continua necessitando – de maciços investimentosem projetos de investimentos em tecnologiasaeronáuticas e aeroespaciais, para fazer frente aos

Quadro 2: Diagnóstico Estratégico do setor de defesa do Brasil

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Tabela 1: Missão e vocação brasileiras através de seus pioneiros

Quadro 3: Objetivos e Diretrizes estratégicas de Defesa brasileira, e da FAB.

apreciáveis desafios na área de defesa. Isto porque,além de se dispor de dimensões continentais, deve-se vigiar a Amazônia e suas fronteiras, e ainda umaformidável jurisdição marítima, a chamadaAmazônia Azul, uma zona econômica exclusiva.

Países como os EstadosUnidos da América do Norte,que advogam para si umescopo de defesa planetária,afirmam declarar comoinimigos os países que não semostrarem capazes de vigiaradequadamente seus territórios

(NDS-USA, 2005).Tudo isto sem falar no provimento da segurança

da navegação aérea, que embora já bastante bemequipada, como o Sistema de Vigilância daAmazônia (SIVAM) e o Sistema de proteção da

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Amazônia (SIPAM), exige inversões contínuas denovos recursos, como é o caso do novo Cindactado Atlântico, os veículos lançadores de satélites(VLS), entre outros.

Atualmente uma boa reputação militarconsagra-se para as nações que apresentaremceleridade em lograr êxito no diagnóstico dosefeitos, ou, effects based operations-EBO(HUNERWADEL, 2006), o que requernaturalmente peculiar capacidade de inteligência,vigilância e reconhecimento.

Hoje as operações militares de inteligência,vigilância e reconhecimento baseiam-se emplataformas conhecidas como C4ISR, sigla dostermos em inglês: comando, controle,comunicações, computadores, inteligência,vigilância e reconhecimento.

Para que uma organização militar como a FABcumpra essa missão, é necessário que se domine oquadrinômio (i) satélites, (ii) radares, (iii) propulsãoa jato e (iv) aeronaves não tripuladas (Unmannedaerial vehicles). E o fato é que parece, no casobrasileiro, não se estar tão avançado nessas áreastecnológicas estratégicas, como se esteve emépocas passadas, em posições mais favoráveis,como foi com a Embraer, e ainda é com a Petrobras.

O MD é o órgão de coordenação das ações dasForças Armadas, que funcionam como suasunidades estratégicas. A coordenação ministerialdo MD deve ser capaz de gerar a sinergianecessária entre as armas, como uma holding deum grupo empresarial diversificado. No entanto,o que mais se ouve são discussões sobre se oministro deve ser civil ou militar, quando asquestões fundamentais deveriam ser estratégicas,como o aparato tecnológico e seu domínio, anecessária sinergia entre as unidades estratégicas,e os níveis e tipos de decisões a serem tomadas embusca do mesmo escopo, da mesma orientaçãoestratégica.

CONCLUSÕES

A observação dos fatos ex-post coloca-sesempre diante do imenso risco de se ser simplista,na melhor das hipóteses, ou, com não menosgravidade, e na pior das hipóteses, de se ser

injusto. É muito fácil observar-se hoje como foiacertada a decisão estratégica, tomada nos idosdos anos 50 e 60, de se institucionalizar a pesquisacientífica na área de aeronáutica.

Evidentemente isto dependeu de homensidealistas e de grande visão estratégica, como oMarechal Casemiro Montenegro Filho (MORAIS,2006), mas dependeu também de fortedeterminação e apoio governamental.

Mas a questão que se coloca hoje, e que, nabusca de sua verdadeira resposta pode-se evitarincorrer em simplismo ou injustiças, diz respeitoao tipo de Estado que se quer, e o tipo deinvestimentos em tecnologia de que se necessitapara o setor brasileiro de defesa.

Muitas variáveis levam à indicação de queainda se necessita – para realizar um bom trabalhode vigilância e reconhecimento das imensasfronteiras, e diversidade de riquezas naturaisbrasileiras – de apreciáveis investimentos emtecnologia aeronáutica e aeroespacial. Para sechegar a indicações precisas sobre qual (ou quais)componentes do quadrinômio apontadoanteriormente dever-se-ia concentrar maisincisivamente, necessita-se de um planejamentoestratégico que seja, evidentemente, muito maisprofundo do que os tópicos apontados neste artigo,perpassando ainda discussões acerca do projeto denação que se busca.

Se a história brasileira recente demonstra, porum lado, as grandes dificuldades e, até mesmo, paraalguns, os traumas que decorrem da investida dosmilitares em assuntos políticos do executivo,apresenta, por outro lado, inequívocos acertos emdecisões estratégicas de investimentos que fizeramcom que se logre até hoje posição competitiva, deêxito, em áreas como ciências agrárias, energia eexportação de aeronaves.

As Forças Armadas são responsáveis, nomundo todo, por 50% de todo o investimentorealizado em pesquisas científicas (SAGAN, 2006).Não estaria em tempo de que o Brasilrecuperasse a presença das instituições militaresde pesquisa nas grandes questões deplanejamento estratégico e projeto de nação que

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se quer? Não haveria importante sinergia, atémesmo em questões de violência urbana, noaproveitamento dos sistemas militares C4ISR?

O Brasil precisa crescer, preferencialmenteproduzindo. E para isso necessita de uma estratégiade crescimento que seja o eixo dos investimentosnecessários em todas as suas cadeias de produção,pesquisa e desenvolvimento. Precisa definirinequivocamente suas tecnologias-chave,principalmente, no âmbito das discussões aquicolocadas, no quadrinômio aeroespacial.

Parece não haver, na história das nações bemsucedidas, exemplos que não sejam apoiados empesquisa científica e inovação. Precisa-seuniversalizar o acesso ao estado de bem-estarsocial.

Criticar a política de welfare state (estado de bem-estar social), sem que se conheçam os percalçosda fome e da miséria, soa tão irresponsável comocriticar a física quântica sem que se conheça a físicanewtoniana.

Espera-se que este trabalho tenha sido capazde argumentar favoravelmente na direção da idéiade que o maior desafio, que se apresenta para opaís, é o da necessidade de se ter um bomplanejamento, uma estratégia clara para todos, paraque se saiba para onde se deve navegar.

Muito mais do que se ficar discutindo formasjurídicas de controle dos atos dos administradores.

REFERÊNCIASANSOFF, I. H. Corporate strategy. New York: McGraw-Hill, 1965.

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Liderança Situacional em Missões Aéreas Compostas

Situational Leadership in Composite Air Operations

*Major Aviador Rodrigo Fernandes Santos1,2

1 Chefe da Subdivisão de Execução da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica – RJ2 MBA em Gestão de Processos pela Universidade Federal Fluminense

*Autor: Rodrigo Fernandes Santos, Major Aviador, formado pela Academia da Força Aérea (AFA), é Chefe da Subdivisão de Execução da Escola deAperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica – RJ. Possui MBA em Gestão de Processos pela Universidade Federal Fluminense e líder de esquadão de caça.Contato: [email protected].

Recebido: 24/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 05/06/2009

RESUMO

O uso de missões aéreas compostas, também chamado de emprego em pacotes, consiste na concentração de meios sob coordenaçãounificada em determinado espaço aéreo, com o objetivo de obter superioridade temporária sobre o inimigo. Para que haja maiorsegurança nas operações e unidade de comando na realização da missão, a responsabilidade pelo planejamento e pela execução do vôoé atribuída a um piloto, denominado Líder de Pacote. Atualmente, para atingir essa qualificação, os pilotos são formados sem aabordagem de nenhum modelo teórico de liderança, e o resultado final esperado depende dos comportamentos adotados pelo líderdurante o processo. A fim de contribuir no suporte à evolução doutrinária, a pesquisa teve o objetivo de verificar a aplicabilidade daTeoria de Liderança Situacional à condução de missões aéreas compostas. Os aspectos operacionais do emprego em pacotes sãoconfrontados com os conceitos que indicaram a liderança situacional como base de sustentação do trabalho. O resultado do estudorevela a possibilidade de aplicação da Teoria de Liderança Situacional às missões aéreas compostas e a importância do embasamentoteórico para maior eficiência no emprego do poder aéreo.

Palavras-chave: Liderança situacional. Missões aéreas compostas. Líder de pacote. Poder Aéreo.

Liderança Situacional em Missões Aéreas Compostas

Situational Leadership in Composite Air Operations

RESUMO

O uso de missões aéreas compostas, também chamado de emprego em pacotes, consiste na concentração de meios sob coordenaçãounificada em determinado espaço aéreo, com o objetivo de obter superioridade temporária sobre o inimigo. Para que haja maiorsegurança nas operações e unidade de comando na realização da missão, a responsabilidade pelo planejamento e pela execução do vôoé atribuída a um piloto, denominado Líder de Pacote. Atualmente, para atingir essa qualificação, os pilotos são formados sem aabordagem de nenhum modelo teórico de liderança, e o resultado final esperado depende dos comportamentos adotados pelo líderdurante o processo. A fim de contribuir no suporte à evolução doutrinária, a pesquisa teve o objetivo de verificar a aplicabilidade daTeoria de Liderança Situacional à condução de missões aéreas compostas. Os aspectos operacionais do emprego em pacotes sãoconfrontados com os conceitos que indicaram a liderança situacional como base de sustentação do trabalho. O resultado do estudorevela a possibilidade de aplicação da Teoria de Liderança Situacional às missões aéreas compostas e a importância do embasamentoteórico para maior eficiência no emprego do poder aéreo.

Palavras-chave: Liderança situacional. Missões aéreas compostas. Líder de pacote. Poder Aéreo.

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ABSTRACT

The use of composite air operations consists of the concentration of means under unified coordination in certain air space, with the objective of obtainingtemporary superiority on the enemy. In order to provide more safety in the operations and unit of command in the accomplishment of the mission, theresponsibility for the planning and execution of the flight is attributed to a pilot, denominated Mission Commander. Now, to reach that qualification,the pilots are formed without the approach of any theoretical model of leadership, and the expected final result depends on the behaviors adopted by theleader during the process. In order to contribute in the support to the doctrinaire evolution, the research had the objective of verifying the applicability ofSituational Leadership’s Theory for the conduction of composite air operations. The operational aspects of the flight in packages are confronted withthe concepts that indicated the situational leadership as base of sustentation of the work. The result of the study reveals the application possibility ofSituational Leadership’s Theory to the composed aerial missions and the importance of the theoretical support for larger efficiency in the enforcement ofthe aerial power.

Keywords: Situational leadership. Composite air operations. Mission commander. Air Power.

INTRODUÇÃO

Na noite de 17 de dezembro de 1944, de volta a Pisa,após completar a sua 15a missão, Nero Mouraprovocou seu pessoal: “Vou fazer uma pergunta aquipara vocês. O que nós vamos fazer com a nossaexperiência quando chegarmos ao Brasil?”. Apósdiscutirem o tema, chegou-se ao consenso de quese o Brasil tivesse que se envolver em uma outraguerra, não deveria precisar de tanto tempo para sepreparar, nem tampouco depender de aviõesestrangeiros. Mas para poder contribuir que issoacontecesse, o Grupo não deveria se dispersar. Anosmais tarde, já como Brigadeiro, Nero Moura dizia queo grande feito do 1° Grupo de Caça não foi ter brilhadona guerra, pois isso era a sua obrigação, mas era terintroduzido uma nova doutrina de unidade tática decombate da aviação de caça no Brasil (BARROS;CLARO JUNIOR, 2007, p. 24).

O 1° Grupo de Aviação de Caça (1° GAVCA),quando retornou da 2a Guerra Mundial, trouxe adoutrina de emprego utilizada pelas forças aéreasaliadas para o Brasil. Desde então, seus conceitosforam sendo aprimorados até os dias atuais. Porém,para os aviões de combate, sempre foi importantevoar em formação para prover apoio mútuo eaumento do poder ofensivo (DOUHET, 1988).Assim, o exercício da liderança em voo, na aviaçãode caça da Força Aérea Brasileira (FAB), tornou-se fator fundamental para o resultado final dasmissões.

Embora permaneçam válidas as qualificaçõesde líder de esquadrilha, esquadrão e grupo,consolidadas no processo de elevação operacionaldas unidades aéreas (UAE), surgiu uma novanecessidade nos últimos dez anos. Nesse período,a FAB participou de uma série de intercâmbiosoperacionais que introduziram uma moderna formade aplicação do poder aéreo, concentrando diversosmeios em uma mesma missão. Inicialmentechamado de “emprego em pacotes”, o uso de

“missões aéreas compostas” tem se tornadoconstante no preparo da aviação de caça, a fim depossibilitar a participação em operaçõescombinadas e multinacionais, assim como autilização mais eficiente de seus próprios vetoresaéreos.

O Curso de Líder de Pacote (CLP) foielaborado para preparar os pilotos na condução doplanejamento e na execução de missões aéreascompostas. Entretanto, apesar de apresentar ospassos constituintes do processo e as ferramentasdisponíveis para organização dos dados, não háabordagem no curso sobre teorias de liderança esobre a adequação de cada estilo decomportamento às diversas fases.

Tendo participado como instrutor do CLP apartir de 2003, e exercido a função de oficial deoperações do 1° GAVCA nos anos de 2006 e 2007,o autor presenciou posturas comportamentais quenão obtiveram os resultados esperados ao final dasetapas de planejamento de uma missão aéreacomposta. Como exemplo, em um exercíciooperacional no ano de 2004, uma missão de pacotefoi atrasada em 24 horas pelo Comandante daTerceira Força Aérea (FAE III) porque o líder nãohavia conseguido coordenar as tarefas dentro doprazo estabelecido. Em 2006, um piloto escaladopara ser o líder de um pacote de aeronaves decidiunão liderar a própria esquadrilha por julgar excessivaa carga de trabalho imposta.

Assim, esses fatos apontam para a necessidadede produzir pesquisa científica que balize oscomportamentos adequados ao processo deplanejamento de uma missão de pacote. Com isso,pretende-se analisar a liderança na aviação de caça

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e, em consequência, descrever os resultadosesperados em missões aéreas compostas.

Hersey e Blanchard (1986) apresentam a Teoriade Liderança Situacional, na qual a eficácia do líderdepende da sua adaptação à maturidade dosliderados e à situação que envolve a execução datarefa. Segundo a Teoria de Liderança Situacional,a maturidade dos seguidores não é absoluta edepende da capacidade e da disposição relativas àtarefa (HERSEY; BLANCHARD, 1986). Apesarde Hersey e Blanchard (1977) abordarem o exemplomilitar em situação de combate, o objeto dopresente estudo é aprofundar a análise,considerando as etapas do planejamento de umamissão aérea composta.

A pesquisa busca verificar a aplicabilidade daTeoria da Liderança Situacional às missões aéreascompostas, o que pode facilitar metodologicamentea identificação do comportamento de liderança nasdiversas etapas do planejamento e na execução dovoo.

A ampla aceitação da Liderança Situacionalcomo conceito de validade formal está bemdocumentada (HERSEY; BLANCHARD, 1986).Contudo, não há literatura relacionando-a com oemprego em missões aéreas compostas,corroborando a relevância da pesquisa.

A fim de atingir o objetivo geral de investigarem que medida a Teoria da Liderança Situacional(HERSEY; BLANCHARD, 1986) se aplica nacondução de missões aéreas compostas da FAB,foram estipulados os seguintes objetivosintermediários:

a) descrever as atividades realizadas pelo líderde pacote nas diversas etapas de uma missão aéreacomposta;

b) descrever os conceitos da Teoria deLiderança Situacional, com resumidacontextualização histórica; e

c) abordar a possível aplicação da Teoria deLiderança Situacional à condução de missões aéreascompostas.

A abrangência do estudo está limitada aouniverso dos pilotos das UAE da aviação de caça,por eles exercerem constantemente a atividade deliderança em missões aéreas compostas.

A organização do trabalho encontra-se divididaem seis capítulos. Após a introdução, a metodologiaaplicada à pesquisa é descrita. A apresentação dosaspectos relacionados a uma missão aérea compostacompõe o capítulo posterior, sendo seguida pelaconceituação da Teoria de Liderança Situacional(HERSEY; BLANCHARD, 1986). A aplicabilidadedo modelo à condução das missões de pacote édiscutida na sequência, com a conclusãofinalizando o estudo.

1 METODOLOGIA

Primeiramente, foi realizada uma releitura domaterial existente para o Curso de Líder de Pacote(CLP). As definições das funções e a metodologiapara que o líder conduza o planejamento constamno Manual do Curso de Líder de Pacote (BRASIL,2005a). No entanto, as principais ocorrências queafetaram o resultado das missões anteriores ao cursoestão compiladas na Apostila de Lições Aprendidas(BRASIL, 2005b), tendo como objetivo evitar arepetição de erros já cometidos.

O registro da experiência, mesmo contribuindona consolidação de uma doutrina, não é suficientepara dar suporte ao processo de formação de líderes.A importância de encontrar modelos adequados deliderança está presente em todas as obras literáriassobre o assunto e, conforme Passarinho (1987),“não é aconselhável deixar que a técnica de direçãode homens seja aprendida, paulatinamente, à custade mais ou menos desastrosa experiência de errosacumulados”.

Assim, foram investigadas as fontesbibliográficas que abordam o tema, sendoidentificada a Teoria de Liderança Situacional(HERSEY; BLANCHARD, 1986) como referênciapara o trabalho. Os motivos dessa escolha referem-se à possibilidade do líder reduzir o diagnóstico deambiente a uma variável principal e à capacidadede promover o desenvolvimento dos liderados emcurto espaço de tempo. Quanto mais simples é omodelo de liderança, maior a probabilidade de suaadoção com sucesso pelo líder em uma realidadecomplexa. Para o entendimento das dificuldadesimpostas ao líder, é preciso conhecer os aspectosque envolvem o emprego em pacotes.

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2 MISSÃO AÉREA COMPOSTA

O uso de missões aéreas compostas, tambémchamado de emprego em pacotes, consiste naconcentração de meios aéreos sob coordenaçãounificada em determinado espaço aéreo, com oobjetivo de obter superioridade temporária sobreo inimigo (BRASIL, 2005a). Para o entendimentode como a FAB passou a utilizar essa forma deaplicação de seus vetores, é pertinente uma revisãohistórica.

2.1 HISTÓRICO

O contato inicial da FAB com essa concepçãode emprego ocorreu com o deslocamento do 1°Esquadrão do 16° Grupo de Aviação (1°/16°GAV) para o exercício Red Flag, realizado nosEstados Unidos em 1998. Porém, até o ano de2000, o conhecimento ficou restrito ao ambienteinterno da UAE, apesar da confecção do respectivorelatório final de operação. Por não haver umprocesso sistemático de revisão doutrinária nosníveis operacional e tático, não foi avaliada apossibilidade de atualização na doutrina de empregologo após a experiência ocorrida durante a Red Flag.

No ano de 2000, por iniciativa doscomandantes do 1° GAVCA e do 1°/16° GAV, foiconcebida uma manobra interna a fim de corroborara formação dos novos pilotos em ambas asunidades. Àquela época, os dois esquadrões jáhaviam iniciado um intercâmbio operacional, coma realização de algumas missões com formaçõesmistas de F-5E e A-1 (algo até então inédito).

Assim, foi percebida a oportunidade dereproduzir em escala reduzida a concepçãoencontrada no exercício Red Flag, antes que todosos pilotos que possuíam o conhecimento tivessemsido movimentados do 1°/16° GAV. Inicialmenteconcebida para ser restrita às aeronaves da BaseAérea de Santa Cruz, a “Operação Zeppelin 1”contou com aeronaves F-5E do 1° GAVCA, A-1do 1°/16° GAV, P-95 do 4°/7° GAV, T-27 da 2a

Esquadrilha de Ligação e Observação (2a ELO) eCH-34 do 3°/8°GAV.

Concordando com a necessidade de disseminaro conhecimento adquirido nas “operações empacote”, a FAE III determinou que o 1°/16° GAV

ministrasse o primeiro Curso de Líder de Pacote(CLP) no ano de 2001. No fim do mesmo ano, foirealizada a “Operação Zeppelin 2”, com a presençaadicional de aeronaves de outras UAE, tais comoo F-103 do 1° Grupo de Defesa Aérea (1° GDA) eo KC-130 do 1°/1° Grupo de Transporte (1°/1°GT).

Nesse processo inicial, apenas poucos pilotosforam escalados para assumir a função de lideraras missões aéreas compostas nas manobrasrealizadas. Foram os responsáveis por estruturar oCLP (ou curso de mission commander) e transmitir oque haviam assimilado na Red Flag.

O sucesso dessas iniciativas culminou com aFAE III assumindo a responsabilidade de conduziras demais operações com a aplicação da novadoutrina. Em 2002, foi realizada a OperaçãoSULPAC, como preparativo para a primeiraOperação CRUZEX, exercício de intercâmbiointernacional utilizando missões aéreas compostasem território brasileiro.

Desde então, anualmente, diversas manobrasoperacionais são efetuadas, consolidando oemprego em pacotes como forma ofensiva deutilização dos meios aéreos. Como exemplos, em2008, podem ser citadas a quarta OperaçãoCRUZEX e a segunda participação brasileira naRed Flag, além dos demais exercícios operacionaissob responsabilidade da FAE III.

A estrutura de Comando e Controle tambémfoi aprimorada durante esse período de atualizaçãodoutrinária, incorporando o padrão da Organizaçãodo Tratado do Atlântico Norte (OTAN) nogerenciamento do ciclo decisório e na confecçãodos planos e ordens.

O desenvolvimento dos processos degerenciamento consolidados no Manual deCondução de Operações Aéreas (BRASIL, 2005c)vem ocorrendo de forma sistemática. A realizaçãode intercâmbios no exterior por vários pilotospossibilitou adaptar o conhecimento recebido ànossa realidade. Com isso, a FAB tem evoluídoconstantemente no que tange ao Comando eControle.

Por outro lado, a formação dos líderes dasmissões aéreas compostas vem sendo conduzidaapenas com base na experiência acumulada nos

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exercícios operacionais. Apesar de sugerido pelo1°/16°GAV, quando foi elaborado o primeiro CLP,não houve a preocupação de promover a matrículade pilotos da FAB em cursos similares ouintercâmbios com outras forças aéreas para que onível de conhecimento do assunto aumentasse.

Durante o CLP em 2008, não houve aparticipação de nenhum instrutor com experiênciade liderança em missão aérea composta realizadaem exercício multinacional. O currículo do curso,desde a sua criação, não aborda teorias de liderança,fornecendo apenas a metodologia para oplanejamento no respectivo manual.

2.2 MANUAL DO CURSO DE LÍDER DE PACOTE

O conteúdo deste manual divide-se em trêspartes. Primeiramente, são abordados os aspectosdoutrinários que envolvem a utilização de pacotestáticos de aeronaves. O segundo tópico identificao papel do líder de uma missão de pacote. E, porúltimo, é apresentada a metodologia usada paracoordenar o planejamento de uma missão aéreacomposta.

2.2.1 PACOTE DE EMPREGO TÁTICO

Também denominado missão aérea composta,o pacote é definido pelo Manual do Curso de Líderde Pacote como o “emprego de sistemas de armasdiferentes num plano de ataque para atingir umobjetivo específico” (BRASIL, 2005a).

Ao combinar diversos sistemas de armas parapenetração simultânea do território inimigo,explora-se o princípio da massa, com o aumentodo apoio mútuo entre as aeronaves. Complanejamento coordenado, pretende-se obter asuperioridade aérea momentânea, facilitar aproteção dos vetores importantes, e economizaras plataformas efetuando as missões da tarefa desustentação ao combate previstas na DoutrinaBásica da FAB (BRASIL, 2005d).

O modelo anterior utilizado pela FAB previa oemprego fragmentado dos meios, priorizando osigilo das informações para que nenhuma formaçãode aeronaves conhecesse mais que o seu objetivoespecífico. A mudança de concepção de empregoatende ao conceito de guerra paralela ou ataqueparalelo, em que se pretende atingir vários alvos

importantes ao mesmo tempo, buscando a paralisiaestratégica do inimigo (WARDEN, 1995).

A quantidade de meios concentrados dependede quantos objetivos simultâneos são pretendidose de qual oposição inimiga é esperada. Para quehaja maior segurança nas operações e unidade decomando na realização da missão, aresponsabilidade pelo planejamento e pelacoordenação do pacote é atribuída a um piloto,denominado Mission Commander ou Líder de Pacote.

2.2.2 LÍDER DE PACOTE

É o comandante do pacote, sendo o responsável porconceber e transmitir o planejamento do pacote.Realiza o planejamento centralizado de como opacote executará o vôo propriamente dito, sendo oresponsável principalmente pelo desconflito de todosos componentes do pacote a partir da incursão noterritório inimigo. É quem conduz a execução damissão, determina tarefas e dirige todos os briefings(BRASIL, 2005a, p.11).

A escolha do líder do pacote depende do alvoprincipal a ser atingido. Com o intuito de que sejamantida a prioridade concebida pelo escalãosuperior que ativou a missão, o líder deve pertencerà unidade escalada para o objetivo mais importante.Ademais, o piloto deve possuir os atributos deconhecimento e de experiência necessários para acondução da tarefa.

Para planejar e coordenar a incursão de váriasplataformas com suporte de outras tantas, éessencial conhecer a performance de todas asaeronaves e todos os aspectos doutrinários. O líderdeve ser capaz de obter os danos desejados eminimizar a possibilidade de baixas, com o maiorapoio mútuo possível.

A complexidade do planejamento e daexecução em uma missão aérea composta exigeintenso treinamento prático. Somente com aexperiência, pilotos com conhecimento teóricoadequado adquirem a confiança e a credibilidadenecessárias a conduzir os demais pilotos envolvidosem um cenário real.

O líder de pacote, a fim de transformar asintenções do comando em ações coordenadas parao cumprimento dos objetivos alocados, precisaestar familiarizado com todos os tipos dearmamentos designados, técnicas de emprego ecaracterísticas da oposição inimiga. Deve

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estabelecer procedimentos para separação de rotas,comunicações, alternativas, plano de espera, meiosmínimos para prosseguir na missão e o plano geralda incursão.

Todos os tipos de meios disponíveis em umaoperação podem estar envolvidos em uma únicamissão aérea composta. Assim, a função do líder éobter sinergia na coordenação de aeronavesdistintas, e que são capazes de realizar açõesespecíficas como controle e alarme em voo,reabastecimento, interferência eletrônica, escolta,supressão de defesa, reconhecimento, ataque ouqualquer outra das missões previstas na DoutrinaBásica da FAB (BRASIL, 2005d).

Para coordenar os esforços em prol dosobjetivos da missão, existe uma metodologiaprevista para a condução do planejamento edetalhada no próximo tópico.

2.2.3 PLANEJAMENTO DE PACOTE

A preparação de um líder de pacote inicia-semuito antes de saber para qual missão serádesignado. Além de todo o conhecimento teóricoa ser atualizado, o piloto qualificado a assumir aliderança de uma missão aérea composta devepossuir os auxílios que servem de guia para todasas questões a serem definidas. Com essasferramentas, o líder é direcionado a considerardiversos aspectos na elaboração do plano tático.

Nem tudo depende das decisões do líder depacote. A ordem de acionamento de uma missãoaérea composta contém muitas informações. Nelaconstam um resumo das intenções do comandante;todos os meios alocados, com a missão de cadaum; os armamentos designados; as freqüências decomunicações previstas; os alvos a serem atacados;as condições de silêncio eletrônico; algumas rotaspré estabelecidas; e tudo mais que já tiver sidodefinido no escalão superior (BRASIL, 2005a).

O trabalho inicial do líder escalado é tomarciência dos dados fornecidos e abordar os aspectosainda não definidos, estipulando a tática para ocumprimento coordenado das missões de cadaformação. Para isso, o primeiro passo é conseguirobter uma visão geral do pacote, verificando ospontos de conflito a resolver. Em caso de haver

alguma proposta para alteração da ordem original,o escalão superior deve ser consultado para resolvera questão.

Assim, antes de o líder efetuar o primeirocontato com os líderes das demais formações, énecessário um tempo para que ele elabore suaconcepção tática do pacote. O período desta fase,anterior à primeira reunião, pode variar conformeo tempo programado para todo o ciclo deplanejamento, mas nunca é superior a três horas(BRASIL, 2005a).

O exíguo tempo disponível para transformarintenções em um planejamento eficiente ressalta aimportância de haver um direcionamento das etapasa serem cumpridas. Os auxílios padronizados aserem preenchidos servem para orientar as ações enão permitir que algum detalhe deixe de serobservado.

Para permitir a condução do planejamento, sãoprogramadas três reuniões obrigatórias. Com aabordagem da preparação de cada uma e dosassuntos tratados, tem-se uma boa noção daspreocupações do líder durante as fases do processo.

2.2.3.1 Initial Coordination Meeting

O encontro de coordenação inicial é realizadocom os líderes de todas as formações e com oscomandantes das aeronaves isoladas. Em caso deunidades operando fora da localidade, e não sendopossível a videoconferência, deve haver oficiais deligação para cumprir a função dos líderesimpossibilitados de participar da reunião.

O líder do pacote deve apresentar seu planobásico e descentralizar o planejamento a fim deabranger todos os aspectos do voo. Todos os líderesdas formações precisam compreender oencadeamento do pacote com vistas a planejar asua missão específica.

O plano básico define o fluxo pretendido deaeronaves para o ingresso no território inimigo epara o retorno. A sequência e separação dasformações dependem de uma série de fatores e éresponsabilidade do líder estabelecer a suaconcepção.

Outro tópico a ser considerado é a análise dosalvos a serem atacados. Apesar de todos os líderes

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das formações envolvidas conhecerem seus alvos,podem existir alvos próximos que exijam umacoordenação para evitar riscos desnecessários àsegurança de voo. Assim, o líder do pacote é oresponsável por organizar a separação dos ataques.

Como o pacote concentra vetores para incursãoem determinada área do território inimigo, o planobásico deve contemplar a separação das rotas,definindo limites geográficos para que os líderesplanejem, mesmo que os alvos não sejam tãopróximos. Em caso de formações compossibilidade de navegar com a mesma velocidade,uma boa opção pode ser o planejamento conjunto.

A utilização de todos os meios de apoio(aeronaves de reabastecimento em vôo, controle ealarme em voo, interferência eletrônica, etc.) édelineada, assim como o plano inicial para asaeronaves de escolta.

As intenções do comando e os reportes deinteligência são apresentados, definindoprioridades e meios mínimos para o cumprimentoda missão.

Por fim, o líder deve determinar prazo para opreenchimento dos auxílios que abrangem todasas etapas do voo de cada formação, bem comoestipular horário para o Final Coordination Meeting(BRASIL, 2005a), próxima reunião a ser dirigida.

2.2.3.2 Final Coordination Meeting

O planejamento efetivo das missõesdesenvolve-se entre o Initial Coordination Meeting eo Final Coordination Meeting. Após o término dareunião inicial, cada líder de formação e oscomandantes de aeronaves isoladas cumprem suaparte no plano básico estabelecido pelo líder dopacote, consultando-o em caso de dúvidas ounecessidade de alteração. O líder do pacote devesupervisionar o processo, agendando algumareunião adicional se julgar conveniente. Para quehaja interação adequada, deve ser facilitado ocontato entre todos os líderes envolvidos, mesmoos que estiverem em outra localidade. Dessa forma,o acerto de detalhes ocorre durante todo oprocesso, diminuindo a possibilidade dereplanejamento.

Conforme os dados principais do planejamentode cada missão específica vão sendo aglutinados

nos auxílios preparados pelo líder do pacote, torna-se possível verificar se a concepção inicial estámantida e se há algum ajuste a ser resolvido.

Apesar de o Final Coordination Meeting não serum briefing formal, o líder deve conduzir a reuniãocomo uma prévia do Mass Briefing, verificando setodos os dados foram compilados. Não é necessárioque o líder do pacote dirija toda a apresentação,podendo indicar os especialistas para comentaráreas específicas. Assim, o reporte de inteligência,a tática das aeronaves da escolta, os procedimentospara comunicações, combate SAR (Search AndRescue) e guerra eletrônica podem ser abordadospelos líderes ou pelos comandantes das aeronavesque executarão as missões.

A reunião pode ser interrompida a qualquermomento para esclarecer alguma parte doplanejamento, com o objetivo de que todos tenhampleno conhecimento de como está estruturado opacote. Após todos os aspectos terem sidoabordados e as dúvidas retiradas, o plano éconsiderado finalizado e distribuído a todas asunidades de vôo.

O tempo entre o término da reunião final decoordenação e o Mass Briefing é utilizado para quecada líder estude seu alvo e prepare o briefingespecífico da sua formação.

2.2.3.3 Mass Briefing

O Mass Briefing é realizado com todos os pilotosenvolvidos no pacote. Um dos objetivos éapresentar o plano integral e demonstrar o grau desegurança estipulado para separação das aeronaves,aumentando a confiança de todos os pilotos nocumprimento da missão.

Os pontos mais importantes do planejamentogeral são reforçados, com ênfase nos aspectos queforam objeto de questionamento no FinalCoordination Meeting. Há, também, a atualização dosdados de inteligência e meteorologia que têminfluência no cumprimento da missão.

Diferente das reuniões anteriores, é umaexplanação formal, sem discussões para alteraçãodo plano. Não obstante, as dúvidas deentendimento podem ser retiradas, de forma quetodos os aspectos estejam esclarecidos antes dovoo.

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2.3 EXECUÇÃO DO VÔO DE PACOTE

Após o Mass Briefing, os líderes de cadaformação e os comandantes das aeronaves isoladasrealizam os briefings específicos que abordam osprocedimentos operacionais importantes para suastripulações.

O líder do pacote não tem como supervisionaras atividades dos demais pilotos durante a partidae decolagem, porém deve estipular umprocedimento para verificação de quais aeronavesdecolaram e estão disponíveis para o cumprimentoda missão. A aeronave de controle e alarme emvoo ou o controlador aéreo militar deve manter olíder atualizado sobre os meios mínimos para oprosseguimento do pacote, conforme acertado nobriefing.

A partir do início da missão, cada componentese preocupa com sua parte e podem ocorrersituações diferentes do que foi previsto. Enquantoa composição de aeronaves estiver no alcance deuma aeronave de controle e alarme em voo ou sobcoordenação de um órgão de controle operacionalmilitar, é possível acompanhar a execução damissão e auxiliar nas decisões.

A partir de um ponto, o acompanhamento torna-se impraticável e nem sempre é possível manter aconsciência situacional do cenário. Assim, éfundamental que cada líder tenha conhecimentode tudo que foi planejado e com qual intenção, afim de decidir adequadamente quando não hátempo disponível ou não há a possibilidade deconsulta ao líder de todo o pacote.

Como o líder do pacote deve concentrar-se noobjetivo principal da missão que está sobresponsabilidade da sua formação, mesmo que sejapossível estabelecer comunicação entre os líderes,não se pode presumir que somente com autorizaçãodo líder de pacote ocorram alterações do planoinicial.

Contudo, dependendo da situação e dainfluência no resultado de toda a missão, o líder dopacote deve ser consultado ou informado quandouma mudança significativa for necessária.

Com a compreensão do processo deplanejamento e da execução de uma missão aéreacomposta, chega o momento de tratar da teoria de

liderança escolhida para embasamento destetrabalho.

3 TEORIA DE LIDERANÇA SITUACIONAL

A liderança continua sendo a mais misteriosa dasartes [...] enquanto não soubermos exatamente oque faz com que os homens pulem da trincheira e, àordem de outro homem, avancem enfrentando amorte, a liderança continuará sendo uma dasqualidades mais elevadas e esquivas. Continuarásendo uma arte (STOKESBURY apud WADDELL,1995).

Para que o exercício da liderança assuma maiscaracterísticas de ciência do que de arte, tornandomais fácil a sua assimilação, é essencial suafundamentação em modelos teóricos que permitamaplicação prática. A preocupação com a busca pororientações adequadas acompanhou os grandeslíderes da história, como Napoleão Bonaparte:

Leiam e tornem a ler as campanhas de Alexandre,Aníbal, César, Gustavo, Turenne, Eugene e Frederick.Manter-nos como seus modelos. Este é o único modode se tornar um grande general e dominar a arte daguerra. Com seu próprio gênio iluminado por esseestudo, vocês rejeitarão todas as máximas que seoponham a esses grandes comandantes(BONAPARTE apud METS, 2002).

A ênfase no estudo das habilidades dos líderesbem sucedidos direcionou as primeiras abordagensteóricas que valorizam os traços de personalidadecomo fatores essenciais para uma liderança eficaz.Entretanto, é clara a dificuldade de consolidar quaisqualidades são mais importantes para definir o líderideal.

“E como a boa chefia não é privativa de umdeterminado tipo de personalidade, ‘encontrando-sebons chefes com os mais diversos tiposcaracterológicos’, é evidente que os processos e osatributos sejam assim tão tremendamente múltiplos”.(PASSARINHO, 1987, p. 99).

A diversidade de características pessoaisencontrada nos líderes eficientes não permitesustentar um modelo baseado apenas em suasbiografias. “Embora as aptidões do indivíduopossam revestir-se de certa importância, elasdevem-se combinar com as necessidades epropriedades do grupo para produzir uma liderançaefetiva (HARRISON, 1975).”

Reforçando esta corrente de questionamentos àteoria dos traços, Tennenbaum, Weschler e Massarik(1972, p. 41), citam a obra de Gouldner (1950), que

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analisou uma série de pesquisas baseadas nestemodelo teórico de liderança, subsidiando argumentospara uma conclusão de que ‘não existem provas deconfiança quanto à existência de característicasuniversais de liderança’ (VILANI, 2004, p. 34).

Não sendo possível utilizar traços inatos deliderança como modelos, o enfoque passou paraos comportamentos dos líderes que apresentambons resultados. A abordagem comportamental foidesenvolvida por estudiosos de administração, comobjetivo de melhorar o desempenho dasorganizações. Duas teorias organizacionaisenfatizaram aspectos que influenciam a análise docomportamento dos líderes: a da administraçãocientífica e a das relações humanas.

Frederick Winslow Taylor foi o teórico queestabeleceu os fundamentos da administraçãocientífica. Tornou-se clássico seu estudo de tempose movimentos, como marco de uma concepção cujofoco principal era o aumento da produção. Assim,o líder (ou gerente) preocupava-se apenas com astarefas ou necessidades da organização, não

concentrando sua atenção nas pessoas (HERSEY;BLANCHARD, 1986).

O movimento de relações humanas promovidopor Elton Mayo contrariou os conceitos daadministração científica, ressaltando a importânciado líder preocupar-se com as pessoas. O bomdesempenho da organização seria resultado domaior rendimento das pessoas pela satisfação dosseus próprios objetivos. (HERSEY;BLANCHARD, 1986).

A abordagem comportamental de liderançaassociou o estilo autoritário do líder à preocupaçãocom as tarefas, enquanto o interesse pelas pessoasfoi representado pelo estilo democrático.Complementando os ensinamentos de Taylor eMayo, Tannenbaum e Schmidt (apud HERSEY;BLANCHARD, 1986) teorizaram a existência devários estilos de comportamento que se situamentre os extremos dos líderes autoritários edemocráticos. Esta faixa de estilos decomportamentos está apresentada a seguir:

Figura 1: Contínuo do comportamento de liderança.Fonte: (HERSEY; BLANCHARD, 1986, p. 108).1. O líder toma decisões, apresentadas depois aos seguidores.2. O líder vende a decisão.3. O líder apresenta idéias e pede perguntas.4. O líder apresenta decisão provisória, sujeita a mudança.5. O líder apresenta o problema, recebe sugestões, toma decisão.6. O líder define limites; pede que o grupo tome uma decisão.7. O líder permite que os subordinados funcionem em limites definidos pelo superior.

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É interessante observar que o modelo decomportamento contínuo de liderança representaas possibilidades do líder em uma única dimensão.Dessa forma, não é admitida a hipótese de se adotarum comportamento voltado para as tarefas e paraas relações humanas simultaneamente.

Em Hersey e Blanchard (1986), são descritosos estudos que demonstraram que ocomportamento do líder pode adotar estilos comvárias combinações. A representação do modeloque considera as orientações voltadas para astarefas e para as relações humanas em dimensõesdistintas divide-se em quadrantes:

Ao confrontar os estilos básicos com arealidade, verifica-se que não há um estilo que sejaeficaz em todas as situações. Embora seja possívelclassificar os estilos dos líderes em variadascombinações dos dois tipos de comportamento,falta descobrir como esses estilos relacionam-secom a eficácia.

Segundo Hersey e Blanchard (1986), o estilode liderança é um estímulo que pode apresentarresultados eficazes ou não. A evolução dos estudossobre o assunto chegou à conclusão que não existeum estilo mais eficiente que possa ser empregadoem todos os casos.

É interessante notar que, assim como naabordagem personalística, a abordagemcomportamental permaneceu, até esse ponto, semencontrar um modelo que servisse de orientaçãopara o desenvolvimento da liderança. Dependendode diversas variáveis, os estilos podem ser eficientesem diferentes gradações.

A abordagem situacional surgiu para tentarexplicar quais fatores no ambiente são decisivospara que determinado estilo de liderança seja eficaz.Ao conceber a Teoria de Liderança Situacional,Hersey e Blanchard (1986) consideraram que,embora todas as variáveis situacionais (líder,liderados, superiores, colegas, organização,exigências do cargo e tempo) sejam importantes, aênfase recai sobre o comportamento do líder emrelação aos liderados. Assim, a melhor maneira deinfluenciar indivíduos ou grupos depende de comoas pessoas recebem os estímulos gerados peloslíderes.

Hersey e Blanchard (1986) fixam a maturidadedos liderados como o principal fator situacional paraa escolha do estilo adequado à liderança. Amaturidade é definida como a capacidade e adisposição das pessoas de assumir aresponsabilidade de dirigir seu própriocomportamento. Para a Teoria de LiderançaSituacional, não é considerada a maturidade deforma absoluta e refere-se a determinada tarefaespecífica a ser realizada.

A colaboração principal da Teoria de LiderançaSituacional é reduzir a dificuldade de diagnósticode ambiente, evitando que os líderes tenham que

Figura 2: Estilos básicos de comportamento de líder.Fonte: HERSEY; BLANCHARD, 1986, p. 119.

Com a consolidação desses quatro estilosbásicos de liderança, o modelo adotado passou aser bidimensional, no qual são combinados doistipos de comportamento:

Comportamento de tarefa: é aquele que os líderesadotam para organizar e definir as funções dosmembros do seu grupo (subordinados), explicar asatividades que cada um deve executar e quando,onde e como as tarefas devem ser realizadas;caracteriza-se pelo esforço para estabelecerpadrões bem-definidos de organização, canais decomunicação e meios de conseguir que as coisassejam feitas;Comportamento de relacionamento: éaquele que os líderes adotam para manter relaçõespessoais entre si e os membros do seu grupo(subordinados), abrindo canais de comunicação,providenciando apoio sócio-emocional, “caríciaspsicológicas” e sendo flexíveis com oscomportamentos (HERSEY; BLANCHARD, 1986, p.120).

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considerar inúmeras variáveis para decidir sobrequal postura é adequada.

Os estilos de comportamento do líder passama ser relacionados com o nível de maturidade dosliderados conforme a figura a seguir:

“persuadir” adota comportamento diretivo devidoà falta de capacidade, porém associado ao apoiopara reforçar a disposição e entusiasmo das pessoascom essa maturidade. Os liderados que seencontram nesse estágio geralmente aceitam asdecisões quando entendem as razões dos líderes eestes lhes oferecem alguma ajuda e direção.

No estágio anterior à maturidade ideal, osliderados possuem capacidade para a execução datarefa, mas não têm disposição ou confiançaproporcionais à competência. O líder precisamotivá-los e apoiar os seus esforços para usar acapacidade que já possuem. No estilo“compartilhar”, líder e liderado participam juntosno processo de tomada das decisões, cabendo aolíder o papel de facilitar a comunicação.

Por último, as pessoas psicologicamentemaduras necessitam de pouco apoio edirecionamento para que cumpram suasresponsabilidades. “Delegar” consiste em permitirque os liderados decidam como, quando e ondefazer as tarefas que lhes cabem. Embora aparticipação do líder possa contribuir no processo,o liderado possui maturidade para solicitar apoioapenas quando julgar conveniente.

Para a correta aplicação da liderançasituacional, é preciso avaliar o nível de maturidadedos liderados e comportar-se de acordo com omodelo. Ao considerar os vários contextosorganizacionais, Hersey e Blanchard (1986)abordam a organização militar em duas situaçõesdistintas.

Em circunstâncias de crise, o êxito depende derespostas rápidas, não havendo tempo para discutirou explicar decisões. O treinamento militar gera ocondicionamento para que liderados obedeçam aoestilo diretivo apropriado ao combate. Oscomandantes adotam comportamentos voltadospara as tarefas, com bons resultados.

Fora do ambiente operacional, a abordagemresume-se a ressaltar que, com pessoal de alto níveltécnico e emocionalmente maduro, o estilo maiseficaz é o de delegação. O exemplo trata da áreade pesquisa e desenvolvimento, na qual o nível deformação e a experiência exigem liberdade deatuação.

Figura 3: Liderança Situacional.Fonte: HERSEY; BLANCHARD, 1986, p. 189.

A curva em formato de sino representa o estilode liderança indicado conforme a medida dematuridade dos liderados. As combinações decomportamentos voltados para tarefas e pararelações humanas estão identificados pelas açõescaracterísticas: “determinar”, “persuadir”,“compartilhar” e “delegar”.

No quadrante de maturidade mais baixa,“determinar” significa definir as funções eespecificar o que as pessoas devem fazer; como,quando e onde devem executar várias tarefas. Esseperfil diretivo aproxima-se do estilo autoritário,sendo mais adequado para pessoas que não têmcapacidade nem disposição para alguma tarefa. Éimportante destacar que Hersey e Blanchard (1986,p. 190) consideram a falta de disposição, em muitoscasos, conseqüência da insegurança em relação àtarefa exigida.

O estágio seguinte de maturidade engloba aspessoas que têm confiança em si, mas ainda nãopossuem as habilidades necessárias. O estilo

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Entre os dois extremos assinalados, pode-seinferir que a maioria das instituições militaresaproxima-se das demais organizações, com asmesmas variações situacionais.

Todavia, a condução de missões aéreascompostas apresenta características específicas queexigem uma análise particular sobre seu processode planejamento e sua execução à luz da Teoria deLiderança Situacional.

4 APLICAÇÃO DA LIDERANÇA SITUACIONALEM MISSÕES DE PACOTE

Quando Hersey e Blanchard (1986) comentama aplicação da liderança situacional, afirmam queestá implícita na teoria a ideia de que o líder devecontribuir no desenvolvimento da maturidade dosliderados. É preciso averiguar se existe apossibilidade de aplicação do ciclo de crescimentoda teoria ao processo de condução de missões depacote. Hersey e Blanchard (1986) sustentam queé possível fazer um indivíduo percorrer o ciclocompleto, da baixa maturidade até a maturidadeextremamente alta, em qualquer período de tempo.Essa questão depende da complexidade da tarefae do potencial de desempenho do liderado.

Ao analisar o papel do piloto escalado paracomandar uma missão aérea composta, observa-se o exercício da liderança em dois níveis. Aomesmo tempo em que é responsável por toda acomposição de aeronaves, cabe-lhe a liderança dasua própria esquadrilha, cujo objetivo deve ser omais importante do pacote.

Mesmo não sendo obrigatório, é desejável quepelo menos um dos outros pilotos da esquadrilhaprincipal seja experiente, para que possa conduzira missão em caso de indisponibilidade do líder. Paraa condução do pacote, na falta do líder, tambémexiste um substituto previsto que pode ser de outraesquadrilha e que acompanha de perto todo oplanejamento realizado.

Tanto na concepção tática de todo o pacote,quanto na elaboração do perfil da missão específicade sua esquadrilha, o líder tem a responsabilidadee a competência para considerar os aspectos maisrelevantes e decisivos. Seu esforço deve serconcentrado no trabalho mental, deixando atransformação das intenções em planos para os

demais pilotos. É pertinente um exame preliminarsobre a liderança da esquadrilha, pela influênciaque pode ter na liderança de todo o pacote.

Pela interação natural da convivência noambiente interno de uma UAE, é normal que hajao reconhecimento do poder pessoal, além do poderde posição, pelos componentes da esquadrilha emrelação ao líder do pacote. Com esses pilotos sendocapacitados e estando dispostos a realizar odetalhamento da missão específica, todos oselementos indicam a delegação como uma formaeficiente de liderança.

Ao delegar, o líder consegue dividir sua atençãoentre os aspectos de sua missão específica e os dopacote como um todo. Apesar disso, é convenientesalientar que o líder não transfere a suaresponsabilidade, nem o poder de decisão, a outrocomponente da esquadrilha. O planejamento deveocorrer segundo sua concepção, e a execução dovoo precisa ser guiada pelo líder, que detém maiorcapacidade e experiência.

Cabe ressaltar que o estilo “delegar” não é oúnico adequado para o líder de pacote adotar comos membros de sua esquadrilha. Por fatoresdiversos, os liderados podem não possuir confiançasuficiente na consonância de suas pequenasdecisões com as do líder. O estilo “compartilhar”,apoiando os esforços e facilitando a tomada dedecisão, pode ser apropriado em algumas situações.

Caso os liderados na esquadrilha possuampouco conhecimento, o que significa menor“maturidade”, é provável que o líder tenha que“persuadir” para conseguir explicar suas intençõese convencê-los. Apesar de pouco provável, essasituação passa a influenciar o desempenho naliderança do pacote, já que demanda maior parcelado tempo disponível.

Pilotos com capacidade restrita que obriguemo líder a “determinar” todo o planejamento daesquadrilha inviabilizam a liderança do pacote pelaimpossibilidade da devida dedicação às demaisatividades.

Fica evidente que a adequação do estilosomente é possível conforme o diagnóstico dematuridade seja feito de maneira correta. E, atéaqui, a aplicação da liderança situacional foi

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importante para reforçar a necessidade de alocaçãode pilotos capazes e motivados junto ao líder depacote.

Ao considerar a liderança de todo o pacote, éproveitoso analisar cada etapa do planejamento ea execução da missão propriamente dita.

Apesar de todos os envolvidos conhecerem ospassos do processo de planejamento e tomaremciência de suas missões específicas, cabe apenasao líder conceber o plano tático do pacote. Na fasede elaboração, o substituto eventual do líder dopacote o acompanha e é fácil entender que o estiloideal nessa interação entre os dois é “compartilhar”.O piloto substituto deve ter capacidade paradesempenhar tal função e seu conhecimento ajudao líder na geração do plano. Ou seja, existe“maturidade” de tarefa entre moderada e alta.

O primeiro contato do líder da missão com oslíderes das demais formações ocorre no InitialCoordination Meeting. A fim de refletir sobre asrelações de influência durante o processo, éoportuno comentar sobre o papel duplo dosliderados.

Os líderes de cada formação e os comandantesdas aeronaves isoladas são pilotos experientes ecapazes de conduzir suas missões operacionais. Se,por um lado são responsáveis pela liderança internade suas esquadrilhas ou tripulações, por outro estãoem posição subordinada ao líder do pacote.

No Initial Coordination Meeting, o líder do pacoteinforma quais são suas intenções e pode necessitarde alguns dados das aeronaves para confirmar aexequibilidade de sua concepção. A comunicaçãode como será estruturado o pacote deve ser sucintapara não comprometer o tempo para planejamento.Assim, torna-se necessário um estilo de liderançadiretivo para transmitir todas as informaçõespertinentes e determinar prazos para compilaçãodos dados.

O estilo inicial voltado para as tarefas nãosignifica que será o ideal nos passos seguintes. Naprimeira reunião, as capacidades anteriores dosdemais líderes contribuem pouco porque eles nãoparticiparam da elaboração mental do plano e,dessa forma, estão entre os dois níveis mais baixosde maturidade. Ou seja, possuem pouco

conhecimento voltado para aquela tarefa específica,conforme a Teoria de Liderança Situacional.

Enquanto estão todos presentes, o líder dopacote não deve perder tempo discutindo detalhesespecíficos de uma formação para não prender osdemais liderados desnecessariamente. Assim queas informações gerais forem passadas, éconveniente terminar a reunião inicial e passar atratar dos aspectos que não ficaram esclarecidospara alguns dos liderados. Nessa etapa, não deveser mantido o estilo totalmente diretivo da reuniãoinicial. É preciso ouvir as dúvidas dos demaispilotos e explicar com mais detalhes os motivosque levaram àquele plano. Entendendo as razõesdo líder, é mais fácil aceitar as decisões e iniciar oplanejamento individual. Esse comportamento dolíder enquadra-se no estilo “persuadir” da Teoriade Liderança Situacional.

Durante a continuação do processo, deve haveruma atitude de supervisão e apoio em relação atodos os liderados. É importante que haja um canalde comunicação aberto entre os líderes de cadaformação e o líder do pacote para acerto de detalhesnos planejamentos individuais. Nesses debates, ofoco recai sobre questões operacionais nas quaisos liderados possuem bastante conhecimento,indicando o estilo “compartilhar” como apropriado.

O estado final desejado é que os pilotos tenhamconsciência de todo o pacote de modo quecumpram suas missões sabendo o que as demaisaeronaves estão fazendo. A reunião final, ou o FinalCoordination Meeting, é realizada para verificar setodos os dados estão completos e se a coordenaçãodos meios para obter o maior rendimento foiconseguida. É a última oportunidade de ajustes noplano, requerendo a participação de todos os líderese comandantes de aeronaves isoladas.

É interessante observar que a maturidade dosliderados em relação à tarefa evolui durante oprocesso de planejamento. Todos os envolvidosadquirem a capacidade de explorar suas habilidadesoperacionais de acordo com a concepção do líder,em prol de um objetivo comum. Ao término doFinal Coordination Meeting, os líderes das formaçõese os comandantes das aeronaves isoladas têmcondição de preparar seus briefings específicos e

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devem ter pleno conhecimento da missão a serexecutada.

O Mass Briefing não é uma reunião informal emque os assuntos podem ser discutidos ou alterados.Trata-se de um briefing formal, no qual sãorepassados os aspectos mais relevantes do plano.Todos os pilotos participam e têm a possibilidadede compreender toda a estrutura da missão. Com aapresentação de todos os dados na presença dospilotos, o grau de confiança no resultado aumenta.

A execução do voo de pacote reflete bem opapel duplo dos líderes de cada formação ou doscomandantes das aeronaves isoladas. Váriassituações inopinadas podem ocorrer e as decisõesprecisam ser tomadas rapidamente. É essencial quea concepção completa do plano tenha sidoassimilada, e que a importância de cada meio parao sucesso da missão tenha sido compreendida.Somente assim, os líderes das diversas formaçõespodem ter discernimento para diferenciar asdecisões no seu nível de responsabilidade, as queprecisam ser informadas ao líder do pacote eaquelas em que ele precisa ser consultado. O estilode liderança apropriado corresponde ao “delegar”,no qual os líderes das esquadrilhas possuemmaturidade suficiente para saber quandonecessitam do auxílio do líder de pacote e quandodecidem sozinhos sobre as situações encontradas.

O ciclo de desenvolvimento completoapresentado, passando desde o estilo “determinar”para nível de maturidade baixo até o estilo “delegar”para o nível mais alto, pode necessitar de pequenosajustes. No diagnóstico do ambiente realizado pelolíder do pacote, podem ser identificados líderes deesquadrilhas com diferentes níveis de maturidade,devido a capacidades e experiências variadas.Nesses casos, se o líder de pacote conseguir dedicartratamento diferenciado, pode ampliar a eficiênciada liderança.

Caso exista um líder de uma das formações comconhecimento e experiência semelhantes aos dolíder do pacote, nada impede que seja estimuladauma participação maior desde a elaboração inicialdo plano. “Compartilhar” as decisões com esteliderado acarreta em comprometimento com aconcepção escolhida, transmitindo a todos os

demais integrantes do pacote maior confiança nasolução adotada. Com isso, para os demaisliderados, há a sensação de que a busca pelo melhorplanejamento suplanta a vaidade pessoal do líderde pacote em transparecer que pode realizar tudosozinho.

Por outro lado, durante o processo deplanejamento, o crescimento da maturidade podeacontecer em velocidades desiguais para osliderados. Para que seja atingido o estágio no qualo estilo “compartilhar” é mais indicado, já devehaver uma compreensão do que se pretende comtodo o pacote de aeronaves e qual a funçãoespecífica de cada esquadrilha. Nas consultas sobredetalhes nos planejamentos individuais, o líder depacote pode perceber distorções de entendimento,sendo necessário “persuadir” ou até mesmo“determinar”, caso as intenções de algum lideradoestejam em desacordo com o plano geral.

A liderança em missões aéreas compostasconjuga fatores que mesclam características deatividades estruturadas com outras típicas detarefas únicas. Ao mesmo tempo, os lideradosenfrentam a dubiedade entre a confiança na própriacapacidade e a incerteza de enfrentar desafiosinéditos. Conseguir o melhor resultado de todos osenvolvidos implica em avaliar corretamente o nívelde maturidade para a tarefa a ser realizada e adotaro estilo indicado a cada situação.

Ao aplicar a Teoria de Liderança Situacionalno planejamento e na execução de missões aéreascompostas, foi mostrada a possibilidade deimplementação do ciclo de desenvolvimento dematuridade proposto por Hersey e Blanchard(1986). Com o fito de consubstanciar o trabalho, arevisão final explicita todos os aspectos importantesabordados anteriormente.

CONCLUSÃO

A utilização de missões aéreas compostas,empregando os vetores de forma ofensiva, tornou-se usual na Força Aérea Brasileira. Odesenvolvimento doutrinário operacional temacompanhado o avanço tecnológico promovidopela modernização da frota de aeronaves, e vemsendo apoiado pela experiência em exercícios

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multinacionais. Entretanto, o estudo teórico comosuporte adequado de toda atualização doutrináriatambém é muito importante.

A liderança em missões aéreas compostascumpre papel fundamental para que os resultadosoperacionais alcançados sejam de acordo com osplanejamentos efetuados. O processo de formaçãodos pilotos para essa capacitação de liderançaocorre no Curso de Liderança de Pacote, semembasamento teórico que o sustente. Tendoparticipado de diversos exercícios operacionais como emprego de pacotes, o autor presenciou posturascomportamentais que comprometeram orendimento da liderança, ressaltando a necessidadede maior conhecimento sobre o assunto.

Então, objetivos intermediários foram traçadospara que a pesquisa atingisse o objetivo final deverificar a aplicação da Teoria de LiderançaSituacional às missões aéreas compostas. Após aintrodução do presente relatório fornecer umadescrição sucinta das pretensões do trabalho, ametodologia empregada foi exposta no capítulo 2.

Os aspectos necessários à compreensão de umamissão aérea composta foram abordados nocapítulo 3, atingindo um dos objetivos propostos.Após o histórico, que esclareceu o início deutilização dessa concepção de emprego poraeronaves da FAB, um extrato do Manual do Cursode Líder de Pacote serviu para entendimento dorespectivo processo de planejamento. O ciclo secompletou com as considerações sobre a execuçãodo voo.

Para alcançar outro objetivo, o capítulo 4ressaltou a evolução teórica relacionada à liderançae os pontos da Teoria de Liderança Situacionalvislumbrados como pertinentes à condução demissões aéreas compostas. Considerou-se odiagnóstico de maturidade dos liderados como avariável situacional mais importante nodesenvolvimento da liderança. Em seguida, amaturidade dos liderados foi conceituada segundoa capacidade e a disposição relativas a tarefasespecíficas. Os estilos de liderança foramclassificados em quadrantes compostos porcombinações de comportamentos em duasdimensões. Assim, surgiram quatro ações que

representam os estilos de liderança que devem seradequados a cada nível de maturidade dosliderados.

A visão do autor sobre a aplicação da Teoriada Liderança Situacional nas missões de pacote foiconsolidada no capítulo 5, introduzindo osconceitos de maturidade dos liderados conformeas etapas de planejamento e a execução do voo. Apossibilidade de implementação do ciclo dedesenvolvimento de maturidade proposto porHersey e Blanchard na liderança de pacotes deaeronaves foi demonstrada, com análises sobrediagnósticos possíveis dos liderados.

Com isso, a pesquisa forneceu embasamentoteórico que pode acarretar em melhoresdesempenhos de liderança em missões de pacote,caso o conhecimento seja difundido no universopesquisado. Com a introdução dos conceitos daliderança situacional no CLP, é possível forneceras ferramentas necessárias para que osplanejamentos cumpram os objetivos estabelecidoscom maior eficiência, contribuindo para um eficazemprego do poder aéreo pela FAB.

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Formação de Líderes: uma análise sobre habilidadesessenciais para a formação de líderes de acordo coma abordagem de diferentes autores.

Formation of Leadership: an analysis on essentialabilities for the leadership formation approached bydifferent authors.

*Maria Estela Ferreira Nascimento1,2

1 Professor Adjunto - Academia da Força Aérea - AFA.2 Doutora em Ciências Sociais pela PUC – SP

*Maria Estela Ferreira Nascimento1,2

1 Professor Adjunto - Academia da Força Aérea - AFA.2 Doutora em Ciências Sociais pela PUC – SP

*Autora: Maria Estela Ferreira Nascimento, professora da disciplina de Gestão de Recursos Humanos na Academia da Força Aérea dePirassununga – SP, é Mestre em Engenharia de Produção pela USP – SC e Doutora em Ciências Sociais pela PUC – SP. Contato:[email protected]

Recebido: 25/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 10/06/2009

Formação de Líderes: uma análise sobre habilidadesessenciais para a formação de líderes de acordo coma abordagem de diferentes autores.

Formation of Leadership: an analysis on essentialabilities for the leadership formation approached bydifferent authors.

RESUMO

Cada época reflete uma visão sobre liderança demonstrando as idéias e os valores predominantes desses estágios. A modernização, queatualmente a maioria das organizações tem promovido, leva à análise de qual seria o perfil de liderança necessário, a ser formado, paraconduzir as organizações nessa trajetória para o futuro. Desenvolveu-se um estudo bibliográfico para identificar habilidades necessáriaspara se formar um líder organizacional e que permita que futuros líderes possam refletir sobre aspectos a considerar para o desenvolvimentode sua formação. Para tanto, foram abordados temas, no levantamento bibliográfico realizado sobre: a evolução da liderança e a visãode alguns autores especialistas nesse estudo. Formulou-se, de acordo com a literatura administrativa pesquisada, um quadro dehabilidades necessárias para essa formação, classificado em habilidade pessoal, habilidade grupal e habilidade adaptativa. Complementao trabalho, a sugestão, de que o estímulo a essas habilidades contribuirão para o sucesso do líder.

Palavras-chave: Formação. Liderança. Habilidades essenciais. Aprendizado.

Recebido: 25/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 10/06/2009

*Autora: Maria Estela Ferreira Nascimento, professora da disciplina de Gestão de Recursos Humanos na Academia da Força Aérea dePirassununga – SP, é Mestre em Engenharia de Produção pela USP – SC e Doutora em Ciências Sociais pela PUC – SP. Contato:[email protected]

RESUMO

Cada época reflete uma visão sobre liderança demonstrando as idéias e os valores predominantes desses estágios. A modernização, queatualmente a maioria das organizações tem promovido, leva à análise de qual seria o perfil de liderança necessário, a ser formado, paraconduzir as organizações nessa trajetória para o futuro. Desenvolveu-se um estudo bibliográfico para identificar habilidades necessáriaspara se formar um líder organizacional e que permita que futuros líderes possam refletir sobre aspectos a considerar para o desenvolvimentode sua formação. Para tanto, foram abordados temas, no levantamento bibliográfico realizado sobre: a evolução da liderança e a visãode alguns autores especialistas nesse estudo. Formulou-se, de acordo com a literatura administrativa pesquisada, um quadro dehabilidades necessárias para essa formação, classificado em habilidade pessoal, habilidade grupal e habilidade adaptativa. Complementao trabalho, a sugestão, de que o estímulo a essas habilidades contribuirão para o sucesso do líder.

Palavras-chave: Formação. Liderança. Habilidades essenciais. Aprendizado.

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ABSTRACT

Each era reflects a vision of leadership expressing the prevailing ideas and values of these stages. The modernization, which most organizations havepromoted, leads to an analysis of which leadership profile would be necessary to be formed in order to conduct the organizations into this future path. Abibliographic study was developed to identify the skills necessary to form an organizational leader and to enable future leaders to reflect on the aspects tobe considered for their professional development. In order to succeed in this task, the literature review comprised subjects such as: the development ofleadership and vision of some specialists in this study. According to the searched administrative literature, a table of the necessary abilites for this trainingwas formulated classifying them into personal skill, group ability and adaptive ability. This study is complemented by the suggestion that the stimulusto these skills will contribute to the success of the leader.

Keywords: Training. Leadership. Essential skills. Learning.

INTRODUÇÃO

Os novos desafios impostos pelo mundoglobalizado têm gerado mudanças contínuas queestão impactando diretamente em todas asorganizações, sejam elas públicas ou privadas.Dentro desse contexto, os futuros líderes terão deenfrentar e vencer esses desafios.

O foco, na modernidade, requer a adesão daspessoas para que a organizações prossigam suamissão em parceria com seus colaboradores, e issosomente será possível se houverem líderes capazesde influenciar as atividades dos indivíduos ou dosgrupos para a realização dos objetivos que seguem.E, para que haja uma perfeita atuação, essaliderança requer uma preparação adequada, a quesignifica buscar a utilização, com eficácia, dosrecursos pessoais no cumprimento dasresponsabilidades de bem dirigir uma equipe.

A pessoa que comanda, que dirige, estáinvestida de uma autoridade, porém, seu sucessoem uma organização dependerá de sua atuaçãocomo líder. Fica claro que mesmo em uma posiçãode comando pode-se aumentar a eficiência empapéis de liderança por meio da educação e/ou porprática continuada. Um líder é definido por seucomportamento, assim sendo, acredita-se poder eleser formalmente educado quando estimuladoconstantemente a desenvolver habilidadesnecessárias para a sua atuação. Dentro desseenfoque, a presente pesquisa estabeleceu comoobjetivo analisar as habilidades essenciais para aformação de líderes de acordo com a abordagemde diferentes autores.

As pesquisas literárias na área apresentamdiferentes estudos e teorias de liderança quedestacam aspectos diferentes do contexto

analisado. Dessa forma, por meio dodesenvolvimento de um estudo literário detalhadodos aspectos que interferem na formação de umlíder, com perfil de liderança, capaz de atender àsnecessidades das organizações, direcionou-se aodesenvolvimento de três variáveis básicas queinfluenciam nessa formação, com o propósitoapenas de destacar novas necessidades quecontribuam com o desenvolvimento de líderes.

Essas três variáveis foram descritas emhabilidade pessoal, habilidade grupal e habilidadeadaptativa. Admitindo-se poder o líder,independentemente da corrente teórica, serformado, justifica-se esta pesquisa no sentido dese verificar a formação de líderes com base noestímulo de algumas habilidades essenciais para asua formação.

Com esse estudo, pretende-se deixar umapequena contribuição de habilidades essenciais aserem estimuladas e desenvolvidas no processo deformação de líderes organizacionais.

1 REVISÃO DA LITERATURA1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LIDERANÇA -ABORDAGENS TRADICIONAIS EM LIDERANÇA

Para que se possa compreender melhor aliderança, faz-se necessário antes conhecer asdiversas pesquisas desenvolvidas ao longo dos anos.Escrivão Filho (1995) pesquisou, em sua tese dedoutorado, a evolução histórica das teoriasadministrativas. Este trabalho, representado nesteprojeto pelo quadro a seguir, será utilizado comoguia representativo de movimentos importantes,predominantes em cada fase de evolução dosestudos em liderança. Dessa forma, será possívelidentificar, em cada fase de evolução, fatos queesclareçam as pesquisas realizadas nesses estágios.

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A liderança sempre foi pesquisada partindo-sede uma perspectiva individual do pesquisador eressaltando-se o aspecto do fenômeno maissignificativo para ele.

É possível, ao se percorrer a grande quantidade deestudos e teorias sobre liderança, descobrir que,embora todos eles falem sobre um mesmo assunto,cada um destacou um aspecto diferente a respeitodo contexto e do processo em si mesmo desse tipode relacionamento interpessoal. Mas, aquilo quepermanece claro é que todos esses enfoques emlugar de se contradizerem, complementam-se unsaos outros. (BERGAMINI, 1994, p. 17).

Isso pode ser verificado nas diferentesabordagens das escolas administrativasconsideradas, como se verifica no quadro 1.

No movimento da racionalização do trabalho,período mecanicista, alguns teóricoscaracterizavam a liderança a partir dos traços de

personalidade, com a evolução das teoriasadministrativas, durante o movimento das relaçõeshumanas e do funcionalismo estrutural, a pesquisaem torno da liderança permaneceu dando ênfaseaos traços.

No movimento das relações humanas, omodelo organizacional era o mecanicista,caracterizando os primeiros estudos da psicologiasobre a personalidade humana. Esse fatocaracteriza a ênfase dada nesse período, quanto aoestudo da liderança na teoria dos traços. A ênfasedada aos traços de personalidade permanece nomovimento das relações humanas e no movimentodo funcionalismo estrutural, mesmo com o iníciode pesquisas na Psicologia Social, na sociologia ecom os avanços ocorridos no campo da Engenharia,Psicologia e Administração.

Quadro 1: Evolução Histórica das Teorias Administrativas e o seu impacto para os estudos em liderança.Fonte: ESCRIVÃO FILHO, E. A. A Natureza do trabalho do executivo. 1995. 165f. Tese (Doutorado em Administração)-Universidade Federal de SantaCatarina, Santa Catarina, 1995.

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Na década de 50, com o movimento dossistemas abertos, a liderança passou a ser analisadaa partir de um estilo pessoal específico do líder e,posteriormente, com o movimento dascontingências ambientais, às circunstânciasfavorecedoras da eficácia do líder dentro doambiente.

Com o movimento dos sistemas abertos, váriaspesquisas começaram a surgir, evoluindo da ênfasedada aos traços, para novos estudos no campo dasciências, destacando-se a Biologia, tendo sido degrande contribuição para a implantação do modelosistêmico nas organizações.

Nesse período, inúmeros estudos eexperimentos demonstraram aspectos importantesnão somente a respeito das características, comotambém, com relação à psicodinâmica docomportamento do líder, tendo esse estudocaminhado de teorias mais simples parainvestigações cada vez mais complexas.

No período de 1900 a 1940, o enfoquepredominante era o da Teoria dos Traços,predominado até a década de quarenta, comograndes contribuintes para seu sucesso as pesquisasdesenvolvidas pelos testes psicológicos muitoincrementados a partir de 1920 até 1950.

Nessa teoria, atribuía-se aos chefes traçoscomportamentais característicos que continham,sobretudo, uma conotação mais do tipo moral. Acrítica que se fazia a essa abordagem é de que elase apoiava, tão simplesmente, em opiniões ecrenças pessoais, e não apresentava, atrás de si,uma teoria que fosse passível de comprovaçãoexperimental.

No período de 1940 a 1960, predominava oenfoque sobre os estilos de liderança, passando ahaver, especialmente, uma preocupação com oaspecto que caracterizava mais claramente adinâmica do comportamento do líder, e aidentificação dos tipos de comportamentosadotados.

Alguns programas de pesquisa docomportamento do líder foram levados a efeito pelogrupo da Universidade de Michigan. Por essesestudos identificou-se o estilo de chefia “orientadopara o empregado” e o estilo “orientado para a

produção”. No período de 1960 a 1980 surgiramos enfoques contingenciais quanto à liderança,predominando, então, o movimento dascontingências ambientais com avanços cada vezmaiores nas ciências existentes.

As teorias contingenciais, também conhecidascomo situacionais, exploram variáveis que cercamo processo de liderança, não deixando de lado osdiferentes tipos de comportamentos dos líderes. Oobjetivo a atingir é o de determinar de que formao comportamento de um líder pode influenciar osresultados da interação líder - subordinado.

Os enfoques situacionais foram desenvolvidose outras variáveis favorecedoras ou não das relaçõeslíderes - liderados foram detectados. Essas variáveisconsideram aspectos que fazem parte do ambientedentro do qual o líder esteja agindo.

Hollander (1964 apud BERGAMINI, 1982)pesquisou um esquema para a compreensão do tipode equilíbrio que parece ocorrer entre asexpectativas de um subordinado e as respostas quelhe oferece seu líder. Segundo esse enfoque,portanto, a emergência de um líder não derivaunicamente do seu tipo de personalidade, mas temalgo a ver com outros fatores, tais como as normasem uso pelos grupos.

O principal autor das teorias situacionais deliderança é Fiedler (1981). Seu modelo decontingência aponta três variáveis básicas dasituação: a) relações membros - líder: como são asrelações interpessoais; b) estrutura da tarefa: graude estrutura da tarefa a executar; c) poder deposição: poder e autoridade inerente à posição dolíder.

O enfoque contingencial procura explicar comoa situação na qual o líder se encontra pode interferirno uso eficaz do seu estilo de liderança. De acordocom a teoria, a eficácia da liderança depende tantoda situação em que se encontra o grupo, quanto olíder, isso significa estar, num programa queenvolva somente os aspectos da personalidade dolíder ou somente os aspectos situacionais daorganização fadada ao fracasso.

Pode-se perceber que as variáveis básicas,indicadoras do sucesso do líder, de acordo com aTeoria Contingencial de Fiedler, não incluem

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apenas ter ele: competência interpessoal, mastambém, estar ocupando um cargo com tarefas bemestruturadas e ter poder de acordo com a posiçãoocupada nas organizações.

House (1971 apud BERGAMINI, 1982) aopesquisar a teoria “trilha-meta” de liderança,utilizou o modelo de expectativa da teoriamotivacional de processo, no reconhecimentoexplícito da relação existente entre liderança,motivação e poder. Procura explicar o impacto docomportamento do líder sobre a motivação, asatisfação e o desempenho dos membros do grupo.O comportamento do líder será aceitável para osliderados se for percebido como uma fonte desatisfação imediata ou instrumental à satisfaçãofutura, de acordo com a teoria motivacional deexpectativa. Por outro lado, sempre haverá pressõese exigências ambientais sobre os liderados e sobreo líder em qualquer situação de grupo.

Vroom(1978 apud BERGAMINI, 1982)desenvolveu um modelo normativo de liderança,pesquisado na tentativa de compatibilizar teoria eprática nas tomadas de decisões mais efetivas. Oautor uso uma “árvore de decisão” para relacionara situação ao estilo de liderança adequado. O líderresponde a cada pergunta na árvore de decisão atéencontrar o estilo apropriado a ser usado naquelasituação, desde que atenda aos critérios dequalidade, aceitação e tempo disponível.Nessaabordagem de processo decisório, os estilosadequados de liderança estão em confronto com otipo de problemas e situação.

No período de 1980 a 1995, novas abordagenssobre liderança foram pesquisadas enfocandooutros aspectos até então não analisados.

1.2 FORMAÇÃO DO LÍDER - ABORDAGENSATUAIS EM LIDERANÇA

A literatura em Administração apresenta váriosenfoques acerca da formação de líderes, porém, seconsagram alguns autores que predominaram emseus estudos sobre liderança.

Cada autor vê a liderança sobre um prisma,porém, suas abordagens se complementam no quese refere aos estímulos internos e externosrelacionados com o desenvolvimento de líderes.

1.2.1 LIDERANÇA E CULTURA ORGANIZACIONAL

Qualquer análise da natureza e da motivação,inevitavelmente, leva a uma discussão sobre omodo como os líderes e/ou dirigentes devem lidarcom seus subordinados. Segundo Schein (1982), aliderança é, em parte, um fenômeno cultural,devendo ser analisado dentro de um determinadocontexto cultural, político e sócio-econômico.

De acordo com essa abordagem é pela vivênciadiária do líder dentro da organização, do cargo queocupa, dos critérios e políticos em recursoshumanos, que ele reflete a maneira como éconduzido pela cultura organizacional. Existemvários fatores que interferem e tornam difícil adefinição e análise que dizem respeito àidentificação de quem é “líder”, qual o objetivo daliderança, qual o contexto cultural, qual é a tarefae qual é a fase evolutiva do líder e dos subordinados.“A liderança é em parte, um fenômeno cultural;devemos analisá-la dentro de um determinadocontexto cultural, político e sócio-econômico.”(SCHEIN, 1982, p. 86).

A procura da “liderança” é, de certo modo, umaprocura daquelas características ou daquelescomportamentos que definem esse talento, queproduz algum tipo de esforço adicional por partedos subordinados.

Essa abordagem retrata dois dilemas emliderança que dizem respeito ao modelo ideal deliderança a ser adotado por parte das organizaçõese ao objetivo da influência de um líder.

A maioria das organizações resolve o primeirodilema aproximando-se de um modelo ideal de boaliderança. Já o segundo, pode se referir tanto àinfluência pessoal direta de um supervisor sobreseus subordinados imediatos, quanto à capacidadede influenciar, de outra forma os níveis hierárquicosabaixo de sua cadeia de comando, lidando ou nãodiretamente com subordinados. Por isso, percebe-se que um dos pontos chave desse estudo emliderança está totalmente ligado ao grau e espéciede influência aplicada.

Para esse autor a definição da “boa liderança”,usualmente, reflete os contextos históricos, sociaisou culturais em que a análise é conduzida,refletindo não somente o que se pensa a respeito

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da natureza humana, como também as influênciasideológico políticas e sócio econômicas onde estaliderança está sendo exercida.

O problema de se analisar a questão da liderançatorna-se ainda mais complexo quando um númerolimitado de pessoas tem as particulares qualidadespessoais (carisma) capazes de despertar intensoapoio emocional por parte dos subordinados numdeterminado momento e lugar. Para descobrirlíderes não basta encontrar indivíduos carismáticosou ensinar as pessoas a se tornarem carismáticas.

Mas essa suposição ignora o fato de que muitostipos de organizações não comportam tarefas oumissões capazes de despertar elevados níveis deenvolvimentos, e que a presença de um lídercarismático não transformaria em organizaçãonormativa uma organização fundamentalmenteutilitária como uma companhia manufatora detêxteis ou uma repartição do governo. A liderançaé, pois, em parte, um fenômeno cultural e se deveanalisá-la dentro de um determinado contextocultural, político e sócio-econômico.

A liderança consiste em harmonizar entre si ascaracterísticas pessoais do líder, as dossubordinados, a natureza da tarefa e a situação quea circunda. O comportamento de liderança,adequado e eficaz, varia em função do grau emque um líder e um determinado grupo desubordinados aprenderam a trabalhar em conjunto.A fase evolutiva do grupo liderado e a “maturidade”do relacionamento entre líder e subordinadosdeterminam limitações e oportunidades aocomportamento do líder.

1.2.2 O APRENDIZADO EM LIDERANÇA

Essa abordagem ressalta como fundamentalpara a formação de um líder a formação pessoal.Aspectos levantados em sua abordagem estãomuito voltados abordagem da inteligênciaemocional descrita por Goleman (1996), quedestaca a importância de se aprender a gerenciarsuas próprias emoções para destacar tanto noâmbito profissional, quanto no âmbito pessoal.

Bennis (1996) enfatiza que a educação formale informal é essencial para a formação de um líder,porém, que o sucesso de um líder dependerá dabusca que impuser a si mesmo para o seu o auto-

desenvolvimento, pois , para dirigir pessoas antesprecisa aprender a conduzir a si mesmo.

Nessa visão, conduzir a si mesmo implica emconhecer as suas forças e fraquezas, suas limitaçõese potencialidades, pois o verdadeiro líder sabe oque quer, bem como, a maneira de obter cooperaçãoe apoio de sua equipe para atingir seus objetivos.E isso é possível, pelo fato de entender a si mesmoe ao mundo, e de se permitir sempre estaraprendendo com as lições da própria vida e dasexperiências nela contidas.

Líderes são pessoas capazes de se expressarplenamente, sabendo quais são suas forças efraquezas e como empregar integralmente aquelaspara compensar estas. Também sabem o que e porque querem, e como comunicar o que querem aosoutros, obtendo cooperação e apoio. (BENNIS, 1989,p. 14).

Assim, dentro dessa linha de pensamentotornar-se um líder envolve um processo de buscapessoal no intuito de tornar-se um ser humanopleno. Assim, embora se possa identificar em muitaspessoas capacidade de liderança, fica claro que nemtodas serão necessariamente líderes um dia, poislhes falta a vontade de mudar e de desenvolverseu potencial.

O grande diferencial dessa abordagem está,portanto, no fato de que para se obter êxitodirigindo outras pessoas, antes o indivíduo precisaoptar por dirigir a si mesmo. Bennis (1956 apudMOSCOVICI, 1985) que um líder aprende com opassado, vivendo no presente e olhando para ofuturo, porque liderar é aprender a administrarmudanças.

Existem vários ingredientes básicos para setornar um líder (BENNIS, 1989). Podem-sedestacar aspectos que normalmente sãoidentificados na atuação de líderes bem sucedidos,dentre eles:

• Possuir uma visão maior: ter uma idéia clarado que se quer fazer;

• Demonstrar paixão: ter um rumo,transmitindo esperança e inspirando e atraindooutras pessoas para a sua causa;

• Ser integro: atuar de forma ética e justa.Indivíduos íntegros normalmente:

- Buscam o autoconhecimento: conhecer a simesmo separar quem se é e quem se quer ser.

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- São sinceros: atuam de forma honesta deacordo com princípios.

- São maduros: são seguidores, dedicados,obedientes e sabem trabalhar em equipe.

• Curiosidade e audácia: Refletir sobre tudo,querer sempre aprender mais, estar disposto a correrriscos, experimentar, tentar coisas novas.

1.2.3 A NOVA FUNÇÃO DO DIRIGENTE NASORGANIZAÇÕES DE APRENDIZAGEM

A nova visão da liderança nas organizações deaprendizagem enfoca para o líder um papel de guia,de facilitador. Eles terão a responsabilidade deconduzir os funcionários para um aprendizadocontínuo, expandindo a capacidade de entender acomplexidade, definir objetivos e aperfeiçoar osmodelos mentais para que, dessa forma, todossejam responsáveis pela própria aprendizagem.”Anova visão de liderança nas organizações deaprendizagem enfoca funções mais delicadas emais importantes. Na organização deaprendizagem, os dirigentes têm as funções deprojetista, guia e professor.” (SENGE, 1990, p.300).

De acordo com Senge (1990) a idéia tradicionaldo que é um líder, ou dirigente, provém de umavisão individualista e não sistêmica. Parte dasuposição de serem as pessoas impotentes, nãoterem objetivos pessoais e serem incapazes decontrolar as forças da mudança e essas deficiênciassomente podem ser sanadas por alguns dos poucosgrandes líderes.

A nova visão de liderança nas organizações deaprendizagem enfoca funções mais delicadas emais importantes. Na organização deaprendizagem, os dirigentes têm as funções deprojetistas, guias e professores. Eles têm aresponsabilidade de construir organizações nasquais as pessoas expandam continuamente suacapacidade de entender a complexidade, definirobjetivos e aperfeiçoar modelos mentais, ou seja,serem responsáveis pela aprendizagem.

A revolucionária concepção das organizaçõesde aprendizagem enfoca uma nova forma deadministrar organizações baseada em cincodisciplinas integradas pelo “raciocínio sistêmico”que levam à compreensão dos perigos que ameaçam

a sobrevivência da organização e a reconheceremnovas oportunidades.

O que distingue as organizações deaprendizagem das tradicionais e autoritáriasorganizações de controle é o domínio de algumasdisciplinas. São elas:

1. Raciocínio sistêmico: é uma estruturaconceitual, um conjunto de conhecimentos einstrumentos que tem por objetivo tornar maisclaro todo o conjunto e mostrar as modificações aserem feitas a fim de melhorá-lo;

2. Domínio Pessoal: é o esclarecimento eaprofundamento contínuo do objetivo pessoal, aconcentração de energias, o desenvolvimento dapaciência e a possibilidade de ser a realidade demaneira mais objetiva;

3. Modelos Mentais: são idéias profundamentearraigadas, generalizações, ou mesmo imagens queinfluenciam o modo de encarar o mundo e atitudes;

4. Objetivo comum: reunião em torno de umaidentidade comum e um sentido de missão na vida.É a capacidade de transmitir aos outros a imagemde futuro que se pretende criar.

5. “Aprendizado em Grupo: começa com o“diálogo”, a capacidade dos membros de um grupolevantarem idéias, pré-concebidas e participaremde um “raciocínio em grupo”. Aprende-se areconhecer os padrões de interação que prejudicamo aprendizado em grupo.

As cinco disciplinas de aprendizagem citadassão “pessoais”, têm a ver com o que se pensa oque realmente se quer e como interagir e aprenderuns com os outros.

É fundamental que funcionem em conjunto. Oraciocínio sistêmico é a quinta disciplina porqueintegra as outras quatro, fundindo-as num conjuntocoerente de teoria e prática. Para que o raciocíniosistêmico realize seu potencial, precisa das outrasquatro disciplinas:

• Objetivo Comum: para conseguir umengajamento em longo prazo.

• Modelos Mentais: para detectar as falhas naprópria maneira de ver o mundo.

• Aprendizado em Grupo: para que as pessoaspossam enxergar além dos limites de suasperspectivas pessoais.

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• Domínio Pessoal: para motivar a pesquisarcontinuamente como as ações afetam o mundo emque se vive.

O raciocínio sistêmico torna compreensível oaspecto mais sutil da organização de aprendizagem:a nova maneira pela qual os indivíduos vêem a simesmos e ao mundo.

O dirigente como projetista, além de projetaras diretrizes, estratégias e “sistemas” daorganização, deve ter em mente que suas medidasdevem ser entendidas e aceitas, caso contrário seusprojetos terão pouco efeito.

Basicamente, a tarefa do dirigente é elaboraros processos de aprendizagem mediante os quaisas pessoas poderão enfrentar, de maneiraprodutiva, os problemas que as assolam naorganização e desenvolver seus conhecimentos nasdisciplinas de aprendizagem.

O dirigente, como guia, pode começar tentandoalcançar seu próprio objetivo, mas, ao ouviratentamente os objetivos dos outros, começará aver que seu objetivo pessoal faz parte de algo maior.Sendo guia de um objetivo, ele muda orelacionamento com seu objetivo pessoal, trocandoa possessividade pela responsabilidade – deixa deser “o meu objetivo” e passa a ser um chamamento.

O dirigente como professor não trata de ensinaras pessoas a atingirem seus objetivos, mas depromover a aprendizagem, ajudando as pessoas adesenvolverem conhecimentos sistêmicos. Aaceitação dessa responsabilidade é o antídoto paraum dos males mais comuns que podem atingir umdirigente talentoso – a perda de seu compromissocom a verdade.

A capacidade que algumas pessoas têm deserem líderes naturais é o subproduto de uma vidainteira de esforço para desenvolver técnicasconceituais e de comunicação, de refletir sobrevalores pessoais e alinhar o comportamento pessoalcom esses valores, de aprender a ouvir e apreciaroutras pessoas e suas idéias.

1.2.4 LIDERANÇA: UMA ABORDAGEMCOGNITIVA

O enfoque de Gardner (1995) aborda asmúltiplas inteligências. De acordo com ele, aliderança é um processo que ocorre dentro das

mentes de indivíduos que vivem numa cultura. Oslíderes devem expandir suas múltiplas inteligênciasde acordo com a própria cultura para poderemajudar os outros indivíduos a determinarem suasidentidades pessoais, sociais e morais.

Essa teoria busca superar a noção comum deinteligência como uma capacidade geral oupotencial que cada ser humano possui em maiorou menor grau. Assim, classificou sete inteligênciasque não existem como entidades fisicamenteverificáveis, mas somente como úteis construçõescientíficas. São elas:

1. Linguística / Verbal: está relacionada àspalavras e à linguagem escrita e falada incluindopoesia, humor, o contar estórias, gramática,metáforas, similaridades, raciocínio abstrato,pensamento simbólico, padronização conceitual,leitura e escrita;

2. Lógico / Matemática: envolve a capacidadede reconhecer padrões, de trabalhar com símbolosabstratos (como números e formas geométricas),bem como discernir relacionamentos e/ou verconexões entre peças separadas ou distintas;

3. Visual / Espacial: a chave dessa inteligênciaé o sentido de visão, mas também a habilidade deformar imagens mentais;

4. Musical / Rítmica: baseia-se noreconhecimento de padrões tonais e numasensibilidade para ritmos e batidas;

5. Corporal: relaciona-se com o movimentofísico e com a sabedoria do corpo;

6. Interpessoal: envolve a habilidade detrabalhar cooperativamente com outros num grupoe a habilidade de comunicação verbal e não-verbal;

7. Intrapessoal: está relacionada aos estadosinteriores do ser, à auto-reflexão, à metacognição(reflexão sobre o refletir) e a sensibilidade frenteas realidades espirituais;

Em sua teoria, Gardner (1995) propõe quetodos os indivíduos, em princípio, têm a habilidadede questionar e procurar respostas usando todasas inteligências, pois possuem como parte de suabagagem genética, certas habilidades básicas emtodas as inteligências determinadas tanto porfatores genéticos e neurobiológicos quanto porcondições ambientais. Propõe ainda, que cada uma

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destas inteligências tem sua própria forma deprocessamento de informações aliados a um sistemasimbólico que estabelece o contato entre osaspectos básicos da cognição e a variedade depapéis e funções culturais.

A inteligência nessa abordagem é vista como ahabilidade para resolver problemas ou criarprodutos que são significativos em um ou maisambientes culturais. Assim, Gardner (1995) sugereque alguns talentos só se desenvolvem porque sãovalorizados pelo ambiente e afirma que cada culturavaloriza certos talentos que se tornam umainspiração por uma quantidade de indivíduos e,depois, passados para a geração seguinte.

Dentro do enfoque de Gardner (1996) pode-sedizer que a liderança é um processo que exigirá dolíder a capacidade de criar estórias e transmiti-laspara os outros. É dessa forma que ocorrerá oprocesso de identificação dos seguidores ao seulíder, pois alguns membros de um determinadogrupo se sentiram inspirados por elas, e, portanto,se sentirão parte desse grupo (inclusão) e outrosnão se identificarão (exclusão) buscando outrasestórias que os inspirem.

Quando esta identificação começa a seconsolidar, os seguidores que se identificarem comesse líder sentirão vários tipos de emoções (prazer,vergonha ou culpa) compatíveis ás suas expectativasou ideais. Em última análise, os verdadeirosseguidores já não precisam mais da presença regulardo líder; eles são capazes de antecipar suas estóriase inspirar a si mesmos e a outros membros de seugrupo.

O produto final desses processos deautodefinição e identificação é um indivíduo comoparte de um grupo, como alguém que mantémdeterminadas crenças, atitudes e valores, comoalguém pratica certos comportamentos. Cabe aolíder ajudar os outros indivíduos a determinaremsuas identidades pessoais, sociais e morais;normalmente, os líderes são inspirador devido, emparte, a como resolveram suas próprias questõesde identidade (GARDNER, 1996).

Tornar-se um líder dentro dessa abordagemenvolve a identificação dos domínios necessáriosde acordo com cada cultura. A seleção é feita pelos

membros de um grupo, muitas vezes, tendo comoexemplo (consulta ou identificação) um adulto maisexperiente neste caso, seu líder.

Essa abordagem aponta que a maioria doslíderes obviamente possui talentos na esfera dainteligência pessoal, conhece-se muito a respeitode como atingir e influenciar outros seres humanos.Esse conhecimento, entretanto, corre o risco deficar trancado na ausência de uma maneira deexpressá-lo, pois os líderes precisam ser eloquentesverbalmente, e também, em textos escritos. Nessecaso, o diferencial do seu sucesso está nasexperiências adquiridas (história promissora), comotambém, na maneira de repassá-las aos seusseguidores persuasivamente. Portanto, sua eficáciadepende do desenvolvimento de sua inteligêncialingüística, ou seja, a capacidade e a inclinação parausar bem as palavras. Quando esta inteligêncialingüística está acompanhada por uma inteligênciapessoal considerável, esse líder apresentará asqualidades essenciais de um comunicador efetivoe, provavelmente, de um líder promissor.

Os líderes efetivos, muitas vezes, sãodistinguidos pelo fato de apresentarem umamistura dos traços de carisma físico e carismaintelectual ou de agradarem simultaneamente atipos diferentes de pessoas. Entretanto, mantendoessas reservas, podem-se identificar quatro fatoresque parecem importantes para a prática da liderançaefetiva. São eles:

1. Um laço com a comunidade: orelacionamento entre o líder e os seguidores étipicamente contínuo, ativo e dinâmico. Uminfluencia o outro.

2. Um certo ritmo de vida: um líder precisa estarem contato regular e constante com suacomunidade. Ao mesmo tempo, todavia, o líderprecisa ter suas próprias idéias, incluindo seuspensamentos, valores e estratégias mutantes.

3. Uma relação evidente entre as histórias e asidentificações: os líderes exercem sua influência deduas maneiras, embora contrastantes: mediante asestórias ou mensagens que comunicam, e por meiodos traços com os quais se identificam.

4. A centralidade da escolha: prioridades econsciência em sua escolha.

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2 METODOLOGIA

Os estudos em liderança utilizados para arealização dessa pesquisa indicaram para aexistência de estímulos internos e externos que sãoessenciais para a formação de um líder.

A amostra utilizada para a coleta de dados paraa realização da pesquisa teórica se pautou emestudos desenvolvidos pelos seguintes autores:

• Schein (1985): estudos sobre liderança ecultura organizacional.

• Bennis (1996/1956): estudos sobre aformação do Líder.

• Gardner (1995/1996): estudos sobre amúltiplas inteligências e liderança.

• Senge (1990): estudos sobre organizações deaprendizagem,com ênfase nas cinco disciplinas deaprendizagem.

O instrumento de pesquisa utilizado foibasicamente a leitura e análise das obras citadas,utilizando como critério mediante a pesquisaliterária realizada a classificação e categorizaçãode pontos destacados pelos autores estudados,como relevantes para o desenvolvimento dehabilidades essenciais para a formação de um líder.Dessa forma, foi realizado o agrupamento dosaspectos identificados por cada autor comoessenciais para essa formação.

Quanto ao tratamento dos resultados, optou-se por dividir os fatores identificados em categoriascomuns. Portanto, os mesmos foram categorizadosem três grandes habilidades.

Para melhor se compreender os fatorescategorizados, foi desenvolvido um quadro, que deuma forma simples, apenas classificou de acordocom habilidades estabelecidas, as idéias de cadaautor.Ao ficar clara a predominância no processode formação de um líder, (semelhanças de aspectosconsiderados como essenciais para a formação delíderes,) iniciou-se a constituição dos três grandesagrupamentos classificados de acordo com osautores pesquisados, em habilidades:

- Pessoal: para essa habilidade foramconsiderados aspectos voltados à formação do líderenquanto pessoa, dando maior ênfase a aspectoscomportamentais.

- Grupal: para essa habilidade foramconsiderados aspectos voltados a interação do líderem um determinado grupo. Esse grupo pode sercomposto por seguidores ou pares dentro da mesmaorganização.

- Adaptativa: para essa habilidade foramconsiderados aspectos voltados à interação do líderem um determinado ambiente cultura e à suahabilidade, dentro deste ambiente de colocar emação o seu estilo de liderança, adequando àsdiferentes necessidades desse contexto.

A partir de um quadro ilustrativo quanto àshabilidades classificadas, bem como sua respectivacaracterização, foi possível sugerir algumashabilidades a serem estimuladas no processo deformação e desenvolvimento de líderes.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

O levantamento bibliográfico realizadopermitiu identificar pontos em comum nasabordagens pesquisadas sobre qual ênfase deve serdada para a formação de um líder.

Para uma melhor compreensão dos resultadosobtidos com a pesquisa, inicialmente seráapresentado um quadro síntese com o agrupamentodos pontos comuns identificados nas diferentesabordagens teóricas pesquisadas já classificadas emhabilidades pessoal, grupal e adaptativa.

Para a melhor compreensão do agrupamentorealizado, segue abaixo a descrição de cada umadas habilidades.

a) Habilidade Pessoal: é fundamental para olíder, que terá de conviver sempre com outroslideres num grupo, buscar o seu próprioautodesenvolvimento, refletindo sobre os aspectosinternos do ser, o conhecimento dos sentimentos.O esclarecimento do seu próprio objetivo pessoallhe propiciará uma mudança na maneira como vêa si mesmo e ao mundo. Esta habilidade estárelacionada aos estados interiores do ser, como aauto-reflexão e o autodesenvolvimento. É a partirdela, que será possível ao líder desenvolver ahabilidade pessoal, pois esta envolve o seurelacionamento com outras pessoas. Refere-se àcapacidade do líder conhecer-se a si mesmo paraque possa compreender melhor seu próprio

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comportamento ou atitudes. Se ele descobre comoage, por que age e tenta descobrir maneiras paracompensar tais comportamentos, isso o ajudará aagir com mais eficiência no relacionamento deleconsigo mesmo e dele para com o seu grupo detrabalho. Em situações de trabalho, compartilhadaspor duas ou mais pessoas, há atividades pré-determinadas a serem executadas, bem comointerações e sentimentos recomendados, tais como:comunicação, cooperação, respeito e amizade. Àmedida que as atividades e interações prosseguem,os sentimentos despertados podem ser diferentesdos indicados inicialmente, e então,inevitavelmente, os sentimentos influenciarão asinterações e as próprias atividades. Assim,sentimentos positivos de simpatia e atraçãoprovocarão aumento de interação e cooperação,repercutindo favoravelmente nas atividades eensejando maior produtividade. Por outro lado,sentimentos negativos de antipatia e rejeiçãotenderão à diminuição das interações, aoafastamento, à menor comunicação, repercutindodesfavoravelmente nas atividades, com provávelqueda de produtividade. A liderança e aparticipação eficaz em grupo dependemessencialmente da habilidade pessoal do líder e dosmembros. O trabalho em equipe só terá expressãoreal e verdadeira se, e quando os membros do grupodesenvolvem sua competência pessoal einterpessoal, o que lhes permitirá alcançar sinergia,em seus esforços colaborativos, para obter muitomais que a simples soma das competências técnicas

individuais como resultado conjunto do grupo;b) Habilidade Grupal: está ligada à competência

interpessoal que o líder terá que desenvolver paralidar eficazmente com outras pessoas de formaadequada às necessidades de cada uma e àsexigências da situação. Depende basicamente dapercepção. O processo da percepção precisa sertreinado para uma visão acurada da situaçãointerpessoal. Isto significa um longo processo decrescimento pessoal, abrangendo autopercepção,auto-conscientização e auto-aceitação como pré-requisitos de possibilidades de percepção maisrealística dos outros e da situação interpessoal. Oautoconhecimento só pode ser obtido com a ajudados outros, por meio de feedback. Se o indivíduotem percepção mais acurada de si, então pode,também, ter percepção acurada da situaçãointerpessoal, primeiro passo para poder agir deforma adequada e realística. Engloba váriashabilidades, entre as quais: flexibilidadesperceptivas e comportamentais, que significaprocurar ver vários ângulos ou aspectos da mesmasituação e atuar de forma diferenciada, não-rotineira, experimentando novas condutaspercebidas como alternativas de ação. O líderdeverá ter noções da dinâmica de funcionamentoe valores grupais existentes, para que melhor possacompreender as necessidades do grupo paraconduzi-lo aos objetivos propostos pelaorganização; e

c) Habilidade Adaptativa: para tornar-se umverdadeiro líder, o indivíduo precisa tanto conhecer

Quadro 2 - Habilidades Exigidas ao Líder de Acordo com as Novas Abordagens em LiderançaFonte: NASCIMENTO, M. E. F. Formação de líderes empresariais. 1999. 102f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção)-Universidade de SãoPaulo, 1999 São Carlos, SP, 1999.

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a si mesmo, ou seu grupo, quanto o mundo e omeio em que vive. Assim, percebe-se como éfundamental ao líder que ele adquira perspectivasque mudem o ângulo a partir do qual se vêem ascoisas. Refere-se à capacidade de transformar suasexperiências em idéias e colocar essas idéias nocontexto correto. Um líder flexível, inovador fazcoisas que outras pessoas não fizeram ou fazem.Devido sua experiência passada, ele vive nopresente, com um olho no futuro. Uma vez que eleaprende a refletir sobre suas experiências e, até quea resolução de seus conflitos surja dentro dele,poderá então começar a desenvolver sua própriaperspectiva de vida. Liderar é, em certo nível,aprender a administrar mudanças. O líder quepossui essa habilidade impõe sua filosofia àorganização, criando ou recriando sua cultura. Aorganização então age com base nessa filosofia,realiza sua missão e a cultura ganha vida própria,tornando-se mais causa que efeito. É fundamentalque o líder continue evoluindo, adaptando-se eajustando-se às mudanças externas. Em outraspalavras, um dos mais importantes talentos de umlíder é a capacidade de continuar utilizando asexperiências que vivem depois que assume umaposição de liderança. Líderes aprendem liderando,e aprendem melhor quando têm que liderar em meioa obstáculos, pois os problemas moldam o líder.Para que consiga essa visão e essa flexibilidade éfundamental que se conheça a si próprio e ao grupopara que surja uma nova maneira de pensar. Amudança de mentalidade permite ao líder ver nãosomente as partes como o todo, ver as pessoascomo participantes ativos na formulação darealidade, de reagir ao presente para criar o futuro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Várias mudanças de paradigmas no seio dasociedade e das organizações exigiramtransformações nos valores dentro e fora dasempresas, enfatizando a necessidade para cadaépoca de novos estudos sobre a formação delíderes. Isso pode ser evidenciado nas diversasabordagens sobre o assunto, pesquisados emdiferentes escolas administrativas.

A liderança é, em parte, um fenômeno culturale é exatamente esse fator que a faz, a cada época,

ser analisada dentro de um determinado contextocultural, político e sócio econômico. Os estilosadequados de liderança dependerão do tipo deproblema ou situação em questão e da capacidadede cada líder de comunicar o que querem e obtercooperação e apoio de sua equipe de trabalho.

Porém, a nova visão de liderança nasorganizações modernas enfoca funções maisdelicadas e mais importantes para seus dirigentescomo as de projetar, guiar e orientar seuscolaboradores. Para tanto, os líderes devemexpandir suas habilidades para que possam ajudarsua equipe a caminhar a favor de um mesmoobjetivo.

A literatura administrativa, dos últimos dezanos, apresentou conceitos e habilidades exigidaspara a formação de líderes. O referencial teóricoabordado revelou como fundamental para aformação de um líder, a busca pelo seu próprioautodesenvolvimento, bem como, umrelacionamento favorável com outras pessoas, dadasua necessidade de interação com sua equipe.

Embora o desenvolvimento de componentesde personalidade dependam de cada indivíduo, faz-se necessária a consciência da importância doestímulo do seu autodesenvolvimento, para quepossa lidar eficazmente com outras pessoa,transformar suas experiências em idéias e colocá-las no contexto correto.

Dessa forma, o agrupamento de diretrizesnecessárias para o autodesenvolvimento de um líderem habilidades pessoal, grupal e adaptativas,enfatiza o fato de que o sucesso de um líderdependerá basicamente do seu relacionamentopessoal, de sua participação eficaz em grupo eessencialmente de sua integração junto aosmembros de sua equipe. Assim, pode-se dizer quea habilidade grupal está ligada à competênciainterpessoal, sendo esta também fundamental paraa formação de um líder.

Embora as habilidades tenham sido agrupadasem três categorias, para uma melhor compreensãodidática dos pontos levantados, percebe-se quetodas influenciam simultaneamente o líder,interferindo diretamente em sua eficáciaprofissional. Ou seja, simultaneamente ele precisaestar preparado como pessoa, para aprender a

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conviver em grupo e saber lidar com as situaçõesou contingências do ambiente em que estejainserido.

Mas, percebe-se também, a possibilidade de seestabelecer uma ordem de prioridades na formaçãode um líder, ou seja, a necessidade de sedesenvolver primeiro a habilidade pessoal, para queseja promissor ao atuar utilizando as demais.

Assim, em primeiro lugar sugere-se que para setornar um líder efetivo, eficaz, o indivíduo busquedesenvolver ações que permitam o seu crescimentopessoal em fatores que garantam inicialmente o seucrescimento como pessoa, pois ele não conseguiráliderar outras pessoas se antes não estiver apto agerenciar a si próprio.

Já o seu sucesso na utilização da habilidadegrupal dependerá antes do seu sucesso na aplicaçãoda habilidade pessoal. Por isso, a eficácia do líderjunto à sua equipe de trabalho, ou junto à suaequipe de liderados dependerá do seu processo decrescimento pessoal, pois nessa fase ampliará a suaautoconsciência, por meio de feedback passandoa compreender melhor não só as suas necessidades,como também as necessidades do grupo em queesteja inserido.

E, finalmente, a conseqüência de todo esseprocesso de amadurecimento garantirá ao líderauto-perpercepção, auto-conscientização e auto-aceitação, necessários para se tornar um líderflexível e inovador capaz, a partir de históriascriadas por meio da sua experiência passada, vivero presente sugerindo melhorias para o futuro. Emsíntese, ao atuar dessa maneira, estará gerenciandomudanças de acordo com a filosofia de cadaorganização que venha a fazer parte.

A prática da liderança implica em romperbarreiras colocando o coletivo em primeiro plano.A formação de líderes requer a adaptação aos novosparadigmas que regem o mundo. As tendênciasmundiais estão moldando os desafios que os futuroslíderes terão de enfrentar e vencer. As organizaçõesem que estes líderes em potencial ou lideres da ativase encontram terão que criar e propiciaroportunidades de aprendizado.

Dessa forma, considerando todos os fatospesquisados, pode-se dizer que os novos tempos

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estão exigindo um direcionamento na formação delíderes, e que as habilidades destacadas comoimportantes, se estimuladas, podem contribuirmuito para a eficácia na atuação desses líderes, jáque o perfil do líder, para os tempos atuais, requeruma completa transformação, e a principal fontepara que essa mudança ocorra está na busca peloseu autodesenvolvimento.

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*Capitão Intendente Flávio Garcia Netto Machado1,2

1 Agente de Controle Interno da Base Aérea de Boa Vista -RR2 MBA em Gestão Pública UFF

Gestão Ambiental na FAB

Environmental Management in the Brazilian AirForce

*Capitão Intendente Flávio Garcia Netto Machado1,2

1 Agente de Controle Interno da Base Aérea de Boa Vista -RR2 MBA em Gestão Pública UFF

*Autor: Flávio Garcia Netto Machado, Capitão Intendente, formado pela Academia da Força Aérea (AFA), é Agente de Controle Interno da Base Aérea de BoaVista -RR. Possui Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, com MBA em Gestão Pública, pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica. Contato:[email protected].

Recebido: 20/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 01/06/2009

RESUMO

A pesquisa aqui apresentada teve como objetivo estabelecer se existe relação entre o porte de uma Unidade Gestora e seu grau deinvestimento ambiental, classificando-se como descritiva quanto ao objetivo, e, quanto ao delineamento, trata-se de um levantamentopor amostragem. Em um primeiro momento, foram apresentadas informações e noções básicas sobre gestão ambiental, situando-sea FAB no contexto. Em seguida, descreveu-se os métodos que foram empregados: para avaliar o porte das Unidades, foi utilizada aquantidade de servidores, levantada pela aplicação de um formulário junto aos Setores de Finanças envolvidos; para o grau deinvestimento ambiental, utilizou-se um questionário baseado em índices de responsabilidade social. Passou-se então à verificação doreferencial teórico que conduziu o trabalho, segundo o qual as grandes empresas investem mais na proteção do meio ambiente do quepequenas e médias empresas. Outro capítulo apresentou as respostas recebidas por meio dos instrumentos de coleta, aproveitando aoportunidade para justificar a importância das questões selecionadas. Por fim, com base nas informações coletadas, as Unidades foramsegmentadas em terços correspondentes a pequeno, médio e grande porte, foram classificadas de acordo com a pontuação obtidaatravés do questionário, e fez-se o cruzamento dos resultados conforme o referencial teórico. Concluiu-se que, no âmbito da FAB, oporte da UG não influencia seu grau de investimento ambiental. O universo de amostragem foi a Guarnição dos Afonsos no ano de2007. Os dados apresentados encontram-se atualizados até 20 de maio de 2008.

Palavras-chave: Gestão ambiental. Meio ambiente. Poluição. Reciclagem de lixo.

Gestão Ambiental na FAB

Environmental Management in the Brazilian AirForce

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ABSTRACT

The purpose of the research here presented was to establish whether there is a relation between the size of an Air Force Station and its level ofenvironmental investment. It is classified as descriptive as to its objective, and as a sample based survey as to its design. First, basic information and ideasregarding environmental management were presented, situating the Brazilian Air Force in the context. Next, the methods used were described: to evaluatethe size of the Stations, the number of employees was used, what was obtained by applying a form at the finance sectors involved; as for the environmentalinvestment level, a questionnaire based on social responsibility indicators was used. Then the theoretical reference that conducted the study was verified,according to which large companies invest more in the protection of the environment than small and medium ones. Another chapter presented the answersreceived through the collecting instruments, taking the opportunity to justify the importance of the selected items. Last, according to the informationcollected, the Stations were classified as small, medium or large, ranked according to the score achieved through the questionnaire, and the results werecompared according to the theoretical reference. It was concluded that the size of an Air Force Station does not affect its level of environmentalinvestment. The sampling universe was the Afonsos field in the year 2007. The data presented was updated on May 20th, 2008.

Keywords: Environmental management. Environment. Pollution. Garbage recycling.

INTRODUÇÃO

Ao longo da história, a humanidade vem-sedesenvolvendo em um ritmo impressionante. Atéo século passado, agia-se como se não houvesselimites para a utilização de matéria e energia nabusca de conforto e qualidade de vida (BRAGA etal., 2002). A partir do século XVIII, com aRevolução Industrial, o consumo de recursosnaturais e a poluição da biosfera começaram acrescer em proporções geométricas (MANO;PACHECO; BONELLI, 2005). A comunidadecientífica alertou “quanto às catastróficasconsequências do uso irresponsável dessesrecursos, enquanto a população leiga não pareceter se sensibilizado quanto à gravidade da questão.Medidas corretivas de recuperação do meioambiente têm respostas lentas – seus resultados sópodem começar a serem sentidos em períodos detempo superiores a uma década (BRAGA et al,2002). Postergar a adoção de tais medidas podesignificar a perda da oportunidade capaz de evitara crise futura em tempo hábil.

À primeira vista, pode parecer que este é umassunto restrito ao nível governamental e industrial.Na verdade, uma análise mais aprofundada mostraque os hábitos de consumo e o desperdício porparte de todo e qualquer setor – residencial,comercial, industrial, etc. – somam-se ao problema.Todos são, em última instância, responsáveis pelorumo que determinará a qualidade do meioambiente e da vida como nós a conhecemos noplaneta Terra (LEMOS, 2008).

Atualmente, empresas atuantes na preservaçãodo meio ambiente vêm exigindo de seus

fornecedores certificações de qualidade ambiental(como o ISO 14000), além de implantaremsistemas de gestão ambiental com o objetivo deminimizar o impacto no meio ambiente decorrentede suas atividades.

Uma pesquisa científica foi conduzida a fim deavaliar como se situa nesse contexto a Força AéreaBrasileira (FAB), considerando-se como universode amostragem as Unidades Gestoras Executoras(UGE) pertencentes à Guarnição de Aeronáuticados Afonsos (GUARNAER-AF) no ano de 2007.A diversidade de atividades-fim desenvolvidas noCampo dos Afonsos – Unidade de ensino, Parquede Material, Base Aérea, Hospital, Depósito deMaterial e Prefeitura de Aeronáutica – possibilitaque se faça uma projeção dos prováveis resultadosde Força Aérea.

A carência de legislação na esfera do Comandoda Aeronáutica sobre gestão ambiental contribuipara a falta de padronização de ações nesse sentido,cabendo a cada Unidade a iniciativa de adotar ounão medidas que visem à preservação do meioambiente. Esta pesquisa, além de fornecer umdiagnóstico da situação atual das Organizações daFAB por amostragem, procura oferecer meios deavaliação das medidas que podem ser tomadas paracorrigir eventuais problemas detectados.

1 GESTÃO AMBIENTAL

Existe uma alegoria interessante do ponto devista didático: o planeta Terra é comparado a umanave espacial. Esta possuiria uma quantidadelimitada de suprimentos e fontes de energia. Àmedida que os estoques fossem sendo consumidos

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pela tripulação, os dejetos seriam armazenados emum local específico no interior da nave. É fácildeduzir que se chegaria a uma situação limite, emque a qualidade de vida ficaria seriamentecomprometida, tendo em vista a escassez dosrecursos disponíveis e a falta de espaço paraarmazenar o lixo produzido. A solução seriaminimizar tanto o consumo quanto a produção deresíduos, a fim de se postergar ao máximo a chegadada situação limite (CALDERONI, 2003).

A metáfora acima traduz a preocupação dosambientalistas com a sustentabilidade do planeta.A falta de informação por parte da população podefazer com que se subestime a importância docuidado com o meio ambiente, havendo umatendência natural ao desperdício enquanto osrecursos naturais são aparentemente abundantes.

O resultado disso é que aterros sanitários sãoencerrados prematuramente, exigindo-se que novasáreas – cada vez mais distantes – sejam destinadasa esse fim. Assim, os custos com transporte de lixosão cada vez maiores, e áreas inadequadas passama ser utilizadas como vazadouros (“lixões”),contribuindo para a poluição do solo, do ar e daságuas, além da proliferação de vetores de doenças(BRAGA et al., 2002). Na obra intitulada Osbilhões perdidos no lixo (2003), o desperdíciodecorrente do tratamento inadequado dado ao lixoproduzido no Brasil é mensurado, além de se fazeruma projeção das suas consequências em relaçãoao meio ambiente e à sociedade. Os dados sãoalarmantes.

Além do lixo, discute-se a questão da escassezdos recursos naturais. Segundo o relatório “PlanetaVivo 2006”, produzido pela WWF (Fundo Mundialda Vida Selvagem) (PLANETA, 2006), se oconsumo de recursos naturais continuar no ritmoatual, já em 2030 a população começará a sentiruma queda considerável na qualidade de vida(LEMOS, 2008). Isso se dá por causa do crescenteuso de fontes não renováveis (por exemplo, opetróleo), além do uso de fontes renováveis acimado ritmo em que a natureza é capaz de repô-las(BRAGA et al., 2002).

No Brasil, vem-se tomando algumas medidaspara proteger o meio ambiente, de forma a garantir

a disponibilidade de recursos naturais para asfuturas gerações, e não ultrapassar a capacidadede absorção de resíduos pela biosfera (MANO;PACHECO; BONELLI, 2005). Um bom exemplodisso são os programas de coleta seletiva de lixo,que possibilitam a redução da quantidade dematerial destinado aos aterros, além de contribuirpara a redução do consumo de matéria-primavirgem. Em Reciclagem: mito e realidade (2005),o processo de coleta seletiva é analisado emdetalhes, incluindo as diferentes destinações dadasa cada tipo de material: reutilização, reciclagem,compostagem e incineração de materiais parageração de energia.

Um dos principais especialistas em gestãoambiental no Brasil é Haroldo Mattos de Lemos,presidente do Instituto Brasil PNUMA (ComitêBrasileiro do Programa das Nações Unidas para oMeio Ambiente). Entre outras funções exercidas,Lemos foi presidente da FEEMA (FundaçãoEstadual de Engenharia do Meio Ambiente) eSecretário de Meio Ambiente do Ministério do MeioAmbiente. Em Gestão Ambiental Empresarial(2008), o autor apresenta dados atuais sobreresponsabilidade social no Brasil e no mundo, alémde fazer uma análise dos motivos que levamempresas a desenvolverem sistemas de gestãoambiental.

Segundo Lemos (2008), o desenvolvimentosustentável é a única alternativa para que se possagarantir uma qualidade de vida aceitável para asfuturas gerações. Trata-se do uso racional e eficazdos recursos naturais: aproveitamento máximo,desperdício e impactos ambientais mínimos.

O autor diz ainda que atingir odesenvolvimento sustentável é responsabilidade detodos: governo (primeiro setor), iniciativa privada(segundo setor), instituições sociais, organizaçõesnão governamentais, comunidades e a sociedadeem geral (terceiro setor).

Portanto, espera-se que a Força Aérea Brasileiraesteja engajada em atividades voltadas à gestãoambiental. Vale ressaltar que o artigo 225 daConstituição da República Federativa do Brasil(1988) estabelece que o Poder Público tem o deverde defender e preservar o meio ambiente para as

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presentes e futuras gerações. O Decreto nº 5.940(2006) institui a separação dos resíduos recicláveisdescartados pelos órgãos e entidades daadministração pública federal direta e indireta, esua destinação às associações e cooperativas decatadores de materiais recicláveis.

Atualmente, no entanto, nota-se que não existenas Unidades da FAB uma padronização de açõesrelativas à gestão ambiental. Contribui com essequadro a carência de normatização na esfera doComando da Aeronáutica sobre o assunto, cabendoa cada Comandante, Chefe ou Diretor a iniciativade adotar medidas como o estímulo à prática dacoleta seletiva de lixo, a aquisição de produtosreciclados e a conscientização do efetivo quanto àeconomia de água e energia. Logo, é compreensívelque o grau de investimento na proteção do meioambiente varie nas diversas Organizações Militares.

Na iniciativa privada, a maioria das empresasde grande porte investe mais em gestão ambientaldo que a maioria das pequenas e médias empresas(LEMOS, 2008), conforme será visto adiante. Aproposta do trabalho aqui apresentado foi constatarse o mesmo pode ser observado nas Unidades daFAB.

Dessa forma, foi enunciado o seguinteproblema científico: “Qual a influência do portede uma Unidade Gestora no seu grau deinvestimento no meio ambiente?”.

Como seria impraticável trabalhar com ouniverso considerado (todas as Unidades Gestorasda FAB), em função do tempo e dos recursosdisponíveis para a execução da pesquisa, foinecessário definir um universo de amostragem. Paratanto, foi eleita a Guarnição de Aeronáutica dosAfonsos, em virtude da variedade de atividades-fim desenvolvidas nesse campus: Unidade deensino, Parque de Material, Base Aérea, Hospital,Depósito de Material e Prefeitura de Aeronáutica.Assim, pode-se fazer uma projeção dos prováveisresultados no âmbito da Força Aérea Brasileira.Limitou-se à situação das Organizações no ano de2007, a fim de que os dados obtidos fossem, aomesmo tempo, atuais e confiáveis. Como a pesquisafoi conduzida no primeiro semestre de 2008, casofossem considerados dados relativos a este ano,

haveria risco de apresentar informações incorretasou incompletas, em virtude das mudanças quepoderiam ocorrer após o término da fase de coletados dados.

Conforme o enunciado do problema, o objetivogeral do estudo, portanto, foi estabelecer se existeuma relação entre o porte de uma Unidade Gestorae o seu grau de investimento no meio ambiente.

As hipóteses consideradas como proposição deresposta ao problema foram:

a) as Unidades de grande porte investem maisna preservação do meio ambiente do que asUnidades de médio e pequeno porte;

b) as Organizações da Força Aérea Brasileira,independentemente do seu porte, não possuem umprograma de gestão ambiental formalmentedefinido.

Para a confirmação ou refutação das hipótesesacima, três objetivos específicos foramestabelecidos:

a) classificar as Unidades Gestoras Executoraspertencentes à Guarnição de Aeronáutica dosAfonsos segundo o seu porte;

b) avaliar o grau de investimento ambiental decada Unidade pesquisada, no ano de 2007;

c) constatar se alguma das UGE analisadaspossui programa de gestão ambiental formalmentedefinido.

A resposta ao presente problema científicopoderá fornecer dados que auxiliem o Comandoda Aeronáutica na avaliação da necessidade decriação de um sistema de gestão ambientalespecífico para a Força. Além de viabilizar oatendimento à legislação brasileira, a implantaçãode um programa de preservação do meio ambientemelhora a imagem da instituição perante asociedade, pode reduzir custos e, em últimainstância, contribui para o desenvolvimentosustentável do Brasil (LEMOS, 2008).

2 CONDUÇÃO DA PESQUISA

O estudo apresentado foi baseado naformalística preconizada por Antonio Carlos Gil(2007). De acordo com a classificação preconizadapelo autor, trata-se de uma pesquisa do tipodescritiva quanto ao seu objetivo, já que visou

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descobrir a existência de associações entrevariáveis. Quanto ao delineamento, trata-se de umlevantamento por amostragem, uma vez queenvolveu a solicitação de informações diretamentea um grupo representativo do universo que sedesejava conhecer.

Conforme visto anteriormente, o universoconsiderado abrange as Unidades Gestoras da ForçaAérea Brasileira, sendo que a amostras e limitouàs Unidades Gestoras Executoras pertencentes àGuarnição de Aeronáutica dos Afonsos:Universidade da Força Aérea (UNIFA), Parque deMaterial Aeronáutico dos Afonsos (PAMA-AF),Hospital de Aeronáutica dos Afonsos (HAAF),Base Aérea dos Afonsos (BAAF), Depósito Centralde Intendência (DCI) e Prefeitura de Aeronáuticados Afonsos (PAAF).

Em primeiro lugar, foi preciso estabelecer ocritério para classificação das Unidades segundoseu porte. Os principais métodos utilizados paraesse fim são baseados ou no faturamento brutoanual – como é o caso da Lei nº 9.841 (1999), quedispõe sobre o tratamento jurídico dasmicroempresas e empresas de pequeno porte – ouno número de empregados, sendo esta a técnicaadotada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Microe Pequenas Empresas (SEBRAE) (ESTUDOS,2008). Decidiu-se por usar o critério da quantidadede servidores civis e militares no efetivo das UGE(incluindo Unidades Apoiadas), uma vez queexistem casos de pequenas Organizações Militaresque movimentam vultosas somas de recursoscreditícios, o que poderia levar a resultadosequivocados caso o primeiro método fosseutilizado. Além disso, o número de servidores éum dado preciso que pode ser facilmente obtidojunto aos setores de finanças das Unidadesenvolvidas. Um pequeno formulário foi elaboradopara esse fim.

A avaliação do grau de investimento ambientalfoi feita com base nas respostas obtidas por meio deum questionário. As questões foram elaboradas combase em indicadores de responsabilidade social doInstituto Ethos (2007), de forma resumida e adaptadaà realidade da Força Aérea Brasileira. Cada item deveriareceber um grau que varia de 1 a 7.

Após a coleta dos dados, procedeu-se àsegmentação das UGE em terços, correspondentesa pequeno, médio e grande porte, com base naquantidade do efetivo. Em seguida, elas foramclassificadas conforme a pontuação alcançadaatravés do questionário. Por fim, as hipóteses foramtestadas com base nos resultados atingidos, a fimde se obter uma resposta ao problema enunciadoanteriormente.

A escolha dos métodos foi feita com o intuitode fornecer informações precisas e confiáveis, deacordo com princípios de gestão ambientalempresarial. A interpretação dos resultados foi feitaà luz da doutrina predominante na atualidade, deacordo com uma das maiores autoridades noassunto que o Brasil possui.

3 A CONSTATAÇÃO DE HAROLDO MATTOS DELEMOS

Quando se fala em gestão ambiental, umaempresa pode adotar uma atitude reativa – sóagindo quando provocada, limitando-se aoatendimento das exigências de órgãos competentesem relação à legislação ambiental em vigor – oupró-ativa – quando vai além das exigências legais,implantando sistemas de gestão ambiental poriniciativa própria (LEMOS, 2008).

Segundo Haroldo Mattos de Lemos, presidentedo Instituto Brasil PNUMA, atualmente no Brasilobserva-se que, na iniciativa privada, grandesempresas geralmente adotam uma postura pró-ativa, enquanto pequenas e médias empresascostumam ter atitudes reativas em relação à questãoambiental. Especula-se quanto aos motivos quelevariam à ocorrência desse fenômeno. Um dosprincipais aspectos levantados por Lemos dizrespeito ao planejamento de longo prazo, pois oscustos com a adoção de medidas de redução doimpacto ambiental compensariam os benefíciosobtidos pela empresa a longo prazo. Comopequenas e médias empresas normalmente nãoteriam um planejamento de longo prazo, apreservação ambiental consistiria em um custo aser evitado por estas, haja vista o objetivo de semaximizar lucros no curto prazo. Outros aspectosestariam ligados à preocupação com a melhoria daimagem da empresa perante a sociedade, a

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iniciativas da alta direção, a redução de custos, àdemanda dos consumidores com preocupaçõesambientais e à política social da empresa.

Devido a essa postura pró-ativa, portanto, amaioria das grandes empresas investe mais emgestão ambiental do que a maioria das pequenas emédias empresas (LEMOS, 2008).

O trabalho apresentado se propôs a constatarse existe um padrão de comportamento análogono âmbito da Força Aérea Brasileira. Como já foivisto, em virtude da carência de legislação na esferado Comando da Aeronáutica que trate de gestãoambiental, cabe a cada Comandante, Chefe ouDiretor a iniciativa (postura pró-ativa) de adotarmedidas de proteção ao meio ambiente dentro desua Unidade. Se o fenômeno relatado por Lemospuder ser observado também no âmbito da FAB, amaioria das Unidades de grande porte deveapresentar grau de investimento ambiental superiorao observado na maioria das Unidades de médio epequeno porte, haja vista que, segundo a teoria,estas só agiriam quando provocadas por órgãossuperiores, enquanto aquelas tenderiam a ir alémdas exigências impostas.

O autor ressalta ainda a importância daimplantação de sistemas de gestão ambiental nasempresas para que se alcance o desenvolvimentosustentável. Trata-se da adoção de programasformalmente instituídos, voltados para odesenvolvimento de tecnologias, a revisão deprocessos produtivos e o estudo de ciclo de vidados produtos, com objetivo de cumprir exigênciaslegais, aproveitar oportunidades de negócios einvestir na imagem institucional.

Com base nesse conceito, a pesquisa procuroudescobrir se alguma das Unidades consultadaspossui algum tipo de programa de gestão ambientalformalmente definido, por meio de regulamentaçãointerna e/ou da designação de um gestor, comissãoou setor específico para esse fim.

4 RESPOSTAS DAS UGE AO FORMULÁRIO EAO QUESTIONÁRIO

O primeiro dado coletado foi a quantidade deservidores constantes do efetivo das UnidadesGestoras Executoras (incluindo suas UnidadesApoiadas) pertencentes à Guarnição dos Afonsos.

Conforme relatado acima, esse foi o critérioconsiderado mais adequado para se fazer asegmentação das Unidades segundo seu porte. Osnúmeros foram informados pelos respectivosGestores de Finanças.

Em seguida, foi aplicado o questionário. Paracada item apresentado, a Unidade deveriapreencher a lacuna correspondente com um númerode 1 a 7, significando:

a) (1) o assunto não foi discutido na Unidade;b) (2) o assunto foi discutido, mas não se chegou

a uma conclusão;c) (3) o assunto foi discutido, porém decidiu-se

não realizar qualquer ação;d) (4) o tema ainda está sendo discutido na

Unidade;e) (5) o tema foi discutido, e pretende-se

implementar ações;f) (6) a Unidade está em processo de

implantação de projetos nessa área;g) (7) a Unidade já tem ações implantadas e

consolidadas nessa área.As questões dizem respeito ao compromisso

com a melhoria da qualidade ambiental, à educaçãoe conscientização ambiental, ao gerenciamento doimpacto no meio ambiente, ao ciclo de vida deprodutos e serviços, e à minimização de entradase saídas de materiais – Indicadores Ethos deResponsabilidade Social Empresarial relativos aomeio ambiente (2007).

Como se pode observar, obteve-se 100% departicipação das Unidades consultadas. Osquestionários foram respondidos por oficiais quetrabalham na administração das Organizações hápelo menos cinco anos.

Alguns dos itens constantes da Tabela 2 têmrelação uns com os outros. Por exemplo, de pouco

Tabela 1 – Efetivo das UGE

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adianta implantar um sistema de coleta seletiva,se não houver uma orientação no sentido de seconscientizar os usuários quanto à sua importância.Corre-se o risco de se ficar com os recipientesociosos, enquanto o material descartado continuasendo destinado ao lixo comum. A educaçãoambiental é peça fundamental para o sucesso dequalquer projeto de coleta seletiva (MANO;PACHECO; BONELLI, 2005).

A aquisição de produtos reciclados, além deajudar a preservar o uso de matéria-prima virgem,fomenta a indústria da reciclagem, uma vez que aausência de mercado para esse tipo de beminviabiliza sua produção (CALDERONI, 2003).Já a inclusão de critérios na seleção defornecedores, favorecendo os que se engajam nacausa do meio ambiente, consiste em uma poderosaferramenta capaz de influenciar e motivar o setorprivado a rever conceitos e buscar certificações dequalidade ambiental.

A inclusão dos itens relativos à existência deNorma Padrão de Ação (NPA) ou outrodocumento interno e de setor ou comissãoresponsável pelos assuntos relativos à gestão domeio ambiente tem a finalidade de atender aoterceiro objetivo específico, ou seja, constatar sealguma das UGE analisadas possui programa degestão ambiental formalmente definido, de acordo

Tabela 2 – Respostas ao questionário

com o referencial teórico visto anteriormente. Caberessaltar que o Governo Federal elaborou umacartilha para a implementação do Decreto nº 5.940(2006), que trata da coleta seletiva por parte dosórgãos e entidades da administração pública federal,onde o primeiro passo apresentado é a formaçãode comissão responsável pela coordenação doprojeto (PASSO, 2008).

De posse das informações obtidas junto àsUnidades consultadas, conforme foi exibido nasTabelas 1 e 2, torna-se necessária uma minuciosainterpretação e um tratamento adequado dos dados,a fim de se obter uma resposta ao problemaestudado.

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS

A seguir, as informações constantes das Tabelas1 e 2 serão analisadas separadamente, para, então,proceder-se à análise do relacionamento entreambas. Por último, será feita a interpretação dosresultados obtidos.

5.1 PORTE DAS UNIDADES

A primeira análise a ser feita é a segmentaçãodas Unidades pesquisadas como sendo de pequeno,médio ou grande porte. Essa observação éprimordial para que se possa apreciar os resultadossob a ótica do referencial teórico. Como já foi visto,

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o critério mais adequado como indicador, nestecaso, é o adotado pelo SEBRAE, ou seja, aquantidade de servidores constantes do efetivo decada UGE (incluindo suas Unidades Apoiadas).

A fim de permitir uma melhor visualização dosresultados obtidos, segue um gráfico que retrataos dados da Tabela 1:

Dividindo-se o gráfico em terços (oarredondamento serve apenas para fins estéticos,já que não influenciará no resultado), pode-sesegmentar as Unidades cujo efetivo encontra-seentre 1 e 800 como sendo de pequeno porte(HAAF, DCI e PAAF); as com efetivo entre 801 e1600, de médio porte (PAMA-AF e UNIFA); e,por fim, a que possui efetivo maior do que 1600,como sendo de grande porte (BAAF).

5.2 GRAU DE INVESTIMENTO AMBIENTAL

O questionário enviado às UGE da Guarniçãodos Afonsos consta de nove questões, cada umapodendo receber graus variando de 1 a 7. Logo, apontuação mínima possível é 9, e a máxima 63.

Observando-se as respostas constantes daTabela 2, pode-se fazer uma classificação dasUnidades conforme a pontuação obtida por meiodo questionário. Quanto maior a pontuação, maioro grau de investimento ambiental.

Segue um gráfico representativo dessaclassificação:

5.3 VERIFICAÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE ASVARIÁVEIS LEVANTADAS

Como apenas uma UGE ficou enquadrada nafaixa de grande porte (BAAF), considerar-se-á asua pontuação no questionário (20 pontos) como

Figura 2 – Pontuação atingida por meio do questionário

referência para o grau de investimento ambientalda maioria das Unidades de grande portepesquisadas. As demais UGE se enquadraramcomo sendo de médio e pequeno porte.

O referencial teórico afirma que a maioria dasgrandes empresas investe mais no meio ambientedo que a maioria das médias e pequenas empresas,pensamento que corresponde com a primeirahipótese levantada. Assim, pelo menos três dascinco UGE classificadas como sendo de médio epequeno porte precisariam apresentar umapontuação inferior a 20, o que não foi o caso.

Logo, dentro do universo de amostragemconsiderado na pesquisa realizada, conclui-se queo fenômeno observado na iniciativa privadabrasileira não ocorre no âmbito das Organizaçõesdo Comando da Aeronáutica; ou seja, não se podeafirmar que a maioria das Unidades de grande porteinveste mais no meio ambiente do que a maioriadas Unidades de médio e pequeno porte. Não seconfirmou, portanto, a primeira hipótese.

Com relação à segunda hipótese, as respostasapresentadas por meio da aplicação do questionárioevidenciaram que nenhuma das Organizaçõesconsultadas possui um programa de gestão ambientalformalmente definido, haja vista que nenhumaUnidade obteve grau 7 nas questões relativas aregulamentação interna ou existência de setor oucomissão específica que trate do assunto. Como jáfoi visto, esses requisitos foram considerados comocondição necessária para que se possa afirmar queuma UGE possui algum tipo de programa de gestãoambiental formalmente implantado. Confirmou-se,pois, a segunda hipótese.

Figura 1 – Efetivo das UGE

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6 DISCUSSÃO

Conforme relatado anteriormente, o problemacientífico foi formulado através da seguintepergunta: “Qual a influência do porte de umaUnidade Gestora no seu grau de investimento nomeio ambiente?”. A resposta, de acordo com osresultados obtidos nesta pesquisa, é que, no âmbitodas Organizações da Força Aérea Brasileira, o porteda Unidade não exerce qualquer influência sobre aadoção de ações voltadas à preservação ambiental.

A fim de se tentar encontrar uma explicaçãopara o resultado desta pesquisa sob a luz da teoriade referência, mormente no tocante à refutação daprimeira hipótese levantada, deve-se examinar asdiferenças entre a iniciativa privada e aadministração pública.

De acordo com Lemos (2008), uma das causasque levam uma empresa a adotar ou não um sistemade gestão ambiental é a possibilidade de se obtervantagens competitivas. O autor defende que asempresas que planejam a longo prazo (geralmentegrandes empresas) investem em práticasambientais, pois os gastos compensariam osbenefícios competitivos obtidos no futuro. Já nocaso das pequenas e médias empresas, oinvestimento no meio ambiente seria um custo aser evitado, a fim de se melhorar suacompetitividade no curto prazo.

Na administração pública, apesar de se planejara longo prazo, não existe a preocupação quanto àquestão da competitividade. Cabe, no entanto,ponderar se os benefícios advindos da proteção aomeio ambiente estariam restritos à obtenção devantagens financeiras ou comerciais. Como já foivisto, a questão ambiental vai muito além disso.

Muitas vezes, podem ocorrer conflitos entre aatitude mais vantajosa economicamente e aecologicamente mais adequada. Os agentes daadministração envolvidos nos processos decontratações e aquisições – Ordenadores deDespesa, Agentes de Controle Interno, Gestoresde Licitações – deparam-se com as exigências dosórgãos de fiscalização e controle da administraçãopública (Tribunal de Contas da União,Controladoria Geral da União, entre outros), quedão especial ênfase ao princípio da economicidade

em suas auditorias (BRASIL, 2006b). Como aquestão ambiental (ainda) não é objeto de cobrançapor parte desses órgãos, a obtenção do menor preçoacaba prevalecendo sobre a preservação do meioambiente.

Essa situação talvez pudesse ser corrigida coma emissão de normas e regulamentos internos, jáque a falta de padronização de procedimentos podelevar a uma inversão de valores e prioridades.

CONCLUSÃO

A qualidade de vida da humanidade naspróximas décadas, segundo a comunidadecientífica, pode estar seriamente comprometida,dependendo das ações e atitudes da geração atual.Por esse motivo, vários setores da economia vêmsofrendo mudanças, a fim de se adaptarem a umarealidade consciente quanto à preservação do meioambiente. No entanto, o sucesso desta senda estácondicionado à participação de todos.

No âmbito da Força Aérea Brasileira,atualmente, há carência de legislação que trate doassunto. Cabe, portanto, a cada Comandante, Chefeou Diretor a decisão de investir ou não no meioambiente. Com o intuito de proporcionar umdiagnóstico do atual nível de participação dasOrganizações Militares da FAB na preservaçãoambiental, bem como detectar possíveis fatores queinfluenciam essa conduta, o estudo apresentadoreuniu alguns dos principais conceitos da doutrinaem vigor.

O problema científico tratado neste trabalhoconsiste na seguinte pergunta: “Qual a influênciado porte de uma Unidade Gestora no seu grau deinvestimento no meio ambiente?”. O resultadoencontrado, dentro do universo de amostragempesquisado, é que não há uma correlação entre oporte de uma Unidade e a sua participação napreservação ambiental. A primeira hipótese foirefutada, já que a maioria das Unidades de pequenoe médio porte obteve pontuação superior à daUnidade de grande porte. Este resultado contrarioua expectativa, já que se contrapôs ao referencialteórico no que diz respeito ao fato de que as grandesempresas investem mais no ambiente do que aspequenas e médias empresas. Confirmou-se, no

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entanto, a segunda hipótese, já que nenhuma UGEapresentou medidas formalmente definidas emrelação à existência de regulamentação interna e/ou comissão específica para assuntos relacionadosao meio ambiente, condição básica para seconsiderar a consolidação de um programa degestão ambiental, segundo o referencial teórico.

Os motivos da aparentemente baixaparticipação das Organizações Militares daaeronáutica na questão ambiental podem estarrelacionados ao fato de que não há preocupaçãoquanto à competitividade entre as Organizaçõesda FAB e o meio privado, ou ainda ao fato de queo tipo de cobrança à qual a Força está submetidapossa conflitar com as ações voltadas ao meioambiente. Neste último caso, poderia estarocorrendo uma inversão de valores.

Fato é que a qualidade de vida das futurasgerações está em risco (BRAGA et al, 2002). AForça Aérea encontra-se inserida em um contextoque não deve ser ignorado, pois, como órgãoatuante na sociedade, tem o poder de influenciar opadrão de comportamento das empresas e daspessoas, além da obrigação moral de colaborar coma sua parte na causa ambiental.

Considerando-se a relevância do assunto,estudos poderão ser realizados no sentido de seimplantar um sistema de gestão ambiental na ForçaAérea Brasileira. Independentemente de haveralgum tipo de cobrança superior, deve-se ter emmente que a omissão pode ter um custo altíssimoe irreversível, tanto para o Brasil quanto para omundo.

A humanidade precisa fazer a transição para umaeconomia sustentável – que respeite os limites físicosinerentes ao ecossistema mundial e garanta quecontinue funcionando no futuro. Se não fizermosessa transição, poderemos ser punidos com umacatástrofe ecológica que reduziria sensivelmentenosso padrão de vida. (DALY1, 2005 apud LEMOS,2008, p. 14).

1“Economics in a Full World”, publicado na revista Scientific American em setembro de 2005, artigo escrito por Herman Daly, economista e Professor daUniversidade de Maryland.

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GLOSSÁRIOColeta se le t iva – co le ta que remove os res íduospreviamente separados pelo gerador, tais como papéis,latas, vidros e outros.

Compostagem – processo que consiste na estabilizaçãobiológica da matéria orgânica pela ação controlada demicrorganismos, para transformá-la em composto orgânicoou húmus, que , ap l i cado ao so lo , me lhora suascaracterísticas, sem ocasionar riscos ao meio ambiente.

Desenvolvimento sustentável – refere-se às atividadeshumanas voltadas a atender às necessidades da geraçãopresente sem comprometer a capacidade das geraçõesfuturas de atenderem suas próprias necessidades.

Gestão ambiental – forma sistemática de se encaminhara solução de conflitos de interesse no acesso e uso domeio ambiente pela humanidade.

Poluição – a l teração indesejável nas caracter íst icasfísicas, químicas ou biológicas da atmosfera, litosfera ouhidrosfera que cause ou possa causar prejuízo à saúde, àsobrevivência ou às atividades dos seres humanos e outrasespécies ou ainda deteriorar materiais, provocada pelasatividades e intervenções humanas no ambiente.

Reciclagem – processo sistemático de transformação dolixo sólido em novos produtos; procedimento industrial dereaproveitamento da matéria-prima para a produção denovos produtos (similares ou não); resultado de uma sériede atividades, pela qual materiais que se tornariam lixo, ouestão no l ixo, são desviados, coletados, separados eprocessados para serem usados como matéria-prima namanufatura de novos produtos.

Sustentabilidade – ver desenvolvimento sustentável.

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Recebido: 30/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 23/06/2009

Requisitos Ergonômicos em Aviação: importância eaplicações para a FAB

Ergonomics Requirements in Aviation: the relevanceand applications to Brazilian Air Force

*Tenente Coronel Aviador Gilvan Vasconcelos da Silva 1,2

1 Divisão de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade da Força Aérea - UNIFA.2 Doutorando em Ergonomia e Biomecânica na New York University - NYU.

*Autor: Gilvan Vasconcelos da Silva Tenente Coronel Aviador, graduado em Educação Física pela EsEFEx, graduado em Fisioterapia pela Universidade Castelo Branco-UCB, Mestre em Ciência da Motricidade Humana pela UCB, Doutorando em Ergonomia e Biomecânica pela Universidade de Nova York – NYU. Contatos: tel/fax- (21)2157-2897, tel 2157-2783 (UNIFA), cel- (21) 8872-4562 ou e-mail- [email protected].

RESUMO

Análises e intervenções ergonômicas, bem como a adoção de parâmetros antropométricos têm sido utilizadas como forma dereduzir estresses físicos nas cabines de voo, na determinação de espaços e na seleção de pilotos militares. O presente estudo tempor objetivo levantar dados da literatura que esclareçam e/ou justifiquem a aplicação dos conceitos da ergonomia e da antropometriana definição de requisitos antropométricos quando do desenvolvimento ou aquisição de aeronaves. Verificou-se que um dosprincipais fatores que afetam a qualidade de vida e o desempenho dos pilotos durante o voo está nas cadeiras presentes na cabinee que alguns assentos que equipam aeronaves da Força Aérea Brasileira não oferecem o conforto necessário às suas tripulações.Para uma precisa formulação de requisitos ergonômicos em aviação é primordial se basear, principalmente, na experiência de umagrande quantidade de usuários cotidianos, em detrimento dos pilotos de prova. A adoção de parâmetros antropométricos comocritério de admissão e seleção de pilotos tem sido bastante utilizada. As medidas consideradas críticas para uma correta avaliaçãodas dimensões da cabine de uma aeronave são tomadas na posição sentada: a estatura, a distância do glúteo ao joelho, a altura dojoelho em relação ao piso, o comprimento da perna e a altura dos olhos. Em função da antropometria, uma grande parcela dapopulação feminina é incapaz de operar efetivamente os comandos de voo. Conclui-se que o conhecimento das medidasantropométricas de uma população específica é de grande importância no desenvolvimento ou aquisição de qualquer equipamento,como também que a utilização de requisitos ergonômicos precisos em aviação pode proporcionar o aumento do rendimentooperacional e da segurança de voo, assim como a diminuição dos riscos de lesão e de óbito.Palavras-chave: Ergonomia. Antropometria. Requisitos ergonômicos. Aviação.

Requisitos Ergonômicos em Aviação: importância eaplicações para a FAB

Ergonomics Requirements in Aviation: the relevanceand applications to Brazilian Air Force

*Tenente Coronel Aviador Gilvan Vasconcelos da Silva 1,2

1 Divisão de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade da Força Aérea - UNIFA.2 Doutorando em Ergonomia e Biomecânica na New York University - NYU.

RESUMO

Análises e intervenções ergonômicas, bem como a adoção de parâmetros antropométricos têm sido utilizadas como forma dereduzir estresses físicos nas cabines de voo, na determinação de espaços e na seleção de pilotos militares. O presente estudo tempor objetivo levantar dados da literatura que esclareçam e/ou justifiquem a aplicação dos conceitos da ergonomia e da antropometriana definição de requisitos antropométricos quando do desenvolvimento ou aquisição de aeronaves. Verificou-se que um dosprincipais fatores que afetam a qualidade de vida e o desempenho dos pilotos durante o voo está nas cadeiras presentes na cabinee que alguns assentos que equipam aeronaves da Força Aérea Brasileira não oferecem o conforto necessário às suas tripulações.Para uma precisa formulação de requisitos ergonômicos em aviação é primordial se basear, principalmente, na experiência de umagrande quantidade de usuários cotidianos, em detrimento dos pilotos de prova. A adoção de parâmetros antropométricos comocritério de admissão e seleção de pilotos tem sido bastante utilizada. As medidas consideradas críticas para uma correta avaliaçãodas dimensões da cabine de uma aeronave são tomadas na posição sentada: a estatura, a distância do glúteo ao joelho, a altura dojoelho em relação ao piso, o comprimento da perna e a altura dos olhos. Em função da antropometria, uma grande parcela dapopulação feminina é incapaz de operar efetivamente os comandos de voo. Conclui-se que o conhecimento das medidasantropométricas de uma população específica é de grande importância no desenvolvimento ou aquisição de qualquer equipamento,como também que a utilização de requisitos ergonômicos precisos em aviação pode proporcionar o aumento do rendimentooperacional e da segurança de voo, assim como a diminuição dos riscos de lesão e de óbito.Palavras-chave: Ergonomia. Antropometria. Requisitos ergonômicos. Aviação.

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ABSTRACT

Ergonomic interventions and analyses as well as the anthropometric parameters have been used as a means to reduce physical stress in the flight cockpit,in space design and in the military pilots’ selection. The aim of the present study is to find out literature support in order to explain and/or justify the useof ergonomics and the anthropometric concepts application in anthropometric requirements definition when acquiring or developing new planes. The authorverified that one of the main factors that affect the quality of life as well as the pilot‘s performance during flight is in the crew‘s chair which is being currentlyused once some sittings in the Brazilian Air Force airplanes do not offer reasonable comfort to the flight personnel. Another finding was that in order tospecify accurate ergonomic requirements it is strongly recommended to base on the huge number of ordinary pilots‘ experience instead of test pilots only. Theadoption of ergonomic parameters as an admission and selection criterion has been largely used. The critical measures for a correct evaluation of theaircraft‘s cockpit dimensions must be taken in the sitting position: stature, buttock knee, knee height, leg length and eyes height. Due to anthropometry agreat part of the female population is not able to operate the flight controls effectively. It is concluded that the knowledge of the anthropometric parametersin a specific population is very important in the development or acquisition of any equipment, as well as the accurate ergonomic requirements in aviationcan promote the improvement of operational performance and flight security and the decreasing of musculoskeletal dysfunctions and death risks.

Keywords: Ergonomics. Anthropometry. Ergonomics requirements. Aviation.

INTRODUÇÃOCom a globalização e uma tendência de

homogeneização tecnológica entre os países depoder aquisitivo e/ou nível de desenvolvimentosemelhante, o fator humano aparece como o grandediferencial. Quando os equipamentos sãoequivalentes e o treinamento não apresenta grandediferença, o ponto de maior influência nodesempenho global de determinado sistema é o fatorhumano que, na aviação militar, é representado porseus tripulantes ou equipagens de combate.

Para que se possa obter o máximo desempenhoda máquina, é necessário que o ser humano suporteesforços extremos, o que se torna pouco provávelsem a perfeita interação com o ambiente de trabalho,principalmente no que diz respeito às dimensões, adisposição dos comandos e instrumentos e aestrutura do equipamento/ambiente a ser operado,bem como as características morfofisiológicas dousuário (BUCKLE et al., 1990).

Nesse escopo, uma eficiente e completacapacitação operacional e/ou reaparelhamento deuma Força Aérea deve contemplar, também, osfatores humanos e as diversas maneiras demaximizar o seu desempenho.

A forma para se alcançar essa maximização éproporcionar às tripulações maior segurança econforto, diminuir o esforço e os riscos de lesão,além de proporcionar o aumento da eficiência e daprecisão das ações e tarefas, sem, entretanto, gerar

fadiga. Tudo isso parece inalcançável, contudopode ser facilmente conquistado com a devidaaplicação da ergonomia e seus conceitos(GRAYSON et al., 2005).

Dessa forma, o objetivo deste artigo é levantardados da literatura que esclareçam e/ou justifiquema aplicação dos conceitos da ergonomia e daantropometria na definição de requisitosantropométricos quando do desenvolvimento ouaquisição de aeronaves.

1 CONHECENDO A ERGONOMIA

Segundo a International ErgonomicAssossiation (2000), o termo ergonomia, utilizadopela primeira vez na era moderna em 1857, éderivado das palavras gregas ergon (trabalho) e nomos(leis naturais), caracterizando, assim, a Ciência doTrabalho.

Ergonomia é a disciplina científica relacionadaao entendimento das interações entre os sereshumanos e os outros elementos ou fatores de umsistema. É também a profissão/atividade que aplicateorias, princípios, dados e métodos para definirprojetos, formatos e estruturas, de acordo com asnecessidades humanas, a fim de otimizar o seubem-estar e o rendimento do sistema homem-máquina como um todo (INTERNATIONALERGONOMIC ASSOSSIATION - IEA, 2000).

A era da informação resultou no aparecimentode novos campos da ergonomia como o da InteraçãoHomem-Computador (IHC), face da ergonomia que

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hoje se aplica aos projetos de painéis de aeronaves(IEA, 2000).

Os ergonomistas são profissionais quecontribuem com o planejamento, a estrutura e asavaliações das tarefas, postos de trabalho, produtos,equipamentos, ambientes e sistemas, de maneira atorná-los compatíveis com as necessidades,habilidades e limitações das pessoas (IEA, 2000).

Análises e intervenções ergonômicas são usadascomo métodos de prevenção primária, de maneiraa reduzir estresses físicos nos postos de trabalho eprevenir disfunções e lesões (GRAYSON et al.,2005).

Um dos principais objetivos das pesquisas emergonomia é proporcionar aos engenheiros eprojetistas as descobertas relativas ao desempenhohumano, de maneira a possibilitar a utilização dessesconhecimentos em forma de guia de recomendaçõesno desenvolvimento de designs que vão desde oseletrodomésticos aos aviões e espaçonaves(DEKKER; NYCE, 2004).

Segundo o IEA (2000), existem cinco aspectosque justificam o desenho ou o redesenho deprodutos, ambientes/equipamentos e sistemasbaseados nos princípios ergonômicos: aumento dasegurança a melhora do conforto a melhora domanuseio a aumento da produtividade/rendimentoe a melhora da estética/beleza/harmonia.

Pessoas nascem em todos os tamanhos e formase com diferentes capacidades e limitações, no quediz respeito à força, velocidade, julgamento ehabilidades. Todos esses fatores precisam serconsiderados no projeto de cada objeto,equipamento ou função. Assim, para solucionaresses problemas, faz-se necessária a inclusão deconhecimentos das mais diversas áreas da saúde emconjunto com a engenharia, ou seja, de todas as facesque compõem a ergonomia (PHEASANT;HASLEGRAVE, 2006).

A ergonomia vale -se de diversas disciplinas emseu estudo do ser humano e seu ambiente detrabalho, incluindo a antropometria, a biomecânica,a engenharia mecânica, a engenharia industrial, odesenho industrial, a cinesiologia, a fisiologia e apsicologia. Em virtude dessa pluralidade

disciplinar, o profissional de ergonomia,normalmente, possui formação acadêmica emfisioterapia, educação física, arquitetura ouengenharia, bem como pós-formação mestrado oudoutorado em áreas relacionadas ao estudo dascapacidades e do desempenho humano, comociência da motricidade humana, engenharia deprodução, medicina do trabalho ou, maisespecificamente, nas áreas de ergonomia ebiomecânica (IEA, 2000).

Antes de se iniciarem as consideraçõesnecessárias à elucidação da importância de seestabelecerem requisitos ergonômicos precisos econfiáveis, faz-se necessário um esclarecimentosobre o que vem a ser antropometria e qual a suarelação com os requisitos ergonômicos em aviação.

1.1 ANTROPOMETRIA

A antropometria é uma das ferramentas vitaisna determinação e na seleção de pilotos militares. Anecessidade de critérios antropométricos de seleçãoprecisos e bem definidos justifica-se por assegurara compatibilidade entre a tripulação e a aeronave,tanto durante os treinamentos quanto nas atividadesoperacionais, proporcionando conforto e segurançade maneira individual (SHARMA et al., 2007).

A antropometria foi definida pela NASA, em1978, como a ciência de medida do tamanhocorporal. Também pode ser definida como um ramodas ciências biológicas que tem como objetivo oestudo dos caracteres mensuráveis da morfologiahumana, ou seja, o método antropométrico baseia-se na mensuração sistemática e na análisequantitativa das variações dimensionais do corpohumano (SANTOS; FUJÃO, 2003).

O tamanho físico de uma população pode serdeterminado por meio da medição decomprimentos, profundidades e circunferênciascorporais, e os resultados obtidos podem serutilizados para a concepção de postos detrabalho, equipamentos e produtos que sirvamas dimensões da população usuária(PHEASANT; HASLEGRAVE, 2006) grifo nosso.

Já se pode inferir que o conhecimento dascaracterísticas e medidas morfológicas dos

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tripulantes da Força Aérea seria de grandeutilização tanto no desenvolvimento do projetode novas aeronaves quanto em determinadasadaptações nas aeronaves já adquiridas, alémda participação em projetos de desenvolvimentode novas aeronaves.

As dimensões lineares do corpo humano sãonormalmente distribuídas, e a frequência dedistribuição de uma dimensão particular revela umacurva simétrica em forma de sino conhecida comocurva de Gauss. Apenas algumas pessoas são muitobaixas ou muito altas, mas muitas se situam à voltado centro (a média) da distribuição (SANTOS;FUJÃO, 2003).

Por razões práticas, é necessário colocar limitesna extensão de população para a qual o posto detrabalho vai ser concebido. Acomodar usuários dosextremos superiores e inferiores da curva significariaque os graus de variabilidade no posto de trabalhoteriam de ser muitos grandes e iriam beneficiarpoucos indivíduos. As limitações na concepçãodevem ser bastante limitadas. Por essa razão, é práticacomum especificar designs onde caibam 90% dosutilizadores, sendo o valor mais baixo definido comoo percentil 5 de uma dimensão, e o valor mais altocomo o percentil 95 (PHEASANT;HASLEGRAVE, 2006).

Contudo quando consideramos a populaçãomundial, esses 5% em cada ponta da curva podemsignificar um percentual bem maior paradeterminada população, como no caso dosholandeses (muito altos) ou dos paraguaios (muitobaixos), isso sem contar a população feminina.Como forma de ilustrar, cabe citar o percentil 95relativo à estatura de algumas populações adultaspara o gênero masculino: Japão – 1,75 m; China –1,77 m; Inglaterra – 1,86 m; Índia – 1,70 m; Brasil –1,81 m; Estados Unidos – 1,88 m; Holanda – 1,92m (PHEASANT; HASLEGRAVE, 2006).

2 ERGONOMIA EM AVIAÇÃO

A Segunda Guerra Mundial marcou odesenvolvimento de novas e complexas máquinas earmamentos, o que levou a novas demandas decognição por parte dos operadores. O processo detomada de decisão, atenção, consciência situacional

e coordenação motora dos operadores tornou-se achave do sucesso ou fracasso das suas tarefas(PHEASANT; HASLEGRAVE, 2006).

Nesse período, observou-se que mesmo asaeronaves com mais recursos e pilotadas por pilotosbem treinados ainda se acidentavam. Em 1943,Alphonse Chapanis, um tenente do Exércitoamericano, mostrou que o então chamado “erro dopiloto ou erro humano” poderia serconsideravelmente reduzido quando painéis econtroles com localização mais lógica e funcionalsubstituíssem a disposição e a estrutura confusa dasnaceles em uso (MARMARAS et al., 1999).

Nas décadas subsequentes à Guerra, aergonomia continuou a se desenvolver e sediversificar. A Era Espacial criou novasnecessidades no que diz respeito aos fatoreshumanos tais como, a extrema leveza dos materiaise as elevadas cargas “G” (MARMARAS et al.,1999).

Até quando o Homem poderia tolerar oambiente espacial? Quais os efeitos que poderiamafetar a mente e o corpo humano? Tudo isso resultouna necessidade de aprofundamento dos estudos nosfatores humanos e a sua inclusão na produção denaves e aeronaves (PHEASANT HASLEGRAVE,2006).

Nos itens a seguir pode-se verificar algumasaplicações da ergonomia em aviação, de uma corretadescrição dos requisitos ergonômicos, bem comoda correta maneira de se realizar o processo deidentificação das necessidades ergonômicas.

2.1 ASSENTOS

Um dos principais fatores que afetam a qualidadede vida e o desempenho dos pilotos durante o voosão as cadeiras presentes na cabine. Um númerorazoável de reclamações de desconforto e de dor nascostas, durante os voos de média e longa duração,tem sido reportado pelos pilotos (LUSTED, 1994apud GOOSSENS et al., 2000).

Goossens et al. (2000) comentam que diversosautores como Wachsler, Laerner (1960), Drurycoury (1982), Snijers (1988) e Zhang et al. (1996)afirmam que os parâmetros que têm maiorinfluência sobre o conforto dos assentos derivam,em sua maior parte, da antropometria da população

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a que se destinam, bem como das consideraçõesbiomecânicas da atividade a ser desenvolvida.

Em sua pesquisa, Goossens et al. (2000) citam8 parâmetros/requisitos previstos na normaAerospace Standard 290B (AS290B), definidosespecificamente para os assentos de aeronaves,além de outros 6 de origem biomecânica,conforme tabela 1.

Um dos principais fatores relacionados com aetiologia de diversas disfunções e lesões da colunavertebral é a postura adotada pelos pilotos duranteo voo (FROOM, 1986; BOWDEN, 1987;BONGERS, 1990).

A postura errada muitas vezes está relacionadaa um desenho equivocado do assento, uma vez quenão fornecerá uma boa postura ao piloto durante ovoo (SIMPSON, 2003). O desenho do assentodas cadeiras baseado em princípiosergonômicos e medidas antropométricas é acondição básica que deve ser atendida paraassegurar ao piloto conforto e saúde,entretanto essa exigência raramente éatendida (GROOSSENS; FRANSEN, 2000 apudSIMPSON, 2003 grifo nosso).

Um estudo realizado com diversos assentosutilizados pelos pilotos da aviação civil e militaridentificou que nenhum deles atendia aos critériosbásicos de ergonomia e de biomecânica. A análiserevelou que, de maneira geral, os assentos deveriamser mais confortáveis e espaçosos, apresentar umsuporte lombar eficiente, ter os ajustes do apoio debraços melhorados, ajustes de posição vertical, laterale horizontal, permitir a modificação dos ângulos doencosto, além de um ajuste do apoio de cabeça(MOHLER, 2000).

Em estudo realizado por Silva (2006 a, b, c)com assentos de algumas aeronaves operadaspela Força Aérea Brasileira, verificou-se que,de acordo com o quadro 1 e em conformidade comos achados de Mohler (2000), o desenho dosassentos não proporciona o conforto necessário àsaúde e ao bem estar dos pilotos, podendo serconsiderado como um fator de diminuição dacapacidade operacional e da segurança devoo (grifo nosso).

De maneira a atender os requisitos de conforto,de ergonomia e de biomecânica, os assentos deaeronaves devem, dentre outras necessidades, serestofados e revestidos com material que permita atranspiração (evitando-se o couro, a napa e ocurvim), possuir regulagem de ajuste vertical,horizontal e de inclinação, possuir apoio lombaradequado e espaço para a acomodação da massaglútea (ambos necessários à manutenção dacurvatura lombar na posição sentada), possuir

Fonte: GOOSSENS et al. Biomechanical analysis of the dimensions of pilotseats in civil aircraft. Applied Ergonomics, v. 31, p. 9-14, 2000.

Segundo Goossens et al. (2000), apesar de todosos parâmetros serem de suma importância para oconforto e o desempenho dos pilotos, três delesmerecem ser destacados:

a. Ângulo de inclinação do encosto: essacaracterística permite a eliminação das forças decisalhamento entre a pele e o assento (SNIJDERS,1988), além de promover uma diminuição da pressãointradiscal na região lombar e cervical, desde quena angulação recomendada de 95º a 105º entre oassento e o encosto (GOOSSENS et al., 2000;DIJKE et al., 1993);

b. Apoio lombar: evita a retroversão de quadrile a retificação da curvatura lombar, promovendo,assim, uma diminuição da pressão intradiscal naregião lombar (GOOSSENS et al., 2000); e

c. Apoio de braço: quando ajustado na alturacorreta, reduz consideravelmente a carga sobre acoluna (ZACHARKOW, 1988 apud GOOSSENSet al., 2000).

Tabela 1 – Dimensões Standard utilizadas em assentos de pilotos

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apoio para os braços, se possível ajustável (DASILVA, 2006 a, b, c).

O quadro 1 demonstra que a grande maioria dosassentos pesquisados não possui apoio lombar e/ou espaço destinado à acomodação da massa glúteae que apenas as aeronaves de transporte, à exceçãodo C-95, possuem ajuste de inclinação do encosto.Todos são requisitos básicos para o conforto e omelhor desempenho dos pilotos durante o voo (DASILVA, 2006 a, b, c).

Nesse estudo da análise ergonômica deassentos de aeronaves, o autor verificou que ainclusão de espaço para acomodar a massaglútea, assim como a colocação de apoio lombarpoderiam ser realizados com baixíssimo custoe nas próprias dependências dos respectivosParques de Material Aeronáutico. O serviçopoderia ser realizado nas seções deestofamento, com a simples substituição emodelagem da espuma do encosto, desde que

Quadro 1 – Análise básica dos assentos dos pilotos das aeronaves operadas pela FABFonte: Da Silva, G.V. Padrão Específico de Desempenho e Treinamento Específico para Tripulantes das Aviações de Asas Rotativas, de Patrulha e de Transporte (2006a,b, c).

fossem feitas por um profissional da área e comas devidas orientações/consideraçõesergonômicas (DA SILVA, 2006 a, b, c) grifo nosso.

2.1.1 ASSENTO EJETÁVEL

Edwards (1996), em seu estudo, destaca que osnovos assentos ejetáveis (NACES seats), porapresentarem modificações ergonômicas comoinclinação do encosto/cadeira e encostos comcontornos bem definidos (suporte lombar) e áreapara acomodação da massa glútea, reduzemsignificativamente os riscos de fraturas e lesões.

De acordo com Nakamura (2007), a segundamaior causa de óbitos na ejeção se dá em virtude deuma postura inapropriada antes da ejeção. Talpostura ocorrer dar em função da atitude em que aaeronave se encontra no momento da ejeção ou emvirtude das características antropométricas do piloto,que não permitem que ele se ajuste adequadamenteà nacele.

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Como forma de minimizar a carga sobre a colunalombar, bem como minimizar a força decisalhamento entre o assento e a tuberosidadeisquiática, o ângulo do encosto ou de todo conjuntodeverá estar inclinado para trás entre 5º e 15º(GOOSSENS et al., 2000).

Corroborando esse estudo, Koek Van Dijke etal. (1993) em seu estudo de análise biomecânica eergonômica das posições da coluna cervicaldurante o voo no F-16, verificaram que ainclinação de 15º do encosto da cadeira dareferida aeronave resulta numa redução da carga(força de reação) sobre a segunda vértebra cervical(C2), como também sobre o músculo esplênio dacabeça, em função de um deslocamento posteriordo centro de gravidade do conjunto cabeça/capacete. Tal fato, além de promover maiorsegurança nas ejeções e de reduzir a incidência defraturas de vértebras cervicais em pilotos de F-16,também proporciona uma melhor capacidade demovimentação da cabeça (cheque das 6 horas)durante os combates aéreos.

2.2 PAINEL DE INSTRUMENTOS

A disposição dos instrumentos de voo tem queser de tal maneira que possa proporcionar umarápida identificação, por parte do piloto, dasinformações mais críticas e importantes. Assim,qualquer mudança nessa disposição e/ou naqualidade da informação que está sendo passada peloinstrumento deverá vir de uma avaliação ergonômicacom total participação do usuário, ou seja, os pilotos(REE, 1989).

Na maioria das vezes, a necessidade derealização de uma avaliação ergonômica vem daprópria solicitação dos pilotos. Contudo, na Era daInformação, essa necessidade pode vir dosurgimento de uma nova tecnologia e da tendênciade automação do trabalho humano (SINGER;DEKKER, 2001).

Foi assim que, no final dos anos 90, forampublicadas na Europa regras de tráfego aéreo ondeconstava a obrigatoriedade da utilização do Sistemade Gerenciamento de Voo, mais conhecido comFlight Management System ou FMS, para todas asaeronaves que usassem o espaço aéreo médio ousuperior (SINGER; DEKKER, 2001).

Os supracitados autores, em pesquisa sobre otema, comentam que a inclusão de novas tecnologiascria problemas ergonômicos específicos, uma vezque infere na mudança da prática (procedimentosjá automatizados), criam a necessidade de novashabilidades e demandas de conhecimento, bemcomo produzem novas vulnerabilidades, formas deerros e/ou fatores de risco, os quais são mais difíceisde interpretar e avaliar, Principalmente em aeronavesque foram projetadas sem o FMS ou qualquer outrosuporte de hardware (computadores, displays, etc.).

Os FMS não foram projetados para sereminseridos em aeronaves já fabricadas, eles devemser parte integrante de um projeto de uma naceleplanejada para ser completamente integrada com osmais diversos equipamentos e softwares. Dessa forma,a integração pós-fabricação da aeronave muitas vezeslimita a atuação do equipamento, além de produzirproblemas de interação computador-homemexacerbados (SINGER; DEKKER, 2001) grifonosso.

Toda essa descoberta faz -nos refletir sobre amodernização das aeronaves C-130 e sobre apossibilidade da realização de procedimentosemelhante nas aeronaves KC-137. Como usuárioda aeronave C-130, o presente autor teve aoportunidade de vivenciar alguns problemasergonômicos proporcionados pela implantação do“glass cockpit”, como a visualização parcial da telaprimária de voo ou primary flight display (PFD)do 1P ou a dificuldade em se achar os botões dedirecionamento (Heading – HDG e Course) dodiretor de voo/piloto automático, o que aumentao risco de acidente no caso de operação em mautempo, além de outros problemas advindos daintegração do painel como um todo e dadificuldade de utilização plena das capacidadesdo FMS.

Um fato bastante importante e comentando napesquisa de Singer e Dekker (2001) é o processoindicado para a definição dos requisitosergonômicos e/ou certificação do painel e,principalmente, a necessidade e relevância de seutilizar um laboratório de pesquisa de fatoreshumanos em aviação para o desenvolvimento desseprocesso.

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De maneira a melhor verificar e interpretaralguns itens como: risco de acidentes, interfaceergonômica entre as unidades (hardwares) e/ouinstrumentos, interface ergonômica entre oscontroles e comandos e interface entre os demaisequipamentos da nacele, bem como areprodutibilidade das informações e adaptabilidadeem condições com diferentes luminosidades, faz-senecessária uma ampla utilização de usuários e decritérios pré-definidos. Por ser um processoextremamente subjetivo, é primordial basear-se, principalmente, na experiência de umagrande quantidade de usuários cotidianos, emdetrimento dos pilotos de prova (SINGER;DEKKER, 2001) grifo nosso.

Segundo Singer e Dekker (2001), os principaisproblemas identificados em sua pesquisapodem ser minimizados e/ou evitados por umaformulação dos requisitos ergonômicos melhore mais detalhada, baseada numa amplaavaliação, a partir das observações coletadasnuma amostra representativa da população deusuários, num ambiente operacional completo(condições adversas, panes, noturno, variedadede aeródromos, outros), sendo as certificaçõesbaseadas nos fatores humanos (requisitosergonômicos) a garantia da segurança de voofutura (grifo nosso).

2.3 CABINE DE VOO

Como principal ambiente vivenciado pelospilotos, as cabines de voo devem ser projetadasobedecendo alguns padrões e critérios de confortoe praticidade, de maneira a proporcionar um melhorcontrole da aeronave, desempenho da tripulação esegurança às operações e procedimentos, nas maisdiversas condições (MOHLER, 2000).

A Federal Aviation Administration (FAA), pormeio da Federal Aviation Regulation Part 25 (FAR25), define alguns requisitos ergonômicosmandatórios para o projeto de uma nacele, taiscomo: (1) o compartimento de cada piloto e seusrespectivos equipamentos devem permitir que atripulação realize os seus procedimentos de voo semque o corra uma concentração excessiva e/oufadiga; (2) todo sistema deve ser projetado ou

ajustado dentro de uma faixa de regulagenscompatível com determinada população de pilotos,sem produzir sobrecargas danosas a eles e/ou àaeronave [...]; (3) cada controle no interior da naceledeve estar localizado de maneira a prover umaoperação conveniente, bem como prevenirconfusões e/ou acionamento inadvertido(SINGER; DEKKER, 2001).

Este último requisito diz respeito,principalmente, à forma e à disposição dos botõese interruptores, pois numa situação adversa e/oude mau tempo, situações como ter de virar a cabeçapara ver/procurar o botão ou ser traído pelo tato,na busca de determinado interruptor, podem levarà eminência de grande perigo. Um exemplo realdessa impropriedade ergonômica ocorreu nainclusão do FMS nas aeronaves C-130, pois alémde os botões de direcionamento (Heading – HDGe Course) do diretor de voo/piloto automáticoficarem em posição diferente (ligeiramente atrás) daencontrada nas aeronaves não-modernizadas(procedimentos já automatizados), o tamanho e aforma também atrapalham a sua localização, umavez que são muito semelhantes aos botões dovolume dos rádios VHF, ocasionando, na maioriadas vezes, o acionamento do botão errado. Umagravante é que os pilotos voam os dois tipos deaeronaves/painel (modernizadas e não-modernizadas).

Este exemplo nos traduz, de forma bastante clarae real a necessidade da correta formulação derequisitos ergonômicos quando de determinadamodificação e/ou fabricação de uma aeronave, bemcomo a importância de se realizar umlevantamento com uma ampla amostra dosverdadeiros usuários para a identificação dasnecessidades e requisitos ergonômicos.

As medidas consideradas críticas para umacorreta avaliação das dimensões da cabine de umaaeronave são tomadas na posição sentada: a estatura,a distância do glúteo ao joelho e a altura do joelhoem relação ao piso (REE, 1989).

Uma das posições importantes para se aferir aadequação dos pilotos em relação à nacele é achamada “posição projetada para os olhos” (PPO),em que o piloto consegue olhar para fora por sobre

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o painel e ainda é capaz de visualizar as luzes deaviso na parte superior do painel e o indicadoreletrônico de atitude (EHSI) logo acima da colunade comando do manche. Essa posição também devepermitir ao piloto alcançar confortavelmente ospedais, o manche e as manetes de potência, sendonormalmente adotada nos pousos, decolagens edurante o “taxi” (REE, 1989).

Buckle et al. (1990) chamam de “ponto dereferência dos olhos” (eye reference-point – ERP) edefinem como o ponto que assegura aos pilotos umavisão adequada tanto do dos instrumentos da cabine(visão interna) quanto da área a sua frente (visãoexterna). A partir desse ponto devem serdeterminadas as medidas de distância/alcance e asvariações da posição do assento, do movimento dospedais e do manche e das distâncias para os controlese comandos específicos.

As aeronaves devem permitir um amplo ajustedos pedais e assentos, de maneira a permitir quetanto os pilotos altos quanto os de baixa estaturapossam operar com segurança, uma vez que emcondições anormais ou de emergência, a operaçãodos pedais pode tornar-se crítica. No caso defalha de um dos motores, principalmente, durantea decolagem, uma grande força deverá seraplicada no pedal o posto para que se possacontrolar a aeronave. Nessa condição, o espaçoinsuficiente para as pernas (pilotos altos) ou afalta de um ajuste mais próximo da cadeira e/oudos pedais (pilotos baixos) pode gerar um graveproblema (REE, 1989).

Na situação descrita acima, podem-sevislumbrar duas situações: 1) se, principalmente,as mulheres estariam ergonomicamente e/ouantropometricamente habilitadas a voar aeronavescomo o C-130 (ex. pane em dois motores do mesmolado); e 2) se não seria necessário o estabelecimentode limites antropométricos na seleção de pilotosda FAB para a operação de determinadasaeronaves.

Outra situação seria a possibilidade de serealizar pequenas adaptações (nível parque) defuração dos ajustes das cadeiras e/ou dos pedais.Haja vista que os C-130 adquiridos da Itáliapossuem furação do ajuste das cadeiras diferente

das encontrada em aeronaves adquiridas nos EUA,permitindo uma maior aproximação do painel.Talvez por serem os pilotos italianos de estaturamédia inferior aos pilotos americanos. Falta saberse tal ajuste foi feito na Força Aérea italiana ou sefoi um requisito ergonômico solicitado à Lockheedquando da compra das aeronaves.

Buckle et al. (1990) definem 8 medidas a seremconsideradas na avaliação e/u definição de requisitosergonômicos da nacele em função da antropometriada população usuária. São eles: (1) altura dos olhosna posição sentada; (2) comprimento nádegas-joelho; (3) comprimento de alcance do braço(manche); (4) alcance acima da cabeça; (5)comprimento nádegas-calcanhar; (6) espaço útil dacoxa – distância entre a borda inferior do fixadorde mapas do manche e o assento; (7) profundidadeabdominal – distância entre o encosto e o manche,quando este é todo puxado para trás; e (8) alcancelateral das mãos.

Esses autores sugerem a aplicação de requisitose parâmetros antropométricos para a admissão eseleção de pilotos, enfatizando que tais critériosdevam ser estabelecidos de forma científica, o quepermitirá que um(a) candidato(a) inelegível sejaexcluído com uma aceitável margem de segurança(nível de confidência).

Esse estudo demonstrou que, em função daantropometria, uma operação efetiva da nacele/comandos de voo ultrapassa as capacidades de umamaior proporção da população feminina que dapopulação masculina. O que levanta a questão doestabelecimento de critérios de seleção baseados naantropometria necessária para operar uma gamavariada de aeronaves, principalmente no que dizrespeito ao público feminino.

Cabe ressaltar que a metodologia paraestabelecer os critérios de seleção baseados naantropometria pode ser utilizada na avaliaçãoda compra de aeronaves e/ou na definição derequisitos ergonômicos na construção/projetode novas aeronaves, como forma de assegurarse uma operação efetiva e segura não serálimitada por indivíduos com determinadasdimensões antropométricas (BUCKLE et al.,1990) grifo nosso.

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3 LESÕES E DISFUNÇÕES

Por ser um ambiente complexo, existem diversosmecanismos que podem justificar a relação entre ovoo e algumas lesões mioarticulares. O esforçoexigido pela posição sentada, a sobrecarga dosligamentos e o aumento da pressão intradiscal, osmúsculos espinhais fatigados pelo estresse de umapostura rígida, cargas repetidas e/ou constantesdurante o voo, principalmente sobre a coluna devidoa uma postura inadequada, grandes acelerações(carga “G”) ou a vibração, podem causardegeneração e criar microfraturas no platô dasvértebras, impedindo a nutrição dos discos oucriando cortes microscópicos nos anéis fibrosos(SANDOVER,1986; TROUP, 1986, apudBOWDEN, 1987).

Com o passar dos anos, pode ocorrer odesenvolvimento de processos degenerativos poraplicações de forças irregulares, levando àincapacidade funcional temporária ou permanente(COBIN et al., 1980; FAIRWEATHER et al., 1993apud ROSA; et al, 2002).

Além de afetar a qualidade de vida dastripulações, as dores e lesões afetam diretamente asegurança de voo, o desempenho dos pilotos, adisponibilidade para a atividade aérea (dispensasmédicas) e a prontidão operacional, elevando apossibilidade de “erro humano” (HANSEN;WAGSTAFF, 2001; SHANAHAN et al., 1986;FROOM et al. 1986; BOWDEN, 1987; SHEARDet al., 1996; PELHAM et al., 2005; DA SILVA, 2005;DA SILVA, 2006).

Estudos têm sugerido uma maior prevalênciade lombalgia em pilotos de helicóptero (PH)quando comparados à população em geral(FROOM et al.,1986). Segundo Simpson (2003),apesar de os pilotos de helicóptero serem os maisacometidos pela dor nas costas, seus estudosapresentaram uma prevalência de 52% em pilotosda aviação geral da Inglaterra e da Irlanda,demonstrando que os problemas de coluna sãoas principais disfunções que afetam essa classe(grifo nosso).

Corroborando esses achados, em pesquisatambém realizada por Da Silva (2005), com 789aviadores da Força Aérea Brasileira, divididos

em pilotos de helicóptero (PH), de instrução –AFA (PI), de patrulha (PP), de caça (PC) e detransporte (PT), encontrem-se índices de prevalênciade dores nas costas bastante elevados: PH(66,7%), PI (58,3%), PP (46,6%), PC (44,7%) e PT(36%), que superamo, inclusive, algumas médiasmundiais.

Outros dados importantes encontrados foramque 7,2% dos pilotos declararam já terem ficadoindisponíveis para o voo por motivo de dor,confirmando o seu potencial em produzir prejuízoseconômicos, funcionais e operacionais, comotambém já tem sido observado no Canadá e naNoruega (HANSEN; WAGSTAFF, 2001) e 48,7%daqueles acometidos pela dor nas costas admitiramqueda no seu rendimento/desempenho durante ovoo, comprometendo, assim, a segurança (SILVA,2005) grifo nosso.

3.1 RISCOS E PREVENÇÃO

Segundo Grayson et al. (2005), diversos estudostêm associado os fatores de risco decorrentes degrandes esforços de força, movimentos repetitivos,má postura e vibrações ao desenvolvimento delesões no ambiente trabalho. Verifica-se que são osmesmos riscos a que são submetidos os tripulantesde aeronaves militares.

Para melhor elucidar esses riscos, é importantecitar o estudo de Dijke et al. (1993) que verificouuma elevada sobrecarga sobre as estruturas dopescoço de pilotos militares quando em missões decombate simulado em aeronaves F-16, momento noqual a carga “G” é bastante elevada (5 a 7G). Dentreas principais estruturas afetadas, os músculostrapézio e esternocleidomastóide merecem destaque,pois quase atingiram as suas máximas forças deatuação (momento no qual o músculo torna-seincapaz de sustentar e/ou mover determinadoseguimento), já que a força gerada pelo conjuntocabeça-capacete passou de 63N para 383N (umacarga seis vezes maior). Outra estrutura bastantesacrificada foram as vértebras cervicais, umavez que sofreram um aumento da carga de10 a 20 vezes quando comparada à posiçãoneutra. Este aumento foi tão significativoque ultrapassou a força estimada de reação

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da articulação, que é de 960N, atingindo o valorde 1989N, ou seja, mais de duas vezes a forçanecessária para causar fraturas nas vértebras.Esses achados corroboram o estudo de Shall (1989),que observou fraturas nas vértebras cervicais emalguns dos pilotos de caça pesquisados.

Uma das possíveis explicações para que ataxa de fraturas de vértebras cervicais em pilotosde F-16 não seja elevada é a inclinação paratrás de todo o conjunto do assento em 15º. Estainclinação, juntamente com a colocação decontrapesos no capacete, são adaptaçõesergonômicas derivadas de estudos de biomecânicae são suficientes para deslocar o centro degravidade do conjunto cabeça-capacete para umaposição de 2cm atrás da articulação atlanto-occiptal. Essa mudança gera uma diminuição nacarga sobre as vértebras de 0,9 vezes (DIJKEet al., 1993). Esse é um exemplo real de umaadaptação ergonômica que possibilitou umaumento da capacidade humana em sustentarcargas extremas e a não-limitação da máquinapor parte do homem.

Em seu trabalho Grayson (2005) citam queum grande número de autores (ARNETZ &MEISEL, 2003; BERNACKI ; TSAI, 2000;FEURSTEIN et al.; 1993; HIGGFS &MACKINNON, 1995; MELHORM, 1996;NORRIS, 1993; PUNNET & WEGMAN, 2004;outros) têm defendido a importância dasmudanças ergonômicas nas cabines de voo, demaneira a reduzir os riscos de lesões e oscustos decorrentes do afastamento de tripulantes.

A redução da demanda física emdeterminado posto de trabalho é um eficientemodo de prevenir o aparecimento de lesões,além de poder melhorar a segurança, a eficiênciae a produtividade (GRAYSON, 2005) grifo nosso.Simples modificações no posto/ambiente detrabalho podem permitir que as tarefas sejamrealizadas com um gasto e um esforço menor porparte do trabalhador, o que tem levado aempresas e empregadores a se preocuparemcom a adequação do ambiente ao trabalhador(GRAYSON, 2005).

No caso dos aeronavegantes, essas pequenasmodificações correspondem, por exemplo, a uma

melhor disposição dos instrumentos, ergonomia dascadeiras, peso e contrapeso dos capacetes ou amelhora do conforto dos assentos, como umasimples substituição da espuma do encosto,permitindo a inclusão de um suporte lombaradequado às exigências da atividade aérea.

4 REQUSITOS ERGONÔMICOS

São medidas, modelos e parâmetros necessáriosa uma melhor adequação do ambiente de trabalho,do equipamento e/ou objeto utilizado ou do gesto/tarefa realizado, de maneira a melhorar odesempenho, o conforto e a qualidade de vida,minimizar acidentes, desconfortos ou lesões, sendoestabelecidos mediante pesquisa experimental como sujeito (usuário) desejado (PHEASANT;HASLEGRAVE, 2006).

As pesquisas realizadas para a definição dedeterminados requisitos, parâmetros ou design,seguem uma sequência específica para melhor atingiros níveis ideais de interação entre o homem e amáquina, objeto, equipamento ou ambiente(GRAYSON, 2005).

4.1 IDENTIFICAÇÃO E DETERMINAÇÃO DEREQUISITOS ERGONÔMICOS

Para se identificar e determinar quais são osrequisitos ergonômicos para determinadaatividade, é necessário compreender os estressoresou fatores de risco, como por exemplo, a adoçãode posturas assimétricas, vibrações, movimentosrepetitivos, necessidade de grande utilização daforça ou de grande esforço para alcançardeterminado objeto/equipamento ou interruptor.A partir de então, determinam-se os requisitosergonômicos, os quais poderão ser as correções,no caso de estruturas já existentes, ou a estrutura(design) necessária para reduzir ou eliminar osestressores, no caso de novos projetos (GRAYSON,2005).

Considerando que a identificação de requisitosergonômicos é, em sua essência, uma pesquisacientífica, deve-se adotar, como primeira medida,a seleção de um problema que apresente umimpacto prático. Esse problema deve corroborarou testar uma determinada teoria ou suprirdeterminada necessidade. A pesquisa deve levar

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em consideração sempre o usuário, o qual deveselecionar uma ou mais variáveis dependentes deinteresse da ergonomia tais como segurança, saúdeou desempenho. As variáveis independentes devemser selecionadas em diferentes níveis. Normalmentetesta-se algum fator já existente como um ambiente,equipamento ou software (BROOKHUIS et al.,2005).

Durante o processo de testagem e/ou definiçãode requisitos, os usuários devem dar instruçõesminuciosas ao pesquisador, descrevendo osmétodos e/ou tarefas por eles realizadas nocotidiano. Os usuários permitem aos pesquisadoresreconhecerem todas as possíveis combinações einterações que poderiam acontecer (BROOKHUISet al., 2005). Partindo-se dessa relação usuário/pesquisador pode-se inferir que a situação perfeitaseria aquela em que o pesquisador também é umusuário, ou seja, no caso da aviação o ideal é que oergonomista também fosse piloto.

Outra situação desejável numa pesquisaergonômica é que, além de um número grandede usuários participando do estudo, tambémsejam conduzidas e comparadas múltiplasobservações e testes de desempenho, demaneira a se maximizar os resultados e,conseqüentemente, as suas análises (SINGER;DEKKER, 2001).

Uma vez completada a fase de experimentos, oredimensionamento ou a reestruturação doambiente e/ou a redefinição do gesto/tarefadeverão ser realizados considerando os dados dossujeitos estudados (PHEASANT; HASLEGRAVE,2006).

Normalmente, o experimento se inicia com umestudo piloto, ou seja, com um número reduzido deusuários e, depois de acertado algum detalhemetodológico, parte-se para o estudo propriamentedito, já com um grande número de usuários(BROOKHUIS et al., 2005).

Para que o estudo tenha a validade esperada, éimportante que o pesquisador, antecipadamente,certifique-se de que os sujeitos realmenteentenderam como funciona o teste e/ou oequipamento, e que o teste pode ser finalizadodentro do tempo disponível. Todos os tempos e

demais medidas devem ser cuidadosamenteverificados e registrados em local próprio. Uma vezque todos os dados foram compilados, deverão sertabulados e analisados de maneira rígida e correta,utilizando-se os mais diversos testes estatísticos(BROOKHUIS et al., 2005).

As práticas ergonômicas são normalmenteaplicadas de acordo com duas abordagens: a reativae a proativa. A ergonomia reativa é aquela que seaplica quando alguma coisa necessita ser consertadae uma ação corretiva tem que ser tomada. Já aergonomia proativa é o processo de busca de áreasque poderiam ser melhoradas e corrigidas antes detornarem-se um grande problema, ou num projetode desenvolvimento de um novo produto e/ouequipamento. Esses problemas podem sercorrigidos, principalmente, por meio dareestruturação do equipamento, da tarefa ou doambiente (BROOKHUIS et al., 2005).

Uma das formas mais indicadas para se iniciaruma proposta de melhoria é a realização de umaavaliação ergonômica. O objetivo de uma avaliaçãoergonômica é identificar facilmente os estressoresfísicos e/ou psicológicos e soluções estruturais e/ou administrativas que sejam factíveis, de maneira areduzir a demanda física ou psicológica relacionadaao trabalho (GRAYSON, 2005).

Para que se tenha uma precisa identificaçãoe descrição dos fatores de risco associados àatividade estudada em determinado posto detrabalho, tarefa ou equipamento, o ergonomistadeve realizar uma entrevista com as pessoasenvolvidas (usuários). Algumas perguntas como“quais são as tarefas/procedimentos mais difíceisde serem realizados em função da disposição dosobjetos, equipamentos e/ou instrumentos?”devem ser efetuadas, de maneira a permitir umamelhor identificação das deficiências, por partedo avaliador. Outra grande importância de seenvolver os usuários no processo de avaliação deriscos e sugestões de modificação é que estudosconfirmam que, quando os usuários são envolvidosnesse processo, as modificações têm maioreschances de serem corretas, além de uma maioraceitação delas (PHEASANT; HASLEGRAVE,2006).

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Após uma modificação ergonômica reativa, éimportante que o ergonomista informe ao usuárioexplicações sobre as razões e os benefícios dasalterações, bem como prover informação sobre abiomecânica dos movimentos e da técnica derealização de tarefas afetas ao cotidiano do trabalho(GRAYSON, 2005).

5 REQUSITOS ERGONÔMICOS EM AVIAÇÃO

Na prática, quando se projeta algum espaço parauma população mista de adultos usuários compostaaleatoriamente por homens e mulheres, é muitocomum utilizar a faixa que vai do percentil 5%feminino ao 95% masculino, ou seja, visa atenderentre 90% e 95% da população pretendida(PHEASANT; HASLEGRAVE, 2006).

Em relação às dimensões de determinada nacele,o ideal é que as aeronaves sejam projetadas paraacomodar uma grande faixa de pessoas e com grandevariação de medidas antropométricas. Assim,quando não é possível realizar adaptaçõesergonômicas nas aeronaves, devem-se estabelecerlimites antropométricos para a seleção de pilotos(REE, 1989).

Para ilustrar esse raciocínio, cabe citar oestudo de Buckle et al. (1990), que ao confrontar asmedidas antropométricas da população britânicacom as dimensões das cabines de aeronaves comoos Boeing 737-200, 747 e 757, assim como oLockheed TriStar, encontraram que 73% damulheres e 13% dos homens entre 19 e 65 anosestariam fora da curva de usuários/tripulantes,ou seja, não seriam capazes de pilotar tais aviõescom segurança e/ou dentro do desempenhoesperado (grifo nosso).

Ainda dentro desse escopo, encontra-setambém o estudo de Ree (1989) com 568 pilotosholandeses da KLM, em que 6% estão acima dopercentil 95 (1,90m) para as dimensões das nacelesdas aeronaves pesquisadas. Neste estudo ficoucaracterizado que o Boeing 747-200/300 e oDouglas DC-9 são desconfortáveis para pilotosacima de 1,96m e que no Air Bus 310 não há espaçonecessário para acomodar as pernas de pilotos acimade 2,00m de altura, o que vem a prejudicar odesempenho desses pilotos e a segurança de voo.

Conclui-se que as dimensões das naceles dessasaeronaves atendem a menos de 90% da populaçãode pilotos da KLM.

Para que se possa dimensionar e/oudefinir requisitos ergonômicos para asaeronaves, é necessário que se saibam asdimensões da população usuária, tanto deforma estática quanto dinâmica (PHEASANT;HASLEGRAVE, 2006) grifo nosso. As dimensõesestáticas são medidas feitas em posições corporaisfixas entre pontos anatômicos do esqueleto. Muitasdelas estão relacionadas com o design especifico decertas aplicações, como por exemplo, capacetes, ecom o design de espaços de trabalho, em que osdados são utilizados para estabelecer as dimensõesmínimas (GRAYSON, 2005).

Por exemplo, o limite prático para o alcance dobraço não é o comprimento do ombro até á pontado dedo porque os operadores empregarão outrosmovimentos articulares para ir além destecomprimento. Assim os dados antropométricosdinâmicos são também necessários para estabeleceroutros fatores como, por exemplo, o alcance.

Essas dimensões são tiradas quando o corpo estáefetuando alguma atividade física, como porexemplo, o movimento para acionar um controle/comando qualquer. Neste tipo de dimensões oalcance tem lugar de destaque, uma vez que azona de alcance conveniente pode ser definidacomo o espaço no qual o objeto pode serconvenientemente atingido, isto é sem um esforçoexcessivo (SANTOS; FUJÃO, 2003).

Um bom exemplo da utilização dessas medidasé a utilização por alguns países de parâmetrosantropométricos como critério de seleção de pilotos,uma vez que, se não estiverem bem “ajustados” àmáquina, sofrem um grande risco de lesão e até demorte.

Segundo Sharma et al. (2007), as medidasantropométricas estáticas referentes a estatura,peso, altura sentado (sitting height),comprimento da perna (leg length) ecomprimento da coxa (khigh length)apresentaram uma grande relação com as dimensõesdas naceles nas aeronaves estudadas. O autordestaca a altura sentada como a principal medida

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na seleção de pilotos de caça, uma vez que é fatordeterminante na (1) área de movimentação dacabeça, (2) no ponto de referência dos olhos -design eye point (DEP) e (3) na faixa de ajuste dealtura do assento para uma adequada visão dosambientes internos e externos (grifo nosso).

Uma das principais utilizações das medidasantropométricas em aviação é apresentar aslimitações de uso em função das dimensões danacele e do sistema de ejeção (SHARMA et al.,2007).

No estudo de Sharma et al. (2007) realizado com115 candidatos a pilotos de caça, 27,82% foramconsiderados inaptos a voar a aeronave detreinamento, principalmente em função da limitaçãoimposta pela altura sentado, conforme descrita natabela 2. Tal rigor faz-se necessário em função dasdimensões da nacele e, principalmente, em virtudedas recomendações de segurança em caso de ejeção(SHARMA et al. 2007) grifo nosso.

Segundo Shama et al. (2007), a segunda medidamais importante na seleção de pilotos de caça é ocomprimento da coxa, que a Força Aérea da Índiaestabelece 64 cm como o comprimento máximo.Esse parâmetro assume grande relevância,principalmente por dois fatores: pela necessidadede se obter espaço suficiente para a operação dospedais e pela possibilidade de chocar os joelhoscontra o painel durante uma ejeção.

Os limites/requisitos antropométricosadotados pela Força Aérea Indiana na seleção deseus pilotos de caça (tabela 2), visam proporcionar-lhes maior segurança e conforto, além de umamelhor resposta no desempenho do conjunto

Homem/Máquina. Cabe ressaltar que os limitesinabilitam o piloto a voar determinada aeronave,assim, como exemplo, pode-se citar que os pilotosque, no exame de seleção, apresentarem a medidade comprimento da coxa (Thigh length) superior a 64cm estarão incapacitados de iniciar o curso decaça.

Como forma de comparação entre parâmetros,verifica-se que no estudo de Visuri e Aho (1992),no processo de seleção de pilotos de caça, a ForçaAérea da Finlândia adota 65 cm para ocomprimento máximo da coxa (thigh length) eo valor máximo de 98 cm para o comprimento dacoluna (spine length) . Tais diferenças deparâmetros devem-se às diferenças de dimensõesdas naceles de aeronaves distintas ou de algumequipamento (kit de sobrevivência, traje específico,capacete, NVG,entre outros) que altere as limitaçõesantropométricas estáticas.

Fonte: SHARMA, S., RAJU, K.S., AGARWAL, A. Static anthropometry: currentpractice to determine aircrew compatibility. Indigenous Journal of AerospaceMedicine, v. 51, n. 2, p. 40-47, 2007.

Tabela 2 – Limites antropométricos para a seleção de pilotos de caça da ForçaAérea da Índia.

Fonte: MORONEY, W.F., KENNEDY, R.S., GIFFORD, E.C., PROVOST, J.R.Selected anthropometric dimensions of Naval Aviation Personnel. Navy Bureauof Medicine and Surgery,Project Report No BuMed MF12.524.002.5012DX5X,1971.

Tabela 3 – Limites antropométricos para a seleção de pilotos de caça daMarinha dos EUA.

De maneira a melhor exemplificar a influênciado tipo de aeronave sobre os limitesantropométricos de seleção de pilotos de caça, bemcomo possibilitar a comparação entre as diferençasdos parâmetros praticados entre as Forças Aéreasda Finlândia e da Índia, a tabela 3, que mostra oslimites utilizados pela Marinha Americana(MORONEY et al., 1971), traz, ainda, parâmetrosdistintos dos citados anteriormente.

Em virtude do aumento do número de mulherespilotos, as quais apresentam peso corporal edimensões menores do que dos homens, bem comoda necessidade potencial de ajuste ou redesenho dosassentos ejetáveis, o estudo de Edwards (1996) tevecomo objetivo confirmar que as medidasantropométricas são significantes fatores de riscopara a ocorrência de lesões na ejeção. As variáveis

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antropométricas pesquisadas foram peso, altura,IMC, altura do tronco (trunk height) e alturasentado (sitting height) grifo nosso.

Nesse estudo, onde foram avaliadas 199 ejeções,ficou caracterizado que pilotos com o peso acimade 88 kg apresentaram grande risco de lesões severas(definidas como qualquer lesão que resulte emfatalidade, invalidez parcial ou completa) durante aejeção. Da mesma forma, aqueles com a medida dealtura do tronco maior que 66 cm ou estaturasuperior a 1,86 cm apresentaram uma significativaprevalência de fraturas vertebrais (EDWARDS,1996).

Já no estudo de Patterson (1989), que analisou754 ejeções de 1977 a 1986, indivíduos queapresentam peso abaixo da média (78 kg naamostra estudada) ou uma estrutura corporalalta e magra (baixo IMC) apresentaram um maiorrisco de sofrer lesões na coluna induzidas pelaaceleração.

Dessa maneira, percebe-se que os achadosapontam para uma faixa de peso ideal acima de78 Kg e abaixo de 88 Kg, tomando como base aslesões provocadas pela ejeção, chegando àincapacidade total e ao óbito, para pilotos fora dareferida faixa de peso. Como também para umapreocupação com as aviadoras, uma vez que, emmédia, possuem peso abaixo de 78 Kg.

De acordo com o estudo de Buckle et al. (1990),realizado com pilotos de linha aérea, as medidas dedimensão da nacele são tiradas a partir do eyereference point (ERP) relativo à cadeira docomandante da aeronave. Dentre algumas medidasutilizadas para a seleção de pilotos destacam-se aaltura dos olhos na posição sentada (seated eyeheight), o comprimento da coxa (buttock-kneelength) e o comprimento da perna (buttock-heellength), conforme tabela 4.

A partir dos dados demonstrados na tabela 4,pode-se perceber que os parâmetros para pilotosde linha aérea são um pouco maiores quandocomparados aos exigidos para os pilotos de caça,em função de não existir a necessidade de uma nacelede tamanho reduzido, bem como os riscos de lesãoassociados à ejeção.

Segundo Ree (1989), a utilização isolada daestatura para a definição / avaliação das dimensões

de uma nacele não é uma técnica adequada,uma vez que existem outras variáveisantropométricas tão ou mais importantes. Para oautor, as medidas consideradas críticas são alturasentada (setting height), comprimento da coxa(buttock-knee length) e altura do joelho (kneeheight).

Essa consideração é bastante válida, uma vezque a estatura, isoladamente, não representa umaproporcionalidade humana absoluta, além de queos critérios críticos já percebidos na literatura são ocomprimento da coxa e a altura na posição sentada,por motivos de segurança.

5.1 ERGONOMIA DEFICIENTE X POSSÍVEISPROBLEMAS

Uma ergonomia deficiente pode limitar odesempenho do homem e, por conseqüência, amáquina terá as suas possibilidades de empregoreduzidas. Dessa forma, é de grande importânciadar atenção a essas deficiências e procurarcompensá-las ou minimizá-las, uma vez queafetam também a s egurança de voo (REE, 1989),principalmente quando se trata de aeronaves decombate. Essas deficiências pode ser mais bemcompreendidas a partir do quadro 2.

5.2 ALGUMAS REALIDADES VIVENCIADAS

A partir de um processo de observação, opresente autor verificou que atualmente a falta depessoal especializado na Força Aérea para adefinição correta dos requisitos ergonômicosaplicados à aviação já tem refletido em algumasdeficiências de ajuste/alcance e manuseio/operação de comandos e equipamentos, bemcomo de compatibilidade e adequabilidade de

Fonte: BUCKLE, W.P., DAVID, G.C., KIMBER, A.C. Flight deck design and pilotselection: anthropometric considerations. Aviation, Space and EnvironmentalMedicine, v.61, n.12, p.1079-1084, 1990.

Tabela 4 – Limites antropométricos para a seleção de pilotos em relação asaeronaves Boeing 737-200, 747 e 757 *Percentil 5% e 95% para cada gênero.

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Quadro 2 – Problemas decorrentes de uma ergonomia deficienteFonte: REE, J.J.D. The use of graphs in the ergonomic evaluation of tall pilots’ sitting posture. Aviation, Space and Environmental Medicine, v. 60, p. 1011-15, 1989.

algumas aeronaves operadas pela FAB às tripulaçõesbrasileiras. Essas realidades podem ser melhorelucidadas nos exemplos apresentados a seguir:

1. Ejeção do Tucano: o fato de termos hoje umalimitação de 1,87m como estatura máxima para aadmissão na Academia da Força Aérea (AFA) parao quadro de aviadores, prende-se a uma deficiênciade projeto no momento da definição dos requisitosergonômicos, em relação à posição/altura dopainel, dimensões da nacele/canopi e da cadeira deejeção. Pois, uma vez que a aeronave tenha sidoprojetada e construída no Brasil, deveria atender,na opinião do autor, uma faixa maior de nossapopulação;

2. Modernização do C-130: baseado emexperiências pessoais deste autor, pode-seidentificar/selecionar 5 deficiências, a seremdescritas a seguir;

a) o manche não permite a visualização completado PFD, na posição do piloto em comando;

b) o botão do HDG no EFIS Control Panel ficamuito atrás (aproximadamente na relativa de 100ºda lateral direita do piloto – Cmt/1P),necessitando de um grande giro de cabeça/troncopara visualizá-lo, bem como de uma extensão

com rotação externa de ombro excessiva para seralcançado (situação de risco no caso de maltempo, além do risco de lesão);

c) o botão do HDG no EFIS Control Panel, alémde ficar muito próximo (menos de 2cm) dobotão de volume do VHF, ainda possui tamanho eformato semelhante. O que, na maioria das vezes,ao tentar acioná-lo e piloto executivo umacionamento inadvertido do botão de volume(também uma situação de risco no caso de mautempo);

d) as manetes de controle das hélices atrapalhama utilização do teclado do CDU do copiloto,principalmente as teclas numéricas, o que dificultae torna mais lenta a troca das frequências dosauxílios à navegação ou a modificação deprocedimentos de subida e de aproximação; e

e) os instrumentos reservas (analógicos) emcima do painel atrapalham a visão externa,principalmente quando se está a realizando acurva base pelo lado direito.

3. Ergonomia dos Assentos: como se pode verno quadro 1, os assentos das aeronaves operadaspela FAB e que foram analisadas estão bemaquém do que seria necessário para proporcionar

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aos pilotos o conforto necessário a um bomdesempenho. Dentre esses, cabe destacar oP-95B, aeronave do início da década de 90 eproduzida pela EMBRAER, que, aparentemente,não levou em conta sequer a antropometria dospilotos brasileiros ou o fato de a aeronavepermanecer sete horas voando, deixando decumprir requisitos básicos como a presença deapoio lombar e ajuste de inclinação do encosto(DA SILVA, 2006);

4. Nacele do CASA 295 (Amazonas): emrecente pesquisa realizada por este autor,verificou-se uma dificuldade de entrar e sair danacele (área de circulação) para pilotos acima de1,75m. Talvez este fato pudesse ter sido evitadoe/ou minimizado se soubéssemos o perfilantropométrico de nossos tripulantes e osrequisitos ergonômicos para a aquisição fossemfeitos levando em consideração esse perfil.

Esses são apenas alguns exemplos daslimitações que o desconhecimento da ergonomiapode trazer. Espera-se que, uma vez esclarecidae destacada a sua importância e o seu valor,possa-se aprofundar estudos nessa área eaumentar o desempenho das equipagens decombate da Força Aérea Brasileira, a partir dasua correta utilização.

6 DISCUSSÃO

A utilidade dos conceitos e princípios daergonomia e da biomecânica, bem como a posse doseu conhecimento, é de suma importância paraqualquer Força Aérea, sendo um fator de surpresaestratégica, por permitir uma maior “autonomia” edesempenho das equipagens, podendo, também,significar o equivalente a um ponto de rupturatecnológica, uma vez que pode vir a ser o diferencialnum conflito.

A não observância das dimensões das aeronavespara a sua operação segura, conforme orientaçãodo fabricante e não adequação das equipagens a essasdimensões podem estar colocando a vida de algunstripulantes em risco, de acordo com as pesquisasde Ree (1989), Buckle et al. (1990), Masmaras et al.(1999) e Sharma (2007).

Assim, o domínio da técnica e dos conceitosnecessários ao desenvolvimento ou à adaptação dos

ambientes de aviação em prol de uma melhorcompatibilização das tripulações aos meios aéreosdisponíveis significa ter equipagens com maiorrendimento e com capacidade ampliada de cumprirdiversas sortidas, bem como uma maiorprobabilidade de êxito por missão, bem como adiminuição do risco de morte, conforme citado porSharma (2007).

Da mesma forma, tanto nos estudos de Dekkere Nice (2004), como nos de Phesant e Haslegrave(2006) pode-se observar a importância de projetistase engenheiros utilizarem, em projetos de aviação,os dados, conceitos e pesquisas dos ergonomistas,como por exemplo, a altura dos olhos na posiçãosentada ou o alcance funcional, de maneira apoderem acomodar uma ampla variedade deusuários, dentro de determinada população.

Verificou-se, ainda, em pesquisas realizadaspor Ree (1989), Buckle et al. (1990) e Phesant eHaslegrave (2006), que a média inferior dasdimensões antropométricas do gênero feminino,comparada à masculina, provoca umaincompatibilidade ergonômica emaproximadamente 60% da população femininade aviadores, com graves prejuízos à segurança devoo no caso de descumprimento dos requisitosimpostos pelo fabricante. Isso despeta umapreocupação com a segurança das aviadoras que oraingressam nos esquadrões operacionais da ForçaAérea, bem como a necessidade de estudosaprofundados em relação aos parâmetrosantropométricos para a seleção das diversasaviações/aeronaves existentes na FAB.

Para poder desfrutar dos benefícios daergonomia, deve-se inicialmente investir napesquisa científica que aborde temas como: adefinição do perfil antropométrico dos pilotos daFAB, a definição do perfil antropométrico por tipode aviação e sua análise comparativa, a diferençadas dimensões corporais e de força entre os gêneros,a identificação de fatores de risco e/ou dediminuição de desempenho por aeronave, oscálculos do espaço de circulação da cabine ou daszonas de conveniência de alcance, a interaçãohomem-computador, a relação entre a visão e apostura da cabeça e do pescoço, a capacitação dos

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Parques de Material Aeronáutico na adequaçãoergonômica das aeronaves já adquiridas e aelaboração criteriosa de requisitosergonômicos por ocasião da aquisição deaeronaves e, principalmente, quando nodesenvolvimento de projetos de aeronaves aserem fabricadas no Brasil, de maneira a seatender uma maior faixa da população depilotos da FAB e de se proporcionar uma maiorinteração e eficiência do binômio homem-máquina.

Tudo isso só poderá ser realizado e alcançadose houver pessoas capacitadas a conduzirem essaspesquisas e a formar novos profissionais, de maneiraa possibilitar continuidade ao processo, bem comouniformidade aos procedimentos. Para tanto, apósa obtenção de massa crítica capaz e em consonânciacom as idéias de Phesant e Haslegrave (2006), deve-se considerar, num segundo momento, a criação deum centro de estudos em fatores humanos emaviação para atender as necessidades do EMAER,CTA e/ou COMGAR.

Pela origem dos estudos levantados, verifica-se que poucos países (EUA, Japão, Índia,Holanda, Inglaterra, Suécia, Israel) dominam osconceitos e as aplicações da ergonomia emaviação, aplicando-os na sua produção/aquisição,na seleção de suas equipagens e/ou na adequaçãodos ambientes de voo às característicasantropométricas de suas tripulações, o que fazde suas Forças Aéreas destaque dentre tantasoutras no mundo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que ocorra uma operação segura e commáximo desempenho das aeronaves, os pilotosdevem ser capazes de operar os controlesefetivamente e, ao mesmo tempo, enxergar comclareza todo o painel de instrumentos, bem como oambiente externo.

O desconhecimento do perfil antropométricodas equipagens de combate da FAB pode estarafetando uma melhor utilização do fator humano edos demais sistemas relacionados à aviação, bemcomo a definição dos requisitos ergonômicos,muitas vezes desconsiderados (talvez por

desconhecimento), no momento da compra ou nodesenvolvimento de aeronaves, ou simplesmenteestão sendo consideradas as médias populacionaisde outros países.

Da mesma forma, especial atenção deve serdada ao público feminino na progressãooperacional de todas as aviações, em função daexistência de diferentes parâmetrosantropométricos para cada tipo de aeronave oufabricante.

As metodologias de utilização de uma grandepopulação de usuários, em detrimento dos pilotosde testes na avaliação ergonômica das aeronaves,como também a de estabelecimento de critériosantropométricos para a seleção de pilotos, têm semostrado bastante eficientes e úteis na avaliação, nadefinição de requisitos ergonômicos e no projetode novas aeronaves.

Em relação aos parâmetros antropométricospara a operação de aeronaves equipados com assentoejetável, cinco medidas são reconhecidas comocríticas: altura sentado - sitting height, comprimentoda coxa - thigh or buttock-knee length, comprimentoda perna - leg or buttock-heel length, peso e estatura.Outros parâmetros como: altura dos olhos naposição sentada - seated eye height e altura do joelho -knee height, sempre que possível, também devem serobservados.

Para que se possa dimensionar e/ou definirrequisitos ergonômicos para as aeronaves, énecessário que se saibam as dimensões da populaçãousuária, tanto de forma estática quanto dinâmica.

Surgem, então, algumas perguntas: Quais ascaracterísticas/dimensões antropométricas dapopulação de pilotos da FAB? Será que a totalidadede pilotos de caça da FAB tem as medidasantropométricas compatíveis com as exigências dosassentos ejetáveis de suas respectivas aeronaves?Existem diferenças antropométricas entre os pilotosdos diversos tipos de aviação? Quais são asdiferenças de dimensão corporal e força entre osgêneros? Essas diferenças podem afetar odesempenho e a segurança na atividade aérea? Quaisseriam as medidas ou requisitos antropométricos queos pilotos do sexo feminino da FAB devemapresentar para operar com efetividade e segurança

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todas as aeronaves da frota, mesmo em situaçõesadversas? As aeronaves que vem sendo adquiridas,nos últimos anos, bem como os demais projetos“X” das próximas aeronaves a serem adquiridascontam com uma definição criteriosa dos requisitosergonômicos? e por último, Os projetosdesenvolvidos no Brasil (exemplo.: KC-390) têmcomo seguinte a sua preocupação em atender umagrande parcela da população de pilotos da FAB apartir de dados antropométricos reais da populaçãobrasileira?

Para finalizar, é importante sempre lembrar que,na ponta de cada sistema, quem realmente faz adiferença é o fator humano e, para que ele tenha oseu melhor rendimento, é necessário que trabalhenum ambiente que permita a sua maior eficiência,por meio da utilização racional (menor esforço, baixorisco de lesão e melhor aproveitamento dos gestos)dos espaços, estruturas e ambientes.

Tudo isso pode ser atingido por meio dautilização sistemática e consciente da ergonomia,que, como foi visto, é a disciplina científicarelacionada ao entendimento das interações entreos seres humanos e os outros elementos ou fatoresde um sistema.

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Lições da Campanha de Interdição no Vietnã

Lessons from Air Interdiction in Vietnam

*Tenente Coronel Aviador Enio Beal Júnior1,2

1 Instrutor da Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica - RJ2 Mestre em Estudos de Defesa pelo King’s College London

Recebido: 23/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 09/06/2009

*Autor: Tenente Coronel Aviador Enio Beal Júnior, formado pela Academia da Força Aérea em 1987; Mestrado em Estudos de Defesa pelo King’s College London - ReinoUnido (2007). Contato: Av. Mal. Fontenelle, 1200 – Rio de Janeiro/RJ. Tel. (21) 2108-8941. e-mail: [email protected].

RESUMO

Estudos recentes produzidos em diferentes nações concluem que um dos mais prováveis cenários em que as Forças Armadasestarão envolvidas no futuro é o de guerra irregular. Com relação à Força Aérea, conflitos recentes também demonstraram acrescente presença de dois outros aspectos: restrições políticas, por diferentes razões; e o desejo de empregar o Poder Aéreo, aomenos inicialmente, como forma de evitar o comprometimento de tropas terrestres. Essas foram também as circunstâncias em quefoi travada a Guerra do Vietnã, um conflito no qual a Interdição Aérea teve um papel preponderante. Este artigo avalia a eficáciada Interdição naquele evento histórico em particular. Por meio de uma análise crítica da literatura, conclui-se que, em determinadascircunstâncias, o esforço de interdição no Vietnã pode ser considerado um sucesso no nível tático, muito embora nunca o tenhasido no nível estratégico. Finalmente, tendo identificado lições que se mantêm ao longo do tempo, este artigo apresenta dezproposições que podem ser úteis aos futuros Comandantes de nível Operacional.

Palavras-chave: Poder Aéreo. Interdição. Guerra do Vietnã. Lições aprendidas.

Lições da Campanha de Interdição no Vietnã

Lessons from Air Interdiction in Vietnam

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ABSTRACT

Recent documents produced by different nations agree that one of the most likely future scenarios in which the Armed Forces will be involved in the futureis irregular warfare. In regards to the Air Force, contemporary conflicts also showed the increasing presence of two additional aspects: political restraintsand limitations, for different reasons; and the will to employ Air Power, at least initially, for not to commit ground troops. These were also the circumstancesunder which the Vietnam War was fought, a conflict where Air Interdiction played a major role. This paper assesses the efficacy of interdiction in thatparticular event of history. Critically evaluating the related literature, it concludes that, in certain instances, the interdiction effort in Vietnam can beconsidered a tactical success, although it was never a strategic one. Finally, having identified enduring lessons, this paper presents ten propositions which maybe useful to the modern Operational Level commander.

Key-words: Air Power. Interdiction. Vietnam War. Learned lessons.

INTRODUÇÃO

Se existe uma atitude mais perigosa do que assumirque a próxima guerra será exatamente igual à anterioré imaginar que ela será tão diferente que podemosignorar todas as lições do último conflito.

Sir John Slessor

As palavras do Marechal Slessor, ditas ainda nosanos 50, encontraram eco na Guerra do Vietnã, econtinuam a reverberar durante os dias atuais. Ahistória desse conflito é um exemplo perfeito dequão desastrosa pode se tornar a aplicação, em umcenário completamente diverso, de conceitos queanteriormente haviam sido empregados comsucesso (nesse caso, durante a II Guerra Mundial).Por outro lado, o confronto na Indochina, que aindahoje permanece como um dos mais controvertidosde todos os tempos, também oferece uma enormequantidade de lições duradouras que comandantealgum deve ousar ignorar.

1 OS PRINCIPAIS OBJETIVOS DA INTERDIÇÃONA GUERRA DO VIETNÃ

Há muito que a Interdição é considerada umadas principais tarefas do Poder Aéreo. Em geral, seuobjetivo é relativamente simples: interromper o fluxode suprimento, equipamento e pessoal do inimigo,a fim de isolar o campo de batalha. Para ser efetiva,essa interrupção deve estar relacionada a tempo(quando o inimigo precisa do ressuprimento), bemcomo quantidade (quanto ele necessita paracontinuar sua empreitada).

No que diz respeito ao emprego da arma aéreano Vietnã, o governo norte-americano estabeleceu

grandes campanhas de bombardeio que seestenderam de 1965 a 1972, sempre com a finalidadede coagir o governo norte-vietnamita a deixar deapoiar o esforço de guerra no sul (Tabela 1).

A Guerra do Vietnã é um conflito extenso econtroverso, e diferentes perspectivas para ummesmo evento são facilmente encontradas.Considerá-la um fato linear e homogêneo é um errocomum. Especificamente com relação ao PoderAéreo, um dos deslizes mais facilmente encontradosé assumir que a Guerra do Vietnã teve apenas umacampanha de Interdição, e não várias1. Na verdade,houve diferentes operações, conduzidas dediferentes maneiras, contra diferentes inimigos,respeitando diferentes restrições, e buscandoalcançar diferentes acordos; aspectos que têm queser considerados quando da análise do conflito emtoda a sua extensão.

2 AS CARACTERÍSTICAS DA INTERDIÇÃOAÉREA NO VIETNÃ

Desde o início de sua luta contra a ocupaçãofrancesa, o líder vietnamita Ho Chi Minh possuía osonho de construir um Vietnã unificado e

1 Edward Mark é um autor que provavelmente subestimou a importância de se considerar que houve diferentes campanhas de interdição no Vietnã. Apesar de seu livrooferecer uma enorme contribuição para aquele que deseja melhor compreender a Interdição Aérea no conflito, não existe uma distinção clara entre as campanhas. Markapresenta detalhes de alto valor histórico sobre a Op. COMMANDO HUNT VII e a ofensiva da Páscoa, mas não avalia a Op. ROLLING THUNDER, por exemplo. Suas conclusõessão generalizadas, como se fossem aplicáveis à Guerra do Vietnã como um todo, apesar de a pesquisa ter sido baseada apenas nas duas Operações exaustivamenteestudadas. Veja Mark, E., Aerial Interdiction in Three Wars. Washington, DC: Centre for Air Force History, 1994.

Tabela 1 – principais operações de interdição ocorridas durante a Guerra doVietnã.

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independente (GATES, 1987). Fiel à doutrinacomunista, confiava em uma ofensiva convencionale derradeira como o fator decisivo para alcançar avitória. Ciente dessa doutrina, os EUA concluíramque, para impedir a ofensiva final, seria necessáriointerromper o suprimento para o sul. Apesar de essaestratégia parecer simples, houve intensos debatesacerca de qual seria a melhor forma de executá-la.Políticos e líderes militares discutiam sobre comoprovocar a interdição, mas os limites que foramestabelecidos forçaram o foco na Trilha Ho ChiMinh.

A Trilha era nada mais do que a principal artériade comunicação que o Vietnã do Norte usava paraconduzir a guerra: um labirinto massivo de centenasde caminhos, estradas, rios, igarapés, cavernas,passagens e túneis subterrâneos escondidos atravésde montanhas e florestas (LEARY, 1998). De fato,a trilha era muito mais extensa, redundante eintrincada do que a Inteligência norte-americanajamais imaginou (MARK, 1994). As própriascaracterísticas do terreno também significavam queas regiões bombardeadas eram facilmente reparadase evitadas. Havendo reconhecido que a malharodoviária da Trilha era por demais redundante, osEUA escolheram parar o fluxo de suprimento parao Sul por meio da destruição de caminhões, querepresentavam o mais significativo meio detransporte. A caça aos caminhões era consideradatão importante que até mesmo o número de viaturasdestruídas era a mais comum Medida deDesempenho utilizada na campanha (TILFORD,1998a). No que diz respeito ao emprego do PoderAéreo no Vietnã, a perseguição cega aos caminhõesé provavelmente o melhor exemplo de como umamá estratégia pode levar a resultados pífios (ou atémesmo desastrosos).

Deixando de lado o debate se a perseguição aoscaminhões era ou não a melhor alternativa, outrofato intrigante é que os mais eficazes destruidoresde caminhão empregados durante a Guerra do

2 Os gunships surgiram, em grande parte, como conseqüência da baixa efetividade dos bombardeiros e caça-bombardeiros convencionais. Essas plataformas eramaeronaves de transporte (principalmente C-119 e C-130) modificadas para carregar canhões que variavam de 20mm a 105mm. Para aumentar sua eficácia, essasaeronaves foram mais tarde equipadas com dispositivos infravermelhos, TV para baixa visibilidade e até mesmo detectores de ignição (dos motores dos caminhões). Paraum exaustivo estudo acerca dos gunships, veja Nalty, B, The War against Trucks: Aerial Interdiction in Southern Laos, 1968-1972. (Washington, DC: U.S. GovernmentPrinting Office, 2005).3 Aqui, o conceito de Superioridade Aérea deve ser compreendido em um sentido amplo. Vai além do escopo deste artigo discutir os vários níveis de controle do ar.

Vietnã – os gunship AC-119 e AC-1302 – acabaramtendo que ser removidos das operações (MARK,1994, p.352). Contrariamente ao que muitoscreem, em diferentes partes do campo de batalhaos EUA não dispunham de Superioridade Aérea.3Essa era outra conseqüência direta das restrições,que impediam ataques a sítios SAM (Surface-to-Air Missile - míssil superfície-ar), AAAé (ArtilhariaAnti-Aérea) e aeródromos. Um dos principaismotivos pelos quais ataques ao Sistema Integradode Defesa Aérea eram proibidos devia-se ao receiode vitimar técnicos soviéticos e chineses quetripulavam os sítios para ensinar aos norte-vietnamitas como operar os equipamentos(MOMYER, 1978).

Muito embora os SAM e AAAé representassema base da defesa aérea norte-vietnamita, eles nãoestavam sozinhos. Esses eram considerados a maiorameaça (muitos pilotos experientes reportaram quea flak de Hanói era a mais densa de toda a históriada guerra aérea) (MOMYER, 1978), mas aparticipação dos caças da Força Aérea Norte-Vietnamita não pode ser desconsiderada. Mesmoos velhos MiG-17 ofereciam um sério perigo quandoempregados em pacotes ao lado dos MiG-21. Em1972, durante a Operação LINEBACKER I, a taxavitória/derrota em combate aéreo pendeu em favordo inimigo pela primeira vez na história da USAF(KOHN; HARAHAN, 1986).

Além das reconhecidas limitações a alvos quepoderiam ser atacados, o aperfeiçoamento dosistema de defesa aérea e as inteligentescontramedidas adotadas pelos norte-vietnamitasforçaram os EUA a tentar ganhar vantagem pormeio do desenvolvimento de artefatos tecnológicos,táticas e técnicas específicos. Alguns dos novosmétodos e equipamentos que surgiram para o tipode guerra que os EUA lutavam trouxeram bonsresultados, mas a maioria provou ser umcompleto desastre. Dentre alguns marcantesdesenvolvimentos operacionais feitos pelos norte-

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americanos, um que merece especial atenção porcausa de suas persistentes lições é o fantásticosistema de Busca e Salvamento de longa distânciaque foi introduzido durante a Guerra do Vietnã.Entretanto, visto sob outra perspectiva, o que sepoderia esperar de uma campanha aérea onde oserviço SAR foi um dos expoentes?

Outra característica presente em todas ascampanhas da Guerra do Vietnã foi a baixaqualidade dos produtos de inteligência. Um bomexemplo para demonstrar essa ineficiência é areivindicação dos EUA de terem destruído maiscaminhões do que os norte-vietnamitas na verdadepossuíam. Para quem estava tão focado em números(como os EUA, que extensivamente usaramestatísticas como Medidas de Eficácia), é fácilvisualizar como os parâmetros adotados eramperigosos. Enquanto a USAF estimava ter destruídomais de 9.000 caminhões em 1969 e mais de 12.000em 1970, a CIA calculava que, durante o mesmoperíodo, o inimigo possuía apenas 6.000 veículos(TILFORD, 1998c).

Em suma, a Guerra do Vietnã – o conflito maislongo no qual os EUA se envolveram, apresentamuitas características intrigantes. A excessivaconfiança em experiências históricas, combinadacom um cenário repleto de restrições políticas,resultou em uma miríade de alternativas voltadaspara a solução de um complicado problema. Acampanha de interdição foi duramente moldadapelas decisões políticas de Johnson e Nixon(muito embora sob diferentes perspectivas). Nãovem ao caso discutir as justificativas por detrás dasescolhas, mas é inquestionável que a opção de nãoatacar alvos em profundidade no Vietnã do Norteimpactou largamente a estratégia concebida para acampanha. O receio de provocar uma TerceiraGuerra Mundial forçou a adoção de restrições que,não importando se legítimas ou não, afetaramseveramente a maneira como Washington decidiulutar no conflito.

3 HOUVE, EM ALGUM MOMENTO, SUCESSONA INTERDIÇÃO DA TRILHA HO CHI MINH?

Até hoje, muitos anos após o fim da Guerra doVietnã, opiniões divergentes ainda fomentamacalorados debates e argumentações a respeito do

que fracassou e do que deu certo no conflito. Aanálise do sucesso das campanhas de interdiçãono Vietnã deve respeitar o contexto individualdas operações. Antes de argumentar qual táticade ataque funcionou melhor, deve ficar claroque os termos em negociação no início eramcompletamente diferentes daqueles apresentadosno final da guerra. Dessa maneira, não é justosimplesmente comparar o resultado da Op.ROLLING THUNDER com o da LINEBACKER, porexemplo, sem levar em consideração seus diferentesobjetivos.

Por um longo período da Guerra, as restriçõessignificaram que os EUA não podiam atacar ondeas linhas de comunicação eram mais vulneráveis: noVietnã do Norte. Lá se encontrava o cérebro dosistema, onde instalações de apoio, suprimentos ereparos proviam a sustentação para o combate(MOMYER, 1978). O emprego de PGM (PreciseGuided Munition - munição guiada de precisão),comum durante a Op. LINEBACKER II, provocou umimportante efeito adicional que não pode serdesconsiderado. Essa munição tornou os ataquesmuito mais precisos, oferecendo maior eficácia àcampanha (PAPE JR., 1990), e muito provavelmenteajudando a mudar o pensamento do nível políticono que diz respeito ao receio da escalada.

A enorme diferença existente entre enfrentargrupos de guerrilha e forças armadasconvencionais é outro ponto extremamenteimportante para a análise desta guerra. Salvoexceções, líderes e estrategistas do emprego doPoder Aéreo no Vietnã tinham poucacompreensão da natureza do conflito em que seenvolveram, implicando resultados desastrosos(TILFORD, 1991b). O esforço principal paradestruir veículos pode ser efetivo contra um longocomboio em deslocamento, o que ocorre quandohá apenas umas poucas estradas (HIGGINS, 1970), porém esse não era o caso no Vietnã, não somentepele estrutura rodoviária, mas também pelascaracterísticas das forças de guerrilha (LEWY, 1978).Inversamente, a Interdição Aérea contra o ExércitoNorte-vietnamita e os vietcongues foi bastanteefetiva em 1965, 1968 e 1972, quando essescombatentes tentaram operações de larga escalaempregando forças convencionais.

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A estratégia é outro assunto vital para acompreensão dos sucessos e falhas no Vietnã. Emúltima análise, a derrota ocorreu devido às másestratégias concebidas para conduzir a guerra: obombardeio convencional não era adequado paraconfrontar a tática (de guerrilha) adotada peloinimigo. A má estratégia surgiu inicialmente nasmentes dos Generais norte-americanos, que seencontravam inebriados pelo desempenho do PoderAéreo na II Guerra Mundial e na Guerra da Coréia,tendo se tornado, como disse Tilford (1998b),“vítimas de suas próprias experiências históricas.”De fato, ao contrário de potências industriais, comoa Alemanha e o Japão, o Vietnã do Norte possuíamuito poucas indústrias, significando que acampanha tinha que ser conduzida de formadiferente.

Com respeito à integração das Forças, asituação também foi terrível4. No início,complexas estruturas de Comando e Controletiveram que ser estabelecidas, devido à dificuldadede se implementar as tantas restrições e regras deengajamento (GUILMARTIN, 1991). Essacomplexidade apenas agravou os problemas entreas três Forças Singulares: descrevendo asrivalidades da época, um acadêmico afirmouque as disputas “que dominaram e envenenaramas relações entre as forças armadas nos anos 50foram transplantadas para o Vietnã, ondeprovocaram efeitos adversos nas operações,especialmente durante o período entre 1962 e1965” (TILFORD, 1991b).

As Medidas de Eficácia adotadas tambémforam desastrosas. Focado em números eestatísticas, o Secretário de Defesa RobertMcNamara determinou, por exemplo, que os alvosaprovados pelo presidente Johnson deveriam seratacados tantas vezes quantas fossem necessárias atéque um dano de 80% fosse alcançado(GUILMARTIN, 1991). Da mesma forma, duranteum longo período do conflito, a quantidade decaminhões destruídos ou a tonelagem de bombasdespejadas era a forma de se determinar se osresultados da campanha estavam ocorrendo acontento.

A avaliação do sucesso ou fracasso nas diferentescampanhas de interdição do Vietnã tem que seguirtrês pontos principais: primeiro, é necessárioverificar quais eram os objetivos de cada uma dasOperações em análise. Em seguida, deve-se analisaras circunstâncias sob as quais a campanha teve queser conduzida. Finalmente (e mais importante), oresultado de uma operação específica deve serconfrontado com as metas previamenteestabelecidas para essa mesma campanha.

Dentre as campanhas de interdição, as Op.LINEBACKER são consideradas as que apresentaramos melhores resultados. Esse relativo sucesso deveu-se em parte porque Washington tinha um objetivobastante restrito (uma saída honrosa), e tambémporque os vietnamitas aceitaram um acordo decessar-fogo que lhes era extremamente favorável(permitindo, por exemplo, a manutenção de 100.000soldados no Vietnã do Sul) (NALTY, 2005).Finalmente, considerando-se que os norte-vietnamitas acabaram lançando sua ofensiva final,o sucesso das Op. LINEBACKER deve ser visto deforma limitada: apesar de poder ser considerado umsucesso operacional, certamente não se tratou deuma vitória estratégica.

4 DEZ PROPOSIÇÕES PARA O FUTUROCOMANDANTE OPERACIONAL

Deixar de cometer erros não está ao alcance dohomem; mas de seus erros e enganos os bons eastutos ganham experiência para o futuro.

Plutarco (46 DC – 120 DC)

O estudo da interdição Aérea no Vietnã é umassunto de grande interesse para qualquer entusiastado Poder Aéreo. Sem pretender apontar eventuaissoluções para os problemas enfrentados pelos EUA,essa experiência histórica pode prover liçõesduradouras de alto valor. Assim, seguem dezproposições para o futuro comandante de níveloperacional:

1) SUPERIORIDADE AÉREA É ESSENCIAL

A Guerra do Vietnã provou que, no que dizrespeito ao emprego do Poder Aéreo, seu princípio

4 Para uma análise mais aprofundada acerca do nível e da natureza da rivalidade entre a USAF e a US Navy, veja Horwood, I, Interservice Rivalry and Airpower in theVietnam War. (Fort Leavenworth: Combat Studies Institute, 2006).

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mais crítico (e também um dos mais antigos)continuará a reinar: a necessidade de se conquistare manter a Superioridade Aérea. O conflito napenínsula da Indochina provou que mesmo uminimigo modesto pode desafiar o controle dos céus,apresentando enormes dificuldades para a conduçãoda guerra.

A crença de que a Superioridade Aérea não serátão importante no futuro é uma falácia que tem sidoreforçada pelo fato de que, em recentes conflitos,Forças Aéreas ocidentais foram absolutamentesuperiores. Não importando quão dominante sejauma Força Aérea no futuro, não se pode considerarque a Superioridade Aérea será obtida sem qualqueresforço. Os problemas enfrentados durante acampanha de interdição no Vietnã são um bomexemplo para provar que se esse conceitofundamental for esquecido ou subestimado, gravesconsequências surgirão - não somente para ocomponente aéreo, mas para as Forças Combinadascomo um todo.

2) INTELIGÊNCIA É UM FATOR DOMINANTE

Em uma guerra contra-insurgência, plataformasdedicadas à coleta de dados são tão necessáriasquanto em conflitos convencionais – talvez até maisimportantes. Desde a obrigatoriedade de seguir ospassos do inimigo até a necessidade de localizar osalvos, a Guerra do Vietnã demonstrou como umbom serviço de inteligência é vital. Sobretudo nosconflitos assimétricos contemporâneos, plataformasde coleta de informações estão demonstrando suarelevância, principalmente porque o conceito deOperações Baseadas em Efeitos é altamentedependente de conhecimentos de inteligência. Oscaminhões do conflito do Vietnã podem sercomparados aos Alvos Sensíveis ao Tempo de hoje.A cobertura de vegetação que protegia a Trilha HoChi Minh pode ser representada pelos túneis ecavernas no Afeganistão ou pelas áreas urbanas noIraque. Para se contrapor a essas ameaças, éindispensável a constituição de um sistema deinteligência abrangente, que ofereça umenvelopamento vertical e horizontal capaz de apoiardo nível tático ao estratégico e que englobe as trêsForças Singulares.

3) TECNOLOGIA É IMPORTANTE, MAS NÃOGARANTE O SUCESSO

Durante toda a campanha do Vietnã, os EUAse mantiveram fascinados pela tecnologia,continuamente procurando uma solução mágica quepudesse fazê-los alcançar a vitória rapidamente.Muito embora seja possível afirmar que houve váriosavanços tecnológicos relevantes, como as bombasde precisão (PGM), esses avanços nunca foramsuficientemente capazes de suplantar os desafiosenfrentados. O Vietnã nos ensinou que um inimigonunca pode ser subestimado: mesmo sofisticadossensores e sistemas de armas altamentedesenvolvidos puderam ser contestados porsoluções inteligentes e efetivas. Mais recentemente,a Guerra do Kosovo confirmou o corolário queafirma que a história se repete: um inimigo muitomenos capaz conseguiu abater uma aeronave stealthno estado da arte (um F-117).

No Vietnã, os EUA concentraram-seexcessivamente em novas tecnologias e deixaram dedeterminar uma estratégia apropriada a uma guerranão convencional. Isso é ainda mais alarmante seconsiderarmos que à medida que aumenta adefasagem tecnológica, mais e mais o inimigo irábuscar alternativas assimétricas para atuar. O futurocomandante necessita ter em mente que avançostecnológicos nunca serão a panacéia – eles poderãomuito bem aumentar a eficácia, mas nunca irãosolucionar todos os problemas e magicamente trazera vitória. Nem mesmo um poder de fogo estupendoou uma tecnologia fantástica sobrepujam umaestratégia inconsistente.

4) ESTUDE O AMBIENTE

Com respeito aos alvos de interdição, nãoexiste regra única, mas os exemplos do Vietnãpodem oferecer conclusões muito importantes.Durante a campanha, a topografia, a geografia e ameteorologia atenuaram os efeitos da interdiçãoem muito maior grau do que as limitaçõesintrínsecas a esse tipo de missão. Ficou provadoque, normalmente, esperar para interditar, quandoo inimigo já distribuiu seus suprimentos entrecentenas de veículos, significa que será muito maisdifícil e custoso provocar a interdição da áreadesejada. Mais ainda, a Guerra do Vietnã

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demonstrou como é difícil interditar um campo debatalha rodeado por países que, mesmo que nãocolaborem com o inimigo, oferecem a oportunidadede serem utilizados como santuários e de terem suasfronteiras facilmente transpostas. No intuito debuscar o “alvo ideal”, e visando prover a necessáriaproteção às suas tropas, o futuro comandante deveter em mente que a interdição é possível de seralcançada somente quando bons pontos deestrangulamento estão presentes: ferrovias; locaisde embarque e desembarque; ou áreas dereabastecimento e transbordo, por exemplo.Contrariamente, se esses alvos não existem ou sevizinhos garantem o suprimento de material eoferecem refúgio (principalmente quandocombinado com restrições políticas), a situação setorna extremamente desfavorável e perigosa.

5) CONHEÇA SEU INIMIGO

Essa pode ser uma assertiva antiga, mas étambém vital e frequentemente esquecida. Desde oinício da Guerra do Vietnã, os EUA não conseguiamcompreender quão importante seria diferenciar aguerrilha de um conflito convencional. Eles nãoobservaram um dos mais importantes conceitosclausewitzianos, fracassando em identificar o tipode guerra na qual embarcavam – algo fundamentalpara permitir o sucesso. Os guerrilheiros do Vietnãdeslocavam-se a pé; utilizavam santuários para seproteger de ataques aéreos; misturavam-sefacilmente com a população local; e necessitavamde uma quantidade incrivelmente pequena desuprimento para continuar lutando. Eram, portanto,um inimigo muito difícil de desarticular, emcontraste com forças convencionais, que demandammuito mais recursos, oferecem equipamentos muitomais fáceis de serem atacados e são muito maispressionadas pelo tempo. A análise do conflitomostra que a interdição do campo de batalha emum cenário similar ao do Vietnã é uma tarefa muitodifícil de ser cumprida, levando à conclusão que aInterdição Aérea tem seus limites e pode não sertão efetiva em um cenário de guerra contra-insurgência.

Assim, quando o inimigo é altamente motivadopor uma ideologia (como no caso do Vietnã) ou

religião (nos conflitos contemporâneos); quandoesse oponente enxerga a luta como uma guerrapela sobrevivência nacional; e principalmentequando utiliza métodos de guerrilha, umacampanha de interdição coercitiva dificilmenteprosperará. Nesse momento, o comandante precisaconsiderar diferentes maneiras de empregarestrategicamente o Poder Aéreo, com mais ênfaseem efeitos não cinéticos, porque ganhar corações ementes se torna mais importante do que promovera destruição.

6) ESTABELEÇA ESTADOS FINAIS DESEJADOSQUE SEJAM ATINGÍVEIS

O medo de provocar uma Terceira GuerraMundial fez com que o nível político estabelecesseseveras restrições à forma como a Interdição deveriaser conduzida no Vietnã, impedindo ataques a algunsdos mais significativos alvos. Nos conflitos futuros,principalmente nas “guerras por opção”, restriçõespolíticas continuarão a existir, não importando sesão justificáveis ou não. O advento de novastecnologias aparenta indicar que omicrogerenciamento da guerra (o desejo que osescalões superiores têm de exercer o comando econtrole até os níveis mais inferiores) estará aindamais presente do que esteve no Vietnã – seja paraevitar a escalada ou por qualquer outra razão. Poroutro lado, devido à crescente aversão a vítimas, asoperações mais recentes sugerem que o Poder Aéreocontinuará sendo escolhido como uma das primeirasopções militares, para que não seja necessáriocomprometer tropas terrestres (exatamente comoocorreu no Vietnã, no Kosovo e no Iraque). Assim,ao mesmo tempo em que o Poder Aéreo sofrerácom maiores limitações, também será maisfreqüentemente requisitado a atuar.

A Interdição Aérea no Vietnã foi uma tarefamuito difícil de ser cumprida, e nada indica que ofuturo será diferente. Obedecer aos princípios deGuerra Justa (jus ad bellum, jus in bello e jus post bellum)é nossa forma de combater, respeitando leis erestrições rigorosas que freqüentemente não serãoseguidas pelo inimigo. Por conseguinte, os homensde Força Aérea terão que possuir uma perfeitacompreensão das regras de engajamento, de formaa assessorar o que pode ser cumprido dentro dos

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limites estabelecidos. A menos que se estabeleçaum estado final desejado que seja atingível, nãoimportarão quantos sucessos táticos sejamalcançados – no final, não haverá triunfoestratégico.

7) BUSQUE A SINERGIA

A Guerra do Vietnã também pode sercaracterizada pela reduzida integração de esforços.Disputas e rivalidades não eram observadas apenasentre militares e políticos, como demonstrado noslamentos acerca do papel dos assessores civis oudas “interferências” presidenciais nos assuntosmilitares, mas também entre as Forças Singulares,que estabeleceram estruturas de inteligência nãointegradas e que competiam pelo número desurtidas. O sucesso das Op. LINEBACKER ilustra muitobem como é importante adotar diferentes linhas deoperação, contemplando várias expressões do podernacional. Mesmo que o sucesso da última campanhade interdição seja visto sob uma perspectiva limitada,não se pode negar que a Expressão Diplomática doPoder Nacional provocou um grande impacto noresultado daquela campanha.

Operações Combinadas e uma abordagemabrangente (que envolva diferentes organizaçõesgovernamentais) não são conceitos novos, nemmesmo soluções mágicas. Entretanto, o futurocomandante operacional deve compreender quea interdição tem maiores chances de p roduzirbons resultados quando aplicada em conjuntocom outras atividades: ações letais e não letais;campanhas de influência, como OperaçõesPsicológicas; e emprego das Expressões Política eEconômica do Poder Nacional. Somente com areunião de todas as capacidades das ForçasSingulares e dos diferentes órgãos governamentais,sob um arranjo abrangente que busque um efeitosinérgico, é provável que a Interdição Aérea tragabons resultados.

8) VINCULE OS ALVOS TÁTICOS ÀESTRATÉGIA

No Vietnã, os líderes militares não foramcapazes de compreender uma variedade deaspectos presentes (sociais, culturais e políticos),

além do campo militar. Dessa forma, eles nãoestabeleceram uma estratégia adequada queenglobasse todas essas características, algofundamental para permitir o sucesso. Em suma, oslíderes não estabeleceram uma estratégia apropriadapara a guerra que estavam lutando, o que se refletianos alvos que eram escolhidos.

A seleção de alvos é crucial, porquanto estesnecessitam estar intimamente ligados ao objetivo demais alto nível da campanha, algo que em absolutofoi o caso durante a Guerra do Vietnã. O conflitotomou a direção errada logo no seu início, porqueainda que os objetivos táticos estabelecidos (comoa caça aos caminhões) tivessem sido alcançados, seusresultados poderiam não contribuirsignificativamente para se alcançar o estado finaldesejado. Muita ênfase havia sido colocada emsoluções que não tomavam a direção correta. Porvezes, a lógica não era seguida nem mesmo paradefinir a seqüência dos ataques, que ocorriam deforma descoordenada, e cujos alvos eram escolhidosaleatoriamente – até mesmo de forma incoerente.Neste ponto reside outra importante lição para ofuturo: se iniciarmos nossas atividades a partir deuma premissa errada, estaremos destinados aofracasso, ainda que o resto do processo estejacorreto. Boas táticas não implicam uma boaestratégia.

9) ESCOLHA INDICADORES ADEQUADOS

Durante a Guerra do Vietnã, não apenas osmilitares, mas também os líderes norte-americanosde mais alto escalão (como o Secretário McNamara)concentraram suas atenções em surtidas, tonelagemde bombas despejadas e veículos destruídos.Estatísticas foram largamente empregadas paraavaliar o progresso das operações, e por um longoperíodo as Medidas de Efetividade que foramescolhidas levaram muitos a acreditar que os EUAestavam vencendo a guerra.

Em uma campanha de interdição, o nível dedestruição nem sempre é uma maneira precisa dese medir efeitos. Mormente em guerras contra-insurgência, o que deve ser determinado não ésomente a extensão do dano infligido; maisimportante é avaliar quanto o inimigo consegue

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suportar. A destruição não é o objetivo final, porquea aniquilação dos equipamentos inimigos nemsempre significa vitória. Efetuar cálculos é algomuito mais fácil do que entrar na mente do inimigopara avaliar qual o nível de determinação que eleainda possui. Portanto, o comandante operacionalperspicaz deve escolher formas adequadas paraanalisar a evolução da campanha, mantendo emmente que, via de regra, estatísticas não são a melhoropção.

10) A INTERDIÇÃO AÉREA FUNCIONA

Por ultimo, mas não menos importante: ainterdição ainda é uma formidável tarefa do PoderAéreo. Em conflitos contra-insurgência, pode serque inicialmente a Interdição Aérea seja de poucautilidade, mas ela não pode ser desconsiderada, vistoque, à medida que os insurgentes começam a sergalvanizados pelo seu sucesso, existe a tendência dese alternar para o emprego de métodosconvencionais. É nesse momento que, se aoportunidade for aproveitada, a interdição provarásua maior utilidade.

No Vietnã, mesmo o embate contra a guerrilhanão foi o mesmo o tempo todo; de tempos emtempos o inimigo apresentava ações bastantesimilares àquelas adotadas por forças convencionais.Estabelecido um continuum que vai da “guerrilhapura” ao emprego convencional de forças armadas,pode-se afirmar que à medida que o conflito seaproxima desta última modalidade, mais fácil setorna a definição de alvos e maior é a probabilidadede que a interdição traga sucesso. Por conseguinte,é fundamental que o comandante compreenda aexistência desse continuum e avalie, se for o caso, atransição de guerrilha para conflito convencional,como forma de alcançar resultados tempestivos edeterminantes.

CONCLUSÃO

A análise de qualquer aspecto da Guerra doVietnã representa um dos mais fascinantes edesafiadores estudos que alguém pode escolher, e aavaliação do papel da Interdição Aérea no conflitonão é uma exceção à regra. Em um duelocontroverso como este, o fato de forças armadasabsurdamente mais poderosas terem sido derrotadas

por um inimigo muito menos equipado é uma liçãoa ser aprendida, principalmente se considerarmosque guerras assimétricas estarão na ordem do diados futuros embates. Caso contrário, formasdissimilares de luta passarão a se tornar um atrativocada vez maior para potenciais adversários, sejameles atores estatais ou não.

A interdição do campo de batalha ainda tem umpapel vital na moderna doutrina aérea. Isto trazespecial prestígio ao assunto, indicando que as liçõesoferecidas por esta guerra específica não podem seresquecidas por líderes que pretendem estaratualizados com o emprego do Poder Aéreo.Conforme comentado no início, as palavras doMarechal Slessor se encaixam perfeitamente no casoestudado. Ao mesmo tempo em que demonstracomo é perigoso aplicar indiscriminadamenteconclusões oriundas de outros conflitos, a Guerrado Vietnã também prova ser uma fonteextremamente rica de lições para os conflitos dofuturo. Em adição às palavras do insigne teórico doPoder Aéreo, a única coisa que pode ser dita é que ocomandante sagaz necessita ter a capacidade dedistinguir que lições são aplicáveis à missão que lhefoi atribuída, sempre se lembrando de que guerranão é somente ciência, mas também uma arte.

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Recebido: 24/03/2009 Revisado: 25/06/2009 Aceito: 09/06/2009

Dissuasão Estratégica: defesa da Amazônia

Strategic Dissuasion: defense of Amazônia

*Tenente-Coronel Aviador Geraldo Corrêa de Lyra Júnior1,2

1 Comandante do Grupo de Transporte Especial (GTE) – DF2 MBA em Gestão de Processos pela Universidade Federal Fluminense

*Autor: Tenente Coronel Aviador Geraldo Corrêa de Lyra Júnior. Curso de Formação na Academia da Força Aérea (1987); Curso de Comando e Estado Maior daAeronáutica (2008) na UNIFA e MBA em Gestão de Processos pela Universidade Federal Fluminense . Atualmente o autor ocupa o cargo de Comandante do Grupo deTransporte Especial (GTE) - DF. Contato: [email protected].

RESUMO

O objetivo deste artigo é reavaliar a concepção da estratégia dissuasiva da Força Aérea Brasileira (FAB) que seja pertinentemente,capaz de responder às ameaças à integridade territorial e à segurança nacional, no que se refere aos possíveis conflitos, com paísesvizinhos do Norte, em defesa da Amazônia. Quanto ao aspecto metodológico, atribui-se o caráter exploratório para a coleta dosdados por meio da pesquisa bibliográfica, objetivando analisar dentro do possível, o presente com uma profundidade histórica dopassado suficiente para explicar a evolução dos fatos. Dessa forma, privilegiou-se por um enfoque na nova concepção de dissuasãoestratégica, por meio de uma revisão de literatura a partir das modernas percepções acerca da Teoria do Poder Aéreo e a questãoda Defesa Nacional, até o atual cenário geopolítico, onde mereceu destaque a questão da internacionalização da Amazônia. Nessesentido, acredita-se ser prioridade para a FAB a modernização tecnológica, entretanto até que isso se torne uma realidade, as velhase ainda não ultrapassadas táticas de guerrilha devam ser a melhor alternativa para dissuadir um possível inimigo.

Palavras-chave: Teoria do poder aéreo. Dissuasão. Amazônia. Defesa.

Dissuasão Estratégica: defesa da Amazônia

Strategic Dissuasion: defense of Amazônia

*Tenente-Coronel Aviador Geraldo Corrêa de Lyra Júnior1,2

1 Comandante do Grupo de Transporte Especial (GTE) – DF2 MBA em Gestão de Processos pela Universidade Federal Fluminense

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ABSTRACT

The objective of this study is to rethink the conception of the dissuasive strategy of the Brazilian Air force (FAB) that is relatively capable of answeringthe threats to the territorial integrity and the national security, referring to the possible conflicts, with neighboring countries of the North, in defense of theAmazônia. For the methodological aspect, the exploratory character was attributed for the collection of the data, through the bibliographical research,aiming to analyze as possible, the present, with a greathistorical depth of the past to explain the evolution of the facts. In that way, it was privileged afocus in the new conception of the strategic dissuasion, through an extensive literature revision starting from the modern perceptions concerning the Theoryof the Aerial Power and the subject of the National Defense, until the current geopolitics scenery, where the subject of the internationalization of theAmazônia was highlighted. In that sense, it is believed to be priority for FAB the technological modernization; however until it becomes a reality, the oldbut still not outdated guerrilla tactics should be the best alternative to discourage a possible enemy.

Keywords: Theory of the aerial power. Dissuasion. Amazônia. Defense.

INTRODUÇÃO

O advento da globalização deu-se com o términoda Guerra Fria, acelerando e ampliando o processode transformação das relações econômicas mundiais,acarretando inúmeras mudanças no que se refereao relacionamento internacional, que se conjugaramcom as enormes modificações que já vinham sendoocasionadas pela chamada Terceira RevoluçãoIndustrial (COUTO; SILVA, 2003).

Consequentemente, surgiu a necessidade darevisão de muitas concepções que, por mais de meioséculo, tinham alicerçado suas estruturas e ofuncionamento dos Estados-Nações, tanto internacomo externamente. E, de acordo com as novasconcepções, surgidas com o advento da globalização,faz-se necessário repensar algumas estratégias, atéentão formuladas e praticadas.

Talvez a mais importante, e que vem ganhandogrande prioridade por parte dos Estados-Nações,principalmente dos países vizinhos do norte e desuas Forças Armadas, seja a ocupação estratégicada Amazônia. Sendo assim, torna-se fundamentalque a Força Aérea Brasileira (FAB) comece a pensarnessa nova concepção, e assim reveja sua estratégiadissuasiva englobando esse novo cenário que seapresenta.

Nesse sentido, a dissuasão, segundo Couto(1988, p. 59) visa:

Impedir uma potência adversa de, numa situaçãodada, recorrer a determinados meios de coação emvirtude da existência de um conjunto de meios e dedisposições capazes de constituírem uma ameaçasuficientemente desencorajadora.

A dissuasão é, essencialmente, um resultado denatureza psicológica: “traduz-se por uma inibiçãoou paralisia perante uma ameaça que se receia e queé de concretização possível e plausível”. Como refere

ainda este mesmo autor: “a dissuasão é,essencialmente, o produto de dois fatores: acapacidade material e plausibilidade, oucredibilidade; mas depende também da fidelidadede comunicação e da incerteza relativamente adeterminadas incógnitas” (COUTO, 1988, p. 60).

Contudo, os problemas enfrentados pelogoverno brasileiro não se restringem apenas ao seuterritório, mas afetam, em níveis maiores oumenores, todos os países que compreendem aRegião Amazônica. Ilícitos como narcotráfico,contrabando e tráfico de armas ocorrem em toda aRegião Amazônica, comprometendo sua segurançae constituindo uma ameaça à estabilidadedemocrática dos países da região.

Portanto, acredita-se que a nova estratégia dedissuasão da FAB deverá estar pautada na defesa dafloresta Amazônica e na possibilidade de umaeventual guerra não-convencional, que segundo oJoint Publication 1-02 deve se entendida como:

Um largo espectro de operações militares eparamilitares, normalmente de longa duração,conduzidas predominantemente com, por ou porintermédio de forças nativas ou incorporadas de outroslocais, organizadas, treinadas, equipadas, apoiadase dirigidas, em diversos níveis, por fontes externas.Inclui, mas não está limitada a, guerra de guerrilha,subversão, sabotagem, atividades de inteligência ebusca e salvamento não-convencional apoiado(JOINT PUBLICATION 1-02, 2001).

Ou seja, existe a possibilidade de uma guerranão-convencional na defesa da floresta Amazônica,nos limites territoriais com os vizinhos do Norte,estimulando a capacidade de mobilizaçãoemergencial, com equipamentos e recursostecnológicos aptos à resposta militar imediata.

Na verdade, os cientistas políticos acreditammais na possibilidade de um conflito assimétrico,

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com um cenário na América do Sul onde há osurgimento de novas potências regionais, que podemrecorrer a uma preocupante combinação decapacidades convencionais: armas de destruição emmassa, agressiva manipulação de informação públicae ameaça de um conflito assimétrico (MATTOS,1999).

Acredita-se então que, na possibilidade de vir aocorrer um conflito assimétrico, este poderia serrechaçado por uma força de dissuasão, aparelhada ecom mobilidade para uma situação de emergência.Conforme conceituou o Gen. Beaufre, nos anos 60“devemos possuir uma força armada capaz deoferecer uma ameaça a qualquer aventura militar.Capaz de dissuadir, se não pela possibilidade devitória, pela capacidade de tornar caro, pesado, oônus da aventura militar”, E ainda coloca que“estaremos pela dissuasão estratégica, garantindo anossa soberania, e evitando o confronto armado”(MATTOS, 1999).

Sendo assim, faz-se premente a necessidade daForça Aérea em assegurar sua estratégia de dissuasãono sentido de estar capacitada para fazer omonitoramento do espaço aéreo e, na hipótese dese detectar uma violação e havendo a necessidadede cumprir a “tarefa” possuir o perfil da força a serempregada.

Ao considerar a Amazônia como prioridade, esteartigo se justifica mediante a necessidade de serecuperar o espírito de defesa nacional, reordenandoo papel da FAB, pois atualmente as Forças ArmadasBrasileiras perdem, por qualquer critério decomparação, para as do Chile, Peru e Venezuela,em termos relacionados à defesa da Amazônia(MATTOS, 1999).

Os perigos mais evidentes vem das tentativasde implantação de “uma nova ordem mundial”dentro das idéias internacionalistas veiculadas nosconcílios dos “grandes”. De acordo com Mattos(1999), no centro dessas idéias, no que interfere comos interesses nacionais, está a aceitação doestabelecimento, no planeta, de áreas consideradaspatrimônio da humanidade. A questão dainternacionalização da Amazônia é um pontocrucial, pois consiste em um dos objetos de maiorpressão.

A renúncia ao princípio de soberania é fatal parao Estado; ele se desqualifica entre os demais, seinferioriza e colonializa-se.

O atual ambiente estratégico global apresenta-se complexo, em constante evolução e com ameaçascada vez mais difusas. O terrorismo transnacional,as questões ambientais e os crimes praticados poratores não-estatais são exemplos de novas ameaçasque se juntaram àquelas tradicionalmente presentesnas agendas das nações.

Esses fatores provocaram profundasmodificações na atitude dos Estados no que dizrespeito às questões de segurança e defesa, e o Brasilnão é exceção à regra.

Grande parte da responsabilidade em proversegurança aos cidadãos brasileiros recai sobre asForças Armadas. A própria Constituição Brasileira,na Seção III, capítulo II, estabelece que o Brasil devepossuir forças militares capazes de manter aintegridade territorial já consolidada, bem comogarantir a segurança de seu povo (NERY JÚNIOR,2006).

Dessa forma, destaca-se a necessidade dasForças Armadas Brasileiras apresentarem umacapacidade dissuasória que desencoraje ações deadversários que, eventualmente, visem a atingir essesdois pilares: a integridade territorial e a segurançado povo brasileiro.

Neste artio, tem-se como problemática de estudoreavaliar uma concepção de estratégia dissuasiva daFAB que seja pertinentemente capaz de responderas ameaças à integridade territorial e à segurançanacional, no que se refere aos possíveis conflitos,com países vizinhos do Norte, em defesa daAmazônia.

Portanto, este estudo justifica-se, pois o Brasilnecessita de possuir uma força armada capaz deoferecer ameaça a qualquer desavença militar.

Sendo assim, o presente artigo tem comoobjetivo maior estudar, à luz de conceitos atualizadose com base nas características do ambiente político-estratégico vigente, o que renomados autores dizemacerca do conceito de dissuasão, confrontando essespensamentos com a capacidade que a FAB tem defazer frente às ameaças à segurança da naçãobrasileira.

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1 METODOLOGIA

A presente artigo assumiu um caráterexploratório, pois segundo Gil (2007, p.41) tevecomo ensejo “proporcionar maior familiaridadecom o problema, com vistas a torná-lo maisexplicito”.

Nesse sentido, o pesquisador coletou os dadospara elaboração dos tópicos a serem analisados pormeio de pesquisa bibliográfica, pautando-se emfatos, documentos eletrônicos, publicaçõescientíficas e, principalmente, na implicação pessoaldo pesquisador por fazer parte da FAB.

Entretanto, cabe ressaltar que a dificuldadedocumental para se constatar a mudança depercepção é grande em função da dificuldade nadisponibilidade de documentos internos das ForçasAéreas, da proximidade temporal do estudo e porquemuitos destes documentos possuem caráterreservado, confidencial e secreto.

Portanto, durante a elaboração desta pesquisa,buscou-se perseguir quatro pontos principais, a títulode garantir a qualidade do texto construído:

a) analisar, dentro do possível, o presente comuma profundidade histórica do passado quecontemple o marco teórico necessário;

b) não apenas descrever os fatos, mas esforçar-se para explicar o acontecimento; e

c) hierarquizar os fatos, distinguindo o fatosignificativo e importante do incidente.

Dessa forma, na história das Forças Armadas, adisponibilidade de recursos, o material militaradquirido, a forma de emprego, a disposição noterritório e o desenvolvimento de projetos militares,podem dizer mais do que acordos e discursosproferidos. Portanto, o estudo pautado na DoutrinaBásica, no caso, da FAB, e de material doutrinárioapresentado nas Escolas de Alto Comando, podemnos mostrar o fundamento do pensamento dosmilitares da FAB em determinado período.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 TEORIAS DO PODER AÉREO

O objetivo deste capítulo é apresentar as Teoriasdo Poder Aéreo, seus principais teóricos, aspercepções modernas acerca deste assunto e arelação destes com a questão da Defesa Nacional.

O meio aéreo como instrumento de apoio aocombate tem seus primeiros relatos ocorridos naGuerra Civil Norte Americana (1861/1865), durantea Guerra do Paraguai (1864/1870) e na GuerraFranco-Prussiana (1870/1871), sendo a utilizaçãode balões de observação o meio mais eficaz noauxílio dos comandantes à observação do avanço edisposição das forças terrestres inimigas (SANTOS,1989).

A invenção do avião de vôo autônomo, em1906, despertou a potencialidade como arma,porém este potencial só veio a ser realmenteestabelecido como arma de guerra em 1909, quandoos irmãos Wright venderam um aparelho para oDepartamento de Guerra dos EUA (SANTOS,1989).

A nova arma começou a despertar o interessede militares pelo mundo, e sua utilização como meioeficaz de combate induziu o surgimento de algunsdefensores de uma nova doutrina nos conflitos,conforme as propostas por Giulio Douhet, HughTrenchard, Willian “Billy” Michell e Alexander P.de Seversky.

2.2 PRINCIPAIS TEÓRICOS DO PODER AÉREO

O General italiano Giulio Douhet, escreveu, em1909:

O fato de que o ar esteja na iminência de tornar-secampo de batalha de não menos importância que aterra e o mar, naturalmente perece estranho […] masdevemos imediatamente acostumar-nos a esta idéiae começar a preparar-nos para novo tipo de conflito(GIULIO DOUHET citado por SANTOS, 1989, p 23).

Em função das afirmações do General italiano,estima-se que o uso do avião em combate tenhaocorrido pela primeira vez durante o conflito entrea Itália e a Turquia no ano de 1911, todavia, aindarelegando-o a um papel de apoio às forças terrestrese marítimas.

Como arma de combate efetiva, o uso do aviãocomeçou a ser intensificado somente nos últimosanos da Primeira Guerra Mundial e fez com que, oMarechal britânico Sir Hugh Trenchard (1873/1956), criasse a Royal Air Force (RAF), em 1918,tornando a aviação britânica uma armaindependente.

Os estudos sobre o emprego da aviação naguerra adquiriram maior profundidade com as

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teorias formuladas por Giulio Douhet, em 1921,através de sua obra “O Domínio do Ar”.

Nas propostas de Douhet, o avião deveria serempregado de forma independente, ser uma forçaà parte, a fim de ser utilizado de maneira mais eficaze coordenada, obtendo deste modo toda capacidadeinerente à arma aérea. Douhet propunha aconcepção de um avião de emprego geral, capaz derealizar as tarefas de reconhecimento, combate aéreoe bombardeio.

Os estudos sobre a aviação começaram adifundir pelo mundo a necessidade de criação deForças Aéreas independentes, livres dasubordinação das forças marítimas e terrestres e,em 1923, foi criada a Força Aérea italiana,seguida, em 1927, pela Armé del Aire na França,porém, o emprego da Força Aérea, apesar deindependente, ainda limitava suas ações no campode apoio às forças de superfície, exclusivamentetático, e o emprego estratégico da arma aérea sóviria depois do duro aprendizado dos anos queseguiriam (DOUEHT, 1988).

Durante a Segunda Grande Guerra, a arma aéreamostrou de vez sua importância nas batalhastravadas ao redor do mundo, da Europa aoPacífico.

A importância da aeronave como fator decisivono curso de uma guerra e da importância de suautilização como arma estratégica nos conflitosganhou destaque com o Major da Reserva deEspecialistas do Corpo Aéreo Norte AmericanoAlexander P. de Seversky.

O oficial russo, naturalizado americano, analisouas batalhas travadas durante a Segunda GuerraMundial e, através de sua obra “A Vitória pela ForçaAérea”, de 1942, mostrou como batalhas foramganhas ou perdidas pela falta do que chamou“domínio local do ar”, hoje se utiliza o termosuperioridade aérea, fosse pela incompetêncialogística e técnica ou pela falta de doutrina deemprego eficaz da aviação (SEVERSKY, 1988, p.51).

Com a Segunda Grande Guerra, a Força AéreaAlemã (Luftwaffe) aplicou no início do conflito osconceitos de emprego eficaz do avião e colocou emprática as teorias de Douhet, ao prever em 1909,que a aviação mudaria os conceitos de guerra,

surpreendendo vários generais e almirantes aliadosque ainda insitiam em adotar a teoria dasuperioridade da defesa sobre o ataque, verificadana Primeira Guerra Mundial com a prolongadaguerra de trincheiras e da utilização dametralhadora, mas que veio a ser derrubadacom a introdução da blitzkrieg (ou GuerraRelâmpago, Tática utilizada pelos alemães,extremamente eficiente no início do 2º conflitomundial, que utilizava o apoio da aviação aorápido avanço dos blindados), pelos alemães, aoempregar a aviação em coordenação com oavanço rápido dos blindados.

Em contrapartida, a Royal Air Force (RAF)mostrou que sem superioridade aérea não haveria apossibilidade de invasão e ocupação de territórios,e fez valer as palavras de Alexander Seversky: “sóse vence força aérea com força aérea”, obrigandoos alemães a se concentrarem na tentativa da guerrade destruição de cidades e objetivando destruir omoral da população britânica, sem conseguir realizara tão pretendida rendição dos ingleses (SEVERSKY,1988, p. 127).

2.3 MODERNAS PERCEPÇÕES ACERCA DOPODER AÉREO

Depois da Segunda Guerra Mundial, os maisinfluentes fatores que afetaram a doutrina do poderaéreo no Ocidente foram as armas nucleares e aameaça do conflito global (Mattos, 1999).

De acordo com Santos (1989):O poder aéreo representa a capacidade de projetarforça militar na 3ª dimensão, por ou de uma plataformasobre a superfície da Terra. Abrange a soma total daaviação de uma nação e capacidades relacionadas.A extensão da perspectiva horizontal, a velocidadeque permite o meio aéreo e a liberdade de ação sãocaracterísticas mais básicas do poder aéreo, contudo,todos estes elementos são limitados pelo seu relativoalto custo (SANTOS, 1989, p.179).

Mediante os atributos positivos, evidenciadospela história, o poder aéreo possui uma relativavantagem sobre outras formas de poder de combate,em termos da rápida concentração. Entretanto, suaaplicação introduz diferentes ordens de magnitudede tempo e espaço.

Observado o emprego do poder aéreo emdiferentes conflitos, delineiam-se três campanhasaéreas primordiais que uma força aérea deveria

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executar em uma batalha aérea convencional. Essasoperações são a chave da teoria do poder aéreo, afim de se obter a domínio do ar no teatro de guerramoderna (MATTOS, 1999).

O objetivo do poder aéreo é obter máxima efetividademilitar do uso do ar que é alcançado quando se levaa cabo três campanhas ou estratégias aéreas: controledo espaço aéreo, bombardeamento aéreo e apoio àsoperações das forças de combate terrestre emarítimas. Uma campanha aérea, que sozinha podeter influência na guerra, é definida como uma sériede operações que compartilham um objetivo comumalinhado com a conduta global da guerra.(SANTOS,1989, p.179.)

Para o poder aéreo ser efetivo, ele deve seraplicado apartir de seu amplo espectro de emprego,isto é, por meio das três campanhas aéreas. Alémdo mais, ele exigirá muito frequentemente aaplicação concorrente entre estas campanhas. Acapacidade para aplicar poder aéreo ao mesmotempo é fundamental para alcançar o objetivoprimordial que é o controle do espaço aéreo.

A guerra aérea é conduzida em um ambientediscreto e produz um efeito de combate de umamaior ordem de magnitude do que feita pelo poderde combate das forças de superfície. Para explorareste potencial, deve-se alcançar um nível eprofundidade de perícia necessária paraplanejamento, direção e execução de todos osaspectos do poder aéreo (SANTOS, 1989).

Para ter efeito, as forças aéreas devem possuirflexibilidade na especial incumbência do poder aéreo.Assim, elas devem operar de forma independentenas tomadas de decisões e na aplicação prática quenão são desnecessariamente submetidas às táticasdas forças de superfície.

2.4 DEFESA NACIONAL

A Defesa Nacional é entendida como “oconjunto de medidas e ações do Estado, com ênfasena expressão militar, para a defesa do território, dasoberania e dos interesses nacionais contra ameaçaspreponderantemente externas, potenciais oumanifestas” (PROENÇA; DINIZ, 1998, p.25).

Proença e Diniz colocam que:Historicamente, a expressão Defesa Nacional eradiretamente associada às Forças Armadas. A elascabia a responsabilidade de defender a integridadeda Nação. Como a segurança da Nação erapercebida essencialmente em termos castrenses, porderivação lógica considerava-se que preservar a

Segurança Nacional era precipuamente dever dasinstituições militares. A contribuição dos demaisintegrantes da sociedade se limitava a proporcionaraos seus soldados os meios necessários para odesempenho de sua missão, inclusive atribuindo-lhesestatuto jurídico próprio (PROENÇA; DINIZ, 1998,p.27).

Ainda de acordo com Proença e Diniz (1998),no ínicio do Século XX, ante a realidade da “guerratotal”, os próprios militares lideraram o processode ampliação do conceito de Segurança Nacional e,com ele, formou-se a noção de que aresponsabilidade por sua preservação cabia a todosos cidadãos. Com base no que precede, pode-sebuscar uma definição em Art (1993):

Defesa Nacional é o conjunto de políticas eestratégias, baseadas precipuamente nas ExpressõesMilitar e Diplomática do Poder Nacional, que visam aneutralizar quaisquer ameaças ou ataques, internosou externos, à Segurança Nacional, bem como acontribuir para o Desenvolvimento Nacional (ART,1993, p.8).

Mediante avaliação dos ambientesinternacional, regional e nacional foram propostosos seis objetivos da Defesa Nacional, que têmpor propósito estruturar a defesa de formacompatível com a estatura político-estratégicanacional, preservando a soberania e os interessesnacionais, São eles: a garantia da soberania, dopatrimônio nacional e da integridade territorial; adefesa dos interesses nacionais, dos bens e dosrecursos brasileiros no exterior; a contribuiçãopara a preservação da coesão e unidade nacionais;a promoção da estabilidade regional; acontribuição para a manutenção da paz e dasegurança internacionais; e uma maior inserçãodo Brasil em processos decisórios internacionais(BRASIL, 2005).

2.5 DISSUASÃO ESTRATÉGICA

A dissuasão pressupõe a ameaça da retaliação,pois busca prevenir que algo indesejável venha aocorrer (ART, 1993). É um termo que exigetratamento condicional em consequência do novocenário que se apresenta com a ocupação estratégicada Amazônia, os ilícitos como narcotráfico,contrabando e tráfico de armas ocorrem em toda aregião, comprometendo sua segurança econstituindo uma ameaça à estabilidade democráticados países da região.

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De forma abrangente, trata-se da capacidade defazer com que um oponente desista de realizar umaação que não seja do interesse nacional, pois oscustos e riscos não seriam compensados pelosganhos (ART, 1993).

Para que a dissuasão não falhe, há que seconsiderar o fator credibilidade e, no que se refere àSegurança Nacional, faz-se necessário aquilatar asdecisões tomadas no campo políticoconsistentemente com as ações previstas nasestratégias decorrentes.

O efeito psicológico que a dissuasão precisa realizarnos tomadores de decisão do oponente é o que sebusca com seu emprego. Assim, a confiança nadissuasão precisa da contrapartida da credibilidadeem face do dissuadido, pois ela só irá funcionar sehouver nele a certeza de que pode sofrer algum tipode consequência caso não aceite a situação que lheé imposta. É a ameaça que gera o efeito psicológicoda dissuasão (ART, 1993, p.10).

Sendo assim, de acordo com Couto (1988):A dissuasão, em sentido lato, visa impedir umapotência adversa de, numa situação dada, recorrera determinados meios de coação em virtude daexistência de um conjunto de meios e dedisposições capazes de constituírem uma ameaçasuficientemente desencorajadora (COUTO, 1988, p.59).

A dissuasão é essencialmente um resultado denatureza psicológica: traduz-se por uma inibição ouparalisia perante uma ameaça que se receia, e que éde concretização possível e plausível. Como refereCouto (1988):

A dissuasão é, essencialmente, o produto de doisfatores: a capacidade material e plausibilidade (oucredibilidade); mas depende também da fidelidade decomunicação e da incerteza relativamente adeterminadas incógnitas (COUTO, 1988, p. 60).

Portanto, a dissuasão estratégica apresenta-seneste novo cenário, sob nova concepção, devendoser mais empírica e dirigida especificamente a umdeterminado adversário, num momento próprio elevando à construção de modalidades de atuaçãonecessariamente diferentes.

2.6 O ATUAL CENÁRIO GEOPOLÍTICO

O presente capítulo tem como objetivoapresentar o papel da FAB frente ao atual cenáriogeopolítico, ou seja, frente as então denominadas“novas ameaças”, tendo como cerne principal dediscussão a questão da Amazônia.

Após instaurada a aproximação com as ForçasArmadas do Brasil e Argentina, o problema a serresolvido consistia em eliminar as chamadas “novasameaças” que implicaram na tentativa dos EstadosUnidos pressionarem os países Sul Americanos emempregar suas Forças Armadas no emprego diretocontra o crime organizado, tráfico de drogas,terrorismo e defesa do meio ambiente.

O governo brasileiro posicionou-se veementecontra tal atitude, contrariando os interesses Norte-Americanos, pois considerava que tais ações são deresponsabilidade e âmbito policial. Entretanto erapreciso explicar as Operações TANBA I e Prata querealizavam a interceptação de voos civisconsiderados irregulares.

O nome Tanba surge da união das palavrasTango e Samba, sendo marcada como a primeiraoperação realizada entre as duas Forças Aéreas. Afinalidade desta missão foi o controle aéreo em buscade tráfegos irregulares, tanto helicópteros comopequenos aviões, utilizados no tráfico deentorpecentes e contrabando na fronteira sul doBrasil e na província de Missiones na Argentina.

Inicialmente, o Decreto nº 3.466, de 17 maio de2000, (BRASIL, 2000) incute ao Comando daAeronáutica (COMAER) “formular o planejamentoestratégico e executar ações relativas à defesa do País,no campo aeroespacial” e “orientar, coordenar econtrolar as atividades de aviação civil” (Artigo 33,itens III e IV), Deste modo, o controle do tráfegocivil fica a cargo do COMAER e seus órgãosrelacionados com a aviação civil, a defesa aéreaficam sob responsabilidade da Força AéreaBrasileira, braço armado do COMAER(DRUMOND, 2004).

O segundo ponto é que as polícias não possuemos meios de pessoal e material compatíveis paraefetuar o controle e a interceptação de vôosirregulares, deste modo o emprego da FAB nestaquestão foi imprescindível para o controle aéreo.No entanto, estas operações de controle aéreo eramrealizadas somente na região sul e faltava um efetivocontrole na região mais inóspita do Brasil: aAmazônia Legal e sua imensidão de vaziopopulacional (DRUMOND, 2004).

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2.6.1 FAB E A “AMAZÔNIA”

Os anos 80 se caracterizaram pela iniciativade aproximação política entre Brasil e Argentina,aliada à decepção de ambos com relação à políticade desinteresse dos EUA em relação à AméricaLatina.

O ponto chave deste período foi a novapercepção relacionada aos países extra-continenteSul Americano. Este novo rumo das políticas deambos os países foi consolidado após a Guerra dasMalvinas e estabelecia que a união política e oesforço conjunto, perante a comunidadeinternacional, visavam os interesses que poderiamajudar a ambos.

Para a Força Aérea Brasileira, a aproximaçãopolítica do Brasil com a Argentina foi essencial paraque sua nova estrutura pudesse ser montada, e quea região amazônica ganhasse a atenção devida. Paraum país continental como o Brasil, com escassosde recursos, a manutenção de duas frentes deameaças representaria um problema muito gravepara a determinação de prioridades.

Deste modo, com a eliminação da percepção da“inimiga Argentina”, a Força Aérea Brasileiracomeçou a atuar de maneira ativa no campo dadefesa na região norte brasileira, pois os atosanteriores, realizados pelo governo brasileiro, comoos Projetos Rondom e Radar na Amazônia(RADAM) , apenas serviram para manter a presençado Estado nesta área e levantar as riquezas existentesna região, de maneira não fixa e permanente, massim esporadicamente com os vôos do Correio AéreoNacional (CAN).

Somente agora, no século XXI, a questão daAmazônia começou a ganhar mais expressão. Noano de 2000, em palestra proferida na Escola deComando e Estado Maior da Aeronáutica, aprofessora brasileira Lydia M. Gardner (2000), PhDpela Southwest Texas State University dos EUA,intitulada Áreas Não-Tradicionais de SegurançaNacional, destacava que as áreas de SegurançaNacional estavam sendo modificadas muitorapidamente dentro da nova ordem mundial surgida.

Destacava a referida palestrante que, além dastradicionais áreas de defesa da soberania nacional, ede fronteiras políticas, a defesa de áreas detentoras

de importantes recursos naturais passaria a ser onovo foco dos governos responsáveis por estesrecursos (GARNER, 2000).

Segundo esta mesma palestrante, as áreas deconcentração de recursos naturais nãotradicionais, como a água doce, associadas avazios populacionais, passaram de um assuntoestritamente nacional para um problema querecebeu cada vez mais atenção dos paísesdesenvolvidos (OLIVEIRA, 2005).

No mundo, atualmente, 80% da água deconsumo humano é proveniente de rios, sendo aregião Amazônica detentora de 20% de toda estaágua doce disponível no planeta. Além disso, estaregião concentra grande variedade de metaispreciosos como ferro, zinco, alumínio, ouro, epossui, em São Gabriel da Cachoeira/AM, a maiorreserva de nióbio do mundo, metal essencial paraindústria aeroespacial e ligas metálicas (MARTINSFILHO, 2003).

Associado a estes dados, o vazio populacionalda região da Amazônia Legal Brasileira, formadapelos estados do Acre, Amazonas, Amapá,Rondônia, Roraima, Pará, e Tocantins, todospertencentes a região Norte do Brasil e mais osestados de Mato Grosso pertencente a regiãoCentro Oeste e o estado do Maranhãopertencente a região Nordeste, está entre umadas maiores do mundo com seus 6,11 milhões deKm², dos quais 3,87 milhões km² (63% do total)em território brasileiro, compreendendo 25.000km de rios navegáveis. No ano de 2000, possuíauma população em torno de 21,1 milhões dehabitantes, 12,32% da população total do país, emcontraste a 5,8% em 1950. Sua densidadedemográfica é a mais baixa entre todas as regiõesgeográficas, com 3,2 habitantes por km²(MARTINS FILHO, 2003). A figura 1 demonstrageograficamente a composição da AmazôniaLegal.

Segundo informações da Comissão daAmazônia, Integração Nacional e DesenvolvimentoRegional (CAINDR):

A Amazônia faz parte do território de oito países alémdo Brasil, são eles: Venezuela, Colômbia, Peru,Bolívia, Equador, Suriname, Guiana e GuianaFrancesa. Só a Amazônia Brasileira é sete vezesmaior que a França e corresponde a 32 países da

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Europa Ocidental. A ilha de Marajó, que fica naembocadura do rio, é maior que alguns países comoa Suíça, a Holanda ou a Bélgica (CAINDR, 2008).

Justamente, ele atravessa a fronteira e, no Brasil,passa a se chamar Rio Içá, e releve-se neste estudo,uma excelente alternativa de transporte quedesemboca no Solimões, eximindo quem queiraadentrar território brasileiro das agruras de umaviagem através da selva fechada (AGÊNCIA DENOTÍCIAS DA AMAZÔNIA, 2008).

Dessa forma, comprovadamente, grandequantidade de pasta de coca e cocaína refinada têmentrado no Brasil por essa via. A rota preferencialdos traficantes consiste na utilização do rio paraescoar parte das drogas compradas das FARC. Estamesma fronteira serve de centro de abastecimentode alimentos, remédios, armas e munições para oshomens das FARC (AGÊNCIA DE NOTÍCIASDA AMAZÔNIA, 2008).

2.6.3 COBIÇA INTERNACIONAL

Incessantemente, nos últimos anos, pode-sereparar dentro da comunidade internacionalalgumas atitudes e discursos proferidos porimportantes líderes políticos, que deixava clara acobiça que a região da selva equatorial SulAmericana despertava nos interesses dos países deprimeiro mundo, conforme publicado pela Revistade Cultura e História da Aviação, em janeiro de2005:

[…] o Ex-Presidente francês François Mitterrand que,em 1989, declarou que ‘os detentores da florestaAmazônica devem reconhecer que sua soberaniasobre ela é relativa; O ex-Premier russo MikhailGorbachev, em 1992, O Brasil deve delegar parte deseus direitos sobre a Amazônia aos organismosinternacionais competentes, o Vice-Presidente norteamericano do governo Clinton, Al Gore,em 1989: Aocontrário do que os brasileiros pensam a Amazônianão é deles, mas de todos nós, seis anos antes a ex-Primeira Ministra britânica Margareth Thatcher, em1983, já defendia que, se os países subdesenvolvidosnão conseguem pagar suas dívidas externas, quevendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricase o discurso, além de muitos outros, do ex- Secretáriode Estado dos EUA Henry Kissinger, em 1994, ospaíses industrializados não poderão viver da maneiracomo existiram até hoje se não tiverem à suadisposição os recursos naturais não renováveis doplaneta. Terão que montar um sistema de pressões econstrangimentos garantidores da consecução deseus intentos (BARROS, 2005).

Talvez o discurso que mais chama a atençãodentre os apresentados tenha sido o de Kissinger,ao deixar claro que os países industrializadospoderiam, se necessário, criar situações e

Figura 1: Amazônia LegalFonte: Fundação Floresta Tropical – Revistaelo (2000)

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2.6.2 TRÁFICO DE DROGAS

A questão do tráfico de drogas merece tambémespecial atenção, uma vez que a Amazônia convivehoje com mais intensidade com o tráficointernacional de drogas, passando anualmente porsuas fronteiras nada menos que 80 toneladas decocaína, com metade dela já sendo consumida nomercado interno (MARTINS FILHO, 2003).

1. Cabe ressaltar que, no início desta década, asautoridades afirmaram não existir ameaças nafronteira com a Colômbia, relativos tráfico de drogase da possível infiltração de guerrilheiros das ForçasArmadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Asdistâncias e o ambiente inóspito da florestaamazônica, diziam, se encarregavam de neutralizarqualquer risco (AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DAAMAZÔNIA, 2008).

A premissa acima preconizada pautava-se nofato de que algumas das principais bases das FARCe centros de produção de coca estavam situados nascabeceiras do Rio Putumayo, a pelo menos 200quilômetros de distância, em linha reta, do pontomais próximo da fronteira brasileira, e segundo asautoridades isso seria suficiente para desencorajar ocomércio e as infiltrações ilegais (AGÊNCIA DENOTÍCIAS DA AMAZÔNIA, 2008).

Entretanto, o que não se avaliou é que o RioPutumayo não começa e termina na Colômbia.

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superdimensioná-las com o intuito de realizarintervenções militares e a ocupação territorial deáreas de interesse econômico destes países(OLIVEIRA, 2005).

Os fatos mostraram que este quadro já haviasido arquitetado, com o incansável discurso de defesado ecossistema amazônico, descontrole do tráficode drogas que teriam suas rotas pelos céus da região,questões indígenas, guerrilhas colombianas, FARC,etc. (OLIVEIRA, 2005).

Para o governo brasileiro o ponto principal aser explorado na questão de manutenção dasoberania sobre a região amazônica seriaintensificar a presença do Estado nesta área,eliminando uma possível substituição deste pororganizações estranhas ao Brasil, as chamadasOrganizações Não Governamentais (ONGs), quecomeçavam a ganhar vultoso espaço entre ascomunidades indígenas e ribeirinhas da selvaequatorial, sendo muitas destas financiadas por seusgovernos da Europa e EUA.

Para tal, a presença do Estado seria essencial,pois segundo Oliveira (2005), para o ExércitoBrasileiro, “a estratégia da dissuasão combina-se coma estratégia da presença”.

Deste modo, a Força Aérea não poderia ficarausente de sua presença na região norte brasileira.Nos primeiros meses do ano de 1990, o Ministérioda Aeronáutica (MAER), a Secretaria de AssuntosEstratégicos (SAE) e o Ministério da Justiçaapresentaram à Presidência da República a exposiçãode Motivos n°194, que objetivava a criação de umcomplexo sistema de vigilância e proteção daAmazônia Brasileira, e surgiu, assim, o Sistema deVigilância da Amazônia (SIVAM) orçado em US$1,4bilhões (DRUMOND, 2004).

A Força Aérea Brasileira dava um importantepasso na ajuda do controle e presença do EstadoBrasileiro, inserindo, junto ao SIVAM, o Sistema deProteção da Amazônia (SIPAM) nas regiõesinóspitas do norte, agindo conjuntamente com maisde dez ministérios do governo federal.

Contudo, cabe ressaltar que, para a FAB, a regiãoAmazônica já vinha sendo alvo de preocupaçãodesde a década de 1950, em função, como expostoanteriormente, dos nichos de vazio populacional,

que representavam um perigo para a integridadeterritorial da região amazônica e unidade nacional.

Como exemplo desta preocupação, já no anode 1956, vislumbrando a ocupação deste território,o então Ministro da Aeronáutica, BrigadeiroHenrique Fleiuss, assinou em 12 de dezembro oDecreto n° 40.411, criando a Comissão deAeroportos da Região Amazônica (COMARA).

Este novo órgão ministerial tinha comofinalidade montar uma infra-estruturaaeroportuária de modo que os meios aéreos degrande porte, tanto civis como militares,pudessem alcançar as distantes fronteiras da selvaequatorial brasileira.

Neste mesmo ano, a COMARA traçou um planodiretor que previa a construção de 54 aeródromosem toda Amazônia e, até o ano de 2000, este órgãogovernamental já havia construído mais de 130 pistasde pousos nesta região, tendo a maioria destas pistas,a capacidade para receber aviões de grande porte.Somente com esta infra-estrutura instalada foipossível dar prosseguimento ao atual projeto SIVAM(DRUMOND, 2004).

Outros planos de presença na região foram osProjetos Rondon, inaugurado em 1967 e desativadoem 1986, o Projeto RADAM (Radar na Amazônia),criado em 1970 com a finalidade de mapear asriquezas naturais da região amazônica, e do projetoCalha Norte, iniciado em 1985 e extinto no governoCollor.

Com relação ao projeto SIVAM, seu focoprincipal era a vigilância aérea dos tráfegos deaeronaves na região e monitoramento dos recursosnaturais.

Para a cobertura de toda região equatorialbrasileira, o Projeto SIVAM previa a instalação de25 sítios de equipamentos de telecomunicações,estações meteorológicas de superfície e de altitude,radares móveis e fixos de vigilância aérea e estaçõesde comunicações, espalhadas por toda regiãosetentrional brasileiro com cobertura total doterritório (OLIVEIRA, 2005).

Associado ao SIVAM, foi iniciado o Programade Fortalecimento da FAB, que previa amodernização das antigas aeronaves e aquisiçãode novos aviões capazes de interagir com os

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complexos sistemas do SIVAM e operar emambiente semelhante ao encontrado na regiãosetentrional do Brasil, como o ALX (designado A-29 pela FAB), e o R-99A e R-99B de vigilância aérea,e sensoriamento remoto respectivamente(OLIVEIRA, 2005).

2.7 A NOVA POLÍTICA DE DISSUASÃO

O receio de uma presença militar de potênciasna América do Sul, visando uma intervenção emface dessas “novas ameaças”, fez com que os paísescomeçassem as conversações sobre o assunto.

Esta nova visão de cooperação propiciou à FABa criação de dois esquadrões de ataque, em PortoVelho/RO e Boa Vista/RR, um de patrulhamarítima e um de helicópteros, em Belém/PA, alémdo bilionário projeto SIVAM/SIPAM na regiãoAmazônica, e estabelecia a cobertura radar de todaregião, anteriormente desprovida de qualquer meiode detecção de tráfegos aéreos (COUTO; SILVA,2003).

Também, fez com que as suas unidades decombate, anteriormente doutrinadas a combater oinimigo do sul, realizassem exercícios e manobrasconjuntas com a FAB.

Sendo assim, nesta nova fase da política externabrasileira, a FAB, em sintonia com a projeçãoestratégica do país, atento às novas ameaças,começou a inclinar fortemente suas atenções para aregião Amazônica.

Há ainda a preocupação com uma possívelexportação da “Revolução Bolivariana” doPresidente Chávez, pois se sabe que ele vem,ativamente, costurando um pacto militar daVenezuela com Cuba, Nicarágua e Bolívia.

A alternativa Bolivariana, como é assimdenominado o pacto em que bilhões de dólares emarmamentos adquiridos pela Venezuela estarãotambém disponíveis aos integrantes desse seletogrupo.

Entretanto, acredita-se que a ameaça maiorconsista na internacionalização e invasão daAmazônia. Essa possibilidade é real, e não deve serdescartada, e sabe-se que qualquer uma das atuaispotências militares mundiais apresenta condiçõesmateriais de sucesso, principalmente aquelas comarsenais nucleares.

Pode ser que isso jamais venha a ocorrer,entretanto é preciso que a FAB estabeleça umapolítica de dissuasão que contemple estapossibilidade. Afinal, a manutenção e preservaçãoda Amazônia é um problema da soberania de todoscomo Nação e até como civilização.

Em junho de 2007, Pires, em reunião doConselho Militar de Defesa, estabeleceu novasdiretrizes, sendo estas:

a) aquisição de caças supersônicos desuperioridade aérea (Programa FX);

b) desenvolvimento de famílias de mísseis deúltima geração (Anti-Aéreos, Terra-Ar, Mar-Ar);

c) aquisição de radares de defesa aéreostridimensionais;

d) aumento da frota de helicópteros detransporte de tropas e de ataque;

e) desenvolvimento da nova família de veículosblindados;

f) desenvolvimento de submarino de propulsãonuclear, submarinos e novos navios-patrulhaoceânicos e fluviais;

g) implantação de um sistema de compras demateriais unificado nas 3 Forças Armadas; e

h) criação do Fundo de Reaparelhamento dasForças Armadas.

Entretanto, de acordo com Pires (2007), essasnovas diretrizes acima mencionadas, se aindaestiverem em vigência, não se equivalem nem delonge ao aparelhamento de uma potência de nívelmundial.

De certo e concreto, o que se constata é queenquanto as demais Nações do mundo inteiro vãoao mercado ou desenvolvem a todo custo seus meiosde Defesa, o Brasil parece preocupar-se somenteem traçar diretrizes sem a mínima ambição políticade torná-las realidade.

Acredita-se que um país não deva negligenciarseus assuntos de Defesa Nacional, principalmenteem se tratando de uma ameaça à Amazônia.Entende-se. Que, neste caso, o Conselho Militar deDefesa não deveria pensar apenas em estudar acriação de um fundo de reaparelhamento, desomente lutar pelo fim de contingenciamentosabsurdos, e de simplesmente continuar propagandoseu interesse pela indústria nacional e suasexportações.

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Dessa forma, acredita-se ser de vital relevânciaque seja revisado o Programa de Reaparelhamentodas Forças Armadas, com uma visão prospectiva,levando em conta a importância crescente que o paísassume na América do Sul e no mundo.

Atualmente, a FAB possui a capacidade paracolocar em operação 37% do seu poderio bélico.Com o agravante de que 80% dos aviões decaça e de reconhecimento, radares e outras armas,antes sofisticadas, tem mais de 15 anos de uso.Das 719 aeronaves da FAB, apenas 267 estãovoando, enquanto 220 estão nos parque s demanutenção. As restantes, 232, estão no chãopor falta de recursos para compra de peças(PIRES, 2007).

Para Pires (2007), a FAB não tem mísseis ar-arde médio alcance, mísseis ar-superfície, helicópterosde ataque e bombas inteligentes, equipamentos queconstam dos inventários do Peru, Venezuela e Chile.

Faz-se relevante pensar na redefinição da políticade dissuasão, e para isso é de extrema importânciater em mente alguns questionamentos: quecapacidades de armamento o orçamento militar estácomprando hoje? Como assegurar a qualidade deformação com o gasto de pessoal, evitando que semantenha como a principal despesa? Quaismecanismos de eficácia são assegurados para agestão militar? E quais as principais premissas danova política de dissuasão e suas condições deatualização permanente?

CONCLUSÃO

Mediante a extensa revisão de literatura realizadapara elaboração deste artigo, não restou dúvidasacerca da problemática que motivou o mesmo, qualseja avaliar a capacidade de dissuasão estratégica daFAB, frente às ameaças à integridade territorial e àSegurança Nacional, e nesse sentido, a palavra deordem deverá ser a “modernização tecnológica daAeronáutica”.

Outro aspecto que contribui para esta conclusão,e, portanto, não poderia deixar de ser enfatizado,refere-se ao fato de que, antes de qualquer coisa,soberania não se delega, se exerce por meio dasinstituições civis e militares e dessa forma, torna-sepreponderante que o Brasil precise estar aparelhadoe capacitado.

Dessa forma, os conceitos utilizados durantecerca de quarenta anos, e que compunham aestratégia dominante de dissuasão da FAB, precisamsofrer alterações significativas face à nova realidadeencontrada após a queda do muro de Berlim.

O atual ambiente estratégico caracteriza-sepela sua complexidade, evolução permanente epelo aparecimento de novas ameaças, das quaisse realça a internacionalização da Amazônia. Éde conhecimento de que este fator provocou umamudança na atitude dos Estados, relativamenteàs questões de Segurança e Defesa. E nessesentido, atualmente, a FAB conta com poucaatuação interligada entre as forças, baixo poderde fogo e de dissuasão da defesa nacional.

Outro aspecto que ficou evidente refere-se aofato de que a perda de credibilidade da capacidadedissuasória nacional tende a fragilizar a políticaexterna brasileira em todos os foros de atuação edecisão.

Grande parte da necessidade urgente deredefinição da política de dissuasão da FAB deve-seà definição da Amazônia como prioridade estratégicado país, o que exige grande mobilidade de forçascom poder de fogo.

Com a Amazônia assolada pela ação dotráfico de drogas e pela biopirataria, e medianteo latente crescimento do poderio bélico dosvizinhos, se o Brasil deseja mesmo manter suasoberania e Defesa Nacional, necessitaurgentemente munir as Forças Armadas de recursospara tal.

Portanto, repensar a política de dissuasãoestratégica da FAB em relação a Amazônia seriaconsiderar de imediato como as tropas brasileiraspoderiam combater à suposta invasão do inimigointernacional, mediante o atual cenário dearmamentos e equipamentos muito menosofensivos.

Acredita-se que, atualmente, a melhor estratégiadissuasiva seja utilizar as velhas e ainda nãoultrapassadas táticas de guerrilha, a exemplo do queocorreu na Guerra do Vietnã. Ora, afinal não sepode imaginar como as tropas de uma naçãosubdesenvolvida poderão engajar-se em combatecom tropas de uma nação mais desenvolvida, sob

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pena de perder a guerra num período de tempomuito curto, a exemplo da humilhante derrotairaquiana na Guerra do Golfo, ocorrida em 1990.aja vista que as tropas dos países considerados entãoprimeira potência são muito mais bem aparelhadase equipadas.

Dessa forma, além da modernização da frota,uma alternativa imediata de estratégia dissuasiva seriaa guerra de guerrilha, onde as tropas do país comum aparelhamento menos ofensivo, sem entraremem confronto decisivo com as tropas inimigas comaparelhamento mais ofensivo, possam causar omaior número de baixas e desgaste físico epsicológico possíveis.

Sendo assim, conclui-se que no caso de umainvasão estrangeira à Amazônia, as tropas brasileirasdevem prolongar a guerra de guerrilha ao maiortempo que puderem, objetivando o maior númerode baixas do lado oponente, desgastando o espíritocombativo dos adversários, ocasionando um altocusto aos cofres das nações interessadas no conflitoe, consequentemente alertando aos demais paísesda comunidade internacional para o respeito àsoberania da nação brasileira.

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Recebido: 20/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 30/06/2009

*Tenente Coronel Aviador Mario Cesar Berto1,2

1 Gerente Técnico dos Projetos KC-X e VCL-X no CTA- SP2 Especialização em Segurança de Vôo e Aeronavegabilidade Continuada ITA

*Autor: Tenente Coronel Aviador Mario Cesar Berto é pós-graduado em Segurança de Vôo e Aeronavegabilidade Continuada pelo ITA, MBA em Gestão em Processos daUFF e o Curso de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica – ECEMAR. Atualmente é Gerente Técnico dos Projetos KC-X e VCL-X no CTA-SP. Contato: e-mail:[email protected].

RESUMO

Um acidente aeronáutico não tem uma causa única, mas decorre de uma série de fatores contribuintes que, somados, acabam portorná-lo inevitável. Esta pesquisa tem por objetivo verificar em que medida a carência de conhecimento das tripulações a respeitode aerodinâmica e desempenho de aeronaves pode influenciar nos índices de segurança de vôo. Para tal, são analisados os acidentescom aeronaves de transporte multimotoras da Força Aérea Brasileira (FAB) ocorridos entre 1995 e 1999. Para dar suporte aotrabalho, são utilizadas a Teoria do Dominó, de Henrich e a Why-because Analisys (WBA), de Ladkin e Loer, ambas relacionadas àcorrente de eventos que culminam com a ocorrência de acidentes e são utilizadas nas investigações. Ao término do trabalho,conclui-se que, apesar de não necessariamente ser o principal fator contribuinte na maioria dos acidentes pesquisados, a falta deconhecimento pode ter uma participação ativa na seqüência de eventos que conduzem ao mesmo, merecendo uma atenção especialdo Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER).

Palavras chave: Segurança de vôo. Conhecimento. Acidentes aeronáuticos. Desempenho de aeronaves.

Conhecimento Cognitivo de Pilotos: fator de aumentona segurança de voo

Pilot´s Cognitive Knowledge: a factor to increaseflight safety standards

*Tenente Coronel Aviador Mario Cesar Berto1,2

1 Gerente Técnico dos Projetos KC-X e VCL-X no CTA- SP2 Especialização em Segurança de Vôo e Aeronavegabilidade Continuada ITA

RESUMO

Um acidente aeronáutico não tem uma causa única, mas decorre de uma série de fatores contribuintes que, somados, acabam portorná-lo inevitável. Esta pesquisa tem por objetivo verificar em que medida a carência de conhecimento das tripulações a respeitode aerodinâmica e desempenho de aeronaves pode influenciar nos índices de segurança de vôo. Para tal, são analisados os acidentescom aeronaves de transporte multimotoras da Força Aérea Brasileira (FAB) ocorridos entre 1995 e 1999. Para dar suporte aotrabalho, são utilizadas a Teoria do Dominó, de Henrich e a Why-because Analisys (WBA), de Ladkin e Loer, ambas relacionadas àcorrente de eventos que culminam com a ocorrência de acidentes e são utilizadas nas investigações. Ao término do trabalho,conclui-se que, apesar de não necessariamente ser o principal fator contribuinte na maioria dos acidentes pesquisados, a falta deconhecimento pode ter uma participação ativa na seqüência de eventos que conduzem ao mesmo, merecendo uma atenção especialdo Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER).

Palavras-chave: Segurança de vôo. Conhecimento. Acidentes aeronáuticos. Desempenho de aeronaves.

Conhecimento Cognitivo de Pilotos: fator de aumentona segurança de voo

Pilot´s Cognitive Knowledge: a factor to increaseflight safety standards

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ABSTRACT

An aeronautical accident never happens because of a single cause, it is always a consequence of a number of factors that makes it inevitable. The objectiveof this research is to measure the influence that insufficient crewmember’s knowledge in aerodynamics and performance of aircrafts may have in flight safetystandards. To accomplish this goal, it will be analyzed the accidents with Brazilian Air Force multi-engine transport aircraft from 1995 to 1999. Tosupport this work, it will be used Heinrich´s Domino Theory and Ladkin and Loer´s “Why-Because Analisys (WBA)”, both related to the chain ofevents that result in an accident . The conclusion of this work is that, even though not being necessarily the major cause in most of aircraft accidents,insufficient knowledge within the flight crew can have an active role in the sequence of events that lead to an accident, deserving special attention for theBrazilian Aeronautical Accident Investigation and Prevention System (SIPAER).

Keywords: Flight safety. Knowledge. Aeronautical accident. Aircraft performance.

INTRODUÇÃO

Em 16 de fevereiro de 1995, a tripulação de umcargueiro quadrimotor McDonnell Douglas DC-8matrícula N782AL da Air Transport Internationalfoi escalada para fazer o traslado trimotor daaeronave do Aeroporto Internacional de Kansas Citypara uma base de manutenção da companhia,distante cerca de duas horas de vôo. Esteprocedimento, apesar de não ser usual, está previstonos manuais da aeronave e consiste em acelerar aaeronave inicialmente com 2 motores simétricos (umem cada asa) com potência máxima até ser atingidaa velocidade mínima de controle no solo – Vmcg –que, segundo o Federal Aviation Administration (2007),permite o controle direcional da aeronave emsituação de tração assimétrica para, então, permitirque o terceiro motor desenvolva a potência dedecolagem.

Na primeira tentativa, o comandante optoupor abortar a decolagem, pois aplicou potênciano terceiro motor muito rapidamente e estavaperdendo o controle direcional da aeronave. Paraa segunda tentativa, o engenheiro ficouresponsável por aplicar a potência neste motor,repetindo o erro anterior do comandante que, aoperceber que sairia da pista, tentou decolar abaixoda velocidade prevista, não obtendo sucesso. Aaeronave alçou vôo por alguns segundos para, logoem seguida, colidir com o solo, já fora da pista,ocasionando ferimentos fatais nos 3 tripulantes etornando-se irrecuperável.

Na investigação subseqüente, dentre váriasconclusões, foi determinado que a tripulação nãoentendia adequadamente os procedimentos dedecolagem trimotor, incluído aí o significado daVmcg.

Percebe-se que, apesar de não ser o únicofator que contribuiu para o acidente relatado, odesconhecimento de alguns aspectos deaerodinâmica e mecânica de vôo tiveram pesorelevante para o evento ocorrido. Caso atripulação apresentasse um nível de conhecimentomais elevado, talvez esse acidente não tivesseocorrido e 3 vidas seriam poupadas.

No período de 2001 a 2006, o autor destetrabalho ministrou palestras sobre este assuntopara pilotos e mecânicos de unidades aéreas dasaviações de transporte, patrulha, caça ereconhecimento da Força Aérea Brasileira (FAB).Durante estas atividades, houve a desconfiançade que a retenção do conhecimento, ministradoa todos os pilotos no período em que eramcadetes na Academia da Força Aérea (AFA), nãoocorreu de uma maneira eficiente.

Em função disso, optou-se por realizar umapesquisa científica visando relacionar a suainf luência na segurança de vôo, maisespecificamente, nos acidentes com aeronavesFAB.

O autor deste trabalho é piloto de provas desde2000, tendo realizado o Curso de Ensaios em Vôo(CEV) na Divisão de Ensaios em Vôo (AEV),atualmente Grupo Especial de Ensaios em Vôo(GEEV), do Comando Geral de TecnologiaAeroespacial (CTA), na cidade de São José dosCampos-SP. Além disso, é pós-graduado peloInstituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) emSegurança de Vôo e Aeronavegabilidade Continuadaem 2005.

Este assunto está vinculado à educação dentroda FAB, pois aborda o processo de aprendizagemno domínio cognitivo e é de grande relevância

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para o Comando da Aeronáutica (COMAER),principalmente por se tratar de um tema que podeajudar a salvar vidas de tripulantes e passageiros,além de preservar recursos materiais de elevadocusto.

Segundo a NSCA 3-3: “todo acidenteaeronáutico pode e deve ser evitado” (BRASIL,2005, p.8). Sabe-se que um evento deste tipo nãoocorre devido a uma causa única, sendoconseqüência de uma série de fatores contribuintesos quais são definidos pela NSMA 3-1 como:

Condição (ato, fato, ou combinação deles) que, aliadaa outras, em seqüência ou como conseqüência,conduz à ocorrência de um Acidente, IncidenteAeronáutico, ou de uma Ocorrência de Solo, ou quecontribui para o agravamento de suas conseqüências.(BRASIL, 1999, p.17)

Existe uma tendência de associar-se a atividadeaérea ao domínio psicomotor, deixando, por vezes,de ser levado em conta a influência do domíniocognitivo na investigação da seqüência de eventosque culminaram com uma situação de acidenteaeronáutico. É exatamente nesta lacuna que apesquisa pretende atuar, buscando investigar de quemodo a falta deste conhecimento pode interferir noprocesso.

Assim, se houver a possibilidade de atuar nestaárea específica para reduzir a ocorrência de situaçõesde perigo e, em último caso, acidentes, o valoragregado será relevante para o cumprimento damissão da FAB.

Aliado a isso, caso a pesquisa em questão aponteuma carência na retenção de conhecimentos porparte dos pilotos da FAB, tornar-se-á possível, apósum estudo detalhado, abordar especificamente esteassunto, seja através de uma reformulação nocurrículo do cadete aviador, seja através de umamudança no processo de ensino-aprendizagem daAFA, de modo a utilizar um método que permitauma retenção de conhecimentos mais significativa.

Em suma, todo e qualquer esforço que sejadirigido ou, em último caso, relevante para evitarum único acidente aeronáutico, certamente terávalido todo o investimento nele realizado.

Esta pesquisa delimitou-se ao público dospilotos de transporte e, quanto ao seu conteúdo,deteve-se aos acidentes ocorridos entre 1995 e 1999com aeronaves multimotoras da FAB.

Por tudo que já foi tratado, o problema depesquisa vislumbrado para este trabalho constituiu-se em compreender:

Em que medida o conhecimento cognitivo sobreaerodinâmica e desempenho de aeronaves dospilotos influenciou os acidentes com aeronaves detransporte multimotoras da Força Aérea Brasileira(FAB) no período de 1995 a 1999?

O objetivo geral desta investigação foi verificar,por meio da análise dos fatores contribuintes detodos os acidentes ocorridos com aeronaves detransporte multimotoras da FAB, no período citadoanteriormente, em quais houve influência doconhecimento sobre aerodinâmica e desempenhode aeronaves por parte das tripulações envolvidas.

Para validar os resultados deste trabalho, foinecessário perseguir alguns objetivos específicos,listados a seguir:

Identificar os acidentes aeronáuticos comaeronaves multimotoras da FAB, no período de 1995a 1999, onde houve influência do componentecognitivo do conhecimento sobre aerodinâmica emecânica de vôo.

Analisar como ocorreu esta influência atravésdo uso da Teoria do Dominó (HEINRICH, 1959)e da Why-because Analysis (LADKIN; LOER, 1999).

Este trabalho apresentará inicialmente ametodologia empregada e fará uma discussão sobreo referencial teórico. Na seqüência, serãoapresentados os acidentes ocorridos no período emquestão, com uma análise de seus fatorescontribuintes.

Vários autores abordaram os dois assuntospresentes no problema de pesquisa apresentado.Para verificar a influência do conhecimento comofator contribuinte de acidentes aeronáuticos, foiutilizada a Teoria do Dominó, de Heinrich e Graniss(1959), a qual explicita que todo acidente ocorre apartir de uma seqüência de eventos, nunca sendoresultado de uma causa única; e a Why-BecauseAnalysis (WBA), que trata de um método deinvestigação de acidentes fazendo associação decausa-efeito, elaborada por Ladkin e Loer (1999).Como não foi encontrada literatura em portuguêspara esta teoria, optou-se em manter o nomeoriginal em inglês para não incorrer em erros de

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tradução que possam induzir os leitores a umamudança no contexto dos autores. Além disso,foram utilizadas todas as normas pertinentes doSistema de Investigação e Prevenção de AcidentesAeronáuticos (SIPAER).

Previamente à apresentação do trabalho em si,convém discutir a metodologia empregada, nointuito de facilitar a compreensão do conteúdoteórico e dos resultados da pesquisa de campo.

2 METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada através de consulta àspublicações do Centro de Investigação e Prevençãode Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) e estudo dasteorias mais relevantes acerca deste assunto.

A verificação dos dados do CENIPA foi feitapela técnica de pesquisa documental, tendo comofonte de documentos arquivo particular deinstituição pública, segundo Lakatos e Marconi(2001). Os resultados foram interpretados usandoa Teoria do Dominó de Heinrich e Granniss (1959),a Why-Because Analysis (WBA), de Ladkin e Loer(1999) e os preceitos abordados pelo CENIPA nasNSMA 3-1 (BRASIL, 1999) e NSCA 3-3 (BRASIL,2005) a respeito de Segurança de Vôo.

De maneira a mlhor solucionar a metodologiaempregada, serão abordados, na seqüência, ospreceitos das teorias pertinentes que permearam aconcepção deste trabalho.

2.1 TEORIA DO DOMINÓ

A primeira teoria a abordar uma seqüência deeventos que provocava um acidente foi chamada deTeoria do Dominó. Segundo esta, os eventos quecontribuem para a ocorrência de um sinistro podemser simbolizados por uma seqüência de dominósenfileirados, sendo o último, o acidentepropriamente dito.

Caso uma peça caia, derrubará a seguinte e assimsucessivamente, até atingir a última, quando oacidente tornar-se-á inevitável. Esta teoria prevê que,se uma peça for removida da seqüência, num ato deprevenção, o acidente poderá ser evitado(HEINRICH, 1959). Pode-se visualizar a dinâmicacitada na figura 1.

Por esta abordagem, torna-se mais importanteinvestigar os eventos (fatores contribuintes)

existentes em vez das condições ambientais. Outraforma de abordar esta teoria, segundo Lúpoli (2006),é visualizando uma corrente com todos seus elosconectados. Cada elo conduz à ocorrência doacidente, sendo este simbolizado pelo último elo.Caso algum deles seja aberto, obtém-se a prevençãodo evento.

A Teoria do Dominó permite um fácilentendimento do encadeamento de eventos quecontribuem para consumar um sinistro, sendo umaferramenta valiosa para auxiliar os investigadores aencontrar as peças ocultas que porventura existirem.Uma das suas restrições, porém, é que ela pode dara impressão que cada fator contribuinte de umacidente alinha-se linearmente com seu predecessor,fato que normalmente não ocorre.

Para evitar este problema, Reason (1997) utilizauma explicação diferente para apresentar o modelocausal de acidentes. Segundo ele, cada procedimentode segurança que uma empresa toma para proteger-se de um acidente torna-se uma barreira. Porém,esta sempre apresentará algumas falhas ou condiçõeslatentes que permitem a ocorrência de um sinistro,podendo ser visualizada como um queijo suíço.Deve-se procurar, na medida do possível, colocar omaior número possível de defesas para reduzir aomáximo o risco de um acidente, que só ocorreráquando um fator de perigo conseguir passarsimultaneamente por todas as barreiras existentes.Uma forma de visualizar esta situação estáapresentada na figura 2.

Figura 01: Teoria do Dominó - HeinrichFonte: Silva, 2006

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de vários componentes e inclui interações comoutros mecanismos ou operadores humanos, torna-se difícil rastrear a origem ou relação de fatosque levaram à falha e, conseqüentemente, umaanálise precisa fica mais sujeita a erros (Ladkin eLoer, 1999).

A WBA é uma técnica de análise causal dofuncionamento de sistemas complexos, sendo suaprincipal aplicação a investigação de acidentesenvolvendo meios de transporte. Ela explicita,através de raciocínio lógico, as causas por trás deuma série de eventos e circunstâncias que levaramao sinistro. A apresentação de uma WBA é realizadaatravés de um gráfico denominado Why-because Graph(WB-Graph).

Uma das finalidades da WBA é aumentar aobjetividade nas investigações de acidentes atravésde uma rigorosa análise causal. Johnson (2003)explica que a técnica é constituída de duaspartes. Inicialmente, constrói-se o WB-Graph,que lista todos os eventos e situaçõessignificativas para, em s eguida, explicitar asrelações causais que levaram à ocorrência dosinistro. Como última etapa, busca-se provar queo gráfico é suficiente e correto.

Este modelo, criado em 1999 por Ladkin e Loer,permite uma abordagem mais completa dos fatorescontribuintes de um acidente. Ele é útil parademonstrar que os eventos que contribuem paraocorrência do problema não ocorrem de umamaneira linear, como abordado na Teoria doDominó, mas um mesmo evento pode provocaroutros dois, assim como dois diferentes eventospodem contribuir para uma única falha, conformeJohnson (2003).

Para analisar a atuação humana, o WBA utilizauma classificação denominada PARDIA (Ladkin,Loer, 1999), que é constituída dos seguintes estágiosde resposta a situações: Percepção – Atenção –Raciocínio – Intenção – Ação.

Dentro do enfoque deste trabalho, é nos estágiosde atenção e raciocínio que ocorre a cognição porparte do operador e onde, caso haja uma falha nesteaspecto, pode haver uma relação de causa-efeito como, acidente. Tome-se, como exemplo, um piloto quedesconhece o funcionamento de um motor a reação

Figura 02: Modelo Causal de Acidente de ReasonFonte: LÚPOLI (2006)

Para este trabalho, o conhecimento cognitivosobre aerodinâmica e mecânica de vôo que astripulações fixaram durante seu aprendizado aolongo da carreira está sendo considerado comodominó ou defesa na política de segurança de vôoda FAB. Desse modo, caso este conhecimento estejanum nível abaixo do necessário, a probabilidade deocorrência de um acidente será maior. É importantefixar o conceito de que apenas pela falta desteconhecimento provavelmente não haverá umsinistro; porém, estando ele aliado a outras situaçõescomo, por exemplo, a falha de um motor ou perdade um componente aerodinâmico importante, asegurança de operação da aeronave pode ficarcomprometida.

Complementando a Teoria Dominó, seráapresentada a seguir uma abordagem mais moderna,a qual aumenta a sua abrangência.

2.2 WHY-BECAUSE ANALYSIS (WBA)

Uma investigação de acidente busca identificara rede de eventos e circunstâncias que provocaramo mesmo. Os fatores contribuintes são abordados,mas, maioria das vezes, não ocorre uma análiseracional das causas e suas interações.

Uma falha, sob o ponto de vista deengenharia, é comumente definida como umdefeito ou mau funcionamento de um item. Istonão é aplicável para sistemas complexos, comoaqueles que compõe uma moderna aeronave detransporte. Neste caso, ele pode apresentar umcomportamento anômalo, mesmo sem haver umproblema “visível”. Quando o sistema é constituído

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e, apesar dos instrumentos no painelapresentarem indicações incoerentes para apotência de decolagem, é capaz de identificar(perceber), através da leitura as indicações, porémnão dá importância (atenção) para elas comoindicador de funcionamento anômalo do motor.Dependendo das condições, este fato pode vir ase tornar um acidente, principalmente se ascondições de decolagem propiciarem umasituação de desempenho marginal. Estabelecidaa base teórica deste trabalho, será r ealizada aseguir a análise dos acidentes aeronáuticosocorridos em aeronaves da FAB no período de 1995a 1999.

3 ANÁLISE DOS ACIDENTES AERONÁUTICOS

Nesta parte serão apresentados e analisados osacidentes aeronáuticos que tiveram como fatorcontribuinte, na visão do autor, a não aplicação deconhecimentos cognitivos acerca de aerodinâmicae desempenho de aeronaves por parte dastripulações envolvidas.

No período de 1995 a 1999 a FAB voou 707.700horas e ocorreram, segundo dados do Centro deInvestigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos(BRASIL, 2003), 46 acidentes, perfazendo um índicede 6,5 acidentes por 100.000 horas de vôo,distribuídos conforme apresentado na figura 3.

exceção das análises da influência do conhecimento,todos os dados apresentados nesta seção sãooriundos do Resumo dos Relatórios Finais dosAcidentes de 1995 a 1999 da Força Aérea Brasileira(BRASIL, 2003).

3.1 ACIDENTE COM C-115 BÚFALO EMMANAUS – 15 DE MAIO DE 1995

A aeronave de matrícula FAB 2361 decolou doaeródromo de Ponta Pelada, em Manaus, pararealizar um vôo de instrução para formação básicade um piloto e um mecânico. No regresso da missão,foram realizados três procedimentos de descida porinstrumentos, sendo o primeiro bimotor e os doisúltimos simulando condição monomotor, que foiaplicada pelo instrutor reduzindo a manete de fluxode combustível do motor direito. Este fato impedea aceleração do referido motor pela manete depotência.

Durante o último procedimento, já noarredondamento para pouso, o aluno resolveuaplicar potência para efetuar uma correção de altura.A aeronave desviou-se para a direita e houve perdade controle da mesma, com conseqüente colisãocom o solo, acarretando danos materiaisirrecuperáveis e lesões leves nos quatro tripulantes.

Na análise do sinistro, foi constatado que o alunoapresentou problemas de pilotagem durante todo ocurso, sendo que neste dia, o brifim para o vôo nãofoi padrão, deixando de serem abordados aspectosimportantes sobre o vôo com tração assimétrica.Aliado a isso, o instrutor optou por interferir napilotagem do aluno apenas quando fosse crítico enecessário. O arredondamento foi alto e, com avelocidade caindo rápido, o aluno iniciou aarremetida, aplicando potência rapidamente. Comoa manete de fluxo de combustível direita estavareduzida, só houve resposta do motor esquerdo,gerando elevada tração assimétrica, comconseqüente perda de controle da aeronave, que veioa colidir com o solo.

As conclusões da comissão de investigaçãotrouxeram, como fatores contribuintes, os listadosabaixo:

Fator Humano:Aspecto psicológico – O longo período de

afastamento do vôo do aluno, sua dificuldade de

Figura 03: Distribuição de acidentes aeronáuticos da FAB, no período de 1995a 1999, por tipo de aviação.Fonte: Brasil, 2003

Dos 9 acidentes envolvendo aeronaves detransporte, 8 foram com multimotores, foco destetrabalho, sendo que em 4 (50%) considerou - sehaver influência do conhecimento cognitivo depilotos sobre aerodinâmica e desempenho deaeronaves, conforme será apresentado a seguir. Com

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relacionamento com os seus superiores e a falta deuma transição entre aeronaves de asa rotativa e umbimotor do porte do C-115 geraram tensão eansiedade que afetaram o seu desempenho. Tambémfoi considerado como fator contribuinte nesteaspecto a excessiva autoconfiança do instrutor.

Fator Operacional:Deficiente aplicação dos comandos – A

aplicação brusca de potência assimétrica, sematuação efetiva nos comandos por parte do aluno,aliado à demora do instrutor em assumir oscomandos, contribuíram para o evento.

Deficiente julgamento – O aluno arredondoualto.

Deficiente instrução – A transição inadequadade aeronaves de asa rotativa para asa fixa bimotora,as deficiências apresentadas pelo aluno ao longo desua vida operacional, o brifim inadequado para amissão, a falta de padronização da tripulação e o fatodo instrutor ter reduzido a manete de fluxo decombustível, durante o procedimento monomotorsimulado, determinaram a contribuição deste aspecto.

Deficiente supervisão – O acompanhamentoinadequado das deficiências operacionais do aluno,a falta de uma transição adequada para uma aeronavedo porte do C-115 e a deficiência de doutrina deinstrução contribuíram para o ocorrido.

Pouca experiência de vôo na aeronave – O fatodeste ser o segundo vôo do aluno na aeronave e omesmo ter pouca experiência em aeronaves de asafixa teve influência no ocorrido.

Deficiente coordenação de cabine – A nãoobservância de normas operacionais e a demorado instrutor em atuar demonstraram ineficazcumprimento das tarefas afeta s a cada tripulante.

Deficiente planejamento – A não realizaçãodo brifim, onde deveriam ser esclarecidosaspectos relevantes do vôo, denotou deficiêncianeste aspecto.

Em seguida, será realizada uma análise de comoa falta de conhecimento pode ter influenciado acadeia de eventos que culminou com este acidente.

3.1.1 INFLUÊNCIA DO CONHECIMENTO NOACIDENTE

Para realizar esta análise, foi construído um WB-Graph reduzido, mostrado na figura 4, apresentando

apenas os eventos que tiveram relação com ainfluência do conhecimento no acidente emquestão.

O instrutor da aeronave, ao reduzir a manete decombustível do motor direito para lento,transformou a pane simulada em real, pois o alunonão tinha condições, neste caso, de realizar correçõessimétricas de potência.

As ações executadas pelo aluno indicam que eleapresentava pouco conhecimento a respeito develocidade mínima de controle (Vmc) e da operaçãode aeronaves com tração assimétrica, pois, emcondições de baixa velocidade e elevada potênciado motor operante, torna-se necessária grandedeflexão das superfícies de controle para obter ocontrole direcional, podendo, em alguns casos, serobtida a deflexão máxima do comando. Avelocidade, quando isso ocorre, é definida comoVmc (BRASIL, 1990b), sendo particularmenteimportante, neste tipo de aeronave, por elaapresentar motores com elevada potência e baixasvelocidades de operação para pousos e decolagens.

Nesta situação, a operação da aeronave requercuidados adicionais, fato não evidenciado pelaatuação brusca no comando do motor para corrigiro erro de julgamento observado noarredondamento. A inclinação de asa para cima domotor inoperante, ocorrida neste caso, provoca umaumento da Vmc (BRASIL, 1990b), agravando asituação crítica na qual a aeronave já se encontrava.

Desta forma, o acidente tornou-se inevitável. Seo aluno tivesse um maior conhecimento a respeitodeste tipo de operação com tração assimétrica,

Figura 04: WB-graph reduzido do acidente do FAB 2361Fonte: Baseado na WBA

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provavelmente teria sido mais parcimonioso no usodo motor e, com isso, teria condições de manter ocontrole da aeronave.

Visto esse problema, será agora abordada umanova ocorrência onde a influência do conhecimentoapresentou-se em uma área distinta da tratadaanteriormente.

3.2 ACIDENTE COM C-95A BANDEIRANTE EMCARAVELAS – 19 DE MAIO DE 1996

A aeronave de matrícula FAB 2295 decolou deRecife para cumprir uma missão que previa seguiraté a Base Aérea do Galeão, no Rio de Janeiro,realizando várias etapas de vôo e retornarimediatamente para Recife, transportando materialbélico.

No regresso, às 23:43, aproximadamente doisminutos após a decolagem do aeródromo deCaravelas - BA, houve a colisão com o solo. Aaeronave explodiu e incendiou-se, f icandototalmente destruída. Os quatro tripulantesfaleceram no local.

Na investigação subseqüente, apurou-se que omotor esquerdo estava reduzido no momento doimpacto, porém ainda em operação, havendo asuposição que ocorreu uma falha no mesmo, sendoimpossível especificar de que tipo.

A aeronave realizou uma curva à esquerda comvariação de proa de 124? em relação à reta dedecolagem e estava com os flapes na posição 25%.Há indícios de que o peso estava acima do limitemáximo previsto de 5.670 kgf.

Os tripulantes estavam com uma extensa jornadade trabalho no dia, pois a missão consumiriaaproximadamente 12 horas de vôo, sem levar emconta o tempo de solo para reabastecimento em cadaetapa.

Aliado a isso, as condições ambientais na cabineeram inadequadas para a duração da missão,principalmente no que diz respeito ao ruído e apossibilidade de alteração da saturação dehemoglobina no sangue, fatores que poderiam gerarsintomas de cefaléia, fadiga e apatia. Por fim, a faltade referências visuais, por ser uma noite escura,também pode ter influenciado o sinistro.

Devido ao alto grau de destruição da aeronave,a falta de um gravador de voz da cabine e de dados

de vôo, a ausência de testemunhas e o falecimentode todos os tripulantes, não foi possível determinartodos os fatores contribuintes neste caso.

Para nortear as análises da comissão deinvestigação, foram elaboradas as seguinteshipóteses:

1 – Ocorreu uma falha do motor esquerdo logoapós a decolagem, gerando uma canalização daatenção dos tripulantes para os procedimentosinternos, ficando apenas o piloto-em-comandocuidando da pilotagem a baixa altura e emcondições marginais de vôo, devido à noite escura eao excesso de peso. A fadiga e condiçõespsicológicas, dentre outros, podem ter contribuídopara um inadequado gerenciamento dosprocedimentos, provocando uma razão de descidalenta e gradual da aeronave, aumentada pela curvade pequena inclinação à esquerda, culminando comseu impacto no solo.

2 – Após a decolagem houve uma falsa indicaçãode fogo no motor esquerdo, fazendo com que atripulação tivesse sua atenção canalizada para osprocedimentos internos inerentes a esta pane,desconsiderando o previsto na doutrina que seriade só realizar estas ações após ser atingida uma alturade segurança. Em função disso, foi reduzida apotência do motor julgado em pane e, emdecorrência das condições reinantes, ocorreu umadesorientação espacial do tripulante que seencontrava efetivamente nos comandos, vindo aaeronave a curvar levemente à esquerda e apresentarsuave razão de descida, culminando com seuimpacto com o solo.

As conclusões da comissão de investigação, faceàs dificuldades já citadas acima, trouxeram comofatores contribuintes os listados abaixo:

Fator Humano:Aspecto fisiológico – Indeterminado. A fadiga

pode ter interferido no desempenho dos tripulantes.Aspecto psicológico – Indeterminado. Há

indícios de que a tripulação encontrava-sepsicologicamente afetada em virtude de um possíveldesgaste físico.

Fator Material:Indeterminado. Não foi possível determinar se

houve falha do motor esquerdo relacionado à

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deficiência do projeto, à deficiência de fabricaçãoou ao manuseio inadequado de material.

Fator Operacional:Deficiente manutenção – Indeterminado. Não

foi possível determinar a causa do acendimento dasluzes do painel múltiplo de alarmes e da redução depotência do motor esquerdo.

Deficiente coordenação de cabine –Indeterminado.

Deficiente planejamento – Indeterminado. Háindícios de que a aeronave estivesse com excesso depeso.

Influência do meio ambiente:Ambiente externo à cabine – Influenciou por

ser noite extremamente escura e sem referênciascom o solo.

Ambiente físico da cabine – Indeterminado. Onível de ruído na cabine pode ter influenciado se ostripulantes não estivessem utilizando protetoresauriculares.

Deficiente supervisão – Houve falta desupervisão adequada no planejamento da missão. ADiretriz do Comando Geral de Operações Aéreas(DCAR) 064/PAA, de 19 de março de 1991, queestipula a jornada máxima de trabalho paratripulações de vôo, não foi cumprida.

Deficiente instrução – Indeterminado. Épossível que tenha havido deficiência quantitativade treinamento de emergências críticas emsimuladores de vôo.

Na seqüência, será analisado como a falta deconhecimento pode ter influenciado os eventos queculminaram com este acidente.

3.2.1 INFLUÊNCIA DO CONHECIMENTO NOACIDENTE

Para realizar esta análise, foi utilizada a Teoriado Dominó (HEINRICH, 1959), sendoconsiderados, como fatores contribuintes deinteresse, a hipótese de que a aeronave estavaoperando acima do peso máximo autorizado e ofato da decolagem ter sido realizada com os flapesem 25%. Caso alguma destas “pedras do dominó”tivesse sido retirada, é possível que o acidente nãotivesse se consumado.

Existem três limitantes básicos para adeterminação do desempenho de decolagem de umaaeronave multimotora (BRASIL, 1990a): a distânciade decolagem, a distância de aceleração e parada e odesempenho de subida, que serão explicados aseguir.

Considera-se, para efeito dos cálculos, queocorre a falha do motor crítico1 em uma dadavelocidade e, a partir deste instante, decide-se porcontinuar a decolagem com um motor inoperanteou pelo seu cancelamento.

Caso a opção escolhida seja o prosseguimentoda decolagem, o desempenho deve permitir quea aeronave acelere para a velocidade de rotação,saia do solo na atitude prevista e ultrapasse umobstáculo fictício na cabeceira da pista, definindodesta forma a distância de decolagem (TOD).

Se a opção for pela abortiva, aplica-se afrenagem após a falha do motor e mede-se adistância percorrida até a parada completa,determinando assim a distância de aceleração eparada (ASD).

Adotando-se a primeira opção, a aeronavedeve ser capaz de manter um gradiente mínimo desubida previsto pelas normas utilizadas na suacertificação.

A operação de um avião com excesso de peso,além dos eventuais danos estruturais possíveis,implica numa diminuição do seu desempenhooperacional podendo, inclusive, não ter condiçõesde manter-se em vôo em caso de falha de um motor.O Bandeirante em questão, por ser uma aeronavemilitar, não tem a obrigação de cumprir gradientesmínimos de subida em caso de operaçãomonomotora. Apesar disso, o conhecimento e aanálise das conseqüências que podem advir destetipo de operação são importantes para que ocomandante da aeronave decida sobre ocarregamento final da aeronave para o cumprimentoda missão.

Nesta situação, se o peso de decolagem fossemenor, o desempenho de subida melhoraria e,eventualmente, o acidente poderia não ter ocorrido.Deve-se ressaltar que o excesso de peso não foideterminado, havendo indícios de sua presença.

1 Motor que, caso falhe, provoca o maior prejuízo para o vôo da aeronave.

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Com relação à decolagemcom os flapes na posição 25%,obtém-se, neste caso, ummelhor desempenho comrelação ao comprimento depista necessário. Emcontrapartida, há umadiminuição no gradiente desubida, em função do maior arrasto presente nestaconfiguração. Como as condições presentespermitiam a decolagem com qualquer uma das duasopções disponíveis de flape, considera-se que adecolagem com eles recolhidos acarretaria nummelhor desempenho de subida e poderia ter sidosignificativo no sentido de evitar o sinistro.

O modelo em questão, tipo C-95A Bandeirantefabricado pela Empresa Brasileira de Aeronáutica(EMBRAER), apresenta deficiências no seu Manualde Vôo (EMBRAER, 1993), pois o mesmo nãodispõe de todos os gráficos necessários para adeterminação completa do desempenho dedecolagem. Estas limitações estão apresentadas noRelatório de Análise sobre a situação dos dados dedesempenho em decolagem das aeronavesBandeirante da FAB (ARANTES, 2005).

Apesar disso, é possível determinar pelo Manualde Vôo do C-95A que, no peso máximo dedecolagem (5.670 kgf) e na temperatura existentena hora do evento (23?C), a aeronave apresentariauma razão de subida de 380 pés/minuto emcondições de operação monomotor, fato quepermitiria evitar todos os obstáculos existentes naregião. Para tal, seria necessário estar com os flapesrecolhidos, não curvar após a saída do solo e manter121 kt de velocidade.

O Manual de Voo do C-95B (EMBRAER,1995), aeronave similar ao modelo C-95A, émais completo e permite a realização dos cálculosnecessários para obter o desempenho dedecolagem. Em função disso, para ilustrar ainfluência dos flapes no gradiente de subidamonomotor do Bandeirante, serão apresentadosna tabela 2 dados de decolagem para um C-95B, incluindo as condições reinantes por ocasiãodo acidente em questão. Com isso, apesar dosvalores obtidos não serem aplicáveis ao modelo C-

95A, é possível perceber o grau de degradação nodesempenho de subida pelo uso dos flapes naposição 25%.

Baseado nos dados acima, um C-95B nãopoderia decolar de Caravelas com 5.670 kgfutilizando 25% de flapes, mas teria desempenhopara realizar tal operação com eles recolhidos.Neste último caso, o peso de decolagem nãoseria limitado pelo desempenho de subida, maspelo peso máximo estrutural autorizado nestemodelo (6.000 kgf). Na segunda condição, a2.000 pés de altitude e 30oC de temperatura,ocorre um aumento de carga útil de 750 kgf emrelação à decolagem com flapes na posição25%, aumentando em 15% o peso máximo dedecolagem, corroborando a vantagem de nãoutilizar flapes nas decolagens de Bandeirantequando o comprimento da pista assim o permitir.

No acidente em questão, não é possível obteruma resposta precisa, pois inexistem dados quepermitam a certeza absoluta de que a retirada dequalquer uma das duas “peças de dominó”citadas acima pudesse impedir o acidente. Comoele ocorreu no período noturno e a região nãoapresentava boas referências para o vôo visual,torna-se impossível avaliar quais fatores tiverammaior relevância neste caso. Porém fica evidente que,no aspecto de desempenho de subida, a utilizaçãoda configuração de flapes recolhidos seria a maisfavorável.

Em seguida, será verificada a influência doconhecimento em um acidente ocorrido na fase deaproximação e pouso.

3.3 ACIDENTE COM C-91 AVRO EMNAVEGANTES – 09 DE FEVEREIRO DE 1998

A aeronave de matrícula FAB 2509 decolou daBase Aérea dos Afonsos com plano de vôo porinstrumentos (IFR) até Navegantes - SC, de onde

Fonte: Manual de Vôo do C-95B (EMBRAER, 1995)

Tabela 01: Desempenho de decolagem do C-95B.

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prosseguiria em condições visuais até Blumenau- SC transportando 17 pára-quedistas e 6tripulantes.

Devido às condições meteorológicas na rota parao destino final, a tripulação optou por retornar paraNavegantes e realizar uma aproximação IFR.Durante o afastamento, ao obter contato visual coma pista, o piloto decidiu encurtar o tempo previstono perfil do procedimento de descida e encaixou-senuma rampa alta e com velocidade acima da normal.Durante o pouso, a aeronave subiu e, na tentativade recolocá-la na pista, ocorreu a quebra do tremde pouso do nariz e perda de controle, levando-a asair da pista. A aeronave sofreu danos graves, umtripulante sofreu ferimentos leves e os demaisocupantes saíram ilesos.

Na investigação subsequente constatou-se que,na final, a aeronave estava veloz (130 kt) e os flapesestavam na posição de aproximação, fato informadopelo mecânico ao piloto. Como este havia feito umpouso nestas condições de excesso de velocidade eflapes fora da posição correta 15 dias antes, numapista de comprimento maior, julgou que seriapossível repetir o procedimento. O co-piloto nãoatentou para o fato, pois estava executando o chequede final.

Nas condições de peso existentes, asvelocidades previstas seriam de 112 kt para flapesna posição de aproximação e de 102 kt para flapesna posição de pouso, sendo esta última aconfiguração preconizada para o toque. Com isso,verificou-se um excesso de 28 kt ou 27,5% emrelação à velocidade correta. Além disso, a pistaestava molhada, acarretando menor efetividade defrenagem e, conseqüentemente, maior distância depouso.

O clima organizacional foi reportado comomuito bom, podendo esta confiança mútua tercontribuído para uma atuação complacente do co-piloto, que era o comandante da missão, ao deixarde monitorar a velocidade do piloto na final. Aansiedade dos pilotos em pousar o mais rápidopossível, devido à degradação das condiçõesmeteorológicas também influenciou a decisão deprosseguir para o pouso fora dos parâmetrosprevistos.

As conclusões do investigador trouxeram comofatores contribuintes os listados abaixo:

Fator Humano:Aspecto psicológico – O piloto demonstrou

inflexibilidade ao desconsiderar o aviso do mecânicoa respeito da posição dos flapes; o co-piloto,comandante da missão, demonstrou complacênciano acompanhamento dos procedimentos parapouso e a possibilidade de fechamento do campogerou ansiedade na tripulação.

Fator Operacional:Deficiente coordenação de cabine – Não houve

administração adequada dos recursos de cabine porparte da tripulação, em face da mudança repentinade procedimentos de aproximação e pouso. Acomunicação entre a tripulação não foi adequada.

Condições meteorológicas adversas – Apossibilidade de fechamento do campo gerouansiedade nos pilotos, ocasionando o encurtamentodo procedimento.

Deficiente aplicação dos comandos – O pilotoforçou um pouso com velocidade alta, fazendo comque a aeronave voltasse a sair do solo; ao forçar opouso novamente, provocou a quebra do trem depouso do nariz.

Deficiente Julgamento – O piloto avaliouinadequadamente os aspectos de altura, velocidadee configuração para pouso.

Em seguida, será realizada uma análise dosfatores contribuintes, relacionados aconhecimento, que podem ter influenciado aseqüência de eventos que culminaram com esteacidente.

3.3.1. INFLUÊNCIA DO CONHECIMENTO NOACIDENTE

Para realizar esta análise, foi elaborado umWB-Graph reduzido, mostrado na figura 5,apresentando tão somente os eventosconsiderados relevantes e que tiveram relaçãocom a influência do conhecimento no acidenteem questão.

Dentre os vários fatores que afetam a distânciade pouso, pode-se destacar a velocidade nocruzamento da cabeceira, a altura sobre a mesma,o ângulo de trajetória na aproximação, a

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configuração da aeronave, o ponto de toque na pistae as condições de atrito do piso (Pinto, 1989).

No acidente em questão, nota-se que diversosparâmetros estavam fora do previsto (velocidade,configuração de flapes, trajetória de aproximação),dificultando uma análise precisa do real desempenhoque a aeronave apresentaria nestas condições.

Velocidade excessiva implica em uma maiordistância de pouso, normalmente acarretandotambém em um toque longo, pois existe a tendênciaa perder a velocidade no “paliê”2, com a aeronaveainda no ar. Quanto menos flape for utilizado, menorserá o arrasto para auxiliar na frenagem e maiordeverá ser a velocidade na final, prejudicando aindamais o desempenho de parada.

Caso a tripulação dominasse de maneira eficienteos conhecimentos acerca deste assunto,provavelmente julgaria que a distância de pousoficaria acima do previsto devido às condiçõesexistentes e teria feito a opção de circular para perdervelocidade ou então arremeter no ar a fim de iniciaruma nova aproximação, desta vez dentro deparâmetros normais. Dessa forma, este acidente teriasido evitado. Porém, também deve ser levado emconta o grau de apreensão dos tripulantes com apossibilidade da meteorologia piorar ainda mais,eventualmente prejudicando uma análise maisadequada.

Em seguida, será abordado o último acidenteno período em questão onde houve influência doconhecimento cognitivo por parte dos envolvidos.

3.4 ACIDENTE COM C-95B BANDEIRANTE EMRESENDE – 23 DE ABRIL DE 1998

A aeronave de matrícula FAB 2321 cumpria umamissão de lançamento diurno de pára-quedistas

no aeródromo de Resende - RJ. Após o lançamento,a tripulação reportou que estava na final para pousoda pista 08. Testemunhas reportaram que, a cercade 100 pés de altura sobre a cabeceira da pista ecom o trem de pouso recolhido, a aeronave iniciouum aparente procedimento de arremetida, comcurva nivelada à direita, afastando-se num rumoaproximadamente 90? defasado do eixo da pista.Após cerca de 40 segundos, houve a colisão comcabos de uma rede de alta tensão, provocando aqueda com perda total da aeronave e o falecimentodos três tripulantes. Nos dados do CENIPA nãoexiste reporte sobre a posição em que seencontravam os flapes.

A investigação foi conduzida baseada em duashipóteses, a saber:

1 – A ocorrência de uma falha do motor na final,com conseqüente arremetida no ar, provocada pelotrem de pouso não estar baixado.

O instrutor pode ter realizado os procedimentosprevistos de falha de motor, que prevêem oembandeiramento da hélice afetada e, ao perceberque o trem não estava baixado, comandou umaarremetida. O piloto, que possuía pouca experiênciade vôo nesta aeronave, não conseguiu manter a retacom tração assimétrica e a tripulação ficoupreocupada tentando voar a aeronave e realizar osprocedimentos, não visualizando os fios de altatensão nos quais vieram a colidir.

Neste tipo de missão, é previsto desarmar odisjuntor de alarme do trem de pouso para olançamento, a fim de evitar o acionamento contínuoda buzina. O mesmo deve ser rearmado para opouso subseqüente.

O motivo do não baixamento do trem teria sidoesquecimento, devido à excessiva carga de trabalho

Figura 05: WB-graph reduzido do acidente do FAB 2509Fonte: Baseado na WBA

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decorrente da pane de motor, aliado ao possívelnão rearmamento do disjuntor de alarme,impedindo que o aviso sonoro de trem nãobaixado e travado soasse na cabine.

2 – O treinamento intencional de panesimulada, com embandeiramento real do motorhipoteticamente em pane. Durante oprocedimento, pode ter ocorrido esquecimentodo piloto em solicitar o baixamento do trem depouso e, ao ser percebido na curta final, optou-sepela arremetida, quando a aeronave veio a colidircom os obstáculos.

Esta hipótese, apesar de ser possível, não écondizente com o perfil relatado do instrutor daaeronave, pois decorre de uma indisciplina devôo.

Não há elementos suficientes para permitiruma conclusão definitiva acerca dos fatorescontribuintes presentes neste acidente. O únicofato concreto é que o motor direito estavaembandeirado e sem potência, caracterizandoausência de tração.

Todos os fatores contribuintes listados a seguirforam considerados indeterminados.

Fator Humano:Aspecto psicológico – Pode ter ocorrido

participação de variáveis psicológicas, com relaçãoao excesso de motivação do instrutor em realizartreinamento não previsto.

Fator Operacional:Deficiente supervisão – É possível que a falta

de rearme do disjuntor de alarme do trem de pousotenha contribuído para o não abaixamento domesmo, com conseqüente arremetida no ar.

Pouca experiência de vôo – Pode ter contribuídopara a possível falha em manter a direção da aeronaveem condições de vôo monomotor.

Deficiente coordenação de cabine – É possívelque tenha havido falha de coordenação dosprocedimentos afetos a cada tripulante, o que podeter gerado a não visualização dos fios de alta tensão.

Deficiente aplicação dos comandos – É possívelque o piloto não tenha aplicado força suficiente noscomandos para manter a proa durante a arremetida.

Esquecimento – O piloto pode ter esquecidode solicitar o abaixamento do trem e o instrutor só

ter se apercebido do fato próximo ao pouso, gerandoa necessidade da arremetida.

Deficiente julgamento – O instrutor pode teravaliado erroneamente a necessidade de efetuar oprocedimento de arremetida, quando na final parapouso.

Indisciplina de vôo – É possível que o instrutortenha realizado intencionalmente o procedimentode falha simulada de motor com embandeiramentoreal da hélice, sem que tal procedimento estejaprevisto.

Em seguida será verificado como a falta deconhecimento pode ter influenciado os eventos queresultaram neste acidente.

3.4.1 INFLUÊNCIA DO CONHECIMENTO NOACIDENTE

A análise deste evento apresenta um elevado graude incerteza devido às restrições apresentadas nainvestigação relatada acima, pois se baseia em duashipóteses que não puderam ser comprovadas,acarretando na indeterminação de todos os fatorescontribuintes levantados.

Para realizar esta análise, utilizou-se um WB-Graph reduzido, mostrado na figura 6, apresentandotão somente os fatos concretos observados portestemunhas e relatados na investigação.

Figura 06: WB-graph simplificado do acidente do FAB 2321Fonte: Baseado na WBA

Este acidente apresenta semelhanças com o doC-115 FAB 2361 ocorrido em Manaus e já tratadoanteriormente, relativo à operação com traçãoassimétrica para pouso.

Como a aeronave curvou na direção do motorem pane, pode ter havido dificuldade por parte dopiloto em aplicar os comandos na amplitudenecessária para um eficiente controle da mesma.Diferentemente do Búfalo, o desempenhomonomotor do Bandeirante é mais restrito; porém,como só havia os três tripulantes a bordo, o pesoera baixo, propiciando uma melhoria da performance.A tabela 3 apresenta a razão de subida do C-95B, na altitude aproximada do acidente (2.500 pés),para dois pesos e duas temperaturas a fim de

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ilustrar com valores este assunto. O relatório deinvestigação informou o peso da aeronave de5.000 kgf e não apresentou a temperatura reinanteno momento da queda.

Pelos dados apresentados acima, nota-se quehavia desempenho suficiente para manter aaeronave em vôo nas condições reinantes porocasião do sinistro, desde que os flapes estivessemrecolhidos.

A abordagem deste trabalho foi relacionar ainfluência do conhecimento de tripulantes acercade aerodinâmica e desempenho de aeronaves nasegurança de vôo, através da análise dos acidentescom aeronaves de transporte multimotoras da ForçaAérea Brasileira (FAB), no período de 1995 a 1999,onde houve a presença deste elemento como fatorcontribuinte.

Após a apresentação da metodologia empregadae uma explanação sucinta sobreduas teorias que abordam esteassunto, a Teoria do Dominó, deHeinrich (1959) e a Why-becauseAnalysis (LADKIN; LOER,1999), elas foram aplicadas paraanalisar quatro acidentes onde afalta de conhecimento por parte

dos pilotos pode ter sido um dos elos queconduziram à ocorrência do mesmo.

Existe uma tendência de se associar a atividadeaérea ao domínio psicomotor, sendo que estapesquisa atuou especificamente na área cognitiva,de forma a cobrir esta lacuna. Isso não significa queesse aspecto prevaleça sobre os demais, mas tãosomente que também deva ser levado emconsideração.

No período supracitado, a FAB voou 707.700horas, com um total de 46 acidentes envolvendosuas aeronaves. Destes, 9 envolveram aeronaves detransporte, 8 das quais multimotoras e foco destapesquisa.

Destes 8 sinistros, após uma análise realizadacomo já descrito anteriormente, concluiu-se que, em4 deles (50% do total), a falta de conhecimento porparte dos tripulantes foi um dos fatorescontribuintes e, caso tivesse havido uma prevençãoadequada neste aspecto, eles talvez pudessem ter sidoevitados, com expressiva preservação de vidas ematerial.

Com isso, o objetivo principal deste trabalhofoi alcançado, pois, dentro do universo total deacidentes com aeronaves de transporte multimotorasda FAB, no período de 1995 a 1999, verificou-seem quais deles houve influência da falta deconhecimento acerca de aerodinâmica edesempenho de aeronaves.

Não houve informação de perda de controle daaeronave, sendo relatado que a mesma veio a colidircom os fios de alta tensão. Desse modo, caso o pilototivesse seguido o procedimento descrito no manualda aeronave de inclinar 5? para cima do motoroperante, talvez o acidente pudesse ter sido evitado,pois o controle direcional seria facilitado, requerendouma menor deflexão do leme (BRASIL, 1990b). OBandeirante, durante o procedimento de arremetidamonomotor, requer aplicação de grande amplitudenos pedais, fato não usual na operação normal daaeronave.

Como já citado antes, não há como afirmarconclusivamente que houve falta de conhecimentopor parte do piloto a respeito da operação comtração assimétrica neste caso, mas há indícios de queisso pode ter ocorrido, fato descrito no fatorcontribuinte “deficiente aplicação dos comandos”.É importante relembrar que este fator baseia-se emuma hipótese, tendo sido classificado comoindeterminado pela comissão de investigação no seutrabalho. Na seqüência, será feita uma recapitulaçãodos assuntos tratados até agora.

CONCLUSÃO

Acidentes aeronáuticos, quando ocorrem,costumam chocar a opinião pública, principalmentese envolverem fatalidades. Desta forma, qualqueresforço no sentido de prevenir a ocorrência delessempre agregará valor.

Fonte: Manual de Vôo do C-95B (EMBRAER, 1995)

Tabela 02: desempenho de subida monomotor do C-95B

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Desta forma, os resultados desta pesquisapermitem aos elos do Sistema de Investigação ePrevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER)

abrirem um novo horizonte no campo da prevenção,sempre com a certeza de que todo acidente podee deve ser evitado.

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Recebido: 31/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 26/06/2009

O Caso da Transferência de Sede de uma OrganizaçãoMilitar da Aeronáutica

*Tenente Coronel Aviador Paulo Henrique Mendonça Rodrigues1,2

1 Chefe da Sub-Divisão de Ensino da UNIFA – RJ2 Mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial pela Universidade Estácio de Sá

*Autor: Tenente Coronel Aviador Paulo Henrique Mendonça Rodrigues possui graduação em Licenciatura Em Matemática pela Universidade Castelo Branco (2001),graduação em Curso de Formação de Oficiais Aviadores pela Academia da Forca Aerea (1988) , especialização em Curso de Especialização Em Psicopedagogia pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (2001) e mestrado-profissionalizante em Administração e Desenvolvimento Empresarial pela Universidade Estácio de Sá (2005).È Chefe da Sub-Divisão de Ensino da UNIFA – RJ . Contato: [email protected].

RESUMO

O presente artigo insere-se no desafio acadêmico de produzir casos de ensino com características de aplicação diretano processo ensino-aprendizagem, buscando também descrever um modelo para a construção de outros tantos. Nesterelatório, revelam-se os resultados do esforço de pesquisa e de entrevistas implementadas junto à disciplina de Laboratóriode Estudos de Casos Reais, durante a realização do Master in Business Administration (MBA) em Logística, realizado pelo convênioentre a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade da Força Aérea (UNIFA), no ano de 2007. Teve comoprincipais referenciais os manuais de Harvard Business, Richard Ivey School of Business, European Case Clearing House e bibliografiade Leenders & Erskine (1989). A metodologia do caso de ensino foi desenvolvida por meio do caso real da transferência da sededo 1º/11º Grupo de Aviação, da Base Aérea de Santos para a Base Aérea de Natal, permitindo a compreensão e a análise de fatoresrelacionados com questões de logística, gestão de processos, gerenciamento de projetos e, de forma transversal, da tomadade decisões por um gestor de organização formalmente hierarquizada relativa à gestão de seus recursos humanos. Ao final, conclui-se o presente caso com as possibilidades de aplicação nos cursos de graduação e de pós-graduação, apresentando as notas deensino para uso do corpo docente, bem como identifica a contribuição como referência para o aprendizado organizacional emcasos semelhantes.

Palavras-chave: Logística operacional. Casos de ensino. Organizações militares. Casos reais.

O Caso da Transferência de Sede de uma OrganizaçãoMilitar da Aeronáutica

*Tenente Coronel Aviador Paulo Henrique Mendonça Rodrigues1,2

1 Chefe da Sub-Divisão de Ensino da UNIFA – RJ2 Mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial pela Universidade Estácio de Sá

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ABSTRACT

This article is part of the academic challenge of producing cases of education whose characteristics have practical application in the teaching-learningprocess. It is also an attempt to describe a model for the development of future ones. This report shows the results from the considerable effort devoted to theresearch and interviews implemented during the Laboratory Studies on real cases, a subject of the Master in Business Administration (MBA) inLogistics. Such MBA was conducted due to a partnership between the Federal Fluminense University ( UFF) and the University of the Air Force(UNIFA), in the year 2007. It had as main reference the manuals from Harvard Business, Richard Ivey School of Business, European Case ClearingHouse, and bibliography of Leenders & Erskine (1989). The methodology of the case of education was developed considering the real case of the changeof the 1st / 11th Aviation Group headquarters address, from Santos Air Base to Natal Air Base, what enabled the understanding and analysis offactors related to issues of logistics, process management, project management and, indirectly, the decisions made by a manager in relation to themanagement of its human resources in a formally hierarchical organization. In the end, the present case reveals the possible applications in undergraduatecourses and postgraduate studies through the notes of instruction for use of the faculty members, and also identifies the contribution as a reference fororganizational learning in similar cases.

Keywords: Operacional logistics. Cases of education. Military organizations. Real cases.

INTRODUÇÃO

A diversidade da natureza de fatores queinfluenciam na decisão a ser tomada por um gestoré cada vez maior diante da dinâmica e imprevisívelrealidade em que se dão os negócios. Os contextospúblicos, cujas práticas administrativas encontram-se numcrescente acompanhamento dodesenvolvimento do setor privado, não se excluemdesta análise. As parcerias público-privadas podemservir como um significativo exemplo destadeclaração.

As organizações militares, por outro lado,poderiam estar alheias a estes fatos, caso não seconstituíssem em atividades econômicas comsemelhanças, embora nem sempre reconhecidas. Otransporte aéreo, durante cerca de cinquenta anosregulado pelo então Ministério da Aeronáutica, hojeComando da Aeronáutica (COMAER), é umexemplo desta comparação, pois identifica a atuaçãomilitar em uma das principais atividades dos canaisde distribuição física, entendido como movimentode bens para os usuários finais (CHURCHILL &PETER, 2000, apud MOREIRA, 2006).

Também é flagrante o envolvimento daMarinha do Brasil e do Exército Brasileiro nosmodais aquaviário e rodoviário, fato que sejustifica pela necessidade de sua preparação paraa mobilidade dentro de suas respectivasdestinações constitucionais, dentro do Ministérioda Defesa.

Outra questão normalmente levantada,envolvendo as organizações militares, por serem

instituições públicas, e baseada na hierarquiaformal, refere-se à flexibilidade dos processos, ou afalta dela, denotando alguma possível perda navelocidade em que as ações devem serimplementadas. Pesquisas com esse viés já seencontram publicadas por autores com formaçãomilitar e estudiosos do tema, conforme pode sercitado:

[...] a estrutura hierárquica é ferramenta básica, masapenas enquanto organizadora de processos, nãopodendo comprometer a criação de competênciasessenciais da organização. Essa criação decompetências essenciais não parece estarcomprometida, visto que se dá até mesmo pelanecessidade e pelo compromisso que seus membrostêm com a missão da organização. (RODRIGUES,2006, p. 15).

Ficam destacados os possíveis entendimentosque norteiam o compromissos dos gestores nocumprimento das ordens no âmbito das instituiçõespúblicas militares, visto que a hierarquia, segundo oautor, não impede a criação das competênciasconsideradas essenciais à organização.

Esta contextualização destaca razões para quenão se despreze a semelhança de experiênciasvivenciadas pelas empresas e pelas organizaçõesmilitares, ficando ainda mais evidente quando seretoma a questão da extensão territorial e dadiversidade natural do País. Portanto, Governo esetor privado necessitam de um entendimento cadavez mais aproximado acerca destes aspectos,impondo aos estudos acadêmicos um desafio dedesvendar as semelhanças nas experiências queacumulam em suas atividades econômicas.

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Desta forma, e considerando-se o caso deensino como uma metodologia que descrevesituações reais enquanto problemas difíceis deserem definidos e solucionados, entende-seadequado que os alunos de graduação e de pós-graduação, especialmente em cursos na área deAdministração ou similares, sejam desafiados avivenciar estas experiências por meio da análise decasos reais.

Por outro lado, os professores têm aoportunidade de observar e aprender com assoluções e sugestões que surgirão da dinâmica dediscussão a ser implantada na execução do trabalho,composta de: preparação individual, discussão empequenos grupos, discussão em grandes grupos,ponto de vista do professor e consenso final.(MAUFFETTE-LEENDERS; ERSKINE;LEENDERS, 1998; FARIAS FILHO, 2004).

No entanto, é importante considerar asdificuldades e a necessária percepção da qualidadeinerentes a este processo pedagógico, claramentereveladas pelo professor Derek Abell naoportunidade em que proferiu seu discurso naAnnual CEEMAN Case Award Ceremonies, realizadaem Praga, em outubro de 1996:

Case writting is both art and science. There are few, ifany, specific prescriptions or recipes, but there are keyingredients that appear to distinguish excellent casesfrom the run-of-the-mill, i.e. those of which, after theclass, the participants will say, “I really learned fromthat discussion”, and, equally important, from whichthe professor learns too! (ABELL, 1997 apud FARIASFILHO, 2004).

Arte e ciência, como características afetas àcompetência de se escrever um caso, revelam osdesafios a um corpo docente interessado pelo tema.Quanto à percepção da qualidade, ou da distinçãoentre excelentes casos dos demais, a citação indica aanálise do sentimento de aprendizagem dos alunose, não menos importante, dos professores.

Com o propósito de promover uma contribuiçãoteórica à metodologia de elaboração eimplementação de um caso de ensino, o presenteestudo relata o caso da transferência do PrimeiroEsquadrão do Décimo Primeiro Grupo de Aviação(1º/11ºGAv) de Helicópteros, da Base Aérea deSantos (BAST) para a Base Aérea de Natal(BANT), constituindo-se em uma narrativa que

permitirá ao leitor (aluno): identificar os fatoresintervenientes ao processo de transferência do 1º/11ºGAv, nas condições em que se apresentava,e propor estratégias de ação e de correção,provenientes da análise do caso finalizado.

A disposição de um caso no chamado “cubo dedificuldade” (MAUFFETTE- LEENDERS,ERSKINE e LEENDERS, 1998, p. 12-18), podeser diversificada de acordo com a omissão de análisesjá realizadas pelos atores envolvidos no caso. Osautores citados ensinam que existem três possíveisdimensões que integram o cubo de dificuldades:

Dimensão analítica – grau de dificuldade emtermos de análise de todos os fatos envolvidos ea proposição de soluções possíveis;

Dimensão Conceitual – grau de envolvimentodo leitor com um único ou múltiplos conceitosteóricos pertinentes à situação problema proposta;

Dimensão de Apresentação – grau de oferta,clareza e sequenciamento de informaçãoe de dadospara que o leitor possa utilizar na solução do caso.

O cubo de dificuldade prevê os níveis 1 a 3, emgrau ascendente de dificuldade para cada uma dasdimensões, cabendo ao propositor do caso adefinição dos níveis, o que se dá pela redação docaso de ensino, omitindo-se ou apresentando-sedados e informações e adequando o que se solicitados alunos ao conhecimento que já possuem sobreo tema.

Também é relevante citar que a narrativa de umcaso requer a definição de objetivos pedagógicos aserem alcançados pelos alunos. Estes objetivosenvolvem o conteúdo a ser desenvolvido nasolução do caso e são apresentados no enredodo caso. Além disso, o desenvolvimento de umcaso necessita das notas de ensino, que constituem-se em conexões entre a prática e a literatura, bemcomo de abordagens teóricas no campo deconhecimento de forma explícita para que oprofessor possa aplicá-lo de forma organizada efocada. As notas devem nortear questões para adiscussão e, naturalmente, são alinhadas com osobjetivos declarados no enredo e adequadas ao nívelda audiência (alunos). (IKEDA, VELUDO-DE-OLIVEIRA e CAMPOMAR, 2005; ROESCH,2006)

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Pelas disposições acerca do enquadramento nocubo de dificuldades, o caso apresentado a partir dapróxima seção pode ser aplicado tanto no nívelda graduação, quanto nos cursos de pós-graduação, nas instituições de ensino superior,públicas ou privadas, civis ou militares.

Encontra-se com a seguinte disposição no cubode dificuldades: 1-3-2 (analítico- conceitual-apresentação), a fim de ser aplicado aos alunos depós-graduação. Isto significa que analisarão um casocujas decisões já foram tomadas (analítico=1), requeruma alta diversidade de conceitos sobre os temasem pauta (conceitual=3) e deixarão de contar comalgumas informações necessárias à análise(apresentação=2). O organograma das instituiçõesenvolvidas (relação de subordinação), descriçãodas competências dos atores envolvidos e tambémdo material transportado são algumas informaçõesrelevantes à consideração do caso não disponíveisnesta apresentação.

Aos alunos só caberá ler o texto relativo à seção1 “O Caso” deste artigo, excluindo-se asobservações e ficando o texto da seção 2 “Notas deEnsino” como sugestão de propostas de trabalhopara o professor e conseqüente arquivo do casojunto às instituições de ensino. Ainda na seção2 encontram-se sugestões de leiturascomplementares e as questões norteadores quepoderão ser apresentadas aos alunos conformemudança no enquadramento do caso no cubo dedificuldades.

1 O CASO

1.1 ENREDO DO CASO

A descrição do caso aqui proposto baseou-se na coleta de dados por documentos relativosà transferência do 1º/11ºGAv, entrevista com oentão Comandante da BAST (principal ator docaso) e também com os oficiais que trabalharamdiretamente no processo de implementação datransferência, hoje servindo na BANT, e outros quepermaneceram na BAST.

Abaixo seguem-se os objetivos pedagógicos quepodem dar sentido ao caso proposto a partir dapróxima seção, devendo ser adequados (suprimidosou aprimorados) a fim de ser aplicado às disciplinas

na área da Administração, mas em especial naconstrução do conhecimento no campo daLogística:

a) Identificar as etapas (fatos e atos) do casoconforme se define o processo administrativo(PODC) e os respectivos setores (atores) envolvidosna implementação da transferência da UAe;

b) Descrever as ações apresentadas, no que serefere ao atendimento ou não do que se compreendepor planejamento integrado de recursoshumanos, adequada à gestão estratégica derecursos humanos;

c) Descrever os macro-processos que fizeramparte do caso, avaliando em que nível forampercebidos claramente e gerenciados pelos atoresenvolvidos no caso;

d) Analisar se a aplicação da metodologia deprojetos foi implementada na operacionalização datransferência da UAe, julgando em que medidapoderia ter facilitado a consecução doempreendimento.

1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO

O Brasil, a partir da década de 1990, passou porprofundas transformações econômico- financeirasque acarretaram constantes cortes no orçamentopúblico, gerando dificuldades para manutenção damáquina estatal em todos os ministérios, exigindocortes orçamentários que impactaram diretamenteas atividades fins.

Tal situação não foi diferente para o entãoMinistério da Aeronáutica, resultando emsignificativa diminuição de horas de vôo para oadestramento dos pilotos militares normalmenterealizados pelas Unidades Aéreas (UAe) da ForçaAérea Brasileira, situadas em diversas Bases Aéreas.A Base Aérea é uma estrutura organizacionalcom a missão de dar o apoio às UAe nelas sediadas,provendo serviços de saúde, administração depessoal, alimentação, registro patrimonial e demanutenção das aeronaves.

Visando a economia de meios em face àsituação de contingenciamento de orçamento,bem como a unificação do local de sede dasunidades de treinamento subordinadas a ummesmo comando operacional, o Comando da

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Aeronáutica realizou estudos que culminaram nadeterminação da transferência do 1º/11ºGAvpara a Base Aérea de Natal (BANT). E,considerando-se o fato que o 1º/11ºGAv era aúnica UAe apoiada pela Base Aérea de Santos(BAST), as condições de existência desta Basetambém fazem parte deste caso, tendo sido seuComandante o gestor que recebeu oficialmente aordem de transferência.

Esta determinação se deu em fevereiro de 2006,com prazo inicial para ser efetivada até abril domesmo ano, o que gerou diversos óbices deordem operacional (logística de material e pessoal),financeira e patrimonial para as decisões queforam tomadas pelo Comandante da BAST. Por essemotivo, embora o caso se refira a uma decisão tomadapela alta administração do Comando da Aeronáutica(COMAER), as seções que tratam do ambiente,situação problema e perfil da organização estãofocadas no binômio UAe-BAST, dado que todas asdecisões operacionais e ações relativas à transferênciaforam tomadas pelo Comandante da BAST emconjunto com o Comandante do 1º/11ºGAv.

1.3 SITUAÇÃO PROBLEMA

A situação problema a ser solucionada é aanálise do processo de transferência da UAe daBase Aérea de Santos para a Base Aérea de Natal,partindo-se do pressuposto que as providênciasadministrativas devidas à BAST se confundem como próprio processo de transferência do 1°/11°Grupo de Aviação, por ser este a única UAe sediadanaquela Base.

Portanto, este estudo de caso está delimitado aosseguintes aspectos:

a) Transferência do pessoal lotado na UAe: planode movimentação com os respectivos critériosoperacionais, administrativos e das condições deapoio ao homem; b) Transferência de material,suprimento e equipamentos: meios de transporte(plano de mobilidade), prazos, adequação deembalagens e prioridades (anterioridade de envio)em função das melhores condições de recebimentono destino;

c) Custos envolvidos: relativos à logística dotransporte, pagamento de diárias de pessoal emserviço e às movimentações do efetivo da UAe;

d) Redefinição da estrutura organizacional daBAST, com sua nova missão, ou mesmo seuplano de desativação;

e) Finalização dos relacionamentos existentesentre a BAST e sua vizinhança, haja vista ainterdependência e caracterização perante aopinião pública local. Sua história e significadojunto à baixada santista, em especial pelaexistência da prontidão de helicópteros para arealização de salvamentos e apoio junto acalamidades são fatos que merecem consideraçõesdistintivas na forma como as decisões foramtomadas;

f) O patrimônio público de toda a BAST sobresponsabilidade do COMAER deveria serpreservado, não podendo ser desprezadosprocedimentos de segurança e suas devidasescriturações. Nesse contexto, aparece o QuartoComando Aéreo Regional (COMAR IV), órgãoimediatamente superior à BAST, tambémpertencente à linha decisória do caso.

1.4 PERFIL DA ORGANIZAÇÃO

O Primeiro Esquadrão do Décimo PrimeiroGrupo de Aviação é uma Unidade Aérea (UAe) doCOMAER que cumpre a missão de instrução, buscae resgate, empregando aeronaves de asas rotativas.

A Unidade Aérea do Comando da Aeronáuticatem como responsabilidade a operacionalização dosrecursos para cumprimento da missão que lhe éatribuída, cabendo-lhe a formação e o treinamentodas equipagens (pessoal habilitado) e a manutençãodas aeronaves de sua dotação em nível orgânico.

No entanto, o presente caso se insere nosdesafios em logística relativos ao Comando- Geralde Operações Aéreas (COMGAR), um órgão dedireção setorial do COMAER que tem porresponsabilidade a preparação e o emprego eficientedas Unidades Aéreas, na realização de operaçõesmilitares reais ou simuladas da Força AéreaBrasileira, como instrumento militar do PoderAeroespacial.

1.5 DESDOBRAMENTO DA AÇÃO

O desdobramento da ação está aqui descrita soba perspectiva de dois ambientes: a BAST e os demais

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atores envolvidos, como o COMGAR, o SextoComando Aéreo Regional (COMAR IV0, a SegundaForça Aérea (FAe II) e o próprio 1º/11º GAv e aBANT. É importante registrar que os dadoscoletados são oriundos da leitura de documentos eentrevistas com gestores diretamente envolvidosno caso, dos diversos níveis da cadeia hierárquicado COMAER.

Ao final das entrevistas, ficou claro que oator que detinha o maior número de informaçõesera o Comandante da BAST, principal articuladorde todas as tarefas que deram conta da transferênciada UAe. Em suas declarações, foi possívelcompreender que obteve imprescindíveis apoiosnas pessoas que representavam setores-chavesda Administração, tanto do próprio COMAER,quanto das autoridades locais (Santos) e outrasForças (Exército, Marinha e Auxiliares). Por outrolado, alguns óbices também puderam ser atribuídosà falta de envolvimentos de outros representantes.

1.5.1 A BAST E OS DEMAIS ATORESENVOLVIDOS

O Comandante da BAST recebeu emfevereiro de 2006 a determinação do Estado-Maior do Aeronáutica de transferir o 1º/11º GAvpara a BANT, com prazo definido para abril domesmo ano. Até este evento, nenhuma ação haviaainda sido operacionalizada, bem como não seapresentou àquele Comandante qualquer tipo deplano de mobilização, com definições de recursosou critérios a serem considerados, senão que: todoo efetivo de pessoal e todo o patrimônio deveria serdeslocado.

O Comandante da BAST, juntamente comsua assessoria direta (comandantes dos esquadrõesde Comando, Pessoal, Intendência e Saúde, Batalhãode Infantaria e Prefeitura de Aeronáutica de Santos),reuniu-se com o Comandante do 1º/11º GAvpara estabelecer um plano de comunicação do fatoao efetivo e de operacionalização da ordem recebida.

Inicialmente, fez um levantamento dasquestões envolvidas, tendo adotado um princípionorteador de suas ações: declarou que as decisõesdeveriam preservar o bem-estar dos militaresenvolvidos e de seus familiares, garantindo o

melhor para quem fosse transferido e paraquem ficasse. Entendeu que a data preconizadainterferiria nos assuntos particulares, como anoletivo, emprego de familiares etc. Além disso, previuquestões ligadas ao interesse do COMAER emrelação à segurança, como:

a- diminuição do empenho e atenção aoserviço, por parte dos soldados, devido àinsatisfação e desestímulo uma vez que eracompreendido que a BAST seria desativadacom a saída do 1º/11º GAv (única UAe apoiadapela Base);

b- tentativas de invasão do patrimônio da BAST,por proximidade de áreas dominadas pelo crimeorganizado;

c- diminuição do efetivo, uma vez que aBase seria transformada em um

Destacamento.Como conseqüência destas constatações, grupos

de trabalho foram criados e assim distribuídos:a- Equipes da BAST:Recursos Humanos: tratar de assuntos do Plano

de Movimentação do ano corrente, o específico daUAe e projeção do efetivo (diagonal deefetivo do NuBAST para desmobilização)

Comissão de acompanhamento dos benspatrimoniais: composta por militares da Base e daUAe, com o objetivo de transferir os bens móveise imóveis para as diversas OM de destino;

Orçamentária-Financeira: com a finalidade deprover as contratações e aquisições necessárias,bem como manutenção da vida vegetativa da OMaté sua transformação em UGR (unidade gestoraresponsável).

b- Equipes do 1º/11º GavOrganizadas e distribuídas conforme os

seguintes objetivos:• Planejamento da instrução para o ano de 2007

em Natal, pois o começo da instrução seria em 05de janeiro de 2007;

• Formar recursos humanos para 2007, comênfase aos mecânicos, tripulantes operacionais einstrutores de vôo; e

• Planejar o deslocamento do material.

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Vale ressaltar, ainda, que o Comandanteda BAST buscou ativar atividades (operações)militares com o Exército Brasileiro e com a própriaFAB, que acabaram por gerar entrevistas na mídialocal para esclarecimentos à população, dandosentido de existência à BAST e buscandoconquistar o apoio da população em favor das açõesadministrativas em vias de implementação.

Sabendo de que havia sido formado um Grupode Trabalho na BANT para viabilizar a chegada do1º/11º Gav, o Comandante da BAST solicitou umavisita deste grupo a Santos no sentido de quepudessem compreender in loco, as condições enecessidades envolvidas na transferência.

Juntamente com o Comandante do 1º/11º GAvseus assessores foram, a uma reunião em Brasília,da qual participaram todos os órgãos de direção geral(alta administração da Aeronáutica), as respectivasdiretorias, como a de Administração de Pessoale de Material, e comandos operacionais.Naquela oportunidade, foram levantados os fatorescríticos para o desenvolvimento das tarefas, tendosido tratados os seguintes aspectos:a- logística dotransporte do material carga da UAe: seriatransportado por caminhão;

b- o material bélico seria transferido para a BaseAérea de São Paulo;

c- transferência do pessoal: um plano demovimentação específico, permitindo umaflexibilidade de escolha para os militares;

d- condições de manutenção dos helicópteros(H-50): a BANT deveria se preparar para assumira manutenção de nível base;

e- a Prefeitura de Aeronáutica de Nataldeveria disponibilizar o quantitativo de imóveissuficientes para absorver o efetivo transferido;

f- o vôo de instrução deveria começar já em 5de janeiro de 2007, e portanto o Grupo de Trabalhojá teria providenciado as condições operacionaisrelativas à pista de grama, quadrados e instalaçõespara a chegada da UAe, infra-estrutura necessáriapara o vôo de instrução de helicópteros.

Durante o desenvolvimento das ações, oComandante da BAST esteve em reuniões comrepresentantes dos comandos operacionaissuperiores e de administração de pessoal, no sentido

de que fosse priorizado um plano demovimentação definido por sua equipe, bemcomo do prazo inicial para a transferência.

1.5.2 A BANT

Na BANT, o cenário que se apresentou para achegada do 1º/11º GAv foi o seguinte:

a- Pelo tipo de vôo e dado o volume do tráfegoaéreo de Natal, os helicópteros não puderam operarnas proximidades da pista, passando a operar emuma área que não conta com o controle da TWRsobre seu pousos e decolagens;

b- Não foram preparados os quadrados deinstrução e a pista de grama.

c- O cenário apresentava-se da seguinte forma:Fatores contingenciais: a instrução aérea do ano

corrente (2006) não poderia sofrer interrupções;recebimento das primeiras mulheres pilotosformadas em 2006 para a instrução de vôo em 2007;e mudança de subordinação operacional da SegundaForça Aérea (II FAe) para a Primeira Força Aérea (IFAe).

Deficiências de apoio na BANT: inexistência deelementos essenciais à instrução com helicópteros(pista de grama e quadrados para treinamentode manobras e pouso para o helicóptero,condições naturais da vegetação para que houvesseo treinamento de área restrita (somente disponívela cerca de 20 min. de vôo da BANT), inexistênciade instalações para receber a UAe, insuficiênciade Próprios Nacionais Residenciais (PNR) paratodo o efetivo transferido, entre outras.

1.6 FECHAMENTO DO CASO

De todas as ações implementadas no âmbitoda BAST, foram obtidos os seguintes resultados:

a- a quase totalidade de todo pessoal efetivo do1º/11º GAv concordou com a transferência paraNatal. Embora a diretriz fosse a de fazer cumpriros critérios normais do plano de movimentação,estes resultados obtidos deveram-se ao empenhode esclarecimentos realizados pela equipe da BAST;

b- Permaneceram na BAST, em 2007, 520militares (efetivo reduzido em 30%), sendo 35oficiais. A Base passou a sediar manobras e

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continuou operando com a aeronave T-25 Universalpara as missões administrativas;

c- A equipe da UAe dimensionou as cubagensdo material para o transporte, utilizando-se doespaço do hangar para posicionamento do materialdistribuído no chão em lotes, por prioridade dedespacho, de tal forma que em 28 de agosto de 2006a BANT recebia a primeira aeronave H-50 Esquilopara dar início às operações da UAe; foram realizadas5 viagens utilizando-se 3 caminhões cada; 9helicópteros foram trasladados voando e 1 por C-130.

d- A portaria nº 1.152/GC-3, de 6 de dezembrode 2006, que alterou a qualificação da BAST paraUnidade Gestora Responsável, (UGR) determinouque: os bens, direitos e obrigações da BAST fossemtransferidos para o COMAR IV; atribuiu aoCOMAR IV a responsabilidade pelo apoio àBAST, no tocante às execuções orçamentárias,financeiras e patrimoniais; e determinou à Secretariade Economia e Finanças da Aeronáutica (SEFA) quetomasse providências necessárias à execução destaportaria.

Diante dessa determinação, a SEFA emitiu oFAX nº 043/SUCONT-2, de 22 de dezembro de2006, com as orientações necessárias para que asequipes responsáveis pelas áreas de benspatrimoniais e orçamentária-financeira da BASTpudessem ter as mínimas condições para executaremas atividades, evitando problemas futuros. Essasorientações também foram transmitidas para a Sub-diretoria de Pagamento de Pessoal (SDPP) e aoCOMAR IV, de forma que as atividades fossemdevidamente coordenadas e controladas.

2 NOTAS DE ENSINO

2.1 SINOPSE

O 1°/11° Grupo de Aviação localizava-se naBase Aérea de Santos contando com o efetivo de35 oficiais e 72 graduados, realizando a missão deinstrução e busca e resgate. Teve sua transferênciadefinida para a Base Aérea de Natal em fevereiro de2006 por decisão do Alto-Comando da Aeronáutica.À época, a OM tinha uma dotação 8 helicópterosmodelo H-1H (Esquilo) e contava com um

Esquadrão de Suprimento e Manutenção (ESM) naBAST provendo o apoio necessário à manutençãodas aeronaves. A Base passou à condição deNúcleo de Base, contando com um plano de reduçãode efetivo no decorrer dos anos seguintes.

O caso encontra-se com a definição 1-3-2 nocubo de dificuldade, sendo aplicável aos alunos doCCEM com o objetivo de aprendizagem voltado àanálise das decisões e ações por parte doComandante da BAST. Não deixa de envolver outrosníveis hierárquicos, como o IV COMAR, oCOMGAR, o COMGAP e as I e II FAe, no sentidode serem órgãos superiores que devem definirdiretrizes e critérios a serem respeitados, bem comoo apoio aos trabalhos implementados. Esteenvolvimento macro acaba por definir umcontorno organizacional (escopo) que vai alémdos limites da competência do principal ator docaso em estudo: o Comandante da BAST.

2.2 LEITURAS COMPLEMENTARES

Além das referências recomendadas para adisciplina na qual se aplica o caso, deverão serconsultados também alguns documentos relativosà organização dos processos no COMAER, a serempesquisados pelos alunos, como:

a- Instruções do Comando da Aeronáutica(ICA): 19-2 – Processo de PlanejamentoOrganizacional, 30-4 – Movimentação doPessoal Militar e 87-4 – Guarda, Manutençãoe Proteção Contra Invasão e Depredação dosImóveis Sob a Responsabilidade do COMAER;

b- Mensagens fac-símile número 43 a 45/SUCONT-2, de 22/12/06; e

c- Portaria Nº 1.151/GC-3, de 6/12/06.Tais documentos apoiarão os alunos a

responderem às questões norteadoras dediscussões sobre o caso.

2.3 QUESTÕES NORTEADORAS PARAAPLICAÇÃO DO CASO

1- Quais os principais atores envolvidos, esuas responsabilidades, na questão da transferênciada UAe ?

Os alunos deverão identificar toda a cadeiahierárquica, nos segmentos administrativo eoperacional, desde a alta administração, passando

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pelos órgãos de direção setorial e suas OMsubordinadas até o nível da UAe; (osorganogramas disponíveis e as referênciascomplementares servem de base para estadiscussão). Deverão, ainda, descrever asresponsabilidades a eles atribuídas quanto aosaspectos da execução orçamentária, financeira epatrimonial em decorrência da mudança dequalificação da BAST.

2- Quais as áreas envolvidas no escopo docaso e em que medida os respectivos órgãoscompetentes atuaram de forma a contribuir para osucesso da missão ?

As áreas mínimas envolvidas são as da gestãodos recursos materiais e humanos, dentro dalogística aplicada ao caso, porém os alunos podemidentificar outras questões como a própriacomunicação social corporativa, uma vez que asaída da UAe e a redução do efetivo da BASTimpactaria na vida da sociedade local. Esta temáticapode ser percebida na revisão da história de criaçãoda BAST e do 1°/11° Grupo de Aviação. Osalunos devem apresentar uma crítica sobre aforma como os órgãos competentes seenvolveram, ou deixaram de fazê-lo, apresentandosugestões de quais seriam suas possibilidades deação em contribuição à concretização datransferência. As declarações do Comandante daBAST sobre a informalidade na obtenção deapoio devem servir como indicadores da linhade informalidade existente também na organizaçãoformalmente hierarquizada e o quanto isto serelaciona com o que se entende por flexibilidadedas estruturas.

3- Quais estratégias operacionais e quais açõesefetivamente deram conta da transferência domaterial e do pessoal da UAe e das novas condiçõesem que a BAST passaria a funcionar?

Os grupos de trabalho implementados peloComandante da BAST se estabeleceram os fórunsde decisão e implementação de ações (grupos detrabalho) para o cumprimento da missão. Entretanto,não se estabeleceram com uma clara metodologia.O caso deixou de ser percebido por seus atores comoum projeto, cuja metodologia tê-lo-ia apoiadofortemente. Espera-se que os alunos identifiquem

os processos que compuseram todo o esforçode trabalho sob a possibilidade de um trabalho porprojetos. Também se espera que consigam analisarse a atenção dispensada e as decisões tomadas arespeito das pessoas (trabalhadores) estiveram ounão em consonância com o que se intitula de gestãoestratégica de recursos humanos. Deverão sertambém percebidas as novas necessidades econdições que definiram a nova estruturaorganizacional da BAST, exercitando osconhecimentos sobre a etapa

Organização do PODC.4- Como a BANT se encontrava ao receber a

nova UAe, comprometida em reiniciar ocumprimento de sua missão na nova sede já no iníciode 2007 ?

É desejável que os alunos identifiquem ascondições indesejáveis relacionadas com ocumprimento da missão da UAe, tanto na dimensãooperacional (instrução e prontidão para atendimentode busca e resgate) quanto na dimensão do apoiomaterial e psicossocial para os trabalhadores e seusfamiliares. O julgamento da questão psicossocialdeve ser percebida diante dos requisitos mínimosligados ao segmento da gestão dos recursoshumanos enquanto fatores determinantes dosucesso da missão. Deverão reforçar este tema combase no tipo de atividade realizada pela UAe, comalto índice de risco e portanto requerente dos maiselevados componentes motivacionais.

CONCLUSÃO

As contribuições da presente pesquisa seconfirmam pela narrativa da seção 1, onde o casoreal é apresentado na forma em que os alunos devemtomar o contato e iniciar seus trabalhos de coletade dados, análise dos fatos reais em comparação coma teoria estudada em suas disciplinas, finalizandocom a apresentação das respostas às questõesnorteadoras, propostas na seção 2.

É essencial reforçar que, embora alicerçado nocaso real, as seções 1 e 2 apresentam um modeloresumido de escrituração de caso de ensino. Outrasaplicações se revelam possíveis diante da diversidadede aspectos a serem explorados no mesmo caso,conforme compreensão da situação e do contexto

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de ensino ou organizacional em que se pretendeutilizá-lo.

Conclui-se por tratar de uma metodologia deensino com claras possibilidades de contribuiçãopara a gestão do conhecimento organizacional,considerando-se sua potencialidade de garantir atroca de experiências entre alunos e professores,

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Recebido: 22/03/2009 Revisado: 21/05/2009 Aceito: 12/06/2009

As Forças Armadas e a Política de Defesa Nacional

The Armed Forces and the National Defense Politics

As Forças Armadas e a Política de Defesa Nacional

The Armed Forces and the National Defense Politics

*Autor: Coronel Aviador Reformado Manuel Cambeses Júnior é conferencista especial da Escola Superior de Guerra, membro titular do Instituto de Geografia e HistóriaMilitar do Brasil e vice-diretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica – RJ. Contato: [email protected].

*Coronel Aviador Reformado Manuel Cambeses Júnior1

1 Vice-diretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica - RJ

RESUMO

Vive-se atualmente uma crescente valorização de comprometimento amplo e público no que diz respeito à Defesa Nacional,processo esse reforçado pela recente publicação da Estratégia Nacional da Defesa. Este artigo tem o objetivo de fomentar areflexão e a análise crítica face a necessidade de participação da população brasileira na definição de novos preceitos em consonânciacom a realidade atual, como também no papel das Forças Armadas na consolidação desse processo.

Palavras-chave: Forças Armadas. Defesa Nacional. Política de Defesa. Militar.

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O Brasil é um país guiado por um sentimentode paz. Não abriga nenhuma ambição territorial, nãopossui litígios em suas fronteiras nem, tampouco,inimigos declarados. Toda ação por ele empreendidanas esferas diplomática e militar busca,sistematicamente, a manutenção da paz. Porém teminteresses a defender, responsabilidades a assumir eum papel a desempenhar no tocante à segurança edefesa, em níveis hemisférico e mundial, em face desua estatura político-estratégica no concerto dasnações. O primeiro objetivo de nossa política dedefesa, portanto, deve ser a de assegurar a defesados interesses vitais da nação contra qualquerameaça forânea. Não se pode precisar, a priori, afronteira entre os interesses vitais e os interessesestratégicos. Os dois devem ser defendidos comênfase e determinação. Essencialmente, os interessesestratégicos residem na manutenção da paz nocontinente sul-americano e nas regiões que oconformam e o rodeiam, bem como nos espaçosessenciais para a atividade econômica e para o livrecomércio (Setentrião Oriental, Costão Andino, ConeSul e Atlântico Sul).

Fora deste âmbito, o Brasil tem interesses quecorrespondem às responsabilidades assumidas nosFóruns Internacionais e Organismos Multilateraise ao seu status na ordem mundial. Este é conformadopor uma combinação de fatores históricos, políticos,estratégicos, militares, econômicos, científicos,tecnológicos e culturais. Sem uma defesa adequada,a segurança nacional e a perenidade desses interessesestarão seriamente comprometidos e,consequentemente, não poderão ser assegurados.Daí, ressalta-se a imperiosa necessidade decontarmos com Forças Armadas preparadas,suficientemente poderosas e aptas ao empregoimediato, capazes de desencorajar qualquer intençãode agressão militar ao país, pela capacidade de revide

que representam. Essa estratégia é enfatizada paraevitar a guerra e exige, como corolário, ofortalecimento da expressão militar do podernacional, além de impor um excelente grau deaprestamento e prontificação das Forças Armadas,desde o tempo de paz, por meus da realização detreinamentos, exercícios operacionais dentro de cadaforça singular, não sendo excluída a necessidade deplanejamento e do treinamento de operaçõesconjuntas e combinadas no âmbito das FFAA. Oestudo da História, particularmente da HistóriaMilitar de uma nação, conduz a conclusões e realçaaspectos capazes de influir na expressão militar deseu poder nacional. O estudo das campanhasmilitares, com seus erros e acertos, o respeito àstradições, o culto aos heróis, etc, trazem reflexos àformulação da doutrina, ao moral e à estruturamilitares.

As tradições históricas e militares constituem,ainda, fatores de influência sobre a expressão militar.Essas tradições, que cumpre cultuar e manter, nãodevem, por outro lado, apresentar obstáculosintransponíveis à evolução, ao desenvolvimento e àtecnologia militares. No equilíbrio entre essas idéias,às vezes opostas, está o acerto que revigora aexpressão militar. Assumem, também, papel dedestaque: os aspectos qualitativos dos recursoshumanos; o apoio em maior ou menor grau daopinião pública nacional e mesmo internacional; acoesão interna e a vontade nacional. E, nessecontexto, ressalta a fundamental importância dopovo – expressão máxima das forças vivas da nação– como verdadeiro esteio das Forças Armadas,quando a elas se une, nelas se apóia e com elas seconfunde. A população traduz sua indispensávelsolidariedade à expressão militar, através da opiniãopública, que deve constituir, sem dúvida,preocupação constante quando se pretende manter

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ABSTRACT

Currently we have been presented an increasing appreciation of the public and huge involvement with regard to the NationalDefense, a process which was reinforced by the recent publication of the National Defense Strategy. This article aims at encouragingthe reflection and critical analysis of the need for the participation of the Brazilian population in the definition of the newconcepts in agreement with the current reality, as well as in the role of the Armed Forces in the accomplishment of this process.

Keywords: Armed Forces. National Defense. Defense policy. Military personnel.

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Rev. UNIFA, Rio de Janeiro, 21(24): jul 2009.

em alto nível aquela expressão do poder nacional.Nesse sentido, é imperioso o esforço para conservarintegrados o homem militar e o homem civil, semdiscriminações de qualquer natureza, sem privilégios,embora respeitadas suas diversas, mas naturaisdestinações.

O papel que caberá às Forças Armadasbrasileiras, nas próximas décadas, é multifacetado edeve estar calcado em amplo debate, cujo resultadodeverá ser tão satisfatório quanto maior for odesenvolvimento da sociedade. O esboço dequalquer arranjo de defesa, em um Estadodemocrático, para que possa contar com recursos,deve estar respaldado por uma base de legitimidade.

Entendemos que, para a consecução dessesobjetivos, devem ser consultadas personalidadesrepresentativas de diferentes espectros de opinião:ministros de Estado, acadêmicos, analistas políticos,economistas, diplomatas, militares, jornalistas, todoscom reconhecida competência na área de defesa ealguns críticos do atual sistema de defesa nacional.Evidentemente, que não se trata de deixar em mãosdestes pensadores a formulação de políticas eestratégias militares. Trata-se, tão-somente, de ouvi-los e de reunir novos conceitos e idéias quepermitam oxigenar antigos preceitos e identificarreferenciais para a defesa do país, os quais estejammais em sintonia com os desafios dos novos tempose consentâneos com a realidade nacional.

Tais contribuições, depois de avaliadas porsetores competentes do Ministério da Defesa,poderão, ou não, ser incorporadas no planejamentoestratégico. Indubitavelmente, para a consecuçãodessa tarefa, mister se faz uma conjunção deesforços. Nesse sentido, somam-se, num processosinérgico, o imprescindível apoio do presidente daRepública, a compreensão do Congresso Nacional,a efetiva colaboração do Ministério da Defesa e deoutras áreas do governo, a confiança e o respaldodos comandantes de Forças e a ativa participaçãode todas as forças vivas da nação. Temos plenaconsciência de que não se pode justificar ahipertrofia das Forças Armadas em prejuízo doprocesso de desenvolvimento da nação, mas não sepode admitir, por ilógico e temerário, que aexpressão militar do poder nacional seja colocada

em plano inferior – vivenciando um processogradual de sucateamento e de desmantelamento,devido à crônica insuficiência de recursos financeiros– na falsa concepção de que a prioridade absolutadeve ser dada ao desenvolvimento. Não existemnações desarmadas, porque nenhuma delas seriacapaz de desfazer-se de sua expressão militar paramerecer, por esse ato ingênuo, o respeito e a simpatiade todos os países. Não há fórmula miraculosa capazde manter a paz sem ameaças de conflitos internosou de guerra entre os povos.

Torna-se imperativo e oportuno conferir maisprestígio às Forças Armadas e racionalizar,modernizar e fortalecer o aparato defensivobrasileiro. Lembremo-nos das sábias palavras doinsigne Barão do Rio Branco – o Chanceler da Paz– que, de modo contumaz, enfatizava a imperiosanecessidade de possuirmos um bom sistema dearmas para respaldar as nossas proposições noconcerto das nações.

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