percepção da capacidade funcional de idosos: do incremento da
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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO STRICTO SENSU
MESTRADO EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Percepção da capacidade funcional de idosos:
do incremento da força à força das conexões significativas
FABIANO MARQUES CAMARA
Dissertação apresentada à Universidade São Judas Tadeu, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação Física, sob a orientação da prof a . dr a . Marília Velardi.
SÃO PAULO
2005
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AGRADECIMENTOS
Todos aqueles que me conhecem, sabem da minha simpatia pela
complexidade, pelo caos, pelos sistemas, enfim, por aquilo que é tecido junto, que é complexus. Assim, embora pareça que esta seja a “minha” dissertação, o “meu” trabalho, ele é também de todas as pessoas que o teceram comigo nesses quase dois
anos de dedicação. É por isso que me sinto profundamente agradecido por ter
compartilhado desta tessitura com muitas pessoas que, sem as quais, este trabalho
não teria nascido.
À minha sustentação primária, meus pais, que por mais de uma vez não
mediram esforços para a realização de um sonho e, tenho certeza, sufocaram muitos
de seus próprios para a realização do meu, só pai e mãe mesmo! E a meu irmão que
também, mesmo sem paciência, me suportou nesses longos meses!
Outra pessoa que também tenho certeza que se desdobrou em muitas para
poder me acompanhar foi minha Sheila, que com todo seu amor e paciência, me
forneceu todas as suas forças quando as minhas pareciam ter se esgotado. A ela que
me inspiroume e me acolheu nos momentos mais difíceis, sem hesitar e que superou
com graça minhas ausências. É por isso que lhe ofereço meu sincero, muito obrigado!
Te amo muito!
Minha família aumentou mesmo, mas geralmente ganhamos tios e tias
postiças. Eu, no entanto, ganhei até mãe. Agradeço à Marilia, minha mãe acadêmica,
que me deixou seguir meu caminho com a mais autêntica autonomia, em seu sentido
mais complexo! Como ela me ensinou! E obrigado por agüentar todas as minhas
viagens!
Por falar em família, como ela mesma se intitulou, agradeço muito a minha tia
Miranda por me propiciar sua companhia e, literalmente, me doar todo seu
conhecimento de professora, momentos de estágio que não esquecerei jamais!
Aumentando ainda mais minha árvore genealógica, agradeço à Vilma, que foi
também uma super mãe na pósgraduação. Me ensinou, me acolheu, me aconselhou,
e, acima de tudo, confiou em mim. Muito obrigado professora!
Ao professor Durval que expressou uma alegria de pai ao me parabenizar pelo
ingresso no mestrado, cuja sinceridade jamais esquecerei. Obrigado pelo infinito
apoio!
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A minha irmãzinha acadêmica, a GG (tudo bem vai, Alessandra!), que me
apoiou sem descanso em toda essa caminhada. Obrigado pelo apoio, ensinamentos e
pela paciência com minhas intermináveis reflexões...!
Aos meus professores de graduação com que tive a honra de dividir a sala de
aula: Bello, Ailton, Bete que ajudaram, com certeza, a fortalecer minha autonomia! À
Licca, pelos ensinamentos na sala dos professores!
À professora Sandra, que me ensinou, me incentivou e confiou em mim
,incondicionalmente!
À professora Sheila, que me ensinou a “epistemologiar” com prazer!
Aos professores Romeu, Eliana, Mochi, Kátia e Regina, por doar sem
restrições todo seu conhecimento.
À Simone e a Selma pelo atendimento (e paciência!) impecável.
Ao professor Paulo Farinatti, pelas reflexões...!
A todos os colegas de mestrado, especialmente ao Lucinar, Daniel, Demilto e
Ari pela incansável garra transmitida!
Aos amigos do GREPES, especialmente a Suse, Renatinha e Márcio pela
IMENSA ajuda na coleta de dados.
Aos alunos do RIC e da graduação, pelo incessante aprendizado.
E, não poderia deixar de citar, meus agradecimentos àqueles que com suas
obras engrandeceram minha formação e, a seu modo, me inspiraram. Assim como fiz
com todos atrevome a chamálos pelo primeiro nome: Maurice, Edgar, Humberto,
Paulo, João, Fritjof, Manuel e Oliver! Àqueles também que percorreram meu fone de
ouvido, em horas e horas de escrita: Wolfang, Ludwig Van, Nicollo, Edu, Kiko, Joe,
Steve, Allan, SRV, Eric e Yngwie.
Aos idosos que participaram da pesquisa, porque só mesmo eles para exibirem
tamanho bom humor e cumplicidade para levantar peso logo às sete da manhã!
Muitíssimo obrigado!
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a
Universidade São Judas Tadeu (USJT) pelo apoio financeiro.
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SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS vi
RESUMO vii
ABSTRACT ix
APRESENTAÇÃO xi
1. INTRODUÇÃO 01
2. REVISÃO DE LITERATURA 09
2.1 Capacidade funcional de idosos
2.2 A percepção
09
15
2.2.1 Ouvir com seu corpo todo: a sinestesia do corpo vivido
2.2.2 Mãos imprestáveis: a expressão situacional
2.2.3 A espacialidade e a transcendência
18
22
23
3. MÉTODO 27
3.1 Os participantes 27
3.2 O programa 27
3.3 Seleção e capacitação dos professores 29
3.4 Capacidade funcional percebida 30
3.4.1 Caderno de campo 30
3.4.2 Entrevista narrativa 30
3.4.3 Procedimento para realização da entrevista 32
3.5 A fase da análise 34
3.5.1 Força muscular 34
3.5.2 Caderno de campo e a entrevista 34
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4. RESULTADOS
Sujeito A
Sujeito B
Sujeito C
Sujeito D
Sujeito E
Sujeito F
Sujeito G
Sujeito H
5. DISCUSSÃO
6. CONCLUSÃO
37
37
47
57
68
81
91
98
104
111
135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
137
140
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Desempenho da força muscular do sujeito A nos exercícios
propostos 46
Figura 2 Desempenho da força muscular do sujeito B nos exercícios
propostos 56
Figura 3 Desempenho da força muscular do sujeito C nos exercícios
propostos 67
Figura 4 Desempenho da força muscular do sujeito D nos exercícios
propostos 80
Figura 5 Desempenho da força muscular do sujeito E nos exercícios
propostos 89
Figura 6 Desempenho da força muscular do sujeito F nos exercícios
propostos 96
Figura 7 Desempenho da força muscular do sujeito G nos exercícios
propostos 103
Figura 8 Desempenho da força muscular do sujeito H nos exercícios
propostos 109
Figura 9 – Figura de Zollner 130
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RESUMO
Percepção da capacidade funcional de idosos: do incremento da força à força
das conexões significativas
São vastas as publicações na literatura que apontam para as relações positivas entre
a capacidade funcional (CF) dos idosos e o desenvolvimento da força muscular,
considerada capacidade física fundamental e predominante para a execução das
ações diárias. Baseados nessa premissa, muitos programas de atividades físicas para
idosos têm priorizado o desenvolvimento da força muscular, atendendo aos
posicionamentos que sugerem prescrições de atividades para esse grupo. Tais
programas determinam o grau de funcionalidade do idoso a partir de uma avaliação
funcional baseada na aplicação de testes físicos e instrumentos de autoavaliação. No
entanto, pude observar que os resultados da clássica avaliação funcional, realizadas
no Projeto Sênior para a Vida Ativa, não demonstravam melhoras significativas na
funcionalidade dos idosos participantes, fato que prenuncia certa discrepância com
aquilo que se tem apresentado na literatura. Por outro lado, os idosos relatavam, com
freqüência, que se sentiam funcionalmente mais capazes. Em vista disso, questionei
porque os relatos dos idosos diferiam daquilo que fora observado com relação aos
testes. Para buscar explicações sobre essa situação, recorri ao estudo da percepção
de MerleauPonty, que considera que toda percepção é habitada por um sentido é
nossa forma de conhecimento do mundo e está relacionada a um contexto de vida.
Mediante essas constatações, o objetivo da presente investigação é compreender a
percepção da CF de idosos participantes de um programa de treinamento resistido.
Buscando criar condições para a compreensão da percepção da CF foi desenvolvido
um programa de exercícios resistidos, que contou com a participação de oito idosos
com mais de sessenta anos. Com o intuito de identificar possíveis mudanças na
percepção da CF com relação ao desenvolvimento da força muscular, os dois
primeiros meses do programa foram realizados com uma freqüência semanal de dois
dias, e, nos dois meses seguintes, a freqüência foi reduzida para um dia. Essa
variação na progressão foi tida como uma situação importante para compreender a
percepção da CF. Assim sendo, ao final do programa, foi realizada uma entrevista
narrativa com cada participante, com vistas à compreensão da CF percebida. Tais
entrevistas foram registradas por uma câmera de vídeo e analisadas por técnicas de
análise de discurso. A partir dessas análises pude observar que as ações funcionais
relatadas como sendo melhores, exibiam um significado que se conecta com uma
situação vivida. Sentirse funcionalmente capaz mostrouse, em alguns casos, através
da possibilidade de exercer papéis como o de mãe ou o de cuidadora. Em outros
8
participantes, a percepção da CF revelouse pela supressão de dores em atividades
cotidianas que representavam momentos dolorosos na história de suas vidas. Outro
ponto importante referese à relação entre a CF e a força muscular. Alguns idosos
experimentaram uma manutenção da sua força no período com a freqüência semanal
reduzida, todavia sentiamse mais fracos para a realização dos exercícios. Isso denota
que a CF percebida não depende de níveis de força alcançados e pode depender de
toda uma situação vivida. Diante disso, concluise que a CF percebida referese a
ações funcionais que exibem um significado para o idoso. Assim, incrementar o
desempenho de suas habilidades funcionais parece não ser suficiente, ou nem mesmo
necessário, para que o idoso perceba essa melhora em seu cotidiano.
Palavraschave: percepção; capacidade funcional; idoso; força; exercício resistido.
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ABSTRACT
Perception of functional capacity of elders: from the strength increase to the
strength of the significant connections
There are several literary publications pointing out to the positive relation between the
functional capacity (FC) of elders and the development of the muscle strength,
considered fundamental and predominant physical capacity to perform daily actions.
Based in this assumption, many physical activity programs addressed to elders have
been giving priority to the development of muscle strength, observing positions which
suggest the prescription of activities for this group. Such programs determine the
degree of functionality of the elder, as of a functional evaluation based in the
application of physical tests and selfevaluation instruments. However, I was able to
observe that the results of the classical functional evaluation made within the Senior
Project for Active Life have not shown significant improvements in the functionality of
the participating elders, fact which evidences a certain discrepancy with what is being
presented in the literature. On the other side, the elders frequently reported they felt
more functionally capable. As a consequence thereof, I have questioned why the
elders reports differed from what had been observed in relation to the tests. In order to
seek explanations on this situation, I have resorted to the perception study of Merleau
Ponty, which considers that all perception is qualified by a sense, is our means of
knowing the world and is related to a life context. Through such determinations, the
objective of the present investigation was to understand the FC perception of elders
participating of a resisted training program. Seeking to create conditions to understand
the FC perception, a resisted exercise program was developed, counting on the
participation of eight elders over sixty years of age. For the purpose of identifying
possible changes of the FC perception in relation to the development of muscle
strength, the first two months of the program were performed with weekly frequency of
two days and for the two subsequent months the frequency was reduced to one day.
This variation of the progress was deemed an important situation to understand the FC
perception. Therefore, at the end of the program, a narrative interview was made with
each participant, aiming at understanding the FC perceived. Such interviews were
recorded by a video camera and analyzed by speech analysis techniques. From such
analysis, I was able to observe that the functional actions reported as best showed a
significance connected to an experienced situation. To feel functionally able has proven
to be, in some cases, the possibility of exercising roles such as that of mother or
caretaker. For other participants, the FC perception was revealed by the suppression of
pains during day to day activities, which represented painful moments in the life history
10
of such elders. Another important point refers to the relation between FC and muscle
strength. Some elders experienced a maintenance of their strength during the period of
reduced weekly frequency, however they felt weaker when doing the exercises. This
shows the perceived FC does not depend on the levels of strength reached and may
depend on a whole experienced situation. In face of the above, I conclude that the
perceived FC refers to functional actions which are meaningful for the elder. Thus, to
increment the performance of their functional capacities does not seem to be sufficient
or even necessary for the elder to perceive such improvement in his day to day life.
Keywords: perception; functional capacity; elder; strength; resistance exercises.
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APRESENTAÇÃO
O presente relatório de pesquisa visa descrever o trajeto percorrido pelo
pesquisador para compreender a percepção da capacidade funcional de idosos,
mediante o desenvolvimento de um programa de treinamento resistido. Em sua
introdução destacase a problemática sentida pelo pesquisador, sustentada
posteriormente por dados da literatura sobre as características que permeiam os
estudos sobre a capacidade funcional de idosos. Tendo em vista, ainda, que a
percepção é fio condutor das indagações levantadas, apresentase a opção do
referencial teórico da fenomenologia.
A revisão literária é divida em dois blocos: o primeiro referese ao estudo da
capacidade funcional do idoso, desde sua conceituação até suas relações com a
prática de exercícios, particularmente com os exercícios resistidos. Temse como
meta, neste momento, investigar como tais relações têm sido identificadas, quais
instrumentos e formas de avaliação têm sido apresentados, bem como quais são as
implicações nos estudos sobre a funcionalidade do idoso. O segundo bloco foi tecido
com vistas a apresentar o referencial adotado para o estudo da percepção. Nesse
ponto, o principal referencial adotado é a fenomenologia da percepção de Merleau
Ponty, que traz um legado de estudos sobre a corporeidade e uma teoria geral de
percepção.
Na próxima seção, descrevese a trajetória que levou à consecução do método
adotado para conceber a pesquisa proposta. Traçamse, neste ponto, as
características dos participantes, a fundamentação teórica que sustenta a opção pela
entrevista narrativa, o processo de capacitação dos professores atuantes na pesquisa
e o programa de exercícios desenvolvido. Além disso, descrevese todo o percurso de
análise das entrevistas e dos dados que se referem ao comportamento da força
muscular dos participantes.
Em seguida, são apresentados os resultados obtidos. Foi realizada uma
análise individual de cada entrevista, mediante o recorte de trechos que foram
considerados cruciais para a compreensão da funcionalidade de cada participante.
Ademais, estão presentes, nessa seção, as figuras com os resultados do
comportamento da força muscular dos participantes, que permitem estabelecer as
relações propostas no bloco introdutório.
Tendo em vista a descrição dos resultados, o passo seguinte conformase pela
discussão desses achados. Destacamse, em um primeiro momento, as relações entre
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os dados caracterizados como objetivos e a literatura consultada. Em seguida, traçam
se as discussões referentes às informações subjetivas com o referencial da percepção
adotado. Por fim, discorrese sobre as implicações desses resultados para a
compreensão da capacidade funcional percebida.
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1. INTRODUÇÃO
Seres humanos ou máquinas? Desde meados da década passada, depareime
com essa questão. Tal indagação teve sua gênese nas vivências e experiências em
ambientes “habitados” pacificamente, ou não, mas em conjunto, pelos entes
enunciados na questão precedente. Esses questionamentos permearam e fomentaram
inquietações e anseios que, por conseguinte, colocariam a nu, mesmo que eu nem
desconfiasse, meu olhar sobre o mundo. Algumas experiências profissionais na área
da engenharia tiveram papel fundamental nesse cisalhamento paradigmático, mesmo
que eu ainda nem suspeitasse disso.
Ainda no início da minha carreira, fui solicitado a treinar grupos de funcionários na
empresa em que trabalhava, a partir do conteúdo técnico sobre qual versava minha
atuação. O treinamento foi dirigido a pessoas com baixo nível de escolarização, para
os quais deveria ajustar minhas ingênuas mas bem intencionadas lições. Foi uma
tarefa árdua, mas o contato com o ser humano tornoua infinitamente prazerosa.
Naquele momento, não tinha nem idéia de que tal experiência levarmeia à percepção
daquela incompreensível afinidade que sentia pelas pessoas. Mas havia muito que
aprender sobre os humanos e, especialmente, sobre mim.
Do trabalho com as máquinas para o desejo de compreender o humano, por
exemplo, não poderia dizer que foi um caminho longo, tendo em vista nossa
objetividade em relação ao tempo, e também seria incompleto e, de certa forma até
mentiroso se relatasse que foi uma transição tranqüila. Outra experiência que pode
também fomentar a ruptura com mecanicismo, rumo à humanização, foi a
oportunidade de supervisionar um grupo de mais de trinta pessoas. Naquele momento,
eu tinha plena certeza de que minhas habilidades com as máquinas estavam longe de contemplar a problemática da convivência social, do poder, do trabalho. Por outro
lado, obtive importante sucesso no cargo de supervisor, o que para mim parecia
deveras improvável. Muito embora, tal satisfação teve pouca mas intensa duração.
Assim, a certeza do insucesso não foi comprovada e, como diria Pedro Demo, a partir
daquele momento, eu só possuía certeza sobre minha incerteza (DEMO, 2002).
Debruceime novamente às máquinas, cedendo à opressão do sistema e, assim,
acentuaramse minhas angústias sobre qual caminho seguir.
No entanto, esse conflito levoume à reflexão e ao autoconhecimento. Pude
experimentar as dificuldades e os prazeres da capacidade exclusivamente humana de
transcendência, na medida em que caminhei rumo a escancarar um outro lado, ou
melhor, aquele que era minha única face, ainda reprimida. Essas breves, mas
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marcantes experiências puderam trazer à tona um desejo tal que, reprimido por uma
vontade, suprimia, por poucos mas arrastados anos, minha autonomia.
Nesse panorama, em que vivia (ou sobrevivia), um insight repentino, talvez
motivado pelo êxito inesperado na relação com as pessoas, levoume a romper
definitivamente com essa aspiração forçada às engenharias. E, após pouco tempo em
tal área, optei pelos caminhos ainda não bem reconhecidos da Educação Física, rumo
a atingir o outro pólo de minha questão inicial, os seres humanos. Essa ruptura com as
ciências exatas, com as máquinas e com o cálculo não foi concretizada a partir de um
desempenho insatisfatório nessa área, mas por uma hesitação quase sufocante de
compreender o ser humano. Desde então, passei a olhar ao meu redor, a observar o
mundo através de outro prisma ainda obscuro, mas recíproco.
Essa empreitada numa nova área do conhecimento, a Educação Física, levoume
quase que diretamente ao fascínio pelos mecanismos fisiológicos do nosso organismo. Tal foco de estudo poderia levarme à nobreza aproximarmeia de seus exímios
conhecedores, os médicos. Não obstante, esse foco de investigação tornouse o pilar
central, quase único, hegemônico, do início de minha atuação técnica e acadêmica e,
se me aproximei da Medicina, me distanciei da Educação Física e do ser humano, fato
que, a princípio, eu nem desconfiava.
Digo que me distanciei da Educação Física, porque algumas decepções, que eu
nem tenho coragem de relatar, escancararam que, mesmo atuando diretamente com
pessoas, eu não os tratava como seres humanos e insistia em conhecer e dominar tais
máquinas vivas, portanto, mecanismos. Conhecia, cada vez mais, os processos de tal máquina, mas estava longe de contemplar sua totalidade. O que seria uma relação
centrípeta, circular ao ser humano, tornavase aos poucos uma relação centrífuga e
mecanicista. Olhava apenas para a parte, não compreendia o sistema. E renegava
assim, sem saber, a complexidade humana.
Ainda no período da graduação, reflexões e debates acerca do olhar abrangente e
livre de determinismos que a Educação Física deve ter, se quiser atingir os seres
humanos em sua total complexidade e singularidade, atraíamme incessantemente.
Não seria por menos, então, que as discussões acerca da promoção da saúde
ganhariam minha atenção. O humanismo inerente a esse ideário começava a me
mostrar a minha verdadeira e, até então, suprimida visão de mundo.
Essas leituras e discussões foram fomentadas nas reuniões de que participei e
ainda participo com o Grupo de Estudo e Pesquisa Sênior, que foca as relações entre
o processo de envelhecimento e a Educação Física na perspectiva da promoção da
saúde. A constituição desse grupo pôde dar subsídios importantes para a implantação
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e o desenvolvimento do Projeto Sênior para Vida Ativa 1 . O referido projeto é um
programa de Educação Física para idosos, que tem como foco a educação para a
saúde através da prática de atividades físicas. Suas ações são embasadas no ideário
da promoção da saúde e na teoria da velhice bemsucedida.
No desenvolvimento do Projeto Sênior, já “embebido” pela humanização que
propõe o ideário da promoção da saúde, pude olhar para os idosos também “através”
de sua carcaça biológica. E, em meio à prática de atividades físicas e de ensino, os
inúmeros relatos dos participantes sobre suas aspirações, desejos, problemas,
percepções, suscitaram meu olhar. Dentre os diversos relatos com os quais pude
tomar contato, aqueles sobre a melhoria no desempenho das atividades da vida diária,
denominada como capacidade funcional, levaramme à profundas inquietações e
dúvidas. Claro que seria natural, esperado e, até, gratificante que os idosos
melhorassem sua condição física, com potencial efeito sobre sua funcionalidade, mas
o que mais me intrigava é que, a partir das avaliações funcionais realizadas, os
acréscimos de desempenho físico eram mínimos.
Ao debruçarme na literatura sobre a capacidade funcional e a atividade física,
pude notar, com clareza, que melhoras na aptidão física, em especial na força
muscular, trazem importantes incrementos no resultado da avaliação funcional. É
vasta a literatura sobre o assunto. Podese citar o trabalho clássico de Fiatarone et al.
(1994), por exemplo, que documentaram, que em apenas em 10 semanas de
treinamento de força muscular, ocorreram incrementos importantes na capacidade
funcional. Além disso, a extensa revisão literária apresentada por Kell, Bell e Quinney
(2001) também deixa claro que incrementos na força muscular propiciam melhor
desempenho nas atividades do cotidiano, além de reduzir a incidência de quedas e
risco de morte. Da mesma forma, autores como Spirduso (1995) e Evans (1999)
enfatizaram a intima relação entre força muscular e desempenho funcional.
Nesse sentido, pude compreender o motivo da posição de status quo que assume
a relação entre força muscular e capacidade funcional, cuja a correlação intensa
tornouse premissa básica de qualquer pesquisa sobre esse assunto, quase um
axioma. Incontestável, intocável.
Ora, já que é tão bem estabelecida essa correlação, porque a percepção dos
idosos participantes do projeto Sênior sobre sua capacidade funcional apresentava
certa discrepância nos resultados das avaliações? Será que sua percepção estaria
equivocada?
1 As atividades do Grupo de Estudo e Pesquisa Sênior iniciaramse em 2000, e as do Projeto Sênior para Vida Ativa (que a partir daqui será denominado apenas de “Projeto Sênior”), em 2002, ambos na Universidade São Judas Tadeu.
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Para esclarecer essa dúvida, poderia utilizar as lentes do positivismo, assumir
uma premissa mecanicista e propor algumas soluções sobre a discrepância entre o
resultado da avaliação funcional e o relato dos idosos observados no Projeto Sênior;
tentaria elidir ao máximo os aspectos subjetivos; sufocaria as ambigüidades; levaria ao
extremo todos os pressupostos deterministas como: validar outros instrumentos,
desenvolver testes mais específicos, estratificar minuciosamente a amostra da
pesquisa, valerme de todos os esforços para me convencer de que seria possível a
verdade absoluta, a realidade cristalina, o método infalível. Teria, sempre, como
horizonte, a causalidade exposta, e continuaria, assim, tentando mecanizar o humano,
o que seria, definitivamente, um contrasenso frente a sua complexidade.
Essa experiência mostroume o quanto compartilhava de uma visão fragmentada
do ser humano e que precisava olhar por outros vieses para compreendêlo. Dessa
forma, o envolvimento com o grupo de estudo e o projeto ajudoume a olhar a questão
do envelhecimento e, por conseguinte, do ser humano, pela ótica da complexidade
humana. Aprendi que podia, sim, imerso no campo de conhecimento da Educação
Física, compreender outros domínios do ser humano, para além do “biologismo” que
assola a área há muito, e tentar “rejuntar” os fragmentos de homem forçosamente
desconectados pela visão positivista de mundo. Nas reflexões suscitadas pela
participação no grupo de estudo e no projeto, pude compreender que podia e que,
acima de tudo, necessitava contemplar o ser humano em sua totalidade, entendendoo
para além de seu funcionamento fisiológico, compreendendo a sua subjetividade, o
que o torna, de fato, humano.
Dessa forma, ficou claro, para mim, que os estudos sobre capacidade funcional e
força muscular, exemplificada há pouco, aspira, o tempo todo, à objetividade, à
neutralização, à validação, à comprovação. Deixa pouco espaço para aquilo que, de
fato, o caracteriza como humano, negligenciando o diálogo, o sentimento, a
percepção, seus olhares.
Tratar a capacidade funcional do idoso, eximindo as características humanas, é,
então, negar ao ser humano os caracteres essenciais que o definem como tal; é fechar
os olhos para sua complexidade. Edgar Morin já ensinava que “atingir a complexidade
significa atingir a binocularidade mental e abandonar o pensamento caolho” (MORIN,
2003, p.215). Dessa forma, pelas lentes da promoção da saúde e da teoria da
complexidade, deparei com a visão de um homem complexo, dotado de plasticidade e
flexibilidade, um ser vivo movido por uma dinâmica nãolinear, aberto ao mundo e à
transcendência, enfim, um sujeito autônomo (CAPRA, 1982). Nesse sentido, se
quisermos compreender a capacidade funcional do idoso, a complexidade enunciada
não deve ser esquecida, renegada ou abafada, mas evidenciada.
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Isto posto, por uma via que aspira à objetividade, à redução e à quantificação, não
seria possível entender aqueles relatos intrigantes dos idosos sobre sua capacidade
funcional. Já que parecia que a percepção da capacidade funcional denotava um
sentido especial para cada um, mais presente nas entrelinhas do que nas linhas, nos
silêncios do que nas falas, nas expressões e na subjetividade, o modelo de
capacidade funcional do positivismo não responderia à altura para a compreensão da
funcionalidade percebida pelos idosos.
O fenômeno estava ali, diante dos meus olhos, ao alcance das minhas mãos. Não
havia nada de científico, nem de senso comum que o “comprovasse”, que elidisse toda
a possibilidade de uma vertigem pessoal, mas, de fato, eu tinha que assumir que o
fenômeno ocorrera. Deveria livrarme das amarras do reducionismo, já que a
percepção da capacidade funcional pelos idosos revelava o humanismo que
esquecera outrora e que eu não podia mais recusar.
Não poderia, então, deixar o fenômeno da capacidade funcional percebida pelos
idosos desvanecer, nem taxálo como uma simples curiosidade empírica, uma
exceção da regra. Mesmo que não obtivesse da literatura explicações ou hipóteses
sustentadas, deveria debruçar para descobrir outro caminho, que me permitisse
enveredar no fenômeno, desvelálo. Parecia, então, que a percepção da capacidade
funcional seria o fenômeno a ser investigado.
Desse modo, recorri à obra derivada da tese de doutoramento de MerleauPonty,
a fenomenologia da percepção. A essência da percepção, para MerleauPonty (1999),
está no poder préobjetivo do corpo, um poderio que nos leva ao conhecimento do
mundo, mas que nunca será definitivo, porque transcende infinitamente no curso do
tempo, ou seja, nunca atingiremos a certeza de uma percepção. O corpo do qual fala o
filósofo não é aquele análogo ao mecanismo do relógio, aquele que os mecanismos
fisiológicos ou as gravuras da anatomia descrevem com uma pretensa clareza
apodítica, mas, sim, aquele corpo vivenciado no mundo. É um corpo que, através de
sua motricidade, tornase um termo simbólico do mundo e revela sua percepção
através de suas potencialidades expressivas, que trazem consigo sempre um
significado e todo o rastro de sua história.
Assim, toda a percepção e, naturalmente, toda a forma de expressão estão
permeadas de significações, de sentido, seja ela um gesto, uma fala, uma atividade da
vida diária. E é essa percepção e essa teia de significados atribuídos ao que se vive
que constituem, de maneira inexorável, o ser humano.
Nesse ponto, retomo as preciosas informações da literatura e as minhas
observações no Projeto Sênior. De fato, é bem coerente que o aumento da força
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muscular pode propiciar incrementos funcionais, já que as atividades do cotidiano
exigem muito mais da força muscular que qualquer outra capacidade física. Mas, ao
refletir sobre esse pressuposto, pude levantar mais alguns questionamentos.
Talvez melhorar nos testes de capacidade funcional não signifique que o idoso
passe a perceber essa melhora no seu cotidiano. Será que o treinamento resistido tem
essa “varinha de condão”? As tendências das pesquisas positivas são promissoras e
até bem estabelecidas, mas no âmbito de uma visão científica complexa, como seria o
comportamento da capacidade funcional percebida pelos idosos?
Dessa forma, ao olhar o mundo sobre outro prisma, passei a contestar o que a
ciência positivista da Educação Física tinha como incontestável. Para tais estudos, não
haveria mais sentido por à prova a idéia da causalidade entre força muscular e
capacidade funcional, pois o mundo objetivo não faz esses questionamentos. Mas, ao
abduzir minha visão sobre o mundo, pude, de fato, duvidar e contestar tal hegemonia
do treinamento resistido sobre as relações entre a capacidade funcional e o
envelhecimento. Essas conclusões nas correlações entre testes funcionais e de força,
tão aceitas e inquestionáveis, manteriam sua hegemonia a partir da visão do idoso?
Não é intenção dirimir os efeitos benéficos da melhora nos níveis de força
muscular sobre fatores biológicos que podem ser atingidos, mas considerar o que
essa atividade traz no tocante à capacidade funcional percebida pelo idoso. Parece
importante, também, ressaltar até que ponto esses estudos levam em conta a
condição humana como fator crucial de avaliação de sua eficácia.
Assim, seria mais pertinente por à prova uma certeza que, aos olhares do
pensamento cartesiano, parecia indubitável. Todavia, à luz do ideário da promoção da
saúde, que evidencia a autonomia e a participação do sujeito nos determinantes de
sua saúde, sob o pano de fundo da teoria da complexidade, que levanta uma visão de
homem complexo e transcendente, bem como pela fenomenologia, que faz com que o
pesquisador recoloque o homem em sua existência, poderia se dar a compreensão da
capacidade funcional percebida pelos idosos em sua imanente complexidade.
Mas as narrativas que me inquietaram inicialmente e que poderiam desvelar tais
percepções, já tinham ocorrido. Assim, eu necessitava de um novo ambiente de
prática de atividade física para que pudesse ir ao fenômeno e, prontamente, interrogá
lo para poder, então, conhecêlo, descrevêlo e, especialmente, compreendêlo. No
entanto, não seria qualquer prática que possibilitaria tal desvelamento, mas, sim, uma
que pudesse motivar situações para a percepção da capacidade funcional percebida.
Ao levantar as possibilidades e caminhos para a prática do treinamento resistido,
depareime com uma possibilidade de progressão que tem sido pouco estudada nos
19
idosos. Temse cogitado que a redução da freqüência semanal para um dia
possibilitaria a manutenção da força adquirida em período precedente com uma
freqüência semanal maior (FLECK e KRAEMER, 1999; MCCARRICK e KEMP, 2000;
TRAPPE, WILLIAMSON e GODARD, 2002; TUCCI et al, 1992). O contato com essas
publicações fezme conjeturar sobre alguns efeitos dessa redução na freqüência sobre
a capacidade funcional percebida. Tendo em vista a complexidade que envolve o
fenômeno, já que estamos lidando com seres humanos e sua imanente subjetividade,
será que, mesmo que a força se mantenha com uma freqüência semanal reduzida,
essa constância reproduzirseia com relação à percepção da capacidade funcional?
Dito de outro modo, um idoso poderia experimentar um aumento de força
concomitante a uma percepção de melhoria de sua funcionalidade no primeiro
período. No entanto, se houver a manutenção da força durante o período de redução
da freqüência semanal, será que, ele ainda continuaria a perceber sua funcionalidade
como satisfatória?
No princípio, esse questionamento soarame como algo infundado, como um
fantasma que me perturbava constantemente, quase um demônio. Mesmo ainda não
sabendo, essas perturbações me despiriam mais um pouco dessa armadura positivista
que ainda me cobria. Tais questões pareciam infundadas, impuras, sem lógica, uma
mera aposta. Todavia isso ofenda os positivistas mais fervorosos, que advogam cegamente uma neutralidade ingênua, Morin (2003) tirarame desse aparente sufoco
através da sua descrição da noção de thematha, proposta por Gerald Holton.
Thematha são aquelas idéias bizarras, impuras, que estimulam a curiosidade e
impulsionam as ações de investigação do pesquisador, algo quase obsessivo,
impulsivo, do desejo, que apesar de não cientificamente explicável pelos moldes
clássicos está no núcleo e é indispensável a todo conhecimento científico. E isso não
se resume apenas à ciência, mas o mundo se organiza em torno de desejos (ALVES,
2004). E, se não formos assim, diria Morin (2003), seremos apenas burocratas da
pesquisa, funcionários, reprodutores de procedimentos ditos corretos, que agregam
quantitativamente, mas não reconstroem o conhecimento qualitativamente 2 .
Desse modo, as reflexões de Morin (2003) puderam me tranqüilizar e dar fôlego
para que eu contemplasse o entendimento das questões levantadas que, se num
primeiro momento, pareciam distanciarme da ciência, levaramme, entretanto, ao seu
núcleo obscuro, mas indispensável. Tive condições, assim, de apostar que um treinamento de força com redução da freqüência semanal poderia proporcionar uma
situação interessante para conhecer a percepção da capacidade funcional do idoso.
2 Esse núcleo não científico também foi apresentado por Lakatos como “núcleo duro” da ciência, algo não científico, mas indispensável a ela (MORIN, 2003).
20
Nesse sentido, é necessário fazer a pesquisa, ir ao fenômeno para desvelálo, por
a prova tais conjecturas, percepções, desejos. Desse modo, essas conjecturas
inevitáveis e, de certa maneira, pulsionais, mais relativas ao desejo do que à vontade,
imbuírase em meu pensamento.
Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é compreender os significados da
percepção da capacidade funcional de idosos participantes de um programa de
exercícios resistidos intencionalmente modulado para buscar relações entre a
capacidade funcional percebida e esse tipo de atividade, ao enveredar no fenômeno,
partindo do olhar de seus atores, os idosos. Isso posto, deve ficar claro, ainda, que
não é meta desta investigação propor um novo instrumento de medição da capacidade
funcional percebida, mesmo que seus resultados incitem a isso.
Rubem Alves afirma que em ciência “não existe garantia alguma de que tal
pressuposição seja válida. Não começamos com garantias [...] Uma vez feita a
aposta... pagamos pra ver. Fazemos a pesquisa. Experimentamos” (ALVES, 2004,
p.52, grifo nosso). Assim, na ciência, é natural apostar, conjecturar. Essa é a proposta
vital do presente estudo.
21
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Capacidade funcional de idosos
Como já abordado no bloco introdutório, as relações entre a capacidade funcional
e a função física na velhice são tidas como premissas básicas para a investigação da
funcionalidade do idoso. Isso parece decorrer do conceito bem estabelecido de
capacidade funcional na velhice, que se refere à capacidade do idoso em realizar suas
atividades cotidianas.
Essas atividades da vida diária podem ser definidas em dois grandes grupos: no
primeiro, as atividades básicas da vida diária (ABVD), que se referem aos cuidados
básicos, como o banho, a alimentação e a locomoção; no segundo as atividades de
maior complexidade, como cozinhar, fazer compras ou usar os meios de transporte,
ações essas que costumam estar contidas no grupo de atividades instrumentais da
vida diária (AIVD) (OKUMA, 1997; SANCHEZ, 2000). Além disso, podese destacar
também um outro grupo de atividades preconizadas pelo American Geriatrics Society
(COTTON, 1998 apud MATSUDO, 2000), que são as atividades avançadas da vida
diária (AAVD). Essas atividades referemse à manutenção das funções ocupacionais,
recreacionais e de prestação de serviços comunitários. Esses diversos níveis de
classificação demonstram a preocupação em abarcar a heterogeneidade do processo
de envelhecimento.
A conceituação explicitada anteriormente levanos a compreender a razão do
estreito relacionamento da capacidade funcional com exercícios que propiciem o
desenvolvimento da força muscular. Isso fica claro, ao passo que a realização das
atividades cotidianas depende, em grande parte, da força muscular, e o
desenvolvimento dessa capacidade física pode, assim, propiciar um incremento
importante na funcionalidade do idoso. Por isso, as investigações sobre esse tema têm
versado, constantemente, sobre os efeitos de diversas modalidades de exercícios e
programas que desenvolve a força muscular e o impacto destes sobre a capacidade
funcional do idoso (ACSM, 1998; ACSM, 2003; ALEXANDER et al, 2001 EVANS,
1999; FIATARONE et al, 1994; HASS, FEIGENBAUM e FRANKLIN, 2001; HURLEY e
ROTH, 2000; HRUDA, HICKS e MCCARTNEY, 2003; KELL, BELL e QUINNEY ,2001;
OKUMA, 1997; ROOKS et al, 1997; SPIRDUSO, 1995; WEISS et al, 2000; ZAGO e
GOBBI, 2003).
Para sintetizar o percurso dos estudos que relacionam a força e a capacidade
funcional, vale citar a extensa revisão literária realizada por Kell, Bell e Quinney
22
(2001), que mostrou que a força de preensão manual está intimamente relacionada ao
declínio da habilidade de vestirse e alimentarse. Atividades relacionadas às ABVD e
AIVD também podem ser afetadas negativamente pelo decréscimo da força muscular.
A correlação entre a força de extensão de joelho com a velocidade de levantar da
cadeira (r=0,65), a velocidade de subir degraus (r=0,81), a velocidade do caminhar
(r=0,80) e a potência de subir degraus (r=0,88) deixa claro as relações entre a força
muscular e a capacidade funcional.
Dessa forma, é inegável que o desenvolvimento da força muscular exiba uma
forte relação com o incremento das habilidades que compõem a capacidade funcional
do idoso. No entanto, alguns estudos que conduziram suas investigações sobre a
capacidade funcional, a partir de testes físicos que simulam atividades do cotidiano,
não obtiveram sucesso em confirmar as relações expostas com o desenvolvimento da
força muscular. Nesses testes, como velocidade de caminhar e levantar da cadeira, o
padrão de mensuração primeiro tempo é o tempo gasto para a realização da prova. Ao
utilizar tais provas motoras, alguns trabalhos puderam demonstrar que, após um
período de intervenção de treinamento resistido, foram verificadas incrementos pouco
significativos na capacidade funcional, como a habilidade de levantar e sentar da
cama, mesmo com aumento importante da força muscular (ALEXANDER et al, 2001;
BRANDON et al, 2000).
Essas constatações têm sido freqüentemente relacionadas às limitações da
quantificação dos testes (geralmente a velocidade em que se pode executar uma ação
motora selecionada), e algumas propostas de avaliações qualitativas sobre testes
motores têm sido vistas como alternativas importantes na avaliação funcional. Sobre
esse escopo, Weiss et al (2000) relataram que, após um período de exercícios
resistidos, sete pacientes acometidos por acidente vascular encefálico apresentaram
um incremento no tempo de levantar da cadeira, todavia, o tempo de subir degraus
não melhorou. No entanto, mais da metade do grupo pode alterar o padrão do
movimento de subida de degraus de stepbystep 3 para stepoverstep 4 .
Além disso, segundo o teste físico não houve melhora na velocidade da
caminhada, mas o item do questionário (questões de múltipla escolha) que avalia esta
variável obteve um aumento de 12%. Essa melhora verificada pode ser devido ao
idoso ter percebido a possibilidade de pegar um objeto enquanto caminhava ou em
alterações no uso de materiais auxiliares para andar. Assim sendo, podese inferir que
a velocidade para realizar uma tarefa motora não pode ser o único referencial de
melhora da capacidade funcional e, mesmo se tratando de testes físicos, uma
3 Só avançar para o degrau seguinte assim que os dois pés estejam no mesmo degrau. 4 Ultrapassar o degrau com apenas um dos pés apoiado no degrau, enquanto o outro já se dirige ao degrau seguinte.
23
abordagem qualitativa sobre o movimento pode trazer outro entendimento sobre a
intervenção realizada.
Dessa forma, realizar uma ação do cotidiano de maneira mais veloz, não é a única
maneira proposta de avaliação, embora seja amplamente utilizada. De fato, é
pertinente o conhecimento sobre a possibilidade de execução das habilidades que
compõem a capacidade funcional, mas esse saber sobre a funcionalidade pode ser
ampliado se caracteres qualitativos sobre as ações motoras dos testes forem
considerados.
Nessa direção, Hageman e Thomas (2002) avaliaram aspectos qualitativos do
movimento mediante a filmagem da caminhada, em um estudo que avaliou o efeito de
treinamento resistido na capacidade funcional de idosos. Essa avaliação incluía
aspectos da caminhada como comprimento e altura dos passos, bem como sua
simetria, além do contato do pé com o chão, variações em outros segmentos como
tronco, cabeça e ombros. No entanto, não foram encontrados resultados significativos
relativos à alteração do padrão motor da tarefa. Os autores argumentam que este fato
pode ser devido ao curto período de intervenção (seis semanas de treinamento
resistido) que não provocou aumento na força. Todavia, sabese que, para idosos
sedentários, poucas semanas são suficientes para que incrementos na capacidade
física em questão sejam observados (FLECK e KRAEMER, 1999). Portanto, o que
pode explicar esses resultados relacionase ao fato de que o programa de exercícios
resistidos foi realizado com exercícios de força dinâmicos, porém utilizaramse de um
teste de força isométrico para avaliar o impacto do programa sobre a força muscular
dos participantes. Assim, o tempo de intervenção pode não ser o único responsável
pela não alteração da força isométrica dos participantes, e isso leva a crer que a força
talvez tenha aumentado, todavia, a qualidade e velocidade do movimento não
apresentaram melhoras significativas.
Outro ponto importante que pode limitar a mensuração da capacidade funcional é
a similaridade do teste com a tarefa motora do cotidiano do idoso. Essa preocupação é
alvo do trabalho de Lamoureux et al. (2003). Os autores apresentaram um estudo que
avaliou os efeitos de um programa de exercícios resistidos sobre o desempenho, num
teste que simulou a caminhada do cotidiano do idoso, que incluía a transposição de
degraus, plano inclinado e outros obstáculos considerados comuns no ambiente, ou
seja, uma a tentativa de reproduzir uma situação real. O estudo demonstrou um
incremento importante na força de até 188% e uma melhora significativa do
desempenho no teste proposto, dando margem a inferir que as relações entre a
capacidade funcional e a força muscular parecem fortalecerse, desde que o teste
aplicado possa simular a situação real vivida pelo idoso.
24
Assim, a causalidade exposta, incremento na força como determinante primordial
da capacidade funcional, parece ser sempre o alvo dos trabalhos descritos e sua
comprovação, sua certeza, será atingida se a congruência perfeita entre o teste e o
programa for descoberta. Isso também tem ocorrido no que se refere ao
desenvolvimento de outras formas de acesso à capacidade funcional, como os
questionários de autoavaliação ou autopercepção, em que há sempre uma
necessidade de adaptação dos instrumentos para se comprovar a relação entre a
força muscular e a capacidade funcional. Esses instrumentos que questionam sobre a
dificuldade dos idosos em realizarem suas atividades cotidianas diferem dos testes
físicos, principalmente, por necessitarem de menos tempo para sua aplicação, bem
como espaços e recursos disponíveis, e por serem menos dispendiosos do que a
aplicação de testes (ANDREOTTI e OKUMA, 1999).
No trabalho realizado por Meuleman et al (2000), por exemplo, o aumento da
força não resultou em melhora na avaliação funcional realizada com instrumentos de
autoavaliação. Esses instrumentos eram compostos de seis ABVD e sete AIVD, com
três opções de classificação: “inapto a realizar”, “realiza com ajuda” e “realiza sem
ajuda”. Os autores submeteram idosos com baixo nível de capacidade funcional a um
programa de treinamento resistido, utilizando um dinamômetro isocinético. Embora a
força tenha aumentado até 226%, o questionário de avaliação parece que não é
sensível para detectar modificações no nível funcional dos idosos, ou ainda, inferese
que elevar os níveis de força parece não necessariamente implicar em alterações na
capacidade funcional, pelo menos com relação à avaliação por instrumentos de auto
percepção.
Por outro lado, Stessman et al (2003) propuseram um item de avaliação que
parece demonstrar maior sensibilidade às alterações da capacidade funcional,
acrescido aos itens originais do instrumento denominado Katz Scale. O estudo mostrou que houve apenas uma leve diminuição na independência funcional dos
idosos que se mantiveram fisicamente ativos por um período de sete anos. Essa leve
diminuição foi detectada segundo uma opção de resposta que os autores
consideraram mais “sensível” às mudanças sobre a dificuldade de realização das
AVDs: realizar a tarefa proposta com fácil independência, diferentemente dos outros instrumentos sem essa opção, ou seja, a independência pode se manter, mas com um
pouco mais de dificuldade.
Litvoc e Brito (2004), em extensa revisão da literatura, também chamaram a
atenção sobre os aspectos técnicos dos instrumentos. Existem diferenças entre os
instrumentos de aferição da capacidade funcional, principalmente no que diz respeito
às atividades do cotidiano que podem ser avaliadas. O instrumento “Katz”, por
25
exemplo, apresenta questões relativas apenas às atividades básicas da vida diária,
aquelas diretamente relacionadas ao autocuidado. Já o “Kenny” traz a possibilidade de
questionar sobre aspectos relativos à locomoção, como caminhar e subir escadas. As
atividades instrumentais da vida diária, como cozinhar, fazer compras e administrar as
finanças, complementam as atividades de autocuidado e locomoção no instrumento
“Instrumental ADL Scale”. O quarto instrumento analisado pelos autores é o “Framingham Disability Scale”. Esse último é considerado um instrumento composto porque é fruto da combinação de três instrumentos tradicionais e um deles avalia o
desempenho dos idosos em movimentos que lhes são propostos, como abduzir os
ombros com os cotovelos em extensão. Esse tipo de avaliação é considerado de
grande valia para a aferição da capacidade funcional, já que combina a visão do idoso
sobre sua funcionalidade e a simulação de movimentos do cotidiano como um adendo
na avaliação (LITVOC e BRITO, 2004).
Além das características das questões do instrumento, outro ponto importante a
ser ressaltado referese aos níveis de classificação que os instrumentos oferecem. O
“Katz”, por exemplo, em sua primeira versão, classificava o idoso apenas como dependente ou independente. Em versões subseqüentes do instrumento, o idoso pode
ser classificado em mais categorias, ao especificar em quantas atividades ele
apresenta dependência (LITVOC e BRITO, 2004). Essas variações parecem deixar o
instrumento mais sensível à diversidade dos níveis de capacidade funcional
apresentados pelos idosos.
No entanto, devese ressaltar que o “Katz” só avalia as atividades de autocuidado
(ABVD), e mesmo que suas categorias de classificação sejam ampliadas, ainda assim
não contempla as AIVD. Todavia esse instrumento é um dos mais utilizados (LITVOC
e BRITO, 2004). Mediante essas constatações, utilizálo para detectar alterações
funcionais, dado a prática de exercícios por idosos, por exemplo, pode comprometer a
avaliação de tais práticas. Isso pode ocorrer porque algum déficit funcional nas AIVD,
não detectado antes do programa, pode ter sofrido alterações ocasionadas pela
prática de exercícios. Por isso, em uma nova avaliação pós programa, uma melhora
na AIVD poderá passar despercebida.
Isso posto, podemos verificar que as clássicas avaliações funcionais versam suas
ações sobre aspectos estruturais da capacidade funcional, como as habilidades que a
compõem (andar, carregar, subir degraus) e os programas que podem alterála (por
exemplo: isométrico, isocinético) enfim, seus constituintes. Nesse sentido, a avaliação
funcional clássica, parece cumprir com o objetivo a que se propõe: a mensuração das
habilidades físicas que estão contidas na capacidade funcional.
26
Dessa forma, as condutas de avaliação utilizadas pelas pesquisas sobre
capacidade funcional em idosos não permitem captar a expressão da subjetividade
humana, pois, de fato, esse não é seu objetivo. Nessa abordagem, podemos
reconhecer que, se quisermos compreender a capacidade funcional do idoso, o
sentido da funcionalidade física em sua vida, as respostas dos questionários, “um
pouco”, “realizo”, “difícil”, “com dificuldade”, “não realizo”, reduzem a percepção da
capacidade funcional a termos pontuais, isolados do contexto, e parecem destituir a
capacidade funcional de suas relações, não permitindo saber do próprio idoso aquilo
que ele percebe, bem como o sentido de tais percepções.
As categorizações da capacidade funcional, por exemplo, levam em conta ações
cotidianas, a priori, atividades que são classificadas como universais, e isso poderia sustentar a utilização de uma vasta gama de testes e questionários. No entanto,
mesmo que algumas atividades do cotidiano sejam tidas como universais, podemos
dizer que a atividade em si, desconectada de seu contexto, pode ser universamente
reconhecida como primordial para a vida do idoso, mas, se inseridas no contexto de
vida de cada um, significados diversos podem ser atribuídos à mesma ação funcional.
Assim, a generalização de um mesmo instrumento de mensuração, para certo grupo
de idosos, pode ser um agrupamento incompatível com a diversidade de sentidos que
pode haver num mero “subir degraus”.
Nessa direção, pela experiência vivida no Projeto Sênior, utilizar os métodos de
avaliação clássicos seria a melhor possibilidade de compreensão da percepção dos
idosos sobre sua funcionalidade? Uma fala seguida de um sorriso, um relato
complementado por olhos envoltos por lágrimas, um olhar tenso motivado por um
questionamento, uma inquietação suscitada pelo desejo de relatar suas percepções
foram as expressões que me levaram as indagações sobre os relatos funcionais
observados no Projeto Sênior. Essas formas de expressão seriam apenas
curiosidades empíricas ou poderiam trazer outra compreensão sobre o fenômeno?
Será que tais expressões relacionarseiam com a percepção da capacidade
funcional? Ademais, como isso se relacionaria com os incrementos de força muscular
que um treinamento resistido pode propiciar?
A aplicação de testes motores e instrumentos de autoavaliação, embora tragam o
conhecimento da estrutura da capacidade funcional, parece não permitir a constituição
de um corpo de informações que possa desvelar a percepção da capacidade funcional
a partir do ponto de vista do próprio idoso, a partir de sua percepção. Dessa forma,
tornase primordial entender como se dá esse ato perceptivo para que possamos
compreender, então, a capacidade funcional percebida.
27
2.2 A PERCEPÇÃO
A descrição do que quer que seja pode nos levar ao problema da compreensão da
percepção. Podemos enumerar caracteres detalhados, constituintes, tais como: uma
base negra esférica com doze centímetros de diâmetro, que sustenta uma haste
cilíndrica com quinze centímetros de altura e base com diâmetro correspondente à
décima parte da altura, somada à outra haste articulada, que se move no mesmo
plano horizontal da haste inferior em amplitude máxima de duzentos e setenta graus.
Esses são os constituintes de uma luminária que, posta à minha mesa é, nesse
momento, o objeto de minhas reflexões. A partir do conhecimento desses fragmentos,
levase a dizer que a ação analítica de tudo que vemos, tocamos e ouvimos, se
reduzidas aos detalhes, nos trará a percepção explícita, o conhecimento do percebido,
o escancarar de sua estrutura.
Mediante a análise do famoso caso descrito pelo médiconeurologista Oliver
Sacks (2003), sobre músico Dr. P. que, por um distúrbio perceptivo, literalmente,
confundiu sua mulher com um chapéu, podemos entender, com efeito, que a
fragmentação não é a gênese da percepção. Dr. P. não reconhecia mais rostos e,
ainda mais, identificava faces humanas onde plenamente elas não existiam, nos
objetos da rua e de sua casa. No primeiro contato do médico com o paciente, o
neurologista sentiu, de imediato, algo estranho. Dr. P. não o olhava normalmente, de
uma vez, mas o analisava minuciosamente: seus olhos fixavam subitamente no
ouvido, no nariz, no queixo. Rastreava ponto a ponto a face do médico. No entanto,
essa detalhada análise não levava a compreensão do rosto, sua completude,
tampouco sua expressão, suas articulações. Podia ver, mas não olhar. Isto leva a crer que o paciente não podia mais compreender as relações que dariam o significado à
face do médico, o que ocorreu também nos exames clínicos tradicionais de percepção.
O neurologista iniciou os exames mostrandolhe fotos de paisagens, e a mesma
atitude analítica repetiuse. O paciente direcionava seus olhos para os brilhos, para as
cores fortes, as características pontuais, mas, em nenhuma circunstância, ele pôde
ver, como podemos discernir sem esforço, pelo ato do olhar, uma ilha e um
desfiladeiro. Ao lhe mostrar uma rosa vermelha, o músico proferiu, sem hesitação, que
era uma forma vermelha em espiral, com um prolongamento linear verde, de uns
quinze centímetros de comprimento. A partir dessas análises, ele disse que não era
fácil dizer o que era, achava que poderia ser uma inflorescência, ou uma flor, mas a
certeza só chegara através do apelo do médico para cheirar tal objeto enigmático, até
então desconhecido, mas desvelado prontamente pelo olfato.
28
Sacks (2003) ainda apresentou ao Dr. P. diversas fotos de rostos conhecidos,
inclusive a do próprio paciente. O paciente não reconheceu, de maneira geral,
qualquer pessoa, nem a si. As identificações só foram possíveis pelo reconhecimento
de caracteres únicos, assim como o bigode e o cabelo, característicos de Einstein, os
dentes e o queixo, que o fizeram reconhecer seu irmão. É interessante relatar que
necessitava de tais estratégias de percepção até consigo. Para reconhecer seu rosto
no espelho, estudouo atentamente e o fazia a partir do cabelo, do contorno facial e
duas verrugas na face esquerda. Por várias ocasiões, fazia careta e colocava a língua
para fora, “só para ter certeza” de que era ele mesmo.
Esse distúrbio perceptivo relatado não condiz com a teoria associacionista da
percepção, amplamente preconizada pela corrente filosófica empirista (CHAUÍ, 2000).
O associacionismo concebe a percepção a partir da associação de sensações dada
por estímulos exteriores que atuam sobre nossos sentidos, mas esse conceito de
percepção parece não se sustentar ao olharmos para a experiência vivida. O Dr. P.
podia livremente reconhecer as partes, fora estimulado por diversas sensações, seus
órgãos sensoriais estavam intactos, mas ele não compreendia o todo, a forma, a
organização.
Esses relatos nos levam a crer que a possibilidade da articulação, do
reconhecimento das relações, é que estava deteriorada na estrutura perceptiva do Dr.
P. Ele não podia mais reconhecer o percebido, como disse Sacks (2003, p.36), “de
relance”, precisava se apegar a alguns caracteres específicos e, por uma quase
sempre frustrada tentativa de interpretação, de um apelo ao juízo, para chegar ao
conhecimento daquilo que via. Interpretar as sensações, passar delas para a uma
construção do intelecto, para formar a percepção, também era possível para o
paciente, mas, mesmo assim, sua percepção mostravase deteriorada. Isso parece ir
de encontro também a visão intelectualista, outra importante concepção de percepção.
Para a corrente intelectualista, a percepção depende da capacidade intelectual de
organizar as sensações, ou seja, a síntese perceptiva seria construída pelo intelecto e
não dependia apenas dos mecanismos neurais preconizados pela corrente empirista
(CHAUÍ, 2000). No entanto, Sacks (2003) deixa claro que o paciente não possuía
nenhum traço de demência, falava com fluência, imaginação e humor, mostravase um
homem muito culto e simpático.
Esse distúrbio perceptivo, relatado por Sacks, pode ser compreendido através do
legado de estudos sobre a percepção, apresentado por Maurice MerleauPonty (1908
1961) em sua principal obra, resultado de sua tese de doutoramento, a Fenomenologia
da Percepção (MERLEAUPONTY, 1999), publicada pela primeira vez no ano de
29
1945 5 . A percepção, na visão de MerleauPonty, é dada a partir da experiência vivida
do sujeito perceptivo, e não se estabelece a partir da somatória de sensações
pontuais, como vimos acima pela descrição do caso relatado por Sacks (2003). Assim,
no que se refere à percepção da capacidade funcional, podemos dizer que não
podemos agregar diversas habilidades, tidas como físicas, para elucidar a percepção
da funcionalidade do idoso, todavia, as clássicas avaliações prezam por essa
somatória de fatores, como vimos anteriormente.
A partir das reflexões de MerleauPonty, podemos esclarecer que não é
característica do ato perceptivo percorrer as informações isoladas para descobrir, aos
poucos, o sentido do todo, como postulavam os empiristas, nem tampouco depende
das recordações ou da operação do juízo intelectual, como enfatizavam os
intelectualistas. Mas sim, inversamente, de um só golpe (“de relance”), pela imanência de significações integradas na unidade objeto percebido, a percepção pode descobrir
seu sentido, sua identidade, seu segredo. MerleauPonty explica que o conhecimento
do percebido se dá através das relações entre seus constituintes, que emana seu
significado e o faz percebido, que avança para além da associação das partes, para
aquém da contribuição da memória e do juízo intelectual que, por assim dizer,
comunicase com o mundo.
Esse tipo de percepção associacionista, da somatória de sensações isoladas, não
é a gênese da percepção, mas, sim, uma das possibilidades de conhecimento que o
ato perceptivo propicia. Dito de outro modo, a associação e o discernimento só são
possíveis se a percepção já nos tiver revelado suas aquisições, e a localização de
caracteres isolados do contexto é, por assim dizer, fruto segundo do ato perceptivo.
Na visão de MerleauPonty, o significado da percepção não é o resultado de
associações de estímulos pontuais porque são contíguos, ou porque as semelhanças
os aproximam, mas o inverso. É porque percebemos o todo, que a atitude analítica pode distinguir semelhanças e proximidades. A percepção nos revela o conhecimento
do percebido através da apreensão da totalidade, da forma, das relações que o
percebido estabelece com o contexto e não pela soma das partes ou pela
aproximação dos fragmentos. Sempre se dá pela relação com o todo.
Conhecer, descobrir, comunicar, expressar, enfim, perceber. Esses termos nos
levam à “função” primordial da percepção e, assim como diria MerleauPonty, ao
conhecimento do mundo. O Dr. P. apresentava claramente uma dificuldade de
entender o mundo que habitava, porque um de seus aparatos perceptivos, o olhar, não correspondia mais às suas expectativas, impossibilitava o “relance”, traíao
5 As citações referentes à MerleauPonty são advindas da Fenomenologia da Percepção (MERLEAU PONTY, 1999).
30
constantemente. Nem pelas mais árduas tentativas de interpretação, o músico não
obtinha êxito na maioria de seus confrontos perceptivos visuais, seu olhar não obtinha
sucesso pela ação intelectual realizada. Ele podia racionalizar o que via, “parte extra
parte”, mas não podia compreender, não podia olhar.
Isso nos leva a crer que, antes da operação do intelecto, a percepção já retira do
objeto seus significados, já traz o seu sentido. MerleauPonty explica que isso só é
possível porque temos um corpo engajado no mundo e que, dessa forma, na
experiência vivida, ele nos dá um poderio perceptivo que desvela o mundo e o sujeito
da percepção, porque, simplesmente, formam um único sistema. No entanto, o corpo
que atua na percepção não é aquele corpo mutilado que concebe a percepção pela
associação, ou pela intelecção, mas, sim, um corpo que se relaciona consigo e com o
mundo numa dinâmica nãolinear. Para entendermos a percepção, para além do
reducionismo cartesiano, retomar a concepção de corpo de MerleauPonty fazse
condição primordial.
2.2.1 Ouvir com seu corpo todo: a sinestesia do corpo vivido
O corpo que opera no ato perceptivo é aquele corpo que vive a experiência do mundo, que contempla sua existência, que se apresenta como um sistema integrado ao combinar e recombinar seus componentes, tendo em vista uma tarefa a realizar,
uma situação a expressar, um espaço a habitar. É sobre esse corpo que podemos
reconhecer um saber latente, “préobjetivo”, que não depende, mas sim possibilita a
operação do intelecto, fruto segundo de toda percepção explícita. Ele é o termo
primeiro de toda a percepção e, se quisermos entendêla, fazse primordial o desvelar
desse saber latente, “préobjetivo” do corpo próprio.
Nesse sentido, a integração dos constituintes corporais é ponto fundamental para
a compreensão do corpo vivido. “Ouça com seu corpo todo”, disse Virgil à namorada
Amy. Virgil é o homem o cego do filme “À primeira vista” 6 , baseado no caso relatado
por Oliver Sacks (2005). Na ocasião em que o casal adentra uma velha casa, por
motivo de uma chuva repentina, o cego explica que a melhor maneira para ele
conhecer a dimensão de um local é quando chove, pois ele pode sentir “tudo de uma
vez”. Virgil é capaz de dizer à moça todas as características espaciais do lugar: “é bem
alto”, “o som ecoa, não há paredes”...
6 Filme distribuído pela MGM Home Entertainment, lançado em 1998 e dirigido por Irwin Winkler (Título original: “At first sight”).
31
Essa cena demonstra que a percepção espacial das dimensões geométricas não
é exclusiva da visão, assim como nenhuma outra qualidade sensível (som, olfato, tato)
correlacionase exclusivamente ao seu órgão efetor, dado pela fisiologia mecanicista.
As reflexões de MerleauPonty auxiliam na explicação dessa afirmação na medida em
que nos mostram que o corpo, na experiência de seu mundo, opera como um sistema
perceptivo integrado, o qual não pode ser explicado por relações de causalidade, tais
como a de espaçovisão e a de somaudição. Nós vivemos a comunicação dos
sentidos naturalmente e só a fragmentamos na medida em que a interrogamos e
passamos da experiência para o pensamento intelectual.
É dessa maneira que, por exemplo, atribuímos, naturalmente e sem nenhuma
culpa epistemológica, que um som é vazio, seco ou embaralhado, assim como vemos o peso de um bloco que afunda na areia, a flexibilidade de um galho no abandonar de
um pássaro, ou a fragilidade de uma peça de cristal. O vento é verdadeiramente
percebido se se oferecer a todos os meus sentidos. Contemplo sua existência e,
principalmente, seu significado, se puder experimentar na pele seu frescor, ouvir o
suspiro de sua passagem e ver a agitação da paisagem. Merleauponty ensina que a
sinestesia existe como fenômeno, e, se não a reconhecemos, é porque as ciências
positivas sempre compuseram a percepção por constituintes pontuais, construindo a
percepção pelo já percebido e, assim, nunca pudemos nos ater do saber latente do
nosso corpo, que propicia essa integração e se faz por ela.
Fica claro, então, que a percepção é intersensorial e sua compreensão só virá se
reconhecermos esse nosso poderio corporal de maneira complexa, integrada, sem as
mutilações há tanto preconizadas pelo pensamento reducionista. É essa integração
que nos oferece a possibilidade de conhecimento do percebido, pois possibilita que o
corpo se organize com vistas a percebêlo e descubra seu significado, pois o mundo
nunca se oferece “parte extra parte”. Essa integração não é realizada por uma
operação intelectual superior, mas é realizada pelo próprio corpo, ou ainda, essa
integração é o próprio corpo, que apresenta um saber latente, “préobjetivo”.
Esse saber “préobjetivo” do corpo próprio está presente em nossas ações
rotineiras, que fazem parte de nosso mundo vivido e que demonstram, claramente,
que o corpo não necessita de uma operação racional sistematizada para desenvolver
sua motricidade, para o retomar de uma percepção. A expressão de timidez que toma
conta de todo corpo da moça, que é galanteada pelo rapaz, não surge por uma
operação de subsunção categorial, na qual o aparelho nervoso selecionasse a melhor
reposta, mas formase a partir do poder “préobjetivo” do corpo próprio que
corresponde a essa situação circunstancial. Não precisamos, com efeito, olhar para os
pés para mantermonos em pé. Da mesma forma, não é necessário que olhemos para
32
nossos membros, ao acenarmos para um amigo que avistamos do outro lado da rua,
nosso corpo percebe tal situação e retoma com certo aceno, sem um pensamento
interposto na ação, mas por um saber latente que faz nosso corpo ser nosso
instrumento perceptivo. O movimento, em tese, só é possível porque, de fato, temos
um corpo que o possibilita. O pensamento ocorre, não como um ditador, mas, sim,
como possível, dada a operação do corpo no mundo (MERLEAUPONTY, 1999).
A ação racional sobre a motricidade propicia movimentos corporais artificiais e
inexpressivos, como ocorreu a mulher que perdeu, por completo, a sensação do
próprio corpo (SACKS, 2003). Desencarnada, era desse modo que se autodefinia.
Segundo Sacks (2003), a mulher que não sentia mais a posse de seu corpo, embora
fisicamente e, para sua visão, ele estivesse ali. Nos primeiros meses desse distúrbio
proprioceptivo, ela postarase totalmente “mole”, incapaz até de sentarse, pois não
podia encontrar seus membros para realizar qualquer ação motora. Entretanto, após
intensas seções de reabilitação, surpreendentemente ela aprendeu a usar a visão para
“achar” seus membros e movimentarse, bem como manterse em posturas
costumeiras.
Essa rota proprioceptiva alternativa que a paciente encontrou possibilitava a
manutenção de suas posturas, de seu andar, do realizar das atividades cotidianas.
Mas essa era apenas uma funcionalidade artificial, teatral, forçada, como relatou o
neurologista (SACKS, 2003). Essa mobilidade só era possível se um extremo trabalho
de controle visual fosse realizado. Se desviasse a atenção por um segundo sequer, os
movimentos, antes funcionais, tornavamse exagerados e, nitidamente,
descontrolados. Não possuía mais o poderio “préobjetivo” do corpo próprio, precisava
racionalizar todo e qualquer movimento, suas condutas motoras eram artificiais,
ensaiadas, freqüentemente desajeitadas.
Essa motricidade programada pela visão, embora trouxesse de volta seu contato
com o cotidiano, não a fez retomar a posse de seu corpo. Sentia que seu corpo estava
morto e sentiase fora do mundo. A mesma sensação é descrita por pessoas que
ficam paralíticas por transecções no cordão espinhal. Mas a paciente não estava
paralítica, ela se movimentava, todavia, como ela mesma relatou, “sem corpo”. O
mundo para ela era apenas aquele que via. No entanto, sentia que não mais podia
viver nesse mundo apenas visual. Não possuía mais seu corpo para que se
mantivesse integrada existencialmente (e não apenas fisicamente) com o mundo,
porque, como explica MerleauPonty, é ao nosso corpo que “devemos” a conexão
primeira com o mundo, através da percepção. Nesse caso, a estrutura da percepção
estava deteriorada, o corpo não podia mais satisfazerse como motor perceptivo, a
mulher “desencarnada” sentia que não existia.
33
“Ela teve êxito em funcionar, mas não em ser”, explica Sacks (2003, p.69), sua
capacidade funcional era satisfatória para o olhar dos médicos, mas incompleta,
artificial, na percepção da paciente. Podemos observar que a atitude racional sobre a
motricidade não é a mestra do movimento, mas, sim é seu fruto segundo. Não
precisamos, de fato, de um comando intelectual do pensamento, para que possamos
nos movimentar, dada uma situação percebida. Na visão de MerleauPonty, o corpo
literalmente “sabe” o que fazer, ele dirigese ao mundo sem um pensamento
intercalado, retoma uma percepção e propicia o pensamento.
A operação do pensamento intelectual revelase secundária, também nos casos
bem conhecidos de membros fantasmas que aparecem em amputados. As aparições
de membros amputados podem ser descritos como verdadeiros fantasmas em seus
corpos; intrigantes, mas necessários. A visão pode falar ao amputado, expressamente,
que ele não tem mais, ao menos fisicamente, aquele membro (MERLEAUPONTY,
1999).
Um marinheiro que perdera um dedo da mão temia, sempre que ia coçar o rosto,
que o dedo fantasma pudesse furar seu olho, embora soubesse que isso não seria
possível, mas no nível do préconsciente, do corpo vivido, a sensação era de que o
dedo estava ali. A substituição por uma prótese não suprimiria a sensação dada pelo
membro fantasma, mas ao contrário: a colocação da prótese só é possível, para
muitos amputados, se o membro fantasma estiver disponível para o perfeito encaixe
(SACKS, 2003). O doente sabe que não possui o membro, mas isso intelectualmente,
pois em um nível mais genérico, destaca MerleauPonty, o corpo próprio, pelo seu
saber “préobjetivo”, mantém o fantasma no esquema corporal do paciente, para
conserválo num esquema mais geral que ele forma com o seu mundo, que o
preserva, com efeito, no circuito da existência.
A partir disso, podemos já reconhecer que o corpo não é um servo da
consciência, ele possui um saber “préobjetivo”, que possibilita a percepção do mundo
e de si, pois com o mundo forma um único sistema. Não precisamos, com efeito, alçar
à consciência o que fazer, pois dada uma percepção, o corpo literalmente sabe que
reposta oferecer, que movimento realizar. Nem que para isso seja necessária a
“aparição” de um membro fantasma. O corpo não apenas percebe o mundo, mas, sim,
expressa uma situação que está vivendo. Para entendermos a percepção, segundo
Merleauponty é necessário, então, que olhemos para a situação que permeia essa
operação do corpo no mundo.
34
2.2.2 Mãos imprestáveis: a expressão situacional
O caso do membro fantasma é a pura expressão do corpo sobre uma situação de
recusa à amputação que o amputado vive e, como diria MerleauPonty, o membro
amputado é como que absorvido pelo corpo no consentimento do doente em aceitar a
amputação. Esse saber “préconsciente” do corpo faz dele um espaço eminentemente
expressivo, o termo que faz existir no mundo uma situação pela qual está vivendo.
Essa projeção dinamiza o processo perceptivo e o modifica todo o tempo.
Nesse ponto, recorro novamente a um caso relatado por Sacks (2003). Madeleine,
uma mulher com sessenta anos, cega e portadora de paralisia cerebral, vivia de
cuidados constantes desde a infância. As mãos geralmente não são afetadas
totalmente em casos desse tipo, mas o que surpreendera o médico foi o fato de suas
mãos serem, como ela própria disse: “montes de massa imprestáveis esquecidos –
elas nem parecem fazer parte de mim” (SACKS, 2003, p.75). Além disso, o que
intensificou mais a inquietação do neurologista foi a constatação de que Madeleine
possuía as sensações elementares, o calor, o toque, os movimentos passivos dos
dedos, mas não possuía o movimento explorador das mãos, suas mãos não
interrogavam mais o que suscitasse a uma percepção.
Nesse ponto, o médico levanta algumas explicações para essas mãos que não
passavam de montes de massa, e a partir de tais explanações podemos exemplificar o
poderio expressivo do corpo próprio. Não havia nenhum déficit sensorial acentuado
que impedisse a mão de seu poderio perceptivo, que a impedisse de realizar seu
movimento explorador. Mas a situação que permeou a vida dessa idosa foi aquela de
uma total assistência. Ela fora submetida desde a infância a extremos cuidados
externos, foi protegida demasiadamente e nunca, literalmente, pôde colocar o poderio
perceptivo de suas mãos a prova, tudo foi sempre feito para ela. Os “montes de massa
inertes” são a mais pura expressão de uma situação pela qual passava esse sujeito
perceptivo. Toda essa vida assistida, paternal, aparecia pela capacidade “préobjetiva”
do corpo próprio, através das “mãos imprestáveis”, de expressar uma vida inteira de
dependência. Essa situação nada mais é que a existência pessoal materializada pelo
corpo em seu domínio mais subterrâneo, a préobjetividade.
O caso relatado por MerleauPonty de uma menina que fica afônica, a partir do
momento em que a mãe a proibiu de ver o rapaz que ama, ajuda a ilustrar o poder de
expressão do corpo e a explicar o caso anterior. A afonia representa, nesse sentido, a
recusa do outro, sendo que a emoção da proibição expressouse pela fala, que
35
significa nosso meio de comunicação com o outro, a existência comum ou a
coexistência. A falta de apetite também se esboça num mesmo panorama: a
deglutição simboliza o movimento de existência que assimila os novos
acontecimentos. A doente, literalmente, não pode “engolir” a proibição que lhe foi feita.
Na infância dessa mesma doente a afonia se manifestara, pela primeira vez, após um
tremor de terra, e MerleauPonty credita a mesma explicação: a angústia da morte se
traduzia pela afonia, porque a ameaça de morte interromperia drasticamente a
coexistência.
Assim, através da significação desses sintomas, podemos entender o que eles
significam em relação à expressão das dimensões fundamentais da existência: nossas
relações com o passado e o futuro, consigo mesmo e com o outro. No termos do
filósofo:
A afonia não representa apenas recusa de falar, a anorexia a recusa de
viver, elas são a recusa do outro ou essa recusa do futuro, arrancadas da
natureza transitiva dos “fenômenos interiores”, generalizadas,
consumadas, tornadas situação de fato. O papel do corpo é assegurar
essa metamorfose (MERLEAUPONTY, 1999, p.227).
Isso posto, entendese que o corpo próprio é o termo expressivo de nossa
situação no mundo e, por assim dizer, de nossas relações existenciais. Assim, fica
claro que não estamos alheios do mundo, do qual todo acontecimento mundano
esboça uma reação no meu corpo. Conheço a mim mesmo dirigindome ao mundo
através do meu corpo, e o mundo, ao suscitar meu olhar e meu movimento, faz com
que eu o explore e o compreenda, enfim, que o perceba, e perceba a mim mesmo,
pois para MerleauPonty (1999, p.277): “toda a percepção exterior é imediatamente
sinônima de uma certa percepção de meu corpo, assim como toda a percepção de
meu corpo se explicita na linguagem da percepção exterior”. Essa relação do sujeito
perceptivo com o mundo constrói seu espaço, e essa espacialidade é outro ponto
fundamental da percepção.
2.2.3 A espacialidade e a transcendência
O estudo do corpo sintetizado anteriormente pode demonstrar que ele é o
motor primeiro de toda a percepção. Mas a percepção não ocorre simplesmente pelo
contato passivo do sujeito perceptivo com o mundo, o percebido possui um significado
imanente que propõe ao sujeito uma forma de existência, e ele pode retomar essa
proposição, seja por seus movimentos, seja por seu olhar, seja por sua fala. O
36
percebido evoca o corpo, convidao a percebêlo. A partir desses dizeres podemos
entender que a percepção é uma verdadeira comunicação com o mundo.
Assim sendo, MerleauPonty frisa que a percepção é intencional, ela retoma
um significado que o percebido lhe apresenta, ela visa e significa para além da
identificação de uma qualidade do objeto, porque o mundo que percebo me propõe
certa forma de existência. E, assim, concebendo essa forma de existência que me é
sugerida, reportome a um ser exterior do mesmo modo que esse ser clama por minha
percepção. Assim, as qualidades são significativas para além de si mesmas, porque
irradiam em si certo modo de existência, porque o sujeito simpatiza com elas, e
porque, para ele, tais qualidades têm um certo significado.
Esse “comércio” entre o sujeito da percepção e o percebido, essa
correspondência, explica MerleauPonty, é o poder de meu corpo sobre o mundo, que
é originário do espaço. O espaço do sujeito perceptivo é concretizado assim que uma
dada percepção solicita dele um movimento de seu corpo, e ele consiga correspondê
la, para que ele possa colocarse em situação.
Diversas entidades perceptivas, como um móbil em seu pleno movimento, uma
música, ou outra pessoa, exibem seu significado e arrancam do sujeito perceptivo as
mais diversas respostas expressivas através de seu corpo. Lucy era uma paciente
catatônica do Dr. Sacks que, no filme “Tempo de Despertar” 7 , não esboçava nenhuma
reação, aparentemente nenhuma percepção. No entanto, do mundo perceptivo ainda
lhe sobrara alguma posse do espaço, ela podia corresponder e agarrar uma bola
prontamente, se o médico a atirasse em sua direção. Ela se movia a partir do “desejo
da bola”, correspondia àquilo que o percebido lhe sugeria. Assim como o próprio filme
demonstra, outros pacientes retomavam o “desejo” de outras motivações perceptivas,
como uma música especial a cada um ou a um movimento de outra pessoa. Tais
“estímulos” faziamnos sair do estado catatônico, para um nível de movimento que
abarcava o percebido e podiam descobrir a si mesmos na exploração de seu espaço.
Ao enfatizar a questão do movimento corporal, em conformidade com a forma
de existência que o percebido propõe ao sujeito, basicamente ainda localizase o
espaço perceptivo no espaço geométrico das relações físicas. Mas mesmo esse
espaço físico, ressalva MerleauPonty, só existe para um sujeito que opere suas
relações, e essa inserção de um sujeito no mundo, cria espaços antropológicos e o
mantém ligado a eles durante toda a vida.
7 Filme distribuído pela Sony Pictures, lançado em 1990 e dirigido por Penny Marshall (Titulo original: Awakenings). Foi baseado no livro “Tempo de despertar”, de Oliver Sacks (Sacks, 2005b).
37
Essa discussão sobre o espaço iluminase com a discussão, por exemplo, do
cego Virgil, relatado anteriormente. O que possibilitaria, então, a descoberta do espaço
sem a visão, com a descrição precisa das dimensões de um dado local, já que como
ele mesmo disse ser “cego como um morcego”? Prontamente poderíamos afirmar que
a cegueira pode apurar os outros sentidos, que têm dado conta, então, da percepção
espacial. Além disso, poderíamos dizer que Virgil pode perceber o espaço, mas não
tão bem como aqueles que enxergam. Por outro lado, será que poderíamos, como ele,
perceber o espaço de olhos fechados?
Não está em questão, ao analisarmos o caso da percepção, classificar qual a
percepção adequada a cada sensação, sentido, ou órgão sensorial, mas, sim,
compreender cada caso como um todo, distinto, nem mais, nem menos, nem inferior,
tampouco superior. O cego tem o seu espaço, seu mundo. Mas seu espaço não pode
ser caracterizado por subtração, pela diferença operada a partir do espaço daquele
que enxerga. Assim como o esquizofrênico, a criança, o primitivo ou, até, o idoso,
apresentam seu espaço característico, só os compreenderemos se interrogarmos essa
espacialidade em todo seu domínio “préobjetivo’. Virgil pode descrever o espaço
geométrico ao seu redor, porque de fato vive nele, e é essa vivência que devemos
abarcar se quisermos compreender o problema primeiro de toda e qualquer
percepção, é sobre essa subjetividade que devemos nos ater se o ato perceptivo for
centro de nossa atenção.
Essa subjetividade, realça MerleauPonty, sugere que toda e qualquer percepção
nunca será cristalina, nunca teremos o conhecimento total do percebido e, por isso
mesmo, de nossa existência porque sua gênese está nas ambigüidades do tempo.
Nessa perspectiva, podemos entender que a percepção supõe sempre um passado
daquele que percebe, e que, portanto, não está alheio ao tempo. Essa síntese
perceptiva é, portanto, uma síntese temporal, que, por si mesma, é o centro da
subjetividade e garante ao sujeito perceptivo sua opacidade e sua historicidade.
Aquele que percebe tem uma espessura histórica, retoma uma tradição perceptiva e é
confrontado com um presente.
Assim, essa potência exploradora está fadada à temporalidade, e a síntese
perceptiva nunca pode ser acabada, uma vez que esse poder sobre o mundo nunca
pode ser total. É nesse sentido que MerleauPonty coloca que uma percepção sempre
é parcial: uma percepção convida a uma outra e é sempre marcada por aquele
momento de minha história individual, feita e refeita pelo curso do tempo e supõe em
mim sedimentos de uma constituição prévia, de minha historicidade.
Nesse sentido, a percepção, via um esquema corporal integrado, forma um
sistema único com o mundo, com outrem, com o espaço, e faz com que o sujeito
38
perceptivo, dirijase a ele, e o compreenda, e retome sua experiência existencial. O ato
perceptivo é nosso poder primeiro de conhecimento do mundo e de nós mesmos. Mas,
pela transcendência dos momentos do tempo, todo ser está fadado a se compreender
a vida toda, o vivido nunca é inteiramente compreensível. Essa temporalidade denota
as fissuras do mundo objetivo, que são a própria subjetividade, estão no cerne de toda
a percepção e impedem o sujeito de entender seu presente com uma certeza
apodítica.
Mediante esse estudo sobre a percepção, podemos entender que a compreensão
do significado da capacidade funcional percebida será possível se retomarmos as
operações do corpo no mundo, ou seja, as habilidades que os idosos relatam como
significativas para si, aquelas que fazem parte de seu mundo vivido. No entanto, a
utilização de instrumentos fechados, ou testes físicos, não possibilitaria a apreensão
do significado da percepção, pois não retoma a experiência vivida e, por conseguinte,
pode inibir o significado. Tendo em vista que o corpo é nosso instrumento perceptivo
e, por conseguinte, que cada percepção é permeada de um significado único, quais
seriam os significados de cada percepção que pudesse elucidar a funcionalidade
percebida pelo idoso? Será que percepção de uma habilidade do cotidiano retoma o
mesmo sentido para todos? O que no mundo dos idosos deve suscitar uma percepção
de uma capacidade funcional melhorada? Incrementar a força muscular pode suscitar
percepções significativas? Ou ainda, será que toda a percepção é, de fato,
significativa?
Isso posto, podemos ver que a percepção da capacidade funcional pode estar
relacionada a uma teia de significações e, se quisermos compreendêla, parece
necessário enveredar nesse mundo de sentidos. Dessa forma, o passo agora é ir ao
fenômeno, compreendêlo e desvelálo. Para tanto, para elucidar a percepção da
capacidade funcional, cabe a nós interrogarmos o sujeito perceptivo e resgatar sua
funcionalidade vivida.
39
3. MÉTODO
3.1 Os participantes
Mediante o objetivo principal deste projeto de pesquisa, ou seja, concretizar um
programa de treinamento resistido para a estudo da capacidade funcional percebida
de idosos, participaram do estudo oito idosos, um homem e sete mulheres com mais
de sessenta anos e com os quais mantenho convivência há quase três anos. Essas
pessoas fazem parte da fase de Transição do Projeto Sênior 8 .
Um ponto importante a ser considerado sobre os participantes é que, devido a
grande incidência de doenças crônicas nessa fase da vida, participaram somente
aqueles que apresentaram um laudo médico que os habilitasse para a prática de
exercícios físicos. Dessa forma, segundo as recomendações da American Heart Association (AHA, 2000), sobre as contraindicações à prática de treinamento resistido, não seriam considerados aptos a participarem do referido projeto aqueles
que apresentassem as seguintes condições: angina instável hipertensão não
controlada; arritmias não controladas; diagnóstico recente de insuficiência cardíaca
congestiva que não fora devidamente avaliada ou tratada; doença valvular severa;
cardiomiopatia hipertrófica.
Ademais, tendo em vista que a hipertensão atinge dois terços dos idosos, as
diretrizes sobre a prescrição de exercícios de força para idosos hipertensos foram
direcionadas a partir dos resultados do estudo de Camara et al (2004). O referido
trabalho identificou que a reposta pressórica de idosos hipertensos e normotensos
submetidos a exercícios de força muscular não diferem entre si se o grupo hipertenso
estiver devidamente controlado. Assim, apenas hipertensos controlados puderam fazer
parte deste estudo.
Além disso, todos aqueles que se dispuseram a participar da pesquisa
assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido (ANEXO 1).
8 Essa fase é caracterizada por encontros mensais para os idosos que participaram do Projeto Sênior. Temse como meta identificar as atitudes dos participantes frente à prática de atividade física, bem como
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3.2 O programa
A primeira fase, denominada fase inicial, teve a duração de oito semanas,
período no qual, provavelmente, o incremento de força é mais significativo (TRAPPE,
WILLIAMSON e GODARD, 2002). Foram propostas duas sessões de treinamento
resistido por semana, como recomendado por Evans (1999), e separadas por, no
mínimo, 48 horas de repouso entre os intervalos das sessões (HUNTER et al, 2001).
Cada sessão foi composta por seis exercícios (leg press, supino na máquina, puxador costas, desenvolvimento de ombro, abdominais e extensão de quadril no cabo)
direcionados aos grandes grupos musculares (coxa, peito, ombros, dorsais,
abdominais e glúteos), como recomenda Evans (1999).
A escolha desses exercícios foi feita a partir da disponibilidade de equipamento
e material para a aplicação do protocolo, já que a pesquisa tenta uma aproximação fiel
aos moldes da aplicação prática. Nesse ponto, incluiuse, também, uma criteriosa
análise quanto às características dos participantes e, quando necessário, foram feitos
os ajustes necessários, principalmente no que diz respeito ao modo de execução.
Direcionouse a prescrição a partir dessa análise individual, tendo em vista a
heterogeneidade do público em questão que apresenta muitas intercorrências, por
vezes até comuns, dentre as comuns muitas características peculiares, ou seja, nem
sempre artrose no joelho, por exemplo, pode ser taxada com restrições universais e,
sob este olhar, não objetivando universalizar as limitações, mas, sim, compreendendo
as de um modo individual, é que os ajustes na prescrição foram direcionados.
Foram propostas de uma a três séries, com intensidade de oito a doze
repetições máximas, com intervalo de um a dois minutos, entre as séries, para todos
os exercícios propostos, sendo esta, a recomendação do ACSM (2002) para o
desenvolvimento de força muscular em idosos. A segunda fase, denominada como
fase de manutenção, apresentou as mesmas características da fase precedente,
exceto quanto à freqüência, que foi reduzida para uma vez semanal (TRAPPE,
WILLIAMSON e GODARD, 2002).
Para identificar o comportamento da força muscular foram realizados testes
periódicos no início, e ao final da fase inicial e da fase de manutenção. Foi utilizado o
método das repetições máximas, para identificar a carga que possibilitou a falha
concêntrica entre oito a doze repetições máximas (ACSM, 2002; FLECK e KRAEMER,
1999). Ressaltamos que a opção pelo teste de repetições máximas devese à sua
ampla utilização em situações habituais de prescrição desse tipo de modalidade de
as barreiras que enfrentam para se inserir em outros programas. Além disso, as aulas são distintas
41
exercício, aproximando o programa aqui realizado da situação vivida, por exemplo,
nas academias de ginástica. Ademais, esses testes de força foram necessários para
identificar se houve alteração na força muscular dos participantes, o que garante que o
programa estimulou, de fato, a força muscular, e não outras capacidades físicas
correlatas, como a resistência muscular localizada, por exemplo. Esses testes de
repetições máximas não devem ser confundidos com testes para a capacidade
funcional de idosos que, embora se assemelhem tecnicamente, são de outra natureza.
O programa foi realizado em equipamentos apropriados para exercícios
resistidos, na academia da Universidade São Judas Tadeu, autorizado pela instituição
e por seu comitê de ética em pesquisa (ANEXO 2).
3.3 Seleção e capacitação dos professores
Para a viabilização do programa, julgouse necessária a participação de
professores capacitados para a atuação com o público em questão e com a
modalidade de exercício proposta. Dentre os objetivos do processo de seleção dos
professores atuantes no projeto, foram levados em conta dois requisitos básicos: a
formação humana e a capacitação técnica. A formação humana exige que o professor
que atue no projeto compactue da mesma visão sobre o envelhecimento, que permeia
a concretização dessa pesquisa. A necessidade dessa formação humana específica
centrase no fato de que os professores atuantes estavam cientes dos objetivos da
pesquisa e precisavam, de fato, acreditar que a percepção dos idosos poderia surgir
através de relatos informais no decorrer das sessões. Era importante também que eles
valorizassem essa relação dialógica alunoprofessor que pode ser um ponto
importante para o desenvolvimento da aula. Professores que não acreditam nessa
relação poderiam não perceber esses relatos fundamentais para o desenvolvimento do
programa e, por conseguinte, da pesquisa.
Dessa forma, foram convidados três integrantes do Grupo de Estudo e
Pesquisa Sênior (GREPES). O GREPES oferece subsídios científicos para o Projeto
Sênior (MIRANDA e VELARDI, 2002) e tem como base teórica o ideário da promoção
da saúde, a teoria da velhice bemsucedida e a pedagogia da autonomia de Paulo
Freire. A observação da participação desses professores no grupo de estudo, pode
demonstrar que compartilham da visão de envelhecimento e do ser humano que
permeia a concretização dessa pesquisa.
daquelas ministradas no Projeto Sênior para que os idosos possam conhecer outros tipos de atividades.
42
A capacitação técnica foi realizada com o intuito de familiarizar os professores
com os equipamentos, procedimentos, protocolos e técnicas de treinamento resistido,
ministrados por mim.
Por fim, participaram da coleta de dados quatro professores de educação
física, grupo do qual fiz parte. Os professores tinham como atribuições, cumprir o
protocolo da pesquisa descrito acima. Para que isso se concretizasse, os professores
registraram as cargas mobilizadas em cada exercício, nas séries, bem como o número
de repetições realizadas em todas as sessões de treino. Além disso, os professores
foram registrando, no caderno de campo, descrito a seguir, todo o depoimento que
pudesse se referir à percepção da capacidade funcional de cada idoso participante.
3.4 Capacidade funcional percebida
3.4.1Caderno de campo
Os diários ou cadernos de campo são documentos em que o pesquisador
anota suas impressões sobre o que ocorre na investigação que realiza e são
considerados como um dos instrumentos básicos na pesquisa qualitativa. Além disso,
as idéias, experiências e impressões, por exemplo, transformamse, por meio da
documentação, em realidades acessíveis e que suportam a análise (ZABALZA, 2004).
Dessa forma, muitos dos relatos verbais, que levantaram os questionamentos
acerca dos instrumentos e testes de capacidade funcional, foram feitos informalmente
no decorrer das aulas do Projeto Sênior, esses depoimentos dos idosos durante o
programa de treinamento resistido foram registrados em um diário de campo pelos
professores atuantes no programa.
3.4.2 Entrevista narrativa
A capacidade funcional pode ser considerada pelas relações do sujeito com o
mundo em que vive, e é, em sua experiência vivida, que iremos reencontrar a
percepção dessa funcionalidade. Como expõe MerleauPonty (1999), tudo aquilo que
sei do mundo sei por uma visão minha, pelo qual os símbolos da ciência não poderiam
dizer nada.
43
Tendo em vista minha revisão literária exposta anteriormente, optei, por não
utilizar instrumentos fechados de autopercepção da capacidade funcional
(questionários), tampouco a utilização de testes físicos para sua “mensuração”. Esse
tipo de avaliação objetiva tenta substituir, com situações préestabelecidas, um mundo
que está ali aos nossos olhos, pelo pensamento de um mundo, e o fixa em uma
implicação determinista. Tenta explicar aquilo que a capacidade funcional é, em tese,
fato que pode não resgatar aquilo que se vive na funcionalidade cotidiana. Colocase
ao sujeito tudo aquilo que ele deveria perceber, todavia, MerleauPonty (1999) nos
ensina que não há como perceber, ao certo, o mundo, com condições pré
estabelecidas, justamente porque o mundo, o mundo vivido, é aquilo que nós
percebemos.
Assim, para desvelar a percepção da capacidade funcional, ouvir do sujeito
aquilo que ele tem a dizer sobre ela, me parece o caminho mais adequado. Como já
foi colocado, para MerleauPonty (1999), o corpo é o meio de expressão de nossa
situação no mundo, dada uma percepção, e o uso da fala é uma de suas modalidades
expressivas. Como todo modo de expressão, a linguagem é permeada pela cultura e
historicidade do sujeito e é dotada de significado, assim como um gesto. Além disso,
o poder da fala dado ao sujeito oferece, também, a possibilidade de calarse, e o
silêncio, nos ensina MerleauPonty (1999), também é uma forma de comunicação e
significação, e, assim, o autor explica que:
Nossa visão sobre o homem continuará a ser superficial enquanto não
remontarmos a essa origem, enquanto não reencontrarmos, sob o ruído
das falas, o silêncio primordial, enquanto não descrevermos o gesto que
rompe esse silêncio. A fala é um gesto e sua significação um mundo
(MERLEAUPONTY, 1999; p.250).
Na experiência do diálogo, coloca MerleauPonty (1999), meu pensamento e o
do outro formam um só tecido, tendo a linguagem como um objeto cultural que projeta
no mundo, no ambiente natural, os pensamentos do ser no mundo. Há uma dinâmica,
no diálogo que reclama as minhas falas e a do entrevistado, das quais nenhum dos
dois é criador. Certamente, os pensamentos do outro são seus, mas introduzidos no
diálogo, eles me suscitam pensamentos que o entrevistador não sabia que possuía, e,
reciprocamente, eu empresto pensamentos àquele que entrevisto e o faço descobrir
pensamentos novos. Cada palavra daquele que fala desperta em nós pensamentos
que já tínhamos, contudo, essas significações se unem em um pensamento novo que
reconstrói todas as significações, e compreendemos assim o outro. Portanto, através
da fala existe um poder de pensar segundo o outro, que enriquece nossos
pensamentos próprios.
44
Nessa perspectiva, a entrevista narrativa pode ser uma forma de desvelar a
capacidade funcional percebida, já que apresenta características que podem expor as
experiências vividas pelos depoentes pelo poder de comunicação dado pelo corpo
próprio. A entrevista é um método de pesquisa que dá um acesso privilegiado à nossa
experiência básica do mundo vivido e o utiliza como ponto de partida (KVALE, 1996).
Assim, os ensinamentos de Bosi (2003), a partir de suas experiências com
narradores idosos, encontram lugar nessa discussão 9 . A memória oral, segundo Bosi
(2003), é um instrumento precioso se quisermos construir a crônica do cotidiano e,
além disso, enraízase no concreto e é a revelação da experiência vivida. A narrativa
mostra a complexidade do acontecimento, e o pesquisador, sugere a autora, deve
aterse às tensões implícitas na fala, aos subentendidos, ao que só foi sugerido, por
sua vez, por olhares e expressões faciais. Ademais, a lembrança e o esquecimento
devem ser também, considerados pelo entrevistador. A fala traz, consigo, conotações
afetivas, e estas necessitam, por assim dizer, de tom, andamento, ritmo para falar,
característica que a narrativa pode retomar.
Dessa forma, a entrevista narrativa mostrase como o meio mais adequado
para compreender e descrever a capacidade funcional percebida, e a descrição do
procedimento adotado para concretizála está descrita a seguir.
3.4.3 Procedimento para realização da entrevista
A narrativa, segundo Bosi (2003), busca, na memória, acontecimentos de
forma não aleatória, que trazem consigo significações comuns e, assim, ensina a
autora, é tarefa do pesquisador buscar esses vínculos de afinidades eletivas entre os
fenômenos narrados.
Outro ponto importante, destacado por Bosi (2003) sobre a entrevista narrativa
com idosos, é que o conhecimento mútuo e a afetividade entre entrevistador e
narrador é primordial. Isto pode fazer com que o narrador sintase mais confortável
para contar suas experiências. Nesse sentido, a autora enfatiza: “da qualidade do
vínculo vai depender a qualidade da entrevista” (BOSI, 1993, p.60).
Além disso, aponta Kvale (1996), o entrevistador deve ajudar o entrevistado a
produzir uma história coerente para que possa ordenar os fatos para uma melhor
compreensão. Ele deve, também, trabalhar diversas formas de narrativas durante a
9 Devese ressaltar a opção da autora em fundamentar suas concepções de tempo e memória na filosofia de Bérgson, amplamente criticada por MerleauPonty. Assim, referenciase o trabalho de Bosi (2003) para
45
entrevista, por exemplo, questionar diretamente por histórias e, junto com o
entrevistado, estruturar os diferentes acontecimentos em histórias coerentes (KVALE,
1996). Além desses direcionamentos, Kvale (1996) destaca que, nesse tipo de
abordagem, o pesquisador deve ter em mente os pontos chaves que busca elucidar
com a realização da entrevista.
Mediante essa gama de recomendações, fezse condição primordial a
realização de entrevistas piloto para que a condução da entrevista, propriamente dita,
pudesse estar de acordo com esses prérequisitos, básicos para uma entrevista
narrativa. Foram realizadas sete entrevistas piloto com idosos participantes do Projeto
Sênior do ano de 2004.
Em consonância com as recomendações expostas acima, sobre a condução da
entrevista narrativa, foram selecionados os pontos chaves para o desvelamento da
capacidade funcional percebida, tendo como sustentação teórica os pressupostos da
fenomenologia da percepção de MerleauPonty (1999). Dentre os pontos chaves que
direcionaram os questionamentos da entrevista, está a espacialidade do corpo, que se
refere à possibilidade de expressão de uma situação vivida mediante uma percepção
explícita. Não menos importante, foi enfatizado o conhecimento da manifestação da
motricidade, como um dos usos do corpo no ato perceptivo. Ademais, as relações do
narrador com outrem e com mundo humano e natural, enfim, o contexto em que se
insere a percepção, constituíram outro ponto fundamental que nortearam a entrevista.
Nesse estudo piloto, para estimular o narrador a contar sua estória, foi lhe
proposta a seguinte indagação: “como foi para você participar do Projeto Sênior?”. E
no discorrer de sua fala, pontos que se relacionavam com a percepção de sua
capacidade funcional foram solicitados para um maior detalhamento pelo
entrevistador. Logo nas duas primeiras entrevistas piloto, ficou claro que narrar sobre
esse período não foi suficiente para conhecer com mais detalhes o contexto que
permeia os relatos funcionais desses sujeitos. Dessa forma, a experiência nas duas
entrevistas iniciais do piloto mostrou que seria necessário explorar mais ainda o
contexto de vida em se inseriam cada relato sobre sua funcionalidade. Assim, a
questão inicial foi revista e transformada em uma solicitação ao narrador, então, não
mais uma indagação: “eu gostaria que você me contasse como foi sua experiência no
Projeto Sênior e como esteve sua vida em todo esse período”, e mais cinco entrevistas
piloto foram realizadas com essa alteração na questão inicial. Além disso, pude
perceber que as anotações que tinha no caderno de campo serviriam como pontos
extras, que poderiam disparar outras histórias e, assim, dar continuidade à narrativa.
direcionar os procedimentos técnicos do processo narrativo com idosos que, no entanto, não se mostram conflitantes com a temporalidade exposta por MerleauPonty.
46
A partir dessa experiência com o piloto, a entrevista final foi iniciada com a
solicitação descrita anteriormente e conduzida com o foco na questão funcional e toda
a teia de relações na qual ela está inserida, ou seja, o pano de fundo vivido, do qual se
destacam as ações funcionais relatadas. Dessa forma, a partir de seus relatos sobre a
solicitação inicial, pude, como entrevistador, esclarecer pontos que surgiam em seus
discursos que se referiam a percepção de sua funcionalidade.
As entrevistas foram realizadas nas duas semanas seguintes ao término do
programa. Esses depoimentos foram registrados, com uma câmera de vídeo, para que
a fala e as expressões corporais fossem devidamente captadas. Esse equipamento foi
utilizado, em diversos momentos no programa de exercícios, para que os idosos já se
familiarizassem com a situação de serem filmados. Devese ressaltar que o
equipamento só foi colocado em operação após o consentimento dos participantes,
tanto na entrevista, quanto no programa de exercícios.
3.5 A fase da Análise
3.5.1 Força muscular
Os dados referentes à força muscular foram analisados individualmente. Dessa
forma, foram apontados em sua análise, através de um prisma qualitativo, se os níveis
de força se reduziram, se mantiveram ou aumentaram. Essa forma de análise foi
realizada para possibilitar a relação com os discursos de cada um dos participantes
sobre a percepção de sua funcionalidade. O intuito é compreender se essas
alterações de força são ou não significativas a partir do olhar daquele que a vivencia e
não do ponto de vista matemático.
Os resultados foram apresentados em gráficos após as análises das
entrevistas. Cada gráfico apresenta os resultados absolutos obtidos por cada
participante nas três medidas realizadas (início do programa, final da primeira e
segunda fase) bem como nos exercícios em que cada um pode realizar. O
procedimento para a análise dos discursos está descrito a seguir.
3.5.2 Entrevistas e caderno de campo
47
A primeira fase da análise das entrevistas foi o processo de transcrição literal,
sem sínteses ou correções, em que foram registradas todas as características da fala,
como recomendado por Gill (2002). Este é um ponto crucial para a análise do
discurso, pois possibilita que o pesquisador mergulhe no discurso, para a se
familiarizar com ele e identificar os pontos principais de análise (GILL, 2002).
Num segundo momento, as entrevistas foram lidas para que se pudesse
identificar a cada participante aquilo que se referia, nos relatos, sobre sua
funcionalidade e seu contexto de vida. Nesse momento, também foi possível traçar
uma breve descrição de cada participante, localizada no início de cada análise.
Assim, de acordo com o que pôde ser obtido nos discursos, destacamse dois grupos
de trechos narrativos. Esses foram denominados de “momento primeiro: a percepção
da funcionalidade” e “momento segundo: o contexto de vida”. O primeiro versou sobre
habilidades percebidas do cotidiano e, o segundo sobre trechos que trazem o contexto
de vida do narrador, que poderiam desvelar o significado da funcionalidade reportada
no primeiro momento. É importante destacar que não há uma relação de importância
entre esses dois grupos destacados, eles estão intimamente imbricados, e sua
distinção foi realizada apenas para facilitar a compreensão de suas relações.
Destacados os trechos necessários para a compreensão da capacidade
funcional percebida, foi apresentada a descrição literal de cada trecho com todas suas
linhas numeradas para facilitar, no processo de interpretação, a referência a pontos
específicos de cada trecho. Para a descrição de cada trecho, além da transcrição da
fala, foi descrito também momentos de comunicação não verbal, como a presença de
gestos e expressões que ajudariam a entender com mais clareza o trecho descrito.
Isso foi realizado a partir da análise da fita de vídeo da entrevista, que pode esclarecer
os trechos destacados. Dessa forma, todo o processo de análise foi realizado com a
leitura da transcrição do trecho destacado, seguido da análise do momento do vídeo
referente.
Cada trecho foi numerado e identificado, portanto, como “trecho 1”, “trecho 2”
etc. Além disso, foi destacado o assunto a que cada um deles se referia, no campo
“assunto”, pois nem todos foram discorridos mediante uma questão direta. Muitos
surgiram espontaneamente, fato que impossibilita a apresentação no esquema
perguntaresposta. O momento em que o trecho foi narrado foi destacado com uma
breve descrição, abaixo do “assunto”, para que se pudesse identificar que assunto
“puxou” o do trecho descrito.
A interpretação de cada trecho foi realizada, em seguida de sua descrição, a
partir de técnicas de análise de discurso. A análise do discurso, na visão de Gill (2002)
é uma prática social, não ocorrendo isento do contexto em que se insere, e as
48
pessoas utilizam o discurso de maneira intencional, impregnadas de sua cultura, para fazer coisas: para acusar, desculparse, apresentarse etc. Há um contexto
interpretativo, que não se refere apenas sobre quem, onde e para quem é dirigido o
discurso, mas também para captar as características mais sutis, como os tipos de
ações que estão sendo realizadas.
Gill (2002) destaca o seguinte exemplo, para explicar o contexto interpretativo:
a frase “Meu carro quebrou”, a principio referese apenas a uma descrição de um
artefato mecânico que apresenta alguma avaria. No entanto, o autor complementa que
isso depende do contexto em que foi dito: se dito para um amigo na saída de uma
reunião, isso pode significar um pedido de carona; se direcionado àquela pessoa que
lhe vendeu esse carro, pode ter sentido de uma acusação ou repreensão; ou ainda se
dito para um professor para cuja aula o narrador esteja atrasado, podese entendêlo
como uma desculpa ou explicação. Entendese, então, que, para a frase “meu carro
quebrou”, diversas ações podem estar implícitas nesse discurso, se considerarmos o
contexto interpretativo.
Nesse sentido, para identificar essas nuanças, cada frase analisada de cada
trecho foi constantemente relacionada ao assunto em que se inseria. A interpretação
de cada trecho e dos argumentos que o narrador utilizou para explicitar sua história foi
baseada sobre os recursos lingüísticos utilizados por cada participante, como
exemplificou Pinheiro (2004) sobre a prática da análise do discurso. Essa etapa foi
concretizada a partir da análise do emprego pelo locutor de preposições, advérbios,
substantivos, conjunções e pronomes, segundo princípios semânticos e gramaticais.
No entanto, esses recursos lingüísticos emergiram da necessidade de dar sentido a
um contexto e, o significado de cada advérbio, por exemplo, foi interpretado em
conjunto com aquilo que ele “quis dizer” naquele momento, de acordo com o contexto
interpretativo da narrativa em questão. Outro ponto importante, que foi considerado na
análise do discurso, foi a identificação dos personagens que aparecem e seus papéis
desempenhados, que irão dar consistência à história e aos argumentos apresentados
para a explicitação de cada trecho (PINHEIRO, 2004).
Com relação às notas registradas no caderno de campo, foram utilizados os
mesmos procedimentos utilizados na análise das entrevistas. No entanto, tendo em
vista que o registro foi apenas escrito, não foi possível um aprofundamento
interpretativo baseado na comunicação nãoverbal. Os trechos destacados do caderno
de campo foram inseridos entre os trechos da entrevista, com vistas a complementar
um assunto que lhe fosse correlato.
49
4. RESULTADOS
Nessa sessão, estão descritos e analisados os dados referentes a entrevistas e
anotações provenientes do caderno de campo. Os sujeitos são referenciados aqui por
letras (A ao H). Todos os sujeitos que completaram as sessões de exercícios
participaram das entrevistas. Os registros do caderno de campo estão inseridos entre
os trechos das entrevistas, dada a proximidade do assunto anotado no diário e o que
já foi narrado em certo momento da entrevista. Ao final das análises dos trechos
encontrase uma síntese dos trechos narrados que servirão de solo para a discussão
desses dados.
Sobre os resultados dos testes de força obtidos, esses foram apresentados
também, de forma individual, para que fosse possível discutilos com base nas
percepções narradas. Esses resultados estão apresentados em forma de gráficos, ao
final da análise da entrevista de cada participante. Esses gráficos possuem três
valores: 1níveis de força no início do programa; 2níveis de força ao término da
primeira fase; e 3níveis de força ao final da segunda e última fase. Nem todos os
participantes puderam realizar todos os exercícios, e a justificativa dessas
impossibilidades encontramse na síntese desses casos.
SUJEITO A
Essa participante é do sexo feminino, com idade de 62 anos. É mãe de três filhos,
avó de dois netos. Está divorciada e mora sozinha. Pratica caminhadas três vezes por
semana, durante uma hora, ajuda na loja do exmarido e confecciona pães caseiros. É
integrante do Projeto Sênior desde 2003, e participa ativamente do Projeto de
Transição.
MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE
Trecho 1
Assunto: As atividades do cotidiano
(Trecho relatado após a descrição do processo de mudança do filho)
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Ah, eu acho que sim... Até é por isso aí também... A musculação também...
Porque, já pensou? Fazer a mudança de uma casa caber num cômodo menor
que isso aqui?...[neste ponto a entrevistada faz uma pausa, sorri e flexiona e estende a coluna cervical no plano sagital e continua a relatar] Nós tivemos que em 45 dias, construir, na minha casa, pra botar o resto das coisas deles... Ele
vendeu casa, apartamento, casa, carro, um monte de móveis... Agora o resto tá
tudo lá na minha casa... Então eu tenho que ficar... Traz pra cá, leva pra lá...
Acomoda aqui... Acomoda ali... Fez bastante ajuda...
Ao ser questionado sobre como estava se sentindo com relação a suas atividades
do cotidiano, a entrevistada inicia com a interjeição “Ah”, que nesse contexto indica
alegria, satisfação; e segue concluindo (linha 1) que a musculação a ajuda a realizar
suas atividades do cotidiano. No entanto, a palavra “também” denota que não é só a
atividade com pesos que tem esse papel. Na linha 2, ela prossegue e inicia com uma
questão: “porque já pensou?”, para que o entrevistador reflita sobre o grande feito que
ela realizaria por ocasião da mudança do filho e inicia a descrição de tal realização com
a frase “fazer a mudança de uma casa caber num cômodo menor que isso aqui”.
Nesse ponto, ela prepara o entrevistador para aquilo que ela considera como um
trabalho glorioso, pois o cômodo sobre o qual ela se refere é sala de aula que
conversávamos, onde logicamente pressupôs que seria um absurdo acomodar toda
uma casa, ali, com a frase “caber num cômodo menor que isso aqui”. O advérbio
“menor” é enfatizado, pelo seu tom de voz, para demonstrar e enfatizar o quão difícil foi
a tarefa que relatara. Logo após esse momento, ela demonstra, com um sorriso de
satisfação e um “balançar” de cabeça, sua plena convicção de que isso é uma tarefa
difícil.
A locutora segue com a frase, “em 45 dias”, para enfatizar pela questão temporal de
que foi uma tarefa de grande esforço ajudar na mudança do filho, pois tiveram que
realizála em um montante de tempo que ele considera pouco, ao enfatizar, pelo tom de
voz, a frase destacada. Ainda assim, na linha 6, ressalta a grandiosidade da mudança,
principalmente, pelo uso da palavra “monte” para designar uma quantidade grande de
móveis negociados no mudança. No entanto, complementa que o “resto” está tudo na
casa dela, o que não é pouco, pois foi um serviço árduo, já que tiveram que acomodar
uma casa em um só cômodo.
Na linha 7, a frase, “então eu tenho que ficar”, no início, com o advérbio “então”,
denota uma conclusão de todo o fato, de que ela é a responsável pela acomodação e,
por conseguinte, pelo processo de mudança do filho, nora e netos. Finaliza o trecho
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ressaltando o papel da musculação com a afirmação “fez bastante ajuda”, em que o
advérbio “bastante” serve, nesse momento, para enfatizar o papel da musculação no
evento relatado.
Trecho 2
Assunto: Como pôde perceber alterações um sua funcionalidade
(Trecho relatado logo após o trecho anterior)
A locutora inicia o trecho com o verbo “sabe”, que é colocado de forma a preparar
e chamar a atenção do entrevistador para um relato importante que viria logo após,
pelo qual ela expressa que “tudo” que necessitava realizar dependia do auxílio da
filhas. O pronome indefinido “tudo” demonstra a necessidade de ênfase na sua total
dependência para a realização de suas atividades rotineiras. No entanto, essa
situação não era aquela do momento presente, pois a colocação dos verbos “ia”,
“esperava”, denota, claramente, que essa é uma rotina ultrapassada, porque, após o
período em que participou do programa de treinamento resistido, essa situação de
dependência não mais ocorria.
Isto fica claro no momento em que ela inicia uma frase, na linha dois, com o
advérbio “depois”, que leva a crer que, anteriormente à musculação sua dependência
era importante, mas agora isso não mais ocorria. A locutora segue com a repetição da
frase “você tem”, por duas vezes, e sua pequena pausa e expressão facial denotam a
dificuldade de traduzir, em palavras, sua percepção de independência com relação às
atividades de seu cotidiano atual: a mudança do filho. Mas continua, veementemente,
após um breve momento de pausa, com ênfase no termo “capacidade” (tom de voz),
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Sabe... Tudo que eu ia fazer eu esperava as meninas chegar em casa pra me
ajudar...E, depois da musculação, meu filho, você tem, você tem...[nesse ponto a locutora expressa com o rosto uma dificuldade de traduzir sua percepção, faz uma breve pausa e continua] a capacidade de pegar, assim, umas três cadeiras..de uma vez e botar no lugar... [nesse ponto a locutora sorri novamente e, com as mãos simula os gestos de posicionar as cadeiras sobre as quais fala] Tem gente que fala: “eu não sinto”... Não sei quem falou pra mim: “ah, eu já fiz
musculação e não sinto diferença”... Então você não fez... Você fez, mas você
não fez a coisa certa... As outras falam assim: “eu faço ginástica mais eu não me
sinto assim que nem você, você parece que tem 50 anos ou menos”... Ai, eu
falei, então você não faz uma ginástica direito...
52
pelo qual demonstra que, antes da musculação, seria incapaz de realizar as ações
posteriormente relatadas.
Tais ações referiamse à capacidade de pegar três cadeiras de uma só vez e
colocálas no lugar. A ênfase na expressão “de uma só vez” ajuda a destacar a
diferença apontada no momento presente, com relação ao período anterior de sua
vida, quando necessitava da ajuda de suas filhas para a realização de suas ações
rotineiras. Além disso, o sorriso expresso mostra a satisfação dessa descoberta sobre
sua capacidade funcional, com o adendo de gesticulações com os braços para
representar e enfatizar sua capacidade de mover várias cadeiras em uma só ação.
Na linha sete, ela exemplifica sua diferença ao comparála com outras pessoas e
com a expressão “tem gente que”, demonstrando que não se inclui nesse grupo de
pessoas que não percebem o efeito da musculação. Pois, para o locutor, a
musculação faz diferença no diaadia, a não ser que não seja feito de forma que ela
considera correta, como faziam as outras pessoas que ela utilizou como exemplo
(linha 710). Além disso, ao utilizar a frase “Você fez, mas você não fez a coisa certa”
a locutora procura chamar a atenção para o fato de que não é qualquer musculação
que propicia sensações de melhora no cotidiano.
Ademais, a entrevistada traz outro discurso de pessoas que dizem que fazem
ginástica, mas não se sentem como ela, mais jovem, que aparenta menos idade que
realmente tem. A locutora conclui que isso não acontece com elas (as pessoas que
não fazem exercício corretamente), pois não realizam os exercícios de maneira
adequada para provocar os resultados de melhora. Outro ponto importante é que o
destaque desse exemplo, pela entrevistada, denota sua preocupação em não parecer
velha, já que escolheu um discurso que enfatiza justamente essa sua posição pessoal.
Trecho 3
Assunto: A diminuição da freqüência semanal
(Trecho descrito após ser indagada sobre o assunto)
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Ah... Mudou porque a gente tava esperando as duas vezes... E aí, no outro dia,
tinha que fazer, nós em casa, mas em casa sozinho... Sozinho é pior [...] Aí eu já
tinha minhas expectativas... Segunda e quinta, eu tinha meus compromissos...
Saio, faço minha ginástica, faço minhas coisas... Agora, só segunda... Aí
diminuiu a ginástica... Eu faço caminhada... Ai em casa, a gente faz alguma
coisa, mas já ajuda bastante...
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Trecho 4
Assunto: A influência da diminuição da freqüência semanal no cotidiano
(Trecho descrito após ser indagada sobre o assunto)
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Não, porque eu procuro fazer, né. Não faz a mesma coisa, tudo, mas a gente
procura fazer sempre... [...] coisa quebrou aquele vaso, lógico que você vai
procurar outro pra botar no lugar, ali [...] Ah, não deixo de fazer.
Nos relatos dos trechos três e quatro, a locutora inicia o trecho com a
interjeição “ah” que, nesse contexto, aparece como um recurso para chamar a atenção
para um assunto importante que ela necessitava relatar. O assunto ao qual se referia
relacionavase a certo tipo de desapontamento que surgiu no grupo (pelo uso da
expressão “a gente”) com a diminuição da freqüência semanal. É importante destacar
que a locutora utiliza a expressão, “a gente”, para fortalecer seu sentimento de
decepção, pois não fora somente ela que se sentia assim, mas indica que o grupo com
o qual compartilhava as sessões de exercícios reagira do mesmo modo à diminuição
das sessões semanais de exercícios. A entrevistada prossegue e ressalta, também em
nome do grupo, utilizando o pronome “nós”, que, com a diminuição da freqüência
semanal, eles tinham que procurar continuar a fazer os exercícios em casa. Essa
situação não era a mais ideal, porque tinham que realizar as sessões sozinhos, uma
situação que considerava pior, com relação à prática em grupo. O problema parece
não ser o local, “em casa”, mas sim de realizar os exercícios sem companhia.
A entrevistada segue ressaltando que, nos dois dias da semana, ela já tinha
expectativas de realizar os exercícios e utiliza para isso o verbo no passado “tinha”,
para denotar que não mais possuía tais expectativas, pois essa não era mais a
situação atual. Deixa bem claro que assumia os dias de treino na musculação por
“compromissos”, um termo que denota que é uma tarefa importante que não podia
faltar (vale ressaltar que em outro momento da narrativa, a entrevistada orgulhavase
de ser a única que compareceu a todas as sessões de treinamento). Outro ponto
importante é que ela enfatiza o pronome possessivo: “meus” compromissos, “minha”
ginástica, “minhas” coisas (linhas três e quatro), que denota uma preocupação consigo
que materializavase na realização das atividades citadas, era uma momento só dela,
que ela não ocupava com suas tarefas rotineiras, do cuidar.
“Agora só segunda”, aqui ela chama a atenção para o momento presente, que
difere substancialmente do passado, quando viria praticar os exercícios com pesos
54
nas segundas e quintas feiras, e enfatiza que seria pouco, com o advérbio “só”, que
significa, “somente”, “apenas”. Explica, então, que diminuiu a ginástica e, por isso, a
substitui pela caminhada, para fazer “alguma coisa”, que ocupasse o período vago nas
quintas feiras. Ainda realça que não é somente ela que tenta realizar exercícios em
casa, pois utiliza a expressão “a gente”, denotando que mais pessoas do grupo teriam
tomado tal conduta, ou que, todos aqueles que têm um tempo livre e precisam fazer
algum tipo de exercício o preenchem com atividades em casa, sempre realizam uma
substituição. Ao finalizar, ela adverte com a frase: “mas já ajuda bastante”. A
conjunção adversativa “mas” referese a “alguma coisa”, algum tipo de exercício que é
realizado em casa, que ajuda, embora não seja igual aos exercícios realizados no
programa de treinamento resistido oferecido, seria uma alternativa que não substitui
completamente a atividade que era realizada na quinta feira. No entanto, esta
atividade “ajuda bastante”, no sentido de ser melhor que não realizar nenhum tipo de
exercício.
No trecho quatro, ao ser questionada sobre alguma possível alteração no seu
cotidiano com a diminuição da freqüência semanal, ela inicia com uma resposta
negativa, indicando que não altera pois ela costuma substituir. Finaliza a primeira
frase, com o termo “né”, que pode ser compreendido como “não é”, ou ainda, “como
lhe disse anteriormente”, pois já havia relatado ao entrevistador que faz outras
atividades que substituem aquela que foi subtraída e o adverte com o primeiro termo
destacado. Volta a ressaltar que não tem o mesmo efeito, e que a caminhada
(substituta) não realiza “tudo” o que atividade com pesos (substituída) pode
proporcionar.
Além disso, volta a utilizar o termo “a gente”, (final da linha um), para designar
que não é ele que procura substituir, mas, sim, um grupo de pessoas que se
assemelham a ele e, portanto, valorizam a prática da atividade física. Ademais, o
emprego do termo “a gente” fortalece sua afirmação, pois não é somente ele que
procede com a substituição da atividade, mas, sim, outras pessoas, que é uma atitude
coletiva. Na linha dois e três, recorre a uma metáfora para fazer alusão de ser uma
conduta lógica (utilizou o termo “lógico”), no sentido de que é claro que você tem que
substituir algo que lhe é importante, que estabelece uma função, assim como o vaso
funciona sempre que pode armazenar o que lhe é designado. Conclui o trecho, com
veemência, dizendo que não deixa de fazer as atividades físicas.
MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA
Trecho 5
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Assunto: Sobre a disponibilidade de praticar atividade física
(Trecho relatado após descrever suas dificuldades com a osteoporose)
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Não, porque eu trabalhava de dia... O dia inteiro... Eu trabalhava numa loja e
ficava o dia todo trabalhando. E tinha os filhos pra cuidar... E eu tive três filhos,
amamentei nove... Então, além dos meus filhos eu amamentava os dos outros...
Então, eu não tinha como sair de casa... E tinha meu sogro, que faleceu com 93
anos... Eu tinha que cuidar dele, dar banho...
No trecho cinco, ela inicia a justificativa de que nunca pôde praticar atividade
física porque não tinha tempo disponível. Enfatiza a questão temporal como fator
limitante, principalmente, nas frases das linhas um e dois: “o dia inteiro” e “ficava o dia
todo trabalhando”. A partir daí, ela diz que não era apenas o trabalho na loja que
ocupava o seu tempo, pois, além disso, ela tinha que cuidar dos filhos. A locutora
enfatiza que além de cuidar dos filhos, ela cuidava dos filhos dos outros e utiliza a
comparação quantitativa do número de filhos que pariu e amamentou, três, para fazer
alusão que teve o triplo de trabalho, pois amamentou nove (linhas dois e três).
Nesse ponto, é interessante destacar que esse exemplo usado pela locutora é
marcante, pois é de conhecimento geral o dispêndio enorme de tempo utilizado no
processo de amamentação, porque, além de seus filhos, ela amamentou outros seis.
Além disso, finaliza essa primeira passagem que reflete seu papel de cuidadora, com
o relato que teve que cuidar do sogro (linha quatro e cinco), e que teve que prover
assistência a uma pessoa totalmente dependente, já que tinha que dar banho nele.
Trecho 6
Assunto: Sobre suas relações com o exmarido
(Trecho descrito após narrar sobre sua separação do marido, que posteriormente lhe
causou um infarto)
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Agora... Ficou doente [o marido], e as meninas [as filhas] trouxeram ele pra
dentro da minha casa, pra eu cuidar dele enquanto ele tava... Porque ele teve o
acidente, depois do acidente que ele teve a primeira cirurgia... Teve a segunda...
Ai eu falei... Essa não... Ia dar o remédio pra ele, “não vou tomar essa porcaria”.
[...] Se eu não for buscar pra ele, ele não toma, ele não vai pra farmácia, nem
buscar a insulina dele... Era pra tomar duas vezes por dia, ele falou que não
toma, toma uma só... Por causa da bebida né, se parasse de beber... Podia até
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08 tomar uma vez, ou até ter parado com insulina...
No trecho seis, relata outra situação que exigiu seus cuidados, mas que não lhe
dava a satisfação que lhe propiciava aquela do recorte anterior. Relata em tom de
obrigação, como se tivesse que atender uma solicitação das filhas em cuidar do ex
marido, sem opção de recusar. Deixa claro seu sentimento de insatisfação ao
exemplificar o comportamento que considerava impertinente de seu exmarido, através
da reprodução de sua fala, ao oferecerlhe um remédio (linha 4): “não vou tomar essa
porcaria”.
Além disso, enfatiza o comportamento que considerava inadequado do marido,
com a descrição de sua aversão à medicação que lhe era recomendada, já que era
portador de diabetes. Ainda mais, finaliza o trecho ao reforçar o que falara em outros
momentos da narrativa, em tom de repreensão: de que todo esse comportamento
tinha como causa primeira (utiliza a expressão “por causa”) o uso excessivo de
bebidas alcoólicas e relaciona essa conclusão com o problema do diabetes nas linhas
sete e oito, usando a conjunção condicional “se”, indicando a condição necessária
para que pudesse diminuir as doses de insulina.
Trecho 7
Assunto: Sobre suas atividades no cotidiano e de cuidar
(Trecho relatado após descrever suas diversas atribuições do cotidiano)
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Minha casa é pequena, dois quartos, sala e cozinha...e banheiro, quintal é
grande...a frente também... Você foi em casa...você viu, eu já tinha aquelas
coisas, um monte de planta...eu cuido trinta e tantos vasos de planta.. eu cuido
do quintal.. Eu tenho um cachorrinho, tenho que lavar quintal... Tenho que fazer
isso... Tenho que fazer aquilo, ainda a N., aquela N. S. M. Você vê que ela
depende de tudo, ela é quase cega... Eu é que vou com ela na feira, vou com ela
no mercado, vou com ela no médico... Vou fazer compra, vou pra todo o lugar
com ela, que eu não gosto de deixála sozinha... É perigoso... [...] Eu que faço os
pagamentos, eu que preencho o cheque, eu que faço tudo pra ela... Ela fala que
se eu sair de lá, o dia em que eu não to lá, ela fica perdida... [faz uma pausa e sorri]
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Nesse trecho a locutora descreve sua moradia e logo clarifica para o entrevistador
que, pelo número de dependências internas de sua casa, “dois quartos, sala e
cozinha...e banheiro”, a casa é pequena (linha 1). No entanto, a entrevistada adverte
que não é por isso que ela não tem trabalho doméstico, pois as áreas externas, o
quintal, a frente da casa são grandes (linha 2). Nesse momento, remetese a
expressão “você foi em casa”, para fazer com que o entrevistador, lembrese que pode
testemunhar o que ela relatara (linha 2). Além disso, enfatiza o trabalho doméstico,
relatando que possui dezenas de vasos de plantas e ressalva a quantidade pela
expressão “trinta e tantos” e lembra, ainda, que tem um cachorro que faz com que ela
tenha que lavar o quintal. Sobre essas atividades domésticas finaliza, com as
expressões “Tenho que fazer isso... Tenho que fazer aquilo”, pelas quais faz alusão
que tudo em sua casa depende de seu trabalho.
A partir da linha cinco, a locutora ressalva outra tarefa importante que referese a
cuidar de uma vizinha praticamente cega. Na seqüência de frases que ele discorre
para exemplificar seu papel assistencial para a vizinha, ela relata utilizando de uma
sucessão de frases que inicia com o verbo “vou” de sujeito oculto “eu” e repete esse
recurso seis vezes no intuito de deixar claro que ele acompanha a vizinha a todos os
locais necessários à manutenção de sua vida. Logo após, ela recorre ao mesmo
recurso, mas inclui o sujeito “eu” e finaliza na terceira frase com ênfase (pelo tom de
voz), no pronome indefinido “tudo”, para deixar claro que a vizinha é totalmente
dependente de seus cuidados. Além disso, nessas últimas frases enfatiza que cuida
do dinheiro da vizinha, fato que para ela aumenta sua responsabilidade de cuidador.
Ainda mais, recorre a um relato da própria vizinha que diz que ficaria “perdida” sem ela
e ]conclui o trecho com um sorriso de satisfação, de dever cumprido.
Trecho 8
Assunto: sobre seu papel na mudança do filho para o exterior
(Trecho relatado após concluir a descrição da separação do marido)
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Ah, ele passou no vestibular de lá e foi fazer a quinta faculdade... Brincadeira!
[...] A mudança deles atrapalhou muito. Porque eu tinha pedreiro em casa...
Transferência das coisas, que era eu que ajudava ela a fazer, porque com a K.
[nora] trabalhando, eu tinha que ficar com as crianças... Ela correu para colocar
a papelada tudo em dia, porque ele e ela não eram casados... Tiveram que
casar correndo... Ela teve que ir lá pro sul pra resolver os problemas da
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07 papelada dela, e eu tive que ficar com as crianças... E então foi uma correria...
Nesse trecho, a locutora descreve seu papel no processo de mudança de
residência do filho do Brasil para o exterior. Ela inicia com a interjeição “ah” que, nesse
contexto, demonstra sua alegria e orgulho com relação ao filho ter passado no
vestibular de uma universidade do exterior e, além disso, que esse curso já era o
quinto de nível universitário que o filho ingressava. Então, finaliza com a expressão
“Brincadeira”, no sentido de que: parece brincadeira, mas não é, ele vai cursar a quinta
faculdade no exterior, mesmo!
A entrevistada prossegue e realça que esse processo de mudança do filho a
atrapalhou muito no seu diaadia. Um dos motivos que ressalva como ponto
importante é que ela estava com a casa em reformas: “porque eu tinha pedreiro em casa”. Todavia ela use o advérbio “porque”, que denota, em principio, essa ser a principal causa, do transtorno relatado, mas as linhas seguintes do relato deixam claro
que os motivos do transtorno vão muito além disso.
Nesse sentido, nas linhas seguintes ela realça que teve que auxiliar a nora no
processo de transferência. No que se refere aos tramites burocráticos para a mudança
de país, pois a esposa de seu filho estava trabalhando e não tinha muito tempo
disponível para isso. Assim, ela destaca que era ela que tinha que ajudar no processo
de transferência.
Ademais, a locutora enfatiza, nas linhas quatro, cinco e seis, que, além da
documentação para a viagem, seu filho e nora tiveram que se casar legalmente, fato
que complicou ainda mais a mudança de moradia. Além disso, o processo se
intensificou mais porque a nora teve que viajar para o sul do país para poder dar
andamento a documentação necessária à mudança. Dessa forma, ela ressalva que
teve que cuidar das crianças e repete a frase “eu tive que ficar com as crianças”, duas
vezes, para enfatizar sua responsabilidade no processo de mudança do filho, pois as
atribuições burocráticas a esse tipo de processo tomaram muito tempo do casal e ele
era a única possibilidade de ajuda.
Síntese da entrevista do Sujeito A
Essa participante percebeu alterações em sua funcionalidade, principalmente
nas ações que desempenhou na mudança de seu filho, relatando que pôde carregar
móveis sem a necessidade do auxilio de suas filhas (trecho um e dois). Sobre a
alteração na freqüência semanal, ela relata no primeiro momento que foi ruim, pois
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50
1 2 3
supino
leg press
cost as
ombro
glut eos
tinha expectativa de duas vezes semanais, mas que, depois, disse que substituíu o dia
livre por caminhadas (trecho três). Ainda destaca no trecho quatro que não deixa de
fazer atividade, sempre substitui.
No contexto de vida relatado, notase o papel constante de cuidadora que
essa participante exerceu durante toda sua vida. Relatou que além de cuidar de seus
filhos, amamentou outros seis (trecho cinco). No entanto, esse papel nem sempre lhe
é prazeroso, fato que deixa claro ao reprovar sua “obrigação” nos cuidados com o ex
marido (trecho seis). Destaca ainda que, além de suas atribuições domésticas, que
não são poucas, oferece assistência a uma vizinha quase cega (trecho sete). No
último trecho (oito), descreve seu papel na mudança de seu filho para o exterior, fato
que parece ter significado importante em sua vida e, também, em sua funcionalidade.
O desempenho da força muscular
Com relação ao seu desempenho no programa proposto, podese notar que ela
experimentou, na primeira fase, aumento de seus níveis de força em todos os
exercícios propostos, exceto no supino. No segundo período do programa, podese
observar uma elevação no exercício de leg press, costas e supino. Já nos demais notase, a manutenção dos níveis obtidos na medida dois.
Figura 1 Desempenho da força muscular do Sujeito A nos exercícios propostos
1início do programa; 2final do período de duas vezes semanais;
3final do período de manutenção
SUJEITO B
Essa participante é do sexo feminino, com 65 anos de idade. É casada, mora
com o marido e com a mãe. É mãe de dois filhos. Pratica caminhadas quatro vezes
por semana e freqüenta aulas de “ginástica localizada” em dois dias semanais.
Freqüenta também aulas de pintura. Exerce todas as atribuições domésticas além de
kg
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cuidar de seu marido e mãe, acometidos por enfermidades crônicas. Participou do
Projeto Sênior de 2002 e freqüenta ativamente o Projeto de Transição.
MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE
Trecho 1:
Assunto: o cotidiano de vida após o ingresso no Projeto Sênior
(Trecho narrado após a descrição de um evento no qual sofrera uma queda e sobre a
necessidade percebida em engajarse em programas de atividades físicas)
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O diaadia foi melhorando... Quando a gente vai fazendo exercício, o negócio
vai melhorando... A gente vai ficando mais... Um pouco mais leve... Um pouco
mais... [pausa para reflexão] como fala?... Mais rápida... [nesse momento a locutora faz uma pausa pra tentar lembrar o que melhora, eleva e deprime os ombros] Pra esticar o braço lá no armário, “né”, pegar alguma coisa, como dizia a M., “né”, [exibe um sorriso de satisfação], eu tinha tendinite não podia movimentar o braço, esse aqui... [aponta o braço direito e demonstra o movimento que não conseguia realizar], depois que eu comecei a fazer exercício parou... Eu cheguei a fazer fisioterapia... Depois não fiz mais nada...
A locutora inicia o trecho utilizando a expressão “foi melhorando”. O verbo no
gerúndio parece indicar que foi um processo gradual, de pouco em pouco. Ainda na
linha um, ela diz que a prática de exercícios proporciona melhoras, e utilizase do
termo “a gente” que parece indicar que isso é um senso comum, que melhora para
todo mundo mesmo, e que com ela não teria sido diferente. O uso do termo “negócio”,
como sujeito da frase, aquilo que “vai melhorando”, denota certa imprecisão em definir
o que de fato tenha melhorado.
Nas linhas dois e três, a locutora inicia um pool de exemplos na tentativa de
clarificar as melhoras funcionais das quais fala. Podese observar, nesses exemplos
(linhas dois a quatro), que ela realiza diversas pausas na fala e não tem certeza de
como descrever suas idéias, indagando o entrevistador com a frase “como fala?”,
solicitando, assim, sua ajuda. Após a conclusão de que teria ficado mais veloz (“mais
rápida”, linha três), ainda faz uma outra pausa, expressase com a face em sinal de
dúvida e utiliza o movimento de elevação e depressão dos ombros, sucessivamente,
para demonstrar que não sabe ao certo que de fato tenha melhorado.
Na seqüência, conclui que estender o braço para alcançar algo no armário,
pode ser um indicativo de melhora. No entanto, ainda não parece ter certeza dessa
colocação, pois adverte o entrevistado, como se pedisse sua confirmação, com a
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expressão “né”, que significa “não é”, “não é isso mesmo”, “não está certo”. Além
disso, cita que a professora do programa (M.) dizia isso, então deve estar certo;
conseguir alcançar o armário é uma melhora decorrente da prática de atividade física,
e adverte o entrevistador novamente, pedindo sua confirmação com a expressão “né”.
Em seguida, relata que apresentava tendinite no braço direito e o movimenta,
exemplificando que pode movimentálo, e conclui que isso foi decorrente de ter
ingressado no programa de educação física do Projeto Sênior. Ainda destaca que fez
até fisioterapia, para demonstrar que o problema era grave, e que com a prática de
exercícios isso melhorou. Finaliza ressaltando que, após a prática exercícios, não
precisou fazer mais nada para o braço, que o exercício é suficiente para suprimir a
tendinite.
Trecho 2
Assunto: Sobre as possíveis diferenças no cotidiano após o período de treinamento
resistido.
(Esse trecho foi dito após ser solicitada a contar como foi sua experiência no período
de exercícios resistidos)
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Ah, no começo eu sentia, tava meio cansada... Chegava em casa cansada...
Com dor no braço, com as coisas... Porque tinha que ir lá de tarde ai já puxava
mais, de manhã aqui, de tarde lá... Aí já ficava... Ficava bem cansada, “né”, mas
vai passar... É, e foi assim, no dia que eu não ia pra lá... [...] Então, aí foi
melhorando... Já não me sentia tão cansada, “né”... Fui fazendo e não me sentia
tão cansada... Meu dia a dia melhorou muito... Só me estressou agora no final...
Com o problema lá em casa [...] a gente tem que... Eu acho que melhora “né”,
por que você tem um pouco mais de força, não se cansa à toa... Faz as coisas
mais adequadas, sei lá [...] Nas pernas, a gente sente mais força... “né”, no
braço também, “né”... Fui sentindo diferença... No braço, nas pernas... [...] braço
e perna? Com as pernas a gente anda, “né”... E com os braços carrega sacola...
Sacola... Vassoura...
Ao ser questionada sobre as diferenças no cotidiano que a musculação poderia
ter ou não ocasionado, a entrevistada inicia o trecho com a interjeição “ah”, com o
sentido de que isso era um tema importante, que deveria ser relatado. Prossegue e diz
que, no início do programa, sentiase um pouco cansada e enfatiza isso ao dizer que
voltava pra casa cansada e, além de cansado, com dores nos braços. Nesse ponto,
entendese que a mudança que o programa ocasionou em sua vida foi o adendo de
uma tarefa que a levasse a um cansaço não presente anteriormente.
62
Nas linhas dois a quatro, ela explica o motivo de seu cansaço e conclui que era
o excesso de atividade, pois participava do programa de exercícios resistidos pela
manhã e, no período vespertino, realizava sessões de ginástica em grupo. Referese a
essa atividade com o advérbio “lá”, pois anteriormente, em sua narrativa, havia
comentado sobre. E realça, novamente, (linha três), que ficava muito cansada, com a
utilização do advérbio “bem”. No entanto, ela frisa que isto deve ser circunstancial,
com a frase “mas vai passar”. Volta a enfatizar que o problema de seu cansaço era o
acúmulo das sessões de exercícios, finalizando com uma frase que parece concluir no
sentido de que, quando não ia para a sessão de ginástica, o cansaço não era tão
evidente, “no dia que eu não ia pra lá...”(linha quatro).
A locutora conclui, na linha quatro, que o cansaço foi diminuindo, com a
expressão “aí, foi melhorando”, mas que ainda se sentia cansada, mas não tanto, com
o emprego do advérbio ”tão” precedendo o adjetivo cansada, e utilizase do recurso da
repetição da expressão “tão cansada” (linhas cinco e seis) para enfatizar esse estado
que diferia do primeiro momento relatado. Conclui, então, que seu cotidiano melhorou
muito, já que o programa já não a deixava tão fadigada.
Ainda realça que piorou no final do período do programa, referindose a um
problema familiar que a fizera sair de sua rotina, como havia já comentado em sua
narrativa e a cansara novamente. Retoma o relato sobre as influências de programas
da exercícios no cotidiano e não se refere às suas melhoras específicas. Utilizase do
termo “a gente” para denotar que isso deve acontecer mesmo com quem faz este tipo
de atividade; ela acredita que melhora e isso se traduz pela frase “eu acho que
melhora “né”, associando uma possível melhora da força à diminuição do cansaço,
mas não tem certeza de tais proposições, pois finaliza, na linha nove, com o termo “sei
lá”, que significa “não sei”, “não tenho certeza”, “acho que deve ser assim”. Ainda
mais, utilizase do recurso “né”, como que se solicitasse ao entrevistador uma
confirmação, no sentido de “não é?”, “isso não é assim mesmo?”.
Na linha nove, ela continua a exemplificar o que seriam as melhoras
decorrentes de um programa de exercícios de força com a frase “nas pernas a gente
sente mais força “né”. Essa frase coloca como sujeito o termo ”a gente”, no sentido de
que todos aqueles que fazem esse tipo de atividade melhoram a força nas pernas,
assim como nos braços (linha nove). Ao final dessas colocações, utilizase do termo
“né”, já explicado, solicitando a aprovação do entrevistador. Conclui, então, na linha
dez, que foi sentido diferença, sim, nos membros citados, já que tinha participado de
um programa de força.
Na seqüência, ao ser indagada sobre como teriam sido essas melhoras nos
membros ressaltados, responde que, nas pernas, o andar melhorou, pois essa é a sua
função e, nos braços, o carregar de sacolas melhorou, pois esse é um atributo
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importante para o membro citado. Devese destacar que se utiliza novamente do
termo “a gente”, que denota que todo mundo, e não só ela, melhora o andar e o
carregar se incrementar a força dos membros citados.
Trecho 3
Assunto: Sobre a diminuição da freqüência semanal
(Trecho relatado após descrever o período em que seu marido estava no hospital,
mesmo momento em que houve a diminuição da freqüência semanal)
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Não, no começo foi mais puxado porque a gente não tava acostumado com a
musculação... Aí duas vezes... A gente tava acostumando... Aí quando passou
pra uma. [...] ficou tranqüilo [...] Olha duas vezes tava bom né... Mas, pra mim,
era meio puxado por causa da casa, né, sair muito... Se eu não tivesse as
crianças, você sai tranqüila... Você vai sair sempre com aquela preocupação, de
dar café... Minha mãe é diabética... Tem horário certo, não pode passar do
horário... [...] Funcionou bem...
Ao relatar sobre o período de diminuição da freqüência semanal, a locutora
revela que não sentiu alteração na prática dos exercícios resistidos e ressalva que, no
início, foi mais difícil, pois não estava acostumada. Nesse ponto, ela usa o termo “a
gente” para explicitar que não somente ela percebia que não estava adaptada a essa
modalidade de exercício, mas, sim, todo o grupo que participava das sessões de
treinamento. Prossegue e diz que todos estavam (“a gente”) se acostumando com a
freqüência semanal inicial (dois dias) e, quando isso ocorreu, iniciouse o período com
uma vez semanal que, pare ela, ficou mais tranqüilo.
Explica que diminuir a freqüência semanal, para ela foi bom, melhor que duas
vezes, isso fica claro pela frase “mas, para mim, era meio puxado”, que contrapõe a
frase anterior (“olha duas vezes tava bom, né”) e, ainda, porque finaliza o trecho com a
frase “funcionou bem”, teve efeito. A primeira fase, para ela foi satisfatória, mas um
pouco exaustiva (‘”meio puxado”), por razão do serviço caseiro. Complementa que
essa foi a principal razão, pois utiliza a conjunção “se”, que estabelece a condição de
que se não precisasse cuidar de sua mãe e do marido (referese a essas pessoas com
o termo “crianças” para exemplificar o tipo de trabalho que eles representam), poderia
sair de casa sem preocupação. Ainda chama a atenção para sua mãe que, além de ter
94 anos, possui diabetes, fato que acentua seu cuidado e dificulta suas saídas para
participar do programa. E finaliza com o termo “funcionou bem”, já explicitado, e que
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indica que, para ela, a redução da freqüência semanal a ajudou no equacionamento
de seus compromissos familiares.
MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA
Trecho 4:
Assunto: Sua situação de vida antes de ingressar no Projeto Sênior
(Trecho proferido pela solicitação de contar sua experiência no ingresso do Projeto
Sênior)
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Quando eu fui convidada,, aqui no Sênior para participar, eu tava meio
“paradona”... Eu tinha levado um tombo, “né”. Fui pegar um ônibus na Paes de
Barros, corri e caí... Então, eu falei: bom, eu já tô na idade de “manerar”, ir
devagar [enfatiza com a elevação do tom de voz] por causa da idade [enfatiza novamente com o tom de voz], então, devagar, “né”... Não tinha nenhuma atividade, tinha que ir devagar, “né”... Aí, quando eu fui convidada para participar
já tinha medo de pegar ônibus sozinha, fiquei meia traumatizada, “né”... Aí o
Matheus chamou, eu vim... Participamos... E eu fui voltando a ser o que eu era,
“né”... Aí, eu comecei o curso... E ai eu comecei a voltar outra vez... Me libertar
outra vez...sair sozinha... Pegar ônibus... Voltei... Mais agitada do que eu já era...
Trecho 5:
A locutora inicia o trecho três ressaltando que, no momento que ingressou no
Projeto Sênior, não praticava nenhum tipo de atividade física, estava “paradona”,
parada, sem movimentarse. Explica que estava nessa situação por motivo de uma
queda (“tombo”), ocasionada por uma corrida que objetivava o ingresso em um ônibus.
Inicia a sua conclusão do evento com a frase “então eu falei”, que significa que refletiu
sobre o ocorrido e, a partir dessa conversa consigo, conclui que o evento da queda
ocorrera devido à sua idade e exalta o termo “idade” elevando o tom de voz.
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Depois que eu caí, aí, eu fiquei com medo de subir no ônibus mesmo... mas
agora, depois do curso não..subo no ônibus numa boa, desço, sem ajuda de
ninguém, graças a Deus, por enquanto... E “vamo” em frente... [levanta as sobrancelhas, arregala os olhos e continua a relatar] Sair e entrar dentro do
carro era mais difícil... agora, atrás ou na frente, entra bem e sai... [finaliza com um sorriso e satisfação]
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Prossegue e diz que está em um período da vida que é necessário diminuir a
intensidade da movimentação, que é preciso “manerar”, enfatiza essa redução ao
repetir o advérbio “devagar”, duas vezes e, ao colocálo após a palavra “então”, que
denota uma conclusão concretizando com o advérbio “devagar” (ressalta com a
elevação do tom de voz). Ademais, finaliza com o termo “né”, já explicitado, solicitando
a confirmação ao entrevistador de que sua conclusão estava coerente. Isto significa
que ela deveria, a partir de então, diminuir a intensidade de sua movimentação, pois
está velha. Retoma a fala, e reafirma que não praticava nenhum exercício físico (linha
cinco: “não tinha nenhuma atividade”) e, por esse motivo, não tinha outra escolha
(utiliza o verbo “tinha”, no sentido de ser algo obrigatório), a não ser movimentarse
devagar.
Segue a narrativa e relata que, ao ser convidada para participar do Projeto
Sênior, já apresentava medo de pegar ônibus sozinha e acrescenta que isso decorre
de um trauma, instaurado pelo evento da queda. Relata que, pelo convite de um
amigo, veio participar do projeto e foi retornando à sua condição anterior ao evento da
queda, recobrou sua realidade: “fui voltando a ser o que eu era”. Utiliza o verbo voltar
no gerúndio (“voltando”), para indicar que não foi de uma vez, mas, sim, aos poucos,
no decorrer da participação do programa. Nas próximas duas frases da linha nove, é
interessante notar que ela utiliza o recurso da repetição da frase “eu comecei”, e
denota a relação direta de fazer o Projeto Sênior e retornar a ser a pessoa que era
antes da queda, que pode ganhar a liberdade, que pode sair sem assistência (“sair
sozinha”). “Pegar ônibus” enfatiza, “voltei”, ressalta, com um sentimento de que
superou o trauma e que ainda estava melhor, “mais agitada do que já era”.
No trecho quatro, ela inicia com o advérbio “depois“ para deixar claro que foi
somente após o evento da queda, que aflorou o medo de subir no ônibus. Enfatiza
ainda, no inicio da frase, com o termo “aí”, que quer dizer “então”, que foi a queda que
gerou o medo de subir no ônibus. Finaliza a frase com o advérbio “mesmo”, para
ressaltar que era um medo importante, que não era qualquer medo, que era um medo
real. No entanto, frisa novamente, iniciando a frase com a conjunção “mas”, que isso
não corresponde mais no momento presente (“agora”), que se opõe à frase anterior,
que, após o ingresso no curso (referese ao Projeto Sênior), não apresentava mais
medo de subir no ônibus.
Realça a situação presente com a frase “subo no ônibus numa boa”, já que
utiliza o termo “numa boa”, que denota: “faço bem”, “realizo sem problemas”, “sem
dificuldades”. Complementa que não somente sobe “numa boa”, no ônibus, mas,
também, desce dele sem dificuldades e sem a ajuda de outras pessoas. No entanto,
ela ressalva que isso acontece pelo menos até o momento presente, “por enquanto”.
Conclui com a frase “e ‘vamo’ em frente”, para deixar claro que isso a possibilita de
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seguir sua vida, que agora pode locomoverse sem o sentimento de medo que
apresentara em outrora. Nesse momento, a locutora, eleva as sobrancelhas, arregala
os olhos, para introduzir em tom de importância, a próxima informação. Antes do
programa, ela tinha dificuldades para sair do carro e entrar nele, mas, no momento
presente, seja em qualquer circunstância para utilizar automóvel, “atrás ou na frente
entra bem e sai”, isso não mais ocorre, e finaliza com um sorriso de satisfação de
vitória.
Trecho 6:
Assunto: A tendinite
(Trecho descrito ao ser solicitada a esclarecer seu problema com a tendinite)
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A tendinite me atrapalhava bastante... Não dava pra fazer um monte de coisas...
Porque doía aqui, assim né... Daí você vai pendurar uma roupa, o braço não
levanta... Vai pegar uma coisa, o braço não levanta... Vai pegar um peso, ele grita!
Então não dá pra você esquecer... né... Daquela dor, ela tá ali constante...
Perturbando...
A locutora esclarece que a tendinite a atrapalhava muito no diaadia. Enfatiza
esse incomodo com a frase “Não dava pra fazer um monte de coisas”, e utiliza o termo
“monte”, que quer dizer grande quantidade, muito, para deixar evidente que a tendinite
atrapalhava significativamente. Segue com a utilização da conjunção “porque” para
elucidar os motivos de tanto incômodo: a presença de dores em uma região do braço
,e demonstra apontando para o referido segmento.
Segue exemplificando com atividades do cotidiano que eram influenciadas pela
impossibilidade de movimento do braço e usa o recurso da repetição da expressão “o
braço não levanta” (duas vezes, linhas dois e três) para realçar o comprometimento
que a tendinite ocasionava no braço. A doença a impedia de realizar suas atividades
domésticas. Na frase, “Vai pegar um peso, ele grita!”, ela ainda retoma a questão,
metaforicamente, de que o braço não apenas não levantava, mas, sim, doía (“grita”),
assim como uma pessoa grita ao sentir uma forte dor. Ela conclui com o advérbio
“então”, que, nesse caso, pode significar “portanto”, que não é possível esquecer a
dor, ela era constante, aparecia, perturbava, em qualquer que fosse a ação do braço,
levantar ou agarrar um peso.
Trecho 7 (Caderno de campo) 25/10/2004
Assunto: A tendinite
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01 Diminui o peso, estou sentindo minha tendinite...
Nesse trecho relatado no caderno de campo, na segunda fase do programa, realça um
pedido do Sujeito B para diminuir o peso, pois sentia dores no ombro, devido sua
tendinite, ao realizar o exercício de supino. O tom imperativo com que inicia a frase
(“diminui o peso”) denota sua preocupação em não deixar opções para o professor
que auxiliava, ele tinha que diminuir a carga sem hesitações. Explica essa
necessidade, em virtude das dores que sentiu decorrentes de sua tendinite na frase
“estou sentindo minha tendinite...”.
Trecho 8
Assunto: Suas atribuições domésticas
(Trecho descrito a partir do questionamento sobre sua rotina diária)
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O que eu faço...? Eu faço tudo [exibe um sorriso de satisfação, orgulho], eu lavo, passo, cozinho, limpo casa, cuido das minhas crianças, que são duas... [ri um pouco] É minha mãe de 94, meu marido com 78... E cuido deles faço tudo... Saio, faço compras... Vou no banco pagar contas... Faço tudo...
A locutora responde prontamente, sem hesitações, sobre suas atribuições
domésticas. “Eu faço tudo”, explica, e exibe um sorriso de satisfação ao declarar sua
responsabilidade. Além das atividades domésticas bem conhecidas (lavar, passar,
cozinhar, limpar), enfatiza que tem que cuidar de suas crianças, referindose aos
constantes cuidados com sua mãe e marido. Realça ainda a sua responsabilidade ao
delatar a idade deles, demonstrando que isso é adicional às suas atribuições
rotineiras.
Ela retoma, utilizando o recurso da repetição da frase “faço tudo”, com o intuito
de reforçar que ela é responsável por todo e qualquer trabalho em sua casa. Além
disso, faz questão de frisar que não é apenas no ambiente doméstico que suas
atribuições são solicitadas, mas também na resolução de problemas que extrapolam o
trabalho caseiro, como fazer compras e ir ao banco, tarefas que elevam ainda mais
seu nível de responsabilidade.
Trecho 9
Assunto: sobre sua rotina
(Trecho relatado para complementar a descrição de sua atual rotina)
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Ultimamente é que eu fiquei um pouco mais agitada, não sei se é muita
responsabilidade, muita coisa. Então, eu acho que eu tenho que correr um
pouco mais, pra dar tempo de fazer tudo... Eu vinha aqui duas vezes por
semana... Quando começou né... Uma vez por semana, eu ia na aula de
pintura...quintaferia.. Então, eu tinha que correr pra dar tempo de fazer tudo... e
as minhas atividades também, “né”...
No trecho oito, o locutor enfatiza que suas atividades rotineiras intensificaram
se ultimamente, e atribui a isso sua falta de tempo e a necessidade de acelerar sua
dinâmica diária. Ela inicia o trecho, enfatizando que ficou mais agitada, no sentido de
nervosa, irritada. Remetese ao excesso de responsabilidade que contraiu
recentemente com os cuidados que precisa manter após o infarto do seu marido, já
relatado anteriormente na sua narrativa. Inicia, na linha dois, a conclusão desse fato e
discorre dizendo que tem que “correr um pouco mais”, no sentido de que tem que
fazer suas tarefas diárias mais rapidamente para poder cumprir todas as suas
atribuições rotineiras.
Ressalva que tinha assumido o compromisso de comparecer às sessões de
treinamento duas vezes na semana, além do curso de pintura que ocupava também
suas tardes de quinta. E conclui, novamente, com a repetição do termo “eu tinha que
correr”, ou seja, acelerar a dinâmica diária, fazer todas suas atividades rapidamente.
Notase, também, que a locutora referese a suas atividades domésticas e de
assistência ao marido com o pronome indefinido “tudo”, pois suas atividades pessoais
(“minhas atividades”), ele não inclui nesse “tudo”, pois para ela, essas atividades são
de natureza distinta, prazerosas, como relata no decorrer de sua narrativa. Finaliza o
trecho com o termo ”né” (não é), momento em que adverte o entrevistador, na
seguinte direção: “não é mesmo, eu tenho que fazer também as minhas coisas, aquilo
que eu gosto”.
Síntese da entrevista do sujeito B
O participante B relata que sentiu melhoras funcionais, mas não exibe certeza
sobre tais melhoras tanto ao falar sobre a experiência do Projeto Sênior (trecho um),
como ao falar do programa de exercícios de força realizado neste estudo (trecho dois).
Seus relatos sobre sua funcionalidade são repletos de reflexões e tentativas de narrar
o que seria a resposta certa, adequada. Sobre a redução da freqüência semanal, ela
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ombro
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discorre que foi importante, pois restou mais tempo para cuidar de suas “crianças”, sua
mãe e marido (trecho três).
Sobre seu contexto de vida relata, nos trechos quatro e cinco, que, antes de
ingressar no Projeto Sênior, sofrera uma queda que a deixou com medo de realizar
ações cotidianas, principalmente subir em ônibus. No entanto, destaca que, após a
participação no programa, voltou a realizar suas atividades cotidianas sem medo.
Ainda relata que sofre de tendinite no braço, e que isso também já a incomodou
bastante (trecho seis). Além disso, em discurso registrado no caderno de campo,
podese perceber que a tendinite ainda a incomoda (trecho sete). No trecho oito,
descreve suas atribuições domésticas e destaca que é responsável por tudo, inclusive
o cuidado com sua mãe de 94 anos e seu marido com 78. No último trecho (nove),
destaca que sua rotina ficou mais “agitada”, mais atribulada, por ocasião da doença de
seu marido, e, por isso, tem que ser mais veloz com os afazeres domésticos, para
poder fazer suas coisas, ou seja, aquilo que lhe é pessoal.
O desempenho da força muscular
Com relação ao desempenho da força muscular (Figura 2), notase que apenas
nos exercícios supino, costas e glúteos experimentaram uma elevação no primeiro
período. No entanto, no exercício costas, houve uma redução da força para os valores
iniciais. No supino houve uma redução, no segundo período, para os valores abaixo
dos iniciais e, no exercício glúteos, essa participante experimentou uma manutenção
da força adquirida no primeiro período. No exercício leg press, houve uma manutenção no primeiro período e uma diminuição no período seguinte. No exercício
ombro, não houve evolução em nenhum período.
Figura 2 Desempenho da força muscular do Sujeito B nos exercícios propostos
1início do programa; 2final do período de duas vezes semanais;
3final do período de manutenção
kg
70
SUJEITO C
Participante do sexo feminino, com 79 anos. É Solteira, mora com uma irmã, um
sobrinho e uma cunhada. Freqüenta ativamente a paróquia de sua região e pratica
aulas de exercícios físicos oferecidas por um programa de televisão, três vezes por
semana, durante trinta minutos. Participou do Projeto Sênior de 2002 e é
freqüentadora assídua do Projeto de Transição.
MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE
Trecho 1
Assunto: sobre as diferenças percebidas no período do programa
(Trecho descrito no momento em que narrava sua expectativa com a participação no
programa de exercícios resistidos)
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Olha, eu não sinto tanta dor na coluna... Que era de cabo a rabo a dor [indica com as mãos: uma na coluna cervical e a outra na região sacral]. E eu não sinto tanto... [enfatiza a última palavra com o tom de voz] Isso eu achei que melhorei um pouco... Por causa da musculação. Mas o braço, esse não quer sarar não.
Porque o médico quer fazer mais um raio x do braço para ver o que que é.
Então, disse para a S. [professora do programa]... Pra ela também dói...
Trecho 2
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E, na coluna, eu tenho: cervical, dorso lombar... Escoliose dorso lombar... "[...]
É... A médica falou que é “bico de papagaio”...
Analises dos trechos 1 e 2
A locutora destaca algumas percepções acerca daquilo que teve alteração com
relação à sua capacidade funcional. Ela ressalta, na primeira frase, com o adendo do
advérbio “tanta”, que as dores na coluna persistem, mas em intensidade menor do que
antes do período de participação no programa. Relembra e prossegue com a frase
“que era de cabo a rabo a dor”, com a intenção de explicitar para o entrevistador que a
dor em sua coluna a afligia em toda a sua extensão, com a metáfora “de cabo a rabo”,
que significa do início ao fim.
Retoma e usa o recurso da repetição do advérbio “tanta”, para deixar claro que
as dores diminuíram, mas não cessaram completamente. Na próxima frase, retoma o
assunto da dor na coluna com o uso do pronome demonstrativo “isso”, e segue
realçando que, de fato, sentiu alguma melhora, mediante a utilização do advérbio
“pouco”, que, nesse contexto, significa que houve melhora, mas não totalmente. Na
71
frase seguinte (“Por causa da musculação”, linha quatro), conclui que foi a prática de
exercícios resistidos a causa dessa melhora que relatara anteriormente, ao introduzir a
frase com o termo “Por causa”, que indica: por esse motivo, por essa razão.
Ainda na quarta linha, ela inicia a frase com a conjunção adversativa “mas” que
indica contraposição à frase anterior. Ela tem a intenção de mostrar que o braço não
apresentou melhora como ela relatou com relação à coluna, se opondo, assim, ao
efeito percebido na coluna, mediante a participação no programa de exercícios
resistidos. Além disso, é importante destacar que ela finaliza a frase, indicando que é o
braço que não quer melhorar (“esse não quer sarar não”), como se o membro não
correspondesse ao seu desejo; que não fosse parte dele, que ele fosse independente
de seu corpo; que poderia determinar sua condição de funcionamento, curar ou
continuar adoecendo.
A locutora ressalta que o médico quer examinar e radiografar novamente o
braço (“quer fazer mais um”), para tentar estabelecer um diagnóstico, e realça com
essa colocação a gravidade do problema, que nem mesmo o médico conseguiu
identificar. Destaca ainda mais sua dúvida e indignação com o braço que não melhora,
ao relatar que pediu a confirmação para o professor que atuava no programa, e a
locutora parece se confortar ao saber que esse tipo de dor não é sua exclusividade,
mas que atinge, também, a professora (“para ela também dói”).
No trecho dois, ele já havia ressaltado anteriormente, em sua narrativa, que
sua coluna apresenta muitos problemas. Inicia o trecho com a frase “E na coluna eu
tenho:”, faz uma pausa e prossegue, com a intenção de enumerar as diversas
complicações que lhe afligem na coluna e conclui, com o apoio da fala da médica, que
é “bico de papagaio”.
Trecho 3:
Assunto: sobre melhoras a partir do programa de treinamento resistido
(Narrado após a descrição de suas expectativas com o programa)
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Bastante, bastante... “Magina”, eu não tinha tantas condições de erguer o
braço... “Tô” erguendo o braço [abduz e aduz os ombros para demonstrar a movimentação que relata], só que na força é que é o pior, ergo bem o braço [realiza o mesmo movimento anterior]... Movimento, tudo... Faço força, assim, pra ver se ele fica no lugar... [estende os ombros com os cotovelos flexionados no plano horizontal e comprime o ombro direito com a mão esquerda, e demonstra o movimento que declara e ri] Mas eu me sinto melhor... não bem,
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bem [enfatiza a última palavra com o tom de voz].. não estou ainda, daqui... Porque isso aqui é um outro caso a parte... [...] Isto aqui, disse que é
calcificação... Então, falei para a médica: “quer dizer que eu não posso tomar
mais cálcio?”... Não, não, tem que tomar [respondeu a médica]... Então quer
dizer é calcificação e como é que dói... Eu não entendo... [...] Um pouco.
Nesse trecho, a locutora relata que notou diferenças no seu cotidiano, e que
foram significativas, pois inicia a frase com a repetição do pronome indefinido
“bastante”, com intenção de frisar que ela percebeu mesmo diferenças a partir da
participação do programa. Inicia a próxima frase com a expressão “magina”, que
significa “você pode imaginar”, para introduzir uma situação vivida ao entrevistador
sobre sua impossibilidade de movimentar seu braço. Explica que não exibia muitas
possibilidades de movimento com o braço, mas que exibia algumas, que fica claro a
partir do emprego do advérbio “tantas” precedendo o substantivo “condições”, já que
alguma movimentação ela podia realizar.
Prossegue e demonstra como pode movimentar seus braços, e realizando tal
exibição, abduzindo e aduzindo os ombros em sua máxima amplitude, para deixar
bem explícito que sua capacidade de movimento é ampla. No entanto, ela explica que,
apesar de poder movimentar o braço em grande amplitude, parece não apresentar um
potencial suficiente para imprimir força. Contrapõe, logo em seguida, que pode
levantar, sim, satisfatoriamente o braço, com o emprego do advérbio “bem” que
precede o substantivo “braço” na frase “ergo bem o braço”. Enfatiza novamente que
esse movimento é possível, através da sua demonstração e finaliza dizendo
“movimento, tudo”; essa última afirmação objetiva destacar que seu movimento é total,
que, com relação à ação de movimentar o braço, ela pode fazer tudo. Sua idéia é dizer
ao entrevistador que o programa teve influências positivas, ao menos na
movimentação do braço, mas que ainda o membro apresentava dificuldades, se o
caso necessitasse utilizar sua força.
A locutora relata que tenta solucionar os problemas de movimentação do braço
direito comprimindoo com a mão esquerda. Utiliza o advérbio “assim” para chamar a
atenção do entrevistador sobre o movimento que realiza na tentativa de sanar o
problema que vive com o braço direito, com o intuito de pôlo no lugar certo, embora,
fisicamente ela sabia, que o braço não está espacialmente fora de posição. Finaliza
essa frase com uma breve risada, dando margem a compreender de que sabe que isto
não faria nenhum efeito. Prossegue e enfatiza, iniciando a frase com a conjunção
adversativa “mas”, para se contrapor ao relato anterior, no sentido de que, embora
ainda sinta dores no braço, ela se sente melhor.
73
No entanto, ela complementa e esclarece que não está totalmente bem, com a
repetição do termo “bem”, duas vezes, precedido do advérbio de negação “não”, na
frase “não bem, bem”, e ainda enfatiza que não está perfeitamente bem, pronunciando
o último “bem” em intensidade maior de voz. Explica que não está bem “ainda”, no
sentido de que tem esperança de melhora, de que um dia o braço vai melhorar, e
referese ao braço com a contração da preposição “de” com o advérbio aqui: “daqui”,
que significa desse lugar, desse ponto do meu corpo. E explica que esse caso é um
caso distinto, inusitado, é “um outro caso à parte”. Relata sua indignação com a
aparente não solução do caso, com o momento em que indaga sua médica sobre o
problema; não se satisfaz com a resposta e finaliza: “eu não entendo”. A última frase,
“um pouco”, referese novamente a que o período de exercícios resistidos teve certa
importância na melhora de seu braço, mas, como ressalva, não totalmente.
Trecho 4
Assunto: Sobre a redução da freqüência semanal
(Trecho dito como continuação dos relatos sobre a percepção das melhoras
funcionais)
A locutora relata que não apreciou a redução da freqüência semanal proposta
no programa. Exprime sua opinião ao utilizar o recurso da repetição do termo “ruim”
em dois momentos na linha um. Com a utilização da conjunção “porque” (linha um),
inicia a explicação dos motivos que a levaram a construir tal opinião sobre a redução
da freqüência semanal com uma situação hipotética que reproduz a situação vivida no
período do programa. “Porque você fez hoje”, exemplifica, e, se não puder realizar
outro dia, podese tentar realizar em casa. Utilizase do termo “a gente” para denotar
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Eu acho que foi ruim... Ruim... Porque você fez hoje... Em casa a gente pode
fazer, mas falta os pesos... Então, tornouse mais longo e quando a gente
volta...parece que “força” mais... [...] tá forçando mais...você fica uma semana
sem fazer... Ainda mais quando é numa quintafeira... Quando, na segunda, não
tinha, “né”. Então ficava uma semana e mais uns dias... E ai eu sentia mais
fraqueza... Quando fazia aquele movimento... Custava mais um pouco... Se bem
que até caí... Teve dia que eu fazia só oito... Quer dizer que caí um pouco...
Porque, porque não fez... quer dizer que tem que ser todo o dia... Tem que
comer arroz feijão todo o dia... [...] é que quando a gente volta, já enfraqueceu
um pouco... Porque aí, você faz mais força... Mas se puder uma vez por
semana... É melhor uma vez por semana do que nenhuma, né?
74
que essa seria uma possibilidade de solução que todo o grupo, e não somente ela,
poderia propor.
No entanto, isso seria difícil, com a utilização da conjunção “mas”, que indica
contraposição à idéia anterior; de que isso é pouco provável porque, em casa,
faltariam os materiais adequados. Mediante a impossibilidade de realizar mais uma
vez por semana em casa, o tempo de intervalo entre uma sessão e outra ficou mais
longo, conclui. E essa situação faz com que se esforcem mais para realizar os
exercícios com uma semana de intervalo entre as sessões, “força” mais, ou seja, exige
mais dispêndio físico. E continua, “ta forçando mais”, ou seja, a força necessária tem
que ser maior que ao fazer duas vezes por semana, pois ficara uma semana sem
praticar. Na linha 4, a locutora relembra, ainda, que, às vezes, os intervalos entre as
sessões foram maiores do que uma semana, e adverte o entrevistador ao usar a
expressão “né”.
Conclui, então, que o intervalo era maior ainda que uma semana, e sua
sensação de fraqueza se acentuava ainda mais. Exemplifica, abduzindo os ombros
com os cotovelos flexionados, um movimento que exercita prioritariamente o músculo
deltóide, que sua força era menor e esse movimento era mais custoso, exigia mais de
suas potencialidades. O movimento “custava mais um pouco”, ou seja, o custo desse
movimento era um pouco maior de que no período em que podia praticar duas vezes
na semana.
Ainda ressalta que, além de sua percepção de maior esforço necessário aos
exercícios, ela relembra que diminuía o número de repetições realizadas, “teve um dia
que fiz só oito”, enfatiza com o uso do advérbio “só”, ou seja, que foi pouco, que
realizar apenas oito repetições era um numero pequeno e que indicava que ela estava
mais fraca. Conclui com a frase, “quer dizer”, ou seja, isso significa, essa situação
prova que a redução da freqüência semanal fez com que meu rendimento nos
exercícios piorasse, fazer menos repetições significa estar menos forte.
Na linha nove, destaca, com a analogia de que “tem que comer arroz e feijão
todo o dia”, que, para que surta efeito, os exercícios devem ser praticados mais vezes,
assim como devemos comer diariamente para que a comida cumpra sua função.
Chama a atenção novamente para o fato de que com um intervalo de uma semana, o
retorno às atividades é acompanhado de uma diminuição da força. Essa diminuição,
no entanto, não é total, pois utiliza o termo “um pouco”, na frase “já enfraqueceu um
pouco...”. Complementa e explica que sua percepção de fraqueza, após uma semana
de recesso, é concretizada no momento em que necessita aplicar mais força nos
exercício que costuma realizar. No entanto, enfatiza que, mesmo que não seja
75
possível exercitarse duas vezes por semana, ainda que essa situação leve a uma
diminuição de sua força, ainda é melhor que ficar inativo (linhas 10 e 11).
MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA
Trecho 5
Assunto: A vivência com sua mãe doente
(trecho narrado ao contar sobre como percebeu a necessidade de fazer atividade
física e naquele momento a mãe se encontrava doente)
Trecho 6
Assunto: Sobre as condições de saúde de sua mãe
(Relata ao falar sobre os cuidados médicos que sua mãe necessitava)
Nesse ponto, a locutora relata que teve muito trabalho com sua mãe. Utiliza o
termo “a gente” para destacar que não foi somente ela, mas que sua irmã (pessoa que
faz constantes alusões durante toda a narrativa) compartilhou esses momentos. O
montante de trabalho que realizou com sua mãe, intensificado na frase pelo uso do
advérbio “muito”, referese a uma constante assistência a sua mãe, por motivos de
doenças. Ela explica e destaca que sua mãe ficou cega e com aterosclerose (uma
doença do sistema cardiovascular) para destacar que, com o comprometimento de um
de seus sentidos, o cuidado tinha que ser intenso, e finaliza iniciando a frase com o
advérbio “então”, que indica conclusão, que, pelos fatos descritos, foi um período
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E a gente teve muito trabalho com ela [mãe]... Ela ficou cega e com
aterosclerose... Então foi um período duro... Foram cinco anos só... Mas foi
duro... (ela era diabética?) [pergunta o entrevistador] Não, não... Minha mãe,
não... Minha mãe, foi por emoção muito forte... Deu derrame no olho e
estrangulou o nervo ótico... [...] Aí, ficou... Era emocional... É uma doença que dá
aquele dor forte, forte...que nem esses remédios mais fortes acalma a dor...
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É porque minha mãe tava ruim, minha mãe ficou cega... Ficou aterosclerose,
tinha defeito na coluna... A coluna dela era bem tortinha... Por isso que eu acho
que a herança nossa, é dela...
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árduo, penoso em sua vida, com a utilização do adjetivo “duro”. Ainda ressatva que,
embora o tempo de cuidados com a mãe não tivesse sido muito longo, “só cinco
anos”, ela prossegue, e destaca que foi um período curto mas difícil, e repete o
adjetivo “duro”.
Ao ser interrogada sobre as causas da cegueira de sua mãe, se teria sido por
motivo da diabetes, ela responde, prontamente, que não, que o caso de sua mãe foi
outro. Destaca que não foi decorrente de uma doença, mas, sim, de um estado
emocional intenso, e explica as complicações decorrentes, de um “derrame”
(rompimento de uma artéria) no olho, que “estrangulou” (matou, sufocou) o nervo
ótico. Conclui, então, que sua mãe tornouse cega com a expressão “ai ficou” e
ressalta que foi um problema emocional e não físico. Além disso, com a repetição do
adjetivo “forte” (linha seis), ela reforça que a doença causava um sofrimento intenso e
que não havia remédio poderoso o suficiente para inibir ou dirimir a dor de sua mãe.
Em outro momento da narrativa (trecho cinco), a entrevistada retoma o caso da
mãe e destaca (linha um) que ela estava “ruim”, referindose ao estado de doença,
pelo qual configuravase uma grave situação. Complementa ao relembrar que a mãe
tornouse cega e apresentava aterosclerose. Destaca que tinha também problemas na
coluna com a frase “a coluna dela era bem tortinha”, e utilizase do advérbio “bem”
para enfatizar a condição da coluna de sua mãe que, segundo a locutora, estava
desalinhada, “tortinha”. Em seguida, conclui que a condição da coluna de sua mãe era
a herança genética, que não foi herdada somente para ela, mas por outra pessoa, pelo
uso do pronome “nossa”, que se presume seja sua irmã.
Trecho 7
Assunto: A percepção da funcionalidade do outro
(Trecho dito no momento em contava sua primeira participação em um programa de
atividade física)
No trecho sete, a locutora relata que sente entusiasmo ao fazer atividade física
pela percepção que tem das pessoas que compartilham a prática de exercícios com
ela. Prossegue e enfatiza que existem muitas pessoas como ela, ou seja, muitas
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Porque você se entusiasma, porque você vê a turma em volta... [...] tem muita
gente como eu... eu também admirei muito uma senhora... que já tinha oitenta e
poucos anos... Ela se abaixava com a maior naturalidade... Eu falei, porque ela
faz... Porque que eu, que sou mais nova, não posso fazer?
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pessoas que são velhas e que procuram realizar exercícios. Prossegue relatando que
admirou muito uma senhora, uma mulher que se abaixava com facilidade, ou seja,
exibia uma aptidão física boa, apesar de passar dos oitenta anos. Então, a locutora
relata e exibe uma reflexão pessoal, mediante essa percepção de outrem, com a frase
“eu falei”, eu pensei, refleti sobre essa situação. A entrevistada conclui com uma
questão (“porque que eu que sou mais nova não posso fazer?”, linha quatro) já que
outra pessoa mais velha do que ela pode fazer movimentos desse tipo (se abaixar
com naturalidade), qual o motivo que a levaria a não realizálos.
Trecho 8
ASSUNTO: A percepção da funcionalidade do outro
(trecho descrito após relatar a percepção de melhora de suas atividades rotineiras)
O relato observado no trecho oito parece denotar que o seu referencial de
aptidão é a idade. Esse indício já se apresentara brevemente no trecho sete e no,
seguinte, ela destaca esse referencial explicitamente. A locutora estabelece uma
comparação semelhante à do trecho anterior, mas de forma inversa; a faz ao
estabelecer uma relação entre ela e a aptidão de outras pessoas, mas, dessa vez,
com pessoas mais jovens. Ela relata que pode perceber que envelhece, mas realiza
“coisas” (movimentos corpóreos), que pessoas até mais jovens não realizam; essa
situação é uma vitória e conclui: “é uma grande coisa”.
Ademais, com a frase “é tudo ‘né’”, ela reforça sua posição de que essa é uma
conquista honrosa, da qual se orgulha, e pede a confirmação do entrevistador com a
expressão “né”, que significa, “não é verdade?”, “você não concorda?”. E acrescenta,
comparandose com pessoas de sua própria idade, que se está fazendo movimentos
que muitos de seus contemporâneos não realizam e conclui com a frase: “quer dizer
que eu to recebendo alguma coisa boa”. Essa frase final explicita a conclusão da
locutora que, a partir da comparação com pessoas de diversas idades, ele pode
concluir que tem sido beneficiada.
Trecho 9
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Mas se eu sinto que eu estou envelhecendo e que estou fazendo coisas que
gente mais nova não faz já é uma grande coisa... É tudo, “né”... Porque eu estou
fazendo... E outras pessoas do meu tempo não conseguem fazer... Quer dizer
que eu to recebendo alguma coisa boa...
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Assunto: A doença da cunhada que vive com ela
(trecho relatado ao contar sobre sua vida familiar)
Nesse ponto, a locutora descreve a situação em que vivia em sua casa, com o
caso da sua cunhada que ficara doente, por motivo de seu filho ter perdido o emprego.
Na primeira frase, “ela caiu em depressão”, o pronome “ela” referese à cunhada, que
apresentava um quadro depressivo. Utilizase do recurso da repetição da frase “ficou
ruim” em dois momentos, para enfatizar o quadro de gravidade em que se encontrava
a esposa de seu irmão. Complementa a descrição da gravidade do caso com um pool de doenças conhecidas como graves (“tuberculose, hepatite, pneumonia”), para
enfatizar ainda mais a severidade do caso em questão.
Ademais, ela ressalva, na próxima frase, iniciando com o pronome indefinido
“tudo”, que a cunhada teve todas as complicações a que teve direito. Além disso, ela
conclui, com um diagnóstico pessoal, que todas essas situações patológicas
resultaram em seqüelas mentais, pois é concludente ao dizer que tal situação de
enfermidades “atingiu a cabeça dela”. Explica, a seguir, que essas doenças devem ter
prejudicado a função mental da cunhada, pois esta entende agora que todos são
obrigados a ajudála; obrigação tal que a locutor a condena.
No inicio de outro relato sobre a cunhada (linha cinco), ela acrescenta mais
uma doença no histórico da mulher de seu irmão: o diabetes. Enfatiza, ainda, que essa
é uma doença que pode ser tratada se a pessoa introduzir em seu cotidiano alguma
prática de exercícios físicos, atitude essa que sua cunhada não leva à ação, embora
tenha condições para isso, como explica a seguir. A locutora enfatiza com frases de
aconselhamento que sua cunhada recebia (não deixa claro de quem) sobre a
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Ela caiu em depressão... Ficou ruim, ficou ruim deu tuberculose nela... Teve
tuberculose, hepatite, pneumonia... Tudo que teve direito ela teve... E eu acho
que atingiu um pouco a cabeça dela, porque ela acha que todo o mundo tem que
ajudar... Então, ela vem na minha casa, tem que pensar em almoço, em jantar,
tem que pensar em tudo... [...] só que minha cunhada tá assim, por que ela é
diabética e a pessoa diabética tem que fazer muito exercício... [...] “Terezinha se
mexe tem uma bengala aqui... Anda com a bengala”... “Tem um quintal grande
aqui...” “Ah, eu ando, eu ando” (resposta da cunhada)... “Que hora que você
andou”... “Ah, logo cedo” (resposta da cunhada). Mentira! Ela não quer saber, a
mente dela achou que ela... Sabe você tem que ter uma força de vontade...
Então eu passo muito nervoso por isso [...] A gente está emocionalmente muito
irritada, porque a gente vê tanta moleza em casa...
79
necessidade da prática de exercícios físicos, e realça, também, relatando frases de
sua cunhada (linhas oito e nove), em que ela dizia que realizava exercícios (“eu ando,
eu ando”). No entanto, a locutora é veemente e adverte que essas falas de sua
cunhada são mentirosas ao ressaltar que isso é “mentira” (linha nove). Prossegue e
conclui que sua cunhada não quer fazer exercícios físicos.
Adverte que isso deve ser culpa de sua condição mental, pois com a frase “a
mente dela achou que ela”, deduz que a falta de vontade para praticar exercícios deve
ter uma origem mental. Força de vontade, determinação é uma condição que a
locutora considera primordial nesse caso. Isso fica explícito ao iniciar a frase com o
verbo “sabe”, advertindo o entrevistador para um conhecimento que ela acha
adequado a essa situação e com a expressão “você tem que ter”, que significa que
sem a tal “força de vontade” você não consegue sair de situações desse tipo. A
entrevistada conclui com o advérbio “então”, que essa é uma situação que a deixa
muito irritada, nervosa, que essa situação de “moleza” , como classifica, é responsável
por um estado emocional danoso.
Síntese do Sujeito C
Esse sujeito relata, nos trechos um e dois, que percebeu que sua participação
no programa de exercícios resistidos amenizou suas constantes dores na coluna, e
destaca também que sofre de dores na região do braço, mas que não foram sanadas
com o programa de exercícios. Por outro lado, no trecho três, destaca que, embora as
dores no braço não tenham diminuído, o programa foi capaz de possibilitar uma
melhor movimentação desse segmento. No trecho quatro, momento em que relata
sobre a redução da freqüência semanal, argumenta que não foi bom porque com um
intervalo de uma semana entre uma sessão e outra, ela sentiuse mais fraca. Destaca
ainda que em sua opinião, esses exercícios deveriam ser feitos todos os dias.
Com relação ao seu contexto de vida, os cuidados que ofereceu a sua mãe,
que esteve muito doente e veio a falecer, deramlhe muito trabalho (trecho cinco).
Além disso, destaca que seus problemas de coluna foram herdados de sua mãe
(trecho seis). Nos trechos sete e oito, ela relata que percebe sua funcionalidade a
partir da percepção do outro. No último trecho ele destaca a doença que sofre sua
cunhada e a repreende, porque ela deveria se exercitar como faz a narradora, porque
ela não se rende a essa moleza. Esse fato demonstra a valorização que essa
participante atribui aos exercícios físicos. Parece que, em parte, praticaos para não
ficar doente como sua cunhada, para não ficar “mole”.
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gluteos
O desempenho da força muscular
Sobre seu desempenho nos exercícios propostos (Figura 3), podese realçar
que esse sujeito experimentou aumento de força em todos os exercícios propostos,
exceto para o exercício glúteos, no primeiro momento do programa. Na segunda fase,
houve a manutenção de todos os valores obtidos no primeiro período, exceto para o
exercício costas que apresentou uma redução no nível inicial.
Figura 3 Desempenho da força muscular do sujeito C nos exercícios propostos
1início do programa; 2final do período de duas vezes semanais;
3final do período de manutenção
SUJEITO D
Participante do sexo feminino, com 75 anos. Mora sozinha, é viúva e mãe de duas
filhas. Freqüenta sessões de hidroginástica, caminhada e alongamento, três dias por
semana, com duração de 45, 60 e 30 minutos, respectivamente. Participou do projeto
Sênior no ano de 2003 e freqüenta o Projeto de Transição.
MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE
Trecho 1:
Assunto: Sobre suas percepções acera do programa de exercícios resistidos
(Trecho narrado ao falar sobre a participação no programa de exercícios resistidos)
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Cada dia melhor... Nossa, essa musculação... Eu só perdi aquele dia por causa
da chuva... Foi só aquele dia que eu faltei... Ainda minha filha, “não te convido
mais para ir em lugar nenhum” .. Lá eu não quero faltar mesmo...
kg
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A locutora inicia o relato sobre sua percepção sobre a participação no
programa de exercícios resistidos com a frase “cada dia melhor”, o pronome indefinido
“cada” que significa uma unidade em um grupo, designa que todas as unidades “dias”
representaram melhoras em sua vida a partir da participação no programa de
exercícios com pesos. Complementa sua satisfação com a frase “nossa, essa
musculação”; a interjeição “nossa”, nesse caso, significa um espanto sobre algo que a
surpreendeu, no caso, a musculação.
Continua o relato e ressalva que ela só não compareceu a uma única sessão
por impedimento de um dia chuvoso, que foi somente aquele dia que faltou,
enfatizando com o emprego do “só”, que significa: apenas, unicamente. Prossegue e
exemplifica com uma advertência de sua filha sobre ele: “não te convido mais para ir
em lugar nenhum”, referindosese a uma situação, a qual escolheu comparecer ao
programa de exercícios de força, ao invés de conceder a um convite da filha. Finaliza
o trecho com a resposta proferida à filha de que “lá” (na musculação), ela não quer
faltar “mesmo” (advérbio que significa: realmente, verdadeiramente), de maneira
alguma ela quer deixar de comparecer ao programa de exercícios com pesos.
Trecho 2:
Assunto: As percepções da capacidade funcional
(Trecho relatado no momento em que contava sobre uma ocasião em que estava
muito doente e sem disposição para realizar nada)
Ao iniciar o trecho a locutora enfatiza que está mais disposta, mas disponível,
com mais disposição (que pode significar “determinação”) para “fazer”. O emprego do
verbo “fazer” pressupõe as atividades do cotidiano, como exemplifica a seguir. O início
da frase seguinte (“tanto que minha casa já esta limpinha agora”, linha um) com o
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Mais disposta, mais disposição para fazer... Tanto que minha casa já esta
limpinha agora [sorri]... Tenho ela só pra limpar o chão, mesmo, pra mim... O resto... [...] De fazer, de comer [realça com o tom de voz], de comer... Sempre a gente sai animada... Com fome, ”né” ?. Aí eu falo: “agora, eu perdi calorias lá,
agora, eu vou me alimentar”, posso me alimentar... “Tô” sempre controlando o
peso, “né”... Tenho medo quando eu emagreço... engraçado, “né”... todo mundo
quer perder peso, “né”... e eu, quando começo a perder peso, fico apavorada...
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advérbio “tanto”, que pode significar “de tal maneira”, explica sua maior disposição,
pois, no momento da entrevista (período matutino), sua casa já se encontrava limpa. O
emprego do advérbio “já” ressalta que foi feito sem demora, antecipadamente, e sorri
com satisfação ao exemplificar seu feito. Realça com a frase “Tenho ela só pra limpar
o chão, mesmo, pra mim”, ao referirse que necessita da empregada (pronome “ela”)
somente para limpar o chão, coloca o advérbio “mesmo” no sentido de que é só isso
que a empregada precisa fazer por ela. Finaliza o assunto com a frase “o resto”, que
significa que o resto do serviço doméstico ele pode contemplar sem ajuda, sozinho.
No início da linha três, ela complementa que exibe mais disposição de fazer,
referindose às atividades domésticas. Além disso, destaca outro ponto importante,
devido às atividades na musculação, que se refere à vontade de comer, à fome gerada
pela sessão de exercícios, e enfatiza a palavra “comer” elevando o tom de voz,
repetindoa duas vezes (linha 3). Coloca ainda que “a gente”, um conjunto de pessoas
no qual ela se inclui, em todas as ocasiões (utilizase o advérbio “sempre” que significa
“em todo o tempo”) após as sessões de exercícios, deixavam o local animados,
satisfeitos. Além disso, ela complementa que, além de animadas, as pessoas saem
com fome e adverte o entrevistador com a questão “né?”, que significa, “não é?”, “você
também não acha?”, “isso não é verdade?”.
Acrescenta com uma reflexão pessoal, uma conversa consigo: “Aí, eu falo:
“agora, eu perdi calorias lá, agora eu vou me alimentar”, posso me alimentar” (linha 4).
Neste ponto, conclui que, já que gastou calorias na musculação (“lá”), pode comer, se
alimentar, ela pode, tem esse direito. Continua e declara que é um hábito constante
controlar o peso corporal com a frase “To” sempre controlando o peso “né”, e esse
cuidado contínuo é destacado com o emprego do advérbio “sempre” (sem cessar,
continuamente) e com o uso do verbo continuar no gerúndio, para expressar que essa
é uma situação que está ocorrendo; finaliza essa frase com a expressão “né”, já
explicitada, pedindo a confirmação do entrevistador de que isso realmente é algo
correto.
Na linha seis, ela explica a razão de sua preocupação com a alimentação, pois
a situação de emagrecimento gera um sentimento de medo: “tenho medo quando eu
emagreço”. Continua, a sua próxima frase é “engraçado, “né” ?”, que significa, nesse
contexto, não algo divertido, jocoso, mas, sim, algo estranho, inusitado, e pede
novamente a concordância do entrevistador com a expressão “né”, já comentada.
Explica que acha que isso é “engraçado”, porque todas as outras pessoas, exceto ela,
(utilizase da frase “todo mundo”, um grupo de pessoas no qual ela não está incluída)
sentem medo a partir da situação inversa: ganhar peso corporal. E conclui ao falar
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que, para ela a perda de peso deixaa assustada, espantada, como disse:
“apavorada”.
Trecho 3
Assunto: O efeito do programa sobre seu problema no joelho
(trecho relatado no momento em que descreve suas melhoras na musculação)
A locutora diz com entusiasmo que estava ansiosa para pode realizar o
exercício de leg press. No momento inicial do programa, não pôde realizálo, porque estava com dores no joelho, estava em crise, como se referiu a esses episódios no
decorrer da narrativa. Utilizase da repetição da frase “não via a hora de começar”,
para enfatizar sua ânsia em realizar tal exercício. Explica que esse exercício servialhe
de parâmetro, para identificar a funcionalidade de seu joelho, era momento de pôlo a
prova, de testálo, nas palavras da locutora: “era o teste do joelho”.
Ela explica que aos inchaços no joelho são constantes, com a frase “eu sempre
tive” (utiliza o advérbio “sempre”, que significa “sem cessar”, “continuamente”) e
aponta para o joelho inchado para iluminar o problema que relata. Amplia sua
descrição ao mostrar que o inchaço, que chama de “bolota”, movese na condição de
se levantar (utilizase da conjunção “se”, “na condição de”), a “bolota”, ela desce um
pouco. Sobre essas circunstâncias, o inchaço é tão evidente que é possível até
segurálo com a mão; nesse momento a locutora aponta o joelho e ri da situação, para
apontando para a gravidade do inchaço.
Na linha cinco, revela uma percepção sobre os professores do programa: que
eles tinham medo de que acontecesse algo com seu joelho, talvez uma justificativa
pela proibição a que ela se refere no início da linha um. Na linha cinco, ela inicia a
frase com a conjunção adversativa “mas”, para contraporse à idéia de incapacidade
do joelho que relatara anteriormente. Ela relata com o advérbio “sempre” (em todo o
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Não via a hora de começar aquele que você me proibiu...[exemplifica o exercício, com as mãos, e ri] Eu não via a hora de começar... [...] era o teste do joelho [...] Esses inchaços eu sempre tive... Se eu levantar... Aqui, essa bolota
que eu tenho... Aqui, dá até para pegar... [a locutora aponta para o joelho, e ri] Ela desce um pouco... Mas eu sempre, depois do exercício, me sentia bem, não
sentia nada... É... Acho que eu tinha tanta vontade de melhorar, que eu fazia
aquilo com tanto amor... (risos)
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tempo; em qualquer ocasião), que todo momento que realizava o exercício de leg press, sentiase bem, não sentia dores. Isso vai de encontro à situação que relatara
anteriormente, pois um joelho inchado não poderia exercitarse sem dor, mas com ela
foi assim, contraditório.
A locutora chega à conclusão de que a contradição que relatara anteriormente
foi devido à sua vontade de melhorar, que não era pouca, mas, sim, muita, com a
utilização do advérbio “tanta” precedendo vontade. Além disso, foi o amor que sentia
ao fazer o exercício que pode impedir que o joelho doesse. Finaliza com risadas de
satisfação, por aquilo que tinha vivenciado, pela surpresa que tinha presenciado ao
poder exercitar suas pernas sem sentir dores no joelho.
Trecho 4
Assunto: Sobre melhora no período de exercícios resistidos
(trecho narrado no momento em que declara seus afazeres domésticos)
A locutora relata que melhorou bastante no período em que freqüentou as
sessões de treinamento resistido, iniciando o trecho quatro com a repetição do
advérbio “muito”, seguidamente. Exemplifica essa melhora com a ação de subir e
descer a escada da sua casa, uma atividade que realiza em sua rotina diária de
trabalhos domésticos. Lembra que já tentou subir a escada com passos que poderiam
transpor dois degraus em uma só vez, como deixa claro na frase da linha um: “até
tentei subir de dois degrau”. Prossegue (final da linha 1) com o advérbio “aí”, que,
nesse sentido é utilizado para dar continuidade ao caso que relatara (tem o sentido de
“então”), segue e destaca uma reflexão, uma conversa consigo, e conclui que não
deveria abusar de seu joelho, embora tivesse impressão de que poderia subir a
escada de “dois degrau”.
Mas ressalta que isso não a impediria de subir a escada mais rapidamente,
pois poderia subir de degrau em degrau com passos mais acelerados do que de
costume. Ainda destaca um fato que ajuda a exemplificar sua melhoria na habilidade
de subir escadas: a percepção de sua empregada sobre si. A locutora destaca
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Muito, muito... A escada... Outro dia, eu até tentei subir de dois degrau... Aí, eu
falei: melhor eu não abusar. Vou de um, mesmo, rápido. Terça feira a menina
veio lá... Pra limpá o chão pra mim... Ela falou: “nossa como a senhora sobe
escada”... Acho que eu subi umas dez vezes, direto, subia, descia... [...] eu levei
o tempo todo, balde com água e pano limpo tudo pra ela... [...] tranqüilo,
tranqüilo. Não senti nada.
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reproduzindo a fala da moça que lha ajuda: “nossa como a senhora sobe escada”. O
emprego da interjeição “nossa”, no início da frase, significa um espanto, uma
admiração da empregada ao presenciar a habilidade do locutor.
A entrevistada reforça que realizou subidas e descidas da escada, com a frase
“umas dez vezes, direto”; utilizase do advérbio “direto” que, nesse contexto, significa
sem parar, sem desvios, recurso pelo qual ela demonstra a intensidade do fato
relatado. Ela acrescenta que repetiu essa ação de subir e descer todo o tempo em
que ajudou a empregada no serviço de limpeza casa (“eu levei o tempo todo”, linha
05).
Ela realça, ainda, que não foi apenas subir e descer escadas rapidamente, por
um período de tempo constante, mas que também carregava baldes e panos para
auxiliar a empregada na limpeza. Ademais, os baldes que carregara não estavam
vazios, mas, sim, com água, o que reforça a intensidade do trabalho realizado. Finaliza
com a ressalva de que fez tudo isso com tranqüilidade e reforça essa afirmação
repetindo o adjetivo “tranqüilo”, por duas vezes (linha cinco), e que, não sentiu dores
(“Não senti nada”).
Trecho 5 (Caderno de campo) 30/08/2004
Esse trecho, transcrito das anotações do caderno de campo, foi proferido pelo Sujeito
D no primeiro mês de treinamento. Ele relata que está andando melhor e complementa
que consegue subir no ônibus. Explica, ainda, que é muito cuidadoso com seus
movimentos, pois não pode depender de ninguém, mora sozinho.
Trecho 6
Assunto: Sobre a redução da freqüência semanal no programa de treinamento
resistido
(Relatado após a descrição de sua habilidade de subir escadas)
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Estou andando melhor... Estou conseguindo subir no ônibus... Faço tudo com
muito cuidado em casa, eu moro sozinha, não posso depender dos outros...
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Sobre a redução da freqüência semanal de exercícios, a locutora inicia dizendo
que não gostou, que apreciou mais o período em que freqüentou o programa, às
segundas e quintasfeiras. Isso fica claro nas três primeiras frases da linha um. Ainda
complementa que gostou mais porque funciona mais, porque surte mais efeito. Explica
o porquê dessa observação, pois sentiu que perdeu um pouco de força (utiliza a
expressão “um pouquinho”, no diminutivo, para enfatizar que não foi muito),
principalmente no exercício que denominava de “cadeira”, um exercício para o
músculo deltóide, que ela exemplifica movimentado os braços.
Utiliza o recurso da repetição do termo “um pouquinho” (além, de continuar a
usálo no diminutivo) para enfatizar que não foi muita força que perdeu. Explica que
isso aconteceu justamente por ocasião da redução da freqüência semanal, porque se
fizesse na segunda e depois na quinta, ela tinha mais força mesmo. Enfatiza essa
explicação com a repetição da expressão “mais força” (linhas cinco e seis).
Trecho 7
Assunto: A redução da freqüência semanal em seu cotidiano
(trecho proferido ao ser indagada sobre o referido assunto)
Ao relatar sobre algum possível efeito da redução da freqüência semanal no
seu cotidiano, a entrevistada é enfática e inicia com o advérbio “não”, segue com a
frase “não senti não”, para confirmar que, o seu cotidiano, a redução da freqüência
semanal não o alterou. Explica que não houve alteração, porque no serviço doméstico
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Eu gostaria... Eu gostei mais de duas vezes por semana. Gostei mais, eu acho
que funciona mais. Perdi um pouquinho, até que não foi muito, “né”... Mais nos
movimentos da cadeira, né [exemplifica o movimento com os braços], Um
pouquinho, um pouquinho. Porque você fazia na segunda... na quinta feira, você
tinha mais... Mais disposição... Não disposição, mais força mesmo...”né”. Mais
força.
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Não. Não senti, não. Fazia a mesma coisa, tudo... Em casa não tem nada muito
pesado... Tem movimentos... Mas de pesado, não tem nada que eu faço de
pesado... [...] Foi, foi suficiente. Tava melhor com duas vezes, aqui... Como você
falou, mas, em casa, tá igual. Foi igual.
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não há nada demasiadamente intenso, pesado. Ainda ressalva que realiza
“movimentos” (linha 2) e reforça que esses movimentos não exigem de sua força
demasiadamente, com a frase “não tem nada que eu faço de pesado”.
Além disso, utiliza o pronome indefinido “nada”, que quer dizer, “coisa alguma”,
que nenhuma coisa em casa exige aplicação de muita força. E conclui que uma vez
por semana foi suficiente (linha três). Realça ainda que duas vezes por semana foi
uma freqüência melhor para a realização dos exercícios na musculação, que fica claro
com o emprego do advérbio “aqui”, que significa “neste lugar”, na musculação.
Prossegue com a frase “mas, em casa “ta” igual”, que, com o emprego da
conjunção adversativa “mas”, indica contraposição à frase anterior. A locutora se
contrapõe para explicar que duas vezes por semana é suficiente para a realização dos
exercícios da musculação, mas os afazeres de casa são prejudicados pela redução da
freqüência semanal. Finaliza com a frase “foi igual”, que denota que a rotina da casa
se manteve similar, nos dois períodos do programa, com duas vezes e uma vez
semanais.
MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA
Trecho 8
Assunto: Sobre seu medo de emagrecer
(Trecho relatado ao ser solicitada a explicar o porque da sensação de emagrecimento
é dolorosa)
Nesse ponto, a locutora explica porque que teme o emagrecimento. Ela relata
que, no momento em que percebe que está em processo de emagrecimento, esse
momento suscita lembranças de seu marido. Ela relata, metaforicamente, que o
marido é o espelho em que ela se enxerga ao emagrecer, ao perder peso ela se vê
como seu marido doente.
Prossegue e explica que, quando a pessoa está com câncer, assim como
esteve seu marido, a pessoa vai enfraquecendo, e utilizase do termo “definhando”,
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Quando eu perco peso, eu fico pensando... É o espelho que eu tive na frente,
“né”... Meu marido... Então... Sabe quando a pessoa esta doente, com câncer...
Com coisa assim... Vai definhando... ”né”... Eu nunca assim... Eu sempre fico
deitada pela sala quando eu fico doente... Mas, graças a Deus, eu nunca perco o
apetite...
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muito utilizado para pessoas com doenças graves. Além disso, com o emprego da
frase “com coisa assim” (linha três), ela quer dizer que não apenas com o câncer se
observa tal definhamento, mas também com doenças similares. Na linha três, utiliza
se da expressão “né” com o intuito de solicitar a confirmação do entrevistador sobre
aquilo que relata sobre as pessoas com câncer. Ela prossegue com a frase “eu nunca
assim”, ou seja, que nunca fica dessa forma, e segue dizendo que, apesar de sempre
deitarse quando está doente, não deixa de comer, nunca perde o apetite.
Trecho 9
Assunto: O sofrimento ao ver o marido doente
(Momento em que relata a mudança de residência por ocasião do marido doente)
A locutora, nesse trecho, narra como foi o caso de seu marido e enfatiza, logo
no início de que ele esteve doente por dezoito anos. Retoma o assunto e relembra o
período em que o marido, ficara adoentado. Inicia e descreve que teve que utilizar
muito de sua força com o seu marido com a frase (linha 1) “Fiz muita força também
com ele”. Reflete sobre essa situação e levanta a hipótese que se foi essa situação
que a fez piorar. No entanto, parece que percebe a dificuldade de se atribuir seus
problemas a essa causa e utilizase da expressão “sei lá”, no sentido de que não sabe
se é isso mesmo, não tem certeza de que o trabalho com seu marido agravou seus
problemas físicos, já discorridos na narrativa. Na linha dois, ela explica porque tinha
que se esforçar para cuidar do marido e exemplifica algumas das ações que realizava
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Ele ficou doente 18 anos, “né” [...] 18 anos., às vezes eu falo “será que piorei”.
Mas sei lá, para tirar da cama, eu apoiava em minha perna, segurava, não subia
escada, ele ficava numa cama embaixo da escada... Então, deu muito trabalho...
(ele teve o quê?) três derrames cerebrais, três, dezenove espasmos, (ele tinha
problema de pressão?) Pressão, diabetes, tanto que emagreceu muito, porque
entrou no regime de diabetes, tudo a gente controlava o alimento, comia o que
podia, mas os derrames foram terríveis. Ficou paralisado. [...] No final era um
bebê. Porque, além do derrame ele teve câncer de próstata [...]. Aí, com o
câncer, foi tendo metástase, todos os ossos, foi terrível... [...] é que depois do
câncer ele tinha muitas dores, aí ele queria eu perto. [...] Quando ele teve o
câncer, ele tinha muitas dores, pegou os ossos, teve metástase, foi operado
duas vezes da próstata. [...] Depois foi piorando, cadeira de rodas... Sempre
piorando.
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constantemente com ele, como tirálo da cama. Além disso, ressalva de que ele não
era capaz de subir escadas, denotando a gravidade do caso. Conclui com essas
passagens (utilizase do advérbio “então”) que o marido doente gerou muito trabalho
para ela, pois necessitava de total assistência.
Explica que essa situação de dependência foi causada por três acidentes
vascularcerebral e enfatiza com a repetição do numeral “três”. Além disso, para
demonstrar ainda mais a gravidade do caso, ela utilizase da quantificação novamente
e relata que o marido teve dezoito espasmos. Destaca ainda, ao ser indagada pelo
entrevistador, que o tinha exibia problemas com pressão arterial e diabetes, e que
emagreceu muito decorrente da dieta realizada para controlar o diabetes. No entanto,
com a frase “mas os derrames foram terríveis”, ela ressalva que o que foi de fato grave
foram os acidentes vasculares cerebrais (“derrames”). E destaca que o marido ficou
“paralisado”, imóvel, sem a possibilidade de se locomover o que justifica, então, a
afirmação de que ele deu muito trabalho (linha três).
Na linha sete, ela faz uma colocação de que seu marido, no período terminal
de sua doença, “era um bebê”, uma metáfora que significa que o seu marido estava
em uma situação de dependência similar àquele em que se encontram os bebes. E
explica na próxima frase, iniciando com a conjunção explicativa “porque”, que, além do
problema que atingiu seu cérebro, ele apresentou outra doença, o câncer; por isso,
então que sua dependência foi total, como a de um bebê.
Relata que com o aparecimento do câncer, ocorreu a metástase, ou seja, a
doença se espalhou por outros pontos do corpo, além da região da próstata. E que
essa disseminação atingiu os ossos, e não apenas alguns, pois enfatiza com o
pronome indefinido “todos” de que nenhum osso foi poupado do processo de
metástase. E conclui, na linha nove, que essa situação foi péssima com a frase “foi
terrível”, que faz alusão ao terror, ao pânico. Além disso, enfatiza que com o câncer
ele teve muitas dores, e repete o termo “muitas dores”, nas linhas 10 e 11, para
enfatizar a presença constante de sensações dolorosas.
Lembra, ainda (linha 11), que ele também foi operado duas vezes da próstata,
fato que complementa os fatores listados que agravaram o caso do marido. E conclui
que a piora do estado de doença do marido foi continua, utilizandose do advérbio
“sempre”, que significa “sem cessar”, que seu estado de doença piorou
constantemente até a morte, como lembrou, todo o tempo em sua narrativa.
Trecho 10
Assunto: O problema no joelho
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(trecho relatado no momento em que contava suas expectativas sobre o programa de
exercícios resistidos)
A entrevistada inicia esse trecho com a afirmação que queria fazer o programa
de exercícios resistidos para saber se ela podia melhorar de seus problemas com o
joelho, como já havia comentado anteriormente, na narrativa. Relata que não exibia
mais confiança em si, devido aos problemas na referida articulação. Enfatiza, ainda,
essa desconfiança sobre sua capacidade de movimento, ao iniciar a frase “Realmente
eu não tava com confiança em mim” (linha dois), com o advérbio “realmente”, que
significa, nesse caso, sem dúvida, verdadeiramente.
Assim, fica claro que a locutora tinha plena certeza de que não podia mais
confiar em suas habilidades físicas, pois seu joelho estava constantemente em crise
de dor. Introduz a próxima frase com a conjunção “porque”, que denota que pretende
explicar os fatos narrados nas frases anteriores. Ela explica que essa falta de
confiança em si decorre de um período em que esteve muito mal, em crise. Na frase “e
aí, como não pode andar, você não faz praticamente nada”, conclui que o andar é
primordial para as atividades que queria fazer e, impedida de andar, ela não podia
realizar muita coisa; utilizase do termo praticamente, que significa quase nenhum e
para dizer que, na maioria das situações, ela podia realizar poucos afazeres, que suas
possibilidades de movimento se aproximaram do zero, do nada.
Na linha três, ela ainda enfatiza que sente um medo constante de não
conseguir se recuperar de uma crise, sentimento que fica claro na frase “E é sempre
aquele medo, sabe Fabiano... De não voltar...”. Essa situação de medo leva a um
sentimento de incerteza com relação à sua recuperação, fato que fica bem explícito
com a questão que diz formular sempre que está nessa situação: “será que eu vou
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Eu queria fazer pra ver se eu melhorava... Não tinha mais confiança...
Realmente, eu não tava com confiança em mim... Porque eu tinha estado muito
mal e, aí, como não pode andar, você não faz praticamente nada... E é sempre
aquele medo, sabe Fabiano... De não voltar... E isso dá uma impressão, será
que eu vou conseguir movimentar... Porque quando tá com dor, inflamado, você
não pode se animar... Você vai se virar, dói... O meu sofá, a mola de baixo... e é
aquelas molas inteiras...até o tapeceiro falou, Nossa Senhora! Essas molas aqui
são as melhores que têm... Uma arrebentou... De tanto que eu ficava mais no
sofá... Minha filha abria a porta, e dizia: “tá tudo normal, tá deitada” É que eu
deixei de comer, até, sabe... Dessa vez, eu passei muito mal, mesmo, emagreci
quatro quilos deitada lá...
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conseguir movimentar”; ou seja, será que, depois de todas essas dores, conseguirei
retomar a possibilidade de me locomover.
Utilizase da conjunção “porque”, na próxima frase para iniciar a explicação de
como ocorrem as crises de dores no joelho. Ela explica que, em período de crises, não
pode ter o direito de se animar, ou seja, de se entusiasmar em realizar alguma coisa.
Isso decorre, explica, qualquer movimento que realiza, sente dores, como na frase
(linha 6): “você vai se virar, dói”. Isso quer dizer que, até um simples movimento de
mudar de lado em um sofá (como exemplificará adiante), provoca dor. É importante
destacar que ela constrói as duas frases sobre esse assunto (linhas cinco e seis: “você
não pode se animar... Você vai se virar, dói...”) utilizando como sujeito da frase o
pronome de tratamento “você”, com o objetivo de demonstrar que qualquer um, eu ou
você teríamos o mesmo problema com as crises no joelho.
A locutora exemplifica que sua impossibilidade era tamanha com relação a
movimentação que, de tanto ficar apenas deitada em seu sofá, as molas da estrutura
do sofá arrebentaram devido a seu constante uso. Exemplifica ainda, com uma fala da
filha (linha nove), no momento em esta adentrava em sua casa “’tá tudo normal, tá
deitada’”; ou seja, para sua filha era normal que sua mãe estivesse deitada, pois era
essa a situação mais freqüente, devido às constantes crises no joelho.
A entrevistada realça ainda que, nesse momento de uma grave crise de dor no
joelho, quase totalmente impedida de movimentarse, ela deixou de se alimentar. Com
a frase “eu passei muito mal, mesmo”, realça, com o uso do advérbio “muito”, que seu
estado era excessivamente ruim, e finaliza que, ao se manter deitada por causa do
problema do joelho, emagreceu quatro quilos.
Trecho 11
Assunto: sobre o problema com o joelho
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Até que está desinchando, mas quando eu fico sentada tá desinchado, quando
eu levanto, parece que desce... Mas é ruim por causa da inflamação, aí ele quer
fazer pulsão, aí, eu sofri muito com a tal da pulsão... Mas, não é com a seringa,
igual tirar água do joelho, é um caninho de plástico, assim grosso que nem um
dedo, toma anestesia tudo, mas depois, meu Deus do céu, esse ano foi terrível,
os três meses, final de julho, agosto, foi muito...
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A locutora inicia com o advérbio “até”, que significa, “ainda”, no sentido da frase
"até que está desinchando”, que quer dizer, no momento, parece que está diminuindo
o inchaço. Mas explica que essa situação ocorre quando está sentado, pois ao
levantarse, ela diz, “parece que desce”, que o inchaço movese para baixo.
Prossegue e diz que ruim mesmo é o processo inflamatório. Explica que o processo
inflamatório exige procedimentos, tais como a pulsão, e acrescenta que sofreu muito
ao ser submetida a esse procedimentos. Realça ainda que a pulsão não é realizada
com uma simples seringa.
Síntese da entrevista do sujeito D
Esse sujeito destaca que a cada dia pode sentir melhoras em sua
funcionalidade, que procurou faltar o mínimo possível para não perder nenhum dia de
treino (trecho um). No trecho dois, ele descreve com mais detalhes sua melhora
funcional e relata que tem mais disposição para realizar seus afazeres domésticos,
além de sentirse com mais disposição para comer, pois relata que tem medo de
emagrecer (trecho dois). Destaca também que não sentia dores no seu joelho após a
realização do exercício de leg press (trecho três). Ademais, ressalva novamente que o programa de exercícios resistidos possibilitou que pudesse subir escadas,
ininterruptamente, nos dias em que limpa sua casa, sem sentir dores (trecho quatro).
No trecho cinco, extraído do caderno de campo, relata que se sente mais capaz de
andar e subir no ônibus, referindose, provavelmente à melhora nas dores do joelho. É
importante notar que, nesse período, esse sujeito não tinha realizado nenhum
exercício para a região muscular que movimenta o joelho.
Sobre a redução da freqüência semanal, ele destaca que preferiu o período
com duas vezes por semana, porque, no período de manutenção, sentiase mais
fraco, com menos disposição (trecho seis), mas que não percebeu nenhuma alteração
em seu cotidiano (trecho sete).
Com relação ao seu contexto de vida, realça, no trecho oito, que sente medo
de emagrecer porque viu seu marido literalmente definhar, mediante a instauração de
um câncer. Emagrecer é enxergar, em si, seu marido na fase final de sua vida. No
trecho nove, ele descreve com mais detalhes o sofrimento de seu marido, que além de
câncer teve outras complicações. O problema, o joelho, é destacado nos trechos dez e
onze novamente. Explica que com o joelho inflamado não é possível que ele se
movimente, fato que a faz ficar em constante repouso, sem vontade de comer e, por
conseguinte, sofre um processo de emagrecimento. No último trecho, enfatiza a
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1 2 3
supino
leg press
cost as
ombro
glut eos
gravidade de seus problemas com o joelho, que sofreu demais por causa das
constantes “pulsões” que tinha que realizar para amenizar o processo inflamatório.
O desempenho da força muscular
Com relação ao desempenho de sua força muscular (Figura 4), notase que ela
experimentou um aumento em todos os exercícios, na primeira fase do programa. Na
fase de manutenção, houve uma constância nos resultados obtidos na primeira fase.
Para o exercício de leg press podese observar que só o praticou na segunda fase do programa, devido à impossibilidade gerada por uma inflamação no joelho. Por isso
este exercício só foi introduzido, na segunda fase, com uma intensidade de 20
repetições máximas, menor, portanto, que a proposta no programa.
Figura 4 Desempenho da força muscular do Sujeito D nos exercícios propostos
1inicio do programa; 2final do período de duas vezes semanais;
3final do período de manutenção
SUJEITO E
Participante do sexo feminino, com 63 anos. Casada, mãe de dois filhos, avó de dois
netos e mora com o marido que é dentista. Não pratica nenhum tipo de atividade física
e sua atividade rotineira principal é cuidar dos netos e da casa. Participou do Projeto
Sênior no ano de 2003 e freqüenta o Projeto de Transição.
MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE
Trecho 1
Assunto: Sobre as melhoras na capacidade funcional depois do programa de
exercícios resistidos
kg
94
(O relato surge pela indagação do entrevistador)
A locutora inicia com a interjeição “ah” que, nesse contexto, indica alegria e introduz
que sentiu melhoras, que a resposta à questão é “sim”, positivo. Continua e indica que
está mais disposta, com maior disposição, e emprega a expressão “né” que significa,
“não é”, “não é assim”. Finaliza a frase com o pronome “tudo”, que significa, nesse
contexto, sem exceção, em todas as coisas.
Acrescenta que “a gente vai se animando”. O termo “a gente” indica um grupo de
pessoas, no qual se inclui, que vão se entusiasmando com a prática de exercícios.
Exemplifica que, em período anterior ao programa, ela não subia escadas na frase
“antes, eu não subia nem na escada”. O emprego do advérbio “antes” denota
claramente que isso ocorreu antes da participação do programa. Ademais o uso do
pronome “nem”, que significa “sequer”, leva à compreensão de que, pelos menos ela,
deveria subir em escadas, mas que sequer ela poderia realizar essa ação antes do
programa de exercícios.
Prossegue com esse exemplo e diz que possui uma escada (“eu tenho a minha
escadinha”), mas que não a usava, que a deixava guardada no armário (“deixei no
armário”), porque, justamente, nem isso ela podia fazer. Ressalta que dependia dos filhos para realizar ações que necessitavam do uso da escada, pela frase: “pedia tudo
para os meus filhos”. Fica claro que essa dependência é passada, pelo emprego do
verbo pedir no tempo pretérito, e que era total, pelo uso do pronome “tudo”
precedendo o objeto “para meus filhos”. Além disso, o emprego do pronome “tudo”
denota a necessidade da locutora em enfatizar sua condição de dependência dos
filhos, não apenas em algumas ações que ela dependia de seus filhos, mas todas.
Na linha três, ela relata o momento presente. Isso fica claro com o emprego do
advérbio “agora” na frase “agora não”. Ademais, o emprego do advérbio “não” refere
se à negação da situação referida anteriormente. Segue o discurso e diz que, no
momento, utiliza a escada, sobe nela e que não tem medo (“eu pego a escada e subo,
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Ah, sim mais disposta, “né”, para tudo, e a gente vai se animando, antes, eu não
subia nem na escada, eu tenho a minha escadinha, deixei no armário, eu pedia
tudo para os meus filhos, [...] agora não, eu pego a escada e subo, eu não tenho
medo, não sei, parece que a gente fica mais disposta, tenho força, ajudo o meu
marido carregar as coisas, “né”, “mas você não pegava peso!”, ele fala. Quanto
mais a gente vai fazendo, melhora, que eu acho que vai ficando atrofiado, né, se
não exercita, eu não pegava muito peso, agora ajudei ele carregar o material,
porque minha casa, já faz uns três meses, tá mexendo e não acaba a casa,
então, para pegar material, eu ajudo ele.
95
eu não tenho medo”). Em seguida, fala: “não sei, parece que a gente fica mais
disposta”, o emprego da frase “não sei”, seguido do termo “parece”, indica que a
locutora não tem certeza do que fala, que não sabe ao certo o porque de sua maior
disposição. Conclui e acha que esta mais disposta que tem mais força.
Complementa a afirmação de que tem mais força ao contar o fato de que ajuda o
marido a carregar coisas, e finaliza esse relato com uma fala do marido: “mas você
não pegava peso”, que indica que ela não realizava a ação de carregar pesos em
momento anterior. Ademais, isso denota que percebeu, também, sua melhora através
da observação de seu marido sobre ela.
A locutora prossegue na linha cinco e explica que “Quanto mais a gente vai fazendo,
melhora”. Conclui, em seguida, que, se não exercitar os músculos, pode ocorrer uma
atrofia. Exemplifica essa reflexão com o relato de que antes do programa não
carregava muito peso e que agora ajuda o marido a carregar materiais, “ajudei ele”, o
pronome “ele” referese ao marido. Finaliza com a explicação de que isso ocorre
porque “está mexendo na casa”, reformando sua residência, e conclui utilizando o
advérbio “então”, na frase “então para pegar material eu ajudo ele”, em que ela explica
que ajuda o marido a pegar o material da reforma. Essa ação de ajudar o marido é
possível, então, porque agora ela tem força, já que antes ela não carregava pesos,
como disse seu marido.
Trecho 2:
Assunto: Sobre carregar os materiais da reforma e sentirse mais forte
(Trecho discorrido logo após o anterior, mediante aprofundamento do relato solicitado
pelo entrevistador)
A locutora confirma que se sente mais forte ao utilizar o verbo “é”, e reforça que
carrega os materiais, com a frase “eu pego”. Complementa que não sente essas
ações, com a frase “e não sinto”, que parece referirse a dores no corpo ou a um
esforço exaustivo, os quais apontou em outros momentos da narrativa. E explica que,
no passado, não exibia a capacidade de carregar pesos, com a frase “porque
antigamente eu não conseguia pegar peso”, e realça, com o emprego do advérbio
“agora”, na frase “agora não”, que, no presente, isso não mais ocorre.
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É, eu pego e não sinto, porque, antigamente, eu não conseguia pegar peso,
agora não... [...] mesmo os balde, com essa economia de água, eu tenho uns
baldão grande, daí a gente pega a água da roupa, no quintal, né, que é casa,
então, para jogar no chão, para lavar o chão, e aí, eu não conseguia, agora eu
pego dois, eu procuro pegar dois iguais.
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Na linha dois, ela oferece outro exemplo sobre sua capacidade de força. Fala que
pode pegar baldes em sua casa, os quais usa para lavar o quintal. Enfatiza que os
baldes são grandes (“eu tenho uns “baldão” grande”) e que são para lavar o chão.
Prossegue e explica que não conseguia pegálos (“e, aí, eu não conseguia”), ou seja,
que no passado, não podia pegar tais baldes volumosos. Mas, no momento presente,
ela fala que “agora eu pego dois”, que ele consegue segurálos e, além de conseguir
carregálos, ainda procura pegar dois baldes de igual volume.
Trecho 3:
Assunto: Sobre como foi que percebeu que conseguia pegar, agora, dois baldes
(trecho que complementa o anterior, mediante solicitação de mais detalhes pelo
entrevistador)
A locutora inicia esse trecho, sobre como percebeu que estava mais forte, com
a interjeição “ah”, que introduz o próximo relato com veemência, com alegria, espanto.
Ela explica que percebeu suas melhoras no cotidiano, porque foi sentindo que podia
realizar ações rotineiras sem dor. Ela aponta, na linha um, que sentiu que realizar as
ações cotidianas, que envolviam dor, não a machucava. Ela prossegue e lembra que,
no momento passado, ao realizar tais ações, ela sentia dores, com a frase, nas linhas
um e dois: “eu ficava com dor, “né”, porque, antigamente, eu fazia e tinha dor”. Assim,
se no momento anterior ele pegava peso e sentia dores e agora isso não mais ocorre,
algo deve ter mudado e isso deve advir do aumento de sua força.
Na linha dois, ele recorre a uma reflexão pessoal que, era decorrente das
constantes dores ao levantar pesos “– Ah, eu não posso carregar peso! Me dói o rim”,
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Ah, porque eu fui sentindo, não machucava, eu ficava com dor, “né”, porque
antigamente eu fazia, tinha dor: “– Ah, eu não posso carregar peso! Me dói o
rim” [ nesse momento, a locutora desencosta da cadeira, aponta a região do rim com a mão e, com o rosto, exibe uma expressão de dor] e não é, né, é falta de fazer... Eu fui e não sinto nada! ... Porque aquilo vai atacar os rins, “né”. É fui
fazendo, fui pegando as coisas, eu até carrego o meu neto, mas sempre com
postura, porque ele é magrinho, ele é alto [...] então ele tem uns 12kg, mas eu
pego ele, assim, eu não sinto. [...] eu carrego ele, mas não sinto dor nenhuma,
ele anda bastante, quando eu desço assim com ele para brincar, ele anda
bastante, mas eu carrego também, “né”. [...] Eu fico com ele para lá e para cá, e
a gente nota que, nossa, se eu segurasse peso, eu sentia dores, doía as costas,
o rim, agora não, eu não sinto nada, graças a Deus!
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para exemplificar que já tinha percebido que não podia carregar pesos, que
isso lhe causava dores na região dos rins. Além disso, nesse momento a locutora
enfatiza o seu relato afastandose do encosto da cadeira onde sentava e aponta o rim
com a mão para deixar claro onde doía e, pela expressão de sua face, entendese que
era uma situação dolorosa, penosa.
Na linha quatro, com a frase, “e não é, né, é falta de fazer...”, a locutora conclui
que seu problema (as dores), não era devido, exatamente à realização de tarefas
pesadas no cotidiano, mas, sim, à falta de exercícios. A entrevistada inicia a linha
cinco com o período, “Eu fui e não sinto nada!”. A frase “eu fui” referese à ação
relatada anteriormente, de pegar os baldes de água. Sobre isso, complementa com a
frase “e não sinto nada”, para exemplificar que não sente dores ao carregar os baldes
de água, porque essa ação iria provocar algum efeito na região renal. Essa conclusão
tornase claro com a frase, “Porque aquilo vai atacar os rins, “né”, pois se inicia com a
conjunção “porque”, que designa causa. Além disso, o pronome demonstrativo
“aquilo”, referindose à ação de carregar os baldes, é empregado para resgatar o
momento em que ela percebera que não sentia mais dores.
A locutora acrescenta outra percepção de sua força incrementada com o caso
de carregar seus netos. Ela disse que consegue carregar seu neto com a frase, “eu
até carrego o meu neto”. O emprego do advérbio “até”, nesse contexto, significa
“ainda”, “também”, que leva à compreensão da frase no sentido de que, também com
o neto, assim como com os baldes, sua capacidade de carregar está melhor. A
locutora ressalva, ainda, que não é de qualquer forma que ela carrega seu neto, que
procura manter sua postura. Na linha sete, ela complementa seu relato com a
descrição física de seu neto, para demonstrar que, apesar de ele ser “magrinho”, ele
apresenta massa corporal de doze quilos. Prossegue e fala: “mas eu pego ele”, que
quer dizer que mesmo com doze quilos, ela pega seu neto no colo e, ainda assim, não
sente mais dores.
Continua, na linha oito, a enfatizar que carrega seu neto e, com a frase “mas
não sinto dor nenhuma”, indica uma contraposição em que mesmo esforçandose, ela
não sente mais sensações dolorosas. Essa contraposição, identificada pela emprego
da conjunção “mas” no início da frase citada, denota que, antes, havia uma relação
direta entre pegar o neto e sentir dores e que, no momento presente, isso não mais
ocorre. Complementa que, no cuidado com o neto, a criança anda, se movimenta, mas
que ela tem também que carregálo, que isso ele necessita fazer, que é rotineiro no
cuidado com a criança.
Finaliza o trecho realçando que cuida de seu neto e pode notar, nesse cuidado,
que, no momento passado (“se eu segurasse peso eu sentia dores”, linha 11), ela
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sentia dores ao carregálo. O emprego da conjunção “se”, no início da frase, indica
que segurar o neto era uma condição para que ela sentisse dores nos rins e nas
costas. No entanto, o uso do verbo sentir no pretérito (“sentia”) denota que isso não
mais ocorre. Isso fica mais evidente ainda na frase “agora não” (linha 11), pois com o
emprego do advérbio “agora”, que significa “presentemente”, “neste instante”, realça
que essa condição de dores é passado. Ademais, no momento presente, ela não
sente nenhum tipo de dor (“eu não sinto nada”, linha 12) ao realizar a ação destacada
(carregar o neto), que fica claro pelo emprego do pronome indefinido “nada”, que
significa “nenhuma coisa”, “coisa alguma”.
Trecho 4 (Caderno de campo) 10/09/2005
Assunto: Como tem se sentido com a participação no programa
Nesse trecho, anotado no caderno de campo, na primeira fase do programa,
essa participante relata, na primeira linha, que se sente com mais disposição e
animação. A repetição do advérbio “mais” denota a preocupação de realçar que sua
disposição e animação já existiam, mas se elevaram mediante a participação no
programa. Ainda na linha um, destaca que não sente dores. O início da frase “para
mim, não tem doído nada” denota que se refere ao resto do grupo que, nessa fase
inicial, sentia muitas dores musculares. Na linha dois, destaca que sente apenas dores
no joelho, mas que elas não são devidas ao programa, mas, sim, a uma caminhada
que realizou e conclui que “foi isso que afetou meu joelho”.
Trecho 5:
Assunto: A redução da freqüência semanal do programa de exercícios
(trecho proferido por ocasião de uma questão dirigida pelo entrevistador, logo após o
trecho anteriormente destacado)
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Estou me sentindo mais disposta, mais animada... Para mim, não tem doído
nada... Só o joelho... Pois, essa semana, caminhei do São Cristóvão até aqui, e
acho que foi isso que afetou meu joelho.
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Sobre a redução da freqüência semanal, a locutora relata que sentiu a
diminuição de um dia, porque em casa é difícil fazer exercícios. A frase que leva a
esse entendimento é a primeira da linha um: “Ah, eu senti falta porque, em casa a
gente quase não faz”. O emprego do termo “a gente”, na fase destacada, denota a
preocupação da locutora de demonstrar que não é apenas ela que não realiza
exercícios em casa, mas, sim, um grupo no qual se inclui.
Ainda na linha um, com a frase “aqui, ‘né’”, ela referese ao programa de
exercícios resistidos, do qual havia participado na universidade, em contraponto à
situação da impossibilidade de realizar exercícios em casa. Nesse sentido, procura
enfatizar que a situação é distinta daquela de realizar exercícios em casa. Isso ocorre
porque, no programa na universidade, como ela disse, “a gente faz mais”, é possível a
realização mais freqüente de exercícios.
Na linha dois, relata que sente a diminuição, mas a força não muda (“o ritmo”),
porque há uma continuidade (“porque você vai fazendo”). Realça que não sentiu
dificuldades quando a freqüência semanal diminuiu, pois ela manteve o ritmo. Ela
disse: “já acostumei” (linha quatro), para demonstrar que já tinha se adaptado. E
conclui com a frase “então “ta” igual assim, “né”, que quer dizer, de maneira conclusiva
(utilizase do advérbio "então”), que a força está igual porque ela já estava adaptada,
acostumada, ao programa.
Na linha cinco, ela enfatiza, novamente, que a força não mudou. Isso fica claro
na frase “Não senti, com a força, “tá” igual”, que inicia com a expressão negativa “não
senti” e finaliza “com a força, “tá” igual”, ou seja, que não observou diferenças em sua
força no período em que houve a redução da freqüência semanal.
Na linha seis, ela relata que estão o mesmo jeito os seus afazeres cotidianos.
Isso fica claro ao retomar o exemplo de carregar os baldes; que continua com a
capacidade de carregálos; que a redução das atividades de exercícios resistidos não
ocasionou piora nesse aspecto.
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Ah, eu senti falta porque, em casa, a gente quase não faz... Aqui, “né”, a gente
faz mais... A gente sente, “né”, mas o ritmo continua o mesmo, porque você vai
fazendo... (mas você achou que ficou mais difícil quando passou fazer uma vez
por semana?) Não, porque acostumei, acho que já no ritmo, então, “tá” igual
assim “né”, (mas você preferia fazer as duas vezes?) Não senti, com a força,
“tá” igual. Continuo do mesmo jeito, procuro ficar sempre com postura e carrego
os baldes...
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MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA
Trecho 6
Assunto: Sobre a morte de sua mãe e o seu relacionamento com ela
(Trecho relatado no momento em que contava sobre sua participação no projeto
sênior)
Nesse trecho a locutora revela que passou por momentos difíceis com o
falecimento de sua mãe. Ela inicia o trecho de que sua mãe faleceu havia cinco anos.
Complementa dizendo que tem mais irmãos, e é a mais nova deles. No final da linha
um, ela realça que era muito ligada à sua mãe, com a frase “Eu era muito apegada a
ela”, que era uma sentimento intenso, pois utiliza o advérbio “muito”, que significa em
demasia, em abundância.
Logo após, com a frase “eu era a caçula”, parece justificar o motivo de seu
apego com sua mãe, que isso ocorria porque ela era a filha mais nova. Na linha dois,
prossegue com a frase “e ela era muito comigo, assim”, que significa que sua mãe
também exibia um apego da mesma natureza por ela, que era um sentimento
recíproco.
Acrescenta ainda que dividiam o mesmo espaço freqüentemente, pois sua mãe
estava sempre em sua casa: “Ela ficava sempre em casa” (na casa da locutora), que
quer dizer que mãe e filha estavam sempre juntas. Ela enfatiza essa proximidade, com
a observação de que, no momento de sua morte, sua mãe estava morando em sua
casa, relato observado na frase “Tanto que, quando ela faleceu, ela “tava” morando
comigo”.
Repete na linha quatro, que era muito apegada à sua mãe, para realçar
novamente seu sentimento da necessidade da proximidade com sua mãe e conclui
que, com o falecimento dela, não exibia vontade, disposição de fazer coisa alguma.
Finaliza dizendo que foi um período muito penoso para ela, com a frase “foi muito
difícil para mim “né”.
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Fazem cinco anos que faleceu minha mãe, e eu sou a caçula de 8 irmãos. Eu
era muito apegada a ela, eu era a caçula, e ela era muito comigo, assim... Ela
ficava sempre em casa... Tanto que, quando ela faleceu, ela tava morando
comigo. Eu era muito apegada à minha mãe, então, quando ela morreu, eu não
tinha vontade de fazer nada. Eu ficava quietinha num canto, foi muito difícil para
mim, “né”.
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Trecho 7
Assunto: Sobre outros momentos de tristeza em sua vida: outras mortes
(Trecho relatado no momento em que relatava sobre a morte de sua mãe)
A locutora realça que estava passando por um momento difícil em sua vida,
porque, além do falecimento de sua mãe, sua sogra também morrera. Enfatiza na
linha dois, que sua sogra sofreu uma queda e que quebrou o fêmur, para demonstrar
que o caso de sua sogra foi grave e que por isso necessitou de cuidados. Esses
constantes cuidados foram realizados pela locutora, o que fica claro na frase “Aí, eu
fiquei cuidando dela”. O advérbio “aí”, na frase destacada, tem o mesmo significado de
então, que denota que a conclusão da queda de sua sogra foi a necessidade de
cuidados constantes realizados pela entrevistada.
Ela justifica que teve que cuidar de sua sogra (linha três e quatro), pois sua
cunhada não poderia assumir tal responsabilidade, já que estava cuidando de outra
pessoa (o cunhado da locutora) que também viria a falecer. Ela conclui, a partir desses
relatos, que, nesse período de sua vida, ocorreram muitas mortes, doenças, e isso
retoma sua observação da linha um, que foi um momento difícil de sua vida.
Na linha seis, resume o montante de falecimentos que ocorreram em um
período próximo da morte de sua mãe. Fica claro que além de sua mãe, faleceram
dois cunhados e sua sogra.
Síntese da entrevista do Sujeito E
O Sujeito E relata, no trecho um, que se sente mais disposto para tudo, e
exemplifica que agora pode utilizar uma escada portátil para alcançar objetos altos,
sem o auxílio dos filhos. Além disso, destaca que ajuda o marido a carregar objetos, e
ressalva que o surpreendeu ao propiciar tal auxílio. No trecho dois complementa essa
ultima colocação e realça que consegue carregar baldes grandes de água. No trecho
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É, eu tava passando por uma fase muito difícil, “né”, com a morte da minha mãe,
depois, faleceu minha sogra também. Minha sogra caiu, quebrou o fêmur. Aí, eu
fiquei cuidando dela, que minha cunhada estava no hospital, com o meu
cunhado, que também faleceu, foi um período de muitas mortes, doença. [...]
meu cunhado faleceu em abril, e minha sogra, em junho. Morreu minha mãe,
depois meus dois cunhados, o marido da minha irmã, o marido da irmã do L. e a
minha sogra.
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supino
leg press
costas
ombro
glut eos
três, explica que percebeu que podia carregar esses baldes, porque não sentia mais
dores na região dos rins, além de poder carregar seus netos sem dores. Em discurso
anotado no caderno de campo (trecho quatro), podese registrar que o Sujeito E
sentiase mais animado e com mais disposição mediante a participação no programa e
que não sentia dores. Sobre a redução da freqüência semanal, relata que sentiu falta
porque não podia fazer em casa, mas relata que não ficou mais difícil para realizar o
programa no período de uma vez semanal.
Sobre seu contexto de vida, relata que sofreu muito com a morte de sua mãe,
que era muito apegado a ela e que, quando sua mãe faleceu, esta residia em sua casa
(trecho seis). Além disso, destaca que não foi apenas a morte de sua mãe que lhe
causou sofrimento, em curto espaço de tempo faleceram também sua sogra, e dois
cunhados (trecho sete).
O desempenho da força muscular
Com relação ao comportamento de sua força muscular (Figura 5), notase que
nos três exercícios que o Sujeito E realizou, pôde experimentar uma elevação da força
no primeiro período. No período de manutenção, a força, para o exercício de supino,
diminuiu e, para os outros dois, observouse uma elevação. Esse sujeito não pôde
realizar os exercícios para os membros inferiores (leg press e glúteos), por apresentar impedimento na articulação do joelho.
Figura 5 Desempenho da força muscular do Sujeito E nos exercícios propostos
1início do programa; 2final do período de duas vezes semanais;
3final do período de manutenção
SUJEITO F
kg
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Participante do sexo feminino, com 65 anos. Está no segundo casamento, é
mãe de dois filhos, que são frutos do primeiro casamento, cujo marido faleceu. Sofreu
com a morte de um dos filhos por infarto. Pratica hidroginástica e caminhada, três
vezes por semana. Participou do Projeto Sênior em 2002 e participa do Projeto de
Transição.
Trecho 1
Assunto: Sobre sua capacidade de força
(Relato presenciado no momento em que revelava suas idéias sobre os exercícios
resistidos)
A locutora inicia o trecho sobre as melhoras que percebeu em seu cotidiano, a
partir da participação no programa de exercícios resistidos. Ela inicia com a frase “que
antes de eu fazer” e introduz, assim, o entrevistador em uma situação que ocorreu
antes da participação no programa. Explica que tem uma neta pequena e, na frase
seguinte, revela que não é apenas uma, pois na frase “quando eu carregava minhas
netas”, o objeto direto “minhas netas” denota que não é apenas uma, como relatara.
Na linha dois, ela diz que quando carregava as netas no colo, sentiase
atrofiada no dia seguinte. Explica que esse “atrofiamento” era percebido no dia
seguinte, pela presenças de dores, como relata pelas frases “doía a coluna” e “doía
essa parte aqui, como é que chama?”; nessa última frase, ela não se lembra do nome
do local onde também sentia dores e indica o glúteo para que o entrevistador pudesse
compreender. Prossegue, na linha três, com a frase iniciada com a conjunção
explicativa “porque”, para explicitar que era uma situação (“uma coisa”) que era
habituada. Ela continua e explica que não carregava pesos habitualmente. Após essa
explicação, ela utilizase da expressão “né”, que significa “não é assim”, “não é
verdade”. Ainda complementa que carrega um pouco de peso, “carrego uma sacolinha
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Que antes de eu fazer... que eu tenho neta pequena...quando eu carregava
minhas netas no colo, no dia seguinte eu estava atrofiada...doía a coluna... doía
essa parte aqui, como é que chama?...[indica o glúteo] ...Porque é uma coisa
que eu não estava acostumada...carregar peso...né...carrego uma sacolinha ali
quando você vai fazer uma compra...mas eu não venho carregada com
peso...agora, quando eu carregava minha neta...aí.. e quando as duas queriam
ficar no meu colo... são gêmeas... aí no dia seguinte...e aí no dia seguinte, tava
assim... e agora não...porque eu tenho condicionamento para segurar o peso.
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ali quando você vai fazer uma compra” e, na próxima frase, “mas eu não venho
carregada com peso”, o emprego da conjunção adversativa “mas” indica uma
contraposição à frase anterior, que carrega peso, mas não muito.
Ela retoma o caso de carregar suas netas e acrescenta que, às vezes, não era
apenas uma que tinha que carregar no colo, mas as duas, ao mesmo tempo; explica
que isso ocorria porque elas são gêmeas (linha sete). A locutora retoma que, por esse
motivo, ela ficava do jeito que relatara anteriormente e enfatiza com a repetição da
frase “no dia seguinte” (linha 7), que isso era percebido no dia seguinte, e conclui que
“tava assim”, que ficava da maneira que relatara no início. Finaliza e conclui que, no
momento presente, não apresenta mais esses problemas (“e, agora, não”) e explica
que, agora, exibe aptidão para carregar o peso (“porque eu tenho condicionamento
para segurar o peso”).
Trecho 2
Assunto: As melhoras percebidas no joelho
(Relato utilizado para complementar o trecho anterior)
A locutora relata que sentiu melhoras também na região do joelho. Explica que
possui artrose nessa articulação, e que o trabalho na região da coxa levoua a
hipotetizar que ganhou mais resistência nessa região; indicaa com a mão e retoma no
final da frase, “nessa parte da minha perna”. Conclui que seu joelho não ficou com
excesso de carga na frase “o joelho não ficou tão sobrecarregado”. Complementa que
tinha sensações de fraqueza na região do joelho e pede a confirmação do
entrevistador sobre sua afirmação com a frase “sabe quando você sente que tua perna
é fraca... Né..”, utlizase da expressão “né”, que significa “não é”, não é “isso mesmo”.
Segue e realça que sentia que, em pouco tempo, começava a sentir dores na
região em questão, e a aponta o joelho com a mão. Na frase seguinte, “e agora não”,
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E o próprio joelho... Que eu tenho artrose, como trabalha com essa parte aqui, [aponta com a mão a coxa]...eu acho que deu uma resistência maior... nessa parte da minha perna, e o joelho não ficou tão sobrecarregado...que eu sentia
que eu tinha fraqueza nessa área... sabe quando você sente que tua perna é
fraca...né..[...] É ... eu sentia que logo começava doer essa parte [aponta o
joelho com a mão] e agora não...meu joelho melhorou, porque eu acho que dei
mais força nessa parte da perna...
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introduz que, no momento presente, o joelho dela melhorou. Ela explica a causa da
melhora do joelho com a frase “porque eu acho que dei mais força nessa parte da
perna”.
Trecho 3:
Assunto: A melhora na coluna
Nesse trecho, a entrevistada enfatiza que, na coluna, percebeu melhoras. Ela
sente que exibe mais estabilidade, na coluna, com a frase “na parte da coluna você
sente que tem mais firmeza”. Exemplifica suas melhoras, como o levantar de um sofá,
ou de uma cadeira (enfatiza repetindo o verbo “levantar”). Ela também explica que em
momento anterior (utilizase do advérbio “antes” e do verbo “ter” no passado),
necessitava de um apoio para realizar tais ações. Mas, no momento presente, que fica
claro pelo emprego do advérbio “agora” (nesse momento), ela realiza tais ações com
facilidade. Acrescenta ainda que existem outras melhoras com a frase “uma série de
coisas”.
MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA
Trecho 4
Assunto: O infarto que sofrera antes de engajarse em programas de atividade física
(trecho relatado no momento em que é indagada sobre algum evento que tivesse
ocorrido em sua vida que a levasse a parar de praticar exercícios)
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Mesmo na parte da coluna, você sente que tem mais firmeza...voce vai levantar
de um sofá... levantar de uma cadeira...antes eu tinha que me apoiar... agora eu
levanto com facilidade...uma série de coisas...
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Nesse trecho, a locutora relata sobre um infarto que teve antes de iniciar suas
atividades no projeto sênior. Ela sintetiza, na primeira linha, que teve um infarto, que
isso aconteceu antes dela procurar a prática de atividade física. Ela inicia uma frase,
na linha um, com o advérbio “então”, para demonstrar o desdobramento que causou
em sua vida o evento do infarto. Ela relata que, por esse motivo, procurou mudar seu
estilo de vida (“então tudo me levou a procurar melhorar meu estilo de vida”). Na linha
dois, prossegue com a frase “você sabe, que, depois de que teve o infarto, não pode
ficar parada mesmo”. Inicia essa frase com a expressão “você sabe”, que pede a
confirmação do entrevistador para a colocação que faz em seguida, de que, para
quem apresenta um infarto, não é possível que se mantenha parado.
No final da linha dois, descreve como foi o dia em que teve o infarto. A locutora
relata que não sentiu dores, nem no braço, nenhuma, a partir da frase “não tive dor
nenhuma... não... não tive dor no braço, não tive nada...”. Enfatiza a ausência de dores
com a repetição da expressão negativa “não tive”, em três momentos, nas linhas dois
e três. No entanto, ela lembra que teve uma dor na região dos rins. Explica que
achava que isso era devido a um excesso de movimento que poderia ter realizado e
que teria afetado a região da coluna. E reforça que a única região de seu corpo que
apresentou dores foi a região das costas.
Declara que ficou internada na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) e
finaliza essa afirmação “e fiquei na UTI já” com o advérbio “já”, que indica logo,
diretamente, sem demora. Continua a relatar sobre seu período na UTI e enfatiza, com
a repetição do verbo “fiquei”, o momento que esteve em tratamento na UTI, finalizando
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Eu tive infarto, né...[...] eu tive antes de começar...então, tudo me levou a
procurar melhorar meu estilo de vida... Você sabe que, depois de que teve o
infarto, não pode ficar parada mesmo...[...] foi em casa, não tive dor
nenhuma...não... não tive dor no braço, não tive nada...tive uma dor perto dos
rins, assim...e eu achei que eu tinha abusado.. Aquela época eu estava parada...
Não fazia... Uma vida ociosa...falei acho que eu fiz um movimento que afetou a
coluna... eu não sentia nada disso, eu tinha dor só nas costas [...] e fiquei na UTI
já. Fiquei, fiquei 15 dias... Depois mudei de hospital, fui pro hospital do meu
convênio... mas fui de ambulância ... Não foi uma coisa simples... Aí, quando eu
voltei fui pro cardiologista... fazer um acompanhamento... Ele falou: “você
precisa melhorar seu estilo de vida” [...] “você tem que caminhar”... aí eu
comecei a caminhar... e do caminhar que eu fui procurando outras coisas...aí eu
fui procurar uma vida melhor pra mim...e sempre você faz depois que acontece...
107
com a colocação de quantos dias esteve em tal situação. Realça que, após esse
período (utiliza o advérbio “depois”), ela teve que mudar de hospital. A locutora
acrescenta que mudou para um hospital que pertencia a seu convênio (seguro saúde),
mas frisa que foi de ambulância. Conclui esse trecho dizendo que, pelos motivos
relatados, não foi uma situação simples (“não foi uma coisa simples”).
O desfecho desse evento do infarto, declara a locutora, foi o inicio de um estilo
de vida ativo. Ressalta que, ao voltar do hospital, procurou um cardiologista e que a
aconselhou “você precisa melhorar seu estilo de vida”,“você tem que caminhar”. O
entrevistada disse que seguiu as recomendações do médico, iniciou a caminhada, e
esta foi uma atividade que a impulsionou a procurar outras atividades, às quais se
refere empregando o termo “coisas” (linha nove). Conclui que com essas atitudes ela
procurou uma vida melhor para ela.
Trecho 5
Assunto: As causas que ela atribui à ocorrência de seu infarto
(O trecho foi descrito para justificar o seu infarto, já que ela não apresentava na época
fatores de risco)
A entrevistada relata, nesse trecho, que o motivo que a levou a um infarto foi a
morte de um dos filhos. Fica claro que perdeu um dos filhos, pela utilização do
pronome “um” na primeira frase da linha um. E complementa com a frase, “e eu fiquei”,
que introduz aquilo que ela ralataria a seguir, sobre o sofrimento por causa da morte
filho.
A locutora relata que não infartou logo após a morte do filho, que tentou manter
sob controle o caso desse falecimento. Utilizase do pronome “todo” para denotar que
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Eu tinha perdido um filho e eu fiquei... Mas não foi logo em seguida... Eu fui
tentando me controlar daquele problema todo... Da tristeza e para não passar
pros outros... Tudo aquilo, eu fui me controlando, controlando... Fui segurando,
segurando... E foi, acho, depois de... É, acho, que foi junho... Um ano e dois
meses que eu tive o infarto... Depois que meu filho faleceu... Mas foi duro [...]
porque eu não tinha nada que me levasse a ter um infarto, eu não sou gorda...
Não fumo, não bebo, não tenho colesterol alto... Não tinha nada... Quando eu
tive o infarto, eu estava com tudo alto... Tudo emocionalmente que eu fui
carregando...
108
tentava controlar o problema em sua totalidade. Além disso, enfatiza que tinha que
controlar sua tristeza, frase que acrescenta depois de uma pausa: “da tristeza”.
Prossegue relatando sobre o controle que teve que exercer sobre si, para poder
suportar a situação da morte de seu filho. Enfatiza essa situação de controle repetindo
os verbos “controlando” e “segurando”, por duas vezes cada, nas linhas dois e três.
Utilizase dessas colocações no gerúndio para indicar que essa situação de controle
mantevese durante algum tempo após o falecimento de seu filho. Ela conclui que
esse controle continuou durante um ano e dois meses após o falecimento de seu filho,
e que culminou em seu infarto. E acrescenta que “foi duro”, utilizandose do adjetivo
“duro”, referindose ao período de sua vida que relatava.
Ela ainda explica que não apresentava nenhum fator de risco que a colocasse
como propensa a ter um infarto e exemplifica listando alguns fatores, na frase: “eu não
sou gorda... não fumo, não bebo, não tenho colesterol alto”. E conclui que não tinha
nada que pudesse ser um potencial de risco para um infarto, com a frase: “não tinha
nada”. Mas ressalva que no momento do infarto, apresentara todos esses indicadores
alterados com a frase “quando eu tive o infarto eu estava com tudo alto”, enfatizando
com o pronome “tudo” que todos os fatores de risco listados estavam “altos”. Utilizase
do adjetivo “alto” para indicar anormalidade. E conclui que isso ocorreu porque estava
emocionalmente “carregada”, exaurida.
Trecho 6:
Assunto: A causa da morte de seu filho e de seu marido
Nesse trecho, a locutora revela as causas das mortes de seu marido e de seu
filho. Ela relata que ambos faleceram de infarto. E que pai e filho morreram com a
mesmo idade: 38 anos. Seu filho falecera pescando e seu marido trabalhando. Ainda
coloca que seu marido faleceu quando esse mesmo filho tinha apenas dez anos.
Acrescenta, ainda, que teve que criar seus filhos sozinha e que isso foi uma tarefa
difícil que fica claro pela frase “É barra! é barra!”, repetindo os termos “barra”, que
significa, nesse contexto, “dificuldade”.
Síntese do Sujeito F
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De infarto [...] Teve infarto. [...] Meu marido morreu...trabalhando com 38 anos...e
o meu filho, com 38 anos pescando [...]meu marido faleceu ele tinha 10
anos...(Ah e você criou todos os seus filhos sozinha...?) Sozinha...é... É barra...
é barra...
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supino
leg press
cost as
ombro
glut eos
Esse sujeito relata que após a participação no programa de exercícios
resistidos pôde carregar suas netas com facilidade, sem sentir as costumeiras dores
nas costas (trecho um). No trecho dois, ressalta que sentiu melhoras em seu joelho,
que não mais fraqueza nessa região. Volta a realçar que sente mais facilidade na
região da coluna, quando precisa levantar pesos (trecho três).
Sobre seu contexto de vida, declara que sofreu um infarto e que, como
sintoma, sentiu apenas dores na coluna, não sentiu os sintomas costumeiros desse
tipo de ocorrência como dores nos braços (trecho quatro). Atribui as causas de seu
infarto ao stress que sofreu pela morte de seu filho, explica que teve que segurar toda
a emoção para não passar a tristeza que sentia para seus netos (trecho cinco). No
trecho seis, explica que seu filho tinha falecido de infarto, assim como seu primeiro
marido, ambos com 38 anos de idade.
O desempenho da força muscular
Na primeira fase do programa, o Sujeito F obteve aumento em seus níveis de
força em todos os exercícios propostos, exceto no leg press, que manteve no nível inicial. No segundo período, os níveis de força se mantiveram em todos os exercícios,
exceto no supino, que aumentou. Esse sujeito não realizou o exercício de glúteos, por
apresentar dores nos joelhos em sua execução. Esses dados estão descritos abaixo
na figura seis.
Figura 6 Desempenho da força muscular do sujeito F nos exercícios propostos
1início do programa; 2final do período de duas vezes semanais;
3final do período de manutenção
SUJEITO G
kg
110
Participante do sexo masculino, com 63 anos. É casado e pai de três filhas, mora com
a esposa e duas filhas. É representante comercial de uma empresa de pequeno porte,
e também auxilia uma das filhas na produção de eventos. Não pratica nenhum tipo de
atividade física regular. Participou do Projeto Sênior em 2002 e freqüenta
assiduamente o Projeto de Transição.
MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE
Trecho 1
Assunto: A influência do programa de exercícios resistidos em sua aptidão física
(Trecho relatado a partir de questionamento sobre a influência do programa em seu
cotidiano)
O locutor descreve, nesse trecho, quais foram suas percepções sobre as
alterações decorrentes da participação no programa de exercícios resistidos. Na linha
um, ele é enfático em dizer que o programa influiu em sua vida, com a frase
“Influenciou”. Ele indica um exemplo dessa influência ao apontar que sente “mais
resistência”, que resiste mais à demanda física.
O locutor detalha mais sua capacidade de resistência ao contar sobre a
capacidade que agora exibe ao utilizar o ônibus. Fica claro que isso ocorre no
momento presente, pois na frase “antes eu não podia ficar... parado no ônibus”, o
advérbio “antes” e o verbo “poder” no pretérito (“podia”, linha um) indicam que isso era
uma situação passada, que, no passado, ele exibia uma incapacidade de se segurar
no ônibus e que, agora, isso não mais ocorre. Na frase, “se brecava você caía”, o uso
da conjunção “se”, que indica condição, denota que a ação de frear o ônibus era a
causa de suas quedas, porque não exibia força suficiente para segurarse.
Na linha dois, o emprego do advérbio ”agora”, que indica “no momento
presente”, aponta que a situação atual difere da passada, pois ele não mais cai no
ônibus no momento de uma freada. Isso decorre de um equilíbrio aumentado, como
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Influenciou... Mais resistência, eu paro... Por exemplo, antes eu não podia ficar...
parado no ônibus, se brecava você caia, agora já tenho mais equilíbrio, me
seguro bem, tenho resistência pra [...] eu sinto que eu tenho capacidade de
pegar peso, apesar que eu fui operado da hérnia, “né”, o médico não quer que
carrega peso... Eu sinto que eu tenho disposição, se eu pegar, eu
levo...Entendeu? Eu gosto de pegar.
111
disse na frase “mais equilíbrio” (linha dois), na qual o advérbio “mais” indica que o
equilíbrio está aumentado, mas não quer dizer que não existia, ele apenas era menor
no passado. O locutor complementa que se segura de forma satisfatória no ônibus
agora, com a frase “me seguro bem”. Isto fica claro pelo emprego do termo “bem”, que
demonstra que ele não apenas se segura, mas que faz isso com competência, faz isso
de forma satisfatória.
O locutor conclui que pode sentir que tem capacidade de levantar pesos, com a
frase da linha três (“eu sinto que eu tenho capacidade de pegar peso”). Mas, na frase,
“apesar que eu fui operado da hérnia, “né”, ele demonstra uma contradição com o
emprego do termo “apesar”. Nesse sentido, o locutor sente que pode pegar pesos,
mas a situação de uma cirurgia de hérnia deveria impedilo. No entanto, a cirurgia não
impede que ele sinta que pode carregar pesos, ação tal que o médico proibiu (“o
médico não quer que carrega peso”). Na linha seis, o locutor ressalta sua idéia, que se
contrapõe a visão do médico. O entrevistado diz que ele sentese capaz de levantar
pesos, que, se ele pegar algo, consegue carregálo. Na última frase da linha seis, com
a frase “Entendeu?”, ele indaga o entrevistador se houve compreensão sobre aquilo
que ele disse, se ao entrevistador pode entender que ele sente que está forte, que é
capaz de levantar pesos, mesmo que o médico diga o contrário.
Trecho 2:
Assunto: A percepção da melhora da força
(Trecho proferido por um questionamento do entrevistador para que o locutor detalhe
mais o relato anterior)
No trecho dois, o locutor enfatiza que dentre suas atividades caseiras não
estão incluídas ações que exijam o levantamento de cargas. No entanto, na frase “mas
quando eu preciso pegar alguma coisa, eu sei que eu tenho mais força”, ele indica que
tem o conhecimento de sua capacidade de força. O início da frase com a conjunção
“mas”, reflete uma contraposição à frase anterior. Embora ele não precise utilizar muito
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De levantar peso não, mas quando eu preciso pegar alguma coisa eu sei que eu
tenho mais força...Mas, pegar peso é levantar um netinho, pegar um saco de
alguma coisa é...É, pegar alguma coisa do carro...Mas coisas assim [...] abaixo
de vinte quilos...E normalmente eu vou bem... Agora...Antes eu não tinha tanta
disponibilidade...Não tinha tanta força... Não tinha... Eu achava que eu não tinha
confiança, eu não tinha tanto.
112
a sua força no cotidiano, sabe que a possui, que pode satisfazer uma necessidade
momentânea de carregar um peso.
Na linha dois, o locutor exemplifica quais seriam atividades que envolvem a
necessidade de imprimir um potencial de força. Indica que levantar uma criança, como
um neto, por exemplo, ou segurar um saco com algo, pegar alguma coisa no carro,
são atividades que exigem força. Na linha três, ele indica com a frase “abaixo de vinte
quilos”, sua limitação de força, que ele pode pegar objetos, desde que pesem menos
de vinte quilos. Com a frase “E, normalmente, eu vou bem”, ele conclui que na maioria
das vezes (utiliza o termo “normalmente”, que significa “em geral”, “na maior parte das
ocasiões”), essas atividades que exigem de sua força ele as realiza sem problemas,
bem.
No entanto, ele enfatiza que isso ocorre no presente, o que fica claro ao utilizar
o advérbio “agora” (linha quatro), que significa no momento presente, atual. Isso é
realçado, também, na frase “antes eu não tinha tanta disponibilidade”, na qual a
utilização do advérbio “antes” indica que o levantamento de pesos no cotidiano não
era possível em momento anterior à participação no programa, que ele não era
disponível para tal, que exibia disponibilidade.
O locutor explica que isso decorre de uma ausência de força (“Não tinha tanta
força... Não tinha”, linha cinco). Além disso, ele atribuiu sua incapacidade de pegar
pesos a uma falta de confiança em si, ele não confiava totalmente em sua capacidade
(“Eu achava que eu não tinha confiança, eu não tinha tanto”). O advérbio “tanto” no
final da frase indica que ele confiava em si, mas não totalmente. Ademais, o recurso
da repetição do termo “eu não tinha” por cinco vezes, nas linhas quatro a seis, é o
recurso utilizado pelo locutor para enfatizar sua incapacidade de força que exibia no
passado, já que o verbo “ter” é utilizado na pretérito.
Trecho 3:
Assunto: A redução da freqüência semanal
(Trecho relatado por um questionamento do entrevistador)
No trecho três, o locutor relata que não se tornou mais difícil a prática de
exercícios resistidos mediante a redução da freqüência semanal. Isso fica claro pelo
emprego do termo “não”, por duas vezes na linha um. O locutor explica que fica mais
difícil apenas no início da sessão. Isto fica claro ao utilizar os advérbios “somente” e
“só” na frase, “o começo acaba ficando mais difícil somente, só o impacto de
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Não... Não ficou mais difícil... O começo acaba ficando mais difícil somente, só o
impacto de começar...
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começar”. Isto significa que a dificuldade no período de redução da freqüência
semanal era apenas no começo da sessão de exercícios, que, no restante, não havia
dificuldade.
MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA
Trecho 4:
Assunto: A situação de vida antes de incluir em sua rotina a pratica de atividades
físicas.
(Trecho dito por ocasião do relato de sua situação antes de entrar no projeto sênior)
O locutor, neste trecho, destaca como se sentia antes de praticar exercícios
físicos. Ele deixa claro que estava se sentindo fraco na frase, “Tava” sentindo muita
fraqueza”, que não era apenas uma fraqueza qualquer, mas, sim, intensa; relata com o
emprego do advérbio “muita” precedendo o termo “fraqueza”. Complementa com a
afirmação de que não tinha ânimo, e exemplifica essa ausência de ânimo com a
metáfora de que estava desmoronando, que estava acabando, assim como um prédio
deixa de sêlo ao desmancharse, ao desmoronar.
Na linha dois, o locutor declara suas sensações sobre seu corpo, na frase,
“tava” sentindo que meus músculos, bem flácidos”, que significa que percebia sua
musculatura sem tônus, sem rigidez. Ele explica sua flacidez muscular pela ausência
de resistência que percebia em si, como delata pela frase “porque eu não tinha
nenhuma resistência”. Isso fica claro pela utilização da conjunção explicativa “porque”,
no início da frase, indicando a explicação da frase anterior.
Ele explica, pela frase “Hoje já sinto que eu tenho, tenho mais força, mais
resistência, hoje eu já sinto melhor” (linha três), que sua situação atual difere da
passada, já que utiliza a repetição do advérbio “hoje” duas vezes, para enfatizar que
isso ocorre no momento presente. Além disso, ele utilizase também da repetição do
pronome indefinido “mais”, duas vezes, precedendo os termos “força” e “resistência”,
para enfatizar o incremento desses caracteres. Isto significa que ele exibia essas
capacidades no momento passado, mas, agora, com a participação no programa, elas
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“Tava” sentindo muita fraqueza, não tinha ânimo, parece que eu estava
desmoronando, “tava” sentindo que meus músculos bem flácidos, porque eu não
tinha nenhuma resistência. Hoje já sinto que eu tenho, tenho mais força, mais
resistência, hoje eu já sinto melhor.
114
aumentaram. O locutor conclui que no presente (“hoje”), ele se sente melhor, por
decorrência dos fatores anteriormente listados.
Trecho 5:
Assunto: A situação de vida antes de incluir em sua rotina a pratica de atividades
físicas
Nesse trecho, o locutor explica as razões pelas quais se sentia sem ânimo
antes de participar de programas de atividades físicas. Ele indica que não praticava
atividade física (“estava sedentário”) e que estava acomodado, sem ânimo.
No final da linha um, ele inicia duas frases com a conjunção explicativa
“porque” para explicar sua situação de desânimo, acomodamento. O motivo de sua
situação, relatada no início do trecho, é a incidência de diversas crises, as quais são
listadas nas linhas dois e três (“Crise econômica, política, financeira, social, crises,
‘né’”). Após listar a gama de crises que enfrentara, ele finaliza a frase com a expressão
“né?”, que significa “não é?”, “não é isso mesmo?” e, dessa maneira, indaga ao
entrevistador pedindolhe uma confirmação do que falara.
A partir de uma colocação do entrevistador (linha três) sobre sua situação de
vida, ele declara, pela frase “É então... Não tava muito bacana”, que sua vida não
estava boa. Pelo emprego do advérbio “muito” antes de “bacana”, entendese que o
locutor disse que existia momentos bacanas na vida, mas não muitos. Prossegue e
conclui que, em virtude do que relatara, das crises, iniciouse uma situação de
desânimo, um processo depressivo, que fica claro pela frase “aí, começa a desanimar,
entrar em depressão, entrar em sabe...”.
Exemplifica sua situação também com a frase “Pensar que está tudo ruim”, que
significa que o locutor enxergava que sua situação de vida estava totalmente ruim, em
todos os aspectos; pensamento que fica claro pelo emprego do pronome indefinido
“tudo” precedendo o adjetivo “ruim”. E conclui, ainda, com a frase, “Então é isso que a
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Ah, eu estava sedentário, bastante acomodado, desanimado... Porque também...
Porque eu... Estava vindo dessas crises... Crise econômica, política, financeira,
social, crises, “né” (não estava numa situação boa) É então... Não tava muito
bacana, [...] ai começa a desanimar, entrar em depressão, entrar em sabe...
Pensar que esta tudo ruim... Então é isso que a gente pensa... Eu reanimei...
Reanimei bastante. Até me [...] sentir, o corpo fortalece a amizade, fortalece o
ambiente, a convivência, melhora a qualidade de vida...Da pra melhorar
bastante...
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gente pensa”, que é assim que pensam as pessoas que exibem o estado de desânimo
ou depressão que relatara. Isso se clarifica pelo uso do termo “a gente”, que significa
um grupo de pessoas, no qual o locutor se inclui.
Ao relatar com as frases “Eu reanimei... Reanimei bastante”, ele referese aos
efeitos que sentiu ao ingressar em programas de atividades físicas. A repetição do
verbo “reanimar”, duas vezes, é um recurso utilizado pelo locutor para enfatizar o
recobrar de seu ânimo, e o advérbio “bastante” demonstra que não foi pouca
reanimação, mais, sim, uma reanimação intensa.
Na linha sete, o locutor conclui que o corpo tem o poder de fortalecer diversos
aspectos, como a amizade, o ambiente e a convivência, e, por fim, a qualidade de
vida. Além disso, com a frase, “dá para melhorar bastante”, ele enfatiza que, a
participação em programas de atividades física, existe a possibilidade de melhoras
expressivas pelo emprego do advérbio “bastante”.
Síntese da entrevista do Sujeito G
Esse sujeito relata, no trecho um, que percebeu melhoras em seu cotidiano no
que se refere à possibilidade de se equilibrar no ônibus. No entanto, mostra certa
dificuldade em identificar suas percepções; diz que sabe que pode pegar peso, então,
conclui que melhorou. No trecho dois, as incertezas sobre quais foram as melhoras,
que acredita ter obtido se acentuam. Exemplifica varias ações que dependem de força
muscular e volta a falar que sabe que tem mais força, mas sua dificuldade em
expressar suas percepções denota que, de fato, não experimentou essa capacidade
no cotidiano. Sobre a redução semanal, não acredita que isso tenha deixado o treino
mais difícil.
Em seu contexto de vida, relata que, antes de incluir a prática de atividades
físicas em sua rotina, sentiase cansado, sem resistência alguma, e que hoje já se
sente melhor (trecho quatro). No último trecho, destaca que sentiase fraco,
desanimado, porque vinha de muitas crises (política, econômica, social) e que a
prática de exercícios o auxiliou a livrarse desse desânimo que o fez entrar em
depressão.
O desempenho da força muscular
Os resultados da força muscular do Sujeito G estão descritos na Figura sete. Na
primeira fase do programa, ele obteve aumento em seus níveis de força, em todos os
exercícios propostos, exceto para o exercício de cadeira extensora (denominado como “extensora”, no gráfico), que manteve no nível inicial. Não realizou o exercício de leg
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supino
ext ensora
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press por sentir incômodo na região medial da coxa, devido a uma cirurgia de hérnia, que tinha realizado há alguns meses. Assim substituímos pela cadeira extensora. No
segundo período, os níveis de força se mantiveram para todos os exercícios, exceto
para a extensora que aumentou. Esses dados estão descritos na figura sete.
Figura 7 Desempenho da força muscular do Sujeito G nos exercícios propostos
1início do programa; 2final do período de duas vezes semanais;
3final do período de manutenção
SUJEITO H
Participante do sexo feminino, com 73 anos. É solteira, mora com uma irmã, uma
cunhada e um sobrinho. Participa de atividades da comunidade de sua igreja e pratica
sessões de exercícios transmitidas por um programa de televisão. Participou do
Projeto Sênior em 2002 e participa ativamente do Projeto de Transição.
MOMENTO PRIMEIRO: A PERCEPÇÃO DA FUNCIONALIDADE
Trecho 1
Assunto: As influências do programa em sua rotina
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Bom, principalmente, no dia seguinte, me doía o braço, “né”, me doía a perna
“né”, e isso daí... Mas depois, depois foi tudo bem, é só no primeiro e segundo
dia, “né”, já o resto da semana... Quando a gente volta outra vez, aí começa a
perna a doer outra vez. Outra coisa também, sabe... Que, às vezes, eu... ia cair
alguma coisa, deixava cair, mas faço força pra agarrar [Sorri e aproxima as mãos na altura do rosto rapidamente].
kg
117
Ao relatar suas percepções sobre a influência do programa de treinamento
resistido, a locutora aponta primeiramente a ocorrência de dores no corpo. Na frase,
“principalmente no dia seguinte”, o emprego do advérbio “principalmente” indica que o
que ela relatará, logo em seguida, é o principal, o mais importante com relação à
participação no programa de exercícios resistidos. Ela declara que, no dia seguinte,
era o dia em sentia mais a influência do programa em sua vida. Isso ocorria por
ocasião da presença de dores no corpo como relata: “me doía o braço, né, me doía a
perna, né”. A repetição do verbo “doer”, no pretérito imperfeito, duas vezes, é utilizada
para enfatizar as sensações dolorosas que ela apresentava no dia seguinte às
sessões de exercícios. Ademais, a utilização do verbo no pretérito imperfeito parece
indicar que isso ocorria, mas que não ocorre mais no momento.
No entanto, na linha três, a locutora explica em que momento não ocorriam
mais as dores, com a frase “Mas depois, depois foi tudo bem, é só no primeiro e
segundo dia, “né”, já o resto da semana...”. Ela explica que, depois do dia em que
ficava dolorido, por motivo da prática de exercícios resistidos do dia anterior, apenas
no primeiro e no segundo dia ela sentia as dores (“só no primeiro e segundo dia”, linha
dois). Isso fica claro a partir do emprego do advérbio só, que significa “somente”,
“apenas”, “unicamente”. Complementa que, apesar de sentir dores nos dias citados,
isso não ocorria no decorrer da semana (“já o resto da semana”).
Na linha quatro, ela reforça que, ao voltar para as sessões de exercícios sentia
novamente dores nas pernas (“Quando a gente volta outra vez, aí começa a perna a
doer outra vez”). Isso significa que as dores eram decorrentes de cada sessão de
exercícios e que, nos dias da semana após o último dia de sensações dolorosas, não
eram sentidas mais tais dores. No entanto, o retorno semanal às práticas ocasionava
as dores.
Na linha quatro, a locutora chama a atenção do entrevistador com a frase
“Outra coisa também, sabe”. Nesse momento, pelo emprego da expressão “outra
coisa”, que pode significar “mais um” e do advérbio “também” (“da mesma forma”,
“igualmente”), a entrevistada alerta o entrevistador para outro fato que ela percebeu
como influência do programa de treinamento resistido. Esse fato ao qual ela se refere
versa sobre sua habilidade em agarrar com força objetos que venham a cair. Isso fica
claro na frase “Que, às vezes eu... ia cair alguma coisa, deixava cair, mas faço força
pra agarrar”.
Ela indica que, no passado, quando caía algum objeto, não interferia, deixavao
cair. Isso está bem indicado pelo emprego dos verbos “ia” e “deixava”, no pretérito,
118
para deixar claro que isso é uma situação passada. A contraposição ao presente fica
ainda mais evidente na última frase (linha seis), “mas faço força pra agarrar”. A
conjunção adversativa “mas”, no início da frase, mostra que, no momento presente,
ela pode utilizarse de sua força para agarrar um objeto que, porventura, caia. Nesse
ponto, ela demonstra com os braços como agiria em uma situação desse tipo, para
enfatizar sua habilidade melhorada e exibe um sorriso de satisfação.
Trecho 2
Assunto: A redução da freqüência semanal no programa de exercícios resistidos
(Trecho relatado a partir de uma indagação realizada à locutora sobre o assunto em
destaque)
A locutora inicia com a conjunção “agora”, que significa, nesse contexto,
“todavia”, “porém”, para relatar que, com apenas um dia na semana para praticar
exercícios resistidos (referese a esse dia com a frase “uma vez”, linha um) a sessão
fica mais difícil. Na frase, “porque você fica aquela semana inteirinha, “né”, ela inicia
com a conjunção explicativa “porque”, para indicar a dificuldade em fazer, uma vez por
semana, a sessão de exercícios. O motivo da dificuldade em realizar uma vez por
semana, explica a locutora, está no tempo de descanso entre as sessões, motivo que
fica claro na frase destacada anteriormente (linha um).
Na frase, “sem fazer nada” (linha dois), ela indica o que ocorrera no tempo de
descanso entre as sessões de exercícios, que era um período ocioso, sem atividade
física. Ela conclui o trecho com a frase, “faz no dia, aí dói outra vez”, que quer dizer
que ao retomar os exercícios, após uma semana de pausa, as dores retornavam
também.
MOMENTO SEGUNDO: O CONTEXTO DE VIDA
Trecho 3
Assunto: A fratura no punho decorrente de uma queda
(Trecho dito no momento em que narrava seu ingresso no Projeto Sênior)
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02
Agora, uma vez, uma vez já é difícil porque você fica aquela semana inteirinha
“né”, sem fazer nada, faz no dia aí dói outra vez.
119
Nesse trecho, a locutora discorre sobre uma queda que sofreu e, como
conseqüência disso, restoulhe uma fratura no punho direito. Ela inicia com a frase,
“Eu caí, fraturei, aqui, o pulso”, que indica que a fratura no “pulso”, como popularmente
se denomina a região do punho, foi decorrente de uma queda.
Ainda na linha um, ela prossegue com a frase, “Eu fiquei muito tempo e”. Ela
ressalta, nesse ponto, que não foi uma fratura simples, de fácil e rápida recuperação.
Com a utilização do advérbio “muito” (“com abundância”, “com excesso”), que na frase
destacada, precede o substantivo “tempo”, ela realça que foi um tempo longo de
recuperação; e, com a frase “já começava a trabalhar com a mão esquerda”, ela
reforça ainda mais a gravidade de sua fratura, pois “já” necessitava trabalhar somente
com a mão esquerda, já que o punho direito estava impossibilitado de movimento. Isso
fica claro na frase, “porque com a direita não dava”. O emprego da conjunção
explicativa “porque” leva à explicação do fato anterior, que tinha que trabalhar somente
com uma das mãos (esquerda), porque uma delas estava lesada. Assim sendo, sua
capacidade de movimentação através dos braços reduziase à metade.
Na linha três, ela retoma a questão de que isso ocorreu por ocasião de uma
queda, com a frase “Caí e quebrei”, que não houve outro motivo, que foi somente cair
para fraturar o punho. Ademais, a locutora explica que isso ocorreu porque, no
momento da queda, ela tentara proteger sua cabeça com a mão, com a frase “sabe
quando vai cair e segura pra não bater a cabeça?”.
O comentário de seu médico sobre a condição de seu punho é enfatizado pela
locutora e ajuda a demonstrar ainda mais o problema. Ela comenta que o médico lhe
disse: “porque ficou um pouco defeituoso”, ou seja, que a referida articulação
encontrase com defeito, defeituosa. Mas a locutora adverte com a frase “não era
tanto”, que não compartilhava da mesma opinião de seu médico, acreditava que seu
punho apresentava problemas, mas não da magnitude que seu médico apontou, não
estava tão defeituoso.
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Eu caí, fraturei, aqui, o pulso [indica o punho direito] [...]. Eu fiquei muito tempo e já começava a trabalhar com a mão esquerda... porque com a direita não dava
[...] Caí e quebrei, sabe quando vai cair e segura pra não bater a cabeça? [...] O
ortopedista me falou assim, ah, “porque ficou um pouco defeituoso”, não era
tanto, só que esse eu viro bem e, esse aqui, eu tenho que fazer mais força [indica o punho direito novamente].
120
Ela indica que o “defeito” que pôde observar é na comparação da possibilidade
de movimento entre os braços. Na frase “só que esse eu viro bem e esse aqui eu
tenho que fazer mais força”, o primeiro pronome demonstrativo “esse” referese ao
antebraço esquerdo, que está bem, sem problemas, e pode “virarse” (realizar o
movimento de supinação). Já o segundo pronome demonstrativo “esse” referese ao
antebraço com o punho fraturado, e ele ressalva que com esse necessita imprimir
mais força para supinálo do que em seu membro contralateral.
Trecho 4
Assunto: As diversas quedas
(Relata o trecho, a seguir, após declarar sua necessidade em fazer exercícios)
Nesse trecho, a locutora relata sobre suas diversas experiências com quedas.
Ela inicia com a ressalva de que, no ano corrente, não caíra nenhuma vez (“Esse ano
que passou, eu não levei nenhum tombo”). Deixa bem claro com as frases “que
passou, não, que nós estamos passando”, que ele fala do ano corrente, utilizase
dessas frases para enfatizar que isso ocorria em outros anos, mas, no atual (no
momento da entrevista), não.
Na linha dois, ela exemplifica as quedas que teve e relembra a queda que
ocasionou a fratura no punho com a frase “Olha, uma vez, eu caí, quebrei aqui”, o
advérbio “aqui” referese ao punho direito, o qual, nesse momento, ela aponta com a
mão. Acrescenta outro evento ao da lesão no punho e relata que caíra dentro de sua
casa e, por isso, fraturou, o cotovelo, “outra vez, eu caí dentro de casa, deu uma lesão
no cotovelo”. A utilização da expressão “outra vez” indica que isso não ocorreu por
ocasião da mesma queda em que fraturou o punho, que isso foi em outro momento,
que ela teve que passar por uma situação similar outra vez. Finaliza com a frase
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Esse ano que passou eu não levei nenhum tombo, que passou não, que nós
estamos passando. Olha uma vez eu caí quebrei aqui [aponta o punho direito], outra vez eu caí dentro de casa, deu uma lesão no cotovelo. [...] Foi tantas
vezes. Uma vez eu tava indo pra minha irmã com as minhas sobrinhas e ia levar
no dentista, não sei sabe, essas tiras de plástico, que o pessoal amarra pra fazer
embalagem? [...] Não sei como, eu ia andando com as meninas e tava “vamo”
direitinho, de repente “tum”, eu me vi no chão, aquele era como se fosse um fio,
mas era plástico “né”, eu senti, sabe aqueles filmes que o mocinho pega joga um
laço e puxa o índio? [...] É, mas uma coisa incrível, então você vê eu levei tanto
tombo.
121
“foram tantas vezes”, que significa que, em inúmeros momentos, ela deparouse com
momentos de quedas e não só com aqueles exemplificados.
Na linha dois, ela relata um outro exemplo sobre uma de suas diversas quedas.
Nas linhas quatro a dez, ela descreve um momento em que ia à casa de sua irmã,
acompanhada de suas sobrinhas, e que caiu porque seu pé enroscou em tiras de
plástico no chão e não pôde evitar tal queda. Ela relata com a frase “de repente “tum”,
eu me vi no chão”, que foi algo repentino, que não pôde reagir, que fora ao chão sem
reação.
ElA revela como se sentiu nesse momento, se sentiu laçada, capturada, assim
como exemplifica, “sabe aqueles filmes que o mocinho pega joga um laço e puxa o
índio?”. Ou seja, sentiuse presa, indefesa, ameaçada de captura, numa simples
caminhada de rotina, não pôde reagir a uma tira plástica que enroscara em sua perna.
Na linha onze, ela finaliza e conclui que acha essas situações incríveis “mas
uma coisa incrível”, no sentido de que suas inúmeras quedas são inacreditáveis,
difíceis de acreditar. Na última frase, ela chama a atenção do entrevistador com a
frase “então você vê, eu levei tanto tombo”, porque ela considera esses eventos como
algo importante em sua vida, pois não foram alguns, mas, sim, muitas quedas, já que
utiliza o advérbio “tanto”, que quer dizer “muitas vezes”, “em grande quantidade”.
Síntese da entrevista do sujeito H
Essa participante relata as diferenças em seu cotidiano, porque o programa lhe
causou muitas dores, principalmente nos dois dias após as sessões. Também disse
que se percebe mais rápida em agarrar objetos que caem, pode aplicar mais força
neles e segurálos (trecho um). Com relação à diminuição da freqüência semanal, ela
relata que ficou mais difícil, pois se acentuaram as dores novamente (trecho 2).
Sobre seu contexto de vida, relata que sofreu muitas quedas e que em uma
delas fraturou o punho, que ficou ligeiramente defeituoso (trecho três). No trecho
quatro, realça novamente as diversas quedas sofridas em sua vida e acrescenta uma
lesão no cotovelo, aquela do punho, relatada no trecho anterior.
O desempenho da força muscular
A Figura 8, abaixo apresenta o comportamento da força muscular do Sujeito H.
Para os exercícios de leg press, supino podese observar um aumento da sua força no primeiro período do programa. Já, para os exercícios, costas, ombro e glúteos não foi
122
0
10
20
30
40
50
1 2 3
supino
leg press
cost as
ombro
glut eos
possível obter uma elevação de seus valores. Para o período de manutenção, todos
os exercícios mantiveram os níveis obtidos na segunda medida.
Figura 8 Desempenho da força muscular do Sujeito H nos exercícios propostos
1início do programa; 2final do período de duas vezes semanais;
3final do período de manutenção
5. DISCUSSÃO
kg
123
As declarações de funcionalidade, reportadas no capítulo anterior, levamnos à
compreensão da capacidade funcional a partir de uma organização de caracteres
objetivos que se conectam por linhas de força subjetivas ao contexto vivido de cada
participante. Mediante as descrições de atividades que, em princípio, parecem ser
relatos pontuais, objetivos, nus, despidos de toda e qualquer subjetividade, podese
desvelarse toda uma história de vida e significações, trazidas nas entrelinhas dos
discursos analisados. A busca das conexões entre as habilidades reportadas como
melhoradas, decorrentes do programa de exercícios, com o legado histórico de cada
participante através de sua narrativa, é o ponto de partida para compreendermos a
capacidade funcional percebida.
Na busca das relações que trarão o desvelar da capacidade funcional,
tomemos, como início de análise, as descrições das habilidades que, para cada
participante, compõem sua capacidade funcional, sem esquecer, também, a relação
dialética entre o conteúdo (as habilidades) e a forma (as relações), que fazem existir o
fenômeno da percepção da capacidade funcional para cada participante para além do
saber positivo, e que, adiante, olharemos mais de perto.
Os relatos observados parecem corroborar com aquilo que se concebe como
capacidade funcional: a possibilidade de realização das atividades cotidianas (LITVOC
e BRITO, 2004; OKUMA, 1997; SANCHEZ, 2000; SPIRDUSO, 1995). O Sujeito A, por
exemplo, relatou com veemência, no trecho um, que, depois do período em que
participou do programa de exercícios de força, pôde carregar móveis, sem a
necessidade de auxilio de suas filhas. Isso significa que ele sente mais facilidade para
realizar as AIVD, aquelas de maior complexidade, como descrito por Okuma (1997).
Já, para o Sujeito D, podese observar que, segundo a classificação apresentada por
Okuma (1997), ele relatou melhoras em uma de suas ABVD, no que se refere à
locomoção, pois relatou que se sente mais apto a subir as escadas de sua residência
(trecho quatro). Além disso, relata que pode realizar com mais facilidade as atividades
necessárias à limpeza de sua casa (trecho dois), as quais podem ser incluídas com
AIVD, segundo Sanchez (2000). As AIVD também foram relatadas pelos sujeitos E e
F, com relação à potencialidade de carregar baldes de água e segurar os netos no
colo, respectivamente.
Um ponto importante, que deve ser destacado, relacionase àquilo que
Andreotti e Okuma (1999) apontam sobre a adequação da avaliação funcional com o
status funcional 10 do idoso. Em estudo apresentado por Andreotti e Okuma (1999), as
autoras concluíram que, para idosos de nível quatro, ou seja, aqueles que não
124
apresentam déficits funcionais e são fisicamente ativos, um programa de treinamento
físico não alterará sua capacidade de realização das atividades do cotidiano. No
entanto, todos os sujeitos, descritos no parágrafo anterior, relataram incrementos em
atividades relacionadas à capacidade funcional. Dessa forma, parece que estar no
nível funcional quatro não significa que a capacidade funcional do idoso esteja bem,
pelo menos com relação aquilo que ele percebe dela.
É evidente que a proposição de Spirduso (1995) centrase na maioria, e
discrepâncias também podem ser observadas, como em qualquer outra normatização
científica. No entanto, se todos os idosos deste estudo fazem parte do grupo de
exceção, ou, estatisticamente, seriam os outliers, devese refletir se isso não tem ocorrido em outros programas direcionados a essa população, e se não são
justamente essas “exceções” que mais procuram os programas de atividade física.
Olhandose por um outro foco, entretanto, podemos pensar que os idosos deste
estudo são do nível quatro e suas alterações funcionais só foram detectadas porque
eles tiveram a oportunidade de relatálas. Isso posto, podemos inferir que não é
apenas a classificação funcional que está equivocada, mas, sim, a forma de acesso às
alterações funcionais pelas quais são constituídas essas classificações. Ainda, pode
se argumentar que esses idosos estão entre os níveis três e quatro e, como a
separação desses níveis é tênue, já que são classificações gerais, isso já bastaria
para elucidar essas discrepâncias. A análise do caso do Sujeito D, entretanto, parece
enfraquecer essa hipótese, de que há um meio termo entre níveis próximos.
Pelo menos com relação às ABVD, era esperado, mesmo, que os idosos
apresentassem níveis satisfatórios, pelo nível de status funcional em que se
enquadram. No entanto, o Sujeito D relata que pode subir as escadas de sua casa,
uma atividade típica de locomoção, e, portanto, incluída nas ABVD. Isso significa que
esse participante, embora seja fisicamente ativo, ainda apresenta dificuldades para
uma ABVD e não se enquadra em nenhum dos níveis funcionais propostos por
Spirduso (1995). Dito de outro modo, pelo nível de atividade física, ele deveria ser
classificado como nível quatro, mas, pela dificuldade funcional relatada, deveria ser
encaixada no nível dois. Assim, fica difícil sustentar o argumento que ele transita entre
os níveis dois e quatro, já que, pela classificação de Spirduso (1995), eles parecem
ser tão distintos. Essas colocações demonstram que encaixar o idoso em níveis gerais
nem sempre é possível, e uma avaliação individualizada de seu potencial fazse
condição primordial nesse caso.
10 A classificação de status funcional, proposta por Spirduso (1995), referese a cinco níveis de possibilidades de ações cotidianas com independência física, bem como a capacidade de realizar atividades físicas até o nível competitivo.
125
Essas reflexões parecem gerar implicações sobre os resultados do trabalho de
LimaCosta, Barreto e Giatti (2003). Os achados desse estudo mostraram que apenas
2% da população idosa apresenta impossibilidade de realização de algumas ABVD
selecionadas, como alimentarse, tomar banho ou ir ao banheiro; 4,4% com relação a
abaixarse, ajoelharse ou curvarse; e 6,2 apresentavam dificuldades para caminhar
mais de um quilômetro. Podemos inferir, então, que são poucos os idosos que relatam
dificuldades em ABVD, mas, também, devemos ter em mente que, se no estudo de
LimaCosta, Barreto e Giatti (2003) os idosos tivessem sido entrevistados, outras
limitações funcionais poderiam ter surgido, além dessas citadas acima, que
compuseram o instrumento de avaliação.
Com as reflexões postas acima, podemos perceber que as relações entre as
dificuldades funcionais relatadas nem sempre condizem com as classificações
funcionais disponíveis. Por outro lado, percebese, pelo relato dos participantes deste
estudo que eles experimentaram melhoras funcionais, concomitantemente a um
incremento de força muscular.
Dessa maneira, os relatos descritos parecem se aproximar das constatações
de Kell, Bell e Quinney (2001) e Hageman e Thomas (2002) em que há uma relação
importante entre o aumento da força muscular e incrementos funcionais, com relação
direta entre a força aumentada de certo segmento e atividades cotidianas que o
utilizam. Em outras palavras, otimizar a força de braços, pode melhorar atividades
rotineiras em que se utiliza esse membro e, assim, para outros segmentos, como já
apresentados por Kell, Bell e Quinney (2001), por exemplo, sobre as correlações entre
força de extensão de joelho com a potência de subir degraus. Nesse sentido, as
atividades rotineiras, percebidas pelos idosos como incrementadas ou facilitadas,
relacionamse com o aumento de força observado para cada um.
Por outro lado, no caso do Sujeito D, é importante destacar que ele não
realizou o exercício de leg press no primeiro momento do programa, por apresentar uma lesão nos joelhos, e, quando o realizou, o fez com intensidade muito baixa (mais
de 20 repetições máximas), o que deve ter proporcionado muito pouco ou, até,
nenhum ganho em força nessa região 11 . No entanto, mesmo não tendo possibilidade
de elevar significativamente seus níveis de força dos membros inferiores, ele relata
que pode subir escadas com mais facilidade, uma habilidade que exige
prioritariamente a função desses membros. Mediante essas constatações, podese
notar a complexidade da capacidade funcional, pois a causalidade exposta por Kell,
Bell e Quinney (2001), entre a elevação de força de extensão de joelho com a
11 Exercícios de força realizados com intensidade acima de 20 repetições máximas propiciam, pouco ou nenhum ganho em força (FLECK e KRAEMER, 1999).
126
velocidade e potência de subir degraus parece não se sustentar; e, além disso, elevar
a força de um segmento corporal, nesse caso, parece não ser condição suficiente, ou
nem mesmo necessária, para que a participante pudesse perceber sua melhora em
subir escadas. Sua percepção de melhora parece estar associada a uma situação
mais geral e que discutiremos mais adiante.
Outro ponto importante reside na relação amplamente utilizada pela literatura
exposta sobre a velocidade de movimento e melhoras funcionais. Pelos relatos dos
idosos deste trabalho, não se sabe exatamente se essas ações relatadas podem ser
realizadas mais rapidamente, pois a velocidade de execução dessas habilidades é o
parâmetro primeiro que sustenta as correlações apresentadas por Kell, Bell e Quinney
(2001). No trabalho de Hageman e Thomas (2002) sobre um programa de exercícios
de força muscular, os idosos não melhoram no teste de velocidade de caminhada
cotidiana, em que não se solicita a velocidade máxima. No entanto, no teste de
velocidade máxima da caminhada, em que eram submetidos a caminhar o mais rápido
possível, foram observadas melhoras significativas. Isso significa que, se os idosos
precisarem caminhar mais rápido, eles detêm um potencial correspondente. Assim,
realizar uma ação cotidiana mais veloz, depende daquilo que o idoso necessita ou
quer realizar, relacionase com aquilo que a percepção lhe sugere.
Pelos discursos dos idosos analisados no presente trabalho, entretanto, não se
observou relatos de incrementos funcionais com relação ao aumento da velocidade
das ações cotidianas, mas isso não significa que eles não possam realizar ações
velozes. Podese inferir, nesse sentido, que fazer mais rápido não exibe um sentido
significativo para esses idosos e talvez seja por isso que eles não relataram sobre
esse ponto, mas isso não indica que ações velozes não foram melhoradas. Além
disso, implica em dizer que sentido há em avaliar a velocidade da execução de
movimentos rápidos, já que estes parecem não fazer parte do cotidiano desses idosos.
Essas reflexões recaem sobre o trabalho de Hruda, Hicks e McCartney (2003),
cuja preocupação foi, também, a velocidade de movimento. Os autores propuseram
um estudo sobre o efeito do treinamento da potência muscular sobre o desempenho
em testes funcionais, já que, segundo eles, as ações cotidianas requerem execuções
velozes. O estudo demonstrou correlação significativa entre a velocidade de execução
dos testes e a força muscular. No entanto, vale ressaltar, novamente, até que ponto
enfatizar a velocidade de movimento é importante para os idosos. Isso significa que,
no trabalho de Hruda, Hicks e McCartney (2003), a execução foi veloz porque, talvez,
os idosos foram solicitados para isso, mas isso não quer dizer que eles precisam ou
percebam essa necessidade no seu cotidiano. Dessa forma, pela característica do
trabalho de Hruda, Hicks e McCartney (2003), fica claro que o foco estava sobre as
127
relações entre a potência muscular e algumas habilidades que, segundo os autores,
compõem a capacidade funcional, e eles não tinham nenhuma intenção em definir se
isso é ou não importante para o idoso. No entanto, devemos ter em mente que isso
não é suficiente para determinar se um tipo de programa vai propiciar um incremento
funcional que seja percebido pelo idoso participante, pois a velocidade parece não ser
tão significativa, segundo os relatos dos idosos.
Nesse sentido, pelos discursos analisados neste trabalho, podese observar
que a percepção de melhora não residiu em realizar ações funcionais mais rápidas,
não porque sejam incapazes, mas porque, talvez, não enxerguem tal necessidade ou
sua condição de vida atual não exija as tais habilidades velozes. Isso vai ao encontro
do trabalho de Fone e LundgrenLindquist (2003) ao relatar que idosos com a
presença de doenças e com baixos níveis de capacidade funcional, não se
consideram com a saúde deteriorada, e engajamse em atividades em que a demanda
é suportável. Nessa direção, presumese que, para os idosos do presente trabalho,
executar ações mais velozes não é mais importante em suas vidas, assim como, para
os idosos do trabalho de Fone e LundgrenLindquist (2003), altos níveis de capacidade
funcional e ausência de doenças (ambos avaliados por questionários) não são fatores
cruciais para suas vidas.
Além disso, é importante refletir se os itens de capacidade funcional e saúde
dos instrumentos aplicados exibem algum significado para os idosos e dessa forma,
não se sabe exatamente se sua saúde de fato é satisfatória e se sua capacidade
funcional é baixa aos seus olhos, como observamos com os participantes deste
estudo. Isso se fortalece ao observarmos a diversidade de relatos sobre melhoras
funcionais observadas na narrativa proposta deste trabalho, dando margem a inferir
que a capacidade funcional é única a cada indivíduo e que a condensação em
instrumentos fechados pode não propiciar o entendimento de sua complexidade.
Todavia, a percepção de melhora funcional, ou, pelos menos, das habilidades
que a compõem, é manifesto na fala dos participantes, principalmente pela percepção
de conforto ao realizar as atividades rotineiras. Tal comodidade foi evidenciada,
principalmente, pela supressão ou diminuição de sensações dolorosas nas ações
rotineiras. Esse fato é realçado pelo Sujeito C ao dizer que o programa de exercícios
amenizou suas dores na coluna, e declara também que as dores no braço não
melhoraram (trecho um), o que ressalta que seu referencial de melhora é a ocorrência
de dores. Para o Sujeito E, também a ausência das dores foi um indicativo que sua
capacidade de exercer força melhorou, discorrendo sobre o assunto com notável
alegria e satisfação (trecho três).
128
Isso dá margem a inferir que o aumento da força muscular pode ter amenizado
as dores relatadas, assim como o trabalho de Suomi e Colier (2003) demonstrou que a
prática de atividades físicas reduz a presença de dores em idosos com artrite e eleva a
capacidade funcional. Os autores alertam, entretanto, que o programa de exercícios
oferecido continha atividades educacionais que objetivavam o conhecimento da artrite
e como lidar com ela, fato que pode ter contribuído, também, para a diminuição das
dores. Isso significa que as melhoras físicas parecem não ser a única condição para a
amenização das dores. A situação proposta pela participação no programa pode ter
gerado um novo modo de lidar com as dores no cotidiano, assim como a participação
no programa de treinamento resistido deste trabalho pode ter sido um fator que influíu
na dor e na capacidade funcional dos participantes, mesmo que não tivessem sido
observados incrementos de força significativos. Dito de outro modo, não há
consistência em atribuir que a diminuição das dores ou a melhora da capacidade
funcional, somente à um aspecto pontual, mas, talvez, à relação em que toda uma
situação vivida no programa tenha modificado a vida dos participantes a ponto de se
perceberem potencialmente capazes, para além da dor.
O caso do Sujeito H também se relaciona com a dor, mas em um sentido que
difere dos Sujeitos C e E. Para o Sujeito H, as dores eram ocasionadas pela
participação no programa, o que ocorria nos primeiros dois dias após cada sessão de
exercícios, e isso revela que seu “parâmetro” de capacidade centrase também na dor.
Todavia, essa dor era ocasionada pelo programa e, não, aliviada por ele, como
ocorreu nos sujeitos C e E. Dessa forma, a presença, ou ausência, de dores parece
balizar a percepção da funcionalidade para esses sujeitos, todavia essa diferença
apontada é crucial para a interpretação do significado dessas sensações de dor.
Pela narrativa dos participantes, pudemos observar que a dor relatada exibe
certo significado, e que não é qualquer “dor” suprimida ou acrescentada (como ocorreu
no Sujeito H) que resultará numa funcionalidade alterada. Nesse sentido, ao tomar por
base as narrativas aqui apresentadas, o fenômeno “dor” não pode generalizarse
como uma opção de significado único em um instrumento de avaliação. A “dor” parece
surgir de contextos de vida diferentes e sua generalização parece não convir. Por ora,
concentrarnosemos na existência, ou não, de dor e suas relações com essa
funcionalidade ainda objetiva, mais adiante entenderemos o significado dessas
sensações dolorosas.
A partir dessas reflexões sobre a dor, retomase, a questão da velocidade das
ações funcionais. Facilitar ou melhorar uma ação cotidiana parece não se ancorar
apenas na possibilidade de execuções velozes, mas também na percepção da
facilidade de ação, que pode evidenciarse num conforto de movimento, antes não
129
percebido. Nesse sentido, a observação de Weiss et al (2000) parece fazer sentido ao
alertar que a velocidade de execução não contempla a totalidade da melhora funcional
e que aspectos qualitativos do padrão da habilidade motora devem ser incluídos nas
avaliações funcionais em idosos. No entanto, a abordagem qualitativa deve ir além da
verificação do padrão motor da tarefa, como proposto por Weiss et al (2000) e
Hageman e Thomas (2002), pois a percepção do idoso sobre sua funcionalidade pode
ampliar a compreensão da capacidade funcional do idoso. Nessa direção, realizar uma
tarefa cotidiana, mais ou menos veloz, parece não ser o indicativo mais importante de
alterações funcionais, mas o referencial primeiro de melhora é poder realizálas de
forma confortável, sem dores.
Assim, presumese que, mesmo se os Sujeitos C e H tivessem incrementado
sua velocidade de execução em suas ações rotineiras e suas dores tivessem
persistido, não haveria melhora concreta da capacidade funcional. Por outro lado,
podese inferir, também, que a diminuição da dor poderia possibilitar ações com mais
velocidade, fato que leva a crer que a dor continuaria a ser um referencial importante
da percepção da capacidade funcional para esses sujeitos. No entanto, se essas
pessoas tiverem suas sensações dolorosa diminuídas e, neste caso, com maiores
possibilidades de executar suas ações rotineiras mais rápidas, até que ponto tal
velocidade incrementada seria necessária, ou, até mesmo, desejada? Ademais, para
essas pessoas, apenas diminuir a sensação de dor já não seria suficiente para que
elas percebessem melhoras na sua capacidade funcional?
Nesse ponto, retomase a colocação de Weiss et al (2000) sobre as limitações
dos testes motores. Os autores sustentam que a quantificação pode não detectar
modificações ou melhoras e propõem, assim, análises sobre a qualidade do
movimento realizado. Talvez a limitação, entretanto, não esteja no teste em si, ou em
seu procedimento de coleta, mas, sim, no idoso que o realiza. Muito embora os idosos
possam realizar as provas motoras de maneira mais veloz, como demonstrado por
Alexander et al (2001) e Brandon et al (2000), talvez não faça sentido realizálas mais
rápido e sim completálas sem dor, desconforto, medo ou sem a ajuda de outrem.
Assim sendo, a limitação parece não ser do teste motor em si, mas, sim, das
interpretações e inferências realizadas pelos pesquisadores.
Os testes se propõem a mensurar o desempenho das habilidades, mas não se
tem como considerar as percepções e os anseios que os “testados” exibem com
relação às provas físicas. Talvez possam realizar mais rápido essa ou aquela ação
cotidiana, mas é necessário refletir se eles querem ou precisam dessa velocidade.
Dessa forma, não é ao teste que deve ser atribuído a “culpa” de uma não detecção da
capacidade funcional, pois ele não tem esse intuito; ele mede o desempenho de uma
130
habilidade que pode compor um todo articulado que dinamiza a capacidade funcional,
mas ele não pode “medir” a capacidade funcional se a considerarmos como um
fenômeno complexo. Mediante os dados apresentados podese entender a
capacidade funcional como um fenômeno complexo e, como tal, exibe uma rede de
interações que impossibilita relações lineares, como a muito preconizada que a
correlação entre realizar uma habilidade de forma veloz resulte diretamente em uma
funcionalidade incrementada.
Ainda assim, é fato que se os idosos experimentaram aumento de sua força e,
concomitantemente, perceberam melhoras em sua capacidade funcional, mesmo que
essa melhora tenha sido percebida pela redução de uma sensação dolorosa ou por
um desempenho mais satisfatório em uma atividade cotidiana. Em outras palavras,
ainda é possível notar, nesse primeiro olhar, uma relação importante entre a força
muscular ou pelo menos a participação no programa e a capacidade funcional do
idoso, e isso dá margem a inferir que a manutenção de seu potencial de força resulte
em uma constância nas percepções relatadas.
No entanto, a variação proposta no programa, com a redução da freqüência
semanal, trouxe dados importantes sobre a relação entre força e capacidade funcional.
O comportamento da força do grupo, em geral, mantevese no período da freqüência
semanal, fato que vai ao encontro daquilo que foi reportado por Trappe, Williamson e
Godard (2002) com idosos.
A vantagem de reduzir a freqüência semanal, apontada por Trappe, Williamson
e Godard (2002), centrase na diminuição do tempo despendido e na diminuição do
custo com as sessões de exercícios: fatores bem conhecidos como determinantes da
adesão à prática de atividade física. Isto parece ir ao encontro daquilo que relata o
Sujeito B, com relação ao período em que o programa ofereceu um dia por semana de
prática. Esse sujeito prefere exercitarse um dia por semana, porque a demanda de
tempo para os cuidados com seu cônjuge e sua mãe é grande. Isso significa que a
percepção de funcionalidade para o Sujeito B está na sua disponibilidade em cuidar de
seus familiares e não na força que necessita para realizar suas atividades cotidianas.
A diminuição do tempo de prática semanal, de fato, para esse sujeito, parece ser
vantajosa, corroborando, de certa forma, com a vantagem levantada por Trappe,
Williamson e Godard (2002). No entanto, devese ressaltar que esse sujeito não
experimentou a manutenção de sua força no programa (vide Figura 2), e os autores
citados apontam a redução da freqüência semanal como vantajosa, na condição de
manutenção dos níveis de força.
No entanto, se diminuir o tempo semanal de prática foi interessante para o
Sujeito B, não o foi para os Sujeitos C e D. Esses sujeitos, embora tenham
131
experimentado a manutenção de seus níveis de força, sentiramse mais fracos para a
realização dos exercícios do programa, o que pode ser exemplificado pelas falas do
trecho quatro do Sujeito C e do trecho seis do sujeito D. Tendo em vista, então, a
preocupação sobre a adesão ao exercício levantada por Trappe, Williamson e Godard
(2002), podese afirmar com Velardi (2003), que um dos fatores de baixa adesão ao
exercício é a percepção da incapacidade que os idosos sentem frente à atividade
física, que sempre lhes parece demasiadamente cansativa e dolorosa.
Dessa forma, se diminuir o tempo despendido pode aumentar a adesão ao
exercício, propor aos idosos atividades que lhes pareçam muito penosas pode
acentuar, por outra via, a desistência da prática. Ademais, vale ressaltar aqui que para
o Sujeito D, existe um significado imanente desse desejo de manterse ativo por duas
vezes por semana; isso lhe traz percepções e, por conseguinte, recordações que a
fazem retomar uma história vivida que permeia a percepção de si e do mundo. Da
mesma maneira, para os outros participantes, existe um sentido por traz de uma
sensação de dor ou de fraqueza, há uma situação expressa nesses relatos que um
estudo mais detalhado dessas percepções pode desvelar. Concentrarnosemos,
ainda, nos constituintes aparentemente pontuais da capacidade funcional e mais
adiante, retomaremos aos significados dessas percepções.
No entanto, se o foco é a capacidade funcional e se temos em mente que esse
conceito referese à realização das atividades cotidianas básicas ou instrumentais,
podemos dizer que essa sensação de fraqueza não importa, já que ocorreu só no
programa. Por outro lado, se a participação no programa for significativa para o idoso,
ele pode considerar o programa como uma de suas atividades rotineiras e que podem
passar para o conjunto de atividades da capacidade funcional. Essa reflexão vai ao
encontro daquilo que, segundo Cotton (1998 apud Matsudo, 2000), propõe o American Geriatrics Society: além das atividades básicas da vida diária (ABVD) e as atividades instrumentais da vida diária (AIVD) devem ser incluídas as atividades avançadas da
vida diária no conjunto das atividades da vida diária, que se referem a funções
específicas para cada individuo, no tocante a poder viver sozinho. Esse grupo de
atividades avançadas inclui as funções ocupacionais, recreacionais de prestação de
serviços comunitários. Assim, se a participação no programa pode ser incluída no
grupo das atividades da vida diária, sentirse fraco na participação no programa, é
sentirse funcionalmente incapaz. Além disso, sentirse mais fraco para a realização
dos exercícios de força pode implicar em sentirse menos capaz para a realização de
suas atividades rotineiras mais básicas.
Ainda temos o caso do caso do Sujeito H que, relatou que o programa, em sua
fase inicial, causoulhe dores. Dessa forma, ao reduzir a freqüência semanal
132
esperavase, que as dores também diminuíssem, pois o estresse sobre seu corpo
seria menor. No entanto, não foi isso que percebeu esse sujeito. Para ele, o período
de manutenção foi desagradável, difícil, pois além de sentirse mais fraco, retornavam
as dores devido a um longo período de pausa entre as sessões. Todavia, devese
ressaltar que esse participante experimentou aumento de força, bem como sua
manutenção no programa proposto (Figura 8). Dito de outro modo, para ele, parece
não ser importante se consegue levantar a mesma magnitude de carga, mas que se
sinta capaz de suportar confortavelmente essa demanda.
Dessa forma, a manutenção da força não é suficiente para que o idoso
continue a sentirse com a mesma funcionalidade que conseguira perceber no
momento anterior. Nos casos relatados, ou é a sensação de fraqueza que surge
(Sujeitos C e D) ou é a sensação dolorosa que se eleva (sujeito H). Além disso, não é
possível estabelecer se a força adquirida no período inicial (dois dias semanais) foi
responsável pelos relatos de melhoras funcionais já descritos, já que sua constância
no período de manutenção não foi suficiente para que os idosos continuassem a
relatar incrementos na capacidade funcional. Assim, inferese que a situação proposta
pelo programa, no inicio, motivou a expressão da capacidade funcional a partir de
vivências particulares, mas isso não se deve apenas à força desenvolvida e outros
fatores podem ter contribuído para essa funcionalidade incrementada. A percepção de
outrem, a revelação da percepção de outrem sobre si, uma situação vivenciada, um
fato ocorrido, a força aumentada, a percepção de si, uma situação expressa. Cada um
desses caracteres pode ter contribuído para a percepção da capacidade funcional ou a
interação de todos eles. O ambiente criado para a realização do programa de
treinamento resistido pode ter motivado a percepção da capacidade funcional e não
apenas a elevação da força muscular em si, tanto no primeiro como no segundo
momento do programa.
Com relação aos relatos dos Sujeitos B e G, podemos levantar algumas
considerações acerca das tradicionais avaliações da capacidade funcional realizadas
por instrumentos fechados. Como já citado, Meuleman et al (2000) observou que, com
um instrumento de autoavaliação, não foi capaz de detectar alterações funcionais,
mediante um aumento de força de 226%. Isso pode decorrer das características do
instrumento que não oferecem opções suficientes entre questões e alternativas de
respostas, que revelariam alguma alteração funcional. Essa argumentação proposta
por Stessman et al. (2003) concretizase no momento em que os autores propõem um
item “mais sensível” no instrumento Katz, já explicitada no primeiro bloco.
Nesse ponto, podemos analisar os casos dos sujeitos B e G. Fica claro em sua
narrativa que eles tentam “encaixar” aquilo que é atribuído como verdadeiro no que se
133
relaciona idealmente à capacidade funcional, ou seja, o desempenho em ações
domésticas tidas como universais, com a situação em viveu a partir da participação no
programa. Dito de outra maneira, eles tentam responder aquilo que deveriam ter
percebido, já que participaram de um programa de exercícios de força e, como se
veicula incessantemente, é de conhecimento comum que esse tipo de atividade
incrementa funcionalidade dos idosos. Isso ficou denunciado a partir das diversas
pausas para reflexão e solicitação ao entrevistador para que confirme suas idéias, no
sentido de que os participantes B e G precisavam identificar o que, de fato, seria a
resposta adequada, o que normalmente ocorre com quem participa de programas de
treinamento resistido.
Dessa forma, oferecer mais opções de respostas nos instrumentos de auto
avaliação da capacidade funcional, como apontou Litvoc e Brito (2004), seria
possibilitar que o idoso se adequasse com aquilo que seria freqüente e coerente no
plano ideal para idosos que participam de programas de exercícios resistidos. Nesse
sentido, o idoso teria que adequar suas vivências funcionais àquilo que é proposto no
instrumento que lhe é solicitado o preenchimento, mas não tem espaço para expressar
suas percepções mais diversas. A diversidade de questões e respostas possíveis
possibilitaria ao respondente o enquadramento de diversas situações, que não seriam
necessariamente aquelas que vivenciam ou vivenciaram. Os discursos dos Sujeitos B
e G vão na mesma direção, eles sabem o que deveriam ter percebido com relação à
participação no programa de exercícios e suas repostas teriam vindo com mais
precisão se eles tivessem consigo um rol de possíveis, pelos quais poderiam
direcionar “corretamente” suas respostas; situação que um instrumento fechado
oferece com abundância. Assim, possibilitar ao idoso mais e mais opções de questões
e repostas sobre sua funcionalidade é encaixálo em um quadro de generalidade que
pode sufocar suas significações mais profundas sobre sua funcionalidade.
Isso significa que o andar, o subir, o carregar, arrancados dos fios que os
conectam à vida dos idosos, dissipamse na generalidade e surgem como solução
para aqueles que não vivenciaram essas ações e todas as outras, tidas como gerais,
no momento em que são solicitados para falar sobre sua funcionalidade. Isso significa
que as ações cotidianas, concebidas como gerais, só serão significativas se se
mantiverem conectadas no contexto de vida da pessoa. Assim, para os Sujeitos B e G,
as ações funcionais, freqüentemente incrementadas via treinamento com pesos, só
tem um sentido ideal, o da consciência intelectual, mas não exibe sentido existencial;
não é sobre aquilo que vivenciam, que discursam, mas sobre aquilo que teriam que ter
vivenciado, já que todos aqueles que participam de programas dessa natureza devem
experimentar tais mudanças “padrões”, e com eles não seria diferente, pois fazem
134
parte do mesmo grupo. Além disso, já que é algo tão geral, que acontece com todos, a
idéia centrase também no fato de quem não sente isso, está fora do padrão, então, se
as melhoras não foram vivenciadas, o escape é presumir que elas aconteceram, para
não se incluir num grupo de “anormais” ou “diferentes”. Por isso, é que é freqüente nas
respostas dos Sujeitos B e G, a colocação dos sujeitos das frases com o termo “ a
gente”, ou seja , um grupo de pessoas como eles, todos eles, “a gente”, sente isso
mesmo, por isso eu também devo ter sentido, devo ter melhorado é o que deve ser
certo. Essa concepção analítica desses sujeitos será explicitada com mais detalhes
adiante no estudo de suas percepções.
As colocações de Litvoc e Brito (2004) sobre as características técnicas dos
instrumentos para a aferição da capacidade funcional vão na direção de que aqueles
que oferecem maiores possibilidade de questões e respostas, bem como níveis
classificatórios diversos, abrangem de forma mais geral a capacidade funcional. Se
mantivermos o pensamento nessa direção, somos levados a crer que agregar e
diversificar as opções de ações funcionais levarnosá a uma maior precisão sobre a
capacidade funcional do idoso. Nesse ato de agregar mais opções sobre a capacidade
funcional, exibese uma ênfase nos constituintes da capacidade funcional, mas exime
se, ainda mais, as relações que esses podem estabelecer com o contexto de vida e
entre si. Retornaríamos, assim, ao problema anterior, no qual o andar, o caminhar ou o
carregar exibem sentidos únicos para aquele que vivencia, e tal significado continuaria
sufocado e a generalidade se assentaria novamente. Assim sendo, parece que definir
a melhor forma de compreensão da capacidade funcional pela quantidade de
habilidades físicas que podem ser verificadas em um instrumento fechado é,
justamente, obter conhecimento apenas sobre tais habilidades que, isoladas do pano
de fundo vivido do qual se destacam, não contemplam a complexidade imanente da
capacidade funcional do idoso.
Nos discursos descritos, as melhoras funcionais relatadas, como a
possibilidade de carregar móveis (Sujeito A), a aptidão percebida pelo Sujeito D para
subir escadas, ou a facilidade em carregar as netas (Sujeito F), conectamse por fios
de significação a situações vividas que fazem com que essas ações sejam percebidas
como melhorias funcionais significativas. Da mesma maneira, a diminuição de
sensações dolorosas, como relatado pelos Sujeitos C, E e H, são referenciais de
melhora porque estão ligados a uma história de vida e, por conseguinte, de
significação, que fazem exacerbar a dor como um indicativo da capacidade funcional
percebida.
135
Na visão de MerleauPonty (1999), 12 a percepção sempre traz consigo um
rasto de historicidade e sempre supõe certo passado do sujeito da percepção. Nunca
é alheia ao contexto em que se estabelece, nem tampouco é uma operação intelectual
que eximiria a operação do corpo como nosso instrumento perceptivo e, por
conseguinte, de conhecimento do mundo e de si. Dada a percepção de um objeto, por
exemplo, só o conhecemos a partir das relações que este faz com o contexto: sobre a
luminária com a qual iniciei o estudo da percepção acima descrito, só tenho o
conhecimento dela a partir das relações que ela estabelece com a mesa na qual está
posta, pelo fundo opaco que se destaca e pela iluminação aos meus escritos que ela
traz. Para o filósofo, todo percebido está relacionado a um campo perceptivo, isso
significa que o percebido por si só, não é possível, mas só o é, pelas relações que
estabelece com o contexto. E a luminária que descrevia só existe para mim porque ela
emana certo significado, que eu retomo a partir de minha operação corporal.
Assim, é a partir da percepção “de um só golpe” da luminária em todo o seu
contexto é que podemos discernir caracteres pontuais, descrevêla. Na mesma
direção, os idosos só puderam descrever suas habilidades incrementadas da
capacidade funcional porque a destacaram do contexto de vida e a relataram. Com
efeito, não a perceberam isoladamente, mas ao contrário, por estarem ligadas ao seu
contexto de vida é que puderam ser percebidas e, por conseguinte, significadas em
sua existência e, por fim, expressas pela fala.
A percepção arrasta consigo um legado de significações que se expressam
através do engajamento do corpo no mundo; um saber que antecede qualquer
operação intelectual tida como superior e a pressupõe em todos seus atos. A
percepção do mundo, do espaço, das outras pessoas, das coisas revela a percepção
de si e se expressa através de nosso poderio corporal, arrastando consigo sua
historicidade.
A funcionalidade percebida pelos participantes deste estudo se deu, então,
pelo contato deles com sua espacialidade, nas relações com o outro e, por
conseguinte, com o mundo. Dessa forma, cada ação relatada não está isolada de um
contexto de vida, de um mundo que suscitou nos participantes uma operação corporal,
e esses a corresponderam com a expressão de sua motricidade, permeada de um
mundo de significado. Assim, uma exploração do espaço cotidiano, um relato de
outrem sobre si, a rememoração de uma situação vivida expuseram, através de um de
nossos poderios expressivos, a fala, significações por traz de habilidades funcionais
aparentemente cristalinas. Nessa direção, entendese, aqui, que a capacidade
12 Todas as citações de MerleauPonty nesse bloco, referemse à Fenomenologia da Percepção (MERLEAUPONTY, 1999).
136
funcional percebida é sempre habitada por um sentido; nunca é um contato mudo;
sempre fala ao sujeito da percepção através de um rol de significações latentes.
A retomada de um contexto vivido é característica do ato perceptivo e é a base
para compreendermos os significados dessas percepções. Para MerleauPonty (1999,
p.88), a “luz de uma vela muda de aspecto para uma criança quando, depois de uma
queimadura, ela deixa de atrair sua mão e tornase literalmente repulsiva”, ou seja, as
relações que temos com o percebido transcendem aquilo que dele temos em geral.
Assim, a percepção de algo faz com que o passado tornese presente pela operação
primeira do corpo; pode trazer à tona significações remotas que de sofrimento exibem
seu significado. A percepção de uma situação de emagrecimento, como relatado pelo
Sujeito D, faz com que ele exiba uma repulsa a essa situação, que lhe traz lembranças
de um processo doloroso, a doença que fez seu marido definhar sob seus olhos.
Assim como a percepção da luz de uma vela motiva repulsa em uma criança mediante
sofrimento de uma queimadura, a percepção de emagrecimento motiva um sofrer
remoto que se torna presente pela metamorfose do corpo.
Dessa forma, manterse com suas capacidades funcionais em plena atividade,
sentirse com o joelho em pleno funcionamento, subir escadas diversas vezes, é
perceberse funcionalmente capaz, o que redunda em sentirse disposta para comer, e
por isso, não definhar, como aconteceu com seu falecido cônjuge. Freqüentar o
programa, duas vezes na semana, também, mostrase como um motivador para sua
fome e, assim, sentese menos propenso a emagrecer e não definhar como seu
marido. Levase a inferir que se o programa não lhe tivesse propiciado melhoras na
direção de perceberse mais capaz de realizar atividades que lhe mostravam que não
ficaria acamado, não teria percebido melhorias funcionais. E essa ligação com o
passado é que faz com que essas atividades sejam significativas no que diz respeito à
sua capacidade funcional. Nesse sentido, manterse funcionalmente bem é perceber
se e, por conseguinte, perceber o mundo, não como repulsivo, mas, sim, atraente,
possível, explorável, sem receios. É dominar o espaço, é existir.
Essa retomada de um passado iluminase, também, com a compreensão do
aparecimento do membro fantasma em amputados. MerleauPonty explica que o
surgimento do membro fantasma pode depender da história pessoal do amputado, de
suas recordações, de suas emoções, ou de suas vontades. O aparecimento de um
fantasma materializa uma situação na qual o corpo se dirige à ações habituais e, na
falta de um membro “real”, o fantasma o substitui e mantém o corpo ligado às suas
ações habituais. A percepção faz com que o corpo materialize situações passadas,
mas não é uma simples recordação que faz o membro fantasma surgir, mas, sim, a
emoção que ele traz sobre aquele antigo presente que não se quer tornar passado.
137
Ter um membro fantasma é fazer possível a atitude existencial de corresponder ao
percebido que suscita todo o momento um braço mutilado. A recusa à amputação é
uma situação existencial que circunda o amputado e o corpo, ao materializar um
membro, mesmo que fantasma, consuma, de fato, essa recusa.
Dessa forma, para o Sujeito D, sentirse fraco, propenso ao definhamento, é a
maneira particular que seu corpo exprime uma situação passada e a materializa no
presente. Perceberse funcionalmente capaz, para esse sujeito, é perceberse ativo no
mundo, longe de um processo de emagrecimento, com o poder de distanciarse de um
passado sofrido que o aproxima da morte e que, no entanto, é revivido a todo o
momento pela operação do corpo. Estar em pleno funcionamento corporal é ter
vontade de comer e ter fome, podese assim dizer, para esse participante, é ter vida.
Ainda podemos dizer que a percepção do emagrecimento é a forma de
expressão do Sujeito D sobre uma situação que viveu, e que emoções passadas
tornamse presentes por esse poderio corporal, já que para MerleauPonty, o corpo
pode expressar uma dada situação. Vejamos o caso do Sujeito A, e entenderemos
como sua funcionalidade é percebida através do exercício de expressão competente
ao corpo próprio.
Na análise do Sujeito A, encontrase por traz de seus relatos sobre sua
indispensável participação na mudança dos filhos, o papel de cuidador, que exerceu
ao longo de sua vida, e ainda o faz, na maioria das ocasiões, com satisfação. Nos
trechos quatro, seis e sete, é notável a satisfação com que ele descreve suas
atribuições constantes no papel de cuidar. De maneira geral, é evidente que esse
Sujeito assume um papel de cuidador e suas melhoras funcionais estão ligadas a essa
sua função, assim como o membro fantasma está ligado a “funções” habitualmente
exercidas por esse membro, como explicado acima, segundo MerleauPonty. Levantar
móveis com facilidade só foram ações significativas, passíveis de serem relatadas
como percebidas, porque se inseriam no contexto da mudança de seu filho. O
desempenho, nessas ações, significou a expressão de seu poder sobre uma situação
que lhe exigia de suas competências como cuidador. É evidente que ele exibia um
profundo grau de satisfação em ser o ponto de apoio primeiro para seu filho e família;
há uma significação existencial no ato de carregar os tais móveis.
Essa situação, vivida pelo Sujeito A, suscita uma operação existencial para si,
a assistência, o cuidado, as relações com outrem que o fazem de fato Ser. O ambiente
propiciado pela mudança de seu filho, possibilita um campo significativo que o Sujeito
A percebe, e, por conseguinte, percebe a si, através desse poder oferecido pelo corpo
de retomar uma situação percebida, dado o fundo emocional no qual a situação se
desdobra. Assim, a expressão de cuidador, que transparece em um relato de uma
138
funcionalidade melhorada do Sujeito A, é a retomada e a expressão de uma situação
na qual a participante vive e, por isso, é significativa para si. Esse carregar de móveis
é relatado como melhora funcional porque retoma uma função primordial de sua vida,
o apoio a outrem, nesse caso seu próprio filho. Presumese, então, que, se esse
sujeito tivesse realizado a mesma ação motora, mas que não fosse relacionada à sua
atribuição de cuidar, esse movimento não teria sido percebido como melhor no sentido
funcional. A capacidade funcional, ademais, não pode mais ser tratada, nesse
momento, como simples habilidade física, mas, sim, como uma ação motriz que, por
isso mesmo, já é investida de um sentido.
A expressão de uma situação também está presente no ato de carregar os
netos no colo, como podemos observar os relatos do Sujeito F. A percepção da
facilidade em segurar os netos em seu colo, expressa pelo corpo próprio na região da
coluna (trechos um e três), é conectada por relações emocionais ao sofrimento que
viveu ao experimentar um enfarto, um ano após a morte, também por infarto, de um de
seus filhos. Foi à coluna que esse sujeito atribuiu os primeiros sintomas do enfarto
(trecho quatro), e é por essa via que o corpo manifestou essa situação vivida. Esse
caso vai ao encontro do caso das “mãos imprestáveis” de Madeleine, o caso relatado
por Sacks (2003), descrito acima. Foi através das mãos que o corpo pôde expressar a
situação da assistência ininterrupta na qual sempre viveu, assim como através da fala
o corpo da afônica, relatada por MerleauPonty, pôde expressar uma situação de
interrupção da coexistência. Sentir dores na coluna e carregar os netos são ações que
exibem o significado da morte de um filho e expressamse pela possibilidade do ato
materno do abraço, do carinho, do amor, da emoção. Perceberse apto a cuidar de
seus netos é perceberse longe de uma situação de sofrimento, de morte, e, é, de fato,
funcionar bem, coexistir.
A partir dessa possibilidade de expressão poderemos compreender também
que a capacidade funcional pode ser vista no domínio do espaço pelo corpo. O corpo,
na visão de MerleauPonty, é um espaço eminentemente expressivo, e esse poderio
expressivo é literalmente nosso poder sobre o espaço. MerleauPonty destaca que
percebemos o espaço e, por assim dizer, o habitamos a partir do momento em que
uma dada percepção solicita um movimento, e conseguirmos corresponder a essa
solicitação, que possamos colocarnos em situação. Para o Sujeito F, sua
funcionalidade é literalmente sentirse com um poder tal sobre seu espaço que ela
pode corresponder à situação percebida, no caso, a solicitação de carinho de seus
netos. Dito de outro modo, esse sujeito de fato pode usufruir de seu espaço de avó,
quando ele corresponde à percepção da situação que lhe é apresentada.
139
E essa relação com o espaço (e com o tempo), como disse MerleauPonty
(1999), é uma relação fundamental da existência. É, então, na possibilidade de
exercer essa dimensão fundamental de sua existência que o Sujeito F percebe sua
funcionalidade, sua potência de existir. De acordo com MerleauPonty, isso ocorre
porque a percepção é intencional, porque ela retoma um significado que o percebido
lhe apresenta e o percebido lhe propõe certa forma de existência, no caso do Sujeito
F, a existência de avó. Abraçar sua neta é possível porque a percepção propicia,
através do poderio “préobjetivo” do corpo próprio, a correspondência do amor
percebido em sua neta. Segundo a colocação de MerleauPonty sobre a percepção do
outro, podemos dizer que o Sujeito F percebe o gesto de carinho de sua neta, na
medida em que há uma reciprocidade entre suas intenções, como se nossas intenções
maternas habitassem um o corpo do outro. Ou seja, como explica MerleauPonty, o
corpo é um sistema integrado se organiza com vistas a retomar uma percepção, sem
que seja necessário um pensamento intelectual interposto, que decidiria o que fazer
dado um rol de possíveis. Assim como correspondo a um aceno de um amigo, por um
saber latente que faz do corpo nosso instrumento perceptivo.
No entanto, ainda poderia se dizer que no caso dos sujeitos A e D, essas
condutas, o cuidado materno, estão instituídas naturalmente e é por ocasião do
instinto que essas mães estabelecem as condutas relatadas, e isso nada tem de
relação com uma situação significativa. MerleauPonty explica que condutas
passionais, como abraçar no amor, ou gritar no medo, são criadas pelo mundo
humano e mesmo aqueles que nos parecem os mais instintivos são, na verdade,
instituições.
Dessa forma, olhandose para a significação existencial das percepções
relatadas, ser avó (Sujeito F) ou cuidadora (Sujeito A) ou simplesmente afastarse da
morte (Sujeito D), descobrimos que eles têm um significado com relações
fundamentais da existência, ou seja, nossas relações com o passado e com o futuro,
com o eu e com o outro. Assim, podemos dizer que a capacidade funcional percebida
pode ser uma forma de expressão da condição humana, de suas relações com o
mundo. No caso da afônica, que falávamos há pouco, pudemos perceber que o
significado de seu distúrbio da fala traz uma situação vivida que coíbe a coexistência,
expressando, por assim dizer, uma relação existencial.
Restanos saber, então, por essa mesma via existencial, que significado a dor
relatada pelos participantes C, E e H exibe em suas vidas; o que a supressão de uma
sensação dolorosa significa com relação à sua funcionalidade.
No caso do sujeito C, a supressão de dores na coluna foi um de seus relatos
sobre melhoras funcionais (trecho um). Isso se conecta à situação que viveu com sua
140
mãe, que lhe deu muito trabalho por ocasião do surgimento de diversas doenças
(trechos quatro e cinco). A supressão da dor representa o distanciamento de uma
situação que fora vivenciada com sofrimento, e se expressa através da região da
coluna, pois sua mãe também apresentava desvios na coluna e a participante atribui
que herdou esses problemas (trecho cinco). Assim, a existência da dor é a
materialização de uma situação vivida, do convívio íntimo que estabelecia com o
sofrimento de sua mãe, de um vínculo afetivo e emocional que vivenciava.
Em outros termos, melhorar sua capacidade funcional é livrála da dor que
representa o sofrimento de sua mãe e o seu próprio ao cuidar dela; a dor aqui tem um
significado afetivo que nos impede de a analisarmos apenas pela via fisiológica. O
relato de melhora de dor com melhora funcional, então, estabelece um vínculo afetivo,
não passar pela dor de sua mãe é o que retoma a percepção de sua funcionalidade. A
percepção, explica MerleauPonty, estabelece vínculos afetivos. O filósofo relata o
caso de um paciente de cegueira psíquica que consegue reconhecer a picada de um
mosquito em sua pele, mas não reconhece o toque do médico no mesmo ponto de seu
corpo. Fisiologicamente, os dois estímulos são muito próximos para uma distinção
biológica, mas o entendimento desse caso é possível se o valor afetivo dessas duas
estimulações for levado em conta. Assim, não é qualquer dor suprimida que levará o
Sujeito C perceberse funcionalmente eficaz, mas, sim, a dor de sua coluna é que
efetivamente estabelece um valor afetivo: talvez o mais ovacionado, o amor materno.
Na mesma direção, podemos levar nossas reflexões sobre o Sujeito E. Esse
participante relata, no primeiro momento, que se percebeu mais capaz de carregar
baldes volumosos e, também, seus netos. Ele explica que se percebeu mais capaz a
partir do momento em que pode exercer tais ações sem que ficasse com dor, sem que
se machucasse, sem que suas costas ficassem doloridas. Essas sensações dolorosas
exibem uma conexão com um sofrimento vivido, a morte de sua mãe; aliás, não só
dela, mas também de dois de seus cunhados e sua sogra. Há um sentido afetivo na
supressão dessas dores com relação à sua funcionalidade: o distanciamento da morte
do outro, a interrupção da coexistência. Da mesma forma, há um afeto, uma emoção
que faz surgir um membro fantasma, como descrito por MerleauPonty, mas, aqui, em
um sentido inverso: o membro fantasma é bem vindo, ao passo que a dor não é bem
quista, pois representa algo que o sujeito quer manter a distância. No entanto, manter
a distância, esquecer, é admitir, como explica MerleauPonty, que temos essa
recordação como pertencente a uma região da minha vida que recuso e que pertence
a um setor distante de minha vida porque ela significa algo para mim. Dessa forma,
presente ou ausente, essas dores são significativas a um passado histórico. O
esquecimento, segundo MerleauPonty, é um ato; eu conservo essa recordação à
141
distância, da mesma maneira que desvio daquilo que não quero esbarrar; eu só o faço
porque sei que ele está ali. Assim, sentirse funcionalmente capaz é poder manter à
distância a dor dos falecimentos das pessoas que amava, é distanciarse da situação
vivida que a dor traz à tona.
Cair. Essa é a situação que o Sujeito H quer esquecer, assim como aqueles
que discutimos acima querem manterse à distância. Cair representoulhe muitas
dores e é essa a situação que a presença de dores faz o participante reviver.
Perceberse funcionalmente bem é perceberse sem dores no braço e na perna
(trecho um), o que a fazem retomar diversas quedas sofridas ao longo da vida.
Até esse ponto, podemos identificar o que as habilidades destacadas por cada
participante como influenciadas pelo programa de exercícios resistidos. Podemos
observar que existe um significado existencial no aparentemente cristalino carregar,
andar ou subir. Ademais, podemos observar como essas percepções revelam sua
autenticidade através da operação do corpo como nosso meio de expressão e, por
conseguinte, de significação. Em cada ato perceptivo discutido acima pôdese
estabelecer uma relação existencial, para além do conhecimento fisiológico de cada
habilidade funcional destacada de seu contexto. No entanto, resta entender porque
ainda não nos atemos à discussão dos Sujeitos B e G. Será que a percepção sobre
sua funcionalidade mediante a participação no programa não foi autêntica?
MerleauPonty descreve que o ato do entendimento, da análise intelectual, do
juízo, não é a gênese da percepção. Isso fica claro ao olharmos o caso dos Sujeitos B
e G. Notase com clareza um verdadeiro ato de interpretação para a definição de suas
melhoras funcionais, claramente definidas em tese. No relato do participante B, no
primeiro momento, tentase a acreditar que programa resultou em melhoras de força
de pernas e braços para andar e carregar sacolas, respectivamente. No entanto, a
análise de seu discurso pode demonstrar que, ao relatar tais possíveis melhoras, há
uma clara tentativa de alçar à consciência aquilo que é certo, aquilo que ela deveria
responder sobre melhoras funcionais. O locutor exemplifica o que seriam tais
melhoras, mas esses exemplos esvaemse na generalidade, principalmente ao utilizar
o termo “a gente” diversas vezes, como explicitado em sua análise. Realiza várias
pausas para reflexão e pede constantemente a confirmação do entrevistador sobre a
veracidade de seus relatos.
Essa participante exemplifica o que, em tese, se concebe por melhoras na
capacidade funcional; não se remete à experiência vivida, mas, sim, à idéia que constitui a capacidade funcional. MerleauPonty explica que o pensamento
intelectualista leva o percebido para o plano das idéias e busca constantemente
142
condições para que o percebido seja possível e sem isso ele não existiria e, assim,
não revela o funcionamento próprio da percepção.
Mas, na análise de seu desempenho no programa proposto, podese notar que
o Sujeito B não apresentou incrementos de força significativos. Esse fato parece elidir
a questão e faznos retornar ao ponto de que ele não relata claras melhoras
funcionais, porque, de fato, tais incrementos não foram obtidos, já que sua força
muscular não aumentou e, em alguns exercícios, até diminuiu. E assim, a correlação
entre força e capacidade funcional parece fortalecerse.
Na análise do caso do Sujeito G, entretanto, notamos uma situação semelhante
com relação ao seu discurso, mas inversa com relação ao comportamento de sua
força muscular. Ele relata (trecho dois), como o faz a participante B, diversos
exemplos do que seriam os resultados da melhora funcional a partir do aumento da
força, mas, ao recolocálos em sua experiência de vida, não fica claro se ele
experimentou essas diferenças em seu cotidiano. Ele conclui que, já que ele participou
de um programa de exercícios resistidos, ele deveria apresentar essas mudanças
funcionais, ele sabe (no domínio intelectual, portanto), justamente por essa associação
comum forçacapacidade funcional, que, se ele precisar, ele deve possuir mais força.
No entanto, nesse caso, não podemos atribuir essa dificuldade de expor suas
melhoras funcionais à sua resposta muscular ao programa de exercícios resistidos,
pois ele apresentou melhoras significativas de força em todos os exercícios que
realizou.
Tentar formar a percepção da capacidade funcional através daquilo que temos
dela em idéia, é a tentativa marcante nos discursos dos sujeitos B e G, é a forma
intelectualista de perceber que não opera com consistência e se esvai em tentativas
frustradas de alçar à consciência o que é certo. Não é questão de dizer que esses
sujeitos nada perceberam, o que seria cair de novo na teoria intelectualista de que há
um percebido correto que deve ser identificado. O que pode ter ocorrido é que, no
momento de relatar suas percepções sobre sua capacidade funcional, os sujeitos, ao
se depararem com a não melhora percebida, tentam buscar aquilo que eles deveriam
relatar como correto e, nesse impasse, preferem a descrição do que, em tese, seria
verdadeiro, para que não sejam incluídos no grupo de “anormais”.
Assim sendo, para os Sujeitos B e G, ficou evidente, em seu discurso, a
dificuldade de enxergar melhoras em seu cotidiano, mediante a participação no
programa de exercícios; e que ambos trouxeram uma capacidade funcional em idéia,
mas não em existência. Em um primeiro momento, poderíamos atribuir isso a um
desempenho insatisfatório no programa, fato que ocorreu com a participante B, mas
que não aconteceu com o participante G e, por isso, parece que a elevação da força
143
muscular não é condição primeira para a percepção de um nível funcional
incrementado.
Ao discutirmos, acima, as relações entre os relatos sobre a capacidade
funcional, nos deparamos com a situação do Sujeito D que, embora não tenha
realizado exercícios para os membros inferiores e quando os realizou foram muito
pouco intensos, descreve melhorias funcionais com relação à capacidade de subir
escadas. Isso levanos a crer que sua percepção está equivocada. No entanto, o
estudo em que MerleauPonty descreve sobre a figura de Zollner podenos levar a um
início de entendimento sobre esse caso.
No estudo da ilusão de Zollner (Figura 9), se cobrirmos os traços pequenos,
que estão distribuídos sobre as linhas maiores, poderemos ver essas que essas
últimas são paralelas. Ao introduzir linhas auxiliares, as linhas, que antes se davam à
percepção, como paralelas, deixam de ser. Na figura de Zollner, as linhas principais,
ao receberem linhas auxiliares, livraramse do antigo sentido para adquirir outro; as
linhas auxiliares fazem da figura jorrar uma significação nova que não pode mais ser
destituída.
Da mesma maneira, a situação oferecida pelo programa, trouxe um novo
sentido à vida do Sujeito D. O corpo aprendeu uma nova significação ao ser exigido
nas situações do programa e fez com que a percepção de subir a escada, que antes
lhe tornava repulsiva, porque poderia lesionarlhe o joelho e, provavelmente, o período
de convalescença o levaria a um temido emagrecimento, tornarase atraente por uma
nova configuração que o corpo adquiriu ao participar da situação do programa; da
mesma maneira que a figura abaixo tem uma nova configuração e, por isso, um novo
sentido ao introduzir linhas auxiliares. E podemos notar que, para isso, não foi
condição primordial o incremento de força dessa região. Dessa forma, parece que o
sentido global da situação é o fator motivante da percepção da capacidade funcional
desse sujeito, para que ele possa se sentir capaz de subir as escadas.
Figura 9 – Figura de Zollner
144
Isso pode ocorrer porque, como dissemos mais acima, o corpo é um sistema
integrado, e seu esquema corporal corresponde a uma percepção a partir da
organização de seus constituintes, tendo em vista uma tarefa a realizar. Dessa forma,
podemos inferir que para o ato de subir escadas, o corpo não precisa
necessariamente de uma força correspondente de membros inferiores, mas, sim, que
sua situação global possa corresponder a essa situação. No caso do Sujeito D, a
significação nova que o programa trouxe para sua vida, referese à possibilidade de
manterse ativa e, como ele ressalvou, não emagrecer. Visto de outro modo,
poderíamos ainda destacar que a impossibilidade de subir escadas foi a forma do
corpo de exprimir um situação de medo que permeava esse sujeito. E banida essa
situação, então, pela participação no programa, ele pôde retomar essa atividade
cotidiana, sem receios, sem medo. Ainda podese inferir que o problema vivido com o
joelho é o efeito de uma situação de pavor que rondava esse sujeito, fato que levanos
a repensar a noção causal deste caso: os problemas do joelho não são a causa de
uma situação de impossibilidade de subir escadas, mas, sim, tal impossibilidade, um
mundo de situações vividas que se expressaram por um joelho deteriorado.
Diante de todas essas significações apresentadas, podemos observar que para
cada participante o sentido de sua capacidade funcional arrasta consigo um mundo
próprio. Dessa forma, cada relato funcional descrito não está apenas conectado mas
mergulhado num emaranhado de significações no qual a causalidade linear não tem
espaço para se assentar. Quando vimos, acima, que cada participante relata uma
habilidade funcional distinta, a possibilidade de carregar um neto, de sentirse faminto,
de operacionalizar a mudança do filho, enfim, todas aquelas já descritas, não podemos
agora, depois da análise dessas percepções, colocálas na categoria da aleatoriedade.
Assim, se dissemos aqui que a percepção da capacidade funcional é significativa,
porque os gestos que a compõem também o são.
Isso posto retomo aqui um caso descrito por MerleauPonty que parece elidir
essa questão. MerleauPonty relata um caso de um doente com cegueira psíquica,
que não consegue localizar um ponto no corpo se o médico o toca com uma régua,
mas o localiza se um inseto o picar. O mesmo doente não consegue imitar um
movimento de seu oficio se não o faz concretamente, todavia, o realiza sem problemas
em seu ambiente de trabalho. Isso significa que cada situação exibe um valor afetivo,
e só poderemos reconhecer isso, se não reduzirmos o corpo a condição de objeto;
aquele que pode ser explicado pela causalidade linear. O movimento concreto no
trabalho e seu correlativo virtual, sua imitação, acionam os mesmos segmentos
corporais em intensidades muito próximas, e o que difere o sucesso de sua operação
145
é o valor afetivo que um e outro exibem para o doente. No caso do doente, ele só
consegue levar à cabo movimentos que exibem um valor afetivo e prático para si.
A lição que podemos tirar dessa análise de MerleauPonty centrase na idéia
de que por mais similares que os movimentos corpóreos possam ser, em sentido
mecânico, eles exibem significados distintos. Levantar um neto só pode ser relatado
como um melhora funcional, porque exibia em si mesmo um vínculo afetivo que o fez
destacarse de um rol de movimentos não expressamente significativos como este.
Realizar o mesmo movimento, que não objetiva levantar um neto, por exemplo,
poderia não ter sido relatado como melhora funcional, pois não exibiria a mesma
significação anterior.
É nesse sentido que justamente essa ou aquela habilidade funcional é relatada,
essa ou aquela dor que é referida, porque esses caracteres só foram percebidos
porque tinham certo sentido. E devemos entender esse sentido, em todas as acepções
que ele pode ter (o sentido de um rio ou de um texto), porque a partir dele podemos
compreender em que se assenta cada percepção relatada, ele é a direção para
compreendermos uma vida inteira de significações. Poderemos entender isso melhor
pela explicação de MerleauPonty, pois para o filósofo a vida perceptiva estende um
arco intencional que projeta em torno de nós nossa vivência temporal, nosso meio
humano, nossa situação moral, física ou ideológica, ou ainda, faz com que estejamos
situados sobre todos esses aspectos. É esse arco intencional que faz significar cada
uma das percepções aqui relatadas.
Essa gama de situações, que seguem cada ato perceptivo, levanos a
compreender a complexidade da percepção, nesse caso, da percepção da capacidade
funcional. Pudemos observar que as relações lineares almejadas pelo saber positivo
esvaemse no olhar do sujeito perceptivo que abarca uma experiência vivida muito
antes de qualquer ciência. Vimos não mais ser possível, ao olhar para a percepção da
capacidade funcional, atribuir sua melhora (ou piora) apenas ao incremento da força
muscular, pois observamos sujeitos que exibiram melhora de força sem incrementos
funcionais percebidos tanto quanto pudemos verificar a situação inversa. Esses casos
levamnos a pensar em um outro nível de análise, pois a clássica causalidade positiva,
aos olhares do sujeito perceptivo, caíram por terra. Podese compreender, então, que
toda a situação de vida desses participantes tomou novo sentido ao entrelaçarse com
a proposta do programa de exercícios resistidos. Dessa forma, entendese que essa
relação dinamizou percepções acerca de sua funcionalidade, mas não se pode
identificar a quem compete a causa ou o efeito dessas percepções.
Isso posto, podemos ver que, ao estudar a capacidade funcional percebida,
estamos lidando com um mundo distinto, que está além daquele preconizado pela
146
ciência positiva, que pensa a capacidade funcional a priori e por subtração. O idoso do status funcional um é aquele do nível cinco, menos os outros subjacentes, ou ainda, o idoso funcionalmente capaz é aquele que é velho, mais todas as habilidades que um jovem pode exibir. Mas, ao olharmos o idoso como uma existência distinta, sem
operações que o levem à mera soma das partes, entendemos a razão da
impossibilidade de se enquadrar os idosos deste trabalho com as classificações
funcionais disponíveis; há uma existência única que impede a generalização e o
determinismo dos níveis classificatórios. Isso se relaciona com o que foi dito acima
sobre o mundo do cego: ele tem seu espaço, seu mundo, que não é compreensível
apenas pela diferença daquele que enxerga.
Enveredar no mundo desses idosos levounos a refletir sobre sua recolocação
no mundo percebido. Tratálos como um causalidade inerte, passível de subsunção ao
mecanicismo da ciência clássica é, de fato, ignorálos como sujeitos no mundo. Os
estudos, apresentados aqui, versam apenas sobre aquilo que se pensa ser importante
para a vida de quem envelhece, dando margem a inferir que o sujeito perceptivo nada
tem a contribuir e ele passa a ser um mero coadjuvante. No entanto, tendo como
horizonte as percepções aqui relatadas verificamos que o olhar daquele que percebe
fez a reviravolta nos conceitos estanques e classificações aprioristicas. Perceberse
funcionalmente capaz é perceber o mundo e, por conseguinte, como diria Merleau
Ponty (1999), é perceber a si mesmo, já que não estamos alheios ao mundo, dado
nosso poder sobre ele, expresso pelas articulações mundanas da percepção.
147
6. CONCLUSÃO
A instauração de um programa de exercícios resistidos pôde nos levar à
compreensão do problema da percepção da capacidade funcional de idosos. Partimos
de idéias já bem postas do mundo objetivo e encontramos, entre elas, fissuras que nos
levam a compreender o fenômeno da capacidade funcional percebida pela
subjetividade inerente à condição humana, ao olhar para a percepção de dentro para
fora.
Podemos observar que a funcionalidade que o idoso relata referese à
possibilidade dele interagir com o mundo em que vive, tendo em vista não apenas o
mundo que nos dá a natureza, mas também aquele que nos fornece as interações
humanas. Dessa forma, ao entender a capacidade funcional como o poder de
interação do idoso com o mundo vivido, vimos que esse poder extrapola as funções
meramente tidas como “físicas”, e, além disso, verificamos que por trás de um “físico”
há um mundo de significados. A interação com o mundo acontece na medida em que
podemos atribuir significado a essas interações, a partir do sentido que guia nossas
ações.
Diante das proposições clássicas de capacidade funcional, podemos, já de
inicio verificar que tais concepções versam apenas sobre as habilidades físicas que a
compõem, sem contemplar suas significações mais subterrâneas. No entanto,
incrementar diversas habilidades, prover a somatória de execuções motoras, parece
não refletir a capacidade funcional, pois é um fenômeno complexo que não está
apenas relacionado ao desempenho de habilidades motoras, mas, sim, à interação
delas com o contexto, numa dinâmica nãolinear.
Assim, medir a capacidade de levantar mais rápido da cadeira relacionase à
capacidade funcional, na medida em que é uma habilidade que pode expressar um
mundo de significações. No entanto, se mantivermos o foco apenas nessas
habilidades isoladas do contexto, não compreenderemos o fenômeno, mas, sim,
somente um de seus aspectos pontuais, um de seus produtos. Esse é um ponto de
fundamental importância. A habilidade funcional que lemos nas ações de um idoso é o
produto daquilo que ele percebe como significativo para si: a ação de acolher um neto
só ocorreu porque a percepção ofereceu um solo significativo para que o movimento
se destacasse. Há uma situação que se expressa nesse movimento.
A inserção em um contexto, que extrapola a dimensão considerada “física”, dá um
início de solução para entendermos porque, pela percepção dos idosos, a causalidade
entre a força muscular e a capacidade funcional não se confirmou. Já que a
148
capacidade funcional, dada pela percepção, retoma uma gama de sentidos latentes, o
aumento da força muscular incrementa as habilidades que a compõem, mas se essas
habilidades serão, ou não, significativas, apenas o contexto de vida irá dizer. Assim,
podemos concluir que a capacidade funcional será significativa para o idoso que
participa de um programa de exercícios de força se esse programa dinamizar uma
situação de vida que faça com que seus sentidos mais profundos aflorem nessa nova
interação com o mundo. A capacidade funcional, o “funcionar bem” do idoso, não é um
caractere isolado do contexto; é permeado de um mundo de significações que arrasta
consigo todo um rastro histórico; que extravasa de uma ou outra atividade do cotidiano
bem sucedida; e pode expressar uma situação vivida e a condição humana.
As vias de entendimento da capacidade funcional, oferecidas pelas condutas
clássicas de avaliação, parecem não contemplar toda essa gama de relações, pois
aspiram a objetivar o subjetivo, a quantificar o qualitativo, e a percepção da
capacidade funcional pode esvairse nos determinismos e reducionismos, há muito
preconizados por este tipo de procedimento. Reduzir, então, a capacidade funcional a
termos constituintes é despila de sua essência, das relações que seus constituintes
estabelecem entre si e o contexto, da organização que escancara seu significado, no
momento em que uma simples descrição pontual é apenas possível se tais relações já
foram desveladas. Dessa forma, elucidaremos a percepção do idoso sobre sua
capacidade funcional se retornarmos ao conhecimento da percepção para além da
fragmentação abstrata, que resulte cegos termos constituintes.
Ademais, justamente por estarem conectadas a um contexto histórico é que as
ações funcionais apareceram no discurso dos idosos. É nesse sentido que verificamos
que a capacidade funcional é aquilo que o idoso percebe com relação à sua potência
de exploração do seu mundo; é a correspondência percebida entre aquilo que o
percebido lhe sugere e o desdobramento de suas intenções motoras. Dito de outro
modo, a funcionalidade do idoso requer que ele perceba seu poder corporal em ações
que exibam um sentido singular, ações que não se esvaiam na generalidade, dado o
usufruto da percepção.
149
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152
ANEXOS
153
ANEXO 1 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
154
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde
TÍTULO DA PESQUISA: capacidade funcional de idosos: um estudo fenomenológico
sobre um programa de treinamento resistido.
Eu, __________________________________, R.G. ______________, idade______,
endereço____________________________________________________, telefone _________,
email _______________________, abaixo assinado, dou meu consentimento livre e esclarecido
para participar como voluntário do projeto de pesquisa supracitado, sob a responsabilidade dos
pesquisadores Fabiano Marques Camara e Marília Velardi, membros do curso de Pós
Graduação Stricto Sensu em Educação Física.
Assinando este Termo de Consentimento, estou ciente de que:
1. O objetivo da pesquisa é verificar o comportamento da força muscular de idosos
submetidos a treinamento resistido e seu impacto sobre a capacidade funcional;
2. Durante o estudo, serão realizados sessões de treinamento resistido duas vezes por
semana, às segundas e quintasfeiras, com sessões de 60 minutos cada, das 7:30 às 8:30
horas, nos primeiros 2 meses; nos 2 meses subseqüentes, as aulas serão realizadas
apenas às quintas feiras, com o mesmo horário e a mesma duração;
3. Poderão ocorrer eventos de dores musculares, principalmente nas primeiras semanas do
estudo;
4. Serão realizadas avaliações físicas e psicológicas periódicas a fim de avaliar minhas
condições de saúde, físicas e afetivas, no decorrer do programa;
5. Devo seguir todas as recomendações previamente estabelecidas pelos responsáveis por
esse programa;
6. Só poderei participar desse programa se os resultados dos meus exames clínicos e
físicos, trazidos por mim, confirmarem minha aptidão para tal;
7. A inexistência de alterações nos exames clínico e eletrocardiográfico não implica
necessariamente na inexistência de problemas de saúde;
8. Os responsáveis por esse programa organizaramno de tal forma que o seu planejamento
e o seu desenvolvimento levem em consideração os cuidados necessários para promover
a minha integridade e o meu desenvolvimento físico;
9. Independentemente dos itens 6, 7 e 8, estou consciente de que, se intercorrências com
minha integridade física acontecerem no período em que se realiza o programa, os
155
responsáveis por ele, bem como a Universidade São Judas, ficam isentos de quaisquer
responsabilidades;
10. Obtive todas as informações necessárias para poder decidir conscientemente sobre a
minha participação na referida pesquisa;
11. Estou livre para interromper, a qualquer momento, minha participação na pesquisa, a
não ser que essa interrupção seja contraindicada por motivo médico;
12. Meus dados pessoais serão mantidos em sigilo, e os resultados gerais obtidos através da
pesquisa serão utilizados apenas para alcançar os objetivos do trabalho, expostos acima,
incluída sua publicação na literatura especializada;
13. Poderei contatar o Comitê de Ética em Pesquisa de Universidade São Judas Tadeu para
apresentar recursos ou reclamações em relação à pesquisa ou ensaio clínico através do
telefone 60991665 – Prof. Leoni;
14. Poderei entrar em contado com o responsável pelo estudo, Prof.____________, sempre
que julgar necessário pelo telefone___________;
15. Este Termo de Consentimento é feito em duas vias, uma das quais permanecerá em meu
poder e a outra com o pesquisador responsável;
São Paulo, ____ de ________________ de ___________.
____________________________________________________
Nome e assinatura do voluntário
___________________________________________
Nome e assinatura do pesquisador responsável pelo estudo
156
ANEXO 2
PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA
UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU
157