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  • Acta Scientiae, v.9, n.2, jul./dez. 2007 39

    O experimento do balde girante de Newton:muitas perguntas, poucas respostas

    Luciano Carvalhais Gomes

    RESUMOO presente artigo faz uma anlise crtica das definies e do esclio das leis do movi-

    mento contidas no "Principia", bem como do experimento do balde girante sugerido por Newton.Alm de nossa interpretao, apresentamos e analisamos algumas explicaes alternativas aoexperimento, baseadas nas crticas de Ernst Mach ao conceito de inrcia newtoniana. O obje-tivo principal criar um debate sobre um assunto muito importante para o entendimento damecnica newtoniana, mas pouco discutido. Ao longo do artigo emitimos a nossa opinio, mash ainda vrias perguntas esperando por respostas convincentes.

    Palavras-chave: Espao absoluto. Balde girante. Leis de Newton. Inrcia.

    The experiment of Newton's bucket: Many questions, few answers

    ABSTRACTThis paper makes a comment upon of the definitions and of the scholium of the movement

    laws contained in "Principia", as well as the experiment of the rotating bucket suggested byNewton. Besides our interpretation, we presented and analyzed some alternative explanationsto the experiment, based on the critics of Ernst Mach to the concept of newtoniana inertia. Themain objective is to create a debate about a very important subject for the newtoniana mechanicsunderstanding, but a little bit discussed. Along the article we emitted our opinion, but there aremany questions waiting for convincing answers.

    Keywords: Absolute space. Newton's bucket. Newton's laws. Inertia.

    1 INTRODUOAo ingressar em Cambridge, Newton teve contato com a filosofia natural

    aristotlica, que desde a poca da criao das universidades havia formado o ncleo daeducao superior. Por volta de 1664, quase na metade de seu curso de graduao,comeou a ler livros de autores que contestavam esta filosofia, entre eles estavam RenDescartes, Pierre Gassendi (1592-1655) e Robert Boyle (1627-1691). Apesar deidentificar-se com a filosofia cartesiana, vrias de suas opinies eram diferentes. Emtorno de 1672, quando ainda era um jovem professor em Cambridge, redigiu ummanuscrito para tratar das propriedades de fluidos em equilbrio. No entanto, mais dedois teros do documento contm dezenove definies que versam sobre aspectos mais

    Luciano Carvalhais Gomes Mestre em Educao para a Cincia e o Ensino de Matemtica pela UniversidadeEstadual de Maring. E-mail: [email protected]

    Acta Scientiae v. 9 n.2 p. 39-63 jul./dez. 2007Canoas

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    gerais da filosofia natural. O manuscrito, no publicado, intitulava-se De Gravitationeet Aequipondio Fluidorum (O peso e o equilbrio dos fluidos). A importncia deste textoest no fato de mostrar o momento de ruptura de Newton com alguns conceitos dafilosofia mecnica de Descartes - como lugar, corpo, repouso, movimento e espao -alm de indicar umas das primeiras noes de Newton do conceito de fora.

    Newton comea o texto considerando que os termos quantidade, durao e espaoso bem conhecidos para poderem ser definidos por outros nomes. As quatro primeirasdefinies so sobre lugar, corpo, repouso e movimento. De acordo com Newton,lugar a parte do espao que uma coisa preenche adequadamente; corpo aquilo quepreenche um lugar; repouso permanecer no mesmo lugar e movimento a mudanade lugar1. Para Descartes, lugar a superfcie que circunda o corpo; corpo aquiloque possui extenso (altura, largura e profundidade); repouso, a grosso modo, ooposto do movimento2 e movimento "[...] o transporte de uma parte da matria, oude um corpo, da vizinhana daqueles que o tocam imediatamente, e que nsconsideramos como em repouso na vizinhana de outros" (DESCARTES apudSAPUNARU, 2006, p.70). Ao argumentar contra esta ltima definio, Newton afirmaque ela da margem a vrias incoerncias. Por exemplo:

    Primeiramente, a seguinte considerao. No instante em que o Filsofo defendecalorosamente que a Terra no se move, pelo fato de no se deslocar daproximidade do ter contguo, dos mesmos princpios segue que as partculasinternas dos corpos duros, pelo fato de no se deslocarem em relao proximidade das partculas imediatamente contguas, no tm movimento emsentido estrito [...]. (NEWTON, 1996a, p.306)

    Ou seja, as partculas internas de um corpo rgido nunca estariam em movimento,independente de qualquer referencial, o que seria um absurdo, de acordo com Newton.Outro conceito em Descartes que no o agrada o de espao. O espao na filosofiacartesiana era conseqncia da relao entre os corpos, "[...] o espao s existiria napresena de um corpo" (SAPUNARU, 2006, p.68). Para Newton, o espao precisa terexistncia concreta, ao contrrio da idia de extenso de Descartes que levaria aoatesmo. Afinal, se a extenso era o prprio corpo e o espao s existiria na presenadeste corpo ou da extenso, ento, Deus no poderia estar em nenhum espao. MasNewton no concebia Deus sem a presena do espao e nem o espao sem a presenade Deus. Deus tem um papel fundamental na filosofia natural newtoniana, diferentede Descartes que acreditava que Deus interveio na natureza apenas no ato da Criaoe deste ponto em diante a matria tornou-se autnoma e autogovernada, Newton

    1 Barbatti (1997) citando Westfall, afirma que estas definies so provenientes do Syntagma Philosophicum deGassendi.2 Vale a pena dar uma olhada em Barra (2003) para entender melhor alguns aspectos filosficos mais sutis dadefinio de repouso para Descartes.

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    afirmava que Deus, por ser um agente inteligente, intervinha na natureza a todo omomento (NEWTON, 1996a; SAPUNARU, 2006; BARBATTI, 1997). Esta definiode espao absoluto aparecer novamente nos Principia, e, juntamente com o seu famosoexperimento do balde girante, ser o tema deste artigo.

    2 DAS PRIMEIRAS DEFINIES DO PRINCIPIA AOESCLIO DAS LEIS DO MOVIMENTOEm 5 de julho de 1687 - depois de muitos experimentos com colises, um

    magnfico estudo matemtico e muitas reflexes filosficas -, Newton resume s suasconcluses sobre a natureza dos movimentos dos corpos terrestres e celestes no livroclssico intitulado Philosophiae naturalis principia mathematica (PrincpiosMatemticos da Filosofia Natural, geralmente citado como Principia), reeditado, emedies revistas, em 1713 e 1726. Este dividido em trs partes ou livros. No Livro I,aparecem as suas famosas trs leis da mecnica. No Livro II, h um estudo dosmovimentos atravs de meios materiais resistentes e os movimentos desses meios.Neste livro, Newton demonstrou que se os movimentos peridicos dos planetas sedesenvolvessem nos turbilhes de matria fluida, segundo a hiptese de Descartes,estes movimentos no respeitariam as trs leis de Kepler, portanto, a teoria dos vrticesdeveria ser rejeitada. Por fim, no Livro III, Newton aplicou alguns resultados obtidosnos dois livros anteriores, fornecendo a formulao final da Lei da GravitaoUniversal, e alguns exemplos de sua aplicao.

    Newton inicia o Livro I apresentando oito definies. A Definio I sobre aquantidade de matria que definida como o produto da densidade pelo volume.Abaixo de cada definio Newton faz alguns comentrios, no caso desta definio eleafirma que ao longo do livro ir se referir quantidade de matria pelo nome de corpoou massa, sendo esta proporcional ao peso. Com esta definio, Newton rompeu coma viso aristotlica e cartesiana de "substncia", pois agora a quantidade de matriano depende mais do tamanho ou da forma do corpo. Para os cartesianos, todos oscorpos eram feitos de uma "substncia extensa", por isso no percebiam que volumesiguais poderiam conter diferentes tipos de matria e vice-versa (SAPUNARU, 2006).Na Definio II, Newton define quantidade de movimento como "[...] a medida domesmo, provindo da velocidade e da quantidade de matria, tomadas em conjunto"(NEWTON apud COHEN; WESTFALL, 2002, p.279). Ou seja, quantidade demovimento o produto da massa pela velocidade. A Definio III a vis insita, jcomentada no De Gravitatione, s que agora Newton afirma que a vis insita umafora inata da matria responsvel pela manuteno do seu estado de movimento,"[...] seja este de repouso ou de movimento uniforme em linha reta" (NEWTON apudCOHEN; WESTFALL, 2002, p.279). E acrescenta os seguintes comentrios:

    Essa fora sempre proporcional ao corpo a que pertence e em nada difere dainatividade da massa, exceto em nossa maneira de conceb-la. No sem

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    dificuldade que um corpo, em virtude da natureza inerte da matria, retirado deseu estado de repouso ou de movimento. Em funo disso, tal vis nsita pode serchamada, usando-se um nome sumamente significativo, de inrcia (vis inertiae),ou fora de inatividade. Mas um corpo s exerce essa fora quando outrafora, imprimindo-se sobre ele, esfora-se por alterar seu estado; e o exercciodessa fora pode ser considerado tanto uma resistncia quanto um impulso; resistncia na medida em que em que o corpo, para manter seu estado atual,ope-se fora imprimida; e impulso na medida em que o corpo, no cedendofacilmente fora imprimida por um outro, esfora-se por alterar o estado desseoutro. A resistncia costuma ser atribuda aos corpos em repouso e o impulso,aos que esto em movimento; mas o movimento e o repouso, tal comumenteconcebidos, distinguem-se apenas em termos relativos; e tampouco esto semprerealmente em repouso os corpos comumente considerados como tais. (NEWTONapud COHEN; WESTFALL, 2002, p.279, grifo nosso)

    Fica evidente, por estes comentrios, a diferena entre a vis inertiae e o impetusmedieval. A primeira responsvel apenas pela manuteno do estado de repouso oudo movimento retilneo uniforme, enquanto que o impetus responsvel pelomovimento do corpo, quando ele cessar o corpo pra. Na Definio IV, Newton definea fora imprimida como "[...] uma ao exercida sobre um corpo para modificar seuestado, seja de repouso, seja de movimento uniforme em linha reta" (NEWTON apudCOHEN; WESTFALL, 2002, p.279). Ao comentar esta definio, Newton d o golpemortal na teoria do impetus:

    Essa fora consiste apenas na ao e no mais permanece no corpo quantoa ao encerra. Pois o corpo conserva qualquer novo estado que adquira,por sua simples inrcia. Mas as foras imprimidas tm origens diferentes,provindo da percusso, da presso ou da fora centrpeta. (NEWTON apudCOHEN; WESTFALL, 2002, p.279, grifo nosso)

    A crena de que um impetus passa do movente para o mvel foi derrubada. Epela ltima frase, vemos que Newton considera que as origens de uma vis impressapodem ser tanto foras instantneas (percusso) quanto contnuas (presso e forascentrpetas). Na Definio V, Newton considera como fora centrpeta "[...] aquelapela qual os corpos so atrados ou impulsionados, ou tendem de um modo qualquerpara um ponto ou para um centro" (NEWTON apud COHEN; WESTFALL, 2002,p.280). A diferena marcante entre a fora centrpeta e a percusso e presso queestas ltimas agem aps um contato fsico observvel entre os corpos, como nascolises, j a ao da fora centrpeta s percebida, na maioria das vezes, por umcontnuo desvio do movimento retilneo uniforme do corpo. No h um agente fsicovisvel exercendo esta fora. Ao comentar sobre a fora centrpeta, Newton apresentavrios exemplos ilustrativos de uma maneira bastante didtica, acostumando o leitorcom os seus efeitos. Somente no Livro III, ele mostra que uma nica fora universal

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    a responsvel por manter os corpos celestes em suas rbitas e pela queda dos corposterrestres. Mas, como ele mesmo assinalou, "[...] necessrio que a fora tenha umaquantidade exata, e compete aos matemticos descobrir a fora capaz de servirexatamente para reter um corpo numa determinada rbita, com uma determinadavelocidade [...]" (NEWTON apud COHEN; WESTFALL, 2002, p.280-281). Esta aprincipal funo dos dois primeiros Livros. Ou seja, desenvolver os princpiosmatemticos gerais da dinmica dos corpos em movimento que sero aplicados aomecanismo do Universo. No final do comentrio, Newton indica trs tipos de medidasda quantidade de uma fora centrpeta: absoluta, aceleradora e motriz. Que so osassuntos, respectivos, das Definies VI, VII e VIII.

    Na Definio VI, ele diz que "A quantidade absoluta de uma fora centrpeta amedida da mesma que proporcional eficcia da causa que a propaga a partir docentro pelos espaos ao redor" (NEWTON apud COHEN; WESTFALL, 2002, p.281).Como exemplo Newton cita a fora magntica que aumenta com o tamanho do im,podemos complementar dizendo que no caso de uma fora gravitacional a quantidadeabsoluta proporcional s massas dos corpos. Na Definio VII, temos a seguinteafirmao: "A quantidade aceleradora de uma fora centrpeta a medida da mesmaque proporcional velocidade que ela gera em um determinado tempo" (NEWTONapud COHEN; WESTFALL, 2002, p.281). Podemos interpretar, deste modo, aquantidade aceleradora como sendo a acelerao do corpo. O que comprovado pelosseus comentrios desta definio, quando ele diz que a fora da gravidade varia coma distncia Terra, mas "[...] a distncias iguais, contudo, a mesma por toda a parte,porque (retirando ou descontando a resistncia doa ar) acelera igualmente todos oscorpos em queda, sejam eles pesados ou leves, grandes ou pequenos" (NEWTONapud COHEN; WESTFALL, 2002, p.281). A Definio VIII define a quantidade motorada fora centrpeta e como ela medida: "A quantidade motriz de uma fora centrpeta a medida da mesma que proporcional ao movimento que ela gera num determinadointervalo de tempo" (NEWTON apud COHEN; WESTFALL, 2002, p.281).

    Reescrevendo esta definio em notao moderna temos: , sendo o momento

    linear ou quantidade de movimento do corpo. No terceiro pargrafo dos comentriosque acompanha esta definio, Newton apresenta mais trs equaes:

    [...] a quantidade de movimento provm da celeridade multiplicada pelaquantidade de matria, e a fora motriz provm da fora aceleradoramultiplicada pela mesma quantidade de matria. [...] Da o fato de que,perto da superfcie da Terra, onde a gravidade aceleradora ou fora produtorada gravidade a mesma em todos os corpos, a gravidade motriz, ou o peso, proporcional ao corpo, mas, se subirmos para regies mais altas, onde agravidade aceleradora menor, o peso seria igualmente diminudo, e sersempre igual ao produto do corpo pela gravidade aceleradora [...].(NEWTON apud COHEN; WESTFALL, 2002, p.282, grifo nosso)

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    As frases grifadas em linguagem moderna podem ser escritas, respectivamente,da seguinte maneira: . Por estas oito definies, estevidente que Newton tinha conscincia de que a ao de uma fora contnua gera umaacelerao constante. Logo aps estas definies, Newton escreveu um esclio ondediz que no ir definir tempo, espao, lugar e movimento, pois so conceitos bemconhecidos de todos. No entanto, ele faz questo de frisar a diferena que existe entreo carter absoluto e relativo, real e aparente, matemtico e comum destas grandezas.Decerto ele queria evitar as contradies e as conseqncias que achava absurdas dorelativismo cartesiano citadas no De Gravitatione. Na concepo de Newton:

    O tempo absoluto, real e matemtico, por si s e por sua natureza, fluiuniformemente, sem relao com qualquer coisa externa, e recebe tambm onome de durao; o tempo relativo, aparente e comum uma medida sensvele externa (precisa ou desigual) da durao por meio do movimento, que comumente usado em lugar do tempo verdadeiro, como uma hora, um dia, umms ou um ano. (NEWTON apud COHEN; WESTFALL, 2002, p.283)

    Do mesmo modo:

    O espao absoluto, em sua prpria natureza, sem relao com qualquer coisaexterna, mantm-se sempre semelhante e imvel. O espao relativo certamedida ou dimenso mvel dos espaos absolutos, que os nossos sentidosdeterminam por sua posio em relao aos corpos, e que comumente tomadopelo espao imvel; assim a dimenso de um espao subterrneo, areo ouceleste, determinada por sua posio com respeito Terra. O espao absoluto eo relativo so iguais na forma e na magnitude, mas nem sempre se mantmnumericamente os mesmos. Se a Terra se move, por exemplo, um espao donosso ar, que em relao e com respeito Terra mantm-se sempre o mesmo,em um momento ser uma parte do espao absoluto pela qual o ar passa, e emoutro momento ser outra parte desse mesmo espao, de modo que, entendidoem termos absolutos, estar mudando continuamente. (NEWTON apudCOHEN; WESTFALL, 2002, p.283)

    Newton sabe que a definio de espao absoluto muito importante para oentendimento de suas leis do movimento, que sero apresentadas em seguida. Estasleis no sero corretamente interpretadas se os movimentos relativos forem tomadoscomo sendo verdadeiros. Ento, surge uma pergunta natural: como distingui-los? Eleno fugiu a esta discusso e props realizar tal distino pelas causas e efeitos dosmovimentos verdadeiros:

    As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e os relativos se distinguementre si so causas impressas nos corpos para gerar o movimento. O movimento

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    verdadeiro no gerado nem se muda seno por foras impressas no prpriocorpo movido; mas o movimento relativo pode ser gerado e mudar-se semforas impressas nesse corpo. Basta, com efeito, que se imprimam apenas emoutros corpos, com os quais se faz a relao, de modo que, faltando eles, muda-se aquela relao em que consiste o repouso ou movimento relativo dedeterminado corpo. Da mesma forma, o movimento verdadeiro sempre sofrealguma mutao pelas foras impressas no corpo movido, mas o movimentorelativo no mudado necessariamente por essas foras. De fato, se as mesmasforas se imprimirem tambm em outros corpos com que se estabelece relao,de modo a conservar a situao relativa, estar igualmente conservada a relaoem que consiste o movimento relativo [...]. (NEWTON, 1996b, p.27-28)

    Se a causa a fora aplicada, quais sero os efeitos? Newton responde:

    Os efeitos pelos quais se distinguem uns dos outros os movimentos absolutose os relativos so as foras de se afastar do eixo do movimento circular. Defato, no movimento circular simplesmente relativo no h tais foras; noverdadeiro, porm, e absoluto, existem em maior ou menor grau conforme aquantidade do movimento. (NEWTON, 1996b, p.28)

    Para exemplificar esta explanao, Newton expe a clebre experincia do balde,to criticada por Ernst Mach (1838-1916). Mas antes de analis-la, vamos adiantar as leisdo movimento apresentadas aps o esclio, pois a nossa anlise ser melhor empreendidae entendida com o auxlio destas leis. No pense o leitor ser um ato incoerente de nossaparte utilizar de leis ainda no enunciadas por Newton no livro para explicar este exemplo,pois temos certeza que, ao elabor-lo, ele j tinha estas leis em mente.

    3 O ESTABELECIMENTO DAS TRS LEIS DOMOVIMENTO

    Newton define as suas trs leis:

    [Primeira Lei:] Todo corpo continua em seu estado de repouso, ou de movimentouniforme em linha reta, a menos que seja compelido a modificar esse estadopor foras imprimidas sobre ele.

    [Segunda Lei:] A variao do movimento proporcional fora motrizimprimida, e ocorre na direo da linha reta em que essa fora imprimida.

    [Terceira Lei:] Para cada ao existe sempre uma reao igual e contrria: ou asaes recprocas de dois corpos um sobre o outro so sempre iguais e dirigidaspara partes contrrias. (NEWTON apud COHEN; WESTFALL, 2002, p.286-287)

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    Barra (1994), citando Whiteside, nos informa que nos primeiros meses de 1685,em um manuscrito intitulado De Motu corporum, Newton havia enunciado a PrimeiraLei com a mesma redao que aparece acima, exceto pela ocorrncia da expresso"pela fora insita", ou seja: "Todo corpo persevera pela fora insita (vis insita) em seuestado de repouso ou de movimento uniforme em linha reta..." (WHITESIDE apudBARRA, 1994, p.64). Nos manuscritos posteriores e em todas as trs edies doPrincipia (1687, 1713, 1726), o enunciado da Primeira Lei igual ao citado, sem a visinsita. O que no quer dizer um retorno concepo cartesiana, pela qual o movimento,assim como o repouso, conservado exclusivamente porque um "estado". Ou seja,a matria, enquanto extenso, completamente indiferente ao movimento ou aorepouso. Conforme Barra (1994, p.64), "Ao contrrio de Descartes, Newton mantevedesde o De Gravitatione que tais estados so conservados em virtude de uma forainerente, inata e essencial matria [...]". Assim, devemos analisar o enunciado daPrimeira Lei em conjunto com a Definio III, ficando claro, portanto, que "[...] Newtonjamais se afastou da posio de que a perseverana dos estados inerciais depende danatureza intrnseca da matria que, alm de no poder mudar por si s seu prprioestado, conserva-o atravs da fora inerente a ela" (BARRA, 1994, p.65).

    Com relao Segunda Lei, no podemos inferir, pela fala de Newton, aquela

    famosa equao que modernamente costuma represent-la: ou se a

    massa for considerada constante. Mas estas equaes esto implcitas no enunciadoda Definio VIII e nos comentrios que a acompanha. Porque l e no aqui? A respostaest relacionada com os tipos de foras imprimidas que Newton trabalhava. De acordocom os comentrios que ele fez na Definio IV, estas foras eram tanto instantneas(percusso) quanto contnuas (presso e foras centrpetas, entre elas, a gravidade).Podemos diferenciar estas foras da seguinte maneira: a fora de percusso altera omovimento em um tempo desprezvel; a fora de presso altera o movimento em umtempo pequeno, mas no desprezvel e a fora centrpeta altera o movimentocontinuamente, em um dado tempo. Assim, como na Definio IV Newton estavareferindo-se s foras centrpetas, foi possvel relacionar a variao da quantidade demovimento com o tempo, j no enunciado da Segunda Lei, o que devemos entenderpor "fora imprimida" a fora de percusso, que altera o movimento, mas em umtempo desprezvel. Corroborando o nosso argumento, Dias (2006) afirma que BernardCohen prope que a omisso do tempo na Segunda Lei no foi um erro de Newton,pois sempre que este "[...] tratava uma fora discreta, atuando por impulsos de duraomuito pequena, [...] ele omitia o tempo e que, no caso de foras contnuas, o tempo eraincludo" (COHEN apud DIAS, 2006, p.229). Complementando, Barra (1994) nosdiz que uma "[...] confirmao de que a Segunda Lei se refere exclusivamente a forasentendidas como impulsos pode ser encontrada nas origens mais imediatas dessa Lei,que so certamente a fsica dos impactos ou das colises" (BARRA, 1994, p.69). Masdeve ficar claro para o leitor que Newton tinha plena conscincia de que a SegundaLei tambm poderia ser aplicada quando a fora imprimida fosse contnua, deixandoimplcito, deste modo, a famosa equao citada acima. Encontramos na Seo VI,

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    Proposio XXIV, Teorema XIX, do Livro II, do Principia, um comentrio de Newtonque confirma esta nossa afirmao:

    Pois a velocidade, que uma fora dada pode gerar em uma matria dada em umtempo dado, diretamente proporcional fora e ao tempo, e inversamenteproporcional matria. Quanto maior a fora ou o tempo, ou quanto menor amatria, maior a velocidade que ser gerada. Isto manifesto da segunda lei domovimento (NEWTON, 2005, p.692)

    Traduzindo em linguagem algbrica moderna temos: . De acordo com

    Sapunaru (2006, p.148), a anlise historiogrfica de Cohen mostrou que a nfase dadapor Newton ao das foras de impacto na Segunda Lei do Movimento no prejudicouem nada a aplicao desta lei ao das foras contnuas. E teria sido por esta razoque Newton no teria se preocupado em redefinir ou separar essa lei em itens distintospara foras de impacto e para foras contnuas. Nas palavras de Cohen: "[...] a distinoentre as duas formas [para foras de impacto e para foras contnuas] da lei [II] maissignificativa para ns do que teria sido para Newton" (COHEN apud SAPUNARU,2006, p.148). Alis, o estudo experimental das colises tambm foi muito importantepara o estabelecimento de sua Terceira Lei. Estes estudos foram inspirados nosexperimentos imaginrios de Descartes sobre colises, que os fez para dar umembasamento emprico sua teoria do movimento, estabelecendo as "regras doschoques". Regras estas que muitos cientistas da poca - entre eles Christopher Wren(1632 - 1723), John Wallis (1616 - 1703) e Christiaan Huygens (1629 - 1695) -encontraram erros. Subseqente ao enunciado da Terceira Lei, Newton faz o seguintecomentrio:

    [...] Quando um corpo se choca com outro, e por sua fora altera o movimentodo outro, esse corpo (em virtude da igualdade da presso recproca) tambmsofre uma variao idntica em seu movimento, em direo parte contrria.As variaes causadas por essas aes so iguais, no nas velocidades, masnos movimentos dos corpos, isto , se os corpos no forem impedidos poroutros empecilhos. Isso porque, visto que os movimentos so igualmentemodificados, as variaes das velocidades feitas em direo s partes contrriasso inversamente proporcionais aos corpos. Essa lei tambm se d nas atraes,como ser demonstrado no esclio seguinte. (NEWTON apud COHEN;WESTFALL, 2002, p.286-287)

    O esclio citado o das leis do movimento, o ltimo antes do Livro I. Logo noincio deste esclio, Newton faz questo de reafirmar que a sua filosofia natural umcasamento perfeito entre o racionalismo e o empirismo, ou seja, entre a matemtica e

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    a experincia: "At aqui, estabeleci tais princpios da forma como foram aceitos pelosmatemticos e confirmados por um grande nmero de experimentos" (NEWTON,1996b, p.38). Em seguida, esclarece que pelas primeiras duas leis do movimento epelos primeiros dois Corolrios possvel encontrar os resultados alcanados porGalileu a respeito da acelerao de queda livre dos corpos, em que a distncia variacom o quadrado do tempo; e da descrio das trajetrias dos projteis, que o cientistaitaliano conseguiu demonstrar tratar-se de uma parbola. Depois, menciona que Wren,Wallis e Huygens, com o auxlio das duas primeiras leis do movimento juntamentecom a Terceira Lei, determinaram, de maneira independente, as regras do impacto ereflexo de corpos duros. Mas ele adverte que para os experimentos concordaremperfeitamente com a teoria, os efeitos da resistncia do ar e da elasticidade dos corpostm que ser considerados. Ento, descreve com detalhes experimentos com colisoentre pndulos que realizou considerando estes efeitos, chegando concluso de quea Terceira Lei "[...] na medida em que se refere a percusses e reflexes, est provadapor uma teoria que concorda exatamente com a experincia" (NEWTON, 1996b, p.42).

    4 ANLISE NEWTONIANA DA EXPERINCIA DOBALDE GIRANTE

    Agora podemos analisar a questo do espao absoluto e a experincia do baldeproposta por Newton. Para entendermos o que as trs leis do movimento tm a havercom este assunto, imaginemos que um observador esteja parado dentro de um tremsupersilencioso se movimentando com velocidade constante em relao ao espaoabsoluto. De repente, ele percebe que uma caixa de madeira que estava apoiada emum cho completamente liso comea a se movimentar para trs espontaneamente. Noreferencial dele, por no conseguir identificar nenhum tipo de fora agindo por contatoou distncia sobre a caixa que pudesse modificar o seu estado de repouso, este fatono pode ser explicado pelas trs leis do movimento. Pois, nesta situao, a PrimeiraLei afirma que a tendncia da caixa era continuar em repouso. De modo anlogo, aSegunda Lei enuncia que sem fora imprimida no poderia ocorrer variao naquantidade de movimento. Por ltimo, a Terceira Lei tambm no obedecida porqueaparece alguma fora sobre a caixa vinda "do nada", no existe ao agindo sobre acaixa, que, por sua vez, no exerce reao em corpo algum. Como explicar esta violaodas Trs Leis? Na realidade, no houve violao nenhuma, pois a caixa teve umaalterao de movimento relativo, mas no verdadeiro. E como Newton j havia nosalertado, o "[...] movimento verdadeiro no gerado nem se muda seno por forasimpressas no prprio corpo movido; mas o movimento relativo pode ser gerado emudar-se sem foras impressas nesse corpo" (NEWTON, 1996b, p.27, grifo nosso).

    Uma explicao possvel para o que aconteceu que, inicialmente, o trem e acaixa estavam em movimento retilneo uniforme em relao ao espao absoluto, osdois tinham um movimento verdadeiro. Em algum momento, por foras impressasapenas no trem, este variou a sua velocidade - acelerou - o que deixou a caixa paratrs, continuando, por inrcia, a se movimentar uniformemente em relao ao espao

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    absoluto. Mas, como o espao absoluto no pode ser visto e determinado pelos nossossentidos, o prprio Newton admite ser "[...] dificlimo [...] conhecer os verdadeirosmovimentos de cada um dos corpos, distinguindo-se efetivamente dos aparentes [...]"(NEWTON, 1996b, p.29). No entanto, "[...] h argumentos que suprem esse defeito,em parte provindos dos movimentos aparentes, os quais constituem diferenas dosmovimentos verdadeiros, em parte oriundos das foras que so causas e efeitos dessesmovimentos" (NEWTON, 1996b, p.29). Acreditamos que o principal argumentoimplcito em suas idias que todo observador ligado a um sistema fsico animado deum movimento acelerado em relao ao espao absoluto v desenvolverem-se "forasde inrcia" nos corpos presentes a este sistema. Cremos, portanto, que para ilustrareste seu pensamento que ele expe a experincia do balde, descrita da seguinte maneira:

    Penduremos, p. ex., um vaso por meio de uma corda muito comprida, e viremo-lo muitas vezes at ficar a corda endurecida pelas voltas; enchamo-lo ento degua e largue-mo-lo: subitamente ocorrer a certo movimento contrrio,descrevendo um crculo, e, relaxando-se a corda, o vaso continuar por maistempo nesse movimento. A superfcie da gua [dentro do vaso] ser plana nocomeo, como antes do movimento do vaso, mas depois, imprimindo-se aospoucos a fora da gua, esta comear sensivelmente a mexer-se, afastando-seaos poucos do centro e subindo aos lados, de modo a formar uma figura cncava(como eu mesmo experimentei); e, na medida em que o movimento aumentar,a gua subir sempre mais, at que, por ltimo, igualando-se no tempo suarevoluo com a do vaso, descansar relativamente nele. Esta subida indica oesforo para afastar-se do eixo do movimento, e por esse esforo se tornaconhecido e se mede o verdadeiro e absoluto movimento circular da gua,aqui inteiramente contrrio ao movimento relativo. (NEWTON, 1996b, p.28,grifo nosso)

    O trecho destacado deixa claro que na viso de Newton a superfcie da guatorna-se cncava por ela ser impedida pelo balde de seguir, por inrcia, um movimentoretilneo uniforme em relao ao espao absoluto, como reza a Primeira Lei. Vamosesclarecer melhor este nosso ponto de vista acrescentando alguns comentrios na anliseque Newton deu para o fenmeno. Primeiro ele diz:

    No incio, quando era sumo o movimento relativo da gua, no produzia nenhumesforo por se afastar do eixo; a gua no tendia circunferncia, subindo aoslados do vaso, mas permanecia plana, e, por conseguinte, seu verdadeiromovimento circular ainda no tinha comeado. (NEWTON, 1996b, p.28,grifo nosso)

    Newton relata que quando o movimento relativo era mximo entre a gua e obalde a mesma continuava em repouso com a sua superfcie plana. Deste modo, um

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    observador que estivesse na borda do balde veria a gua executar um movimentocircular, mas como ela no tenderia a sair pela tangente, ele concluiria tratar-se de ummovimento relativo. A fora sbita e desconhecida que colocou a gua em movimentoem relao a ele uma "fora de inrcia", anlogo ao bloco que estava em repouso nopiso do trem. Continuando, Newton complementa:

    Depois, porm, que o movimento relativo da gua diminuiu, sua subida paraos lados do vaso indicava o esforo por afastar-se do eixo, e esse esforomostrava seu verdadeiro movimento circular, continuamente crescendo atatingir seu mximo quando a gua passou a descansar relativamente no vaso.(NEWTON, 1996b, p.28, grifo nosso)

    Imaginemo-nos, ainda, um observador girando junto com o balde. Aos poucos,ele notar que a gua comear a diminuir o seu movimento e a subir pelas paredes. Anica explicao plausvel que esta iniciou o seu verdadeiro movimento circular eao encontrar um obstculo que a impea de seguir, por inrcia, em linha reta, o comprimefortemente. a resultante desta compresso que d o formato cncavo sua superfcie.O mesmo aconteceria, no exemplo do trem, se no final do vago o encontro da paredecom o piso fosse abaulado. A caixa, ao ser impedida de continuar em seu estado derepouso inercial em relao ao espao absoluto, subiria pela parede at certa altura.Ao finalizar o seu raciocnio, Newton (1996b, p.28, grifo nosso) afirma:

    Portanto, aquele esforo no depende da translao da gua com relaoaos corpos ambientes; logo, o verdadeiro movimento circular no pode serdefinido por essas translaes. S h um verdadeiro movimento circular dequalquer corpo que gira, correspondendo ao nico esforo, como seu efeitoprprio e adequado, ao passo que os movimentos relativos, consoante as vriasrelaes, com os corpos externos, so inmeros, e, como as relaes, socompletamente destitudos de efeitos verdadeiros, a no ser enquanto participamdaquele verdadeiro e nico movimento. (NEWTON, 1996b, p.28, grifo nosso)

    A nossa concluso de que, em um movimento circular verdadeiro, aoimpedirmos que as partculas do corpo saiam pela tangente, percebemos a existnciadas "foras de inrcia", que so ausentes em um movimento circular relativo. importante frisar que aps o balde e a gua estarem girando com a mesma velocidadeangular em relao ao espao absoluto, a velocidade relativa nula entre ambos noelimina a "fora de inrcia" da gua adquirida ao longo do movimento. A compressoque esta exerce na parede do balde depende, primordialmente, de sua velocidade emrelao ao espao absoluto.

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    5 OUTRAS INTERPRETAESFaamos agora uma anlise crtica de outras interpretaes deste experimento.

    Fitas (1996) imagina uma experincia anloga descrita por Newton, mas, ao invsde gua no interior do balde, ele supe um molde de uma substncia rgida, por exemplomadeira. Neste caso, durante todo o experimento a superfcie livre da madeira jamaisficar cncava. O que o leva a tirar duas concluses:

    [...] no h qualquer deformao que permita supor a existncia de uma fora(o que no significa que no exista e no se manifeste em efeitos no observveisdirectamente); segundo, o facto de no se identificar uma fora centrfuga(atravs da observao directa) obriga a reconhecer que no h qualquermovimento do molde em relao ao espao absoluto. As duas experincias, ade Newton e esta ltima, so formalmente iguais e as concluses extradas socompletamente diferentes. (FITAS, 1996, p.21)

    Ora, o exemplo imaginado por Newton no tem um carter universal, apenaspara ilustrar o surgimento das "foras de inrcia" no movimento circular verdadeiroem uma situao em que isto possa ser observado. Evidente que Newton no esperavaque todas as superfcies adquirissem um formato cncavo na presena destas foras.No caso do molde de madeira citado, da mesma maneira que todas as molculas dagua tinham a tendncia de sair pela tangente, as molculas da madeira tambmprocuram este caminho. A diferena que as ligaes entre as primeiras so maisfracas, o que possibilita que as molculas mais afastadas do centro, por terem umavelocidade tangencial maior, subam pela parede do balde. A pergunta a ser feita como a distribuio das foras de contato da gua com a parede do balde possibilitamque a mesma suba. Em nossa opinio, para termos uma resposta satisfatria, teramosque levar em considerao o mecanismo de transferncia de movimento da parede dobalde para as molculas de gua que esto em contato direto e o mecanismo detransferncia de movimento destas molculas para as outras at o centro.

    Em um outro artigo, Neves (2005) afirma que este experimento foi apresentado porNewton "[..] para estabelecer a idia de um espao absoluto [...]" (NEVES, 2005, p.189).No estamos de acordo com esta opinio, o espao absoluto foi definido para diferenciaro movimento verdadeiro do relativo, a experincia apenas uma maneira de distingui-los.Em conformidade com o nosso ponto de vista, Barra (1994) assim se expressa:

    A rigor no existe aqui uma "prova experimental" do espao absoluto comoalguns comentadores entenderam. Se Newton houvesse concebido anecessidade de fornecer uma justificao emprica para o espao absoluto, emrespeito estrutura argumentativa do Principia que observada com acentuadorigor, no seria em um Esclio do Livro I que ele apresentaria seus resultados,mas nas proposies do Livro III onde se orienta metodologicamente pelosprincpios da "filosofia experimental". Quando muito, o chamado "experimento

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    do balde" pode ser tomado como uma ilustrao emprica de um princpiomecnico abstrato, como tantas outras que Newton utiliza ao longo dos Escliosdas proposies dos Livros I e II do Principia. Com maior preciso, a medidados efeitos dos movimentos circulares verdadeiros deve servir to-sometepara identific-los, mas nunca para provar a existncia do espao ao qualse referem. Alis, o prprio Newton adverte que corrompem "a matemtica e afilosofia aqueles que confundem as quantidades verdadeiras com as relaes eas medidas vulgares das mesmas. (BARRA, 1994, p.53-54, grifo nosso)

    Mais a frente, Neves (2005) sugere que Newton considerava a superfcie cncava dagua como uma conseqncia de um conatus centrfugo - tendncia do corpo em afastar-se do centro da circunferncia na direo do raio - provocado por uma ao do espaoabsoluto sobre a gua. Em suas palavras: "[...] Newton a atribui ao espao absoluto, uma,digamos assim, entidade que agiria sobre tudo mas que no sofreria ao de coisa alguma[...]" (NEVES, 2005, p.193). Novamente no pactuamos com o autor, primeiro por queNewton em momento algum falou em conatus centrfugo ao analisar esta experincia. Eleapenas disse que a subida da gua para os lados do vaso "[...] indicava o esforo porafastar-se do eixo [...]" (NEWTON, 1996b, p.28). Pela nossa leitura, trata-se da tendnciaem sair pela tangente, e no ao longo do raio. Se j difcil explicar o motivo pelo qual agua sobe pelas paredes ao comprimir o balde na direo tangencial, fica quase inimaginveluma explicao devida a compresso radial. Por ltimo, Newton, no Principia, sempre foicoerente em suas definies e jamais conferiu ao espao absoluto a capacidade de agirsobre os corpos, muito pelo contrrio, ele fez questo de afirmar: "O espao absoluto, emsua prpria natureza, sem relao com qualquer coisa externa, mantm-se sempre semelhantee imvel" (NEWTON apud COHEN; WESTFALL, 2002, p.283). Acreditamos esta seruma interpretao forada do autor, atribuindo mais a Newton do que o que ele realmentedisse. Neves (2005) fundamentou os seus argumentos, principalmente, em Mach (1960) eAssis (1989; 1998; 1999). Vamos mostrar as principais idias destes dois autores ligadas aexplicao da experincia do balde de Newton, em um primeiro momento, e depois, como auxlio do artigo de Escobar e Pleitez (2001a), faremos os nossos comentrios.

    Segundo Fitas (1998, p.121), no prefcio da primeira edio alem (1883) deseu livro A Cincia da Mecnica, Mach escreveu: "[...] o presente volume no umtratado sobre a aplicao dos princpios da mecnica. O seu objectivo clarificaridias, expor o significado real do assunto e expurgar as obscuridades metafsicas".Estas obscuridades so as definies newtoniana de massa, fora, espao e tempo.Para Mach, a definio de massa dada por Newton cria um circulo vicioso, pois eleno definiu previamente o conceito de densidade de forma adequada, desse modo, adensidade depende do conceito de massa e a massa depende do conceito de densidade3.

    3 Encontramos em Sapunaru (2006) o seguinte comentrio de Henry Crew sobre este suposto engano de Newton:[...] na poca de Newton, densidade e gravidade especfica eram utilizadas como sinnimos, e a densidade da guaera arbitrariamente tomada como unitria. As trs unidades fundamentais empregadas [...] eram, portanto, densidade,comprimento e tempo, em lugar das nossas, massa, comprimento e tempo. Em tal sistema, tanto natural comologicamente permissvel definir massa em termos de densidade (CREW apud SAPUNARU, 2006, p.126-127).

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    Mas o "[...] conceito de massa assume uma forma muito palpvel quando se empregadinamicamente o princpio da aco e reaco" (MACH apud FITAS, 1998, p.126),por este motivo, "[...] talvez a contribuio mais importante de Newton no que dizrespeito aos princpios a formulao da igualdade da aco e reaco" (MACH apudFITAS, 1998, p.126). Mach acreditava que a massa inercial no era uma propriedadeintrnseca de um dado corpo, sendo o seu valor derivado da relao dinmica entreeste e todo o universo. Conforme resumiu bem Gardelli (1999):

    Assim, para Mach, se um corpo forado a deixar o seu estado inicial derepouso ou de movimento retilneo uniforme atravs da atuao de uma foralocal real (gravitacional, eltrica, magntica, elstica etc), entoinstantaneamente deve surgir uma fora aplicada pelo conjunto das estrelasfixas sobre esse mesmo corpo a fim de evitar que ele altere o seu estado inicial.

    Portanto, diferentemente de Newton, que acreditava que inrcia umapropriedade intrnseca da matria, Mach entendia inrcia como sendo umafora de interao gravitacional entre os corpos materiais e o conjunto dasestrelas fixas e que somente atua sobre eles no caso de se tentar aceler-losem relao a elas4. (GARDELLI, 1999, p.49, grifo nosso)

    Baseado nesta sua concepo de massa inercial, Mach contesta a interpretaodada por Newton da experincia do balde:

    A experincia de Newton com o recipiente de gua girando nos informasimplesmente que a rotao relativa da gua em relao aos lados do recipiente noproduz foras centrfugas perceptveis, mas que tais foras so produzidas porsua rotao relativa em relao a massa da Terra e dos outros corpos celestes.Ningum competente para dizer qual seria o resultado da experincia se os ladosdo recipiente aumentassem em espessura e massa at que eles tivessem finalmenteuma espessura de vrias lguas. Uma nica experincia est diante de ns e nossafuno faz-la concordar com os outros fatos conhecidos por ns e no com asfices de nossa imaginao. (MACH apud ASSIS, 1999, p.70, grifo nosso)

    Esta viso relacional de fora fez com que Mach interpretasse a fora de inrcianewtoniana como uma interao entre o corpo e o espao absoluto, o que no foi dito

    4 De acordo com Assis (1999, p.73): [...] Mach no enfatizou que a inrcia de um corpo devido a uma interaogravitacional com os outros corpos no universo. Em princpio esta ligao entre a inrcia de um corpo e oscorpos celestes distantes poderia ser devida a qualquer tipo de interao conhecida (eltrica, magntica, elsti-ca...) ou mesmo a um novo tipo de interao. Em nenhum lugar ele disse que a inrcia de um corpo deveria virde uma interao gravitacional com as estrelas fixas. Os primeiros a sugerir isto parecem ter sido os irmosFriedlander em 1896 [...]. Esta idia tambm foi adotada por W. Hofmann em 1904, por Einstein em 1912, porReissner em 1914-1915, por Schrdinger em 1925 e por muitos outros desde ento [...].

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    por Newton. Deste modo, ele "[...] afirmava ser inconcebvel corpos interagirem comespao, pois para ele, matria s poderia interagir com matria" (GARDELLI, 1999,p.48). Para substituir o espao absoluto como referencial de movimento, Assis (1999,p.63) nos informa que Mach considerava a Terra um bom referencial para experinciastpicas de laboratrio que duram muito menos do que uma hora e que no se estendemmuito no espao comparado com o raio terrestre, por outro lado, em experincias queduram muitas horas ou nas quais estudamos movimentos com escalas temporais eespaciais grandes, um sistema de referncia inercial melhor do que a Terra o referencialdefinido pelas estrelas fixas. E para Assis (1999): "Hoje em dia podemos dizer queum sistema de referncia inercial melhor ainda para estudar a rotao ou movimentode nossa galxia como um todo (em relao s outras galxias, por exemplo) oreferencial definido pelas galxias externas ou o sistema de referncia no qual a radiaocsmica de fundo isotrpica" (ASSIS, 1999, p.63).

    Assis (1999) afirma que no foi somente Newton que se enganou a no percebero carter relacional das foras, o mesmo erro tambm foi cometido por Albert Einstein(1879 - 1955), que apesar de ter sido fortemente influenciado pelo Princpio de Mach5, no conseguiu implement-lo. Para justificar este seu argumento, o autor cita algunsproblemas que encontrou nas teorias da relatividade restrita e geral de Einstein. Porexemplo, a assimetria da induo eletromagntica citada por Einstein no primeiropargrafo do artigo "Sobre a eletrodinmica dos corpos em movimento", segundoAssis (1999, p.77), no aparece no eletromagnetismo de Maxwell e sim na interpretaoespecfica da formulao de Lorentz para a eletrodinmica. Nesta interpretao, quandoum im est em movimento em relao ao ter, ele gera neste um campo magntico eeltrico, este ltimo agiria no circuito que est em repouso em relao ao ter, induzindonele uma corrente. Se o im est em repouso no ter, ele gera apenas um campomagntico, deste modo, quando o circuito est se movendo no ter ele sofrer ao deuma fora magntica que induzir uma corrente. O que ocasiona uma assimetria naorigem da corrente, que na primeira situao devida ao campo eltrico e na segunda fora magntica. Para Assis (1999, p.81), ao invs de tentar se livrar desta assimetriatornando suprfluo o ter e considerando a velocidade do im e do circuito em relaoao observador, Einstein poderia simplesmente seguir o caminho de Faraday (1791 -1867), Maxwell (1831 - 1879) e Weber (1804 - 1891) e considerar a velocidade relativaentre o im e o circuito na anlise. Esta direo seguida por Einstein fez com que elepostulasse a constncia da velocidade da luz, Assis (1999) no concorda que avelocidade da luz no vcuo seja constante independentemente do estado de movimentodo observador ou do detector. Em suas palavras:

    A luz uma entidade fsica que carrega momento linear e energia, que afetadapelo meio onde se propaga (reflexo, refrao, difrao, rotao de Faraday do

    5 Assis (1999, p.72-73) define Princpio de Mach como a idia de que a inrcia de qualquer corpo (sua massainercial ou sua resistncia a sofre aceleraes) surge ou causada por sua interao com o universo distante.

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    plano de polarizao etc.), que age sobre os corpos aquecendo-os, provocandoreaes qumicas, ionizando tomos etc. Neste sentido ela no tem nada deespecial e como tal tem similaridades tanto com corpsculos quanto com osom. A aceitao por outros fsicos desta concluso de que a velocidade da luz constante para todos observadores inerciais independente de seus movimentosem relao fonte criou problemas e paradoxos inumerveis nestes ltimosnoventa anos. Nada disto aconteceria mantendo-se o conceito plausvel de quea velocidade mensurvel da luz depende da velocidade do observador ou dodetector. (ASSIS, 1999, p.86-87)

    Um outro problema encontrado por Assis (1999, p.91) deve-se ao fato de Einsteininterpretar a velocidade que aparece na fora de Lorentz, , como sendo avelocidade da carga em relao ao observador ou ao sistema de referncia inercial (eno em relao ao dieltrico como defendido por Thomson (1856 - 1940) e Heaviside(1850 - 1925), nem tambm em relao ao ter como defendido por Lorentz). Istoocasiona uma dependncia desta fora ao sistema de referncia, o que seria mais simplesse ela dependesse apenas de sua posio, velocidade e acelerao em relao s outrascargas com que est interagindo, como acontece na eletrodinmica de Weber.

    Mais um aspecto interessante levantado por Assis (1999) que a teoria da relatividadegeral tinha por objetivo inicial quantificar todas as idias de Mach, mas o prprio Einsteinadmitiu no ter conseguido cumprir esta meta. No comeo, ele percebeu que qualquerteoria que implementasse o Princpio de Mach apresentaria quatro conseqncias: a inrciade um corpo aumentaria ao se acumular massas ponderveis na sua vizinhana; massasvizinhas a um corpo ao serem aceleradas provocariam nele uma fora aceleradora nomesmo sentido da acelerao; um corpo oco animado de um movimento de rotaoproduziria no seu interior um campo de foras centrfugas radiais e um "campo de Coriolis"que faz com que corpos em movimento sejam desviados no sentido da rotao; e um corponum universo vazio no poderia ter inrcia, ou, toda inrcia de qualquer corpo tem que virde sua interao com outras massas no universo. Ainda de acordo com (ASSIS, 1999), aprimeira conseqncia no aparece na relatividade geral. A segunda acontece, mas suainterpretao no nica. A terceira aparece, mas no com os dois termos - foras centrfugase de Coriolis - indicados simultaneamente com os coeficientes corretos, como se sabe queeles existem em referenciais no inerciais da teoria newtoniana. E a quarta conseqnciatambm no ocorre. Ou seja:

    Einstein nunca pde evitar o aparecimento da inrcia em relao ao espaoabsoluto nas suas teorias, embora fosse uma exigncia do princpio de Machque a inrcia de qualquer corpo s deveria surgir em funo dos outros corposdo universo, mas no em relao ao espao vazio.

    Isto mostra que mesmo na sua teoria da relatividade geral os conceitos de espaoabsoluto ou de sistemas de referncia inerciais preferenciais desvinculados damatria distante ainda esto presentes, o mesmo ocorrendo com a inrcia oucom as massas inerciais. (ASSIS, 1999, p.103)

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    Como teoria alternativa para a implementao quantitativa das idias de Mach,Assis (1999) prope a Mecnica Relacional, baseada apenas em grandezas relativasentre os corpos materiais e na eletrodinmica de Weber. Deste modo, ele acreditaevitar todos os paradoxos tpicos das teorias de Einstein como a contrao decomprimento, a dilatao do tempo, a invariana de Lorentz, as transformaes deLorentz, a constncia da velocidade da luz no vcuo qualquer que seja o estado demovimento do detector, as leis covariantes, a mtrica de Minkowski, o espaoquadridimensional, a geometria riemanniana aplicada na fsica, o elemento deSchwarzcchild, os smbolos de Christoffel, a curvatura do espao, as foras entre corposmateriais dependentes do estado de movimento do observador, etc. De acordo comAssis (1999, p.112), estes conceitos tericos "[...] desempenham o mesmo papel queos epiciclos na teoria ptolomaica", e a Mecnica Relacional seria um novo paradigmapara a fsica, que evitaria todos estes epiciclos de maneira simples, alm de estarbaseada em concepes filosficas mais intuitivas, razoveis e palpveis. O autorcomea a apresentao da Mecnica Relacional enunciando os trs postulados que acaracterizam:

    (I) Fora uma quantidade vetorial que descreve a interao entre corposmateriais.

    (II) A fora que uma partcula pontual A exerce sobre uma partcula pontual B igual e oposta a fora que B exerce sobre A e direcionada ao longo dalinha reta conectando A at B.

    (III)A soma de todas as foras de qualquer natureza (gravitacional, eltrica,magntica, elstica, nuclear ...) agindo sobre qualquer corpo sempre nulaem todos os sistemas de referncia. (ASSIS, 1999, p.116)

    Em seus comentrios, ele afirma que o primeiro postulado deixa claro que fora uma interao entre corpos materiais, no descrevendo uma interao de um corpocom o "espao". O que uma aluso fora de inrcia de Newton, que na viso deMach e de Assis, deve-se interao do corpo com o espao absoluto, mas nunca demais frisar que Newton jamais interpretou a fora de inrcia desta maneira, e simcomo uma propriedade intrnseca da matria. O segundo postulado semelhante Terceira Lei de Newton. A novidade maior est no terceiro postulado que contrrio Segunda Lei de Newton, deixemos que o prprio autor explique as suas vantagenssobre esta lei:

    A vantagem deste terceiro postulado, comparado com a segunda lei domovimento de Newton, que no introduzimos nele os conceitos de inrcia,de massa inercial, de espao absoluto e nem de sistema de referncia inercial.Na mecnica newtoniana tnhamos que a soma de todas as foras era igual variao do momento linear (produto da massa inercial pela velocidade) com o

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    tempo. No caso de massa constante isto era igual ao produto da massa inercialdo corpo por sua acelerao em relao ao espao absoluto ou em relao a umsistema de referncia inercial. Isto significa que estes conceitos tinham de tersido introduzidos e clarificados anteriormente e que formam uma parte essencialda segunda lei do movimento de Newton. O nosso postulado evita tudo isto eesta sua maior vantagem. Alm do mais, ele vlido em todos os sistemas dereferncia, enquanto que a segunda lei de Newton s era vlida em sistemasinerciais, caso contrrio seria necessrio introduzir as foras fictcias. (ASSIS,1999, p.117-118)

    Em seguida, Assis (1999) afirma que os trs postulados podem ser substitudospor um nico, a saber: "A soma de todas as energias de interao (gravitacional, eltrica,elstica...) entre qualquer corpo e todos os outros corpos no universo sempre nula,em todos os sistemas de referncia. Este postulado pode ser chamado de princpio deconservao da energia" (ASSIS, 1999, p.118). Para o autor a vantagem deste postuladoem relao ao postulado anlogo da mecnica clssica que no h necessidade deintroduzir o conceito de energia cintica, que tem embutido o conceito de massa inerciale de espao absoluto ou sistemas inerciais. Para implementar estes postulados e obteras equaes de movimento seguindo as idias de Mach, Assis (1999) utiliza expressesde fora e energia baseadas naquelas deduzidas por Weber, em 1848, para a interaoentre duas cargas eltricas. A principal diferena em relao s newtonianas queestas dependem apenas da distncia relativa, da velocidade radial e da aceleraoradial entre as partculas interagentes. Isto , elas so completamente relacionais tendoo mesmo valor para todos os observadores, independente se eles so ou no inerciaisdo ponto de vista newtoniano.

    Depois de algumas demonstraes matemticas, Assis (1999) prova que, nohavendo rotao relativa entre os corpos interagentes, a fora que as estrelas e galxiasdistribudas uniformemente ao redor de um certo corpo exercem sobre ele no maisigual a zero, como Newton havia demonstrado em sua mecnica, e sim igual a menoso produto da massa pela acelerao. Havendo a rotao relativa, a fora de interaogravitacional entre as estrelas e o corpo em questo igual a menos o produto damassa pela acelerao, mais as foras de Coriolis e centrfuga, mais um terceiro termoque no possui nome especfico e que aparece quando a velocidade angular relativaentre os corpos interagentes no constante. Aplicando este raciocnio ao experimentodo balde de Newton, Assis (1999) mostrou que se houver uma rotao relativa entre oUniverso e o balde, ento surgir a fora que empurra a gua em direo s paredes dobalde, como queria Mach. Alm desta demonstrao, Gardelli (1999) enumera outrascinco concluses a que Assis (1999) chegou:

    1. As foras inerciais surgem devido interao gravitacional de um certocorpo com o restante do Universo.

    2. A massa inercial , na verdade, a prpria massa gravitacional.

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    3. O espao absoluto de Newton identificado como o conjunto das galxiase estrelas fixas.

    4. No mais necessrio diferenciar referenciais inerciais de referenciais no-inerciais.

    5. Para se deduzir uma expresso anloga 2 Lei de Newton, Assis postulouque a resultante das foras que atuam sobre um certo corpo no mais igualao produto da massa pela acelerao e sim igual a zero. Agora, deve-se levarem conta no s as foras locais que atuam sobre o corpo, tais como asforas peso, elstica, eltrica, magntica etc., como tambm a fora exercidapelas estrelas e galxias sobre o corpo. (GARDELLI, 1999, p.51)

    Encontramos em Escobar e Pleitez (2001a) uma crtica rspida Mecnica Relacional.Apesar de concordarmos com muitos dos argumentos expostos, no nos agradou a maneiraque os autores se expressaram, como observou muito bem Marques (2001):

    [...] O primeiro o estilo, pelo menos desprimoroso, com que os autores doartigo "Mecnica Relacional: A Propsito de uma Resenha", [RBEF 23 (3), 260(2001)] redigiram seu texto. Devo dizer que no conheo pessoalmente o autorda Mecnica Relacional, a no ser por um texto seu publicado em livro intituladoEletrodinmica de Weber. Assim no tenho o propsito de desagrav-lo dotratamento recebido. Tampouco tenho o propsito de veicular qualquer juzo demrito em favor dele ou de seus crticos; simplesmente nunca li a MecnicaRelacional e os argumentos de seus crticos so contextualizados de tal formaque no cabe qualquer posio a no ser associar-se condenao. Lembra aquelesjulgamentos da Santa Inquisio onde um promotor, brao esticado, dedo emriste apontado para a face do ru, mudo e cabisbaixo, volta-se para seus pares ecom afiada eloqncia alinha pecados, fraquezas, violaes das sagradasescrituras, uma s das quais seria suficiente para conden-lo fogueira. Entendoque esse estilo de texto deve ser evitado: d a impresso de que existem assuntostabus dentro da fsica que no admitem questionamentos e este umensinamento muito ruim, alm de ser reprovvel do ponto de vista do bomgosto. Relatividade Geral, Restrita ou qualquer outro assunto. Mesmo que secorra o risco de ultrapassar os limites que separam a ortodoxia daquilo que osautores chamaram de "cincia patolgica". Ningum melhor que Einsteinsimbolizou exemplarmente esse tipo de independncia intelectual e cultivou essacaracterstica da fsica [...]. (MARQUES, 2001, Cartas ao Editor, grifo nosso)

    E a reposta de Escobar e Pleitez (2001b) carta de Marques (2001) no foimuito convincente, deixando claro que h uma certa antipatia destes autores por Assis,que transpareceu no artigo. Vejamos a resposta:

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    No nossa inteno realizar a Santa Inquisio contra o Professor Assis aindamais que o artigo prende-se nica e exclusivamente obra que foi objeto daresenha publicada anteriormente na mesma RBEF. Uma inquisio teria, parajustificar este nome de to tristes lembranas, que realizar um trabalho extensocobrindo toda a obra do Professor Assis. Procuramos no nosso artigo mostrarque em cincia no basta o questionamento! bom lembrar que em cincia novale tudo. Se verdade que na proposta de uma nova teoria pode "valer tudo"(Feyerabend) o mesmo no acontece na verificao dessa teoria. Neste caso oacordo com os dados experimentais que vai dizer se a teoria vale ou no. AMecnica Relacional j foi eliminada pela experincia e foi isto que procuramosmostrar aos leitores da RBEF. (ESCOBAR; PLEITEZ, 2001b, Cartas ao Editor)

    Polmicas parte, Escobar e Pleitez (2001a) endeream as suas primeiras crticas aoPrincpio de Mach, lembrando que este no foi implementado quantitativamente de maneiraconsistente por nenhuma teoria, nem mesmo pela relatividade geral. O que apenas confimao que Assis (1999) j havia informado. Mas ao afirmarem que tambm no tem sidopossvel verific-lo experimentalmente, podemos deduzir que a explicao dada por Machda experincia do balde girante no considerada como correta por estes autores, nesteponto estamos de acordo. Corroborando a informao de Assis (1999), Escobar e Pleitez(2001a) afirmam que Einstein tinham o Princpio de Mach como guia para a construodas teorias da relatividade. De tal maneira que, em 1912, usando uma verso rudimentarda teoria da relatividade geral, mostrou que se uma esfera oca massiva acelerada emtorno de um eixo que passa pelo centro no qual se encontra uma massa inercial pontual,ento a massa inercial desta ltima aumentada. Mas na verso mais elaborada, as primeirassolues obtidas para sua equao de campo gravitacional iam contra o Princpio de Mach,mostrando que a validade das equaes dependia de um espao absoluto no qual um corpode prova teria inrcia mesmo na ausncia de outras massas. Na esperana de reconciliar arelatividade geral com o Principio de Mach, em 1917, Einstein teve que modificar suasequaes introduzindo uma constante cosmolgica, de tal modo a obter um universohomogneo, isotrpico e esttico, onde a inrcia de um corpo no existiria na ausncia dematria em sua vizinhana. Mas, segundo Escobar e Pleitez (2001a, p.262), ainda em1917, a demonstrao do astrnomo holands Willem de Sitter (1872 - 1934) de que asequaes modificadas admitiam uma soluo para um universo vazio, que correspondia aum universo em expanso, foi o acontecimento crucial para a sua credibilidade nesseprincpio ser abalada. Aps passar um ano tentando mostrar que a soluo de de Sitter erafisicamente inaceitvel (devido a alguma singularidade), Einstein abandonou suas tentativasde implementar rigorosamente o princpio de Mach. Em 1954, em uma carta, ele disse:

    Na minha opinio nunca mais deveramos falar do princpio de Mach. Houveuma poca na qual pensava-se que os 'corpos ponderveis' eram a nica realidadefsica e que, numa teoria todos os elementos que no estiverem totalmentedeterminados por eles, deveriam ser escrupulosamente evitados. Sou conscienteque durante um longo tempo tambm fui influenciado por essa idia fixa.(EINSTEIN apud ESCOBAR; PLEITEZ, 2001a, p.263)

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    O interessante que os autores no do por encerrado o assunto ao afirmaramque "A origem da inrcia (das massas) continua a ser um ponto em aberto em qualquerteoria fundamental das partculas elementares" (ESCOBAR; PLEITEZ, 2001a, p.263),eles apenas no concordam que o Princpio de Mach seja a soluo adequada. Esta a opinio que defendemos, no sabemos o porqu da matria ter a tendncia de seguira Primeira Lei do movimento, assim como Newton no sabia, mas tambm noacreditamos que a inrcia dependa da interao com outros corpos. As outras crticasdos autores so para a afirmao de que as teorias da relatividade esto erradas. Depoisde refutarem os argumentos da assimetria da induo eletromagntica e da covarincia,eles afirmam que os supostos paradoxos citados por Assis (1999) - a contrao decomprimento, a dilatao do tempo, a curvatura do espao, a constncia da velocidadeda luz no vcuo qualquer que seja o estado de movimento do detector, etc. - j foramcomprovados por vrios experimentos. Aps a descrio de alguns destes experimentos,eles complementam: " Em 100 anos de prmios Nobel apenas em 6 ocasies no foientregue. Deste total, 27 esto relacionados de alguma maneira com a relatividadeespecial e pelo menos 1 com a TGR" (ESCOBAR; PLEITEZ, 2001a, p.265). A intenodos autores foi mostrar que inmeros experimentos meticulosos, premiados inclusivecom o Nobel, confirmaram as teorias da relatividade. Aqui a nossa opinio oscila paraos dois lados. Em parte concordamos com este argumento, afinal, no podemosdesprezar a capacidade intelectual destes cientistas laureados e pensar que todosabraaram as teorias de Einstein cegamente. Como se apenas Assis (1999) tivesseconhecido a eletrodinmica de Weber e refletido sobre a possibilidade de sua utilizaona mecnica. Mas, por outro lado, sabemos que as pesquisas no so isentas deinfluncias polticas, sociais e econmicas. Deste modo, questionamos se a MecnicaRelacional foi rejeitada por no responder adequadamente estes experimentospremiados, ou, por no atender ao interesse econmico da comunidade cientficadominante que ganha altas quantias com as pesquisas envolvendo as teorias darelatividade. Aos adeptos da Mecnica Relacional fica aqui um alento, a histria dacincia mostra que, mais cedo ou mais tarde, teorias inconsistentes clamam porsubstituio, se este for o caso das teorias da relatividade, no faltar oportunidadepara a Mecnica Relacional provar a sua eficcia.

    6 CONSIDERAES FINAISMuitos professores tm-se preocupado com o fato dos estudantes estarem

    demonstrando desestmulo e desinteresse em aprender os conhecimentos bsicos narea de Fsica, pois esta abordada em sala de aula, geralmente, restringindo-se resoluo de problemas e exerccios de quadro-negro. Porm, o ato de ensinar umaatividade complexa para cada professor, rodeada de riscos de insucesso para cada umdos seus alunos ou para o conjunto dinmico de uma sala de aula. Considerando acomplexidade do processo ensino/aprendizagem e admitindo ser o conhecimento umaconquista pessoal do educando, somos levados a acreditar que qualquer propostametodolgica, por melhor que seja, no ser, por si s, garantia de aprendizagem. Ela

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    dever ser acompanhada pela competncia do professor e pela conscincia e vontadedo aluno em querer aprender. Nesta perspectiva, o elemento principal reside nodespertar do interesse do aluno, fundamental nesta caminhada, cabendo ao professora difcil tarefa de oferecer ao aluno condies favorveis para sua aprendizagem e aconstruo do conhecimento, de sua histria, de suas bases epistmicas, de suascontingncias. Uma boa opo como elemento para o despertar do interesse do alunoseria um estudo mais aprofundado sobre algumas controvrsias cientficas. Isso poderiapermitir ao educando desenvolver algumas das competncias e habilidades sugeridaspelos Parmetros Curriculares Nacionais, como, por exemplo:

    Reconhecer o sentido histrico da cincia e da tecnologia, percebendo o seupapel na vida humana em diferentes pocas e na capacidade humana detransformar o meio.

    Compreender as cincias como construes humanas, entendendo como elasse desenvolvem por acumulao, continuidade ou ruptura de paradigmas,relacionando o desenvolvimento cientfico com a transformao da sociedade.(BRASIL, 2000, p.13)

    Deste modo, sugerimos o estudo terico do experimento do balde girante, emsala de aula, incentivando os alunos a participarem do debate. Alm dos motivos jcitados, acreditamos que o aluno, ao ser mergulhado no contexto das opiniesdivergentes dos cientistas sobre este experimento, poder desenvolver, potencialmente,um esprito crtico, desmistificando o conhecimento cientfico. E o professor teroportunidade de experimentar uma aula diferente do mtodo tradicional de ensinarFsica, segundo Megid (1998, p.17), um mtodo que tem:

    Um ensino calcado na transmisso de informaes atravs de aulas quase sempreexpositivas, na ausncia de atividades experimentais, na aquisio de conhecimentosdesvinculados da realidade. Um ensino voltado primordialmente para a preparaoaos exames vestibulares, suportado pelo uso indiscriminado do livro didtico oumateriais assemelhados e pela nfase excessiva na resoluo de exerccios puramentememorsticos e algbricos. Um ensino que apresenta a Fsica como uma cinciacompartimentada, segmentada, pronta, acabada, imutvel.

    Gostaramos de convidar tambm o leitor a dar a sua explicao sobre o queacontece na experincia do balde girante. Este um assunto muito importante para oentendimento da mecnica newtoniana, mas pouco discutido. Por exemplo, noencontramos nas obras clssicas de Mecnica qualquer meno a este experimento.Ao longo do artigo emitimos a nossa opinio, mas h ainda vrias perguntas esperandopor respostas convincentes. Por isto, dividimos com o leitor as nossas dvidas: Porque a gua sobe pelas paredes, como se existisse uma fora puxando para cima? Qual

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    a funo do espao absoluto no experimento? Por que um corpo insiste em seguir aPrimeira Lei de Newton?

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    Recebido em: out. 2007 Aceito em: nov. 2007