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Formação de grupos de queimada controlada para prevenção de incêndios florestais no entorno do mosaico de unidades de conservação de Carajás Frederico Drumond Martins 1 A problemática do fogo em Unidades de Conservação e a utilização do fogo como ferramenta agrícola em assentamentos rurais A sustentabilidade deve ser uma diretriz a ser perseguida pela sociedade uma vez que ainda nos relacionamos de forma bastante predatória com a natureza. O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu para enfrentar a crise ecológica, a partir de uma crítica ambientalista ao modo de vida contemporâneo, e tem como pressuposto a existência de sustentabilidade social, econômica e ecológica, explicitando a necessidade de tornar compatível a melhoria nos níveis de qualidade de vida com a preservação ambiental. (Jacobi, 2003). A busca pela sustentabilidade se dá pela construção de processos sustentáveis em níveis locais e regionais, rumo a uma sociedade efetivamente sustentável onde o uso dos recursos naturais possa coexistir com a conservação da biodiversidade e onde a sociedade como um todo, de forma justa e igualitária, possa usufruir e participar do processo de conservação da natureza e de desenvolvimento econômico. Para esta travessia a escala local tem que compreender a escala planetária e é importante a articulação entre o poder público e a sociedade civil organizada para o desenvolvimento de ações que busquem a sustentabilidade e a conservação da biodiversidade (Gaddoti, 1998). Unidade de Conservação é “um espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”. 2 As Unidades de Conservação (UC’s) têm um papel fundamental na proteção de espécies endêmicas, na regulação do clima e no abastecimento dos mananciais de água, além disso, muitas delas abrigam populações tradicionais cujo modo de vida e sustento depende de seus recursos 1 Biólogo formado pelo curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Analista Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. Floresta Nacional de Carajás, Parauapebas, Pará. Pós-graduando Lato Sensu em Educação Ambiental, Cidadania e Desenvolvimento Regional pela UFPA, Campus Marabá, PA. 2 Este é o conceito de Unidades de Conservação definido pelo Art. 2°, Inciso I, da Lei Federal 9.985 de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências, também conhecida como Lei do SNUC.

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  • Formao de grupos de queimada controlada para preveno de incndios florestais no entorno do mosaico de unidades de conservao de Carajs

    Frederico Drumond Martins1

    A problemtica do fogo em Unidades de Conservao e a utilizao do fogo como ferramenta agrcola em assentamentos rurais

    A sustentabilidade deve ser uma diretriz a ser perseguida pela sociedade uma vez que ainda nos relacionamos de forma bastante predatria com a natureza. O conceito de desenvolvimento sustentvel surgiu para enfrentar a crise ecolgica, a partir de uma crtica ambientalista ao modo de vida contemporneo, e tem como pressuposto a existncia de sustentabilidade social, econmica e ecolgica, explicitando a necessidade de tornar compatvel a melhoria nos nveis de qualidade de vida com a preservao ambiental. (Jacobi, 2003).

    A busca pela sustentabilidade se d pela construo de processos sustentveis em nveis locais e regionais, rumo a uma sociedade efetivamente sustentvel onde o uso dos recursos naturais possa coexistir com a conservao da biodiversidade e onde a sociedade como um todo, de forma justa e igualitria, possa usufruir e participar do processo de conservao da natureza e de desenvolvimento econmico. Para esta travessia a escala local tem que compreender a escala planetria e importante a articulao entre o poder pblico e a sociedade civil organizada para o desenvolvimento de aes que busquem a sustentabilidade e a conservao da biodiversidade (Gaddoti, 1998).

    Unidade de Conservao um espao territorial e seus recursos ambientais, incluindo as guas jurisdicionais, com caractersticas naturais relevantes, legalmente institudo pelo Poder Pblico, com objetivos de conservao e limites definidos, sob regime especial de administrao, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteo.2 As Unidades de Conservao (UCs) tm um papel fundamental na proteo de espcies endmicas, na regulao do clima e no abastecimento dos mananciais de gua, alm disso, muitas delas abrigam populaes tradicionais cujo modo de vida e sustento depende de seus recursos

    1 Bilogo formado pelo curso de Cincias Biolgicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Analista

    Ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade. Floresta Nacional de Carajs, Parauapebas, Par. Ps-graduando Lato Sensu em Educao Ambiental, Cidadania e Desenvolvimento Regional pela UFPA, Campus Marab, PA. 2 Este o conceito de Unidades de Conservao definido pelo Art. 2, Inciso I, da Lei Federal 9.985 de 18 de

    julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza e d outras providncias, tambm conhecida como Lei do SNUC.

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    naturais (Velasquez, 2005). No Brasil so, em sua maioria, ilhas verdes circundadas por diferentes presses (Pinto, 2008). Uma dessas presses o fogo, usado como ferramenta agrcola, frequentemente, causando incndios florestais e colocando em risco os objetivos e a integridade das UCs (Ferreira e Almeida, 2005).

    Entretanto, o uso do fogo uma prtica cultural antiga na agricultura que possibilita o manejo e o preparo da terra de forma eficiente, uma vez que envolve poucos recursos humanos e financeiros. Alm disso, a queima da cobertura vegetal provoca a mineralizao da matria orgnica que aumenta, temporariamente, a fertilidade do solo e, conseqentemente, traz ganhos de produtividade. O uso do fogo pode tambm auxiliar no controle de espcies dominantes, pragas e doenas e tambm favorecer a rebrota de pastagens, o que traz benefcios diretos criao de gado e outros herbvoros (Bontempo, 2011).

    A maioria dos agricultores e produtores agrcolas da regio amaznica desenvolve a prtica do corte-queima (ou corte e queima ou coivara), sendo que a rea a ser cultivada passa por um corte raso e, em seguida, queimada (Embrapa, 2001). Diversas populaes locais conhecem tcnicas alternativas para substituir o uso do fogo, como por exemplo, a capina manual em que os resduos so deixados sobre o solo para serem incorporados, contribuindo para reduo das enxurradas e aumento da fertilidade do solo. Entretanto, a falta de maquinrio, a escassez de recursos para contratao de mo-de-obra e o imediatismo fazem com que o emprego do fogo seja a tcnica mais utilizada. (Bonfim et al., 2003).

    O uso do fogo uma prtica cultural e economicamente satisfatria e sua substituio somente ser conveniente na medida em que outras tcnicas apresentem vantagens econmicas e culturais mais significativas. Particularmente para os agricultores dos assentamentos rurais a alternativa mais vivel, por se tratarem de pequenos estabelecimentos que desenvolvem a agricultura com base familiar, onde o maior sustento est no cultivo das culturas temporrias ou anuais (Costa, 2006). As queimadas, quando no controladas, podem se transformar em incndios, o que significa que o uso do fogo como ferramenta agrcola no entorno das reas naturais preservadas pode causar impactos ambientais importantes.

    O presente trabalho procura demonstrar o esforo do rgo responsvel pela conservao da biodiversidade no Brasil em proteger as Unidades de Conservao federais localizadas na regio sudeste do Par do impacto do fogo.

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    O Mosaico de UCs de Carajs 3 Em 1980, o governo brasileiro criou o Projeto Grande Carajs-, uma poltica

    governamental que consistia em uma srie de aes para viabilizar projetos de vrios setores econmicos, enfocando claramente o incentivo a atividades que envolvessem pesquisa, prospeco, extrao, beneficiamento, elaborao primria ou industrializao de minerais (Lobo, 1996). Foi o maior projeto de desenvolvimento integrado, jamais empreendido em uma rea de floresta tropical mida em qualquer parte do mundo, sendo que em nvel regional, foi til para transformar a paisagem econmica e social, atraindo como um im, imensos contingentes populacionais (Hall, 1991).

    Atualmente a regio do sudeste paraense se caracteriza como uma das reas onde ocorreram as mais radicais mudanas no uso do solo em todo o domnio amaznico. A converso da floresta para a atividade pecuria ocorreu numa dimenso que praticamente produziu um espao homogneo representado por pastagens. A floresta foi praticamente eliminada, estando atualmente representada por remanescentes isolados, expostos s diferentes presses. Em especial a partir de meados da dcada de 80, a atividade pecuria, a explorao madeireira e a siderurgia movida a floresta nativa aceleraram o processo de desmatamento e homogeneizao da paisagem. Atualmente a regio Sul e Sudeste do Par formada por 39 municpios e, segundo os dados de desmatamento PRODES, em 2009 possua menos de 47% do territrio florestado, sendo que a rea de floresta restante encontra-se altamente fragmentada (INPE, 2009).

    Esse desflorestamento, pode representar o comprometimento de importantes servios ambientais, em especial o provimento de recursos hdricos e da regulao climtica. Alm disto, a fragmentao de habitats naturais se constitui como uma das principais ameaas diversidade biolgica que resultam da atividade humana (Primack, 2001).

    Contudo, na mesma regio se insere um mosaico de reas florestais protegidas, denominado Mosaico Carajs representado pelas seguintes unidades de conservao: Florestas Nacionais (FLONAS) de Carajs, Tapirap-Aquiri e Itacainas, Reserva Biolgica (REBIO) do Tapirap e rea de Proteo Ambiental (APA) do Igarap Gelado. Contgua a este conjunto de unidades de conservao est a Terra Indgena Xikrin do

    3 O termo Mosaico Carajs ou Mosaico de Carajs, vendo sendo adotado pela equipe gestora local destas

    unidades desde o ano de 2003, quando se iniciou ali uma estratgia de gesto integrada das cinco reas protegidas, porm ainda no h ato pblico oficial criando o Mosaico de Unidade de Conservao em Carajs, conforme previso da Lei do SNUC.

  • Catet, importante como ambiente de suportediscrepncia da paisagem dasflorestas primrias, especialmente no

    Apesar de se apresentar como o mais importante refgio de biodiversidade da regio, o Mosaico de Unidades de Conservao de Carajs j se encontra em processo de isolamento geogrfico, se constituindo como um fragmento florkm 2 na regio, circundado por diversos Projetos de Assentamentode outros modelos de assentamentos fogo como ferramenta agrcola

    Conservao, especialmente no que se refere ao

    (Figura 1) Mapa do Mosaico de Carajs (em verde) rodeado por Projetos de Assentamento (em vermelho). Em amarelo destacam

    , importante como ambiente de suporte para a biodiversidade regionalda paisagem das pastagens, em confronto com o denso verde das reas de

    , especialmente no limite destas reas protegidas.

    Apesar de se apresentar como o mais importante refgio de biodiversidade da regio, o Mosaico de Unidades de Conservao de Carajs j se encontra em processo de isolamento geogrfico, se constituindo como um fragmento florestal de cerca de 12 000

    circundado por diversos Projetos de Assentamento (PAs)assentamentos rurais de base familiar, dependentes da utilizao do

    fogo como ferramenta agrcola, o que gera presso destas comunidades s Unidades de , especialmente no que se refere ao risco de incndio florestal

    apa do Mosaico de Carajs (em verde) rodeado por Projetos de Assentamento (em destacam-se as Terras Indgenas.

    RACHA PLACA

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    para a biodiversidade regional. evidente a pastagens, em confronto com o denso verde das reas de

    Apesar de se apresentar como o mais importante refgio de biodiversidade da regio, o Mosaico de Unidades de Conservao de Carajs j se encontra em processo de

    estal de cerca de 12 000 (PAs) do INCRA alm

    dependentes da utilizao do comunidades s Unidades de

    florestal (Figura 1).

    apa do Mosaico de Carajs (em verde) rodeado por Projetos de Assentamento (em

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    A experincia ICMBIO no entorno do Mosaico de Carajs com as aes de preveno e controle de incndios nas comunidades

    Em 2004, o rgo ambiental federal responsvel pela gesto das Unidades de Conservao Federais4, a partir do Centro Especializado de Preveno e Combate a Incndios Florestais PREVFOGO5 iniciou um programa para preveno e controle de incndios nas Unidades de Conservao do Mosaico de Carajs, sendo um dos componentes deste programa um trabalho direcionado para as comunidades rurais.

    A partir de um diagnstico com o objetivo conhecer a realidade dos agricultores estabelecidos no entorno das Unidades de Conservao de Carajs, todas as comunidades localizadas nos limites das UCs ou em um raio de aproximadamente dez quilmetros foram visitadas. Em cada localidade foram feitas duas reunies, uma com as lideranas e outra com a comunidade a partir de mobilizaes prvias e realizadas entrevistas com a aplicao de questionrios para as lideranas comunitrias, institudas na forma de associaes, e tambm com agricultores estabelecidos nas comunidades e que estiveram presentes nas reunies.

    O primeiro diagnstico foi realizado em 2004, seguido de outros em 2005, 2006 e 2009, todos com o objetivo de compreender a situao scio-ambiental dos agricultores e a relao destes com o uso do fogo como ferramenta agrcola. Nos diagnsticos e nas aes desenvolvidas para preveno de incndios foi utilizada tcnica da vivncia nas comunidades, o que significa que a equipe envolvida precisava, necessariamente, vivenciar a realidade das comunidades rurais, convivendo com os agricultores e com a realidade local durante toda a atividade.

    Ento foi definida a rea de atuao, ou seja, as comunidades que iriam participar do trabalho, sendo que, a cada novo diagnstico a rea de atuao era revista contemplando a incluso de novas comunidades. Os critrios para incluso levaram em considerao a influncia das UCs nas comunidades ou das comunidades nas UCs e, principalmente, a

    4 At o ano de 2007, o IBAMA era o rgo responsvel por gerenciar as Unidades de Conservao institudas

    pela Unio. Em 2007, com a publicao da Lei Federal 11.516 de 28 de agosto de 2007, foi criado o Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade (ICMBio) que, dentre outras competncias, passou a ser o rgo responsvel pela gesto das Unidades de Conservao Federais, 5 Curiosamente, o PREVFOGO tinha como proposta original a preveno e combate a incndios florestais no

    interior de Unidades Conservao e, mesmo assim, com a criao do ICMBio, permaneceu na estrutura do

    IBAMA.

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    vontade e a organizao destas comunidades para aderirem ao projeto, fazendo a opo em reunies com os agricultores residentes.

    O programa de controle de incndios foi desenvolvido em 14 comunidades, sendo a maioria projetos de assentamento do INCRA (TABELA 1).

    TABELA 1 Comunidades que participaram do programa

    Comunidade Famlias Municpio rea (ha)

    1. PA Serra Azul 122 Marab 3.364

    2. PA Volta do Tapirap 272 Marab 20.608

    3. PA Volta Grande 201 Marab 14.256

    4. PA Cupu 205 Marab 8.090

    5. PA Maravilha 232 Marab 10.256

    6. APAIG 180 Parauapebas 21.000

    7. RACHA PLACA * 120 Cana dos Carajs 20.000

    8. PA Lindoeste 151 So Felix do Xingu 11.778

    9. PA Cosme e Damio 22 gua Azul do Norte 1.500

    10. PA dos Bandeirantes 113 Marab 4.500

    11. PA Rio Negro 70 So Felix do Xingu 3.097

    12. PA Antares 117 So Felix do Xingu 7.035

    13. PA Rio Par 183 So Felix do Xingu 4.279

    14. PA Santiago 61 So Felix do Xingu 5.228

    A ao do ICMBIO no entorno do Mosaico de Carajs para preveno e controle de incndios florestais nas comunidades

    Em funo da identificao de um alto percentual de utilizao do uso do fogo como ferramenta agrcola por parte dos agricultores, foi definido um processo de capacitao a partir de um curso em cada comunidade que aderia ao Programa. A realizao da queimada em grupo e com as tcnicas apropriadas diminui a chance de ocorrncia de um incndio florestal, mas o conhecimento terico precisa se adaptar realidade local. Alm

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    da capacitao em queimada controlada o curso inclui tcnicas de primeiro combate contra incndios florestais, noes de primeiros socorros, noes de organizao social e a demonstrao de experincias de agricultura alternativa ao desmatamento e queimadas.

    Os cursos eram organizados em trs dias, incluindo o treinamento prtico e ministrados pelo ICMBIO, em parceria com VALE, o corpo de bombeiros e a FETAGRI Federao dos Trabalhadores na Agricultura e cada comunidade visitada recebeu um conjunto de equipamentos necessrios realizao de queimadas controladas e tambm ao combate de incndios florestais.

    Um dos problemas identificados foi a individualizao no uso do fogo o que dificulta a aplicao das tcnicas referentes queimada controlada. Por isto foi proposto que cada comunidade visitada formasse um grupo para se responsabilizar pela organizao das queimadas naquela localidade. Os prprios agricultores inscritos para o curso se tornavam a base para formao do grupo citado, que elegia trs dos seus membros para exercer a coordenao. So responsabilidades do Grupo de Queimada Controlada: estabelecer um calendrio de queima, mobilizar o pessoal para realizar as queimadas em mutiro, garantir a manuteno e a guarda do material recebido e garantir a aplicao das tcnicas apresentadas.

    A ata de formao do grupo era aprovada em reunio aberta na prpria localidade, sendo legitimada pela associao da comunidade e pelo ICMBIO. O trabalho no grupo totalmente voluntrio no implicando em remunerao por parte de qualquer parceiro envolvido.

    Nas comunidades com grupos de queimada controla constitudos eram realizados anualmente acordos coletivos para definio das regras e compromissos a serem adotados para o uso do fogo. Os acordos servem para mediar conflitos e tambm para adequar a tcnica realidade local para que seja exeqvel. Construdos coletivamente com a participao da comunidade e da equipe do ICMBIO, contriburam para o processo de autorizao das queimadas.

    Alm de garantir a utilizao das tcnicas apresentadas, os acordos devem definir parmetros como o nmero mnimo de agricultores por queimada, o perodo apropriado para a queima (horrio do dia e poca do ano), os tipos de vegetao permitidos, a rea mxima a ser autorizada e at a finalidade das queimadas. O Grupo de queimada controlada se tornava responsvel em garantir o cumprimento dos acordos comunitrios.

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    Outra premissa foi o compromisso do rgo ambiental com a emisso de autorizaes de queimada controlada para os agricultores que aderiam ao projeto. A partir do primeiro diagnstico ficou evidente que a falta de autorizao no era empecilho para a realizao das queimadas. Mais de 90% dos entrevistados utilizavam o fogo sendo que a maioria destes (acima de 70%), o fazia anualmente. O principal motivo identificado para a queima era a implantao de roas de subsistncia (acima de 70%).

    Com estes resultados assumiu-se que a emisso das autorizaes no poderia incentivar o uso do fogo, pelo contrrio, poderia contribuir para o controle do mesmo no processo de queima. Contudo, apesar de diminuir o risco de incndios, a queimada realizada de forma controlada mais onerosa e demanda um processo de organizao por parte da comunidade, sendo importante uma contrapartida do rgo que apresentava a proposta. Assim as autorizaes foram emitidas para garantir o cumprimento dos acordos estabelecidos e para respaldar os agricultores na realizao das queimadas controladas. Ao final de cada ano era realizado um trabalho de monitoramento para verificar o efetivo cumprimento dos acordos. Como a equipe executora deste projeto ficava baseada em Parauapebas, (300 km de distncia de algumas comunidades) todo o processo de capacitao, emisso de autorizaes, fiscalizao e monitoramento dos acordos de uso do fogo, somente era possvel devido ao deslocamento constante da equipe at as comunidades, o que a representou maior presena do rgo ambiental na regio.

    Avaliao da do Programa Em uma queimada controlada o nmero de focos de calor captados pelo satlite

    muito menor quando comparado com um incndio florestal. Nesse sentido o nmero de focos de calor um indicativo importante sobre a efetiva realizao das queimadas controladas e da diminuio de incndios florestais.

    Com o objetivo de testar a efetividade do programa de preveno e combate a incndios florestais no entorno do Mosaico de Carajs, foi feita uma avaliao do nmero de focos de calor registrados entre 2006 e 2010 pelo satlite NOA 12 (passagem noturna) nos locais onde houve o trabalho e em comunidades prximas onde no foi feito o mesmo trabalho, estabelecendo-se dois grupos para comparao, um com preveno e outro sem preveno. Buscou-se a maior semelhana possvel entre os grupos nos critrios de localizao, rea e nmero de famlias, considerando que, mesmo sem a realizao dos diagnsticos scio ambientais no grupo sem a ao de preveno as condies de vida e trabalho no devem diferir de forma significativa. Ento se calculou a mdia de focos de

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    calor por famlia, dividindo o nmero total de focos no perodo pelo nmero de famlias informado pelo INCRA em cada comunidade e a mdia de focos de calor por hectare calculando o nmero de focos pela rea de cada comunidade. (TABELAS 2 e 3)

    No grupo sem preveno o nmero absoluto de focos de calor e a mdia por hectare foram cerca de 50% maiores. J a mdia de focos por famlia foi dobro. Alm disto, a linha de tendncia demonstra ascenso onde no houve preveno em contraponto estabilidade demonstrada nas comunidades assistidas pelo programa indicando sucesso em relao preveno de incndios florestais nas comunidades trabalhadas (FIGURA 2).

    A Outra anlise realizada diz respeito ao nmero de focos de calor entre 2006 e 2010 nas UCs que compe o Mosaico de Carajs, nos municpios de Marab e Parauapebas e no estado do Par (TABELA 4).

    Percebe-se a partir destes dados uma linha de tendncia descendente para as UCs do Mosaico de Carajs, em contraponto tendncia ascendente percebida no estado do Par demonstrando sucesso do programa na proteo das UCs do Mosaico de Carajs (FIGURA 3).

    TABELA 2 Focos de calor nas comunidades rurais do entorno do Mosaico de Carajs onde no houve trabalho de preveno contra incndios florestais

    COMUNIDADES 2006 2007 2008 2009 2010 Total geral

    PA ARAPARI 11 38 20 37 53 159 PA CABANAGEM 6 7 3 3 19 PA CARLOS FONSECA 7 7 10 24 PA ESTRELA DO NORTE 9 12 3 3 9 36 PA FRUTO 9 25 9 19 42 104 PA OESTE 2 22 5 5 25 59 PA PALMARES 11 7 2 3 15 38 PA PALMARES SUL 37 19 17 16 15 104 PA RIO CINZA 4 23 6 13 17 63 PA SUDOESTE 33 93 49 68 120 363 Total de focos de calor 129 246 118 167 309 969 FOCO DE CALOR POR FAMILIA 0,4 FOCO DE CALOR POR HECTARE

    0,009

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    TABELA 3 Focos de calor nas comunidades rurais do entorno do Mosaico de Carajs onde houve trabalho de preveno contra incndios florestais

    COMUNIDADES 2006 2007 2008 2009 2010 Total geral

    PA DOS BANDEIRANTES 4 15 7 1 7 34 PA LINDOESTE 13 14 12 10 20 69 PA MARAVILHA 19 11 12 5 23 70 PA CUPU 18 11 12 6 23 70 PA RIO NEGRO 4 12 5 7 8 36 PA RIO PARA 4 12 11 6 16 49 PA SANTIAGO 13 6 26 7 7 59 PA SERRA AZUL 4 4 6 4 7 25 PA VOLTA DO TAPIRAP 41 23 39 15 39 157 PA VOLTA GRANDE 23 14 25 15 20 97 APA do Igarap Gelado 8 4 2 0 2 16 TOTAL DE FOCOS DE CALOR 151 126 157 76 172 682 FOCO DE CALOR POR FAMILIA 0,2 FOCO DE CALOR POR HECTARE

    0,006

    FIGURA 2 Grfico do nmero de focos de calor com linha de tendncia nas comunidades rurais do entorno do Mosaico de Carajs.

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    50

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    350

    2006 2007 2008 2009 2010N

    MER

    O D

    E FO

    CO

    S D

    E C

    ALO

    R

    ANOS DE TRABALHO

    Nmero de focos de calor por ano

    SEM PREVENO

    COM PREVENO

    Linear (SEM PREVENO)

    Linear (COM PREVENO)

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    TABELA 4 Focos de calor nas UCs, no Mosaico de Carajs, municpios do entorno e no Estado do Par

    UC/LOCAL 2006 2007 2008 2009 2010 Total

    APA do I. Gelado 8 4 2 0 2 16 FLONA de Carajs 2 2 0 1 3 8 FLONA do T. Aquiri 21 5 0 1 0 27 Flona Itacainas 49 94 28 20 23 214 REBIO do Tapirap 8 1 1 0 2 12 Mosaico 88 106 31 22 30 277 Marab 1119 982 738 437 982 4258 Parauapebas 99 183 63 50 243 638 Par 27677 36261 21684 29812 41067 156501

    FIGURA 3 Grficos do nmero de focos de calor por ano com linha de tendncia no Par e no Mosaico de Carajs

    Apesar de observarmos uma melhora no processo de utilizao do fogo, a dependncia do mesmo se manteve, sendo a falta de alternativa ao uso do fogo para a prtica agropecuria, o principal motivador das queimadas nas comunidades trabalhadas. Alm da falta de alternativa, identificou-se tambm a precariedade da infra-estrutura nos assentamentos como um importante motivador para a agricultura dependente do uso do fogo. Especialmente a falta de energia e de estradas pressiona os agricultores para o desenvolvimento da pecuria com a substituio das reas de floresta e de roa por pasto. Assim, verificou-se uma limitao objetiva do rgo ambiental para a mudana da realidade da agricultura de corte e queima.

    Com este resultado o ICMBIO direcionou esforos para a aproximao dos

    0

    10000

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    50000

    Par

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    Mosaico

    Mosaico

    Linear

    (Mosaico)

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    agricultores com os rgos responsveis pela infra-estrutura, especialmente as prefeituras

    municipais e o INCRA. Um resultado objetivo deste direcionamento do trabalho foi a formao do conselho

    consultivo da Reserva Biolgica do Tapirap que conta com a participao das representaes das comunidades circundantes, do INCRA e das prefeituras municipais de Marab e So Felix do Xingu, sendo um dos objetivos deste conselho debater a sustentabilidade do entorno da REBIO.

    O processo de compreenso da realidade local demonstrou empiricamente a insustentabilidade da agricultura a base do fogo com a substituio da rea de floresta por capim. Os pequenos agricultores que adotam este modelo de forma mais agressiva so os primeiros a se depararem com sua inviabilidade e acabam vendendo os lotes, geralmente para posseiros em condies de estabelecer a pecuria sem depender da agricultura, o que faz o com que haja nas comunidades rurais destinadas reforma agrria um processo informal de concentrao de terras.

    Assim os modelos de agricultura alternativa ao uso do fogo se mostram importantes para a diminuio das queimadas e, consequentemente, do risco de incndios, mas tambm para viabilizar o processo de ocupao das terras por agricultores familiares e dar conseqncia a prpria reforma agrria. Contudo, estas alternativas demandam assistncia tcnica e infra-estrutura nas localidades atualmente isoladas.

    Em todas as comunidades, tentou-se incentivar a agricultura alternativa ao desmatamento e queimadas. Este incentivo variou muito de acordo com as diferentes realidades, mas podemos dizer que na maioria das localidades ficou restrito apresentao de experincias sustentveis e informao sobre projetos de financiamento para este tipo de iniciativa.

    Destacamos a comunidade rural da APA do Igarap Gelado (APAIG) onde houve efetivamente um processo de substituio do uso do fogo pela mecanizao atravs do apoio da Prefeitura Municipal de Parauapebas, da mineradora VALE e do ICMBIO. Alm da mecanizao houve na APAIG a implantao de projetos de Sistema Agroflorestais, criao de peixes e de pequenos animais sem a utilizao do fogo como ferramenta agrcola.

    Para acessar os benefcios da mecanizao e dos projetos citados, os agricultores deveriam assumir o compromisso de permanecer por pelo menos seis anos sem desmatar ou queimar na sua propriedade. Sem dvida, esta experincia reduziu drasticamente as queimadas e incndios florestais na APAIG onde a inteno de queima em 2004 era de

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    86% dos agricultores entrevistados. Por ser uma unidade de conservao administrada pelo ICMBIO foi possvel identificar o nmero exato de queimadas realizadas, sendo que a partir de 2006 o percentual anual de agricultores que efetivamente utilizaram o fogo foi menor que 5%.

    Concluso

    O trabalho de carter scio-educativo para o controle de queimadas no entorno do Mosaico de Carajs se apresenta como alternativa fiscalizao ostensiva para os rgos ambientais alcanarem resultados satisfatrios na preveno de incndios, investindo em trabalhos voltados para a sustentabilidade e pautados na parceria com as comunidades, demonstrando que a estratgia da presena rotineira e da educao ambiental deve ser considerada para a reduo das queimadas em reas de floresta no Brasil e da reduo dos ilcitos ambientais como um todo. Nossa experincia demonstra que aes de comando e controle no bastam para resolver os problemas ambientais. Trabalhos de longo prazo e continuados de educao ambiental, fortalecimento da organizao social e de capacitao produtiva podem fornecer resultados mais consistentes e duradouros do que a aplicao de uma verdadeira pedagogia do trauma.

    A maioria dos agricultores est preocupada com a diminuio das reas verdes dos lotes, que seriam pequenas reservas de mato e capoeira dentro das unidades familiares. Entretanto, a preocupao em sustentar a famlia supera a primeira questo. A experincia

    com as comunidades do entorno do Mosaico de Carajs demonstrou claramente a aceitao dos agricultores s alternativas sustentveis quando estas se apresentam de forma concreta. Por isto, os rgos governamentais vinculados reforma agrria, agricultura familiar e proteo ambiental devem investir em alternativas produtivas que sejam compatveis com a conservao da natureza.

    Outra questo central na busca da sustentabilidade da agricultora familiar de forma geral e especificamente no controle das queimadas a organizao. Os ncleos voltados para o controle da queimada nas comunidades, chamados de grupos de queima controlada foram fundamentais para os resultados obtidos. Por isto, o apoio voltado para a organizao dos agricultores dentro dos assentamentos e comunidades rurais deve ser considerado como prioridade em qualquer programa ou ao a ser desenvolvida nestas localidades.

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    Agradecimentos Ao Centro Nacional Especializado de Preveno e Combate a Incndios Florestais, o Prevfogo/ IBAMA, pela minha formao na preveno e combate a incndios florestais; Aos Analistas e Tcnicos Ambientais do IBAMA e do ICMBIO que ajudaram a construir e que deram continuidade ao Programa de Preveno e Combate a Incndios Florestais do Mosaico de Carajs; Aos Pequenos Agricultores, moradores do entorno do Mosaico de Carajs, por acreditarem no programa e pela luta para produzir em seus lotes sem prejudicar a natureza; Ao Raimundo Faanha, por me apresentar a realidade do Entorno do Mosaico de Carajs e pelas lies sobre a vivncia em campo; Ana Canut, pelo levantamento da srie histrica dos Focos de Calor apresentados neste trabalho; Andrea Carvalho, pelo apoio na anlise dos dados e reviso do trabalho; Ao Fabiano Gumier Costa, pela orientao e Ao Professor Jos Pedro, pelo empenho em tornar realidade o curso de especializao em Educao Ambiental em Marab.

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