artigo modelo

12
1. INTRODUÇÃO A velhice constitui um período de grandes mudanças nos planos biológico, psicológico e social, bem como no plano das relações pessoa- mundo. Estas mudanças exigem ao idoso um es- forço de adaptação às novas condições de vida. Pela profunda alteração a diferentes níveis, e pe- lo esforço que a personalidade terá de fazer para se adaptar, trata-se de um momento de risco para o equilíbrio e Bem Estar psicológicos da pessoa idosa (Pinheiro & Lebres, 1998). O genérico dos trabalhos que têm vindo a ser realizados acerca da pessoa idosa tem focado es- sencialmente questões inerentes a perdas e défi- ces neste grupo etário. De facto, segundo Barreto (1998) até há alguns anos os vários autores que se debruçavam sobre a psicologia da idade avançada mostravam tendência para: (a) Privilegiar os as- pectos cognitivos em relação aos demais; (b) Focar essencialmente perdas e défices; (c) For- mular normas genéricas mais do que descrever tipos e variações; (d) Esquecer a continuidade en- tre a época da senescência e as que a precedem. Actualmente, tal visão pessimista dá lugar a uma orientação mais realista e construtiva. O en- velhecimento não ocorre de forma estanque em todos os indivíduos: Enquanto uns tendem a apresentar padrões habituais de envelhecimento que reflectem alterações típicas da idade, outros tendem a alcançar um elevado nível de funciona- mento nos domínios físico, psicológico e social, em que apenas alguns sinais típicos da mudança ocorrem. Segundo Paúl (1991) estas diferenças podem explicar-se à luz da combinação de facto- res genéticos, pessoais e ambientais. Apesar de errada, há uma tendência para pen- sar a velhice como universal, devendo-se tal talvez ao facto de esta se inscrever no ciclo bio- lógico natural de todo o ser humano: nascimento, crescimento e morte. No entanto, é complicado falar da velhice dentro de um quadro geral, uma vez que ninguém envelhece de uma maneira ou ao mesmo ritmo. A velhice é um processo inelutável caracteri- zado por um complexo conjunto de factores fi- siológicos, psicológicos e sociais específicos de cada indivíduo. Assim, se o processo de envelhe- cimento é normal e universal as alterações cau- sadas pelo envelhecimento desenvolvem-se a um ritmo diferente de pessoa para pessoa depen- dendo de uma multiplicidade de factores internos e externos (Schroets & Birren, 1980). Evidencia-se, assim, quão difícil é sustentar uma uniformidade no processo de envelhecimen- 505 Análise Psicológica (2002), 3 (XX): 505-516 O bem estar da pessoa idosa em meio rural ARMÉNIO SEQUEIRA (*) MARLENE NUNES SILVA (**) (*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis- boa. (**) Psicóloga Clínica.

Upload: 842203966

Post on 25-Jul-2015

10 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Artigo modelo

1. INTRODUÇÃO

A velhice constitui um período de grandesmudanças nos planos biológico, psicológico esocial, bem como no plano das relações pessoa-mundo. Estas mudanças exigem ao idoso um es-forço de adaptação às novas condições de vida.Pela profunda alteração a diferentes níveis, e pe-lo esforço que a personalidade terá de fazer parase adaptar, trata-se de um momento de risco parao equilíbrio e Bem Estar psicológicos da pessoaidosa (Pinheiro & Lebres, 1998).

O genérico dos trabalhos que têm vindo a serrealizados acerca da pessoa idosa tem focado es-sencialmente questões inerentes a perdas e défi-ces neste grupo etário. De facto, segundo Barreto(1998) até há alguns anos os vários autores que sedebruçavam sobre a psicologia da idade avançadamostravam tendência para: (a) Privilegiar os as-pectos cognitivos em relação aos demais; (b)Focar essencialmente perdas e défices; (c) For-mular normas genéricas mais do que descrevertipos e variações; (d) Esquecer a continuidade en-tre a época da senescência e as que a precedem.

Actualmente, tal visão pessimista dá lugar a

uma orientação mais realista e construtiva. O en-velhecimento não ocorre de forma estanque emtodos os indivíduos: Enquanto uns tendem aapresentar padrões habituais de envelhecimentoque reflectem alterações típicas da idade, outrostendem a alcançar um elevado nível de funciona-mento nos domínios físico, psicológico e social,em que apenas alguns sinais típicos da mudançaocorrem. Segundo Paúl (1991) estas diferençaspodem explicar-se à luz da combinação de facto-res genéticos, pessoais e ambientais.

Apesar de errada, há uma tendência para pen-sar a velhice como universal, devendo-se taltalvez ao facto de esta se inscrever no ciclo bio-lógico natural de todo o ser humano: nascimento,crescimento e morte. No entanto, é complicadofalar da velhice dentro de um quadro geral, umavez que ninguém envelhece de uma maneira ouao mesmo ritmo.

A velhice é um processo inelutável caracteri-zado por um complexo conjunto de factores fi-siológicos, psicológicos e sociais específicos decada indivíduo. Assim, se o processo de envelhe-cimento é normal e universal as alterações cau-sadas pelo envelhecimento desenvolvem-se aum ritmo diferente de pessoa para pessoa depen-dendo de uma multiplicidade de factores internose externos (Schroets & Birren, 1980).

Evidencia-se, assim, quão difícil é sustentaruma uniformidade no processo de envelhecimen-

505

Análise Psicológica (2002), 3 (XX): 505-516

O bem estar da pessoa idosa em meiorural

ARMÉNIO SEQUEIRA (*)MARLENE NUNES SILVA (**)

(*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis-boa.

(**) Psicóloga Clínica.

Page 2: Artigo modelo

to, como se se chegasse a um estádio do ciclo vi-tal em que se esbatem as diferenças individuais.É falso pensar nos idosos como num grupo ho-mogéneo de indivíduos caracterizado por umadiminuição das capacidades vitais, bem comodos recursos sociais e económicos.

Muitas são as formas de se ser velho, impor-tando perceber que existem idosos e idosos e que,qualquer um deles carrega consigo a sua históriade vida, determinada tanto pelo seu patrimóniogenético como pelo seu património psicossocial.De facto, e tal como afirmam Lima e Viegas(1988, p. 149) «Se a velhice é o destino biológicodo homem, ela é vivida de forma muito variávelconsoante o contexto em que se inscreve».

É de sublinhar que, apesar de o envelhecimen-to ser acompanhado por alterações a diferentesníveis, qualquer dos défices físicos, psicológicose sociais podem ser atenuados ou incrementadospelo contexto em que o idoso se inscreve.

Então, muito embora se observe a existênciade factores limitantes relacionados com a idade,eles não afectam senão modestamente a capaci-dade de reestruturação e manutenção da saúdeintelectual e mental da pessoa idosa que se so-corre de estratégias apropriadas. Tais capacida-des não dependem tanto da idade que o indiví-duo tem, quanto do contexto sócio cultural emque se insere.

Assim sendo, as diferentes formas de estar esentir só são compreensíveis na perspectiva docurso de vida e da consequente relação do idosocom o seu cenário actual.

Defendendo que à medida que a pessoa enve-lhece as suas capacidades de adaptação vão di-minuindo, Lawton (1983), refere que o idoso setorna mais sensível ao meio ambiente, meio quese torna um agente relevante na promoção do seuBem Estar.

Parece então de fundamental interesse estudara influência do contexto na Satisfação de Vidado idoso, na medida em que só a partir da análisetransaccional da unidade ecológica pessoa/ambi-ente podemos compreender o Bem Estar subjec-tivo de idosos que vivem em diferentes cenários,sendo que cada cenário ambiental dita de formaúnica a experiência do envelhecimento.

Há que pensar na pessoa idosa com programasde vida e acções intencionais, vivendo e agindoem cenários ambientais concretos e temporais.

Tal visão enquadra-se na perspectiva ecológi-

co/ambiental da velhice, que defende uma psico-logia das pessoas nos seus cenários de vidareais, dotada de validade ecológica por possibi-litar a compreensão das transacções entre osprocessos psicológicos e as acções humanas, e oscontextos e cenários quotidianos em que elas sedesenrolam (Soczka, 1993).

A este propósito Paúl (1991) afirma que o con-ceito de velhice bem sucedida só faz sentido nu-ma perspectiva ecológica, considerando o indiví-duo no seu contexto actual e passado, no quadrode uma relação dialéctica entre as pressões am-bientais e as suas capacidades adaptativas.

Carp (1987) afirma que a problemática ambi-ental é reconhecida como muito importante emgerontologia. Uma das mais relevantes aborda-gens da relação pessoa idosa/ambiente vem daequipa de Lawton do Centro Geriátrico de Phila-delphia. Conduzindo inúmeras pesquisas nestecampo, sistematizam toda a informação no Mo-delo Ambiental de Lawton e Nahemow (1973).

Para Lawton a Satisfação de Vida resulta daeficaz interacção do indivíduo com o meio emque se insere. O modelo ecológico considera ocomportamento num dado contexto, implicandoque o desempenho do indivíduo seja visto comoo resultado de uma transacção com o meio, emque a força relativa do indivíduo e do meio seconcertam.

Para este autor todo o comportamento é tran-saccional, isto é, não pode ser entendido combase em apenas uma variável, mas em funçãodas variáveis presentes, só sendo compreensívelna dinâmica das relações pessoa/ambiente. Sen-do que:

- O aspecto mais importante dos traços com-portamentais está resumido no termo «Com-petência» manifesta em áreas como a saúdebiológica, a capacidade sensório perceptiva,as capacidades motoras e cognitivas.

- O ambiente é definido tendo em conta oconceito de «Pressão» visto como um de-terminado potencial de exigência para qual-quer indivíduo (define-se individualmenteesta pressão através das exigências que fazàs capacidades físicas, psíquicas e sociaisdos indivíduos quer do ponto de vista real,quer subjectivo).

Para qualquer nível de competência existemníveis de pressão que podem tornar o comporta-

506

Page 3: Artigo modelo

mento e o afecto mal adaptados, do mesmo mo-do que, para um nível de competência muito bai-xo existem valores de pressão ambiental capazesde promoverem um comportamento adaptado eum afecto positivo.

De nada vale tentar caracterizar um ambientese não for tida em conta a pessoa que nele se ins-creve. As características ambientais podem fun-cionar tanto como barreiras, como facilitadoresde determinado comportamento, dependendodas características de cada sujeito específico.

É, pois, importante encontrar e proporcionarao indivíduo idoso um ambiente que, no respei-tante às exigências pessoais não peque por ex-cesso nem por defeito, pois a adaptação tem aver com princípios homeostáticos: A pressãoambiental não pode ser nem maior (o que exigi-ria demais) nem menor (o que levaria ao subesti-mar de competências) do que aquela que o indi-víduo está habituado. Tal conduziria a um senti-mento de desconforto e à desadaptação.

Não obstante, a pressão ambiental percebidavaria de indivíduo para indivíduo, consoante assuas próprias competências para lidar com ela. A«hipótese da docilidade ambiental» veiculadapor estes autores, defende que à medida que di-minuem as competências o comportamento e osafectos vão sendo cada vez mais determinadospor factores externos ao indivíduo.

Os idosos, quando há declínio em algumascompetências, tendem a ser mais vulneráveis aoambiente do que os mais novos. O lado positivodesta maior vulnerabilidade prende-se com apossibilidade de promover melhorias a nívelpessoal, realizando maior adaptação ambiental.

Neste sentido, Paúl (1991) defende que a me-ta do trabalho desenvolvido na procura de inter-venções ambientais adequadas, encontra o seusentido na conceptualização de modelos teóricosdas transacções entre o meio e o indivíduo idoso,que assim permitam o desenvolvimento de pro-gramas que sejam abrangentes das privações edificuldades às quais a população idosa está se-lectivamente mais vulnerável. Segundo esta au-tora, no extenso conjunto das variáveis que in-fluenciam o Bem Estar psicológico dos idososdestacam-se as vertentes subjectivas que incluema percepção que o idoso tem do seu ambiente e acongruência com o mesmo, afirmando a impor-tância da adequação pessoa/meio. Quando estase verifica, o idoso pode manter a sua Satisfação

de Vida independentemente de critérios externosconsiderarem o meio pouco favorável.

A maioria dos trabalhos que tem vindo a serdesenvolvidos em torno das temáticas afectas aoidoso, têm focado essencialmente as perdas e dé-fices neste grupo etário. No presente trabalhoprocurou-se uma outra visão: Ao invés dos fac-tores inerentes ao declínio, a nossa atenção re-caiu sobre os factores inerentes à Satisfaçãonum grupo de residentes em meio rural.

A opção pelo meio rural pareceu-nos relevan-te, uma vez que, atendendo ao aumento da urba-nização, quando se coloca a questão da influên-cia da experiência territorial e ambiental a nívelpessoal e social todos os esforços se dirigem àavaliação das consequências de tal fenómeno apartir da vivência da cidade.

Poucos são os estudos por nós encontrados emrelação aos contextos rurais. Seria importantemodificar esta situação, não só devido ao signi-ficativo número de idosos que envelhece em am-bientes rurais, mas também porque estamosperante cenários com características específicasque ditam de forma única a experiência de nelesenvelhecer.

2. MÉTODO

2.1. Participantes

Participaram neste estudo 40 sujeitos, dosdois sexos, com idades compreendidas entre os65 e os 75 anos, inclusive. Para a sua selecçãotivemos em atenção:

- Idade compreendida entre os 65-75 anos;- Ambos os sexos;- Residência em meio rural: A escolha do

local teve em conta alguns critérios básicosde definição do espaço rural, tais como onúmero de habitantes a densidade popula-cional, a concentração de edifícios e o sec-tor de actividade predominante.

- Residência em comunidade, para não dei-xar intervir os efeitos da institucionalizaçãoao nível da Satisfação de vida.

Para que os participantes seleccionados res-peitassem estes critérios seguiu-se o método daamostragem acidental por conveniência, incluin-

507

Page 4: Artigo modelo

do todos os sujeitos que, preenchendo os crité-rios de inclusão, se disponibilizaram a participarno estudo. Com o objectivo de melhor os carac-terizar, considera-se pertinente descrever de for-ma mais específica o contexto residencial emque estão inseridos, uma vez que cada contextoresidencial revela particularidades importantes.

2.1.1. A especificidade do contexto...

Para a concretização do presente estudo esco-lhemos o Concelho de Mação, o qual cumprecritérios básicos de definição de espaço rural:

- Aglomerados populacionais de fraca den-sidade populacional:

Com uma área de 400 km2, e um total de 9811 habitantes, o concelho de Mação tem umadensidade populacional de 24.7 hab/Km2, valorque está bastante aquém da média registada parao distrito de Santarém (67,7 hab/km2).

O número total de habitantes está distribuídopelas 8 freguesias que constituem o concelho:Abobreira (680 hab.), Amendoa (8841 hab.),Cardigos (1471 hab.), Carvoeiro (947 hab.), En-vendos (1571 hab.), Mação (2 467 hab.), Ortiga(706 hab.) e Penhascoso (1 128 hab.) (Censos1991).

De acordo com o Instituto Nacional de estatís-tica, a população residente no concelho tem vin-do a diminuir progressivamente nos últimosanos: de 12 234 habitantes em 1981 baixou paraos referidos 9 811 em 1991. a esta constataçãojunta-se outra porventura mais grave, a actualpopulação encontra-se bastante envelhecida:Cerca de 34% tem mais de 65 anos (dos quaismetade acima dos 75 anos), enquanto que os jo-vens até aos 24 anos não vão alem dos 21.7%.Mação apresenta um dos índices de envelheci-mento mais elevados do país.

- Predomínio de actividades do sector pri-mário:

Economicamente o concelho assenta na agri-cultura e na pecuária (em regime de minifúndio),encontrando-se ainda em desenvolvimento asindústrias alimentar e de madeira.

- Ténue humanização da paisagem:A paisagem envolvente é a de serras cobertas

de olivais e pinhais, aldeias de xisto e a quietude

das águas das ribeiras. A este propósito, os ido-sos inquiridos referem frequentemente um antigoditado popular que afirma Mação como a terrados 3 «ás»: «Bons ares, boas águas e bons azei-tes.»

Em termos geográficos o concelho de Maçãopertence ao distrito de Santarém e á diocese dePortalegre. Fundamentalmente Beirão, este con-celho integra-se, para fins estatísticos na unidadeterritorial do Pinhal Interior e, no que respeita aoordenamento turístico, é parte da região de tu-rismo dos Templários, Floresta Central e Albu-feiras. Mação encontra-se no vértice de 3 re-giões: Beira Baixa, Ribatejo e Alentejo, a 77 Kmde Santarém e a 170 Km de Lisboa.

As características do concelho são marcadaspela influência das zonas que o rodeiam. As ser-ras e os vales são característicos das Beiras, doRibatejo herdou os pratos típicos, a arquitecturae as festas populares e, do Alentejo adoptou acultura de oliveiras, sobreiros e castanheiros.

A influência de diferentes culturas e tradiçõesdeu aos habitantes uma personalidade especial:tranquilos como os alentejanos, alegres como osribatejanos e identificados com a terra como osbeirões.

Em termos de habitabilidade a maioria dasfreguesias deste concelho dispõe de electricida-de, água, esgotos e saneamento básico.

Como principais equipamentos verifica-seque a maior parte das aldeias destas freguesiasdispõem de escola primária (ainda que muitasdas vezes desactivada por falta de crianças que afrequentem), igreja ou capela e clube recreativoou café, sendo estes os principais pontos de en-contro e convívio da população residente.

As principais faltas denotam-se em termos decuidados de saúde, já que o Centro de Saúde sóconta com 5 extensões que funcionam apenas emdias e horas específicas, e também a nível detransportes públicos, já que há apenas um circui-to de camioneta que percorre o concelho, passan-do apenas nas aldeias que rodeiam a estradaprincipal.

Em termos recreativos e culturais as activida-des mais praticadas são as de carácter tradicio-nal: os bailes, os jogos de salão e os convívios.Estes últimos dão-se muitas vezes nos bares das

508

Page 5: Artigo modelo

colectividades onde as pessoas se juntam. Deno-ta-se ainda, em toda a população, uma fortecomponente religiosa, sendo a missa semanal e oterço também eles oportunidades não só de rezarcomo de convívio e encontro.

Por todas as características apresentadas, no-meadamente o elevado índice de envelhecimentoe o consequente peso da população idosa em re-lação à população geral, Mação apresentou-secomo um local pertinente para a recolha dos 40sujeitos participantes neste estudo. Sendo quedestes:

- 60% pertenciam ao sexo feminino, 40% aosexo masculino. O que vem de encontro àsactuais tendências demográficas (maior pro-porção feminina com a idade);

- 60% pertenciam à faixa etária 71-75 anos,40% à faixa etária 65-70 anos, o que parececorroborar a tendência para o próprio enve-lhecimento da população idosa;

- 74% eram casados, 22.5% viúvos e apenas2.5% solteiros, não se verificando nenhumcaso de divórcio;

- 47.5% não tinham qualquer escolaridade,47.5% frequentaram o ensino básico, 2.5%frequentaram o ensino secundário e 2.5% osuperior. Trata-se portanto de um nível deescolaridade predominantemente baixo, es-pelho de uma cultura que ainda se mantémpredominantemente oral.

2.2. Instrumentos

Foi com base num questionário, já construídoe por nós adaptado aos nossos participantes, e naEscala de Ânimo de Lawton, indicador de Satis-fação de Vida, especificamente construída para apopulação idosa, que se desenvolveu o presenteestudo, através do qual se apuraram as caracte-rísticas de um total de 40 sujeitos residentes nummeio rural, a sua Satisfação de Vida e factoresque a influenciam.

2.2.1. O Questionário

Seguindo uma orientação ecológica, a organi-zação do estudo teve em conta factores físicos doambiente, pretendendo-se um entendimento des-tes na relação com factores sociais e pessoais, le-

vantados através de um questionário adaptadopara o meio rural com o objectivo de se conse-guir uma linguagem mais simples e acessível àpopulação em questão. Procurando-se a recolhade informações acerca das características demo-gráficas (sexo, idade, estado civil...), factores ob-jectivos (número de filhos, pessoas com quemvive, tempo de residência no meio...) e caracte-rísticas subjectivas (percepção da situação eco-nómica, estado de saúde, contacto com a família,nível de convívio e actividade percepcionados,gosto de residir na casa e no meio, aspectos ne-gativos e positivos percepcionados no meio emotivos de preocupação e satisfação na velhice).Tudo num total de 22 questões, 16 fechadas e 6abertas.

2.2.2. A Escala de Ânimo: «Philadelphia Ge-riatric Centre Morale Scale»

Esta Escala, construída por Lawton especifi-camente para a população idosa, encontra-setraduzida e aferida para a população portuguesapor Paúl. Avalia 3 aspectos do Bem Estar psico-lógico dos idosos:

- Solidão/Insatisfação: Informação acerca daavaliação subjectiva do ambiente e do apoiodas redes sociais.

- Atitudes face ao próprio envelhecimento:Assumindo-se como o resultado de um ba-lanço entre a vida passada e a presente.

- Agitação: Corresponde a manifestaçõescomportamentais de ansiedade, à sua au-sência ou a um gradiente dessa componen-te.

2.3. Procedimento

A passagem dos dois instrumentos utilizados,Questionário e Escala de Ânimo, foi realizadanum só momento e em contexto individual. OQuestionário antecedeu sempre a passagem daescala.

Dado o grande volume de população analfa-beta neste meio, optámos por ler nós próprios,explicando previamente a cada idoso que seria oinvestigador a registar por escrito as respostasdadas.

Seguindo esta forma de procedimento, numaprimeira fase foi efectuado um pré-teste a 7 su-

509

Page 6: Artigo modelo

jeitos, na faixa etária dos 65-75 anos, todos re-sidentes na área rural pretendida, no sentido dese averiguar a aplicabilidade e compreensibilida-de dos instrumentos. Este pré-teste evidencioualgumas dificuldades de compreensão ao níveldo questionário que determinaram a sua refor-mulação.

Após a pré-testagem dos instrumentos, pas-sou-se à fase de aplicação. Esta decorreu nos lo-cais descritos, durante os meses de Março, Abrile Maio de 2000, nomeadamente aos fins de se-mana.

No sentido de se garantir que a escolha dosparticipantes fosse o mais homogénea e aleatóriapossível no que diz respeito às variáveis em estu-do, a recolha ocorreu em diversas aldeias doconcelho.

Os sujeitos foram contactados durante os seustempos livres, quando se encontravam calma-mente sentados à soleira das suas portas, costu-me muito apreciado nesta região. Este pareceu--nos ser o contexto privilegiado, quer do pontode vista da receptividade à interacção, quer noque se refere à possibilidade da aplicação decor-rer em privacidade.

A passagem dos instrumentos teve uma dura-ção aproximada de 30 a 40 minutos, não se tendoverificado nenhum caso em que o sujeito, sendoabordado, se tenha recusado a participar. Muitopelo contrário, superada uma certa dificuldadeinicial, todos os sujeitos apresentaram grandedisponibilidade e afabilidade.

3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOSRESULTADOS

Para a discussão dos resultados encontradosparece-nos fundamental partir da questão inicial,seguindo-se, para cada variável estudada, a aná-lise da sua influência no Bem Estar dos idososinquiridos.

Quanto à questão inicial, segundo a qual seprocuram analisar «Quais os níveis de Bem Estarde idosos residentes em meio rural», os resulta-dos encontrados na Escala de Lawton revelam:

- Níveis médios de Bem Estar em termos dototal da escala (7.07 num total de 14);

- Níveis médio/altos na subescala de Soli-dão/Insatisfação (2.90 em 5);

- Níveis médios na subescala de Agitação(2.20 em 4);

- Níveis médio/baixos na subescala de Atitu-des Face ao Próprio Envelhecimento.

Estes resultados vão ao encontro da pers-pectiva defendida por Rowles (1984) ao indicaros meios rurais como contextos privilegiados deenvelhecimento, defendendo neles diversas van-tagens, entre as quais: (a) o facto do contexto fí-sico dos meios rurais permanecer estável durantelongos períodos de tempo, sendo as mudançasimplementadas gradualmente, o que possibilitaàs pessoas maior familiaridade com o meio; (b)ritmo de vida mais lento, mais favorável aos ido-sos cujos tempos de reacção possam estar lenti-ficados, proporcionando maior inclinação para acalma do que para as trocas sociais rápidas efragmentadas; (c) maior estabilidade populacio-nal proporcionando a manutenção dos laçosafectivos, maior contacto, maior rede de vizi-nhança que dita maior apoio prático, emocional epsicológico.

A este propósito, o mesmo autor afirma que omais importante benefício da residência em meiorural é o sentido de identidade, o sentimento deser-se conhecido que tal contexto promove. Defacto, apesar de alguma separação espacial, osdomínios rurais podem constituir-se como am-bientes privilegiados pela promoção de redes derelação em que cada indivíduo conhece os no-mes, vida, saúde dos outros membros da comu-nidade, reduzindo o potencial perigo de anoni-mato e alienação.

Vão neste sentido os resultados encontradosem termos das subescalas de solidão/insatisfaçãoe agitação. Na verdade, e segundo Hespanha(1993) podem estar presentes, nos ambientesrurais, verdadeiras redes de suporte social cons-tituídas por vizinhos, familiares e amigos, refor-çando a integração social. Estes laços sociaisexercem uma função protectora difusa de impor-tantes efeitos sobre a estabilidade emocional e oBem Estar dos mais idosos. Também Rowles(1984) defende a mesma posição ao afirmar apresença em meios rurais, de uma matriz rela-cional que dita uma estrutura de apoio, um sen-tido de obrigação para outros membros da comu-nidade. Tratando-se de um meio social estávelem termos de regras e normas sociais, que forne-ce modelos de comportamento específicos e es-

510

Page 7: Artigo modelo

táveis, sendo a mudança lenta. Haveria, portanto,normas de conduta definidas e aceites por todos,servindo de suporte às relações entre os indiví-duos.

Os resultados obtidos na Escala de Lawtonparecem estar em concordância com a defesafundamental de Rowles (1984) quando afirmaque as características intrínsecas aos meios ruraisoferecem um ambiente mais contentor e de su-porte quando as competências pessoais começama declinar.

Tal constatação é particularmente importantese se tiver em conta, de acordo com Lawton(1973), que à medida que diminuem as compe-tências o comportamento e os afectos vão sendocada vez mais determinados por factores exter-nos ao indivíduo.

Em termos do Modelo Ambiental de Lawton eNahemow (1973), os resultados encontrados pa-recem apontar para um adequado nível de adap-tação entre os idosos inquiridos e o seu meio,meio este que parece permitir um adequado nívelde desempenho.

No entanto, a questão do ajuste ambiental temque ser relativizada, uma vez que, e no parecerdo próprio Lawton, ela envolve um complexomultidimensional de atributos e variáveis, querno que respeita ao ambiente, quer no que respei-ta ao indivíduo. A questão da adaptação tem aver com princípios homeostáticos.

A pressão ambiental não pode ser nem muitoalta, nem muito baixa em relação aquela que oindivíduo está habituado, tal conduziria a umsentimento de desconforto e à desadaptação.Não obstante, a pressão ambiental que é percebi-da varia de indivíduo para indivíduo, consoanteas suas próprias competências para lidar com ela.Assim, tudo o que é possível afirmar é que os in-divíduos inquiridos denotaram uma adaptaçãosatisfatória ao meio onde estão inseridos, propor-cionada não só pelas características já enuncia-das desse meio, mas também por factores ineren-tes aos próprios indivíduos inquiridos, que se re-flecte em níveis médios de Satisfação de Vida,para os totais da escala de Animo, sendo poucofrequentes os sentimentos de Solidão/Insatisfa-ção e de Agitação.

Algo de diferente é sugerido pelos resultadosda subescala de Atitudes face ao Próprio Enve-lhecimento, na qual os indivíduos inquiridos re-velam níveis baixos de satisfação. Tais resulta-

dos parecem sofrer influência de certas atitudessociais mais discriminatórias. A este propósitoBerger (1995) afirma que as atitudes negativasda sociedade face à velhice e aos idosos são, emparte, responsáveis pela imagem negativa queeles possam ter de si próprios. A velhice é mui-tas vezes tida como uma doença incurável, comoum declínio inevitável.

Ainda segundo a mesma autora, é bom ter emconta que os idosos são extremamente sensíveise vulneráveis à opinião dos outros e à atençãoque estes dão aos seus feitos e gestos.

Desta forma, um grande número de idosos en-dossa, sem questionar, as etiquetas que lhe sãoatribuídas. Acreditam nisso de tal forma que aca-bam por se conformar identificando-se com aimagem que a sociedade lhes confere. Este últi-mo aspecto é particularmente visível nas últimasduas questões do questionário. Quando interro-gados acerca dos aspectos positivos e negativosda velhice, os idosos interrogados refugiaram-semuito em ideias partilhadas socialmente (ex:«Isto para velho é sempre a piorar, não tem nadade bom»).

Em relação à nossa segunda questão de inves-tigação, «Que elementos se constituem comomais importantes para importantes para o BemEstar destes idosos?», a análise estatística reve-lou, para um nível de significância de 5%, os se-guintes elementos:

3.1. Estado Civil

Em termos do estado civil a grande maioriados idosos inquiridos são casados (75%), ouviúvos (22.5%), não se registando qualquer casode divórcio, pouco usual neste meio, dominadopor uma forte religiosidade e um sentido de queo matrimónio é indissolúvel.

Mesmo o número de idosos solteiros é muitobaixo, apenas um, o que nos levou a considerar,em termos de análise estatística, apenas dois gru-pos: Casados e viúvos.

Verificaram-se diferenças significativas entrecasados e viúvos, apresentando o grupo de ido-sos casados menos sentimentos de Solidão/Insa-tisfação, avaliando subjectivamente mais positi-vamente o ambiente e o apoio das redes sociais,bem como um ânimo significativamente maiselevado, apresentando níveis mais elevados deBem Estar do que os viúvos. Estes resultados es-

511

Page 8: Artigo modelo

tão de acordo com os encontrados noutras inves-tigações, nomeadamente a de Paúl (1991) quan-do aferiu para a população Portuguesa a Escalautilizada neste trabalho. Também Chatters (1988,cit. Paúl, 1996) chegou a conclusões semelhan-tes, afirmando que a situação de casado é umpreditor de Bem Estar.

A este propósito, Neto (1999) afirma a impor-tância das relações conjugais para os mais ido-sos, defendendo que estas têm tendência para setornarem mais igualitárias, o que dita uma relati-va igualdade que pode proporcionar apoio mútuoe partilha flexível. A morte do cônjuge constituium dos maiores traumas com que se deparam aspessoas idosas, suscitando vários tipos de per-das: corte nos laços emocionais profundos, desa-parece a principal companhia nas actividadesquotidianas, emerge uma perda económica.

São assim de realçar os resultados encontra-dos, apontando para maiores níveis de Bem Es-tar, menos sentimentos de Solidão/Insatisfação eaté uma tendência, não significativa estatistica-mente, para uma atitude mais positiva face aoenvelhecimento por parte do grupo de idosos ca-sados face aos viúvos.

3.2. Contacto com a família

Na sequência do que foi referido anteriormen-te, é possível afirmar que a maioria dos sujeitosinquiridos percepciona o contacto com a famíliacomo frequente (45%), ou até muito frequente(40%), sendo uma minoria os idosos que referi-ram um contacto pouco frequente com a família(15%).

O contacto com a família revela-se importanteem termos da Satisfação de Vida destes idosos.O grupo que percepciona um contacto muito fre-quente com a família revela uma atitude maispositiva face ao próprio envelhecimento do queo grupo que afirma ter pouco contacto com a fa-mília, revelando um balanço mais positivo entrea vida passada e a presente.

Tais resultados vão ao encontro do estudo deNeto (1999) o qual revela que é particularmenteimportante para o idoso continuar a manter for-tes laços emocionais e a comunicar regularmentecom a família.

Percepcionar um baixo nível de contacto comfamiliares próximos, nomeadamente filhos, po-de, nesta perspectiva, contribuir para um certo

desânimo, que, no nosso estudo se exprimiu soba forma de um balanço mais negativo relativa-mente à vida presente.

Também Horley (1984) afirma que a partici-pação familiar é um preditor importante de BemEstar subjectivo do idoso.

3.3. Pessoas com quem vive

Apesar das várias categorias de resposta pos-síveis, a baixa frequência de respostas em algu-mas delas, levou ao agrupamento dos idosos in-quiridos: idosos a viverem sozinhos (20%) e ido-sos a viverem acompanhados (60%), tendo-severificado diferenças estatisticamente significa-tivas entre estes dois grupos, nomeadamente aonível da subescala de Solidão/Insatisfação e dostotais da Escala de Animo.

Assim, os sujeitos que vivem acompanhadosdiferem muito significativamente (p=0.005) dosque vivem sozinhos, revelando menos senti-mentos de solidão/Insatisfação, apresentando ní-veis de satisfação superiores neste domínio. Di-ferenças estas que também estão presentes ao ní-vel dos totais da Escala de Ânimo (p=0.02),apresentando o grupo que vive acompanhado, ní-veis mais elevados de Bem Estar.

De facto, vários são os idosos a referir a im-portância do cônjuge e dos filhos na sua vida,afirmando sentirem-se acompanhados e segurospor saberem que eles existem. Situação inversaocorre ao nível de muitos viúvos/viúvas que re-ferem a tristeza sentida pelas casas vazias, pelasrefeições passadas a sós, falando de saudade e detemor face à possível situação de doença ou dedependência.

3.4. Situação Económica

Quanto à situação económica percepcionada,a maioria dos idosos afirma-a como média(67.5%) ou boa (25%), sendo que apenas 7.7% areferem como má. Esta variável demonstrou serde grande importância para os idosos inquiridos,exercendo influência ao nível da sua Satisfaçãode Vida. Influência esta que é encontrada tantoao nível dos resultados totais da Escala de Âni-mo, como das 3 subescalas. O grupo que percep-ciona a sua situação económica como má revelamaiores níveis de Solidão/Insatisfação e de Agi-tação do que os grupos que indicam uma situa-

512

Page 9: Artigo modelo

ção económica média ou boa, revelando aindauma atitude mais negativa face ao envelhecimen-to e um ânimo inferior, bem como níveis maisbaixos de Bem Estar.

Estes resultados vão no sentido dos encontra-dos pelo projecto AGE (1990, cit. Neto, 1999)que sublinham a importância da segurança finan-ceira para os idosos. Por outro lado, interessa terem consideração que os idosos por nós inquiri-dos revelaram ter tido vidas extremamente difí-ceis, relatando grandes dificuldades e situaçõesde pobreza extrema que ultrapassaram com mui-to trabalho e sofrimento. A reforma tem, aqui,uma valência muito positiva, e é um dos aspec-tos positivos da velhice mais referidos pelosidosos, é «o dinheirinho certo ao final do mês»(sic), que lhes permite continuar a viver ao seuritmo, cultivando o seu quinhão de terra e tratan-do dos seus animais. Neste contexto, não pare-cem verificar-se os efeitos negativos commu-mente atribuídos à reforma: perda de status,destruturação psicológica pela ausência de roti-nas, diminuição dos rendimentos. Os nossos re-sultados parecem estar de acordo com as teoriasque defendem que o meio rural proporcionauma transição mais gradual para o estatuto deidoso, permitindo-lhe viver ao seu ritmo.

3.5. Estado de Saúde

O termo Saúde foi interpretado, na maioriados casos como um estado de bem estar físico,tendo dado origem a descrições relativamentedemoradas durante as entrevistas. A ideia que asquestões de saúde são muito importantes para osidosos inquiridos, começou, desde aí a ganharcontornos.

No entanto, a maioria dos idosos inquiridosprocuram posições centrais para caracterizarem asua saúde, afirmando que há quem esteja melhor,mas também há quem esteja pior. Assim, 55%afirmam a sua saúde como média, 22.5% comoboa e 22.5% como má, observando-se diferençassignificativas entre estes grupos, nomeadamenteao nível das atitudes face ao próprio envelheci-mento. O grupo que percepciona a sua saúde co-mo má revela uma atitude face ao envelhecimen-to mais negativa do que o grupo que afirma terboa saúde, revelando mais insatisfação. Estegrupo revela ainda maior tendência para a agita-

ção, ainda que esta não tenha assumido significa-do estatístico (p=0.08).

Verifica-se ainda que o grupo que percepcio-nou a sua saúde como boa tem valores médios deBem Estar superiores aos do grupo que se per-cepcionou com saúde média, o mesmo aconte-cendo entre este e o de má saúde.

Nos participantes do nosso estudo, as preocu-pações de saúde vêm-se acrescidas com a falta ea fraca acessibilidade aos serviços de saúde. Defacto, apontam, como principais aspectos nega-tivos do meio, a grande dificuldade na acessibi-lidade a serviços e recursos de cuidados médi-cos, afirmando não existirem por perto Centrosde Saúde, o que os obriga a grandes deslocações,dificultadas pela incipiente rede de transportespúblicos.

3.6. Actividade Diária

O nível de actividade é a questão central devários modelos teóricos, que fazem desta dimen-são uma das mais investigadas quando a questãoé a Satisfação de Vida dos mais idosos.

No presente estudo sobressai a importânciadeste factor. Os idosos inquiridos consideram-seessencialmente moderadamente activos (50%)ou até muito activos (32.5%). Apenas uma mino-ria referiu ser pouco activo (17.5%), justificandopara tal, essencialmente, razões que se prendemcom a falta de saúde e incapacidade. Quandoanalisada a influência desta variável no BemEstar, verificam-se diferenças significativas entreos grupos, quer ao nível das atitudes face ao pró-prio envelhecimento, quer ao nível dos totais daEscala de Ânimo.

O grupo que afirma ter pouca actividade reve-la uma atitude face ao envelhecimento mais ne-gativa do que os grupos moderadamente e muitoactivos, revelando estes últimos um balanço en-tre a vida passada e a presente mais positivo, oque decorre, provavelmente, do facto de ainda sesentirem activos, úteis e capazes, com todos osbenefícios que tal pode ter ao nível da auto-es-tima. Em termos totais, verifica-se ainda que ossujeitos pouco activos revelam um animo maisbaixo do que os sujeitos muito activos.

Constata-se assim que, para os idosos inqui-ridos, o nível de actividade tem influência na Sa-tisfação de Vida, sendo os sujeitos com mais

513

Page 10: Artigo modelo

actividade que apresentam níveis mais elevadosde Bem Estar.

Estes resultados vêm de encontro aos deMcClelland (1989), quando afirma que, nos ido-sos que parecem interagir com o grupo de paresda mesma idade, a actividade parece estar direc-tamente envolvida na manutenção da Satisfaçãode Vida. De facto, estar envolvido numa activi-dade é muito mais que preencher tempo. Tam-bém no presente estudo, o factor actividade pa-rece ser importante a vários níveis.

Para Harris e Boden (cit. Fisher & Shaffer,1993) a actividade é um factor de integração so-cial. A sua diminuição ou extinção pode levar aum afastamento crescente da sociedade envol-vente. Herzog, Markers, Frances e Holmberg(1988), por seu lado, defendem que o mecanis-mo pelo qual as actividades influenciam a Satis-fação de Vida se relacionam com o facto de po-tenciarem e manterem certas dimensões do selfque são benéficas. Assim, o envolvimento emactividades pode, de acordo com os referidos au-tores, por exemplo, promover o sentimento decapacidade, de controlo, de utilidade, asseguran-do a manutenção da auto-estima, o que foi parti-cularmente visível no nosso estudo.

Os resultados por nós encontrados, adequam--se às teorias que postulam que para o idoso es-tar bem adaptado, deve sentir-se e manter-seactivo, deve ser estimulado pelo meio e fazerparte do que se passa à sua volta. O ambiente ru-ral no qual os idosos estão inseridos parece pre-encher esta importante função, proporcionando--lhes um nível de actividade minimamente ade-quado às suas competências e necessidades, per-mitindo-lhes continuar activos, de acordo com oseu ritmo.

Este último aspecto é particularmente visívelno Tipo de Actividades desempenhadas por estesidosos.

3.7. Tipos de actividades

Como fonte de informação complementar, opresente estudo procurou identificar quais os ti-pos de actividades exercidas pelos idosos inqui-ridos. Apesar de não ser possível avaliar estatis-ticamente qual a influência de cada uma delas naSatisfação de Vida, a leitura qualitativa não dei-xa de ter a sua pertinência.

Verifica-se que são as actividades ocupacio-

nais (ex: agricultura e pecuária) e as actividadesde manutenção doméstica, as mais referidas,aparecendo também outro tipo de actividadesmais viradas para o lazer e para o convívio, bemcomo questões religiosas.

Os elevados níveis de actividade verificados,mesmo em situação de reforma, vêm de encontroàs teses de Hespanha (1993) quando refere quesó na sociedade urbano-industrial foi estabeleci-do o limite da idade activa. No meio rural, o su-jeito apesar de receber a sua reforma, costumamanter um nível de actividade semelhante aoque desempenhou toda a vida. A maior disponi-bilidade de tempo permite-lhe a dedicação auma actividade produtiva exercida por contaprópria, nomeadamente na agricultura e pecuá-ria, muito referidas pelos idosos inquiridos.

A actividade, essencialmente agrícola ou pe-cuária no meio rural, é mantida até que seja pos-sível a autonomia motora, pois a maioria dosidosos possui um talhão de terra que cultiva, aoseu próprio ritmo, mantendo o nível de activi-dade de acordo com as suas competências epossibilidades (há idosos com grandes explora-ções agrícolas e há idosos que afirmam já só se-rem capazes de cuidar do próprio quintal). Estamanutenção da actividade permite aos sujeitosnão só participarem activamente na vida da co-munidade, partilhando interesses e motivações,como também manterem o seu sentimento decompetência, de utilidade, de capacidade, facto-res essenciais à promoção da satisfação de Vida.

Viver na sua própria casa é outro aspecto queparece fundamental para os idosos em questão,na medida em que referem valorizar muito a suaindependência, preferindo manter-se em sua casado que em casa de familiares ou num lar, o mes-mo ocorrendo em relação ao meio onde residem,do qual todos os idosos referiram não querer sair.Paúl (1991) sublinha a importância desta ques-tão, afirmando que todos os processos de ligaçãoà casa e ao meio permitem aos idosos manter oseu eu para além de todas as mudanças por queestão a passar. De facto, a permanência no meioe local de residência habitual parece reduzir orisco de possíveis desarmonias ecológicas, emque, por mudança profunda do ambiente que orodeia, a interacção se pode desequilibrar.

Afigura-se importante referir a possível liga-

514

Page 11: Artigo modelo

ção das variáveis mencionadas em termos da si-tuação de relativa independência e auto-sufici-ência que promovem, aspectos estes de impor-tância fundamental para os idosos inquiridos.Quando questionados acerca dos aspectos positi-vos da velhice referem a importância da estabili-dade financeira e de se manterem independentes,referindo o medo que têm face à situação de per-da de capacidades e de dependência.

Parece assim surgir, tal como o indiciado pelaliteratura revista, uma certa atitude de funciona-lidade da existência por manutenção da autono-mia. Apesar de reconhecerem no meio a existên-cia de redes de suporte social, estes idosos recor-dam um passado marcado por situações de po-breza, fome, injustiças e confrontos políticos.Memórias muito presentes que contribuem paraa tal sensação, criada ao longo das suas vidas, desó contarem com as suas mãos e o seu trabalhopara fazer face às necessidades com que se depa-ram. O envelhecimento pode tornar-se assusta-dor, antecipadamente a qualquer défice, por pôrem causa a manutenção do estatuto autónomo,económica e fisicamente, que permite realizar asactividades necessárias e a permanência na pró-pria casa.

Face a este perigo, o conjunto de variáveis in-fluentes no Bem Estar deste grupo de idosos re-sidentes em meio rural, indica claramente a im-portância da manutenção do seu estatuto socialfuncional e autónomo. A preocupação em nãoconstituírem um peso familiar, associado à cons-tatação da distância que, por vezes, os separa dosfamiliares; o facto de mesmo os amigos já teremuma idade avançada, uma vez que o conjunto dapopulação residente neste meio é bastante enve-lhecido; aliados à preocupação pela não existên-cia de recursos apropriados, pelo menos em ter-mos de saúde e transportes, para que possampermanecer independentes e auto suficientes naiminência de dificuldades futuras, determina quea situação de doença, de quebra da estabilidadeeconómica e viuvez se tornem extremamentepreocupantes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Barreto, J. (1988). Aspectos psicológicos do envelheci-mento. Psicologia, 6 (2), 159-170.

Fisher, L., & Shaffer, K. (1993). Older volunteers. Aguide to research and pratice. Newbury Park: SagePublications, Inc.

Herzog, A., Markers, H., & Holmberg, D. (1998).Activities and well-being in older age: Effects ofself-concept and educational attainment. Psycholo-gy and Aging, 13 (2), 179-189.

Hespanha, M. (1993). Para além do estado: A saúde e avelhice na sociedade providência. Porto: Afronta-mento.

Horley, J. (1984). Life satisfaction, hapiness and mo-rale: Two problems with the use of subjectivewell-being indicators. The Gerontologist, 24 (2),203-209.

Lawton, M., & Nahemow, L. (1973). Toward an ecolo-gical theory of adaptation and aging. Environmen-tal Design Research, 1, 24-32.

Lawton, M. (1983). The varieties of well-being. Experi-mental Aging Research, 9 (2), 159-170.

Lawton, M. (1984). Human behavior and environment,advances in theory and research, vol 7. ElderyPeople and the Environment. New York: PlenumPress.

Lawton, M. (1985) Housing ando living environmentsof older people. In R. Binstock & E. Shenes (Eds.),Handbook of aging and social science, 2nd ed.New York: Van Noshrand Company.

Lima, A., & Viegas, S. (1988). A diversidade culturaldo envelhecimento: A construção social da catego-ria de velhice. Psicologia, 6 (1), 149-158.

McClelland, K. A. (1982). Self conception and life sa-tisfaction: Integating aged subculture and activitytheory. Journal of Gerontology, 37, 723-732.

RESUMO

O presente trabalho que tem por quadro de referên-cia o Paradigma Ecológico-Ambiental da velhice, sus-tentado no Modelo ambiental de Lawton, procuraaveriguar «Quais os níveis de Bem Estar de um grupode idosos residentes em meio rural», tentando aindaidentificar «Que variáveis se constituem como maisimportantes para o Bem Estar destes idosos». Consti-tuiu-se para tal uma amostra de 40 pessoas residentesem meio rural (concelho de Mação), às quais foi soli-citada resposta a um questionário adaptado para o efei-to e à Escala de Ânimo de Lawton. Os resultados evi-denciaram a existência de níveis médios de Bem Estar,apontando para uma adequada relação idoso/meio.

Palavras-chave: Bem estar, pessoa idosa, meio ru-ral.

ABSTRACT

The Ecological Paradigm of old age and particular-ly Lawton’s Ecological Model are these study frame-

515

Page 12: Artigo modelo

works. We intended to know the levels of Psychologi-cal Well-Being of rural elderly and to identify whichare the most important variables of PsychologicalWell-Being in these elderly. Our sample consisted of40 rural people (living in Mação) who completed thePortuguese version of the Philadelphia Geriatric Cen-

ter Morale Scale and a questionnaire designed by us.Our results show medium levels of PsychologicalWell-Being, pointing to a suitable relation between theelderly and the environment.

Key words: Well-Being, elderly, rural.

516