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O TELEJORNALISMO E OS EXAGEROS DO GÊNERO Maria Zaclis Veiga Ferreira 1 Universidade Positivo RESUMO As condições que atrelam o telejornalismo, no Brasil, ao poder instituído e ao uso de regras que o colocam como gênero, fazem com que o caráter de verdade da notícia se dilua no espetáculo televisivo. O objetivo deste trabalho é discorrer sobre o uso exagerado dos elementos estéticos, técnicos e ideológicos no telejornalismo que acabam por resultar em uma deformação na intenção do jornalismo e na redução das possibilidades de participação política da população. Palavras-chave: telejornalismo, espetáculo, participação ABSTRACT The conditions that harness the television journalism, in Brazil, to the set up power and to the use of rules that put it like type, do so that the real character of the piece of news is diluted in the television show. The objective of this work is to talk about the exaggerated use of the aesthetic, technical and ideological elements in the television journalism that turn again in a deformation in the intention of the journalism and in the reduction of the means of political participation of the population. Keywords: Television Journalism, political participation, television show 1 Maria Zaclis Veiga Ferreira é jornalista, fotógrafa e professora da Universidade Positivo. É mestre em Multi- meios pela UNICAMP e doutoranda em Comunicação pela Universidade Trás-os-Montes e Alto D’ouro, Portu- gal. É autora dos livros Telejornalismo e Violência Social e Visões de Ponta Grossa - Mosteiro da Ressurreição e organizadora do livro Entrevista Coletiva 3 - Jornalistas Portugueses, todos editados pela Pós-Escrito.

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As condições que atrelam o telejornalismo, no Brasil, ao poder instituído e ao uso de regras que o colocam como gênero, fazem com que o caráter de verdade da notícia se dilua no espetáculo televisivo. O objetivo deste trabalho é discorrer sobre o uso exagerado dos elementos estéticos, técnicos e ideológicos no telejornalismo que acabam por resultar em uma deformação na intenção do jornalismo e na redução das possibilidades de participação política da população.

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  • O telejOrnalismO e Os exagerOs dO gnerO

    Maria Zaclis Veiga Ferreira1 Universidade Positivo

    resumOAs condies que atrelam o telejornalismo, no Brasil, ao poder institudo

    e ao uso de regras que o colocam como gnero, fazem com que o carter de verdade da notcia se dilua no espetculo televisivo. O objetivo deste trabalho discorrer sobre o uso exagerado dos elementos estticos, tcnicos e ideolgicos no telejornalismo que acabam por resultar em uma deformao na inteno do jornalismo e na reduo das possibilidades de participao poltica da populao.

    Palavras-chave: telejornalismo, espetculo, participao

    abstractThe conditions that harness the television journalism, in Brazil, to the

    set up power and to the use of rules that put it like type, do so that the real character of the piece of news is diluted in the television show. The objective of this work is to talk about the exaggerated use of the aesthetic, technical and ideological elements in the television journalism that turn again in a deformation in the intention of the journalism and in the reduction of the means of political participation of the population.

    Keywords: Television Journalism, political participation, television show

    1 Maria Zaclis Veiga Ferreira jornalista, fotgrafa e professora da Universidade Positivo. mestre em Multi-meios pela UNICAMP e doutoranda em Comunicao pela Universidade Trs-os-Montes e Alto Douro, Portu-gal. autora dos livros Telejornalismo e Violncia Social e Vises de Ponta Grossa - Mosteiro da Ressurreio e organizadora do livro Entrevista Coletiva 3 - Jornalistas Portugueses, todos editados pela Ps-Escrito.

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    A televiso foi implantada no Brasil em 1950 e se firmou em uma hegemonia empresarial com caractersticas familiares.

    Presente em 37 milhes de residncias no pas, a televiso, devido menor penetrao da cultura impressa, expressa e reflete a cultura brasileira por meio de uma rede que compartilha notcias e entretenimento em todo o territrio. Com mais de 350 emissoras nacionais em 8 redes de televiso aberta (Globo, Bandeirantes, SBT, Record, Cultura, CNT, Educativa e Rede TV!), a indstria est ativa e rende lucros crescentes.

    O telespectador, por sua vez, fica merc das tcnicas de construo de uma informao cada vez mais veloz, superficial e padronizada.

    Feita para todos e, portanto, para ningum em particular, a programao da TV construda sem levar em considerao os valores culturais especficos de cada regio que atende, e consumida sem que se perceba essa desvalorizao. (VEIGA, 2002, p.48).

    O espao cotidiano passa a absorver as regras de comportamento ditadas pela TV. As tendncias so retroalimentadas diariamente e a televiso passa a legitimar aquilo que construiu como padro social.

    O telejornalismo faz parte dessa cadeia de construo e repetio de padres por meio de regras estabelecidas que reduzem os fatos por conta da superficialidade com que eles so tratados.

    Dentro dessas regras esto as tcnicas, as estticas e as ideolgicas. Essas trs, quando tomadas como fragmento e isoladas do contexto em que a notcia se insere, moldam a informao e quando so articuladas de forma exagerada, deformam o fato.

    Na busca pela perfeio tcnica o tempo determinante na estrutura da notcia televisiva. Nem sempre dado o tempo necessrio para transmitir a informao, mas, sim, o estabelecido pela grade de programao.

    O tempo curto exige do reprter a capacidade de condensar e ser objetivo. Na maioria das vezes notcias importantes e repletas de desdobramentos so apresentadas em aproximadamente 2 minutos. A fala do entrevistado condensada em mdia entre 20 e 40 segundos. voz do ator social se sobrepem a voz ou o discurso textual construdo pelo jornalista.

    Nessa construo h uma importante aliada: a imagem. A imagem, inclusive, credita ao telejornal um carter de verdade. No imaginrio comum o acontecimento que passou na televiso ressoa socialmente e absorvido como realidade. O universo passa a ficar reduzido aos acontecimentos que a imprensa cobre. E a sociedade comea a fazer a leitura das estruturas sociais a partir das falas dos reprteres contratados pelas empresas jornalsticas.

    E como empresas, os conglomerados de comunicao seguem a lgica de mercado, com estruturas complexas, buscando ou tentando manter o poder conquistado. Essas estruturas fazem com que em um zapping pelos telejornais tudo seja muito parecido

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    e padronizado. Os gestos, comportamentos, modo de falar, segurar o microfone, caminhar em frente cmera, etc. e todo o conjunto de regras que conduzem o enunciado televisivo so um conjunto de expresses convenientes padronizadas que vo atingir o telespectador.

    O telejornal, ao utilizar esses modelos, tem como argumento um produto agradvel para o telespectador. Mas o exagero, sob os rtulos de cuidado e capricho, transforma os telejornais em belos depositrios de uma realidade construda.

    Andr Parente cita Jean Baudrillard, que, ao analisar a transmisso da guerra da Romnia em dezembro de 1989, diz: o cinema pode ser definido como a encenao da fico como realidade enquanto a televiso, que pretende encenar a realidade como realidade, de fato a encenao da fico como fico. (PARENTE, 1993, p.147).

    A informao nessa televiso reducionista se perde pelo tom emocional, usado em benefcio do espetculo.

    Alguns elementos contribuem para que o telespectador compreenda o telejornal como um depositrio da realidade. A data, a hora, as entradas ao vivo, o tempo real caracterizam ou oferecem caractersticas de realidade. O est acontecendo agora coloca o telespectador diante de uma caixa da verdade. Porm as regras da construo da informao deixam, muitas vezes, as matrias isoladas, como se nada as sustentasse antes, ou no houvesse repercusses provocadas por sua apresentao.

    Na notcia construda, o controle do discurso nega ao agente a veracidade da informao que no interessa, que possa apresentar discursos destoantes com o da empresa, que no tem contornos prprios para a televiso, que no permite imagens interessantes, que extrapola do tempo determinado mas que muitas vezes essencial para a construo da histria, para a contextualizao, para que a informao no seja somente um punhado de fragmentos que contam parte dos acontecimentos como se fossem o todo.

    O telejornal no s produz e veicula informao em forma de discurso, mas, ao interferir no discurso do sujeito entrevistado, tira-lhe a essncia, transformando-o em uma espcie de mmica do relato.

    A construo da informao passa a ter um papel mais importante do que a prpria realidade. Essa inverso de valores compromete a inteno do telejornalismo de divulgar, informar e servir, pois a deforma e molda conforme os objetivos da empresa, do editor, do reprter, do cinegrafista.

    A encenao passa a fazer parte da realidade, onde se reproduz a entrega de uma carta, a fila de sopa, o trabalho do entrevistado. Existe um autor que determina o ngulo, o melhor momento, a melhor fala, a cena, a construo da informao e a melhor seqncia, independente da linearidade temporal, no respeitando a construo lgica do entrevistado.

    Em meio a essa construo da notcia, existem as preocupaes estticas. Na busca pelo conjunto esttico perfeito, o telejornalismo vai enfatizar o encontro entre o apresentador e o espectador, ao invs de reprter e tema. Esse encontro, que no primeiro momento parece representar a busca de uma afinidade visual,

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    reduz-se a um jogo de cena, no qual o texto, a colocao de voz, o uso de recursos grficos, a roupa e a aparncia dos apresentadores, e o cenrio so as formas de representao que reduzem a informao. (VEIGA, 2000, p.47).

    O reprter deve se preocupar com sua aparncia. Cabelos despenteados, dentes manchados de batom, gravatas tortas, camisas manchadas de suor so elementos discordantes, no aceitos na tela do veculo que reproduz a moda.

    Os olhos penetrantes do apresentador que fita o telespectador ora srio, ora alegre, dependendo do assunto; a voz modulada que faz uso de tons claros para notcias alegres, ou escuros para as tristes; a padronizao do sotaque; os gestos; o movimento durante a troca de cmera, etc., so efeitos procurados pelo apresentador, e treinados at que se atinja a tcnica perfeita. Como na apresentao teatral, onde o narrador d o tom do sentimento que ir inundar a platia, o apresentador elemento importante na apresentao da notcia e na reao do pblico a ela.

    No livro Introduo Anlise do Teatro, Jean-Pierre Ryngaert afirma que preciso organizar a histria de tal modo que, mesmo sem os ver, aquele que pretende narrar os atos que se realizam estremea e seja tomado de piedade diante dos acontecimentos que sobrevm. (1995, p.15) Esse efeito, segundo o autor, produzido atravs do espetculo, requer apenas os meios de encenao. Diante da cmera, o apresentador encontra esse meio.

    fala dos entrevistados, outros elementos se somam: imagens, trilhas sonoras e recursos grficos.

    O cenrio outro ponto importante na identificao do receptor com a informao transmitida. Ao permitir que o telespectador entre na redao que fica aparente atrs dos apresentadores, -lhe dado o referencial de que muitos trabalham para que ele, telespectador, seja bem informado. Conforme o horrio em que o telejornal vai ao ar o cenrio, assim como a roupa utilizada pelo apresentador, se relaciona com o tipo de telespectador para quem se faz aquele telejornal.

    Por isso, nos telejornais matutinos os cenrios so mais claros e informais e as roupas usadas pelos apresentadores podem ser casuais dentro dos conceitos de moda , enquanto os telejornais de esporte descartam o uso da gravata e permitem que o apresentador que, geralmente est em p, use camisas ou camisetas mais esportivas. J jornais da noite so mais formais, com cenrios mais escuros e os apresentadores mostram em seu figurino roupas mais clssicas, com direito a brinco de prolas e ternos escuros; assim o personagem/apresentador se caracteriza conforme as notcias, que so adaptadas a cada horrio, inteno e pblico.

    E, finalmente, a tcnica de organizao dos blocos dentro do telejornal e das notcias dentro dos blocos segue uma regra de marketing que tem como objetivo segurar o telespectador diante da televiso e da programao do canal. A estrutura de apresentao semelhante em todos os telejornais. As chamadas das matrias mais importantes se fazem no primeiro bloco, mas estas somente aparecero no ltimo bloco de notcias. O segundo e o terceiro blocos tm como funo prender o telespectador com notcias agradveis, engraadas, leves. A partir desse ponto, com o

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    telespectador acomodado diante do aparelho, so apresentadas as principais notcias do dia, encerrando com uma matria positiva, como regra.

    A televiso apresenta o mundo s pessoas, e o telejornalismo d crdito a essa apresentao por meio de seus recursos tcnicos, estticos e ideolgicos.

    O reprter faz a sua leitura dos fatos, o cinegrafista mostra o acontecimento por meio das suas interpretaes do mundo, o editor constri a notcia como um quebra-cabeas, no qual as informaes so dispostas dando prioridade, muitas vezes, melhor seqncia esttica, em detrimento da exposio da realidade. A informao selecionada e toda forma de seleo excludente. Ao selecionar uma notcia para a TV, levam-se em conta contedos de informao estratgicos ligados inteno da emissora e/ou sua (in)adequao tcnica.

    A cada um dos que trabalham a notcia dado o direito de recolher impresses sobre os acontecimentos vistos atravs de uma tica particular. O discurso pode colocar em risco o depoimento, quando a busca da melhor maneira de informar priorizada em detrimento do esclarecimento e do relato objetivo e linear.

    O reprter, como um indicador do melhor caminho para o entrevistado desavisado, pode conduzir as respostas, buscando aquelas que eram previsveis atravs da pauta. Reprteres e editores que no tm como prioridade a tica (por m-formao ou deformao de carter) podem induzir, conduzir, construir ou destruir respostas.

    A reportagem construda engana pela verossimilhana e que geralmente leva unanimidade e esta no permite que haja debate porque homogeneiza a informao. Nilson Lage afirma que a unanimidade como sistema tende a eliminar a crtica, e o livre debate passa a obedecer a restries mais rgidas do que as regras de uma luta japonesa de sum. (LAGE, 1998, p.377).

    A unanimidade alimentada por um jogo de interesses por trs das notcias e esse jogo permite, entre outras coisas, que os reprteres estejam nos locais certos nas horas certas.

    O texto no pode ser separado da impresso pessoal de quem o produz. Porm, a decorrncia dessa impresso e a intencionalidade do texto produzido interesses pessoais ou da empresa em detrimento do interesse pblico, preconceito, poder poltico ou econmico, necessidade de compreender e discutir questes sociais, inteno de enganar vo fazer a diferena. E, em alguns casos, o uso das palavras e das analogias possveis permite que seja transformado o sentido coletivo de algumas informaes.

    No Brasil, pequena parte da populao possui casa prpria, ganha mais que um salrio mnimo, tem assistncia mdica eficaz, desfruta de sistema de saneamento, tem vida confortvel. Pode-se colocar em pauta a discusso sobre mudanas sociais que transformem essas situaes, mas o que ocorre que essa parcela da sociedade perdeu espao e poder civil. So atores sociais que no conseguem adquirir o status de fonte porque no tm acesso aos produtores da notcia. dada preferncia s fontes oficiais que ditam o padro da informao.

    Outra influencia que o telejornalismo sofre a do hiper-realismo, quando parte da realidade pinada dela e tratada como um todo ou a realidade em si. O

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    momento separado do contexto real passa a ser notcia e o drama, o conflito entre os opostos, a luta entre o bem e o mal passam a ser usados. A linguagem usada nessas matrias repleta de evocaes emocionais e analgicas que podem alterar o sentido da informao construda.

    Lage (1998) observa que comum a mdia construir textos convenientes a partir de fatos verdadeiros.

    Esses textos convenientes (para adequar empresa; para fechar o tempo; para ganhar audincia; etc.) utilizam como base alguns elementos j aceitos pela sociedade, como, por exemplo: qualquer suspeita divulgada pela mdia se transforma em verdade no inconsciente coletivo; a vida pblica e privada se misturam em um mesmo contexto; o uso de fontes oficiais se transforma em verdade nica.

    Buscando interessar o telespectador, todo conjunto de matrias distribudo de maneira a alcanar um ponto de tenso, ao qual o telespectador ficar atento. Geralmente, o ponto de tenso no telejornalismo fica em torno dos 50 segundos, desde o incio da matria. Distribudos de maneira alternada, com espao de tempo para a compreenso das referncias, os pontos de tenso garantem um telespectador atento.

    Ao se discutir a influncia do drama, das polticas de poder vigentes, do controle de opinio e da interferncia do jornalista na construo da informao, busca-se compreender maneiras de permitir que o observador/receptor possa construir uma crtica, por meio da informao sobre o mundo, e das possibilidades que ele mesmo tem para transform-lo, se quiser, livrando-o das concluses que tomam o todo pelo particular.

    Mas, como pode esse observador ser conduzido a isso, se a informao, mesmo quando comprometida com a realidade, ainda uma fabricao?

    Considerando que, para obter xito em suas aes e pensamentos, o homem, baseado em conhecimentos anteriores, precisa selecionar, discernir, comparar, analisar e sintetizar, a qualidade das informaes transmitidas pela mdia deve permitir que o observador saia de sua posio passiva para a de um agente ativo e reflita ou num primeiro momento ou mais tarde, quando a imagem gravada em seu subconsciente poder remet-lo a consideraes sobre o assunto.

    Ciro Marcondes Filho (1988, p.52) fala sobre um segundo momento da notcia, no qual h uma elaborao pessoal de resultados, que poder levar mobilizao atravs dos multiplicadores de opinio. A notcia passa a ser reelaborada na hora do cafezinho, no ponto de nibus, etc. a partir de referenciais particulares de cada interlocutor.

    O exerccio da cidadania passa pela compreenso de quem o homem e do que pode fazer. Para uma compreenso plena, preciso que ele tenha uma experimentao reiterada, isto , aprenda e, posteriormente, tenha convico da necessidade e passe para a ao. Dessa forma, o homem informado capaz de tecer argumentos que legitimem a tomada de atitudes em busca de solues para os problemas que o atingem.

    A informao, matria-prima do telejornalismo, apresenta o mundo aos receptores. A partir dessa apresentao, o receptor tece uma cadeia de comparaes

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    que permitem estruturar a nova informao, compondo-a com outras j adquiridas e, depois, produzir modelos, simplific-los, adequ-los e compartilh-los.

    Quando compara, o homem reitera experincias, apia-se em valores e gera novas informaes. Dessa maneira, os dados transmitidos pelos noticirios ingressam nesse sistema, no qual h ampliao das informaes.

    Desse modo, atitudes nas quais os jornalistas se coloquem como mediadores sociais, ajudando na construo do conhecimento coletivo a partir de informaes do cotidiano, podem abrir espao para um saber dinmico e participativo. Jess Martn-Barbero diz que

    Comunicar foi e continuar sendo algo muito mais difcil e amplo que informar, pois comunicar tornar possvel que homens reconheam outros homens em um duplo sentido: reconheam seu direito a viver e a pensar diferente, e reconheam a si mesmos nessa diferena, ou seja, que estejam dispostos a lutar a todo momento pela defesa dos direitos dos outros, j que nesses mesmos direitos esto contidos os prprios. (2003, p.57-86).

    O poder conscientizador e mobilizador da imagem permite que o telejornalismo seja elemento importante na transformao das rotinas marginalizantes existentes e no processo de desenvolvimento da sociedade.

    Como meio de informao imprescindvel, a notcia veiculada deve ser clara, honesta e objetiva. O telespectador, ao se colocar diante da TV, deve ter condies de compreender o mundo por meio de elaboraes pessoais baseadas em sua histria de vida.

    Porm, as informaes, quando colocadas na frma do telejornalismo brasileiro (que foi construdo a partir das experincias norte-americanas), geram uma notcia tecnicamente correta, mas que desperdia um espao valioso para a construo de um saber participativo, por parte do receptor.

    A construo que busca atender aos caprichos das questes ideolgicas, tcnicas e estticas em detrimento da informao contextualizada e profunda, excludente.

    O receptor, por sua vez, gil quando encontra elementos para construir o saber, sucumbe quando excludo da roda de conhecimento e somente informado. Armado com informaes soltas sobre o cotidiano, no encontra maneiras de reagir, ou de compreender a necessidade de uma mobilizao, ou de seu valor enquanto agente transformador.

    Nesse universo, os sistemas de dominao continuam a existir com nova aparncia, pois continuam submetidos aos princpios de mercado e ideolgicos. Da mesma forma, h duas tendncias de atuao por parte do telespectador quando ele experimenta um sentimento de inquietao: a de acomodao, ou constrangimento; e a de desafio, ou mobilizao.

    A imprensa pode contribuir para a ampliao da reflexo, o que levaria a atitudes novas, diferentes, em termos mais fraternos e mais justos, exterminando o pessimismo e a passividade, retomando a confiana da humanidade em si

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    mesma e instaurando novos sistemas de valorao. Porm, ela no faz uso amplo e completo dessa possibilidade. Por questes tcnicas, estticas, polticas ou econmicas, o jornalismo, travestido de espetculo, exime-se. (VEIGA, 2002, p. 86)

    Cabe ao jornalista valorizar pautas que possibilitem a construo de um saber participativo por parte do telespectador, e no deixar-se influenciar pelo espetculo dos fatos intensos, pela facilidade que as informaes superficiais oferecem, pelos clichs que favorecem a construo da narrativa, pelas facilidades tcnicas que impem seu ritmo.

    A valorizao de pautas que geram a reflexo estimula no receptor a sua capacidade de fazer, de ser e transformar a realidade. Podem direcionar o olhar do receptor de televiso para os traos pertinentes que a percepo distrada e desarmada deixa escapar.

    Cabe tambm a esse profissional jornalista assumir como estratgias, dentre outras, debater sobre questes sociais; posicionar-se e cobrar ao das autoridades; tornar-se um canal de expresso da populao; desenvolver uma ao institucional que o coloque em contato com outros profissionais, para debater o papel da imprensa e o seu relacionamento com outros atores sociais. Michael Kunczik (2001, p.360) afirma que o jornalista tem uma obrigao extremamente importante com a sociedade em geral: exercer a crtica com base nos valores humanos fundamentais, no ideal da humanidade.

    O homem informado tem condies de compreender o mundo e se tornar mais participativo (ou imaginar que o ), Joan Ferres diz que: na democracia os sistemas mais eficazes para condicionar as decises das pessoas consiste em dar-lhes informaes que tenham incidncia sobre os seus conhecimentos e desejos (FERRS, 1998, p.157). Tendo acesso a informaes que permitam uma elaborao e retomada de postura o indivduo passa para a fase de tomada de decises. A tomada de decises baseada nas imagens mentais que o homem possui sobre a realidade os meios, principalmente a televiso, so os verdadeiros construtores das imagens mentais (FERRS, 1998, p. 157).

    A alternativa do telejornalismo, portanto, no deixar de lado a esttica ou as regras, e a renncia de informaes leves e que aparentemente servem somente para preencher a grade. Ele pode conquistar espaos e utilizar plenamente as margens deixadas para a liberdade criadora que construa informaes que sirvam como ponto de partida para a reflexo do espectador quanto s condies da sociedade contempornea, permitindo uma ampliao das noes de interesse coletivo, de solidariedade, de dignidade, de cidadania. Finalmente, esse movimento exige uma transformao das mentalidades, na qual a solidariedade seja complementada por um forte sentido pessoal.

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