artigo josÉ antonio paganella boschi

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ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO Direção Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz Conselho Desembargador Federal Victor Luiz dos Santos Laus Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik Coordenador Científico do Módulo de Direito Penal 2008 Juiz Federal José Paulo Baltazar Júnior Assessoria Isabel Cristina Lima Selau __________________________________________ CADERNO DE DIREITO PENAL - 2008 Organização – Divisão de Ensino Maria Luiza Bernardi Fiori Schilling Revisão – Divisão de Ensino Maria de Fátima de Goes Lanziotti Capa e Editoração – Divisão de Editoração e Artes Alberto Pietro Bigatti Artur Felipe Temes Erico da Silva Ferreira Rodrigo Meine Apoio Seção de Reprografia e Encadernação Contatos: E-mail: [email protected] Assessoria: (51) 3213-3040 Divisão de Ensino: (51) 3213-3041, 3213-3045 Divisão de Editoração e Artes: (51) 3213-3046 www.trf4.gov.br/emagis Currículo Permanente - Módulo IV - Direito Penal - 2008 José Antonio Paganella Boschi 2 ______________________________________________________________________________________________________

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Page 1: ARTIGO JOSÉ ANTONIO PAGANELLA BOSCHI

ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Direção Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz Conselho Desembargador Federal Victor Luiz dos Santos Laus Desembargador Federal Joel Ilan Paciornik Coordenador Científico do Módulo de Direito Penal 2008 Juiz Federal José Paulo Baltazar Júnior Assessoria Isabel Cristina Lima Selau __________________________________________

CADERNO DE DIREITO PENAL - 2008

Organização – Divisão de Ensino Maria Luiza Bernardi Fiori Schilling Revisão – Divisão de Ensino Maria de Fátima de Goes Lanziotti Capa e Editoração – Divisão de Editoração e Artes Alberto Pietro Bigatti Artur Felipe Temes Erico da Silva Ferreira Rodrigo Meine

Apoio Seção de Reprografia e Encadernação Contatos: E-mail: [email protected] Assessoria: (51) 3213-3040 Divisão de Ensino: (51) 3213-3041, 3213-3045 Divisão de Editoração e Artes: (51) 3213-3046 www.trf4.gov.br/emagis

Currículo Permanente - Módulo IV - Direito Penal - 2008 José Antonio Paganella Boschi

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Apresentação

O Currículo Permanente criado pela Escola da Magistratura do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região - EMAGIS - é um curso realizado em encontros mensais,

voltado ao aperfeiçoamento dos juízes federais e juízes federais substitutos da 4ª Região,

que atende ao disposto na Emenda Constitucional nº 45/2004. Tem por objetivo, entre

outros, propiciar aos magistrados, além de uma atualização nas matérias enfocadas,

melhor instrumentalidade para condução e solução das questões referentes aos casos

concretos de sua jurisdição.

O Caderno do Currículo Permanente é fruto de um trabalho conjunto desta

Escola e dos ministrantes do curso, a fim de subsidiar as aulas e atender às necessidades

dos participantes.

O material conta com o registro de notáveis contribuições, tais como artigos,

jurisprudência selecionada e estudos de ilustres doutrinadores brasileiros e estrangeiros

compilados pela EMAGIS e destina-se aos magistrados da 4ª Região, bem como a

pesquisadores e público interessado em geral.

Currículo Permanente - Módulo IV - Direito Penal - 2008 José Antonio Paganella Boschi

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COMO CITAR ESTA OBRA: BOSCHI, José Antonio Paganella. Individualização da pena. Porto Alegre: TRF – 4ª Região, 2008 (Currículo Permanente. Caderno de Direito Penal: módulo 4)

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ÍNDICE

Individualização da pena Ministrante: José Antonio Paganella Boschi

Ficha Técnica.............................................................................................................................. 02

Apresentação.............................................................................................................................. 03

1 Por que punir?.......................................................................................................................... 07 2 Um dia de pena....................................................................................................................... 13 3 Individualizar é quantificar penas?.......................................................................................... 14

A) Cada réu é um réu........................................................................................................... 17B) Cada fato é um fato, com suas próprias circunstâncias.................................................. 17C) Todo acusado tem o direito de conhecer as razões do juiz............................................ 18

4 Como determinar objetivamente as quantidades de penas?.................................................. 18

A) A pena-base..................................................................................................................... 18B) Sobre a quantificação da pena-base............................................................................... 19C) Sobre a quantificação da pena provisória....................................................................... 33D) Sobre a quantificação da pena definitiva......................................................................... 36

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Individualização da pena (Debate com os Juízes Federais sobre pontos relativos à individualização da pena

privativa de liberdade – 2008)

José Antonio Paganella Boschi1

1 Por que punir?

Diferentemente das penas mais primitivas, que, no dizer de VON LISZT, consistiam

em reação instintiva das pessoas contra as perturbações de suas condições de vida e de

bem-estar, “o que quer dizer, contra ações que, para empregar uma formulação breve,

mesmo imprecisa, poderíamos designar como delitos”,2 as penas estatais foram criadas

pelo gênio humano para cumprirem finalidades específicas, apontadas como relevantes,

que, variando no tempo, camufladamente ou não, acabaram convertendo-se, muitas

vezes, em fontes de maldades e de injustiças. Daí ter FERRAJOLI afirmado, em seu livro

famoso, que a história das penas é mais horrenda que a própria história dos crimes.3

A idéia de interesse público, desconhecida no regime feudal e ignorada pelo direito

canônico, voltado para a “idéia de confissão pela dor”,4 forneceu inspiração para que a

Escola Clássica, com Beccaria, Locke, Rousseau e Montesquieu, passando, depois, por

John Howard, Jeremias Bentham e outros, pudesse desenvolver a primeira teoria justificadora da pena: a da retribuição.

Para os clássicos e seu retribucionismo do mal do crime pelo mal da pena, o crime

era visto como um pecado, e a pena, como a sua conseqüência (quia peccatum est). Na

frase de Moniz de Aragão: “a applicação do castigo merecido serve de exemplo,

1 Ex-Promotor de Justiça, Ex-Desembargador do TRS, professor de Processo Penal na PUC e de Direito

Penal na Escola da Magistratura da Ajuris. Membro do IARGS. Advogado. Documento redigido em março

de 2008. 2 LIZST, Franz Von. La Idea de Fin en El Derecho Penal. México: Edeval, 1994. p. 66. 3 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Valladolid: Editorial Trotta, 1997. 4 GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu Mundo. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 25.

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amedronta e age como uma coacção psychologica, affastando da via negra e tortuosa da

criminalidade os que já não tem em si proprio resistencia natural para as seducções do

vício”.5

BETIOL escreveu que a “a retribuição é uma das idéias-forças de nossa civilização”

e que segundo entendia BELING “pode ser ainda considerada verdadeiramente

universal”.6 Para ele, entretanto, “é difícil negar que a idéia de retribuição seja uma idéia

baseada sobre um fundamento moral positivo”, pois encerra a “idéia da vingança”. 7

Efetivamente, a concepção retributiva está colada ao direito talonial.

Foi KANT quem, na “Metafísica dos Costumes”, traçou o esboço da concepção

punitiva da sanção. ROXIN explica-nos: “Si, para Kant tiene que haber pena incluso

aunque el Estado y la sociedade ya no existieran; incluso si éstos se disolvieran – dice –

deveria ser previamente ejecutado el último asessino que se encontrara em prisión, para

que cada cual sufra lo que sus hechos merecen y la culpa de la sangre no pese sobre el

pueblo que no há exigido esse castigo.”8

HEGEL procurou dar contornos científicos à concepção, ao dizer que o crime é

uma “negação do direito” e que a pena cumpre essa função de “negar a negação”.

Em comunicação apresentada durante o Colóquio realizado em abril de 1973, em

Santiago do Chile, pelo Instituto de Ciências Criminais, ROXIN reafirmou essa idéia,

asseverando ser irracional e incompatível com a democracia a compensação do injusto

pela pena retributiva, pois só uma “suposição metafísica” pode sustentar a afirmação de

que “um mal (o fato punível), possa ser anulado pelo fato de que agregue um segundo

mal (a pena)”.9

5 ARAGÃO, Antonio Moniz Sodré. As Três Escolas Penais. Bahia: Ribeiro, Gouveia & Co. Editores, 1907. p.

239. 6 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Campinas: Red Livros, 2000. p. 637 (versão portuguesa do original). 7 BETTIOL, 2000, p. 638 (versão portuguesa do original). 8 ROXIN, Claus. Derecho Penal: Parte General. Madrid: Civitas, 1997, p. 83. t. 1. 9 ROXIN, Claus. A culpabilidade como Critério Administrativo de Pena. Revista de Direito Penal, São Paulo,

v.11/12, p. 9. FIGUEIREDO DIAS contorna essa dificuldade salientando que a discussão acerca do bom

fundamento das teorias absolutas da retribuição, centradas na “compensação” ou “igualação”, hoje pode

dizer-se terminada, pois a “compensação” de que a retribuição se nutre só pode ser em função da

culpabilidade do agente. (Questões Fundamentais de Direito Penal Revisitadas, São Paulo, RT, 1999, p. 93)

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O mesmo ROXIN explicou que a função retributiva da pena foi bem aceita até a

década de 60 na Alemanha.10 Contudo, as novas gerações de penalistas perceberam,

entretanto, que a criminalidade não era fenômeno ético, filosófico ou racial, e sim um dado

da realidade viva, que a concepção retribucionista da pena não conseguira explicar

eficientemente.

Na lição precisa de ANABELA RODRIGUES, “a história do direito penal representa,

nas suas grandes linhas, um contínuo recuar da idéia retributiva – como escrevia

Nowakowski, com uma extraordinária lucidez de pensamento em tempos insuspeitos de

‘cega' abertura à idéia preventiva (...) Roxin e Schultz encarregaram-se de o exprimir com

exemplar clareza: função do direito penal é a tutela do ordenamento jurídico, sendo por

isso a pena justificada apenas enquanto necessária para garantir tal ‘finalidade'”.11

FIGUEIREDO DIAS, na mesma linha, assevera que o Estado democrático,

pluralista, dos nossos dias, não pode arvorar-se em “entidade sancionadora do pecado e

do vício, tal como uma qualquer instância os define, mas tem de se limitar a proteger bens

jurídicos; e para tanto não se pode servir de uma pena conscientemente dissociada de

fins, tal como é apresentada pela teoria absoluta (do latim, ab-soluta, terminologicamente:

des-ligada)”.12

A concepção da pena como retribuição sem limites atende muito bem aos

interesses dos regimes totalitários, porque confere um cheque em branco ao legislador

para criminalizar as condutas que bem entender, arredando o interesse na discussão

sobre o conteúdo ético que relaciona os fundamentos e os limites do direito de punir. A

“pena de morte”, muito reclamada em países periféricos, ante os elevados índices de

criminalidade violenta, ganharia novo impulso, embora o equívoco de supor que com ela

conseguiríamos erradicar a criminalidade e a violência que infernizam a vida dos

cidadãos. Mais do que nunca, ganha expressão a idéia de que a legitimidade da pena

pressupõe sua sujeição a controles de racionalidade e de eficiência na consecução de

seus fins.

10 ROXIN, Claus. Política Criminal y Estructura Del Delito. Trad. de Juan Bustos Ramirez. Barcelona: PPU,

1992. p. 11. 11 Op. cit., p. 182 e 183. 12 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões Fundamentais de Direito Penal Revisitadas. São Paulo: RT, 1999.

p. 94.

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À corrente retributiva opõem-se os adeptos da teoria relativa, segundo a qual as

penas estatais cumprem funções preventivas. Pune-se, então, para intimidar e prevenir a

prática de novos delitos ou, no conhecido brocardo, repetido em quase todos os livros de

direito penal: punitur et ne peccetur, isto é, pune-se para que o indivíduo não mais peque.

De Luzón Peña, citado por Anabela Rodrigues, fundamenta a finalidade de prevenção

geral com argumentos psicanalíticos: “(...) do mesmo modo que se procede mediante a

criação de medos reais ao castigo ou privação de satisfações na educação paterna etc.,

perante a criança ou o indivíduo, também a sociedade ou o Estado tem que recorrer à

ameaça da pena, como meio elementar e certamente tosco, para reforçar os mecanismos

inibitórios dos indivíduos perante o cometimento das condutas socialmente mais

intoleráveis (...)”.13

Essa justificação foi afirmada por SÊNECA (65 DC), evocando a idéia de

PROTÁGORAS (aprox. 485-415 AC) transmitida por PLATÃO em seus diálogos (427-347

AC), nos termos seguintes: “Nam, ut Plato ait: ‘nemo prudens punit, quia peccatum est,

sed ne peccetur...’ (Pois, com disse Platão: Nenhum homem sensato castiga por ter-se

pecado, senão para evitar-se que peque”).

A função preventiva da pena foi desenvolvida por PAUL JOHANN ANSELM V.

FUERBACH (1775-1833) e aperfeiçoada no auge da Escola Clássica por FRANZ V.

LISZT (1851-1919).

No famoso Programa de Marburgo (La Idea del Fin en El Derecho, México: Edeval,

1994), LISZT afirmou que com a pena se alcança, ao mesmo tempo, três objetivos: a)

defende-se a sociedade mediante o encarceramento do criminoso; c) intimida-se – para

que não reincida; e c) corrige-se (reeduca-se) o criminoso conforme os valores vigentes.

Baseando-se em FUERBACH e LISZT, a criminologia classificaria mais

recentemente a função preventiva em especial e geral – ambas positiva e negativa – voltadas respectivamente ao criminoso e aos não-criminosos.

A prevenção pode ser especial ou geral.

A prevenção especial tem por endereço o criminoso.

A prevenção geral tem por endereço os não-criminosos.

Tanto a prevenção especial quanto a prevenção geral subdividem-se em negativa

e positiva.

13 Idem, p. 319.

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Negativa, porque atua intimidando o criminoso e dissuadindo os não-criminosos da prática criminosa.

Positiva, porque recompõe o criminoso socialmente e reforça a confiança na

ordem jurídica dele e dos não-criminosos.

Sobre esse item, JAKOBS direcionou a prevenção positiva no sentido do reforço do

dever de fidelidade das pessoas às normas do ordenamento jurídico. “A finalidade da

pena é manter a vigência da norma como modelo de contato social. Com seu

comportamento, o infrator rompe umas expectativas normativas e a pena tem como

função demonstrar que a sociedade, apesar da desautorização da norma, pode seguir

confiando na vigência das mesmas”.14

Discorrendo sobre a macrocriminalista no mundo globalizado, BUSTOS RAMIRES

não ficou distante de JAKOBS, mas declarou que as penas nesse contexto parecem estar

exercendo uma função meramente simbólica, voltada à “reafirmação jurídica dos valores do sistema”.15

As teorias que conferem às penas funções preventivas também não escapam às

críticas.

A um, porque elas partem do pressuposto que todos os homens são intimidáveis e

assim a ameaça funcionaria como contra-estímulo ao estímulo criminoso e se esquecem

que a vontade humana, como lembra BETTIOL, “não se deixa esquematizar como se

fosse a resultante de um jogo de forças contrapostas”.16 Ainda, conforme esse autor,

citando GUARNERI, essas teorias por intensificarem a expansão do direito penal e o rigor

punitivo teriam como ponto de chegada a pena de morte.

A dois, porque convertem o condenado em instrumento das políticas estatais de

segurança pública, em contraste com os princípios estruturantes do Estado de Direito

Democrático. Como disse HASSEMER “A teoria da prevenção geral ameaça a ‘dignidade

14 JAKOBS, Günter; CALLEGRARI, Lynnet; CÂNCIO MELIÁ, Manuel. Direito Penal e Funcionalismo. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 12. 15 RAMIREZ, Juan Bustos, Necesiade de la pena, Función Simbólica y Bien jurídico Médio Ambiente, Pena

y Estado, ConoSur Ltda., Santiago do Chile, 1995, p. 107-108). 16 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Campinas: Red Livros, 2000. p. 654 (versão portuguesa do original).

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do condenado’ ... porque ele seria visto como um meio para um fim – e justamente isso os

teóricos da pena absoluta reconheciam como o pecado original do Direito Penal”.17

A três, porque produzem o risco de instituição de terrorismo penal (imposição de

penas muito altas).

A quatro, porque a formulação não se concilia com os sistemas de penas fixas. Se

ficasse demonstrada a correção do condenado não haveria mais sentido em mantê-lo

segregado... mesmo pendente saldo de pena a cumprir.

A cinco, porque o Estado não formula programas individuais de ressocialização

(correção) e não mantém ambientes propícios à sua execução com prévia aceitação dos

condenados...

A seis: a imposição das penas para propiciar o reforço no dever de fidelidade à

norma (JAKOBS) – independentemente de crítica quanto ao seu conteúdo – pode

conduzir ao reforço dos ordenamentos jurídicos totalitários.

Nosso Código:

Nosso Código Penal adotou uma posição unificadora por combinar as idéias de

prevenção e de retribuição. O art. 59 é claro: a pena deverá ser fixada em quantidade

necessária à reprovação e à retribuição do crime.

A previsão no art. 1º da LEP de que a pena deverá servir aos fins da reintegração

do condenado à sociedade culmina por reconhecer, também, função ressocializadora.

A posição de Ferrajoli: É confessadamente adepto da função retributiva da pena.

Não se trata, todavia, de retribucionismo ao estilo de KANT, por estar, de certa

forma, impregnado de finalidades.

Para ele o Estado pune não para intimidar o criminoso nem para reeducá-lo, mas,

isto sim, para evitar que os não-criminosos façam a punição em seu próprio nome, como

o faziam no passado.

Daí a máxima do garantismo de FERRAJOLI:18 a pena tem por fim minimizar a

violência:

17 HASSEMER, Winfried. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal. Porto Alegre: Fabris, 2005. p. 404. 18 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. Valladolid: Editorial Trotta, 1997. p. 334.

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a) proibindo-se a “razão da força”, e

b) proibindo-se as reações dos não-criminosos, informais

desmedidas ou desproporcionais”.19

2 Um dia de pena

O espaço e o tempo podem adquirir significações específicas para quem responde

e para quem não responde processos criminais.

Durante a tramitação do processo, a demora é, para o réu, fonte de angústia e de

sofrimento. Embora o processo não seja um instrumento apto a fornecer uma resposta

imediata àqueles que dele se valem, anota AURY LOPES JR., “isto não pode levar ao

extremo oposto de permitir que tal resposta seja dada a qualquer tempo. Se o processo

demanda tempo para sua realização, não dispõe o órgão julgador de um tempo ilimitado

para fornecer a resposta pleiteada”.20

A longa vida do processo de conhecimento – e sua enorme carga aflitiva – deveria

ser, por isso, levado em consideração pelo juiz como fator na determinação objetiva da

quantidade da pena. Nas Misérias do Processo, CARNELUTTI toca no ponto, ao dizer

que “O processo não pode durar eternamente. O final se precipita por esgotamento, não

por haver alcançado o objetivo. O desenlace do processo assemelha-se mais à morte do

que ao cumprimento de um plano”.21

O tempo assume extraordinário significado, ainda e especialmente, no interior das

instituições totais, regidas por valores e regras bem específicas.

Disse muito bem ALBERTO FRANCO, no Prefácio do Livro escrito por ANA

MESSUTI, que, no interior das cadeias, tempo, mais do que o espaço, apresenta-se como

o verdadeiro significante da pena. Mais exatamente: “Para quem estiver imobilizado na

prisão... a qualidade do tempo é totalmente diversa. O tempo de pena tem significados

diferentes na vida cotidiana e na prisão. Naquela, esse tempo constitui algo totalmente

indiferente; nesta, o tempo de pena incorpora-se à vida do condenado. Aí o tempo de

19 FERARJOLI, op. cit., p. 335. 20 LOPES JR., Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Prazo Razoável. Rio: Lúmem Júris, 2006. p. 6. 21 CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Campinas: Edicamp, 2001. p. 74.

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pena não é apenas o fluir do tempo natural: é o tempo de pena vivido por ser concreto, de

carne, de ossos e de sangue”22 ...

Nas palavras da autora prefaciada: “Existe uma enorme diferença entre passar três

dias na prisão e passar toda a vida: há toda uma vida de diferença.”23

Conforme anotou CARNELUTTI, no seu grande livro, “a condenação não significa,

em absoluto, o final do processo. Ao contrário do que ocorre nos casos de absolvição,

quando o réu é condenado, o processo continua. A única diferença é que a sua sede é

transferida do tribunal para a Penitenciária...”, ou seja, para um “hospital cheio de pessoas

acometidas de enfermidades do espírito e, por vezes, também do corpo”. 24 E, mais

adiante, arrematou: “Infelizmente, na maior parte dos casos, a expectativa de sair da

prisão é enganosa. O processo termina com a saída da prisão, mas a pena não. Quero

dizer que o sofrimento e o castigo continuam”, gerando verdadeira crise de renascimento.25

Enfim:

Esses aspectos, a nosso ver, podem e devem ser considerados pelo juiz criminal

quando da imposição do juízo de censura.

3 Individualizar é quantificar penas? Considerações gerais

À época das monarquias absolutas, em que o Rei corporificava as funções de

legislador, administrador e julgador, as penas eram em geral arbitrárias. Não é preciso

esforço para demonstrar que esse sistema era abusivo e injusto.

A primeira reação ao sistema surgiu com legislação imediatamente posterior à

Revolução Francesa (Código de 1791). Embora prevendo penas fixas que não permitiam

o ajustamento da sanção à condição pessoal do acusado, graças a essa legislação,

aboliram-se os abusos dos juízes.26

22 MESSUTI, Ana, O Tempo como Pena, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 9. 23 Idem, p. 33. 24 CARNELUTTI, Francesco, As Misérias do Processo Penal, Edicamp, Campinas, 2001, pp. 78 e 79. 25 Ibidem, p. 88. 26 CORREA, Eduardo. Direito Criminal. Coimbra: Livraria Almedina, 1993. p. 315.

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Como o novo sistema deixava o magistrado, sem embargo dos avanços, pois a

função destes “limita-se à aplicação mecânica do texto legal”, as reformas procedidas em

França no ano de 1810 viriam outorgar aos juízes um certo poder para quantificarem as

penas dentro de margens mínima e máxima, previstas em lei.27

O novo sistema implantado pelos franceses, irradiando-se para o mundo, também

seria implantado em nosso país, apenas com o Código Penal de 1940, embora as

influências dos movimentos revolucionários e das idéias liberais, especialmente de

Beccaria, já se fizessem sentir no Código Criminal do Império de 1830 e no Código Penal

Republicano de 1890, o primeiro, substituindo as Ordenações e instituindo o sistema de

graduação das penas entre o mínimo, o médio e o máximo para cada crime; e o segundo,

ainda mais detalhadamente, com o sistema de graus também intermediários entre o

mínimo e o médio e entre este e o grau máximo.

Fácil ver que só quando os sistemas jurídico-penais adotarem penas relativamente

indeterminadas, como o nosso, é que se poderá falar em individualização das penas.28 Força dela, o juiz atuará dentro dos seus limites, com relativa discrição,29 por não

ser possível eliminar certo grau de subjetivismo frente ao caso concreto.”30

Graças ao princípio da individualização da pena expressa, é possível ao juiz

superar a contradição do sistema penal calcado no princípio da igualdade e ao mesmo

tempo voltado à universalidade dos diferentes, ensejando assim a realização da justiça

distributiva, naquele sentido proposto por Aristóteles, de divisão das honras, dos bens,

dos impostos, dos cargos e das funções a cada um, nas porções consentâneas ao mérito

pessoal.

Diz-se ainda que, ao aplicar a pena, o magistrado faz a justiça distributiva, porque

ao responsabilizar os diversos autores do fato (como propõe o princípio da igualdade de

todos perante a lei) ele pode e deve reconhecer as diferenças que fazem de cada um

“um indivíduo”, isto é, um ser único, individual.

27 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. 5.ed. São Paulo: RT, 1999. p. 577. 28 TRF 4, AC 97.04.24829-6/PR, Fábio Rosa, 1ª. T., u., 17.05.99. 29 TRF 4, AC 95.04.61461-2/RS, Luiz Carlos de Castro Lugon. (Conv.) 30 HC 70.362/RJ, Pertence, 1ª T., m., DJ 12.04.96.

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Como ensina Roxin, o princípio da igualdade exige “não só tratamento igual para

os iguais, mas também tratamento desigual em situação de desigualdade”, 31 como

propõe, aliás, a ratio do artigo 29 do Código Penal.

Segue-se, então, que a aplicação da pena outra coisa não é senão uma atividade

que se insere o contexto mais amplo da garantia da individualização da pena. No dizer

de FIGUEIREDO DIAS, ela é um “(...) conjunto complexo de operações em que... há uma

estreita cooperação – mas também, por outro lado, uma separação de tarefas e de

responsabilidades tão nítida quanto possível – entre o legislador e o juiz. Ao legislador

compete, desde logo, estatuir as molduras penais cabidas a cada tipo de fatos que

descreve na PE do CP e em legislação extravagante, valorando para o efeito a gravidade

máxima e mínima que o ilícito de cada um daqueles tipos de fatos pode presumivelmente

assumir. Mas porque o sistema não poderia funcionar de forma justa e eficaz se não fosse

dotado a este de válvulas de segurança, o legislador prevê, ainda, aquelas circunstâncias

que, em casos especiais, podem agravar ou atenuar os limites máximos e (ou) mínimos

das molduras penais em princípio previstas para um certo tipo de fatos (circunstâncias

modificativas). Com todo este condicionalismo, assim fixado pelo legislador, tem o juiz de

estritamente se conformar”,32 em sua função de determinar, de um lado, a moldura penal

abstrata pertinente ao fato, e, de outro, de “escolher a espécie ou o tipo de pena a aplicar

concretamente, sempre que o legislador tenha posto mais do que uma” à sua disposição.

Daí a afirmação doutrinária de que a individualização da pena se processa em

fases distintas: a legislativa, a judicial e a de execução: “O processo individualizador tem

início na elaboração da lei, na chamada fase legislativa, quando são escolhidos os fatos

puníveis, as penas aplicáveis, seus limites e critérios de fixação. Prossegue na sentença,

com a individualização judicial e culmina na fase executiva, por ocasião do cumprimento

da pena”.33

Do referencial teórico acima posto sobre a garantia da individualização da pena

(art. 5º, inc. LXVI) e a determinação quantitativa da pena, pode-se concluir que:

31 ROXIN, Claus. Política Criminal y Estructura del Delito. Barcelona: PPU, 1992. p. 21 e 22. 32 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal 2: As Conseqüências Jurídicas do Crime. Capítulo II: A

Determinação da Pena. Coimbra, 1988, Lições ao 4º ano da Faculdade de Direito, Secção de Textos da

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 219 e seg. (itálicos nossos). 33 BALTAZAR JR., José Paulo. Sentença Penal. 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 124.

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A) Cada réu é um réu

Inviável é ao juiz impor penas com base em considerações nada científicas do tipo

“homem médio”. Quem suportará as conseqüências das penas impostas é alguém de

carne e osso e com uma história de vida concreta, bem determinada e, portanto, nada

imaginária. Daí o sentido da culpabilidade como fundamento para a imposição e o limite

na quantificação das penas.

B) Cada fato é um fato, com suas próprias circunstâncias

Considerando-se que individualizar a pena é torná-la certa e única em razão de

fato certo e único praticado por acusado certo e único, segue-se que o juiz está

autorizado a impor tratamento rigoroso em dadas circunstâncias e tratamento penal mais

benigno em outra, embora fatos enquadrados no mesmo tipo penal. Ex: apreensão de uma tonelada de cocaína em barreira policial e apreensão de

gramas de cocaína em poder da mãe que vai visitar o filho na cadeia: em ambos os casos

há tráfico de drogas, mas a censura poderá ser imposta com mais brandura para o último

em relação ao primeiro.

A mesma lógica autoriza ampla movimentação do juiz nas órbitas dos regimes de

execução, da concessão ou não do sursis, na substituição ou não das privativas por

restritivas, etc., sem qualquer preocupação com aspectos constitucionais por estar, em

verdade, amparado pela Constituição!

A imposição do regime inicialmente fechado ERA POSSÍVEL à luz da garantia da

individualização da pena – independentemente da tardia declaração pelo STF da parcial

inconstitucionalidade da Lei 8.082/90, precisamente baseado nessa garantia.34

34 (HC nº 90.871/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, DJ 25.5.2007; HC nº 88.879/RJ, Rel.

Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, unânime, DJ 2.3.2007; e HC nº 84.928/MG, Rel. Min. Cezar Peluso,

1ª Turma, unânime, DJ 11.11.2005, HC 67020/SP, 5ª. T., rel. Min. Laurita Vaz, j. 28/11/2006, in DJ

18.12.2006 p. 456; HC 71219/SP, 5ª. T., rel. Des. Convocada Jane Silva, julg. em 06.09.2007, in DJ

01.10.2007 p. 312; REsp 846481/MG, 5ª. T., rel. Min. Félix Fischer, 06.03.2007, in DJ 30.04.2007 p. 340,

dentre outros julgados).

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Page 17: ARTIGO JOSÉ ANTONIO PAGANELLA BOSCHI

C) Todo acusado tem o direito de conhecer as razões do juiz

O Juiz é o Estado. Ora, a fundamentação insere-se nos deveres do Estado

Democrático de Direito de dar aos cidadãos as justificativas sobre o que faz.

A falta de fundamentação (p. ex., alusão genérica às variáveis judiciais do art. 59)

implica nulidade absoluta (inc. IX do art. 83 da Constituição Federal).

A nulidade, todavia, nem sempre poderá ser declarada. É que, de um lado, há a configuração da nulidade e, de outro, o problema

consistente em saber se pode ou não ser declarada, mesmo sendo absoluta, haja vista

o conjunto das denominadas regras impeditivas de declaração (arts. 563, 565 e 566 e 572

do CPP, na Súmula 160 do STF e no art. 149, par. 2º, do CPP, dentre outras),

propiciando esse enfoque.

4 Como determinar objetivamente as quantidades de penas? A) A pena-base Na órbita do método trifásico e como o próprio nome sugere, a pena-base é aquela

que o juiz aplicaria, em definitivo, se não existissem causas legais de modificação

definidas como agravantes, atenuantes, majorantes e minorantes (art. 68 do CP).

A pena-base corresponde, então, à pena inicial fixada em concreto, dentro dos

limites estabelecidos a priori na lei penal, para que, sobre ela, incidam, por cascata,35 as

diminuições e os aumentos decorrentes de agravantes, atenuantes, majorantes ou

minorantes.

Ela possui essa denominação porque, no dizer de JOSÉ DUARTE, atua como: “(...)

base para alguma coisa; é precisamente; sê-lo-á, dessa agravação ou atenuação. Como 35 Nesse sentido: “Fixada a pena-base, após consideradas as circunstâncias judiciais, será a mesma

elevada ou reduzida se existentes agravantes ou atenuantes e sobre o quantum apurado operar-se-ão os

acréscimos ou minorações relativos às causas de aumento ou diminuição reconhecíveis.” (Apelação-crime

nº 27.637, 1ª Câmara Criminal do TJSC, Rel. Des. Márcio Batista, 16.09.91, publ. no DJESC nº 8.371, p. 13,

05.11.91)

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Page 18: ARTIGO JOSÉ ANTONIO PAGANELLA BOSCHI

poderia o juiz proceder a um aumento ou diminuição sem um termo fixo, um ponto de

partida? Sem essa função não há mister indagar de base: a pena seria, logo, a concreta,

individualizada, sem indagação de causas especiais ou circunstâncias comuns que

influam na sua agravação ou atenuação. A pena-base, assim, surge como uma

necessidade prática e vinculada à aplicação mesma do sistema. Ela se impõe como

fundamento, ponto de partida de uma operação, unidade sobre que assentam ulteriores

acréscimos ou diminuições”.36

B) Sobre a quantificação da pena-base

Considerações iniciais

As circunstâncias do art. 59 do CP são denominadas de judiciais – em contraste

com as circunstâncias legais da segunda e da terceira fases do método trifásico – porque

o valor de cada uma delas (positivo ou negativo) é conferido pelo juiz à luz do caso

concreto, e não pelo legislador. É imprescindível fazer algumas observações gerais.

A primeira: o critério determinante na quantificação da pena-base (isto é, na

graduação inicial da censura) é o de necessidade e suficiência para a retribuição e a prevenção de crimes, e não a valoração das 8 circunstâncias judiciais do art. 59 –

conforme indica com clareza o art. 68 do CP.37

A segunda: As circunstâncias judiciais não são quantificáveis, e sim suscetíveis de valoração. É o juiz quem confere, caso a caso, o valor a cada circunstância. Por isso

mesmo são denominadas de judiciais em contraste com as agravantes, atenuantes,

qualificadoras, majorantes e minorantes, que já carregam, consigo, o valor conferido, a

priori, pelo legislador.

Isso não significa estar o juiz impedido de, no caso concreto, conferir maior importância à determinada circunstância em relação às demais. Exemplos: Os

motivos (quando relacionados ao vício), em relação às circunstâncias (sem maior relevo) 36 DUARTE, José. Aplicação da Pena – Pena-Base – Inteligência do art. 50. Revista Justitia, São Paulo, v.

4, p. 209, 1942. 37 Nesse sentido: (STF, HC 76.480-3, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ 20.3.98).

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Page 19: ARTIGO JOSÉ ANTONIO PAGANELLA BOSCHI

ou à conduta social (não conhecida); as conseqüências (profundo abalo psicológico com

desestruturação da personalidade da vítima) em relação às circunstâncias do

cometimento do crime (assalto a banco), por exemplo.

A possibilidade de conferir caráter predominante à circunstância judicial, no caso

concreto, insere-se na função constitucional do juiz de individualizar a pena (art. 5º, inc.

LIV).

É a nosso ver questionável, portanto, a orientação voltada à quantificação da pena-base a partir de critérios exclusivamente aritméticos (p. ex., 1/8 do mínimo

legalmente cominado para cada circunstância judicial negativamente valorada pelo juiz).

Essa orientação desconsidera a natureza, a extensão, a latitude, a longitude e a

profundidade da garantia da individualização da pena e ignora a função do juiz na sua

efetivação, isto é, na transformação do ideal em um dado real, concreto e transforma a

questão em um problema de aritmética, já repelido, felizmente, pelo STF. 38

A nova lei de drogas (n. 11.343, de 23.8.2006) pretendeu regular esse assunto e o

fez desastradamente, ao declarar, no artigo 42, que “O juiz, na fixação das penas,

considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza

e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do

agente”.

Desastradamente, porque a anunciada preponderância jamais poderá ser sobre o

que está previsto no art. 59 do CP (isto é, o critério de necessidade e suficiência).

Outrossim, ao anunciar preponderâncias, a priori, o legislador esbarra na garantia

sob exame graças à qual é do juiz e de ninguém mais a responsabilidade de conferir às

circunstâncias judiciais sua carga de valor em cotejo com o universo de circunstâncias do

art. 59 do CP.

38 “A ponderação das circunstâncias judiciais do art. 59 do C.Pen. não é uma operação aritmética: por isso,

seria temerário asseverar que da subtração de um dentre os diversos dados negativos, aos quais aludiu a

sentença, resultasse necessariamente a fixação de pena menor.” (HC 84120/SP, Pertence, 1a. T., m.,

22.6.04). Na formulação do TRF da 4ª. Região: “Quanto mais circunstâncias desfavoráveis, mais a pena-

base afasta-se do mínimo. Não se trata, entretanto, de operação meramente aritmética, porquanto a

quantificação e o estabelecimento da pena vão depender da gravidade dos fatos à luz do exame do caso

concreto, tendo em vista a necessidade de reprovação e prevenção do crime.” (EINAC 2001.04.01.087625-

3/SC, Germano, 21.08.03)

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Page 20: ARTIGO JOSÉ ANTONIO PAGANELLA BOSCHI

Lembra-nos muito bem o Juiz Federal JOSÉ PAULO BALTAZAR JR., por último,

que a novidade legislativa não é tão nova assim, pois a Lei 11.343 nada mais fez senão

consagrar o entendimento pretoriano sobre a matéria, 39 embora voltado mais à

qualificação jurídica dos fatos (posse para consumo ou tráfico) e menos à dosimetria da

pena-base.

Regras para a quantificação

a) Ao preparar-se para a quantificação da pena-base, o juiz não pode esquecer de

que as circunstâncias judiciais são presumivelmente positivas e de que essa

presunção só desaparecerá, ao exame individualizado, se, dos autos, for possível

declarar o contrário.

Caso isso não ocorra, a pena-base deverá ser quantificada no mínimo legal, por

ser essa a tendência em todos os países do mundo.40 É a primeira regra que conta com o

apoio de JUAREZ CIRINO DOS SANTOS, in verbis: ”O ponto de partida para fixação da

pena-base deve ser o mínimo legal da pena cominada, conforme generalizada prática

judicial contemporânea”.41

b) Se algumas das circunstâncias judiciais forem valoradas negativamente, a pena-

base um pouco acima do mínimo cominado.42 É a segunda regra.

39 BALTAZAR JR., José Paulo. Sentença Penal. 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 137. 40 TRF 4, AC 90.0407118-0/PR, Osvaldo Alvarez, 2ª T., DJ 5.9.90; TRF 4, AC 1999.04.01.062188-6/SC,

Ellen Gracie, 1ª. T., m., 30.11.99 e TJRS: “A pena-base só pode ser fixada no mínimo legal quando todas as

circunstâncias judiciais forem favoráveis ao réu (...)” (Apelação-crime nº 296017999, Câmara de Férias

Criminal do TARGS, Rel. Constantino Lisbôa de Azevedo, julg. em 10.07.96, un.). No mesmo sentido:

Apelação-crime nº 296015373, 1ª Câmara Criminal do TARGS, Rel. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, j.

25.06.97 e Apelação-crime nº 29.855, 1ª Câmara Criminal do TJSC, Rel. Des. Solon d'Eça Neves,

07.06.94.). 41 SANTOS, Juarez Cirino. Teoria a Pena. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005. p. 108. 42 TRF 4, AC 97.04.20626-7/PR, Fábio Rosa, 1ª T., u., DJ 29.10.97; TRF 4, AC 2001.04.01.087619-8,

Castilho, 8ª. T., u., 4.11.02. TJRS: “Não sendo todas as circunstâncias judiciais favoráveis ao acusado,

justifica-se esteja a pena-base ligeiramente afastada do mínimo legal. A pena pecuniária, quanto à fixação

do número de dias-multa, deve ater-se às moduladoras do art. 59, CPB, com o que, no caso, não pode estar

estabelecido no máximo legal, mas estar ligeiramente afastada do mínimo previsto. Já o valor do dia-multa

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c) Por fim, se o conjunto de circunstâncias for valorado negativamente, a

quantidade de pena-base poderá aproximar-se do termo médio, sem ultrapassá-lo.43 Esse consiste na soma do mínimo com o máximo abstratamente cominados, dividida por

dois, na linha proposta para o reincidente específico do inciso I do art. 47 do CP, em sua

redação original.44 É a terceira regra.

A expressão “termo médio” não encontra hoje correspondente texto legal e, por

isso, não é aceita como critério, sem resistências. Guilherme de Souza Nucci, por

exemplo, em excelente livro sobre a individualização da pena, sustenta que reconhecê-lo

implicaria negar o princípio da legalidade por impedir ao juiz a chance de aplicar a pena

máxima. Nas suas palavras: “Existe a pena máxima, prevista no preceito secundário do

tipo incriminador, para ser aplicada quando a situação concreta demandar. Logo, não há

como fundamentar, validamente, o limite impalpável do termo médio para o

estabelecimento da pena concreta”.45

obedece à situação econômica do réu, justificando-se, no feito, a adoção do máximo legal. Deve, no

entanto, estar estipulado em BTNs, sujeitos à adaptação e à correção. Preliminares rejeitadas. Apelo

parcialmente provido, tão-só no que tange à pena pecuniária, reduzida quanto ao número de dias-multa”

(Apelação-crime nº 694012097, 3ª Câmara Criminal do TJRGS, Rel. Luís Carlos Ávila de Carvalho Leite, j.

06.10.94). “Conquanto a apreciação das circunstâncias do art. 59 do CP seja bastante subjetiva, há que se

fixar em dados objetivos, de sorte que o apenamento mínimo, dentro dos limites legais, só deverá ocorrer

quando todas as referidas circunstâncias forem favoráveis, do contrário, o apenamento deverá afastar-se do

quantitativo mínimo, na proporção em que forem desfavoráveis ao apenado” (Revista JULGADOS, v. 70, p.

157). No mesmo sentido: RJTJRGS 98/177; Revista JULGADOS, v. 70, p.158 e 86, p. 23 e Apelação-crime

297011991, 3ª Câmara Criminal do TARGS, j. 21.8.97 e Embargos Infringentes nº 297019226, 2º Grupo

TARGS, ambos por nós relatados). 43 A jurisprudência do TRF da 4ª Região tem respaldado esse entendimento (AC 2000.71.12.003376-1/RS,

Vladimir Freitas, 7ª. T., u., 30.10.01, AC 2000.70.00.008139-7/PR, Castilho, 8ª. T., u., 25.11.02; AC

1999.04.01.099143-4-SC, Amir Sarti, 1ª T., DJ 16.8.00; AC 2001.04.01.026286-0/SC, Penteado, 22.10.03;

AC 200270020066660/PR, Germano, 23.02.05) e AC 200270020066660/PR, Maria de Fátima, 23.02.05).

No mesmo sentido: RTJRS, vol. 108, p. 90. 44 “Art. 47. A reincidência específica importa: I - a aplicação da pena privativa de liberdade acima da metade

da soma do mínimo com o máximo; II - a aplicação da pena mais grave em qualidade, dentre as cominadas

alternativamente, sem prejuízo do disposto no nº I”. 45 NUCCI, Guilherme de Souza, Revista dos Tribunais, Individualização da Pena, São Paulo, 2004, p. 343.

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Esse autor sustenta, aliás, a possibilidade de aplicação de pena-base em

quantidade correspondente ao máximo cominado em abstrato, o que, data vênia, se

configura como equivocada compreensão do sistema penal. Sem embargo da falta de texto explícito e das opiniões em contrário, perfilhamos

entendimento igualmente respeitável de RUY ROSADO DE AGUIAR JR 46 de que o

critério desempenha ótima função como mecanismo de contenção dos excessos, que

pode e deve continuar sendo adotado pela magistratura. Conforme alertou o magistrado ALEXANDRE BIZZTTO, “É inadmissível aceitar a

aplicação do Direito Penal despido da básica noção de proporcionalidade!”47

Observações sobre as circunstâncias judiciais (art. 59)

- Sobre a culpabilidade:

Há uma enorme impropriedade metodológica na inclusão como circunstância judicial da culpabilidade do agente, pois ela atua, em verdade, como único fundamento

para a imposição e a quantificação das penas. Como disse JUAREZ CIRINO DOS SANTOS: “A culpabilidade como circunstância

judicial, introduzida pela reforma penal de 1984 em substituição ao critério da ‘intensidade

do dolo ou grau da culpa’ da lei anterior, aparece em posição incômoda: a culpabilidade

do autor para a realização do tipo de injusto não é mero elemento informador do juízo de

reprovação, mas o próprio juízo de reprovação pela realização do tipo de injusto (o que é

reprovado), cujos fundamentos são a imputabilidade, a consciência da antijuridicidade e a

exigibilidade de comportamento diverso (porque é reprovado). A definição da

culpabilidade como circunstância judicial de formulação do juízo de reprovação constitui

impropriedade metodológica, porque o juízo de culpabilidade, como elemento do conceito

de crime, não pode ser, ao mesmo tempo, simples circunstância judicial de informação do

juízo de culpabilidade”.48

46 AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Aplicação da Pena. Publicação da Escola Superior da Magistratura do Rio

Grande do Sul, 1994, p. 11. 47 BIZZOTTO, Alexandre. Valores e Princípios Constitucionais. Goiânia: AB Editora, 2003, p. 78. 48 SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da Pena – Fundamentos Políticos e Aplicação Judicial. Rio: Lúmen

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Cumprindo a função guarda-chuva, a culpabilidade deveria ter sido a única

categoria jurídica a merecer a referência explícita do legislador com fundamento e como

limite para a imposição das penas.

Ora, se incidindo causas que excluam a culpabilidade (as conhecidas dirimentes

que aparecem debaixo das expressões “é isento de pena”, “não é punível”, etc.), quais

sejam, a - inimputabilidade por menoridade penal (27); - inimputabilidade por doença

mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (26, caput); - inimputabilidade

por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior; - coação moral

irresistível (22, 1ª parte); - obediência hierárquica (22, 2ª parte) e erro de proibição (21,

caput), o juiz acolherá a denúncia, por ser o réu culpável, isto é, censurável, e, ato

contínuo, passará a graduar a culpabilidade para poder apontar a correspondente quantidade de pena.

A culpabilidade aludida pelo art. 59 do CP não é, portanto, “outra”, mas, isto sim, a

“mesma” culpabilidade antes aferida a partir de seus três elementos constitutivos: a

imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

ZAFFARONI é esclarecedor: “... é correto afirmar que a medida da pena deve ser a

medida da culpabilidade, e que esta última não é diferente da culpabilidade do delito,

senão só a mesma, em perspectiva dinâmica”.49

Na práxis, é usual o emprego na sentença de expressões do tipo “a culpabilidade

é grave”, é “elevada”, é “(a)normal”, sem maiores esclarecimentos. Essa atitude não

atende ao requisito constitucional da fundamentação (inciso IX do art. 93), porque para

poder graduar a censura o juiz terá que investigar os elementos da culpabilidade, já referidos. Essa tarefa não dispensa ampla investigação sobre a vida do réu, sua cultura, seu ambiente, meio de vida, etc.

O dolo (ou sua intensidade) não se confunde com a culpabilidade, mas pode ser

mencionado pelo juiz como critério auxiliar na graduação da censura. Por exemplo:

quando há dolo intenso, pela premeditação, a censura é mais grave do que no dolo de

ímpeto. No dolo direto há mais censura do que no dolo eventual, etc.

Assim, um dolo mais intenso ou uma culpa mais grave seriam em princípio indícios

de que a conduta é mais censurável, embora isso não dispense o juiz, conforme anota

Júris, 2005, p. 109. 49 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Derecho Penal: Parte General. Buenos Aires, 2002. p. 1035.

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Mirabete, de “atentar para as circunstâncias pessoais e fáticas, no contexto em que se

realizou a ação, conduzindo-o a uma análise da consciência ou do potencial

conhecimento do ilícito e, em especial, da exigibilidade de conduta diversa, como

parâmetros do justo grau de censura atribuível ao autor do crime”.50

Lição idêntica nós a encontramos em Bitencourt51 e Fragoso,52 para quem, atento

à distinção entre dolo e culpa, a culpabilidade, nos crimes dolosos, precisa ser aferida a

partir da vontade do agente, “que não deveria ser contrária ao dever”, ao passo que, nos

crimes culposos, assinalados pela imprudência, negligência ou imperícia, ela variará

conforme a “maior ou menor gravidade da violação do cuidado objetivo que se expressa

na imprudência, na negligência ou imperícia”.

Embora associando a graduação da censura à gravidade da moldura penal,

Eduardo Correia, comentando o direito português, também alerta que “a negligência

consciente implica uma maior censurabilidade que a negligência inconsciente, já que,

naquela hipótese, se impunha ao agente uma maior reflexão sobre a verificação do

resultado (...) consoante o dolo toma as formas de necessário ou eventual, assim a

realização do crime é mais intensa, mais radical na sua personalidade e na sua vontade,

e, portanto, mais severa haverá que ser a punição no quadro da moldura do facto”.53

A culpabilidade do agente pelo fato, conforme explicação de Jescheck, “... tem

como pressuposto lógico a liberdade de decisão do homem, pois, só quando existe

basicamente a capacidade de deixar-se determinar pelas normas jurídicas, pode o autor

ser responsabilizado por haver chegado ao fato jurídico, em lugar de dominar seus

impulsos criminais”.54

Na lição de WELZEL, o pai do finalismo, culpável é o agente que, sabendo da

reprovabilidade ínsita na norma,55 para atender a uma finalidade, decide livremente violá-

50 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1989. p. 284. 51 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: RT, 1997. p. 528. 52 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: A Nova Parte Geral. 8.ed. Rio de Janeiro, Forense,

1985. p. 337. 53 CORREIA, Eduardo. Direito Criminal. Coimbra: Livraria Almedina, 1993. p. 330 e 331. 54 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal: Parte General. 4.ed. Granada: Comares Editorial,

1993. p. 366. 55 Aqui também a idéia de que a culpabilidade não está na cabeça do agente, mas provém da censura feita

pelo ordenamento jurídico pela quebra do dever de respeito aos seus enunciados.

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la,56 quando tinha o dever jurídico de agir de modo contrário.57 Em suma: configurada a

culpabilidade como conceito normativo, isso significa que uma conduta só será culpável e

provável quando o agente, sendo imputável e moralmente livre, decidir atuar, conhecendo

a ilicitude da conduta, ao invés de respeitar a ordem jurídica.

A realidade tem evidenciado, todavia, casos em que a prática criminosa nem sempre resulta da livre opção pela violação da lei. O fenômeno tem a ver com o

fenômeno da co-culpabilidade, isto é, relacionado aos fatores de vulnerabilidade do agente no meio social, conforme expressão literal de ZAFFARONI.58

Consoante REINALDO DANIEL MOREIRA, citando NILO BATISTA, é

indispensável considerar “... no juízo de reprovabilidade a concreta experiência social dos

réus, as oportunidades que se lhe depararam e a assistência que lhes foi ministrada. A

reprovação incidente sobre o sujeito, autor de uma dada conduta lesiva a bens e

interesses ensejadores da tutela penal, estaria em direta correlação com as

oportunidades e perspectivas que o corpo social apresenta ao mesmo. E, nessa linha de

considerações, como apontam Eugenio Raúl Zaffaroni, Alejandro Alagia e Alejandro

Slokar, a co-culpabilidade tem o mérito de introduzir na construção da culpabilidade

normativa, normalmente radicada em concepções idealistas, um potente componente de

realismo”.59

A co-culpabilidade não é estranha ao nosso direito, haja vista a redação do art.

187, § 1º, do CPP, ordenando ao juiz formulação de perguntas ao réu sobre os “meios de

vida ou profissão” e as “oportunidades sociais” que lhe foram oferecidas.

Ela apode ser considerada indistintamente na órbita da determinação da pena-base

ou como atenuante inominada prevista no art. 66 do CP. Exemplo característico nas

infrações tributárias é o do réu cuja empresa entra em dificuldades financeiras e, por isso,

não há o pagamento dos tributos.

56 A expressão é usualmente empregada, embora o agente em verdade ao adequar a conduta à norma

termine por fazer o que ela prevê. 57 WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman. Chile: Editorial Jurídica, 1997. p. 39 e seguintes. 58 ZAFFARONI, obra citada, p. 1054. 59 MOREIRA, Reinaldo Daniel. Breves Apontamentos Acerca da Noção de Co-culpabilidade. Artigo

publicado na Internet.

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- Sobre os antecedentes: Antecedentes são todos os fatos penais pretéritos 60 ao crime, praticados pelo

réu,61 que lhe retiram a condição de primário. Dizem respeito, portanto, à folha funcional

exclusivamente, uma vez que em 1984 o legislador da Reforma Penal situou a vida em

sociedade na circunstância da conduta social. A jurisprudência continua dividida: há julgados admitindo como antecedentes

negativos inquéritos e ações62 penais em curso.63 É a nossa posição.

Se a condenação definitiva for anterior à prática criminosa, ela atuará como

agravante (reincidência) exclusivamente, enquanto não verificada a denominada

prescrição da reincidência (art. 64, I, CP). Nesse caso, vem-se admitindo a

possibilidade residual de reconhecimento dos maus antecedentes.

Carece de sentido, todavia, que o tempo faça desaparecer a reincidência e não

tenha a mesma força para fazer desaparecer os efeitos de causa legal de menor

expressão jurídica, no caso, os antecedentes. Esse entendimento conta com o apoio de

Salo de Carvalho,64 tendo sido acolhido em julgamento no STJ.65

60 Os que forem cometidos depois, sendo conseqüentes, não entram, como o conceito indica, no âmbito da

circunstância. 61 LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1942. p. 182. 62 STF, HC 79.966/SP, Rel. p/ Acórdão Celso Mello, 2ª T.; STF, RHC 83.493/PR, Rel. p/ Acórdão Carlos

Brito, 2ª. T., m., 04.11.03; STJ, ROHC 7.997-SP, Cernicchiaro, 6ª T., u., DJ 01.03.99; STJ, REsp.

476.742/RS, Dipp, 5ª T., u., 08.06.04; TRF 3, AC 98030133608/SP, Fausto De Sanctis (Conv.), 5ª T., u.,

20.11.01; TRF 4, AC 97.04.28426-8/RS, Tania Escobar, 2ª T., u., DJ 03.03.99; TRF 4, EIAC

2003.04.01.043049-1; TRF 4, AC 200670150000800/PR, Élcio Pinheiro de Castro, 8ª T., u., 04.10.06. 63 STF, AI-AgR 604041/RS, Lewandowski, 1ª T., u., 3.8.07; STF, HC 84088/MS, Joaquim Barbosa, 2ª T., m.,

29.11.05; STF, HC 81.759/SP, Maurício Corrêa, 2ª T., m., 26.3.02; STJ, HC 13.029/SP, Fernando

Gonçalves, 6ª T., u., 6.3.01; STJ, REsp. 236.681/MG, José Arnaldo, 5a T., u., 21.8.01; STJ, HC 15.871/MG,

Vidigal, 5ª T., u., DJ 13.8.01; TRF 4, AC 2003.04.01.0032692/RS, Fábio Rosa, 7ª T., u., 17.06.03. 64 CARVALHO, Salo; CARVALHO, Amilton Bueno. Aplicação da Pena e Garantismo. Rio: Lúmem Júris,

2001. p. 45. 65 RHC 2.227-2-MG, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, 6ª T., DJU 29.03.93, p. 5.268.

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Page 27: ARTIGO JOSÉ ANTONIO PAGANELLA BOSCHI

Não há impedimento, outrossim, que o réu seja considerado de maus antecedentes

e também reincidente, desde que por fatos distintos constitutivos dos maus

antecedentes e da reincidência.

- Sobre a Conduta social - resquício de direito penal do autor. Seu objeto é a

conduta em comunidade. Pune-se mais pelo que a pessoa é, e não propriamente pelo

que ela fez. A valoração da conduta social – que não se confunde com os antecedentes66 – é

sempre “em relação à sociedade na qual o acusado esteja integrado, e não em relação à

‘sociedade formal' dos homens tidos como ‘de bem'. Sem dúvida, um indivíduo que, por

exemplo, habite em uma favela em paz e amizade com os vizinhos não pode receber uma

valoração negativa, só porque o juiz, influenciado por variáveis ideológicas, tem o

entendimento de que, na cidade, existem ambientes ‘mais sadios para o desenvolvimento

das relações sociais'”.67

É de boa conduta social o réu que cumpre os “deveres de educação dos filhos e

manutenção dos pais idosos e necessitados, se é bom aluno, trabalhador, bom

empregado ou servidor, paga suas contas, participa de associação comunitária; ou

profissional, toma parte em programas sociais, trabalha como jurado ou mesário”.68

A atitude dos defensores em ouvir testemunhas abonatórias tem por fim

neutralizar o juiz se a sentença for condenatória.

A conduta integrava os antecedentes. Foi, todavia, erigida em circunstância

autônoma em 1984. Logo, a reincidência não pode influir na definição da conduta social.

66 “(...) Antecedentes, para os efeitos de fixação da pena, são apenas os judiciais, importando estes nas

condenações passadas em julgado, que não geram reincidência ou em que tenham desaparecidos seus

efeitos. Conduta social não se confunde com antecedentes, pois compreende a vida do agente em família,

no trabalho e na coletividade onde vive. Ocorre a reincidência quando o agente pratica novo crime depois

de transitar em julgado a condenação que o condenou por crime anterior”. (Apelação-crime nº 296036015,

4ª Câmara Criminal do TARGS, Rel. Danúbio Edon Franco, j. 04.12.96, un.) 67 GALVÃO, op. cit., p. 147. 68 BALTAZAR JR., José Paulo. Sentença Penal. 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 152.

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- Sobre a Personalidade:

Como ensinam Kaplan, Sadock & Grebb, 69 por personalidade há que se

compreender dinamicamente a “totalidade dos traços emocionais e comportamentais que

caracterizam o indivíduo em sua vida cotidiana, sob condições normais”.70 E assim o é

porque, como diria Myra y López, “a pessoa é una, inteira e indivisa e como tal deve ser

estudada e compreendida pela ciência”, 71 sendo inviável estabelecer-se, então, pela

fluidez e pela diversidade, um padrão a priori de personalidade.

Por isso, alguns registros:

a) a personalidade não poderia ser conhecida, por seu dinamismo.

b) se o fosse, pode-se considerar legítima a intervenção punitiva do Estado para

esse fim de alterar o perfil da personalidade do criminoso? SALO DE CARVALHO

considera ilegítima a maior punição, “sob o prisma de um direito penal de garantias

balizado pelo princípio da secularização”, ante a invasão discricionária pelo Estado-penal

na esfera individual na qual está proibido de operar: a esfera da interioridade da pessoa.72

c) a maior punição ao titular de transtorno de personalidade coloca-nos de volta na

Idade Média, porque a pessoa é punida não pelo que fez, mas pelo que é.

d) não obstante, é imperioso apontar a contradição do sistema penal pelo

tratamento distinto dado aos indivíduos com déficits de compreensão na pena-base (por

força dos transtornos de personalidade) e no parágrafo único do art. 26. No primeiro caso,

a pena-base é fixada com maior rigor e, no último, pela mesma causa, mais

benignamente.

69 KAPLAN, Hardold I.; SADOCK, Benjamim J.; GREBB, Jack A. Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre:

Artes Médicas, 1997. p. 686. 70 Op. cit., p. 686. 71 MYRA Y LÓPEZ, Emílio. Manual de Psicologia Jurídica. São Paulo: Mestre Jou, 1967, p. 27. 72 Idem, p. 51-52.

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- Sobre os Motivos:

Não há conduta humana desprovida de motivos.

Lembram Aftalión et alii que “o mundo do obrar é um contínuo unidimensional no

sentido do tempo. No sentido do tempo existencial não cabem espaços vazios: por menor

que seja o instante que imaginemos neste tempo, ele sempre vai integrado em alguma

direção, ainda que forçosamente (...).”73 Primeiro o indivíduo elege os fins (normação

ética) e depois lança mão dos meios para alcançá-los (normação técnica). De posse

deles, passa a agir na direção do resultado, vencendo etapas (iter criminis). A motivação pode integrar a própria definição típica, e, por isso, o juiz, ao apreciá-

la, ao fixar a pena-base, precisará ter o cuidado de registrá-la para não violar a regra do

ne bis in idem, que proíbe a dupla incidência da mesma causa.

Dissertando sobre o Código português, Figueiredo Dias fez alerta, aplicável ao

nosso sistema, no sentido de que não podendo o juiz tomar em consideração

circunstância que o legislador já tomou ao estabelecer a figura penal, “desta perspectiva

se torna claro que o princípio da proibição de dupla valoração surge só, na sua

formulação imediata, como uma conseqüência necessária do sistema (...) de divisão de

tarefas e de responsabilidades entre legislador e juiz no processo total de determinação

da pena”.74 Os motivos, outras vezes, aparecem na moldura penal como qualificadoras ou,

ainda, como causas legais de agravação ou de exasperação. Exemplos: o motivo fútil

está previsto no CP como agravante genérica (art. 61, II, a) e, também, como

circunstância qualificadora do homicídio (art. 121, § 2º, inciso II); o motivo de lucro, como

qualificadora do crime de entrega de filho menor à pessoa inidônea (art. 245, § 1º); o

motivo do relevante valor social ou moral, como atenuante genérica (art. 65, inc. III, letra

a); o motivo da vantagem pecuniária, como majorante em quantidade fixa do crime de

incêndio (art. 250, § 1º), e o casamento, como motivo minorante do crime de rapto (art.

221).

73 AFTALIÓN, Enrique et alii. Introducción Al Derecho. 7.ed. Buenos Aires: La Ley, 1956. p. 122. 74 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: Parte Geral. As Conseqüências Jurídicas do Crime. Secção de

textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1988, p. 292 e 293.

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Figurando como qualificadoras, os motivos atuam para reposicionar o juiz diante

das novas margens cominadas no tipo derivado e, desse modo, por esgotamento da

função, não mais poderão ser invocados em qualquer fase do método trifásico. Se previstos como agravantes ou majorantes do crime objeto do julgamento, os

motivos não integrarão a análise do art. 59 porque essas duas circunstâncias (agravantes

ou majorantes) têm valor e peso próprios e incidirão, cada qual ao seu modo, na segunda

e na terceira fase do método trifásico, respectivamente (art. 68 do CP).

Em algumas sentenças há equivocadamente alusões aos motivos inerentes ao tipo

ou a peculiaridades que integram a própria tipicidade. Ora, como ensina JUAREZ CIRINO

DOS SANTOS, apoiado em excelente doutrina, “o motivo, no sentido de móbil do crime,

designa o aspecto dinâmico de pulsões instintuais do id, atualizadas em estímulos

internos determinados (LAPLANCHE/PONTALIS) de egoísmo, cólera, prepotência,

luxúria, ganância, avidez, cobiça, vingança etc., que conferem qualidades negativas à

conduta, ou, alternativamente, de gratidão, sentimento de honra, revolva contra injustiças,

etc., que indicam qualidades positivas da conduta, relevantes para a fixação da pena-

base (FERREIRA)”.75

- Circunstâncias:

O legislador talvez pudesse ter adotado a expressão “particularidades do fato”,

para evitar as eventuais confusões que o uso reiterado do termo “circunstância” possa

trazer aos menos atentos, especialmente diante de conhecida regra de hermenêutica que

afirma não se poder conferir significados diferentes à mesma palavra. As “circunstâncias” do fato já figuravam no artigo 42 do Código Penal com o

mesmo sentido que lhes empresta o artigo 59. São circunstâncias influenciadoras do apenamento básico todas as singularidades

propriamente ditas do fato e que ao juiz cabe ponderar para exasperar ou abrandar o rigor

da censura. Por exemplo: dirigir sem habilitação para atender à emergência médica;

praticar assalto em Banco com armamento pesado e imobilizando dezenas de clientes;

praticar o crime por motivos relacionados à prostituição, etc.

75 SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da Pena. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2005. p. 114.

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- Sobre as conseqüências:

As conseqüências do crime a que se refere o artigo 59 são evidentemente aquelas

que se projetam para “além do fato típico”

Inviável considerar, por conseguinte, como conseqüências do crime, a morte da

vítima, no homicídio, por ser condição para que o tipo se perfectibilize; a incapacidade

para o trabalho também não pode ser considerada como circunstância judicial no crime de

lesões corporais gravíssimas (art. 121, § 2º, inciso I). Do mesmo modo, a extensão do

dano causado, nos crimes patrimoniais, nos delitos fiscais, etc. porque também são

integrantes das figuras típicas.

Convém não esquecer a regra de ouro em matéria de penas: a do ne bis in idem. - Sobre o comportamento da vítima:

Embora estudos demonstrem, a partir de Freud em seu “o criminoso por

sentimento de culpa”, que certas pessoas com seus comportamentos podem estar

querendo ser efetivamente censuradas, para resgate de culpas, a verdade é que o

objetivo da circunstância não é reprovar o comportamento da vítima, porque, no dizer de

Fernando Galvão, “Todos os indivíduos são livres para desenvolver suas potencialidades,

bem como para fazer, nos limites da lei, qualquer uso de seus bens patrimoniais.

Juridicamente, não se pode reprovar a conduta do proprietário que deixa a porta de sua

casa aberta. No entanto, quando o comportamento da vítima resultar em especial fator de

estímulo à prática delitiva, o julgador deve considerá-lo para minorar a resposta penal ao

autor do fato punível”.76 O comportamento da vítima, desse modo, quando analisado, não pode ser

separado do momento em que o juiz apreciará a própria culpabilidade, pois ao instigar,

provocar ou desafiar o agente, a vítima, direta ou indiretamente, intencionalmente ou não,

termina por enfraquecer a determinação do agente em manter-se obediente ao

ordenamento jurídico. No homicídio, por exemplo, embora não coloque o agente em

76 GALVÃO, Fernando. Aplicação da Pena. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 157.

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situação de legítima defesa, por não ser “agressão”,77 a instigação, a provocação ou o

desafio da vítima podem autorizar a redução da pena de um sexto a um terço. A circunstância judicial em questão provavelmente seja a que melhor ilustra a

conexão das circunstâncias judiciais do art. 59, com os elementos da culpabilidade, como

demonstraremos a seguir. C) Sobre a quantificação da pena provisória

A pena provisória, a meio caminho entre a pena-base e a pena definitiva, é aquela

sobre a qual poderão recair aumentos ou reduções de pena.

Insuscetível de ser quantificada abaixo do mínimo legalmente cominado ao crime –

haja vista o enunciado da Súmula 231 do STJ – com o qual não podemos concordar por

ofender o princípio da individualização da pena – a pena provisória não pode, outrossim,

alcançar o máximo abstratamento previsto no tipo, por não possuir tamanha expressão

penal.

Há algum critério específico e explícito para a quantificação da circunstância legal

agravante ou atenuante? A pergunta demanda um necessário – embora breve –

comentário.

Com efeito, exame menos atento ou cuidadoso da lei penal, notadamente do artigo

68, pode sugerir a ausência de qualquer diretiva explícita de mensuração que permita a

tradução, em concreto, com um mínimo de segurança, daquele ideal de proporcionalidade

(necessidade e suficiência) apontado pelo legislador no art. 59.

Nesse sentido, o Código Penal de 1969, conforme lembram Ruy Rosado de Aguiar

Jr.78 e Heleno Fragoso,79 era em relação ao atual bem superior, pois determinava que o

aumento ou a diminuição devia fazer-se entre 1/5 e 1/3 da pena-base. 77 ALMADA, Célio de Melo. Legítima Defesa. Bushatski, 1958. p. 73.

“Legítima defesa. Provocação aceita. Não caracterização. Agente que aceita provocação de vítima

embriagada e a agride com superioridade em armas.” (Revista de Jurisprudência do TJRGS, v. 147, p. 123)

“Legítima defesa. Convite aceito. Não se defende quem aceita e age contra a vítima, que apenas lhe

provocou, sem qualquer esboço de agressão atual ou iminente.” (Revista de Jurisprudência do TJRGS, v.

150, p. 233) 78 Op. cit., p. 12. 79 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: A Nova Parte Geral. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense.

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Page 33: ARTIGO JOSÉ ANTONIO PAGANELLA BOSCHI

O citado Código confinava a quantidade certa pelos acréscimos e as reduções

dentro dos limites variáveis estabelecidos a priori pelo legislador e sempre calculados

sobre a pena inicial.

No atual Estatuto Penal, não há, todavia, qualquer regra semelhante e do artigo 68,

como dissemos, parece defluir comando de que o critério de necessidade e suficiência só

disciplina a individualização da pena-base. A doutrina, em geral, tem contribuído pouco

para iluminar o caminho, na medida em que direciona sua análise ao conteúdo das

circunstâncias em si, não penetrando no interior do método trifásico como sistema, do

qual pensamos poder extrair o referencial necessário para responder à questão suscitada.

Na ausência de critério explícito, Alberto Franco, um dos melhores penalistas

brasileiros da atualidade, chegou, por isso, a afirmar que a mensuração da agravante ou

atenuante se incluiria no “livre arbítrio do juiz, tendo em conta o caso concreto e a

personalidade do agente”.80

Zaffaroni & Pierangelli não seguiram caminho diferente, quando disseram que por

não fixar a lei “(...) nenhuma quantia” será a “(...) prudência judicial” que levará “(...) a

pena-base estabelecida na primeira etapa, a se inclinar para mais ou para menos”.81

Com a devida vênia, não podemos concordar com essa respeitável orientação

doutrinária, a começar pela absoluta imprecisão dos conceitos livre-arbítrio ou prudência

judicial. Aceitar que a pena possa ser imposta com base na prudência, sem que se possa

determiná-la objetivamente, implica aceitar o risco de intervenção estatal ilimitada na

esfera dos direitos do cidadão e ao mesmo tempo em criar espaço para que o magistrado

julgue ao sabor das circunstâncias do momento.

Urge encontrarmos, destarte, outro caminho que nos aponte critérios claros e

objetivos, não só para que as partes possam eventualmente impugnar a atividade judicial,

mas, ainda, para que a coerência fique preservada em todo o procedimento de

individualização da pena, como é próprio em qualquer sistema.

Ora, é evidente que a pena proporcional (“necessária e suficiente”, na dicção do

Código – art. 59) não é só a pena-base, mas também as penas provisória e definitiva...

p. 343. 80 FRANCO, Alberto. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. São Paulo, RT, 1995. p. 752. 81 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte

Geral. 2.ed. São Paulo: RT, 1999. p. 831.

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Preocupados com o problema, Luiz Régis Prado e Cezar Bitencourt propuseram,

pois, que a quantificação da agravante ou da atenuante não extrapolasse o limite de um

sexto (1/6) da própria pena-base. “Caso contrário” – afirmaram – “as agravantes e as

atenuantes se equiparariam àquelas causas modificadoras da pena que”, como

acertadamente concluem, “apresentam maior intensidade, situando-se pouco abaixo das

qualificadoras (no caso das majorantes)”.82

Essa é, também, a recomendação que faz Sérgio Salomão Shecaira.83

Em mais de uma oportunidade manifestamos a nossa simpatia por essa

proposição, pois, com ela, se tem, objetivamente, o piso de um dia e o teto não

ultrapassável de 1/6, protegendo o acusado contra os excessos e viabilizando, pela

existência e conhecimento da regra, o controle do juiz pelas partes.

O quantum correspondente à agravante ou à atenuante não pode ser, portanto,

apontado a priori, dependendo, sempre, do conhecimento da pena-base individualizada

para o crime em questão.

Aceita a fração de 1/6 da pena-base como um bom critério, permanece, todavia,

sem resposta à pergunta suscetível de formulação neste momento: enfim, sendo o critério

fracionário em essência variável, quanto, especificamente, de agravação ou atenuação o

juiz considerará dentro dos limites de 1 dia a 1/6 da própria pena-base?

O critério fracionário de 1/6 permite-nos apontar, como estamos destacando, o

máximo possível de pena que pode ser acrescentado ou descontado da pena-base, mas

não nos diz, enfim, como estabelecê-la na quantidade certa dentro dos extremos

referidos.

Em última análise: o problema suscitado ainda não encontrou resposta satisfatória,

parecendo-nos que o grau de reprovação inicial encontrado pelo juiz, quando do

apenamento básico, pode ser adotado como ótimo critério, inclusive na fase subseqüente

ao método trifásico.

Na órbita da segunda fase do método trifásico, merece registro, também, a

disposição do art. 67 do CP declarando que algumas agravantes e atenuantes são mais

82 PRADO, Luiz Régis; BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Anotado e Legislação Complementar.

São Paulo: RT, 1997. p. 320. 83 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Cálculo de Pena e o Dever de Motivar. Revista Brasileira de Ciências

Criminais, IBCCrim, v. 6, p. 167.

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importantes que as outras. Denominando-as como preponderantes, porque,

precisamente, preponderam, detém maior força, o Código as enumera: a reincidência, os

motivos e as circunstâncias que resultam da personalidade (e que vêm sendo indicadas

pela jurisprudência: a menoridade, a confissão espontânea e a reparação do dano).

Como essa singularidade não pode ser ignorada pelo magistrado, significa dizer,

com o artigo 67, que, ao constatar a presença da circunstância preponderante, terá que

assegurar que a pena provisória se aproxime do limite (vale dizer, do sentido, da direção)

indicado pela circunstância.

Segue-se, então, que no concurso entre atenuante preponderante e agravante não-

preponderante (e vice-versa) o juiz não pode declarar uma neutralizada ou compensada

pela outra. Terá que proceder ao aumento e depois à redução em quantidades distintas, e

não compensáveis.

Todavia, se as agravantes e atenuantes forem simultaneamente preponderantes, o

juiz poderá promover essa compensação.

A nosso ver, a alternativa nem sempre pode ser adotada. Por exemplo, se o réu

tiver diversas sentenças condenatórias definitivas, caracterizando a situação de

multirreincidência, não nos parece defensável compensar a agravante da reincidência por

qualquer atenuante preponderante.

A solução preconizada pela lei (art. 67) impondo o reconhecimento das

preponderâncias é engessadora da atividade judicial e não vai ao encontro da garantia da

individualização da pena.

D) Sobre a quantificação da pena definitiva

Dissertando sobre a base de cálculo, Ruy Rosado de Aguiar Jr., ex-Ministro do

STJ, é, como sempre, elucidativo: “A terceira fase do cálculo utiliza as causas de aumento

ou de diminuição, genéricas ou especiais. Primeiro, aplicam-se as causas de aumento,

depois as de diminuição. O cálculo da primeira modificação é feito sobre a pena até ali

encontrada, que tanto pode ser a pena-base (se não houver agravantes ou atenuantes)

como a pena provisória. Havendo uma segunda causa de aumento ou de diminuição, o

cálculo é feito sobre a última pena, já alterada por influência da anterior causa de

aumento ou de diminuição. Assim, se a pena-base é de dois anos, com a agravante, a

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pena provisória passou para dois anos e seis meses (trinta meses), a causa de aumento

de um terço elevou-a para quarenta meses, e a causa de diminuição de metade a trouxe

para vinte meses (isto é, metade da última pena até ali encontrada). Se houvesse uma

nova causa de diminuição, deveria ser calculada sobre os últimos vinte meses. Este é o

sistema em cascata, que leva em conta sempre a última pena encontrada”,84 também

conhecido como cálculo com juros sobre juros,85 jurisprudencialmente recomendado.86

O sistema por cascata, diferentemente do cumulativo, em que todas as operações

são feitas sobre a pena base evita, consoante lembra-nos JOSÉ PAULO BALTAZAR JR.,

o risco da imposição de pena zero. Disse ele: “Figure-se a hipótese de existência de duas

causas de diminuição, uma de 2/3 (dois terços) e outra de (um terço). Aplicadas

cumulativamente as causas de diminuição sobre a pena-base, esta seria diminuída em

3/3 (três terços) ou um inteiro, resultando a pena zero, o que seria um absurdo (STF, HC

71.324/SP, Paulo Brossard, 2ª T., DJ 23.9.94). O problema poderia ser evitado com a

aplicação do método cumulativo – uma operação sobre o resultado da anterior – nas

causas de aumento e do sucessivo – todas sobre a pena provisória - nas causas de

diminuição, mas não é essa a solução usual”.87

84 AGUIAR JR., Ruy Rosado de. Aplicação da Pena. Revista da Ajuris, Porto Alegre, p. 12, 1994. No mesmo

sentido: SHECAIRA, Sérgio Salomão. Cálculo da Pena e o Dever de Motivar. Revista Brasileira de Ciências

Penais, IBCCrim, v. 6, p. 168. 85 JESUS, Damásio Evangelista de. Obra citada, p. 219. 86 STF, RE 107.345, Octávio Gallotti, DJ 14.11.85; RE 106.030, Octávio Gallotti, 11.10.85; RE 99.818, Djaci

Falcão, DJ 29.04.83; RE 91.114, Xavier de Albuquerque, DJ 21.03.80; TRF 1, AC 200001001354111/MA,

Olindo Menezes, 3ª. T., u., 13.12.04; TRF5, AC 200483000076514/PE, Margarida Cantarelli, 4ª. T., u.,

31.01.0686 e não todos sobre a pena-base. (STJ, REsp. 23.919/MG, Anselmo Santiago, 6ª T., m., DJ

13.04.98) 87 BALTAZAR JR., José Paulo. Sentença Penal. 3. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 187.

SHECAIRA – ob. e loc. cits. e DAMASIO – trabalham com o mesmo exemplo. Disse este último: “Se

incidem duas causas de diminuição, a segunda diminuição deve recair sobre o quantum já reduzido pela

primeira e não sobre a pena-base, evitando-se a pena zero. Nesse sentido: STF, HC 71.324, 2ª T., Rel. Min.

Paulo Brossard, DJU, 23 set. 1994, p. 25313, e RJ, 207:96. Esse princípio não foi observado pelo juiz que

sentenciou o processo n. 269/85 da 18ª Vara Criminal de São Paulo (Capital). Condenou o réu há dez dias-

multa. Reduziu de um terço em face do erro de proibição vencível (CP, art. 21, caput, parte final). Depois,

aplicou a redução de dois terços pelo arrependimento posterior (CP, art. 16). Fez recair as duas diminuições

sobre a pena-base, i.e., reduziu três terços dos três terços, resultando a pena zero. Por força de recurso da

defesa, a 43ª Câmara Criminal do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo (v.u, em 2.5.98) criticou a

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Realizando-se, então, em fases sucessivas, as operações, tendo por base o último

resultado aritmético, como é o correto e recomendado,88 a pena definitiva, no exemplo

apontado, corresponderá a 1 ano e 4 meses de reclusão (sobre 6 anos, redução dos 2/3

pela tentativa e, sobre o quantum de 2 anos, a nova redução de 1/3, pelo privilégio).

As causas especiais de aumento não podem ser compensadas pelas causas

especiais de diminuição de pena – e vice-versa – como ocorre, em princípio, com as

agravantes e atenuantes, pois, sendo os cálculos realizados por cascata, isto é, sobre o

resultado da última operação, as quantidades correspondentes às majorantes e às

minorantes podem não ser equivalentes. Suponha-se, por exemplo, crime em que haja

determinação de aumento de 1/3 e de diminuição de 1/3 e que a pena provisória tenha

sido estabelecida em 9 anos de reclusão. A simples compensação traria prejuízo ao

acusado, pois a pena final ficaria em 9 anos. Procedendo-se, outrossim, o aumento de 1/3

sobre a base de 9 anos e, depois, retirando-se da nova base de 12 anos o mesmo 1/3, o

resultado final será mais brando: 8 anos!

No que tange à ordem, embora o artigo 68 proclame a incidência primeiro das

minorantes e, só depois, das majorantes, cumpre-nos registrar que a inversão não gerará

nenhum prejuízo ao réu, porque, lembra-nos Nelson Ferraz, citando o ensinamento de

Hungria, “em qualquer caso”, o resultado será o mesmo.89

Assim, no exemplo do furto noturno de coisa de pequeno valor (art. 155, §§ 1º e 2º,

do CP): “Pena-base = 1 ano. Inexistindo circunstâncias legais agravantes e/ou

atenuantes, passa-se à aplicação da causa especial de aumento do repouso noturno: +

1/3 = 1 ano e 4 meses. Sobre esse resultado aplica-se a diminuição de 2/3: 1 ano e 4

meses – 2/3 = 5 meses e 10 dias. Ou, invertendo-se o processo: pena-base = 1 ano.

sentença. Não havia, porém, recurso da acusação, pelo que o erro tornou-se imutável.” (Cód. Pen. Anotado,

p. 220) 88 A recomendação de SÉRGIO SALOMÃO SHECAIRA é no sentido de que o cálculo não seja cumulativo,

mas sucessivo, quando houver duas causas de aumento (como no exemplo do furto continuado praticado

durante o repouso noturno), para evitar-se bis in idem (ob. e loc. cits.). A despeito disso, a doutrina e a

jurisprudência, predominantemente, orientam-se pelo sistema de cálculo por cascata. Nesse sentido,

recomendamos consulta ao Código Penal Anotado de DAMÁSIO DE JESUS, Saraiva, 1991, p. 174,

apontando a orientação do STF e destacando os precedentes sobre o assunto. 89 FERRAZ, Nelson. Dosimetria da Pena. Fascículos de Ciências Penais, Porto Alegre, n. 3, p. 70 e seg.,

1992.

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Causa especial de diminuição de 2/3 = 4 meses. Sobre esse resultado aplica-se a causa

de aumento do repouso noturno: 4 meses + 1/3 = 5 meses e 10 dias (...)”.90

Outro exemplo: suponha-se crime cuja pena-base foi fixada em 9 anos de reclusão.

A exasperação dessa pena em 1/3 conduz a 12 anos de pena provisória, e a redução de

1/3 desse quantum enseja pena definitiva de 8 anos de reclusão. Invertendo-se a ordem

dos fatores: pena-base = 9 anos; redução de 1/3 = 3 anos; 9 – 3 = 6 anos; acréscimo de

1/3 de 6 = 2 anos; logo, 6 + 2; total = os mesmos 8 anos!

Ainda: no crime de roubo tentado (art. 157, § 2º, inciso I, combinado com o artigo

14, inciso I, do CP): pena mínima de 4 anos, sem agravantes ou atenuantes. Aumento de

1/3, em razão do emprego de arma: pena provisória de 5 anos e 4 meses. Redução de

2/3 determinada pelo parágrafo do artigo 14: pena total de 1 ano, 9 meses e 10 dias.

Invertendo-se a ordem: pena-base = 4 anos. Inexistência de agravantes e atenuantes:

pena provisória de 4 anos. Redução de 2/3 determinada pela tentativa: pena de 1 ano e 4

meses. Sobre ela aumento de 1/3 ordenado pela majorante: a mesma pena final de 1 ano,

9 meses e 10 dias!91

Na órbita da terceira fase há dois problemas a resolver: a) o relativo à forma de quantificação da causa especial de aumento ou diminuição

cominada em quantidade variável, e

b) o relativo à qual regra a ser aplicada no concurso entre causas especiais de

aumento ou diminuição previstas na PARTE GERAL, fora, portanto, da abrangência do

parágrafo único do art. 68 do CP.

Em relação ao primeiro problema, é certo que para executar o procedimento o

juiz disporá de um relativo poder discricionário. Não há, infelizmente, na lei, critério

explícito que funcione como guia e que atue, ao mesmo tempo, como fator de prevenção

contra os eventuais abusos.

90 Idem, ibidem. 91 Sem razão, pois, o precedente: “As causas de aumento e de diminuição devem atuar em momentos

sucessivos – a compensação pura e simples, por iguais os índices de exasperação e de redução, revela-se

prejudicial ao réu, porque deve operar por último, sobre quantitativo maior, a causa de diminuição.”

(Apelação-crime 290155266, 1ª Câm. Criminal, Rel. Juiz Aristides Albuquerque. In: Rev. Julgados, v. 77, p.

61)

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Embora esse silêncio, o juiz, como é intuitivo, não é livre para anunciar a

quantidade de majoração ou de minoração que bem entender, ao sabor das

circunstâncias, sob as influências do momento, porque, se isso fosse possível, o processo

de individualização da pena geraria insegurança jurídica e risco de lesões irreparáveis aos

direitos fundamentais e ao valor Justiça.

Assim, parece-nos inegável que o quantum correspondente à majorante ou à

minorante deva refletir o conteúdo do injusto ou as razões de política criminal, o qual pode

ser maior ou menor, a partir do real significado do delito para a ordem jurídica violada.

Sendo correto dizer que a quantificação da causa especial de aumento ou

diminuição deve refletir a razão de ser da própria causa especial (variações do injusto e

razões de política criminal), para nós é correto dizer, ainda, que a dita quantificação

precisa corresponder ao grau de culpabilidade determinado na primeira fase do método

trifásico, do mesmo modo como, no capítulo anterior, sustentamos quanto à quantificação

da agravante ou atenuante.

Então, se a reprovação inicial (aferida quando da individualização da pena-base)

tiver sido estabelecida em grau mínimo (conclusão a que se pode chegar examinando-se

os elementos da culpabilidade, como vimos anteriormente), o quantum correspondente à

exasperação, por razões de coerência interna, deverá ser em princípio mínimo, ao passo

que o abrandamento, ordenado pela causa especial de diminuição, terá que ser o maior

possível, para que a pena definitiva acabe, desse modo, aproximando-se do grau de

culpabilidade mínimo, médio ou superior.

Em caso de reprovação inicial média, as quantidades de pena a serem

estabelecidas dentro das margens correspondentes às causas especiais de aumento e de

diminuição devem aproximar-se ou, até mesmo, equiparar-se.

Finalmente, quando a reprovação inicial tiver sido estabelecida no grau máximo, a

exasperação terá que tender para o limite superior (teto) da causa especial de aumento, e

o abrandamento, pelo reverso, para o limite inferior (piso) correspondente à causa

especial de diminuição.

Esse procedimento é o único que preserva, harmônica e coerentemente, em todas

as fases, a relação de proporcionalidade entre pena e culpabilidade, sendo esta o critério

que a fundamenta e ao mesmo tempo limita-a.

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Hungria, aliás, citado por Nelson Ferraz,92 já dizia que na determinação da medida

da pena é esse o parâmetro que o juiz deve buscar, toda vez que tiver de usar seu

arbítrio.

No Rio Grande do Sul, o Desembargador Ladislau Rohnelt manifestou pensamento

idêntico em Painel para Magistrados, na Escola Superior da Magistratura, que também

referimos quando do comentário do critério de mensuração das agravantes e

atenuantes.93

Acórdão recente do egrégio STJ proclamou que, tendo o juiz fixado no mínimo

legal a pena-base, “consideradas as circunstâncias legais inscritas no art. 59 do Código

Penal”, não poderia ter adotado “o percentual máximo na aplicação da causa especial de

aumento de pena”.94

É, pois, a nosso ver, graças a esse critério, que o juiz conseguirá alcançar (na

primeira, na segunda e na terceira fases) o ponto de equilíbrio para chegar à pena final,

necessária e suficiente, preconizada pelo artigo 59 do CP.95

92 FERRAZ, Nelson. Dosimetria da Pena. Comentários e Jurisprudência do TJ de SC. Revista Forense, v.

277, p. 368. 93 “As circunstâncias judiciais influem, inclusive, na valoração da causa especial de aumento ou diminuição,

quando são previstas em quantidade variável entre um mínimo e um máximo (1 a 2/3, 1/6 a 1/3, 1/3 até

metade, etc.). Para escolher, entre os extremos, qual o aumento ou o desconto que irá fazer e não podendo

a escolha ser obra de um capricho pessoal, volta-se o juiz para as circunstâncias judiciais e verifica as

tendências delas: se benéfica, valoriza mais a causa de diminuição e menos a causa de aumento; se for o

contrário, valoriza mais a causa de aumento e menos a causa de diminuição.” (Texto da conferência

“Aplicação da Pena – Circunstâncias Judiciais”, não publicado, gentilmente fornecido pelo autor). 94 “Se o Juiz, no processo de individualização da pena, consideradas as circunstâncias legais inscritas no

art. 59 do Código Penal, fixar a pena-base no mínimo legal, não poderá adotar o percentual máximo na

aplicação da causa especial de aumento de pena. Na hipótese de condenação por tráfico de entorpecentes

(Lei nº 6.368/76, art., 12), se a pena-base foi fixada no mínimo legal – 3 anos –, em face das circunstâncias

legais que revelaram favoráveis ao réu, é indevida, porque incoerente, a aplicação da causa especial de

aumento de pena relativa à associação (art. 18, III) em percentual máximo, impondo-se a adoção do mesmo

critério. Recurso especial conhecido e provido.” (Recurso Especial nº 950054832-1/PR, STJ, Rel. Min.

Vicente Leal, j. 12.12.95, un., DJU 01.04.96, p. 9.951) 95 Em acórdão por nós relatado, em 30.06.2000, no 4º Grupo Criminal do TJRS, nos autos da Revisão

Criminal nº 70000281873, assim fizemos constar da ementa: “(...) Quantificação da minorante. O Critério

reitor de mensuração das causas especiais de diminuição e aumento de pena é o da culpabilidade, que no

direito penal laico e moderno atua como seu fundamento e limite, de modo a evitar que a pena final

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Mais: essa fórmula, ao que parece, preserva a função do juiz no processo de individualização da pena. É dele essa função, e não do legislador, a priori, mediante critérios preestabelecidos.

Poder-se-ia dizer que a reinvocação do artigo 59 implicaria ofensa à regra do ne bis

in idem, uma vez que as circunstâncias de influência estariam sendo consideradas mais

de uma vez?

A resposta, entretanto, é negativa e, em homenagem ao eminente Procurador de

Justiça Catarinense Nelson Ferraz, um dos que, em nosso meio, há mais tempo estuda a

matéria.96

Em relação ao segundo problema, convém anotar, antes de mais nada, que,

segundo lição de PEDRO VERGARA, comentando o antigo parágrafo único do artigo 50,

“o texto restringe o seu alcance apenas ao concurso das causas de aumento entre si e ao

concurso de causas de diminuição entre si, não abrange as hipóteses possíveis de

concurso de causas de aumento e causas de diminuição, – quando, v. g., há uma causa

de aumento e uma de diminuição”.97

É certo que o parágrafo único declara que o juiz, no concurso entre as causas de

aumento ou de diminuição, pode limitar-se a um só aumento, prevalecendo a causa que

mais aumente ou diminua.

VERGARA dizia, contudo, que o juiz aplicará “se quiser, de acordo com o seu

prudente arbítrio, o maior aumento ou a maior diminuição; mas, por isso mesmo – se

quiser, também, não a procederá desse modo –, não admitirá a absorção; poderá, ao

contrário, aplicar cumulativamente, os dois aumentos ou as duas diminuições. O texto é

claro: pode o juiz limitar-se a um só aumento (...) Se o juiz pode limitar-se, é o juiz que se

impõe, a si mesmo, o limite; logo, pode, igualmente, no seu arbítrio, que está implícito nos

dois verbos, não impor limite algum e, nesse caso, pode aplicar os vários aumentos ou as

várias diminuições, somando-as”.98

extrapole os limites quantitativos determinados pela culpabilidade graduada na primeira fase do método

trifásico, quando são examinados e valorados seus elementos estruturantes: a imputabilidade, a potencial

consciência da ilicitude e a inexigibilidade da outra conduta”. 96 FERRAZ, op. cit, loc.cit. 97 VERGARA, Pedro. Das Penas Principais e sua Aplicação. Rio de Janeiro: Livraria Boffoni Ed., 1948. p.

452. 98 Op. cit., p. 452.

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A despeito dessa importante lição, a doutrina e a jurisprudência, na atualidade,

consideram, predominantemente, que o verbo poder encerra um dever, e não uma

simples faculdade judicial.99

Na literalidade do parágrafo único do art. 68 do CP, a discussão sobre a incidência

de uma só causa especial de aumento ou diminuição tem cabimento quando o concurso

for entre causas da PARTE ESPECIAL. Convém observar que após a revogação do art.

221 do CP (que dispunha sobre o rapto consensual) desapareceu da PARTE GERAL a

única figura que admitia única redução por força do concurso entre minorantes.

Havendo concurso entre causas especiais de aumento ou diminuição da PARTE

GERAL do Código (e, por força da ausência de norma expressa, quando também

previstas em LEIS ESPECIAIS), remanesce a dúvida: aplicam-se todas as causas

especiais de aumento ou diminuição ou APENAS UMA, a que mais aumente ou que mais

diminua?

Há, com efeitos, precedentes recomendando sucessivas incidências (consoante ao

critério por cascata) 100 e orientando pela aplicação de um só aumento ou uma só

diminuição.101

O STJ, recentemente, entendeu que havendo CONTINUIDADE DELITIVA nos

crimes (EM CONCURSO FORMAL) previstos nos artigos 4º e 5º da Lei 7.492/86, era

99 JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit., p. 173, citando jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal

de São Paulo. Ainda: No concurso das majorantes dos incisos I e III do art. 18 da Lei 6.368/76, a

internacionalidade do tráfico prevalece sobre a associação, aplicando-se a disciplina prevista no parágrafo

único do art. 68 do Código Penal, para que incidam uma única vez, acrescida a pena-base em 1/3 (um

terço). Apelações às quais se dá parcial provimento, reformando-se a sentença recorrida apenas quanto à

dosimetria da pena. (Apelação-crime nº 9503035732-2/MS, 1ª Turma do TRF da 3ª Região, Rel. Juiz

Theotonio Costa, DJU 05.09.95, p. 57.615) 100 TRF 3, AC 94030551852/SP, Oliveira Lima, 1ª. T., 20.3.01; TRF 4, RSESER 2003.70.08.001237-4/PR,

Germano, 16.12.03.

101 STF, HC 73.821-4, Sydney Sanches, 1ª. T., u., 25.6.96 e “Não se aplicam simultaneamente os

acréscimos pela continuidade delitiva e pelo concurso formal de delitos. Caso contrário, frustrar-se-ia a

finalidade de ambos os institutos, que é a de mitigar a punição. Há, na espécie, conflito aparente de normas

que se resolve por aplicação do princípio da consunção, incidindo apenas o acréscimo mais abrangente,

que é o devido pela continuidade delitiva.” (RT 579, p. 347 – rel. Adalberto Spagnuolo, in ALBERTO

FRANCO, Código Penal e sua Interpretação jurisprudencial, p. 912 e seguintes)

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caso de incidência de UM SÓ AUMENTO, qual seja, o da continuidade delitiva, para

evitar-se o inconveniente do bis in idem.102

102 HC n. 70.110-RS, sendo relator o min. Gilson Dipp.

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