artigo esportivisação x capoeira
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CAPOEIRA: A LUTA DE RESISTÊNCIA CONTRA A ESPORTIVIZAÇÃO DAS PRÁTICAS CORPORAIS
Elson Moura Dias Junior1
Wagner Jorge Cardoso 2
Resumo
Este artigo tem como objetivo estudar a capoeira enquanto fenômeno cultural que oferece uma resistência ao fenômeno de esportivização dos conteúdos da cultura corporal. Desta forma este trabalho tem como objeto de estudo a capoeira , o esporte e o fenômeno da esportivização. Esta temática se justifica por apontar os aspectos negativos da esportivização das praticas corporais e por demonstrar de que forma pode ser feita uma resistência a tal fenômeno. Para alcançar os objetivos traçados, foi percorrido o caminho (método = metodum = caminho) da análise sócio-histórica do esporte e da capoeira e a observação da capoeira para identificar as ferramentas de resistência existentes neste conteúdo da cultura corporal. Sendo assim conclui-se que...Palavras chave: esporte, capoeira, esportivização e resistência.
Introdução
A Educação Física enquanto disciplina pedagógica, na escola, tem a função de
tematizar os conteúdos da “cultura corporal” (SOARES et al, 1992, p 39) ou “cultura
corporal de movimento” (KUNZ, 2004). Estes conteúdos são divididos em: esportes,
ginástica, capoeira, jogos e brincadeiras, danças e lutas.
O esporte moderno, deste jeito que conhecemos hoje, surge no século XVIII, na
Inglaterra industrial, acompanhando o surgimento e fortalecimento da sociedade
capitalista e torna-se a prática hegemônica dos tempos contemporâneos.
Esta hegemonia não se limita à “monocultura” do esporte em sua aparição na
escola, no lazer, na mídia etc. Além disso, um fenômeno chamado esportivização,
acompanha o esporte desde o seu surgimento até os dias atuais. Tal fenômeno impõe às
demais praticas corporais (skate, lutas, surf etc) as características do esporte
(competição, racionalismo, tecnicismo, normatização, alienação etc) fazendo com que
estas tornem-se parecidas e, as vezes, ate se confundam com o fenômeno esporte.
A capoeira, elemento cultural que “engravida” na África e “nasce” no Brasil,
criado socialmente e acumulado historicamente, hoje constitui-se como a manifestação
cultural e prática corporal das mais importantes da Bahia e Brasil. Uma luta que não se
1 Licenciado em Educação Física pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),especialista em Educação Física e Esporte (UNEB), Professor da UEFS2 Acadêmico em Licenciatura em Educação Física, do 7°semestre da Universidade Católica do Salvador, aluno formado do Grupo Raça
limita ao jogo de pernas, mais avança como luta contra a escravidão, contra os senhores
de engenho, contra os capitães do mato, contra a proibição, contra as ingerências do
Confef/Cref e, agora, contra a esportivização.
Como supra citado, o fenômeno da esportivização também tenta “seduzir” a
capoeira, imprimindo nesta, características do esporte. Esta relação não ocorre sem que
haja tenção, resistência e contra proposta.
Portanto, é objetivo deste artigo identificar como o esporte e a capoeira surge
historicamente, como e porque a esportivização age na conversão das demais praticas
corporais aos seus significados, os fatos negativos deste fenômeno para as práticas
corporais diversas e como a capoeira se constitui como grande “luta” de resistência a
este fenômeno.
Esporte: percurso histórico
Segundo Bracht (2005), existem duas possibilidades de se analisar a história do
esporte. Uma que atesta que as práticas corporais antigas já se caracterizavam enquanto
esporte e outra que atesta que esporte, como conhecemos hoje, é uma instituição que
tem sua origem na Inglaterra industrial do século XVIII.
A primeira possibilidade defende que houve um “desenvolvimento linear” (ibid)
das práticas corporais antigas até o advento do esporte moderno. A segunda, que se
contrapõe à primeira, advoga a idéia de ter existido uma ruptura entre as práticas antigas
e o esporte moderno, tal qual nós conhecemos.
Aqueles que se apóiam na continuidade, no “desenvolvimento linear” das
práticas antigas, como os jogos de Olímpia por exemplo, utilizam como justificativa as
características em comum entre estas expressões da cultura corporal de movimento.
A tese implícita é a de que haveria uma continuidade entre aquelas práticas antigas e as que hoje denominamos de esporte. E mais, para esta continuidade postula-se uma identidade ou traços essenciais dessa, que perdurariam no tempo, ou seja, naquelas práticas corporais já estariam presentes as características essenciais que definem a identidade do esporte. (ibid, p. 96)
Tanto a semelhança, no que diz respeito à movimentação como na utilização de
objetos específicos, quanto a ludicidade presente tanto nos jogos antigos quanto nas
práticas atuais (embora em menor escala) fundamentam os adeptos desta concepção.
A outra tese, a de que houve uma ruptura entre as práticas antigas e as atuais,
advoga a mudança de sentido das práticas corporais. As praticas antigas tinham um
sentido muito ligado à questão da religiosidade e ao militarismo por exemplo. Ligação
esta que com o advento do esporte moderno de desfaz, restando apenas algumas
semelhanças entre ambas (praticas antigas e modernas) porém o objetivo, o sentido, a
idéia etc. centrais são diferenciados. “Isto não quer significar ausência absoluta de
continuidade e, sim, que aspectos centrais dessa prática são novos.” (ibid, p. 96). Ao
passo que as práticas antigas tinham uma ligação orgânica com a sociedade, as novas se
constituem enquanto aparelhos ideológicos a serviço da sociedade.
Para fins desta produção, estaremos nos apoiando na historia do esporte
moderno.
A data de surgimento deste fenômeno moderno ou contemporâneo3 é o século
XVIII para alguns autores e século XIX para outros. Estaremos portanto considerando
este intervalo de tempo histórico sem correr o risco de equívocos, haja visto que,
embora cronologicamente pareça um espaço demasiado, historicamente este intervalo
não parece trazer nenhum prejuízo à esta análise.
Consenso entre os autores é que esta prática teve início na Inglaterra Industrial à
luz do “desenvolvimento” que a Revolução Industrial apresentou na sociedade moderna
e contemporânea.
Alguns são os fatores que contribuíram para o surgimento desta “nova” prática
corporal:
O desenvolvimento industrial fez ascender a classe média, com poder político e influencia social. Essa classe média reivindicou privilégios educacionais e conseguiu a criação de um numero considerável de escolas públicas. Este fato foi decisivo para a multiplicação dos jogos esportivos. (BETTI, 1991 apud DARIDO, p 177, 2005).
A escola neste contexto, adquire fundamental importância neste processo. Com
o desenvolvimento urbano ocasionado pela Revolução Industrial, os espaços urbanos
“livres” começam a perder espaço em meio às construções arquitetônicas, desta forma
perde-se o espaço de práticas ao ar livre, sendo estas, muitas vezes encaminhadas a
espaços fechados, ou seja, à escola.
3 A utilização de moderno e contemporâneo se dá pelo fato de os séculos XVIII e XIX se constituírem como sendo um tempo de transição destas duas épocas históricas.
Duas práticas influenciaram esta gênese: as práticas de divertimento da classe
dominante e os jogos populares. Práticas diferentes, as mesmas demonstram que a
divisão da sociedade em classes antagônicas se infiltrou também no esporte ou nas
práticas corporais que antecederam e influenciaram o seu surgimento.
Este período é marcado pelo desenvolvimento e estabilização da sociedade do
lucro e da produção (máxima). Desta forma práticas corporais mais voltadas para o
entretenimento, o prazer, o lazer (este como um contra ponto justamente da produção,
do trabalho), o lúdico, não condizia mais com uma sociedade voltada ao trabalho e a
produção. Portanto, os jogos começaram a ser, de certa forma, marginalizados.
Precisava-se de práticas corporais que disciplinassem os corpos, estes tinham que ser
corpos produtivos. Tanto as estruturas físicas quanto o comportamento deveriam estar
voltados para as exigências da época, ou seja, o fortalecimento do modo de produção
capitalista.
Embora tenha conservado algumas características dos jogos antigos; exemplo
mais marcante é a ludicidade, capacidade facilmente observável no cotidiano de
algumas praticas esportivas; o esporte moderno traz em seu bojo diversas características
que mais lhe aproximam do processo de produção fabril e mais o afastam dos jogos
enquanto prática autônoma e livre de coações. São elas: racionalização (em um claro
processo de contra ponto com as práticas voltadas ao cunho místico e religioso por
exemplo), cientifização do treinamento, imutabilidade de técnicas, rendimento máximo
(numa clara semelhança com a produção máxima), competitividade, divisão de tarefas,
particularização (divisão em partes) das técnicas, fins justificando os meios (atos
violentos, dopping, trapaças etc. numa clara comparação com multi e transnacionais,
liberalismo e neoliberalismo etc) e alguns outros. Vale ressaltar que tais características
são mais fáceis de serem observadas no chamado esporte de auto-rendimento ou
espetáculo.
Mais uma vez voltando à análise histórica, percebemos que o esporte tornou-se
portanto a prática hegemônica da cultura corporal, “a cultura corporal de movimento
esportivizou-se” (BRACHT, p. 15. 2005).
Um passo importante da difusão e desenvolvimento do esporte pelo mundo foi a
criação de clubes de práticas esportivas. Local onde as pessoas se reunião para a pratica,
mesmo após os anos da escola ou universidades.
O desenvolvimento e expansão do esporte aconteceu tendo como pano de fundo o processo de modernização dos séculos XIX e XX, processo que compreende industrialização, urbanização, tecnologização, dos meios de transporte e comunicação, aumento de tempo livre, surgimento dos sistemas nacionais de ensino etc. Estes aspectos, por sua vez, estão inseridos no processo mais amplo de secularização e racionalização que caracterizam a sociedade moderna. (BRACHT, p. 99, 2005).
Quanto aos pontos de “tecnologização dos meios de transporte e comunicação”,
estes se constituíram como fatores importantes na difusão do esporte pelo mundo haja
visto que o mesmo acompanhou os processos de internacionalização da cultura dos
povos, coisa só alcançada com o desenvolvimento dos meios de transporte e
comunicação. Já “aumento do tempo livre e surgimento dos sistemas nacionais de
ensino” serviram como ferramentas no intuito de massificar a prática nos mais diversos
países.
Em relação à importância dos sistemas de ensino na massificação do esporte,
vale ressaltar que com o desenvolvimento da sociedade Capitalista; ao passo que as
relações sociais “passam a prevalecer sobre as naturais” (SAVIANI, p. 8, 2005), onde se
faz necessário que ao homem de uma forma geral sejam incutidas capacidades para que
o mesmo possa integrar o “sistema de engrenagens” da sociedade centrada no mercado;
a educação (neste momento tendo a escola como local primordial) exerce fundamental
importância na transmissão dos conhecimentos produzidos socialmente. O esporte
enquanto produção social e que apresenta características semelhantes (porque não dizer
iguais ?) à sociedade em questão, se constitui também como um conhecimento que teve
sua transmissão aumentada neste processo de priorização da educação no ambiente
escolar.
Pelo que foi acima explicitado, percebemos que o esporte teve sua gênese e seu
desenvolvimento condicionados pela criação e fortalecimento do modelo econômico da
época, o capitalismo. Não por coincidência o esporte tem características muito próximas
à superestrutura que lhe serve de pano de fundo. Segundo Fritsch (1988), citado por
Kunz (2004, p. 82), o esporte consegue expressar melhor os valores da sociedade cujo
modelo copia.
História e evolução da capoeira
Por volta do século XVI no Brasil mais especificamente na Bahia, período
marcado pelas Grandes Navegações, e explorações dos recursos naturais, inicia-se um
período de comercialização da mão de obra escrava mais especificamente negros
africanos capturados, iniciando um ciclo de sofrimento do povo africano.
Um grande número de africanos foi arrastado das suas moradias, após presenciar
a morte da família e a destruição da sua dignidade. Como prisioneiros seguiam para
uma longa viagem sob terríveis condições, nos porões dos navios remando para um
“novo continente”. Muitos nem chegavam ao destino; seus corpos, após serem
violentados, eram jogados no mar como objetos sem valor na intenção de se livrar do
peso morto. As principais causas das mortes eram desnutrição, infecções, viroses e ate
mesmo Banzo (doença ligada ao desgosto pela vida).
Alguns escravocratas gostavam de tratá-los como se fossem animais para o
abate, os engordavam para conseguirem maiores quantias financeiras alimentando o
contrabando escravo para garantir a luxuria e boa vida das minorias.
Chegando ao destino, descobriam que o sofrimento apenas começava, seus corpos eram
expostos as mais diversas formas de agressões, desrespeitos, explorações. Apesar das
dores não ficavam livre do trabalho forçado e alienador, mantendo o luxo, a
comodidade da burguesia Européia no Brasil e em Portugal.
Ignorando as condições básicas de dignidade, os escravos eram muitas vezes
prisioneiros de guerra, índios e negros em sua grande maioria. Os índios tiveram uma
passagem rápida sobre as condições de escravos pois, na maioria das vezes, preferiam a
própria morte a servirem de escravos para povos estrangeiros nas suas próprias terras.
Paralelamente havia a defesa dos índios pelos Jesuítas, apoiados pela Igreja
católica que na verdade queria catequizar os mesmos disseminando a palavra de Deus
em todo o mundo. Portanto esses fatores contribuíram para não aceitação da igreja
católica a escravidão indígena no Brasil.
Havia também um grande comercio de compra e venda de escravos assim como
de captura de negros fugidos. Verdadeiras fortunas eram oferecidas para recaptura de
escravos, vivos ou mortos. Muitos senhores de engenho viviam somente do lucro
produzido pela mão de obra escrava.
Das diversas regiões da África eram trazidos os negros, com a intenção de
dificultar a comunicação e a pratica das manifestações culturais oriundas da sua terra
natal. Muitos vieram do Congo, Angola, Moçambique e traziam características
especificas nos seus corpos e nas suas produções culturais. Negros, Mulatos sendo
homens ou mulheres, crianças ou idosos, todos serviam como escravos na colheita, no
trabalho pesado, na casa grande, ocupando diversos serviços, os quais se caracterizavam
por longas jornadas de trabalho. Viviam uma política de opressão a fim de intimidá-los
contra possíveis revoltas.
Serviços imundos: quem iria fazer? Limpar sanitários, carregar água, abastecer
navios, e ate servirem como objetos sexuais de senhores e seus capatazes. A escravidão
foi quem mais engordou os cofres públicos e deu boa vida a Burguesia portuguesa. Seus
corpos apesar de tanto sofrimento e trabalho manual não deixavam de buscar suas
manifestações culturais suas crenças e mitos.
Mas foram os negros, com a cabeça ainda na áfrica e pés no Brasil, que não
deixaram desaparecer sua cultura: seitas, danças e culinária. Cabia aos mais velhos
esinar para os mais novos os saberes, a verdadeira historia, suas angustias e seus sonhos.
No peito dos negros “batia” um sentimento de revolta e ódio; mesmo assim
criaram o samba, a capoeira, a musica e tudo isso resultou em umas das maneiras de
afirmação e um das maneiras de expansão da língua portuguesa no mundo com a
historia do povo e suas contradições amadurecendo o sentimento de nacionalidade.
Muitos desses negros escravos carregavam ainda resíduos da sua ancestralidade.
Todo o tempo, principalmente à noite, após o dia de trabalhos forçados, era o momento
oportuno da materialização dos ritos africanos no Brasil, marcados severamente pela
nova condição de vida. Por mais que fossem castigados, discriminados, nunca deixavam
de cumprir suas obrigações, representar a cultura africana no Brasil, a religiosidade,
culinária, as danças, lutas, cerimônias etc. não desapareceram na vida do escravo.
Alguns disfarces eram criados a fim de esconder a verdade para os opressores e
exploradores. Seus saberes eram passados de geração e geração através, principalmente,
da oralidade e da linguagem do corpo.
Mas foi no Brasil, após tanto sofrer, que tal fato os conduziu para um sentimento
de busca pela liberdade e, de repente, o grito surge, a voz de um povo oprimido que
sonha com a liberdade no Brasil.
Surge de maneira rudimentar uma manifestação contra o sistema opressor
escravocrata, o que mais tarde se tornaria a capoeira. Tem inicio no final do século XVI,
o que mais tarde foi fortificado pelo sonho da liberdade e a falta de recursos para travar
a batalha utópica. Sendo assim, estas características os fizeram desenvolver um sistema
de ataque e defesa por meio dos movimentos corporais que tornou-se de fundamental
importância para a conquista da liberdade. Conforme Fontoura e Guimarães (2002):
“ (...) muitas são as divergências existentes entre os pesquisadores sobre a verdadeira origem da capoeira, porém, sem dúvida, é um elemento importante da cultura brasileira, e que tem considerável relevância, tanto por seu valor cultural e histórico quanto por seu valor educacional. A capoeira surge, desta forma, como um importante instrumento para o professor de Educação Física, já que possui fácil relação com a cultura brasileira, mas que infelizmente ainda é uma atividade pouco desenvolvida na escola, principalmente pelo fato dos educadores, muitas vezes, não terem contato com a modalidade durante sua formação acadêmica.”
A capoeira surgiu a partir da influência de outras manifestações africanas no
Brasil tal como o Batuque, N’golo, Bassula e o candomblé, representações que se
materializavam, nas Senzalas, nos Quilombos, nas praças, no cais do porto nas praias e
principalmente nas “Capoeiras”: mato que já foi cortado ou roçado; assim ganhou o
nome essa nobre arte secular.
Muitas vezes disfarçada em dança para enganar seu opressores, por trás daquela
malicia de jogo existia um arma mortal e desafiadora dos limites do corpo.
No século XVII a presença africana no Brasil já ultrapassava milhões de negros,
que compunham a sociedade Afro-brasileira: seja escravo, fugido ou alforriado.
No ambiente rural do Brasil colônia, a capoeira se manteve nos engenhos,
canaviais, cafezais e nas senzalas, o que começou a chamar atenção dos senhores donos
das fazendas.
A Capoeira, no meio das matas, era praticada como luta mortal, já nas fazendas
era praticada como luta inofensiva, pois era vigiada pelos senhores de engenho e pelos
capitães-do-mato. Foi a partir daí que se transformou em dança, pois precisava
sobreviver para ser utilizada como luta de resistência. Com as fugas em massa das
fazendas, a Capoeira se afirmava como arma de defesa no meio das grandes matas, onde
se situavam os Quilombos.
A ginga do corpo que hora parecia dança hora parecia luta, foi ganhando grandes
proporções entre as comunidades afro-brasileiras a ponto de se tornar um ideal
motivador pela busca da liberdade. Tinha a intenção de dispersar as atenções dos
capitães do mato: homens mestiços, negros alforriados que ganhavam recompensa para
capturar os “quilombolas”: negros fugitivos que geralmente buscavam refúgio nos
Quilombos: lugares onde se amontoavam os negros livres da economia escravagista.
O próprio jogo de capoeira no momento oportuno deixava de ser uma festa de
confraternização e celebração da vida para se tornar um campo de batalha, lutas que
pareciam não ter fim. Dessa maneira que os negros se preparavam para os combates que
custavam a liberdade.
O negro, fonte de lucro e exploração da força de trabalho “alimentava” toda essa
engrenagem chamada escravidão. Foi o povo negro quem construiu, produziu e
sustentou o Brasil durante séculos. Essa mesma massa trabalhadora sustenta a nação ate
hoje.
Durante o século XVIII houve uma grande perseguição à capoeira e outras
manifestações africanas no Brasil devido as arruaças, furtos e homicídios, políticos ou
não, cometidos por capoeiristas. Havia uma grave crise política entre os Republicanos e
Monarcas, sendo assim, muitas dessas agressões eram encomendadas. Com isso as
autoridades brasileiras não enxergavam outra opção a não ser incluir a capoeira no
código penal Brasileiro, artigo 402 parágrafo único dos vadios e capoeiras.
Após a abolição da escravidão, pouca coisa mudou na condição de vida do
negro. Agora não sendo mais escravo precisaria de recursos para começar nova vida.
Porem isso não aconteceu, os opressores vendo a fragilidade da inserção do negro
alforriado na sociedade, apoiou-se nessa posição para continuar a explorar a mão de
obra negra. Por salários medíocres ou muitas vezes apenas por moradia e alimentação o
negro continuava sua vida sendo massacrado moralmente, não havendo condições para
alcançarem novas perspectiva de vida a tão sonhada independência e autonomia.
Mas foram nas frentes de batalha em que o Brasil participou que os negros e a
capoeira começaram a ganhar destaque e reconhecimento da sua nacionalidade, Na
invasão dos holandeses, por exemplo, foi de fundamental importância a cidade de
Cachoeira4 na expulsão dos mesmos das terras brasileiras. Também, na guerra do
Paraguai houve a participação negra, que ficou marcada por grandes vitórias e atitudes
de bravura.
Com a escravidão extinta, a lei áurea e o decreto assinado pela Princesa Isabel
em 1868, um grande numero de negros “libertos” migrou para os centros urbanos na
busca por melhores condições de vida e emprego. Ao chegar nas cidades não tendo
4 Cidade do Recôncavo Baiano conhecida pela alta concentração de negros.
recursos para manter um custo de vida alto foram-se amontoando aos redores dos bairro,
formando as “favelas”. É nessa época que se houve falar dos capoeiristas urbanos.
A luta da capoeira, que também é considerado um jogo, mas não somente um
jogo, mas uma dança, ginástica, traziam em seus movimentos lembranças da mãe África
e a voz do povo oprimido nas suas composições musicais.
A capoeira, segundo Soares et al. (1992):
“(...) expressa a voz do oprimido na sua relação com o opressor, encerra em seus movimentos a luta de emancipação do negro no Brasil escravocrata. Seus gestos hoje esportivizados, no passado, significaram saudades da terra e da liberdade perdida e o desejo de reconquista desta liberdade usando como arma o próprio corpo. Por isso não se deve separar a capoeira de sua história, mas sim resgatá-la como algo que, além de jogo, luta ou esporte é uma manifestação cultural.”
Vieira (1998) propõe a capoeira como uma modalidade de luta realizada ao som
de cânticos e instrumentos musicais (berimbau, pandeiro e atabaque), existindo registros
de sua prática desde o século XVII, época das invasões holandesas no nordeste. Hoje
esta mistura de dança, jogo e luta é ensinada e praticada de forma mais sistematizada em
clubes esportivos, escolas e em universidades, tornando-se a “arte marcial brasileira”.
A capoeira para Luis Rocha (Mestre Medicina) é o elo de ligação entre nós e
nossos antepassados, que se comprometeram em preservar esta manifestação para que
pudesse chegar aos dias atuais, sem perder seus fundamentos e sua historicidade.
A roda de capoeira é considerado pelos capoeiristas momento de gloria e celebração da
vida que revela a essência do povo Brasileiro, miscigenado e, apesar de tanto
sofrimento, adora festejar e reverenciar suas crenças.
A capoeira, o candomblé e o samba são manifestações culturais que ao longo
dos anos sofrem influências políticas econômicas e sociais no seu contexto. A começar
pela sua vestimenta: a capoeira no seu período primitivo não dispunha de recursos para
obter roupas dignas, sendo assim as suas roupas eram resto de tecidos, feitas de sacos de
farinha, das caridades da patroa (sinhazinha). Assim vestiam-se os negros no período
colonial brasileiro, ate meados do século XIX.
Durante os dois primeiros séculos após seu surgimento poucas foram as
mudanças significativas, sua pratica era rudimentar, dotada de grande simbologia e
sentimentalismo.
A capoeira era praticada nos tempos livres, fora dos horários de trabalho como
um jogo de brincadeiras e luta no momento em que não se estava há vista dos Senhores
de Engenhos e seus comparsas.
Nas festas de largo, no carnaval, rodas no pelourinho, todo o tempo resistindo às
opressões impostas pelo sistema. Na maioria das vezes ensinada de graça aos mais
fragilizados economicamente. Esse sistema de defesa e ataque, que busca o limite do
seu corpo, superando todas as expectativas de prazer e satisfação, agregados aos valores
herdados das colônias africanas no Brasil, livres das necessidades “tecnológicas
imediatistas”; pelo contrário, ela fomenta sua própria existência. A capoeira é muito
mais do que um gesto técnico; sua linguagem esta descrita no corpo como forma de
expressão única e emotiva.
Sem duvida a capoeira como uma modalidade desportiva olímpica distanciaria
ainda mais as diversas matrizes de capoeira, as visita aos grupo não serão mais
possíveis, as rodas de rua não existiriam mais. Com certeza essa visão ainda esta muito
longe dos capoeiristas. As visitas em academias e quilombos de capoeira são comuns e
produtivas. É um meio sociabilizador, de disseminação da linguagem afro-brasileira e
garantia da diversidade de estilos, métodos de ensino. Estaríamos negando nosso
próprio saber.
Os espaços devem ser preenchidos, a capoeira nunca foi tão bem reconhecida
como esse momento agora. Expansão global e intercambio cultural. A garantia e a
valorização dos saberes dos mestres podem os garantir uma melhor condição de vida. O
mesmo não aconteceu com os grandiosos educadores da capoeira Bimba (Manoel dos
Reis Machado) e Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha).
Durante este período a pratica da Capoeira Angola e da Capoeira Regional, foi,
de acordo com Silva (2001, p. 138): “(...) realizada predominantemente nas academias,
perdendo sua característica de manifestação de rua (...)”. Este “deslocamento” sofrido
pela Capoeira não influencia a sua pratica nas aulas de Educação Física escolar,
permanecendo distantes (desvinculadas).
De acordo com Silva (2001) apos o golpe militar de 1964 a Capoeira Regional
sofre algumas transformações, aproximando-se do fenômeno esportivo, nas suas
palavras: “A capoeira regional mais se aproximou da pratica esportiva, como luta após
Bimba leva -la aos rings, sempre vitorioso nas suas atuações Bimba serviu e serve de
fonte de inspiração a muitos descendentes da sua criação.”
Bimba buscava um caminho de dialogo com o governo político, já enxergando
todo o potencial da arte afro-brasileira no Brasil e no Mundo
Segundo mestre Itapoan Bimba dizia: “eu fiz capoeira regional para o mundo.”.
Parecia, segundo o mestre, naquela época, meio utópico. Mas suas palavras se
materializaram rapidamente.
Por ser a roda de capoeira a própria festa do capoeirista, as competições não
foram bem aceitas no meio da sociedade capoeira. Muito imatura e contraditória, as
competições, traziam conseqüências equivocadas como, por exemplo, a exclusão e a
desvalorização da figura do mestre para o aparecimento do técnico treinador.
Com a valorização do esporte como válvula de escape da repressão política,
temos o enquadramento desta prática como um esporte de luta genuinamente brasileiro,
passando a fazer parte da Confederação Brasileira de Pugilismo, ganhando enfim o
status de esporte de competição. Com que objetivo retira-a da favela, das praias, das
praças e coloca-a nas academias de capoeira, rings de vale tudo, mostrado somente um
plano para a capoeira?
PERÍODO CAPOEIRA Esporte no Brasil
Higienista/ginástico - Inicio do século. XX;- Década de 30- inicio de 40.
Ginástica NacionalRelações com os militaresLiberação da pratica da capoeiraCriação da capoeira RegionalMelhoria da saúde do povoAparecimento das primeiras academias de angola e regionalRodas nas festas de largos.
Técnico/esportivo- Década de 60 e 70.
Mudança de espaço das ruas para as academiasÊnfase nos conhecimentos do mestreEsporte NacionalCompetições Regras performance.Vincula-se a Federação Brasileira de Pugilismo
Novas perspectivas/CulturaCorporal- Década de 80 e 90.
Valorização dos mestres da Antiga (angola)Esporte de rendimento vinculado as academias de ginástica e com competições esportivasCriação da confederação Brasileira de Capoeira.
A capoeira como Esporte Nacional é verdadeiramente dança, filosofia, arte, musica,
jogo, luta, ginástica, educação, paz, alegria, poesia, agilidade, historia, amor,
conhecimento, profissionalismo, dedicação, humildade, brincadeira, companheirismo,
solidariedade. Sob quais interesses a deram esse titulo a capoeira?
Toda a liberdade de expressão e seus fundamentos, a malicia, seu caráter criativo
etc. A capoeira é o conjunto de exercícios bem ajustado à realidade brasileira.
Na capoeira há espaço para todos, brancos negros, mestiços homens mulheres crianças,
idosos. Possuímos a capacidade de desfrutar das coisas boas que a capoeira nos
proporciona no dia a dia.
A capoeira foi tombada como patrimônio cultural brasileiro. O ministro da cultura
Gilberto Gil em 2004 apresentou uma proposta de paz com a capoeira em Genebra na
Suíça na Reunia da ONU.
Na musica popular brasileira houve grande influencia dos batuques dos
capoeiristas e percussionistas de musica afro. O berimbau é hoje instrumento percussivo
e símbolo do turismo e comercio da imagem da Bahia. Em todo o mundo, nas diversas
regiões a capoeira migrou, sejam nas academias, nas escolas, nas universidades, praças,
festas de largo, nas favelas, nas parias etc. Em todo lugar vemos capoeira, seja na Bahia,
seja no mundo.
Esportivização: da gênese aos tempos atuais
Para manter toda hegemonia do esporte, um fenômeno é adotado, a fim de
manter e ampliar o poder desta instituição e impor aos demais conteúdos da cultura
corporal, suas características: Tal fenômeno é a esportivização.
Esportivizar, segundo fins desta produção, é “encharcar” os demais conteúdos da
cultura corporal (lutas, jogos, ginástica, dança), ou pelo menos alguns deles, das
características próprias do esporte moderno (racionalismo, competição, individualismo,
tecnicismo, normatização, comparação objetiva, sobrepujança, especialização etc).
Muitas das vezes, o próprio conteúdo perde sua identidade tornando-se, para a
sociedade, esporte.
Na análise histórica do esporte moderno, já estão identificadas as primeiras
investidas do fenômeno da esportivização sobre os movimentos corporais diversos. A
criação em si do esporte se dá a partir de um fenômeno de esportivização. Ainda neste
texto foi dito que o esporte é institucionalizado na escola a partir dos jogos populares da
classe trabalhadora e do divertimento da classe alta. Ou seja, o esporte tem sua gênese
(esporte moderno) condicionada á esportivização de outros elementos da cultura
corporal que foram apropriados, sistematizados, tendo a escola como grande lócus de
propagação das técnicas e valores desta “nova” instituição.
Portanto, duas questões merecem destaque: a primeira é que o fenômeno da
esportivização não é uma característica dos tempos atuais, ela é oriunda do século
XVIII, data de gênese do esporte moderno; segundo que este fenômeno acompanha e
serve aos interesses e necessidades da estrutura macroeconômica capitalista.
Com o passar dos tempos, este fenômeno foi, aos poucos, esportivizando
diversas praticas corporais pelo mundo todo. Isto nos fica claro quando observamos a
organização atual do skate, do surf, das lutas (principalmente as ditas olímpicas), as
danças, alpinismo e a própria capoeira, objeto de estudo deste artigo.
Os motivos de tais avanços nos parecem bastante claros na fala de Betti (1998,
p. 120). Este autor mostra que toda movimento corporal sistematizado que apresente
uma possibilidade de prática diferenciada das do esporte, oferece riscos à hegemonia do
mesmo. Sendo assim, tais praticas são englobadas pelo esporte e tem suas características
ditadas pelo mesmo.
Faz-se necessário ressaltar que esta relação não é feita eminentemente sem
tenção (sem resistência) e que não são todas as características dos conteúdos que são
modificados. A história inclusive nos mostra que as características principais do
elemento corporal são mantidas: o andar de skate, o “dropar” nas ondas, o soco e o
chute nas lutas etc. A investida principal do esporte, são nos valores que acompanham
estas praticas corporais. Na sistematização/normatização (com um órgão mundial como
responsável), no tecnicismo, no racionalismo, no sobrepujar e no principal deles: o
elemento competição. Não basta mais dominar a prancha em cima da onda, é necessário
que este domínio seja melhor que o outro. Subir uma montanha perde o sentido se a
cada dia não se tente diminuir o tempo de subida. Os movimentos da luta só são
julgados eficientes quando expostos frente um adversário em competições. Ou seja, a
competição passou a permear toda e qualquer pratica corporal, como se aquela fosse
condição necessária para legitimidade desta.
Outras questões se fazem necessárias: qual o problema em existirem práticas
corporais que não atuem de acordo os ditames do esporte moderno? Em que isso
implicaria na vida do esporte? Por quê que o esporte vence neste “cabo-de-guerra”?
Para tentar responder tais perguntas, recorreremos a um diálogo com Guareshi
(2000) quando este autor analisa a estruturação da sociedade no capitalismo. Ao
estruturar esta enquanto formada por uma “infra –estrutura” (ibid, p. 82), formada pelas
forças e relações de produção e uma “super-estrutura” (ibid, p. 82), formada pelos
aparelhos repressivos e ideológicos; vemos que o esporte se aproxima desta
classificação enquanto sendo uma aparelho ideológico a serviço do capital. Mas isto,
por si só, não legitimaria sua hegemonia frente às demais praticas corporais, até porque
as mesmas também podem se estruturar enquanto aparelhos ideológicos. Porém
devemos primeiro analisar qual a função dos aparelhos ideológicos para depois tentar
identificar porque que o esporte recebe mais destaque.
Segundo o mesmo autor, os aparelhos ideológicos (TV, escola, leis, igreja
família etc) tem a função de propagar os valores da sociedade que os dá forma. Ou seja
propagar os valores da sociedade capitalista. Mas, ao contrario dos aparelhos
repressivos (polícia, exército, tribunais etc) que utilizam a força, a coerção, a dissuasão
etc. os aparelhos ideológicos são tácitos, subliminares, atuam de forma a propagar os
valores numa forma não impositiva e mais ideológica. Isso ocorre pelo fato de que
quanto mais impositiva é uma ação mais fértil é o campo para a contra proposta. Ou
como diz Gadotti (2005, p. 77) é na manipulação que a liberdade se gera, a dominação
ínsita a liberdade, ou “(...) na domesticação está também o seu contrário: a semente da
libertação.” (ibid, p. 56). Portanto, pelo que foi supracitado, os aparelhos ideológicos
são grandes aliados do modo de produção capitalista por propagarem seus valores de
forma tácita, não impositiva.
Se relembrarmos uma citação já usada neste texto; de que esporte consegue
expressar melhor os valores da sociedade cujo modelo copia; começamos a entender por
que este consegue hegemonia sobre as demais praticas corporais e, muitas vezes, sobre
os demais aparelhos ideológicos.
Não é de hoje que o esporte moderno (que pode ser considerado como uma cria
da sociedade capitalista) e seus representantes passam a influenciar a sociedade, passam
a dar respostas à estrutura econômica etc. Temos o exemplo do técnico Bernardinho5
que profere palestras para empresários dos mais diversos ramos. Ou seja, um tipo de
retorno da cria ao criador.
Por todas estas características do esporte (bastante alinhadas com o capitalismo),
pela sua locação enquanto aparelho ideológico a favor do capital e pela força e
importância que este ganha na sociedade atual, que esta instituição alcança hegemonia
na cultura corporal e esportiviza as demais praticas corporais, verdadeiras “ameaças” a
sua hegemonia.
Uma ultima questão se posta para “finalizar” este capítulo: qual ou quais os
malefícios trazidos pela esportivização dos conteúdos da cultura corporal?
No intuito de responder tais questões, trazemos o diálogo com Menezes (1980)
citado por Bracht (2005, p. 65), quando este autor cita três momentos no processo de
dominação da cultura popular feita pelo poder dominante: o primeiro momento é o da
“rejeição” (a cultura popular é repreendida), segundo momento é o da “domesticação”
(separação dos componentes perigosos) e, por fim, o terceiro momento é o da
“recuperação” (cultura popular transformada em mercadoria).
Se tomarmos como exemplo a capoeira, objeto de estudo deste trabalho,
perceberemos que a esportivização tenta submetê-la aos mesmo ditames citados por
Menezes. No primeiro momento, esta (a acapoeira) ou as praticas que mais tarde lhe
dariam suporte, são proibidas, ora pelos colonizadores, ora pelos senhores de engenho
(rejeição); nos tempos atuais os componente luta (de resistência) são separados dos
jogos de pernas (domesticação) e a capoeira passa a figurar como mais uma mercadoria
a ser vendida nos “supermercados” da cultura corporal (recuperação).
5 Técnico da seleção Brasileira de Vôlei masculina.
Quanto mais a capoeira passa de elemento cultural autônomo e passa a figurar
como mais um conteúdo esportivo, mais esta se torna mercadoria. Falar em mercadoria
é falar em bens produzidos, falar nestes bens na sociedade capitalista é entender que
estes tornam-se propriedade privada, portanto, sendo limitada a alguns que podem
pagar. Exemplo claro desta apropriação é a ingerência do Confef/Cref´s que quer fazer
deste conteúdo corporal, propriedade privada da minoria que teve acesso ao ensino
superior através dos cursos de graduação em Educação Física.
A criatividade do surf, expressos em suas manobras cada vez mais arrojadas, são
substituídas pela manobras padronizadas que mais impressionem os juízes na
competição. E mais, ate o momento onde os surfistas gozam da liberdade para criar, ou
seja, momentos entre competições, foram apropriados pelo esporte nas chamadas seções
especiais: um competição dentro da competição que envolve a disputa da manobra mais
arrojada. Nos fica claro que este fenômeno atende aos interesses já citados neste texto
por Betti (1998), que é a apropriação das possibilidades que podem servir de ameaça à
hegemonia do esporte ou de suas determinações. Algo muito parecido ocorre com o
skate.
Nas lutas, tem-se a perda do elemento filosofia, tão presente na cultura oriental.
A idéia de totalidade, de esvaziamento, de paz etc. perdem espaço para treinamentos
especializados em pró da vitória no final da competição. Com a transformação de
algumas lutas em esportes olímpicos (judô, tae kwondo, Karate por exemplo) não é
difícil achar aqueles que passam sua vida toda de praticantes treinando especificamente
para competir. Cada vez mais o elemento treinamento esportivo ganha o espaço da
filosofia oriental. Os próprios percussores de algumas lutas viram na
esportivização/competição uma forma de propagar sua cultura pelo mundo, tendo assim
parcela de responsabilidade na perda do elemento filosófico das mesmas.
Para finalizar, embora os exemplos não se esgotem aqui, temos as chamadas
corridas de aventura. Inicialmente planejadas para apreciar a natureza, desvendar novos
lugares, desafiar a si mesmo etc. a caminhada na natureza passou a figurar como esporte
alternativo, se tornando corrida de aventura. Pelo fato de ter o vencer o outro como
único objetivo, o elemento preservação da natureza fica para segundo plano
constituindo-se assim tais corridas como mais um elemento de depredação do meio
ambiente. Como já comenta Darido (2005), não basta expor o individuo à natureza para
esperar que este se preocupe com sua preservação.
Vale ressaltar, mais uma vez, que todas estas relações de esportivização, que
geram os malefícios supracitados, não acontecem sem que haja o já chamado contra
ponto, a contra posição, a resistência. Exemplos não nos faltam: Aikidô, alpinismo e a
própria capoeira, objeto de estudo deste artigo.
Referências
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