artigo ensino de língua materna da tradição gramatica à enunciação linguística

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1 UNIVERSIDADE VALE DO ACARAÚ O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA: DA TRADIÇÃO GRAMATICAL À ENUNCIAÇÃO LINGUÍSTICA Emanuela Faleiro dos Santos 1 Terezinha Fernandes de Freitas 2 Francisca Farias do Nascimento 3 RESUMO Esse artigo apresenta uma análise sobre o ensino de língua materna no contexto escolar, haja vista que nos últimos tempos este ensino tornou-se motivo de discussão por parte de estudiosos da língua, sendo necessário para isso abordar as concepções de linguagem e sua relevância no ensino de linguagem. Neste trabalho se faz uma reflexão sobre a possível confusão entre o ensino de língua portuguesa e o ensino de gramática, discutindo-se sobre o desenvolvimento da competência comunicativa dos discentes como objeto de ensino de língua materna, refletindo-se também sobre inserção do texto como eixo norteador para as análises linguísticas. Através de uma pesquisa de campo em uma escola da rede pública estadual pôde ser feita uma coleta de dados com questionários contendo perguntas para professores de língua portuguesa, verificando-se sua abordagem nas escolas, utilizando-se assim os dados coletados para se refletir se o ensino de linguagem encontra-se preso à tradição gramatical ou se já está de 1 Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Letras pela Universidade Vale do Acaraú. 2 Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Letras pela Universidade Vale do Acaraú. 3 Orientadora Especialista em Linguística Aplicada à Língua Portuguesa pelo ILAPEC, Leitura e Produção Textual pela Faculdade de Macapá (FAMA) e Professora da Universidade Vale do Acaraú.

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Page 1: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

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UNIVERSIDADE VALE DO ACARAÚ

O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA: DA TRADIÇÃO GRAMATICAL À

ENUNCIAÇÃO LINGUÍSTICA

Emanuela Faleiro dos Santos1

Terezinha Fernandes de Freitas2

Francisca Farias do Nascimento3

RESUMO

Esse artigo apresenta uma análise sobre o ensino de língua materna no contexto escolar, haja vista que nos últimos tempos este ensino tornou-se motivo de discussão por parte de estudiosos da língua, sendo necessário para isso abordar as concepções de linguagem e sua relevância no ensino de linguagem. Neste trabalho se faz uma reflexão sobre a possível confusão entre o ensino de língua portuguesa e o ensino de gramática, discutindo-se sobre o desenvolvimento da competência comunicativa dos discentes como objeto de ensino de língua materna, refletindo-se também sobre inserção do texto como eixo norteador para as análises linguísticas. Através de uma pesquisa de campo em uma escola da rede pública estadual pôde ser feita uma coleta de dados com questionários contendo perguntas para professores de língua portuguesa, verificando-se sua abordagem nas escolas, utilizando-se assim os dados coletados para se refletir se o ensino de linguagem encontra-se preso à tradição gramatical ou se já está de acordo com as proposições feitas pelos especialistas da área e os documentos oficiais que orientam o ensino de linguagem.

PALAVRAS-CHAVES: Ensino. Linguagem. Contexto Escolar. Tradição Gramatical. Competência Comunicativa.

ABSTRACT

This paper presents an analysis of language teaching in the school context, since in recent times this teaching has become a topic of discussion by scholars of the language, it is necessary to address the concepts of language and its relevance in education of language. This work is a reflection on the possible confusion between the teaching of Portuguese language and the teaching of grammar, discussing about the development of communicative competence of students as the object of teaching language, reflecting also on how the text insertion axis guiding for linguistic analysis. Through a field survey in a state public school can be a data collection with questionnaires containing questions for teachers of English

1Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Letras pela Universidade Vale do Acaraú.2Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Letras pela Universidade Vale do Acaraú.3Orientadora Especialista em Linguística Aplicada à Língua Portuguesa pelo ILAPEC, Leitura e Produção Textual pela Faculdade de Macapá (FAMA) e Professora da Universidade Vale do Acaraú.

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language, checking for their approach in schools, using data collected as well to reflect the teaching language is grammatical tradition-bound or already in accordance with the proposals made by experts in the field and the official documents that guide the teaching of language.

KEYWORDS: Education. Language. School Context. Grammatical Tradition. Communicative Competence.

1 INTRODUÇÃO

Há muito tempo que a linguagem deixou de ser entendida apenas como uma

expressão do pensamento para ser vista também como um instrumento de comunicação, mas

foi só a partir de 1997 com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que a escola

passou a defender e difundir as práticas de interação social no âmbito da linguagem, no

entanto, continuou seguindo um padrão preestabelecido.

A partir de uma nova visão – enunciativo-discursiva – apresentada por Mikhail

Bakhtin (1895-1975) o discurso passou a ser visto como uma prática social e uma forma de

comunicação interativa, o que vigora até os dias atuais, mostrando que a concepção de

linguagem tem tido ao longo do tempo um avanço significativo.

Atualmente se sabe que o estudo de linguagem visa em primeiro plano o

desenvolvimento da interação comunicativa, mas ainda se persiste uma visão um tanto quanto

deturpada de seu estudo, já que ainda existe uma confusão entre gramática e língua, como se

ambas fossem equivalentes; esta visão, no entanto, é no mínimo resultado de um grande

equívoco.

O ensino de língua portuguesa, enquanto disciplina, vem sido discutido por vários

linguistas que afirmam que o ensino ainda está passando por uma “crise”, já que grande parte

dos alunos tem muita dificuldade em dominá-la, seguindo tantas regras e tendo que

memorizar várias nomenclaturas, preocupando-se mais com a metalinguagem, do que com a

leitura, interpretação e produção de textos. Desta forma, quando o aluno chega ao Ensino

Superior, depara-se com a dificuldade de interpretar textos (muitas vezes de cunho técnico) e

até mesmo enunciados de questões das mais diversas áreas.

Diante disso, vários pesquisadores e principalmente linguistas, questionam o ensino

gramatical, qual seu propósito e contribuição no ensino da língua, indagando o porquê de ser

tão privilegiado, pois segundo Perini (2010), o estudo gramatical não é mais fundamental que

o estudo das funções linguísticas, já que antes de se estudar as regras que se aplicam à

linguagem deve-se primeiro ter domínio dessa língua em questão. Isso deve ser um ponto de

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reflexão, haja vista que se trata de um assunto de suma importância, deve-se então encontrar

caminhos que possibilitem uma melhor aprendizagem do estudo de língua materna.

O que se pretende através deste artigo é demonstrar as concepções de linguagem, que

segundo Antunes (2003) é norteadora de toda atividade pedagógica, sendo que autora enfatiza

que só “uma concepção interacionista da linguagem, eminentemente funcional e

contextualizada, pode, de forma ampla e legítima, fundamentar um ensino da língua que seja,

individual e socialmente, produtivo e relevante.” (p. 41)

Assim, este artigo visa propor uma formação de usuários competentes da língua, e no

âmbito do ensino da língua materna, tornar prioridade o ensino do uso da língua em diferentes

variedades linguísticas, de modo adequado a cada situação de interação comunicativa, seja ela

na modalidade escrita ou falada.

Dessa forma, procura-se promover uma atitude pedagógica que contribua para o

desenvolvimento da competência comunicativa, onde a gramática deve ser vista como um

estudo das condições linguísticas da significação, o que vai orientar a escolha dos recursos da

língua em função do efeito de sentido que se quer produzir de acordo com a situação de

interação comunicativa.

Assim, neste artigo analisar-se-á o ensino de língua materna no contexto escolar,

como está sendo sua abordagem na prática de sala de aula, que concepção o professor adere

em seu trabalho com a linguagem, quais conteúdos são visualizados no ensino de língua

portuguesa e quais estratégias o docente utiliza para desenvolver no aluno as competências

interativa, textual e gramatical, identificando o verdadeiro papel da linguagem para a

formação do cidadão de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais e teorias

linguísticas recentes.

2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

A linguagem é um dos principais recursos que o homem utiliza para viver em

sociedade de forma efetivamente dinâmica, no primeiro capítulo de seu Ensaio sobre o

entendimento das Línguas, Rousseau (1978) afirma que “a palavra distingue os homens e os

animais; as palavras distinguem as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem antes

dele ter falado.” O autor ainda afirma que o homem tem um enorme anseio e necessidade de

se comunicar, de exteriorizar seus sentimentos e pensamentos, buscando assim meios para

desempenhar sua linguagem.

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Sendo a língua uma ocorrência social utilizada por todos que convivem em sociedade

para os mais diversos fins, esta no entanto, no decorrer do tempo adquiriu diferentes

roupagens e concepções, havendo assim, três concepções mais difundidas e conhecidas, que

são: linguagem como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como

forma de interação social.

2.1 COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO

Uma das concepções mais antigas – desde a Grécia Antiga, passando pela Idade

Média e Moderna – é a que retrata a linguagem como representação do mundo e do

pensamento, onde se deve seguir as regras estabelecidas para organizar o pensamento e

representá-lo por meio da linguagem.

Sob a ótica desta concepção o contexto de produção comunicativa não influencia o

ato comunicativo, desconsiderando-se assim o meio e as circunstâncias onde a língua se

estabelece. Dessa forma, a linguagem seria apenas uma mera tradução do pensamento, assim

quando as pessoas não se expressam bem é porque não sabem construir o pensamento, haja

vista que, a fala seria o resultado da organização de ideias.

Logo, pensar é a condição básica para se escrever, visto que segundo Koch (1995)

a linguagem é constituída no interior da mente e sua exteriorização é apenas uma tradução do

que foi construído pela mente. Para Travaglia (2009) nesta concepção o fenômeno linguístico

é reduzido a um ato racional, monológico e individual, no qual não há a interferência do outro

e das circunstâncias onde a enunciação ocorre. Seguindo esta mesma linha, Soares (1998)

afirma que, de acordo com esta concepção, o modo como o texto é construído pelo falante

não depende em nada do contexto no qual está inserido.

No tangente a esta concepção, o fato linguístico – a exteriorização do pensamento

por meio de uma linguagem articulada e organizada – é denotado como o resultado da criação

individual. A expressão exterior depende apenas do conteúdo interior, do pensamento da

pessoa e de sua capacidade de organizá-lo de maneira lógica. De acordo com esta concepção a

linguagem seria estática e homogênea.

Dessa maneira, acredita-se que o pensar é resultando da lógica da linguagem, e deve

ser incorporado por regras a serem seguidas, sendo que essas regras situam-se dentro do

domínio do estudo da gramática normativa, que defende que dominar a língua é resultado do

domínio de teoria gramatical, assim a abordagem da concepção de linguagem como tradução

do pensamento pauta-se essencialmente na gramática prescritiva tradicional, tornando válida

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apenas a variedade padrão da língua. Em conformidade com isso, Geraldi (2006) afirma que

essa concepção – linguagem como expressão do pensamento – “ilumina, basicamente, os

estudos tradicionais.” (p. 41)

2.2 COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO

Na concepção que retrata a linguagem como instrumento/recurso de comunicação, a

língua é vista como um código que os falantes devem dominar para se comunicarem, assim é

indispensável que tenham domínio da língua como sistema, utilizando os conceitos

estruturais para se expressarem; o ouvinte, por sua vez, faz a decodificação dos sinais

recebidos transformando-os em uma nova mensagem. Travaglia (2009) afirma que

“o falante tem em sua mente uma mensagem a transmitir a um ouvinte, ou seja, informações que quer que cheguem ao outro. Por isso ele a coloca em código (codificação) e a remete para outro através de um canal (ondas sonoras ou luminosas). O outro recebe os sinais codificados e os transforma de novo em mensagem (informação).”(p. 22)

Percebe-se que a concepção de linguagem como um instrumento de comunicação

considera a língua um código para transmitir mensagens de emissores a receptores de forma

essencialmente objetiva, e mesmo tendo avançado em relação a concepção anterior, ainda

não leva em consideração o contexto social comunicativo dos falantes, portanto, não

corresponde com a realidade linguística da sociedade. Esta concepção restringe a linguagem a

apenas um meio de comunicação - não que ela não seja, porém não resume-se apenas a isso -

desconsiderando-se o fato de que o sujeito-falante imprime suas marcas no texto, tais como

humor, ironia, ambiguidade, entre outras.

Essa concepção condiz com a teoria estruturalista da língua que surgiu como

resultado dos estudos do linguista suíço Ferdinand de Saussure no início do Século XX. Para

Saussure (1974) a língua é um código formado por um conjunto de signos combinados através

de regras, utilizados para estabelecer a comunicação, dessa maneira o locutor e o interlocutor

devem dominar o código para que o ato comunicativo seja efetivado. Segundo Travaglia

(2009) essa visão da linguagem é totalmente desvinculada da utilização da fala, ou seja, não

se leva em conta quem produz o enunciado, para quem está destinado e em que situação ele

ocorre.

A linguagem como instrumento de comunicação possui uma perspectiva

extremamente formalista, visto que o seu estudo prende-se ao funcionamento interno da

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língua, separando-a do homem em seu contexto social, o que torna a comunicação uma mera

decodificação. Esta concepção é baseada nas gramáticas descritivas, denominadas como “a

gramática dos linguistas”, onde se tem a preocupação de descrever os usos da língua, como

eles de fato são, explicitando as regras que realmente são seguidas. Possenti (1996) afirma

que a principal preocupação da gramática descritiva é explicitar e tornar conhecidas as regras

utilizadas pelos usuários da língua.

Nessa visão de linguagem como um instrumento de comunicação, a língua se

estabelece de forma essencialmente informativa e estrutural, sendo descrita em conformidade

com as regras gramaticais, sem levar em consideração as peculiaridades existentes no

enunciado linguístico. Diante disso, Koch (1995) afirma que a linguagem estaria externa à

consciência individual, desconsiderando-se seu uso nos mais diversos contextos por parte dos

mais diferentes sujeitos. Segundo Oliveira (2010)

“Essa visão, por si só, não causaria nenhum problema ao ensino de línguas se não fosse por um princípio teórico específico: ela exclui de sua análise o uso linguístico e, consequentemente, o sujeito usuário da língua e as variações linguísticas que a existência de sujeitos diferentes provoca.” (p. 32)

Orlandi (1986) também afirma que Saussure em seus recortes deixa de lado o uso

real da língua, isolando o homem do seu contexto social de produção linguística. Dessa forma,

essa concepção estruturalista não é consistente para a prática docente, visto que Saussure em

seus estudos não preocupou-se com a questão do ensino, mas sim com a sistematização da

linguagem, dividindo-a em duas faces: língua – parte social – e fala – parte individual –

escolhendo a primeira como objeto de seu estudo. Assim, essa perspectiva não é indicada para

o ensino, haja vista que desconsidera a fala dos indivíduos, e segundo Oliveira (2010) o

professor de língua deve atentar-se para as variações linguísticas e culturais dos alunos.

2.3 COMO FORMA DE INTERAÇÃO

A terceira concepção é a que visa a linguagem como forma ou processo de interação,

através das ações praticadas pelos indivíduos, considerando-se o contexto social, histórico e

ideológico que envolvem o processo comunicativo – atos de fala e escrita. Dessa forma, esta

concepção é formada por práticas cognitivas e sociais situadas num dado momento histórico,

estando pautada nas ideias do estudioso russo Mikhail Bakhtin (1986), que diferentemente de

Saussure, afirma que

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“a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.” (p.123)

Segunda a perspectiva bakhtiniana nesta concepção o que caracteriza a linguagem é

o diálogo em amplo sentido, valorizando assim a interação verbal entre os indivíduos, haja

vista que é isto que realmente constrói a linguagem; o autor é quem difunde a teoria

enunciativo-discursiva, onde o discurso é visto como uma prática social e interação

comunicativa.

Em conformidade com Bakhtin (1986), Travaglia (2009) coloca que a língua é

resultado da interação humana, onde a comunicação acontece em sintonia entre os locutores e

interlocutores num contexto sócio-histórico e ideológico. Dessa forma, os sujeitos usuários da

língua estabelecem interações entre si, de acordo com o lugar que ocupam e as imagens que a

sociedade estabeleceu nestes lugares. Diferentemente das concepções acima mencionadas,

nesta o usuário da língua não traduz apenas seu pensamento e/ou simplesmente transmite

informações, mas sim realiza ações linguísticas, atuando e agindo efetivamente sobre o

interlocutor (ouvinte/leitor). Por visar a linguagem de forma interacionista, e com as novas

necessidades do século XXI, esta concepção é a mais aceita na contemporaneidade.

É a partir dessa concepção que visa a linguagem como processo de interação, que se

configura uma nova perspectiva de língua, que a reconhece como um processo de interação no

qual se considera os diferentes sentidos que a comunicação assume em diferentes situações

sociais. Esta concepção interacionista da língua considera as mais variadas formas de

linguagem, atentando-se para gramática internalizada que os usuários da língua possuem, pois

utilizam a linguagem seguindo as regras gramaticais internalizadas por eles, e com esta

linguagem dominada são naturalmente compreendidos.

A concepção interacionista da língua contrapõe-se às demais, por negar que a

linguagem seja um ato de criação individual, pois reconhece a importância da presença do

outro, tanto no ato de recepção/decodificação quanto no ato de emissão/codificação, pois o

outro é condição necessária no momento da construção do texto. Assim por meio do ato

linguístico são praticadas ações sobre os outros, ações estas que não existiam antes de

determinada fala, pois segundo Geraldi (2006)

“a linguagem é vista como um lugar de interação humana. Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o

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falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala.” (p. 41)

Esta concepção da linguagem como forma de interação situa a língua numa

dimensão mais humana, onde ocorrem as relações sociais, abrindo espaço assim para teorias

de estudos linguísticos correspondentes à Linguística da Enunciação – como Linguística

Textual, Teoria do Discurso, Análise do Discurso, Análise da Conversação, Semântica

Argumentativa e os demais estudos relacionados à Pragmática.

3 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

3.1 PROPOSIÇÕES PARA A SALA DE AULA

Toda atividade pedagógica é norteada por uma determinada concepção, no que se

refere o ensino de língua portuguesa, não é diferente. Tudo o que se realiza em sala de aula

está relacionado a um conjunto de teorias, sendo a partir delas que os caminhos do ensino são

percorridos, tais como definição de objetivos, seleção de objetos de estudo e escolhas de

procedimentos. Antunes (2003) afirma que em todas estas situações citadas, há uma

concepção de língua com suas funções e formas de uso e aprendizagem.

E como se pôde observar no tópico anterior, a concepção mais aceita

contemporaneamente – pelo menos em tese – é a concepção que se centra na língua como

atuação e interação social, haja vista que se torna possível uma visão mais ampla da

linguagem, acarretando um fazer pedagógico com resultados mais relevantes, expressivos e

produtivos.

Isso ocorre porque nesta concepção a língua não é independente, mais sim tem uma

relação de dependência com outros fatores, tais como a realidade histórico-cultural de um

povo, sua identidade e individualidade. Dessa forma, para que o ensino de língua materna seja

eficaz, torna-se indispensável levar em conta todos estes aspectos que são indissociáveis da

linguagem. Condizente com esta concepção, consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Médio (2000) que

“Não há linguagem no vazio, seu grande objetivo é a interação, a comunicação com o outro, dentro de um espaço social, como, por exemplo, a língua, produto humano e social que organiza e ordena de forma articulada os dados das experiências comuns aos membros de determinada comunidade linguística.” ( p.5 )

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Assim, o documento acima citado, orienta o ensino da linguagem de acordo com os

pressupostos da concepção interacionista da língua, já que esta concepção concebe o signo

linguístico atrelado ao meio social – e não apenas entre os signos, conforme a teoria lógico-

gramatical – assumindo assim uma postura mais discursiva e interativa da linguagem,

levando-se em conta seus saberes e conhecimentos enunciativos, percebendo-a como uma

realidade vivida que envolve indivíduos com sua própria história, cultura e sociedade.

Travaglia (2009) afirma que nesta concepção o ensino consiste principalmente em

desenvolver no aluno a competência comunicativa. O alcance desse objetivo se configura na

proposta de aulas voltadas para o ensino produtivo. Essa concepção tem como objetivo levar o

educando à adquirir novos conhecimentos a respeito da língua, para que no momento em que

achar necessário possa ter maior variedade de habilidades linguísticas. Nesta mesma linha

Antunes (2009) propõe que o ensino esteja preocupado com a formação integral do cidadão,

tendo como objeto principal a língua em uso, orientada para a interação interpessoal.

De acordo com esta concepção interacionista concernente ao ensino de língua

materna, abre-se mais espaço para a reflexão da língua em uso, para que os conteúdos

gramaticais tenham sentido para o aluno, percebendo-se sua utilidade tanto em sua formação

profissional quanto social.

Espíndola (2004) coloca que as Orientações Educacionais Complementares aos

Parâmetros Curriculares Nacionais (2002) propõem que “o ensino de língua materna deve

considerar necessária a aquisição e o desenvolvimento de três competências: interativa,

textual e gramatical,” (p. 93) evidenciando-se que o foco principal não é o conteúdo mas sim

o desenvolvimento dessas competências, sendo fundamental apontar que elas devem ser

distribuídas e estreitamente relacionadas aos eixos de Produção Textual, Desenvolvimento

com a Oralidade, Gramática e Literatura.

A partir do que foi citado acima, fica sob a responsabilidade da escola selecionar os

conteúdos que desenvolverão de forma mais adequada estas competências – interativa, textual

e gramatical – assim, para que a aprendizagem ocorra pertinentemente é indispensável a

utilização de textos, pois é através deles que a comunicação de fato acontece, sendo somente a

partir deles que pode-se analisar e refletir sobre os enunciados linguísticos de forma a

contribuir para o desenvolvimento de competências e o aprimoramento de determinadas

habilidades. Concernente à reflexão sobre os enunciados linguísticos, Travaglia (2009) afirma

que

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[...]enunciados são frutos de situações de comunicação, são, naturalmente, textos, isso significa dizer que se deve propiciar o contato e o trabalho do aluno com textos utilizados em situações de interação comunicativa o mais variadas possível. Portanto, se a comunicação acontece sempre por meio de textos, pode-se dizer que, se o objetivo de ensino de língua materna é desenvolver a competência comunicativa, isto corresponde então a desenvolver a capacidade de produzir e compreender textos nas mais diversas situações de comunicação. (p. 19)

Em concordância com a afirmação acima de Travaglia (2009), Antunes (2003)

aponta que a utilização do texto é indispensável para o ensino de linguagem, pois de acordo

com a concepção interacionista da língua, concebida como funcional e contextualizada, os

seus usuários agem e interagem entre si funcionalmente, o que só é possível através da forma

textual. Assim, o estudo das particularidades do texto e do discurso são de fato o objeto do

ensino de linguagem sob a perspectiva interacionista, sobre o qual Antunes (2009) pôde

chegar à dois consensos “o de que usar a linguagem é uma forma de agir socialmente, de

interagir com os outros, e o de que essas coisas somente acontecem em textos.” (p. 49)

Assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000) também orientam que o ensino

da língua materna deve focar-se no texto – que é o eixo central do ensino da linguagem –

composto por inúmeros recursos, tais como processos de construção e sequenciação,

envoltura temática, informatividade contextual, relevância, elementos de coesão e coerência;

devendo-se então analisar cada um de seus aspectos, considerando ainda seu desdobramento

pragmático. Diante disso, percebe-se que a utilização dos textos em sala de aula é

indispensável.

Sob esta visão, o principal e primeiro passo que deve ser dado na sala de aula, parte

do professor no momento em que decide aderir à concepção interacionista da linguagem.

Sabendo-se que cada grupo de educandos tem suas particularidades, é imprescindível que o

professor esteja atento para elas, no intuito de fazer um bom planejamento de aula,

considerando diversos fatores para a confecção de suas atividades, tais como variedades

linguísticas, valores morais, éticos, religiosos, entre outros.

De acordo com Antunes (2009) o ensino da linguagem precisa ser abordado

considerando-se a realidade linguística, cultural e de identidade do povo, não podendo-se

dissociá-las, haja vista que cada povo tem sua identidade, o que caracteriza sua cultura e

língua, já que esta por sua vez é resultado de relações sociocomunicativas, onde há locutores e

interlocutores interagindo entre si. Deve-se assim atentar-se para as intenções e efeitos de

sentido existentes entre locutores e interlocutores, tornando assim o estudo do texto e do

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discurso mais relevantes, já que percebeu-se então a complexidade do fenômeno linguístico

em contextos diversos e multifacetados.

Oliveira (2010) afirma que o ensino de língua deve priorizar o desenvolvimento da

competência comunicativa do aluno, sendo que para desenvolvê-la não precisa-se

necessariamente dominar regras gramaticais, mas sim utilizar a linguagem de forma adequada

à cada situação social; isto corresponderia com a capacidade do usuário da língua em saber

interpretar e empregar um elevado número de recursos linguísticos, seja da forma escrita ou

oral, de maneira adequada em diferentes situações de interação comunicativa.

Assim, um indivíduo que domina os recursos e mecanismos da língua, sabendo

refletir sobre tais estratégias, não só consegue compreender melhor os sentidos da linguagem

no seu dia-a-dia, como também terá provavelmente, mais chances de elevar-se no mercado de

trabalho.

Para que isto de fato ocorra é necessário que o aluno saiba utilizar cada vez mais um

número maior de tipologias e gêneros textuais – sejam orais ou escritos, verbais ou não-

verbais – o que para Antunes (2009) acarretaria num trabalho com o ensino de linguagem

mais significativo e consistente, apontando a dimensão da textualidade como fundamento para

o ensino de línguas, propondo que se leve o aluno a dominar o texto em suas diversas faces:

cognitivas, discursivas e pragmáticas.

Pôde-se notar que para que o ensino da linguagem assuma uma postura interacionista

e tenha eficácia na formação do aluno/cidadão, tem-se que disponibilizar a ele um ensino que

leve em conta sua realidade sócio-cultural, com diversos tipos e gêneros textuais,

oportunizando o domínio de diversas variedades linguísticas para que o educando possa

utilizá-las adequadamente no contexto social; referente a isto, não pode-se deixar de salientar

as discrepâncias entre o domínio da norma padrão culta e o uso da modalidade coloquial da

língua, tal qual o papel da escola e do ensino da linguagem quanto as estas discrepâncias.

Possenti (1996) atribui à escola o dever de ensinar aos alunos o domínio da língua

em sua variedade culta, normativa, haja vista que os falantes já dominam a língua portuguesa

em sua variedade coloquial, usual, do dia-a-dia. Consonante a isto, Geraldi (2006) coloca que

mesmo que se tenha que valorizar e considerar os dialetos existentes na linguagem –

incontestavelmente válidos do ponto de vista linguístico – não se deve prender-se somente a

eles no que se refere ao objeto de ensino nas aulas de língua materna, até porque isto

significaria um desconhecimento de que a linguagem representa um elemento de domínio

social, constituindo um obstáculo de acesso ao poder.

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Então é fundamental que o ensino de língua não esteja restrito a apenas uma

variedade linguística, mas sim abra um leque de opções aos alunos, preparando-os não só para

o mercado de trabalho, como também para a vida social; assim não se pode deixar de lado a

modalidade padrão, uma vez que esta, quer queira ou não é a privilegiada na sociedade,

constituindo um bloqueio entre as comunidades linguísticas sociais.

Assim, Soares (1998) aponta que a linguagem é um dos meios que possibilita

amenizar e/ou senão superar as desigualdades sociais, rompendo as barreiras dos dominantes

– que predominantemente dominam ou mesmo têm mais oportunidades de dominar a

modalidade culta – e os dominados – que dominam apenas a linguagem coloquial – sendo

papel do professor de língua materna ofertar aos educando o domínio de outras variedades

linguísticas, como a norma padrão da língua.

Concernente à esta abordagem da norma culta no contexto escolar, Geraldi (2006)

coloca que não é uma questão de diminuir a variedade não-padrão e supervalorizar a norma

culta, mas é a maneira de possibilitar linguisticamente que todos tenham as mesmas

oportunidades no contexto profissional e social; e esse é um dos principais papeis da escola no

que se refere ao ensino de linguagem, quanto a formação do aluno, objetivando torná-lo ativo

socialmente.

Sob a luz da concepção interacionista não se postula apenas novas metodologias de

ensino, mas também novos conteúdos, já que assumindo esta perspectiva deve-se então

privilegiar o domínio das habilidades dos usos linguísticos em contextos concretos em

detrimento de análises conceituais metalinguísticas, pois o mais importante, segundo Geraldi

(2006), é saber o ‘para quê’ se ensina língua materna à brasileiros, e respondendo a esta

pergunta é indiscutível afirmar que esse ensino fundamenta-se nas mais variadas formas

linguísticas visando o domínio de um maior número, para uma utilização eficaz e socialmente

adequada.

Segundo Geraldi (2006) a prática de leitura, de produção de textos e a análise

linguística são unidades básicas para o ensino de língua portuguesa. Sendo que na prática de

leitura estão envolvidos dois níveis de profundidade de leitura e de tipos textuais, como as

narrativas longas – novela, romance – e textos curtos – crônica, conto, noticiários, etc.

Antunes (2003) afirma que a leitura é uma atividade de interação, ultrapassando assim os

limites da decodificação dos signos linguísticos, já que o leitor, sendo sujeito da ação de ler,

procura interpretar, compreender e recuperar as informações do conteúdo do texto, tais como

a intenção de quem o escreveu.

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13

A produção de textos segundo Antunes (2003) também é uma interação entre sujeitos

realizada conjuntamente entre duas ou mais pessoas, através da comunhão de ideias,

informações e intenções pretendidas por quem escreve, com objetivo de dividi-las com

alguém, implicando assim a um ato interativo. Sempre que se vai escrever algo, tem que se ter

em mente o que se quer dizer, para que haja assim ideias e informações a serem transcritas

através das palavras.

No entanto, com relação a produção textual no contexto escolar, não se pode escrever

sem haver destinatário, haja vista que a escrita assim se tornará dificultosa e com repertório

restritamente fechado, não podendo no âmbito do ensino da linguagem, cobrar dos alunos

produções textuais que não tenham leitor, se limitando estritamente a fins de avaliação.

Geraldi (2006) propôs que se faça antologias de textos que sejam fixadas em murais,

afim de que todos possam ver e ler, ou mesmo confecções de jornais, que possam ter

circulação ao menos no meio escolar; assim os alunos sentem-se motivados para produzirem

textos, pois estas produções têm objetivos, sendo que assim os alunos procuram fazê-la da

melhor forma possível, até porque serão lidas por vários leitores, e não apenas pelo professor.

Quanto à prática de análise linguística, o autor acima citado sugere que tais análises

sejam feitas a partir de textos produzidos pelos próprios alunos, já que o ensino de gramática

só tem sentido para o aluno se houver o objetivo de auxiliá-lo, devendo ser relevante,

funcional e contextualizado. Assim, cabe ao mediador selecionar os textos produzidos,

atentando para um problema de cada vez, para então analisá-lo conjuntamente com os alunos,

sendo que Geraldi (2006) afirma que “fundamenta essa prática o princípio: ‘partir do erro para

a autocorreção’.” (p. 74)

Antunes (2003) afirma que o ensino gramatical só auxilia o aluno quando orienta a

como utilizar as unidades linguísticas, combinando-as para produção de enunciados com

efeitos de sentidos funcionais contextualizados, que possam ser interpretados e que estejam

adequados às suas finalidades.

Dessa forma, o estudo da gramática só faz sentido quando tem como objetivo a

produção textual, conhecendo e sabendo utilizar as regras gramaticais que orientam a

confecção do texto, descartando-se assim a demasiada importância que se dá às

nomenclaturas, pois mais importante que nomear as regras é saber utilizá-las adequadamente

de acordo com o contexto de produção. Para Antunes (2003) o necessário para que o aluno

entenda como utilizar estas regras, são

a descrição de como empregar os pronomes; de como usar as flexões verbais para indicar diferenças de tempo e de modo; de como estabelecer relações semânticas

Page 14: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

14

entre partes do texto (relações de causa, de tempo, de comparação, de oposição, etc.); de quando e como usar o artigo indefinido e o definido; de quando e como garantir a complementação do verbo ou de outras palavras; de como expressar exatamente o que se quer pelo uso da palavra adequada, no lugar certo, na posição certa. (p. 86)

Como por exemplo, se um aluno vai produzir um texto dissertativo, ele fará uso de

argumentos, e no ato de produção muitas vezes terá que utilizar elementos coesivos que

liguem termos dentro do seu texto, então é muito importante que se atente para o sentido

desses elementos coesivos, para que não distorça a ideia que ele pretende defender, pois o uso

de uma conjunção inadequada dentro daquele contexto de produção, pode acarretar um

problema de coerência no seu texto, onde ele poderá entrar em contradição. Então nessa

situação, torna-se necessário que se tenha noções gramaticais, mas essa necessidade ocorre

em função da construção do texto, pois “a gramática existe em função da compreensão e da

produção de textos orais e escritos.” (ANTUNES, 2003, p. 92)

Outra prática muito importante para a formação do aluno é o trabalho com a sua

oralidade, que em relação à escrita, não tem recebido a merecida atenção. Antunes (2003)

observa que apesar de cada uma ter suas particularidades, oralidade e escrita não possuem

distinções essenciais entre si e, nem mesmo se opõem; na verdade, ambas funcionam como

meio de comunicação verbal que efetivam a linguagem.

Assim, da mesma forma que há a necessidade de se trabalhar a escrita, também há

necessidade de se trabalhar a oralidade em sala de aula, pois esta não se limita somente à

espontaneidade e ao relaxamento, haja vista que em determinadas situações torna-se

necessário seu uso em conformidade com a norma padrão, e a escola – em especial, mas não

apenas, nas aulas de língua materna – é o local ideal para esta prática.

Tudo o que foi exposto edifica bases fundamentais para um ensino de linguagem

mais produtivo e relevante para o aluno, preparando-o, segundo Travaglia (2004), para uma

vida com melhor qualidade, obtendo maior mobilidade dentro da sociedade na qual a língua

está diretamente vinculada.

E como resultado desta aprendizagem mais produtiva, o trabalho do professor torna-

se mais gratificante, o qual, segundo Bechara (2002), tem a enorme responsabilidade de

oferecer condições que favoreçam ao aluno sua transformação em um “poliglota dentro de sua

própria língua, possibilitando-lhe escolher a língua funcional adequada a cada momento de

criação.” (p. 14)

Page 15: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

15

3.2 O ENSINO NA ESCOLA DE REDE PÚBLICA ESTADUAL: TABULAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

Tendo em vista as proposições para o ensino de língua materna, embasado na

concepção interacionista da linguagem que fundamenta um ensino mais produtivo e relevante

para o aluno, tornou-se necessário investigar se estas proposições já estão presentes na prática

de ensino em sala de aula, para tal foi necessário se fazer uma pesquisa de campo sobre o

ensino de língua materna no contexto escolar.

A pesquisa de campo foi realizada na escola da rede pública Estadual Professor

Francisco Walcy, na cidade de Santana-AP, sendo entrevistados nove professores do Ensino

Médio desta escola, especialistas nas disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura. O

método utilizado para a realização da pesquisa foi investigativo descritivo através de

questionário com perguntas abertas e semiabertas sobre como está o ensino de língua materna

no contexto escolar.

O questionamento com os professores foi para saber que concepção utilizam em sala

de aula e porque a utilizam; como também a abordagem dos assuntos de língua portuguesa

em sala de aula; as competências, habilidades e aprendizagem dos alunos como resultado de

sua prática de ensino e de que maneira eles viabilizam o desenvolvimento das competências

interativa, textual e gramatical no processo ensino-aprendizagem.

A primeira questão a ser perguntada aos professores pesquisados foi sobre a

concepção de linguagem que eles adotam em sua prática de ensino, até porque Antunes

(2003) afirma que toda atividade pedagógica do ensino de português é norteada por uma

determinada concepção de língua, por conta disto foi necessário que esta fosse a primeira

pergunta do questionário. (gráfico 1)

Gráfico 1

Qual concepção de linguagem é a mais utilizada em sua prática de sala de aula?

Concepção interacionista

Não responderam a pergunta

33%

67%

Fonte: Professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da Rede Pública Estadual – 2011

Page 16: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

16

A maioria dos pesquisados – 67% do total – respondeu que adota em sua prática

em sala de aula a concepção interacionista da língua, afirmando que as formas linguísticas

não são mais estudadas como um sistema acabado e fechado. Percebeu-se através das

respostas dos professores a esta pergunta que uma grande parcela já é consciente da existência

de uma concepção mais adequada ao ensino de língua, visto que esta leva em consideração as

ações praticadas pelos indivíduos dentro do seu contexto histórico-social, entendendo a

linguagem como um lugar de interação.

Para Travaglia ( 2009) sob o prisma dessa concepção o indivíduo faz uso da língua

para realizar ações, agir ou até mesmo, atuar sobre o ouvinte, assim não é apenas um meio

para traduzir ou expor pensamentos nem transmitir informações a outra pessoa. É pertinente

afirmar que ao usar esta concepção, os professores despertam a criticidade dos seus alunos,

estes por sua vez, passam a reconhecer o seu lugar na sociedade, como sujeitos ouvintes e

falantes, que agem ativamente no meio social através da linguagem.

Os demais 33% não souberam responder, ou não compreenderam a pergunta. Pôde-

se observar que ainda existem professores que desconhecem até mesmo estes termos, e por

conta disso não compreenderam a questão, sendo que as suas respostas prenderam-se mais aos

conteúdos ensinados, sistemas de avaliação e o relacionamento com os alunos, fugindo do que

realmente havia sido perguntado.

É indispensável no ensino de língua que o professor tenha conhecimento das

concepções de linguagens para sua prática em sala de aula, para este não fazer uso de uma

concepção de língua vista por Geraldi (2006) como máscara de pensamento, sendo que nela

os alunos não têm liberdade para escrever, seguem um modelo pronto em suas redações, se

prendem apenas a resumos e fichamentos, rotulam obras; desta forma o que ocorre é um

‘adestramento’ dos alunos, cabendo ao professor policiá-lo, para que sigam as regras

adequadamente. O autor acima citado ainda coloca que neste ensino de língua, os alunos

deixam de utilizar sua criatividade, perdendo suas atitudes de invenção e liberdade.

Travaglia (2009) também afirma que a concepção de uma língua é tão imprescindível

quanto a postura do professor em relação à educação, sendo de extrema importância o

conhecimento dessas concepções para o professor desenvolver o ensino de língua materna.

Assim, além de investigar que concepção é utilizada pelo docente, evidentemente é

fundamental questionar o porquê que este fez a escolha de utilizar determinada concepção de

língua. (gráfico 2)

Page 17: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

17

Gráfico 2

Aponte o porquê utiliza esta concepção de ensino.

Porque resume as demais concepções

Através dela o aluno se envolve no seu processo de ensino

Não responderam à pergunta

34%

33%

33%

Fonte: Professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da Rede Pública Estadual – 2011

Quando questionados sobre os motivos que os levam a utilizar determinada

concepção em sua prática de ensino, 34% afirmaram que utilizam a concepção interacionista

porque esta resume as demais; com relação a esta resposta é conveniente salientar que estes

professores pesquisados limitaram muito a concepção interacionista da língua, haja vista que

esta concepção de língua como um lugar de interação vai muito além do que um resumo das

demais concepções, já que ultrapassa as visões de linguagem como mera expressão do

pensamento e como objeto de comunicação, constituindo-se assim segundo Bakhtin (1986)

como um fenômeno linguístico social efetivado por meio de enunciações, sendo que a

interação é a realidade fundamental na língua.

Geraldi (2006) denota que a concepção interacionista envolve uma postura

diferenciada na educação, haja vista que esta situa a linguagem como um lugar de formação

de relações sociais, em que os falantes se tornam sujeitos, ou seja, não são mais apenas

reprodutores nem tão pouco transmissores e receptores de informações.

Os outros 33% que também responderam “utilizar a concepção interacionista”,

justificam que sua escolha se deve ao fato de que através dela o aluno poderá atuar de forma

mais consciente na sociedade em que vive, se envolvendo assim no seu próprio processo de

aprendizagem. Pôde-se observar que eles já levam em consideração a importância da

concepção interacionista e sua utilização na prática de ensino nas aulas de língua portuguesa,

sendo que estes visualizam o aluno como um sujeito integrante da sociedade, levando em

conta suas peculiaridades no processo de ensino-aprendizagem.

Page 18: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

18

Verificou-se também que estes professores consideram a fala, a escrita e a leitura do

aluno-sujeito, como também suas particularidades culturais, contexto de produção e recepção

de enunciados. Nesse sentido é trabalhada a competência comunicativa dos discentes, o que

de fato é a função principal do ensino de linguagem.

Nota-se então que o ensino de língua embasado na concepção interacionista é mais

relevante para o aluno, a ponto que Oliveira (2010) destaca esta concepção como a mais

interessante para a prática em sala de aula, visto que implica diretamente em um novo

planejamento de aula e avaliação da produtividade dos alunos, assim como os peculiares

dialetos trazidos por eles para o contexto escolar, influindo positivamente no ensino de

linguagem, tornando-o mais significativo para os seus usuários.

Quanto aos 33% restantes, como não responderam que concepção utilizam, também

não puderam colocar o porquê. Após se investigar que concepção de língua o professor adere

em sua prática de ensino e porque a utiliza, tornou-se importante questionar também quais

assuntos são abordados nas aulas de Língua Portuguesa. (gráfico 3)

Gráfico 3

Quais assuntos de Língua Portuguesa são abordados em sala de aula?

Linguagem oral e escrita.

Gramática, texto e literatura.

Gramática e literatura.

33%

34%

33%

Fonte: Professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da Rede Pública Estadual – 2011

Com relação a esta pergunta, 33% responderam que os assuntos abordados são sobre

a linguagem oral e escrita, percebendo-se então que estes professores se atentam para os

aspectos da oralidade e da escrita, preocupando-se então em abordar preferencialmente em

sua prática pedagógica assuntos que desenvolvam a linguagem dos seus alunos. Assim, agem

em conformidade com Travaglia (2009) que diz que “ o ensino de língua materna se justifica

Page 19: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

19

prioritariamente pelo objetivo de desenvolver a competência comunicativa dos usuários da

língua” (p.17).

Contudo, 34% afirmaram abordar os conteúdos pertencentes ao texto, gramática e

literatura, assim como está demarcado no livro didático, que divide estes assuntos em três

grandes blocos, visualizando-os dissociadamente. Notou-se através de suas respostas que

estes assuntos são abordados em períodos diferentes, sem relacioná-los em momento algum.

Estes professores citaram até mesmo o assunto que estão abordando no momento que

é acentuação gráfica, entretanto, esta não é visualizada dentro de textos, mas a partir de

palavras soltas. Foi explicitado também através de suas respostas uma grande preocupação

com os conteúdos gramaticais, estes claramente evidenciados como eixo principal do ensino

de língua, sendo que Antunes (2003) coloca que o desenvolvimento que se pode provocar nos

alunos através de classes gramaticais restringe-se apenas ao reconhecimento de unidades

linguísticas, dessa forma o ensino limita-se meramente à metalinguagem.

Os pesquisados acima também mencionam o texto como conteúdo do seu

planejamento de ensino, o que já representa determinado avanço, pois este é o ponto de

partida de toda a comunicação, no entanto, percebeu-se que os textos são utilizados apenas

como uma leitura superficial, com questões de interpretações bem evidentes no texto, sem

despertar no aluno uma análise linguística e menos ainda provocar a leitura do não dito, do

que está presente nas entrelinhas do texto, tal qual o seu contexto de produção.

Os professores em questão também afirmam visualizar os conteúdos literários, que

fazem parte das postulações propostas a serem desenvolvidas na disciplina de Língua

Portuguesa, pois Espíndola (2004) afirma que nas Orientações Educacionais Complementares

aos Parâmetros Curriculares Nacionais (2002) o ensino de língua é estruturado a partir de

quatro grandes eixos: Literatura, Gramática, Produção de Textos e Desenvolvimento da

Oralidade. Portanto, os discentes mencionam apenas Gramática, Texto e Literatura, ainda

assim abordados dissociadamente, e no documento acima citado consta que todos estes

assuntos devem ser correlacionados, afim de contribuir com o desenvolvimento das

competências e habilidades dos discentes.

Os demais 33% afirmam está abordando as classes gramaticais – morfologia –e as

escolas literárias – romantismo, realismo, naturalismo, parnasianismo e simbolismo.

Percebeu-se através das respostas destes professores que ainda há uma grande preocupação

com os aspectos metalinguísticos, sendo que estes ainda colocam claramente questões de

nomenclatura.

Page 20: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

20

Consonante a esta abordagem com foco metalinguístico, Antunes (2007) afirma que

é preciso ir muito além da nomenclatura, das classificações gramaticais, da simples análise

sintática de frases isoladas para ver como as unidades da língua funcionam na construção dos

textos e que efeitos podem provocar na constituição do discurso. Antunes (2003) ainda afirma

que o ensino de nomenclaturas só desenvolve no aluno habilidade de nomear as unidades das

formas ditas corretas, não permitindo intervenções do falante.

A partir de todos estes conteúdos contemplados pelos professores nas aulas de

Língua Portuguesa no Ensino Médio, foi pertinente pedir que eles descrevessem as

competências e habilidades linguísticas tal qual a aprendizagem dos alunos, como resultado

de sua prática de ensino. (gráfico 4)

Gráfico 4

Descreva as competências, habilidades e aprendizagem dos alunos, como resultado de sua prática de ensino

Utilizam a linguagem de forma mais adequada às normas gramaticais.

Desenvolvimento da oralidade e da escrita nas situações funcionais de uso.

67%33%

Fonte: Professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da Rede Pública Estadual – 2011

Referente a esta questão, a grande maioria dos professores – 67% – responderam

que como resultado de sua prática de ensino os alunos passam a utilizar a linguagem de forma

mais adequada às normas gramaticais. Percebe-se então que a maioria dos pesquisados ainda

se preocupam principalmente com o emprego e a utilização da gramática normativa, frisando

a necessidade de adaptar a linguagem dos alunos à norma padrão da língua, observando-se as

regras gramaticais, procurando sempre trabalhar para combater os vícios de linguagem e na

sua prática de ensino fazem uso frequente de seminários para adequar a linguagem oral dos

alunos à norma culta da linguagem.

Concernente a esta preocupação em adequar a linguagem dos discentes as regras da

gramática normativa, Antunes (2003) afirma que esta é uma visão equivocada da linguagem

Page 21: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

21

dos alunos, haja vista que veem nela um lugar privilegiado de rompimento de regras

gramaticais, como se tudo que houvesse de errado na língua, ocorresse na fala, sendo que nela

tudo é permitido, estando à margem das normas e prescrições da gramática, entretanto, a

autora ainda afirma que estas visões não diferenciam as situações sociais que exigem uma

maior formalidade de interação de situações mais coloquiais, onde se tem uma liberdade

maior para a espontaneidade do uso oral da língua.

Travaglia (2009) denota que se deve desenvolver a competência comunicativa dos

alunos, para que estes utilizem a linguagem de forma adequada nas mais distintas situações de

uso, isso tanto na modalidade oral quanto a escrita. É evidente que não se deve, no entanto,

impor a norma culta aos alunos, como se esta fosse a única válida no uso linguístico, sendo

necessário então mostrar as diferentes possibilidades da linguagem e em que momento ser

conveniente utilizá-las, sem desconsiderar a fala do discente.

Concernente ao combate dos vícios da linguagem, denotados nas respostas dos

professores como ‘erros’ dos alunos, caracterizando um defeito na linguagem, o linguista

Sírio Possenti (1996, p.29), coloca que

“os grupos que falam uma língua ou um dialeto em geral julgam a fala dos outros a partir da sua e acabam considerando que a diferença é um defeito ou em erro. Daí pensarmos, em geral, que os outros não sabem falar. Ou, ainda mais gravemente, acabarmos convencidos de que nós também não sabemos falar, se falamos de forma um pouco diferente daqueles que são para nós os modelos de comportamento linguístico. [...]Não aceitamos pacificamente que os que falam ou deveriam falar a mesma língua falem de maneira diferente.

Percebe-se então que existe um grande preconceito entre as pessoas que falam a

mesma língua de forma diferente, ou seja, que fuja da norma padrão, e ver-se na resposta

destes professores, que eles procuram mudar a linguagem própria do aluno, adequando-a a

norma culta, é evidente que deve-se oferecer condições para que o aluno também saiba

utilizar a linguagem formal, pois haverá situação que ele precisará utilizar esta modalidade

linguística, entretanto, a forma que ele fala, mesmo sendo diferente, e carregada de ‘vícios’

como foi mencionado pelos professores, não tem que ser abolida em razão da norma culta, até

porque Possenti (1996) afirma que não existe língua superior a outra, nem variedade da

mesma língua melhor que outra, muito embora seja notório a supervalorização que se dá à

norma culta em detrimento das demais.

Os 33% restantes afirmam que perceberam nos alunos um desenvolvimento em sua

linguagem oral e escrita de acordo com as situações de uso funcional. Quanto a resposta

destes pesquisados, pode-se observar que eles perceberam a melhoria na produção e

Page 22: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

22

interpretação textual de seus alunos, podendo-se notar a preocupação com os usos funcionais

da linguagem, que fazem parte da realidade do aluno, enfatizando as reflexões sobre a língua.

Antunes (2003) afirma que mesmo o trabalho com a oralidade e a escrita ainda não

estão sendo abordados de forma consistente para a geração de mais qualidade de ensino,

muito embora já se note um avanço, ainda há muito a se refletir, estes professores já estão

numa fase de travessia para uma educação mais eficaz na formação do aluno, entretanto,

mesmo apontando que abordam a linguagem oral e escrita do aluno de acordo com as

situações de uso, ficou evidente, que prendem-se muito aos gêneros orais informais,

predominando-se os discursos conversacionais, restringindo-se apenas à reprodução de

registros coloquiais, sem provocar o aluno a uma análise mais profunda e pertinente dos mais

variados gêneros, tanto informais como também formais, sendo que a autora ainda coloca que

deve-se procurar trabalhar com a realização de gêneros na comunicação pública que

colaborem com o aperfeiçoamento do ‘falar em público’.

Ante os resultados obtidos a partir dos conteúdos das aulas dos professores

pesquisados e tendo em vista as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros

Curriculares Nacionais (2002) citados por Espíndola (2004) que afirmam que “o ensino de

língua materna deve considerar a necessária aquisição de três competências: interativa, textual

e gramatical” (p. 93), foi pertinente verificar de que maneira os pesquisados viabilizam o

desenvolvimento destas três competências em seus alunos. (gráfico 5)

Gráfico 5

Através de que métodos você viabiliza o desenvolvimento das competências interativa, textual e gramatical?

Através de provas dissertativas

Através da leitura, interpretação e produção textual

34%

66%

Fonte: Professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da Rede Pública Estadual – 2011

Page 23: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

23

Parte dos professores – correspondente a 34% dos pesquisados – afirma que viabiliza

o desenvolvimento destas três competências através de provas dissertativas, como também

trabalhos relâmpagos com tempo determinado para execução. De certa forma, estes

professores ainda agem de acordo com os moldes tradicionais, no sentido de pressionar os

alunos a apresentarem resultados, mesmo que eles afirmem que passam provas dissertativas,

estas não deixam de ser um instrumento avaliativo que ainda assusta os discentes; sem falar

que os trabalhos relâmpagos, ao pegarem os alunos despreparados, pode atrapalhar o

resultado, ainda mais se estes forem executados dentro de um tempo expressamente

determinado, não dando aos alunos liberdade de produção.

Segundo as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares

Nacionais (2002), fica sob responsabilidade da escola, como também do professor, construir

um programa de conteúdos de Língua Portuguesa que contribuam para o desenvolvimento das

competências interativa, textual e gramatical, e que a chave para viabilizar este

desenvolvimento é o texto, não podendo se abrir mão dele sob hipótese alguma, sendo

evidente que

“o ensino e a aprendizagem de uma língua não podem abrir mão dos textos pois estes, ao revelarem usos da língua e levarem a reflexões, contribuem para a criação de competências e habilidades específicas.” (Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais apud ESPÍNDOLA In SOUSA, 2004, p. 93)

Estes professores, no entanto, colocaram na verdade os instrumentos que utilizam

para desenvolver estas competências, mas não explicaram por meio de quais conteúdos, e em

nenhum momento evidenciaram o texto, nem mesmo a gramática, que era o que constava na

pergunta. Outro ponto interessante a ser analisado, é que eles colocaram a produção de textos

dissertativos como meio de desenvolvimento das competências textuais e gramaticais, só que

um texto dissertativo, muitas vezes é apenas expositivo, não levando assim o aluno a fazer

análises discursivas, diferente do texto dissertativo-argumentativo, que faz com que o discente

não só reproduza mas também argumente sobre determinado assunto.

Enquanto 66%, a grande maioria, afirma que desenvolve estas competências através

de leitura, interpretação e produção textual. Estas são ótimas formas de se desenvolver as

competências dos alunos, entretanto não especificaram nem foram claros como fazem para

que isso ocorra, entretanto, nem mesmo mencionaram sobre o desenvolvimento das

competências gramaticais, que como já foi explicitado, só se dá a partir do eixo textual.

Page 24: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

24

Além de caber ao professor a responsabilidade de construir um programa que

envolva todos os conteúdos de Língua materna, no entanto, não é o bastante apenas selecioná-

los, deve-se correlacioná-los, exigindo do docente uma nova atitude diante do ensino de

linguagem, sendo que não se deve abordar os assuntos de forma dissociada, tendo que

associar gramática, leitura e produção de texto, estes orais e escritos. Percebe-se então que há

uma mudança de foco, pois os conteúdos, que antes eram o grande enfoque, perderam espaço

para as competências que devem ser aprimoradas durante o Ensino Médio.

Evidentemente a escola ainda precisa passar por mudanças, e o professor precisa

passar a aderir de fato a concepção que visa a linguagem como interação humana, pois mesmo

que a maioria tenha afirmado utilizar esta concepção, o que se notou é que isto ainda só

ocorre na teoria, estando ainda distante da prática em sala de aula. Sabe-se, contudo, que este

não é um processo rápido, nem tampouco fácil, é preciso que haja uma adaptação, pois há

muito tempo se tem seguido uma prática pedagógica tradicional, assim é pertinente buscar

mudanças para que o ensino de língua no contexto escolar tenha resultados linguísticos

socialmente satisfatórios na formação do aluno-cidadão, sujeito da sociedade do século XXI.

4 POR UM NOVO MODO DE ENSINAR A LÍNGUA MATERNA

Percebeu-se então através da análise dos dados coletados na pesquisa de campo, que

o ensino de linguagem ainda está preso aos moldes tradicionais, pois mesmo que muitos

educadores já tenham consciência da nova prática pedagógica do ensino de língua materna –

que visualiza o educando como um sujeito ativo socialmente, prática norteada pela concepção

interacionista da língua –esta prática ainda não está de fato difundida na prática de sala de

aula.

Assim, para a formação de um cidadão que utilize a linguagem competentemente nas

mais variadas situações de uso, é necessário que os novos pressupostos para o ensino de

língua orientados por linguistas e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – visualizados no

tópico 3.1 – sejam de fato inseridos no contexto escolar, para que o ensino se torne de fato

significante para o aluno.

4.1 A METALINGUAGEM

Ante o resultado da pesquisa feita neste artigo, constatou-se que o ensino de

linguagem na escola ainda tem como foco os conteúdos metalinguísticos. Tendo em vista que

Page 25: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

25

o ensino não só de língua materna como também das demais áreas da educação tem por

objetivo viabilizar a formação de cidadãos críticos socialmente, o ensino centrado na

metalinguagem não concretiza este objetivo. Logo, de acordo com a análise feita, o ensino da

linguagem no contexto escolar ainda não vem cumprindo com eficácia o seu papel na

formação de um aluno-sujeito capaz de utilizar os recursos linguísticos adequadamente nas

diversas situações, sejam elas informais e formais, tanto na modalidade escrita quanto oral.

Segundo Antunes (2009), o ensino voltado para metalinguagem se torna apenas uma

transmissão de conhecimentos, que traz grandes dificuldades em relação à aprendizagem dos

alunos, pois estudando apenas a nomenclatura das regras da língua padrão, os discentes

concluem a vida escolar sem saberem ler e escrever adequadamente.

Bagno (2005) afirma que ainda é consolidada a crença de que o estudo de uma língua

é o estudo de sua gramática, o que é um mito, pois ela é apenas parte de um todo maior que é

a linguagem. O ensino da linguagem na escola segue ainda uma abordagem atrelada à

gramática tradicional, que para o autor acima citado não chega a ser nem mesmo uma ciência

e sim uma doutrina, com normas para serem seguidas incontestavelmente, gerando assim um

abismo entre a fala/escrita e os alunos.

Antunes (2003) reforça essa afirmação de Bagno (2005) dizendo que a escola não tem

estimulado a formação de leitores e principalmente não tem capacitado os alunos para

produzirem textos dos mais variados gêneros – relatórios, resumos, crônicas, artigos, etc. –

ou seja, tem “ uma pedra no meio do caminho da aula de português.”(ANTUNES, 2003, p.

15).

Ainda se perde muito tempo com o ensino de nomenclaturas, com suas infinitas e

rebuscadas classificações, que nem mesmo dão conta do fenômeno linguístico, pois segundo

Perini (2010) a gramática nem mesmo é uma descrição completa da língua, sendo que o autor

ainda coloca que a gramática visualizada na escola corresponde mais à metalinguagem.

Antunes (2003) ainda comenta que enquanto o professor fica praticando análise

sintática em sala de aula, para saber se o sujeito é determinado ou não, os educandos tornam-

se sujeitos inexistentes, por ficarem impedidos de tomar consciência sobre os caminhos que

eles devem seguir na sua vida.

Além do ensino ainda está voltado para a o estudo metalinguístico, outro grande

problema no ensino de linguagem é o fato de a gramática ainda ser utilizada como

instrumento para se aprender falar e escrever bem, infelizmente muitos professores e até

mesmo a escola ainda têm esta visão. Isto é mais um equívoco, já que o estudo gramatical

Page 26: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

26

“não leva e nunca levou ninguém a desenvolver habilidades de leitura, escrita ou fala, nem

sequer seu conhecimento prático do português escrito.” (PERINI, 2010, p. 18).

Antunes (2003) atenta para a questão de que se prevalece nas aulas de português o

ensino das nomenclaturas e classificações gramaticais, sendo de fato o que foi constatado a

partir das respostas da maioria dos professores pesquisados neste artigo; assim ir à escola

pode não ter muita significação para o aluno, haja vista que o ensino metalinguístico não

desenvolve as competências e habilidades previstas nos Parâmetros Curriculares Nacionais -

pois este ensino baseia-se apenas em tarefas de reconhecimento e memorização – deixando

de contribuir na formação de competências em leitura e escrita de textos, como também no

desenvolvimento da oralidade com mais fluência.

Entretanto, a complexa sociedade contemporânea, que está cada vez mais dinâmica,

exige que os indivíduos tenham competência comunicativa nos mais variados contextos de

produção linguística, o que não pode ser ofertado através de um ensino de língua com o foco

nos aspectos metalinguísticos, pois Travaglia (2009) afirma que a abordagem destes aspectos

não possibilita o desenvolvimento da competência comunicativa nos alunos.

Observou-se na pesquisa de campo que a maioria dos professores preocupa-se

principalmente com os conteúdos gramaticais em sua prática de ensino, sendo que Possenti

(1996) esclarece que o conhecimento de gramática não é obrigatório para conhecer uma

língua, haja vista que

[...] saber uma língua é uma coisa, e saber analisá-la é outra. Que saber usar suas regras é uma coisa e saber explicitamente quais são as regras é outra. Que se pode falar e escrever uma língua, sem saber nada sobre ela, por outro lado, é perfeitamente possível saber muito sobre uma língua sem saber dizer uma frase nessa língua em situações reais. (p. 54)

Deve-se esclarecer, no entanto, que toda língua tem sua gramática, mas a sua função

está relacionada à estrutura e ao funcionamento da linguagem, portanto não se deve confundi-

las, pois o estudo gramatical é apenas uma parte da linguagem, e embora seja fundamental,

não é único nem mesmo o principal, pois mais importante que analisar a estrutura de uma

língua é dominá-la, algo que deve está em primeiro plano no ensino de língua materna,

analisando sua estrutura e funcionamento apenas posteriormente.

Além da confusão entre linguagem e gramática, ainda há a ilusão de que existe

apenas uma gramática para toda a língua – que é a gramática da norma culta – no entanto, a

linguagem é uma atividade sociointerativa muito complexa, que contém uma grande

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27

variedade de discursos, desta maneira, Antunes (2007) aponta que é necessário uma

‘gramática’ para cada tipo de situação e discurso, entretanto, se língua e gramática já não se

equivalem, menos ainda a língua e a gramática normativa.

E o que se observa no ensino de linguagem na escola que além de a gramática ser o

foco principal, prendendo-se quase que exclusivamente a questões metalinguísticas, é que esta

gramática trabalhada com os alunos, nem mesmo é a gramática da língua que eles dominam –

linguagem coloquial – mas sim da norma culta, o que só torna o processo de aprendizagem

mais dificultoso, haja vista que se os alunos ainda nem mesmo conseguem dominar a norma

culta, não poderão analisar sua estrutura e compreender seu funcionamento.

Assim, pode-se verificar que o ensino de linguagem não está correspondendo aos

seus objetivos, que é de formar cidadãos críticos, capazes de se comunicar nas diferentes

situações sociais adequadamente, pois ante a análise dos resultados da pesquisa sobre a

abordagem da língua no contexto escolar, a aula de linguagem ainda prende-se a gramática, e

esta enfatizando mais questões de nomenclatura.

Isso pôde ser verificado também em outras pesquisas, feitas por especialistas da

linguagem, como por exemplo, a pesquisa feita por Tardelli (2002) que converge em muitos

pontos com a pesquisa feita neste artigo, que também observou que o ensino permanece

eminentemente pautado numa organização tradicional, sendo que assim como foi verificado

na análise feita nesse trabalho, a autora também notou que “as aulas de gramática eram

desarticuladas dos textos que estavam sendo trabalhados.” (p.58)

Tendo em vista que o texto é o eixo principal para o ensino de língua, percebe-se

então que este não é introduzido de forma a relacionar os assuntos de linguagem, e quando os

textos são utilizados, servem apenas de pretexto, ou seja, retira-se deles apenas uma frase, ou

mesmo uma palavra, perguntando sua classificação, sem analisá-la contextualmente. Acerca

disso Travaglia (2009) afirma que se deve evitar

o uso do texto como pretexto para aulas de teoria gramatical, sobretudo de metalinguagem, que não auxiliam o desenvolvimento da capacidade de uso da língua (ex.: exercícios como ‘sublinhe os substantivos e coloque um círculo nos verbos.’). (p. 97)

O que se notou, entretanto, a partir da análise feita sobre as respostas da maioria dos

professores é que não é o texto o eixo norteador do ensino de linguagem, mas sim a

gramática, sendo que quando foi citado, percebeu-se que o texto serve apenas de pretexto,

haja vista que retira-se dele fragmentos isolados para classificações gramaticais, sem provocar

análises de elementos nele implícitos, nem mesmo as inferências que os alunos fazem a partir

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28

do texto, como também não se verificou uma análise das funções gramaticais dentro do seu

contexto, mas apenas questões de nomenclatura.

Dessa forma, percebe-se que de fato o ensino da linguagem ainda está longe de ser o

idealizado pelos linguistas, distanciando-se também das sugestões propostas pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais, permanecendo os ‘velhos problemas com novos rótulos’, pois muitos

professores já possuem o conhecimento das novas práticas pedagógicas pertinentes para o

ensino de linguagem, muito embora na prática de sala de aula não executem as práticas

respaldadas na concepção interacionista da língua.

Os professores alegam que apesar de as teorias serem muito sólidas, não as põem em

prática porque a realidade é muito complexa, havendo assim muitas dificuldades para

concretizá-las, até porque o docente se sente desassistido pela escola, governo e até mesmo

pelas famílias dos alunos, que não lhes dão apoio suficiente para que desempenhe seu papel

no ensino de linguagem com eficiência.

Acerca dessas dificuldades dos professores em por em prática as teorias linguistas

no ensino de língua materna, Neves (2005) coloca que a escola perde tanto tempo com

burocracias, que não desempenha o seu papel, que é o de oferecer condições para um eficaz

trabalho do educador, que muitas vezes não é valorizado pelas instituições escolares e

familiares . É com base então nesse contexto que o professor justifica seu desânimo e

desencanto no ensino de língua materna.

Diante disto, a autora acima citada afirma que os professores declaram que não lhes

são dados suportes para oferecer uma educação de qualidade, o que é fato, mas Neves (2005)

também questiona que muitos “querem receitas prontas, material para aplicação direta em sala

de aula, ou seja, fórmulas (quase) mágicas.” ( p.32)

É notável que existam inúmeras dificuldades em se aderir novos procedimentos

metodológicos em sala de aula, pois estes ainda não estão fortemente estruturados em muitos

currículos escolares e em vários cursos de formação de docentes. Nota-se que ainda há a

dificuldade na transposição do saber teórico para a prática didática, pois “sua utilização nas

atividades do cotidiano da escola deixa ainda muito a desejar” (OLIVEIRA, 2004, p. 63)

Muitos problemas ainda estão voltados para a falta de consciência que muitos

docentes ainda não têm sobre a nova prática pedagógica baseada na concepção interativa da

língua, outros problemas voltam-se para a concretização dessa prática pedagógica, pois

mesmo quando o professor possui o conhecimento, este não se vê possibilitado a levá-lo à

prática, ou mesmo, por estar acomodado ao sistema tradicional que está há muito tempo

condicionado no ensino de língua materna.

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29

Dessa forma, pode-se perceber que muitos problemas ainda persistem no ensino de

linguagem, como pôde ser observado na análise dos dados deste artigo e pela pesquisa feita

por Tardelli (2002). Mesmo se notando claramente que o ensino de língua materna embasado

prioritariamente no estudo metalinguístico seja irrelevante para o desenvolvimento das

competências comunicativas dos alunos e a sua formação em um cidadão crítico socialmente,

ainda se percebe, no entanto, que na realidade do contexto escolar este estudo metalinguístico

ainda esteja em voga.

4.2 A LINGUÍSTICA DA ENUNCIAÇÃO

Partindo do pressuposto que o ensino de linguagem tem como objetivo desenvolver a

competência comunicativa do aluno, como já foi afirmado, há a necessidade que a escola

passe por uma intensa mudança, principalmente na maneira qual aborda o estudo da língua. O

primeiro e grande passo para uma nova prática pedagógica no ensino de linguagem está

relacionado diretamente com a adesão à concepção interacionista da língua, não apenas de

forma teórica, mas principalmente prática.

É necessário então que se configure um ensino de linguagem pautado nas

propriedades enunciativas e discursivas da língua, tendo como ponto de partida para todas as

análises linguísticas o texto, que tem como atributo possibilitar discussões ligadas aos

posicionamentos atuantes do sujeito, como também valores sociais implícitos ou explícitos da

sociedade do século XXI; mesmo que o sistema linguístico aparente estar alheio às discussões

sociais, não está, pois são elas que dão um viés vivo e concreto à linguagem.

Assim o ensino deve levar em consideração a teoria da enunciação – desenvolvida

principalmente através das reflexões de Benveniste, na França, a partir da década de 50 – que

propiciou uma vasta exploração na dimensão pedagógica da língua, influenciando até mesmo

nas propostas dos PCNs, pois as secretarias de educação aderiram em suas proposições à

concepção interacionista da língua, como uma nova orientação para o ensino de linguagem.

A linguística da enunciação é caracterizada por adotar uma visão funcionalista da

linguagem em detrimento de uma visão formalista – respaldada nas teorias lógico-gramaticais

– correspondendo às correntes do estudo linguístico que aderem à concepção interacionista da

linguagem, abrangendo as áreas da Linguística Textual, Análise do Discurso, Análise da

Conversação, Semântica Argumentativa e os estudos condizentes à Pragmática. Assim,

evidencia um estudo que privilegia a funcionalidade da linguagem e sua prática discursiva,

analisando-a no contexto de produção dos falantes, orientando que o ensino de língua materna

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30

seja norteado pela concepção que visa a linguagem como um lugar de interação humana,

colocando o ensino de língua materna numa dimensão enunciativo-discursiva.

Sob esta ótica enunciativo-discursiva da linguagem, Antunes (2003) afirma que

apenas a concepção interacionista, promove uma abordagem da língua materna em sala de

aula de forma mais produtiva e relevante tanto social como individualmente, sendo que esta

concepção evidencia que a língua só existe com a função de possibilitar a interação entre as

pessoas.

A autora acima citada também coloca que a linguagem funcional só é possibilitada

através da forma textual, afirmando que só é a partir de um estudo voltado para as

regularidades discursivas – levando-se em conta sua produção e interpretação – que viabiliza

a constituição do objetivo do ensino de linguagem que seja de fato útil para o aluno.

Os fenômenos linguísticos devem, pois, ser estudados sob a ótica da teoria da

enunciação, sendo que não se deve analisá-los como se fossem apenas informações

transmitidas, mas notar as peculiaridades do sujeito que produziu o enunciado, como também

as formas do discurso que foram utilizadas.

Dessa forma, o interessante é que o ensino de língua portuguesa seja um lugar para a

reflexão da língua em uso, assim como Antunes (2003) Espíndola (2004) também coloca que

no processo de ensino-aprendizagem de uma língua o que não pode deixar de ser trabalhado

são os textos, pois estes, ao mostrarem os usos da língua, levam a reflexões, contribuem para

a criação de competências e habilidades específicas, como produção de textos nos mais

diversos gêneros, tanto na modalidade escrita quanto oral.

Acerca da abordagem textual em sala de aula como eixo norteador do ensino,

Travaglia (2009) afirma que as diversas enunciações discursivas de situações de comunicação

são na verdade textos, assim no ensino deve-se priorizar as atividades de produção e

compreensão textuais nas diferentes ocasiões de uso, tal qual a pluralidade dos discursos, com

a finalidade de desenvolver a competência comunicativa dos alunos, sendo que esse

desenvolvimento precisa ser entendido como uma capacidade gradual de adequação da fala às

situações de comunicação.

Para Antunes (2003 ) a prioridade no ensino de língua é criar oportunidades para que

através da leitura de diferentes gêneros textuais, o aluno possa construir, analisar e discutir,

dessa forma ele poderá compreender o funcionamento da língua que ele usa realmente,

fugindo do tradicional em que predomina as definições e a denominação das unidades.

Questiona-se então uma maneira de se trabalhar a língua de modo a desenvolver as

competências e habilidades dos alunos. Para Oliveira (2004) a sugestão seria de

Page 31: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

31

[...] caminhar na direção do discurso, assumindo os deslocamentos teóricos-metodológicos necessários, levando em conta os saberes e conhecimentos relacionados às propriedades discursivas e enunciativas da linguagem, que, usualmente, deixam de constar nas grades curriculares dos cursos de formação de professores e por extensão de serem explorados nos processos de compreensão e produção de textos [...] (p. 53)

Desse modo, devem ser propostas atividades de leitura e produção textual, que

introduzam a linguagem como um todo significante. Para tornar isto possível, é pertinente que

se adotem em sua prática, a teoria da enunciação, proposta pelo estudioso Mikhail Bakhtin

(1895-1975), que coloca que o discurso passou a ser visto como uma prática social e uma

forma de comunicação interativa.

Um passo muito importante a se dar num estudo de acordo com as práticas

discursivas é passar a perceber que um texto nunca é ingênuo, tendo-se que notar o que há por

trás dele, analisando-se o sujeito que o produziu, e em que condições esta produção foi

possibilitada, verificando-se as muitas vozes dialógicas que se estabelecem neste texto.

Segundo Antunes (2007) deve-se estimular a leitura e a escrita em um paralelo com a

exploração da oralidade, ampliando assim o repertório de informações dos discentes sobre os

mais variados assuntos, através de leituras com debates e reflexões, sempre orientadas pelo

docente.

Assim, se o ensino de língua materna, se respaldar nas propostas dos PCNs, como

também na concepção interacionista, tendo como fundamento a teoria da enunciação e as

proposições dos especialistas da linguagem, considerando-se o texto como ponto de partida

para todo o ensino de língua, o ensino-aprendizagem de língua portuguesa em sala de aula

seria de fato pertinente para a formação de um sujeito com habilidade de utilizar a sua língua

materna nas mais variadas situações de uso, desde um congresso a uma conversa de ‘bar’,

tornando-se então, como afirma Bechara (2002) um poliglota de sua própria língua, que é de

fato o papel do ensino de língua materna nas escolas.

Sobretudo, a escola e os professores devem atentar-se mais para os Parâmetros

Curriculares Nacionais, não só para conhecer suas orientações, mas para colocá-las em voga

na prática didática, pois assim, segundo Oliveira (2004) haverá enfim uma contribuição de

fato no processo de ler e escrever, resultando, pois, na formação de alunos em cidadãos

críticos, inseridos na complexa sociedade contemporânea. Assim, estes cidadãos estarão

preparados para o mercado de trabalho, que está cada vez mais dinâmico, como também

preparados para os exames que possibilitam seu ingresso ao Ensino Superior.

Page 32: Artigo Ensino de Língua Materna Da Tradição Gramatica à Enunciação Linguística

32

A orientação que cabe à área da linguagem é o desenvolvimento de competências

que possibilitem os diversos usos do sistema linguístico a partir da realidade social,

objetivando analisá-los e interpretá-los como fatores expressivos, que se configuram por meio

da linguagem, concretizando-se através dos posicionamentos dos sujeitos, com seus pontos de

vistas diversos e subjetivos, tal qual seu processo identitário.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pôde-se notar então através das teorias linguísticas citadas no artigo, como também a

análise feita dos resultados da pesquisa de campo, que o ensino de língua materna ainda está

longe de ser o idealizado pelas propostas tanto dos PCNs quanto dos teóricos da linguagem,

haja vista que mesmo que já se saiba de todas essas mudanças que o ensino deve concretizar,

estas não estão sendo postas em prática na realidade da sala de aula. É evidente que são

mudanças que levam tempo para serem aderidas no contexto escolar, mas devem ser

prioridades, até porque na sociedade dinâmica em que se vive hoje, estas mudanças são

indispensáveis.

O que ocorre naturalmente com o ensino de linguagem no modo que está, é que o

aluno chega ao nível superior sem saber produzir um texto na modalidade culta, de forma

correta e adequada, pois no Ensino Médio, não foi orientado para fazê-lo. Ou muitas vezes,

este aluno, sai do Ensino Médio para o mercado de trabalho, e ao surgir a necessidade de

redigir um documento oficial, não se encontra capacitado para tal.

Há a necessidade que a escola passe então por uma intensa mudança, principalmente

na maneira qual aborda o estudo da língua. Possenti (1996) afirma que quando a escola enfim

diminuir o espaço da gramática e automaticamente aumentar o do texto, aí sim poderia haver

uma grande revolução no ensino de língua materna, que passará a formar alunos com

competência em leitura e escrita de textos, preparando cidadãos que tenham “voz” para

participarem efetivamente na sociedade.

Para que isso seja possível, também é necessário que o professor esteja disposto a

aceitar o desafio de estimular o desenvolvimento pessoal, social e político do seu aluno,

ampliando seus horizontes, em busca da melhoria do ensino. É evidente que não depende

apenas dele, mas o primeiro e mais importante passo parte do educador, que deve utilizar os

mais diversos recursos para tornar sua aula mais atrativa, prazerosa, tornando-se o mediador

do conhecimento, na tentativa de tornar o aluno um cidadão capaz de ler, interpretar e

escrever, tendo domínio da língua para posteriormente analisá-la.

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33

É claro que os desafios são imensos, mas a vontade de lutar deve ser maior, e isto

seria apenas um breve começo para enfim se dá partida ao ensino eficaz de língua materna.

Claro que para muitos isto possa parecer apenas mais uma utopia, mas como afirma Antunes

(2003) vale a pena acreditar que o ensino consiga atingir seu verdadeiro papel, o importante é

que todos – estudiosos da língua, professores, escola, alunos, pais – reflitam sobre a língua

materna, questionando para quê serve as aulas de português, a favor de quê e de quem ela é.

Isto já é um grande passo.

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