artigo ensino de língua materna da tradição gramatica à enunciação linguística
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UNIVERSIDADE VALE DO ACARAÚ
O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA: DA TRADIÇÃO GRAMATICAL À
ENUNCIAÇÃO LINGUÍSTICA
Emanuela Faleiro dos Santos1
Terezinha Fernandes de Freitas2
Francisca Farias do Nascimento3
RESUMO
Esse artigo apresenta uma análise sobre o ensino de língua materna no contexto escolar, haja vista que nos últimos tempos este ensino tornou-se motivo de discussão por parte de estudiosos da língua, sendo necessário para isso abordar as concepções de linguagem e sua relevância no ensino de linguagem. Neste trabalho se faz uma reflexão sobre a possível confusão entre o ensino de língua portuguesa e o ensino de gramática, discutindo-se sobre o desenvolvimento da competência comunicativa dos discentes como objeto de ensino de língua materna, refletindo-se também sobre inserção do texto como eixo norteador para as análises linguísticas. Através de uma pesquisa de campo em uma escola da rede pública estadual pôde ser feita uma coleta de dados com questionários contendo perguntas para professores de língua portuguesa, verificando-se sua abordagem nas escolas, utilizando-se assim os dados coletados para se refletir se o ensino de linguagem encontra-se preso à tradição gramatical ou se já está de acordo com as proposições feitas pelos especialistas da área e os documentos oficiais que orientam o ensino de linguagem.
PALAVRAS-CHAVES: Ensino. Linguagem. Contexto Escolar. Tradição Gramatical. Competência Comunicativa.
ABSTRACT
This paper presents an analysis of language teaching in the school context, since in recent times this teaching has become a topic of discussion by scholars of the language, it is necessary to address the concepts of language and its relevance in education of language. This work is a reflection on the possible confusion between the teaching of Portuguese language and the teaching of grammar, discussing about the development of communicative competence of students as the object of teaching language, reflecting also on how the text insertion axis guiding for linguistic analysis. Through a field survey in a state public school can be a data collection with questionnaires containing questions for teachers of English
1Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Letras pela Universidade Vale do Acaraú.2Graduanda do Curso de Licenciatura Plena em Letras pela Universidade Vale do Acaraú.3Orientadora Especialista em Linguística Aplicada à Língua Portuguesa pelo ILAPEC, Leitura e Produção Textual pela Faculdade de Macapá (FAMA) e Professora da Universidade Vale do Acaraú.
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language, checking for their approach in schools, using data collected as well to reflect the teaching language is grammatical tradition-bound or already in accordance with the proposals made by experts in the field and the official documents that guide the teaching of language.
KEYWORDS: Education. Language. School Context. Grammatical Tradition. Communicative Competence.
1 INTRODUÇÃO
Há muito tempo que a linguagem deixou de ser entendida apenas como uma
expressão do pensamento para ser vista também como um instrumento de comunicação, mas
foi só a partir de 1997 com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que a escola
passou a defender e difundir as práticas de interação social no âmbito da linguagem, no
entanto, continuou seguindo um padrão preestabelecido.
A partir de uma nova visão – enunciativo-discursiva – apresentada por Mikhail
Bakhtin (1895-1975) o discurso passou a ser visto como uma prática social e uma forma de
comunicação interativa, o que vigora até os dias atuais, mostrando que a concepção de
linguagem tem tido ao longo do tempo um avanço significativo.
Atualmente se sabe que o estudo de linguagem visa em primeiro plano o
desenvolvimento da interação comunicativa, mas ainda se persiste uma visão um tanto quanto
deturpada de seu estudo, já que ainda existe uma confusão entre gramática e língua, como se
ambas fossem equivalentes; esta visão, no entanto, é no mínimo resultado de um grande
equívoco.
O ensino de língua portuguesa, enquanto disciplina, vem sido discutido por vários
linguistas que afirmam que o ensino ainda está passando por uma “crise”, já que grande parte
dos alunos tem muita dificuldade em dominá-la, seguindo tantas regras e tendo que
memorizar várias nomenclaturas, preocupando-se mais com a metalinguagem, do que com a
leitura, interpretação e produção de textos. Desta forma, quando o aluno chega ao Ensino
Superior, depara-se com a dificuldade de interpretar textos (muitas vezes de cunho técnico) e
até mesmo enunciados de questões das mais diversas áreas.
Diante disso, vários pesquisadores e principalmente linguistas, questionam o ensino
gramatical, qual seu propósito e contribuição no ensino da língua, indagando o porquê de ser
tão privilegiado, pois segundo Perini (2010), o estudo gramatical não é mais fundamental que
o estudo das funções linguísticas, já que antes de se estudar as regras que se aplicam à
linguagem deve-se primeiro ter domínio dessa língua em questão. Isso deve ser um ponto de
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reflexão, haja vista que se trata de um assunto de suma importância, deve-se então encontrar
caminhos que possibilitem uma melhor aprendizagem do estudo de língua materna.
O que se pretende através deste artigo é demonstrar as concepções de linguagem, que
segundo Antunes (2003) é norteadora de toda atividade pedagógica, sendo que autora enfatiza
que só “uma concepção interacionista da linguagem, eminentemente funcional e
contextualizada, pode, de forma ampla e legítima, fundamentar um ensino da língua que seja,
individual e socialmente, produtivo e relevante.” (p. 41)
Assim, este artigo visa propor uma formação de usuários competentes da língua, e no
âmbito do ensino da língua materna, tornar prioridade o ensino do uso da língua em diferentes
variedades linguísticas, de modo adequado a cada situação de interação comunicativa, seja ela
na modalidade escrita ou falada.
Dessa forma, procura-se promover uma atitude pedagógica que contribua para o
desenvolvimento da competência comunicativa, onde a gramática deve ser vista como um
estudo das condições linguísticas da significação, o que vai orientar a escolha dos recursos da
língua em função do efeito de sentido que se quer produzir de acordo com a situação de
interação comunicativa.
Assim, neste artigo analisar-se-á o ensino de língua materna no contexto escolar,
como está sendo sua abordagem na prática de sala de aula, que concepção o professor adere
em seu trabalho com a linguagem, quais conteúdos são visualizados no ensino de língua
portuguesa e quais estratégias o docente utiliza para desenvolver no aluno as competências
interativa, textual e gramatical, identificando o verdadeiro papel da linguagem para a
formação do cidadão de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais e teorias
linguísticas recentes.
2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM
A linguagem é um dos principais recursos que o homem utiliza para viver em
sociedade de forma efetivamente dinâmica, no primeiro capítulo de seu Ensaio sobre o
entendimento das Línguas, Rousseau (1978) afirma que “a palavra distingue os homens e os
animais; as palavras distinguem as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem antes
dele ter falado.” O autor ainda afirma que o homem tem um enorme anseio e necessidade de
se comunicar, de exteriorizar seus sentimentos e pensamentos, buscando assim meios para
desempenhar sua linguagem.
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Sendo a língua uma ocorrência social utilizada por todos que convivem em sociedade
para os mais diversos fins, esta no entanto, no decorrer do tempo adquiriu diferentes
roupagens e concepções, havendo assim, três concepções mais difundidas e conhecidas, que
são: linguagem como expressão do pensamento, como instrumento de comunicação e como
forma de interação social.
2.1 COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO
Uma das concepções mais antigas – desde a Grécia Antiga, passando pela Idade
Média e Moderna – é a que retrata a linguagem como representação do mundo e do
pensamento, onde se deve seguir as regras estabelecidas para organizar o pensamento e
representá-lo por meio da linguagem.
Sob a ótica desta concepção o contexto de produção comunicativa não influencia o
ato comunicativo, desconsiderando-se assim o meio e as circunstâncias onde a língua se
estabelece. Dessa forma, a linguagem seria apenas uma mera tradução do pensamento, assim
quando as pessoas não se expressam bem é porque não sabem construir o pensamento, haja
vista que, a fala seria o resultado da organização de ideias.
Logo, pensar é a condição básica para se escrever, visto que segundo Koch (1995)
a linguagem é constituída no interior da mente e sua exteriorização é apenas uma tradução do
que foi construído pela mente. Para Travaglia (2009) nesta concepção o fenômeno linguístico
é reduzido a um ato racional, monológico e individual, no qual não há a interferência do outro
e das circunstâncias onde a enunciação ocorre. Seguindo esta mesma linha, Soares (1998)
afirma que, de acordo com esta concepção, o modo como o texto é construído pelo falante
não depende em nada do contexto no qual está inserido.
No tangente a esta concepção, o fato linguístico – a exteriorização do pensamento
por meio de uma linguagem articulada e organizada – é denotado como o resultado da criação
individual. A expressão exterior depende apenas do conteúdo interior, do pensamento da
pessoa e de sua capacidade de organizá-lo de maneira lógica. De acordo com esta concepção a
linguagem seria estática e homogênea.
Dessa maneira, acredita-se que o pensar é resultando da lógica da linguagem, e deve
ser incorporado por regras a serem seguidas, sendo que essas regras situam-se dentro do
domínio do estudo da gramática normativa, que defende que dominar a língua é resultado do
domínio de teoria gramatical, assim a abordagem da concepção de linguagem como tradução
do pensamento pauta-se essencialmente na gramática prescritiva tradicional, tornando válida
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apenas a variedade padrão da língua. Em conformidade com isso, Geraldi (2006) afirma que
essa concepção – linguagem como expressão do pensamento – “ilumina, basicamente, os
estudos tradicionais.” (p. 41)
2.2 COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO
Na concepção que retrata a linguagem como instrumento/recurso de comunicação, a
língua é vista como um código que os falantes devem dominar para se comunicarem, assim é
indispensável que tenham domínio da língua como sistema, utilizando os conceitos
estruturais para se expressarem; o ouvinte, por sua vez, faz a decodificação dos sinais
recebidos transformando-os em uma nova mensagem. Travaglia (2009) afirma que
“o falante tem em sua mente uma mensagem a transmitir a um ouvinte, ou seja, informações que quer que cheguem ao outro. Por isso ele a coloca em código (codificação) e a remete para outro através de um canal (ondas sonoras ou luminosas). O outro recebe os sinais codificados e os transforma de novo em mensagem (informação).”(p. 22)
Percebe-se que a concepção de linguagem como um instrumento de comunicação
considera a língua um código para transmitir mensagens de emissores a receptores de forma
essencialmente objetiva, e mesmo tendo avançado em relação a concepção anterior, ainda
não leva em consideração o contexto social comunicativo dos falantes, portanto, não
corresponde com a realidade linguística da sociedade. Esta concepção restringe a linguagem a
apenas um meio de comunicação - não que ela não seja, porém não resume-se apenas a isso -
desconsiderando-se o fato de que o sujeito-falante imprime suas marcas no texto, tais como
humor, ironia, ambiguidade, entre outras.
Essa concepção condiz com a teoria estruturalista da língua que surgiu como
resultado dos estudos do linguista suíço Ferdinand de Saussure no início do Século XX. Para
Saussure (1974) a língua é um código formado por um conjunto de signos combinados através
de regras, utilizados para estabelecer a comunicação, dessa maneira o locutor e o interlocutor
devem dominar o código para que o ato comunicativo seja efetivado. Segundo Travaglia
(2009) essa visão da linguagem é totalmente desvinculada da utilização da fala, ou seja, não
se leva em conta quem produz o enunciado, para quem está destinado e em que situação ele
ocorre.
A linguagem como instrumento de comunicação possui uma perspectiva
extremamente formalista, visto que o seu estudo prende-se ao funcionamento interno da
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língua, separando-a do homem em seu contexto social, o que torna a comunicação uma mera
decodificação. Esta concepção é baseada nas gramáticas descritivas, denominadas como “a
gramática dos linguistas”, onde se tem a preocupação de descrever os usos da língua, como
eles de fato são, explicitando as regras que realmente são seguidas. Possenti (1996) afirma
que a principal preocupação da gramática descritiva é explicitar e tornar conhecidas as regras
utilizadas pelos usuários da língua.
Nessa visão de linguagem como um instrumento de comunicação, a língua se
estabelece de forma essencialmente informativa e estrutural, sendo descrita em conformidade
com as regras gramaticais, sem levar em consideração as peculiaridades existentes no
enunciado linguístico. Diante disso, Koch (1995) afirma que a linguagem estaria externa à
consciência individual, desconsiderando-se seu uso nos mais diversos contextos por parte dos
mais diferentes sujeitos. Segundo Oliveira (2010)
“Essa visão, por si só, não causaria nenhum problema ao ensino de línguas se não fosse por um princípio teórico específico: ela exclui de sua análise o uso linguístico e, consequentemente, o sujeito usuário da língua e as variações linguísticas que a existência de sujeitos diferentes provoca.” (p. 32)
Orlandi (1986) também afirma que Saussure em seus recortes deixa de lado o uso
real da língua, isolando o homem do seu contexto social de produção linguística. Dessa forma,
essa concepção estruturalista não é consistente para a prática docente, visto que Saussure em
seus estudos não preocupou-se com a questão do ensino, mas sim com a sistematização da
linguagem, dividindo-a em duas faces: língua – parte social – e fala – parte individual –
escolhendo a primeira como objeto de seu estudo. Assim, essa perspectiva não é indicada para
o ensino, haja vista que desconsidera a fala dos indivíduos, e segundo Oliveira (2010) o
professor de língua deve atentar-se para as variações linguísticas e culturais dos alunos.
2.3 COMO FORMA DE INTERAÇÃO
A terceira concepção é a que visa a linguagem como forma ou processo de interação,
através das ações praticadas pelos indivíduos, considerando-se o contexto social, histórico e
ideológico que envolvem o processo comunicativo – atos de fala e escrita. Dessa forma, esta
concepção é formada por práticas cognitivas e sociais situadas num dado momento histórico,
estando pautada nas ideias do estudioso russo Mikhail Bakhtin (1986), que diferentemente de
Saussure, afirma que
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“a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.” (p.123)
Segunda a perspectiva bakhtiniana nesta concepção o que caracteriza a linguagem é
o diálogo em amplo sentido, valorizando assim a interação verbal entre os indivíduos, haja
vista que é isto que realmente constrói a linguagem; o autor é quem difunde a teoria
enunciativo-discursiva, onde o discurso é visto como uma prática social e interação
comunicativa.
Em conformidade com Bakhtin (1986), Travaglia (2009) coloca que a língua é
resultado da interação humana, onde a comunicação acontece em sintonia entre os locutores e
interlocutores num contexto sócio-histórico e ideológico. Dessa forma, os sujeitos usuários da
língua estabelecem interações entre si, de acordo com o lugar que ocupam e as imagens que a
sociedade estabeleceu nestes lugares. Diferentemente das concepções acima mencionadas,
nesta o usuário da língua não traduz apenas seu pensamento e/ou simplesmente transmite
informações, mas sim realiza ações linguísticas, atuando e agindo efetivamente sobre o
interlocutor (ouvinte/leitor). Por visar a linguagem de forma interacionista, e com as novas
necessidades do século XXI, esta concepção é a mais aceita na contemporaneidade.
É a partir dessa concepção que visa a linguagem como processo de interação, que se
configura uma nova perspectiva de língua, que a reconhece como um processo de interação no
qual se considera os diferentes sentidos que a comunicação assume em diferentes situações
sociais. Esta concepção interacionista da língua considera as mais variadas formas de
linguagem, atentando-se para gramática internalizada que os usuários da língua possuem, pois
utilizam a linguagem seguindo as regras gramaticais internalizadas por eles, e com esta
linguagem dominada são naturalmente compreendidos.
A concepção interacionista da língua contrapõe-se às demais, por negar que a
linguagem seja um ato de criação individual, pois reconhece a importância da presença do
outro, tanto no ato de recepção/decodificação quanto no ato de emissão/codificação, pois o
outro é condição necessária no momento da construção do texto. Assim por meio do ato
linguístico são praticadas ações sobre os outros, ações estas que não existiam antes de
determinada fala, pois segundo Geraldi (2006)
“a linguagem é vista como um lugar de interação humana. Por meio dela, o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria levar a cabo, a não ser falando; com ela o
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falante age sobre o ouvinte, constituindo compromissos e vínculos que não preexistiam à fala.” (p. 41)
Esta concepção da linguagem como forma de interação situa a língua numa
dimensão mais humana, onde ocorrem as relações sociais, abrindo espaço assim para teorias
de estudos linguísticos correspondentes à Linguística da Enunciação – como Linguística
Textual, Teoria do Discurso, Análise do Discurso, Análise da Conversação, Semântica
Argumentativa e os demais estudos relacionados à Pragmática.
3 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
3.1 PROPOSIÇÕES PARA A SALA DE AULA
Toda atividade pedagógica é norteada por uma determinada concepção, no que se
refere o ensino de língua portuguesa, não é diferente. Tudo o que se realiza em sala de aula
está relacionado a um conjunto de teorias, sendo a partir delas que os caminhos do ensino são
percorridos, tais como definição de objetivos, seleção de objetos de estudo e escolhas de
procedimentos. Antunes (2003) afirma que em todas estas situações citadas, há uma
concepção de língua com suas funções e formas de uso e aprendizagem.
E como se pôde observar no tópico anterior, a concepção mais aceita
contemporaneamente – pelo menos em tese – é a concepção que se centra na língua como
atuação e interação social, haja vista que se torna possível uma visão mais ampla da
linguagem, acarretando um fazer pedagógico com resultados mais relevantes, expressivos e
produtivos.
Isso ocorre porque nesta concepção a língua não é independente, mais sim tem uma
relação de dependência com outros fatores, tais como a realidade histórico-cultural de um
povo, sua identidade e individualidade. Dessa forma, para que o ensino de língua materna seja
eficaz, torna-se indispensável levar em conta todos estes aspectos que são indissociáveis da
linguagem. Condizente com esta concepção, consta nos Parâmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Médio (2000) que
“Não há linguagem no vazio, seu grande objetivo é a interação, a comunicação com o outro, dentro de um espaço social, como, por exemplo, a língua, produto humano e social que organiza e ordena de forma articulada os dados das experiências comuns aos membros de determinada comunidade linguística.” ( p.5 )
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Assim, o documento acima citado, orienta o ensino da linguagem de acordo com os
pressupostos da concepção interacionista da língua, já que esta concepção concebe o signo
linguístico atrelado ao meio social – e não apenas entre os signos, conforme a teoria lógico-
gramatical – assumindo assim uma postura mais discursiva e interativa da linguagem,
levando-se em conta seus saberes e conhecimentos enunciativos, percebendo-a como uma
realidade vivida que envolve indivíduos com sua própria história, cultura e sociedade.
Travaglia (2009) afirma que nesta concepção o ensino consiste principalmente em
desenvolver no aluno a competência comunicativa. O alcance desse objetivo se configura na
proposta de aulas voltadas para o ensino produtivo. Essa concepção tem como objetivo levar o
educando à adquirir novos conhecimentos a respeito da língua, para que no momento em que
achar necessário possa ter maior variedade de habilidades linguísticas. Nesta mesma linha
Antunes (2009) propõe que o ensino esteja preocupado com a formação integral do cidadão,
tendo como objeto principal a língua em uso, orientada para a interação interpessoal.
De acordo com esta concepção interacionista concernente ao ensino de língua
materna, abre-se mais espaço para a reflexão da língua em uso, para que os conteúdos
gramaticais tenham sentido para o aluno, percebendo-se sua utilidade tanto em sua formação
profissional quanto social.
Espíndola (2004) coloca que as Orientações Educacionais Complementares aos
Parâmetros Curriculares Nacionais (2002) propõem que “o ensino de língua materna deve
considerar necessária a aquisição e o desenvolvimento de três competências: interativa,
textual e gramatical,” (p. 93) evidenciando-se que o foco principal não é o conteúdo mas sim
o desenvolvimento dessas competências, sendo fundamental apontar que elas devem ser
distribuídas e estreitamente relacionadas aos eixos de Produção Textual, Desenvolvimento
com a Oralidade, Gramática e Literatura.
A partir do que foi citado acima, fica sob a responsabilidade da escola selecionar os
conteúdos que desenvolverão de forma mais adequada estas competências – interativa, textual
e gramatical – assim, para que a aprendizagem ocorra pertinentemente é indispensável a
utilização de textos, pois é através deles que a comunicação de fato acontece, sendo somente a
partir deles que pode-se analisar e refletir sobre os enunciados linguísticos de forma a
contribuir para o desenvolvimento de competências e o aprimoramento de determinadas
habilidades. Concernente à reflexão sobre os enunciados linguísticos, Travaglia (2009) afirma
que
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[...]enunciados são frutos de situações de comunicação, são, naturalmente, textos, isso significa dizer que se deve propiciar o contato e o trabalho do aluno com textos utilizados em situações de interação comunicativa o mais variadas possível. Portanto, se a comunicação acontece sempre por meio de textos, pode-se dizer que, se o objetivo de ensino de língua materna é desenvolver a competência comunicativa, isto corresponde então a desenvolver a capacidade de produzir e compreender textos nas mais diversas situações de comunicação. (p. 19)
Em concordância com a afirmação acima de Travaglia (2009), Antunes (2003)
aponta que a utilização do texto é indispensável para o ensino de linguagem, pois de acordo
com a concepção interacionista da língua, concebida como funcional e contextualizada, os
seus usuários agem e interagem entre si funcionalmente, o que só é possível através da forma
textual. Assim, o estudo das particularidades do texto e do discurso são de fato o objeto do
ensino de linguagem sob a perspectiva interacionista, sobre o qual Antunes (2009) pôde
chegar à dois consensos “o de que usar a linguagem é uma forma de agir socialmente, de
interagir com os outros, e o de que essas coisas somente acontecem em textos.” (p. 49)
Assim, os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000) também orientam que o ensino
da língua materna deve focar-se no texto – que é o eixo central do ensino da linguagem –
composto por inúmeros recursos, tais como processos de construção e sequenciação,
envoltura temática, informatividade contextual, relevância, elementos de coesão e coerência;
devendo-se então analisar cada um de seus aspectos, considerando ainda seu desdobramento
pragmático. Diante disso, percebe-se que a utilização dos textos em sala de aula é
indispensável.
Sob esta visão, o principal e primeiro passo que deve ser dado na sala de aula, parte
do professor no momento em que decide aderir à concepção interacionista da linguagem.
Sabendo-se que cada grupo de educandos tem suas particularidades, é imprescindível que o
professor esteja atento para elas, no intuito de fazer um bom planejamento de aula,
considerando diversos fatores para a confecção de suas atividades, tais como variedades
linguísticas, valores morais, éticos, religiosos, entre outros.
De acordo com Antunes (2009) o ensino da linguagem precisa ser abordado
considerando-se a realidade linguística, cultural e de identidade do povo, não podendo-se
dissociá-las, haja vista que cada povo tem sua identidade, o que caracteriza sua cultura e
língua, já que esta por sua vez é resultado de relações sociocomunicativas, onde há locutores e
interlocutores interagindo entre si. Deve-se assim atentar-se para as intenções e efeitos de
sentido existentes entre locutores e interlocutores, tornando assim o estudo do texto e do
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discurso mais relevantes, já que percebeu-se então a complexidade do fenômeno linguístico
em contextos diversos e multifacetados.
Oliveira (2010) afirma que o ensino de língua deve priorizar o desenvolvimento da
competência comunicativa do aluno, sendo que para desenvolvê-la não precisa-se
necessariamente dominar regras gramaticais, mas sim utilizar a linguagem de forma adequada
à cada situação social; isto corresponderia com a capacidade do usuário da língua em saber
interpretar e empregar um elevado número de recursos linguísticos, seja da forma escrita ou
oral, de maneira adequada em diferentes situações de interação comunicativa.
Assim, um indivíduo que domina os recursos e mecanismos da língua, sabendo
refletir sobre tais estratégias, não só consegue compreender melhor os sentidos da linguagem
no seu dia-a-dia, como também terá provavelmente, mais chances de elevar-se no mercado de
trabalho.
Para que isto de fato ocorra é necessário que o aluno saiba utilizar cada vez mais um
número maior de tipologias e gêneros textuais – sejam orais ou escritos, verbais ou não-
verbais – o que para Antunes (2009) acarretaria num trabalho com o ensino de linguagem
mais significativo e consistente, apontando a dimensão da textualidade como fundamento para
o ensino de línguas, propondo que se leve o aluno a dominar o texto em suas diversas faces:
cognitivas, discursivas e pragmáticas.
Pôde-se notar que para que o ensino da linguagem assuma uma postura interacionista
e tenha eficácia na formação do aluno/cidadão, tem-se que disponibilizar a ele um ensino que
leve em conta sua realidade sócio-cultural, com diversos tipos e gêneros textuais,
oportunizando o domínio de diversas variedades linguísticas para que o educando possa
utilizá-las adequadamente no contexto social; referente a isto, não pode-se deixar de salientar
as discrepâncias entre o domínio da norma padrão culta e o uso da modalidade coloquial da
língua, tal qual o papel da escola e do ensino da linguagem quanto as estas discrepâncias.
Possenti (1996) atribui à escola o dever de ensinar aos alunos o domínio da língua
em sua variedade culta, normativa, haja vista que os falantes já dominam a língua portuguesa
em sua variedade coloquial, usual, do dia-a-dia. Consonante a isto, Geraldi (2006) coloca que
mesmo que se tenha que valorizar e considerar os dialetos existentes na linguagem –
incontestavelmente válidos do ponto de vista linguístico – não se deve prender-se somente a
eles no que se refere ao objeto de ensino nas aulas de língua materna, até porque isto
significaria um desconhecimento de que a linguagem representa um elemento de domínio
social, constituindo um obstáculo de acesso ao poder.
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Então é fundamental que o ensino de língua não esteja restrito a apenas uma
variedade linguística, mas sim abra um leque de opções aos alunos, preparando-os não só para
o mercado de trabalho, como também para a vida social; assim não se pode deixar de lado a
modalidade padrão, uma vez que esta, quer queira ou não é a privilegiada na sociedade,
constituindo um bloqueio entre as comunidades linguísticas sociais.
Assim, Soares (1998) aponta que a linguagem é um dos meios que possibilita
amenizar e/ou senão superar as desigualdades sociais, rompendo as barreiras dos dominantes
– que predominantemente dominam ou mesmo têm mais oportunidades de dominar a
modalidade culta – e os dominados – que dominam apenas a linguagem coloquial – sendo
papel do professor de língua materna ofertar aos educando o domínio de outras variedades
linguísticas, como a norma padrão da língua.
Concernente à esta abordagem da norma culta no contexto escolar, Geraldi (2006)
coloca que não é uma questão de diminuir a variedade não-padrão e supervalorizar a norma
culta, mas é a maneira de possibilitar linguisticamente que todos tenham as mesmas
oportunidades no contexto profissional e social; e esse é um dos principais papeis da escola no
que se refere ao ensino de linguagem, quanto a formação do aluno, objetivando torná-lo ativo
socialmente.
Sob a luz da concepção interacionista não se postula apenas novas metodologias de
ensino, mas também novos conteúdos, já que assumindo esta perspectiva deve-se então
privilegiar o domínio das habilidades dos usos linguísticos em contextos concretos em
detrimento de análises conceituais metalinguísticas, pois o mais importante, segundo Geraldi
(2006), é saber o ‘para quê’ se ensina língua materna à brasileiros, e respondendo a esta
pergunta é indiscutível afirmar que esse ensino fundamenta-se nas mais variadas formas
linguísticas visando o domínio de um maior número, para uma utilização eficaz e socialmente
adequada.
Segundo Geraldi (2006) a prática de leitura, de produção de textos e a análise
linguística são unidades básicas para o ensino de língua portuguesa. Sendo que na prática de
leitura estão envolvidos dois níveis de profundidade de leitura e de tipos textuais, como as
narrativas longas – novela, romance – e textos curtos – crônica, conto, noticiários, etc.
Antunes (2003) afirma que a leitura é uma atividade de interação, ultrapassando assim os
limites da decodificação dos signos linguísticos, já que o leitor, sendo sujeito da ação de ler,
procura interpretar, compreender e recuperar as informações do conteúdo do texto, tais como
a intenção de quem o escreveu.
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A produção de textos segundo Antunes (2003) também é uma interação entre sujeitos
realizada conjuntamente entre duas ou mais pessoas, através da comunhão de ideias,
informações e intenções pretendidas por quem escreve, com objetivo de dividi-las com
alguém, implicando assim a um ato interativo. Sempre que se vai escrever algo, tem que se ter
em mente o que se quer dizer, para que haja assim ideias e informações a serem transcritas
através das palavras.
No entanto, com relação a produção textual no contexto escolar, não se pode escrever
sem haver destinatário, haja vista que a escrita assim se tornará dificultosa e com repertório
restritamente fechado, não podendo no âmbito do ensino da linguagem, cobrar dos alunos
produções textuais que não tenham leitor, se limitando estritamente a fins de avaliação.
Geraldi (2006) propôs que se faça antologias de textos que sejam fixadas em murais,
afim de que todos possam ver e ler, ou mesmo confecções de jornais, que possam ter
circulação ao menos no meio escolar; assim os alunos sentem-se motivados para produzirem
textos, pois estas produções têm objetivos, sendo que assim os alunos procuram fazê-la da
melhor forma possível, até porque serão lidas por vários leitores, e não apenas pelo professor.
Quanto à prática de análise linguística, o autor acima citado sugere que tais análises
sejam feitas a partir de textos produzidos pelos próprios alunos, já que o ensino de gramática
só tem sentido para o aluno se houver o objetivo de auxiliá-lo, devendo ser relevante,
funcional e contextualizado. Assim, cabe ao mediador selecionar os textos produzidos,
atentando para um problema de cada vez, para então analisá-lo conjuntamente com os alunos,
sendo que Geraldi (2006) afirma que “fundamenta essa prática o princípio: ‘partir do erro para
a autocorreção’.” (p. 74)
Antunes (2003) afirma que o ensino gramatical só auxilia o aluno quando orienta a
como utilizar as unidades linguísticas, combinando-as para produção de enunciados com
efeitos de sentidos funcionais contextualizados, que possam ser interpretados e que estejam
adequados às suas finalidades.
Dessa forma, o estudo da gramática só faz sentido quando tem como objetivo a
produção textual, conhecendo e sabendo utilizar as regras gramaticais que orientam a
confecção do texto, descartando-se assim a demasiada importância que se dá às
nomenclaturas, pois mais importante que nomear as regras é saber utilizá-las adequadamente
de acordo com o contexto de produção. Para Antunes (2003) o necessário para que o aluno
entenda como utilizar estas regras, são
a descrição de como empregar os pronomes; de como usar as flexões verbais para indicar diferenças de tempo e de modo; de como estabelecer relações semânticas
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entre partes do texto (relações de causa, de tempo, de comparação, de oposição, etc.); de quando e como usar o artigo indefinido e o definido; de quando e como garantir a complementação do verbo ou de outras palavras; de como expressar exatamente o que se quer pelo uso da palavra adequada, no lugar certo, na posição certa. (p. 86)
Como por exemplo, se um aluno vai produzir um texto dissertativo, ele fará uso de
argumentos, e no ato de produção muitas vezes terá que utilizar elementos coesivos que
liguem termos dentro do seu texto, então é muito importante que se atente para o sentido
desses elementos coesivos, para que não distorça a ideia que ele pretende defender, pois o uso
de uma conjunção inadequada dentro daquele contexto de produção, pode acarretar um
problema de coerência no seu texto, onde ele poderá entrar em contradição. Então nessa
situação, torna-se necessário que se tenha noções gramaticais, mas essa necessidade ocorre
em função da construção do texto, pois “a gramática existe em função da compreensão e da
produção de textos orais e escritos.” (ANTUNES, 2003, p. 92)
Outra prática muito importante para a formação do aluno é o trabalho com a sua
oralidade, que em relação à escrita, não tem recebido a merecida atenção. Antunes (2003)
observa que apesar de cada uma ter suas particularidades, oralidade e escrita não possuem
distinções essenciais entre si e, nem mesmo se opõem; na verdade, ambas funcionam como
meio de comunicação verbal que efetivam a linguagem.
Assim, da mesma forma que há a necessidade de se trabalhar a escrita, também há
necessidade de se trabalhar a oralidade em sala de aula, pois esta não se limita somente à
espontaneidade e ao relaxamento, haja vista que em determinadas situações torna-se
necessário seu uso em conformidade com a norma padrão, e a escola – em especial, mas não
apenas, nas aulas de língua materna – é o local ideal para esta prática.
Tudo o que foi exposto edifica bases fundamentais para um ensino de linguagem
mais produtivo e relevante para o aluno, preparando-o, segundo Travaglia (2004), para uma
vida com melhor qualidade, obtendo maior mobilidade dentro da sociedade na qual a língua
está diretamente vinculada.
E como resultado desta aprendizagem mais produtiva, o trabalho do professor torna-
se mais gratificante, o qual, segundo Bechara (2002), tem a enorme responsabilidade de
oferecer condições que favoreçam ao aluno sua transformação em um “poliglota dentro de sua
própria língua, possibilitando-lhe escolher a língua funcional adequada a cada momento de
criação.” (p. 14)
15
3.2 O ENSINO NA ESCOLA DE REDE PÚBLICA ESTADUAL: TABULAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS
Tendo em vista as proposições para o ensino de língua materna, embasado na
concepção interacionista da linguagem que fundamenta um ensino mais produtivo e relevante
para o aluno, tornou-se necessário investigar se estas proposições já estão presentes na prática
de ensino em sala de aula, para tal foi necessário se fazer uma pesquisa de campo sobre o
ensino de língua materna no contexto escolar.
A pesquisa de campo foi realizada na escola da rede pública Estadual Professor
Francisco Walcy, na cidade de Santana-AP, sendo entrevistados nove professores do Ensino
Médio desta escola, especialistas nas disciplinas de Língua Portuguesa e Literatura. O
método utilizado para a realização da pesquisa foi investigativo descritivo através de
questionário com perguntas abertas e semiabertas sobre como está o ensino de língua materna
no contexto escolar.
O questionamento com os professores foi para saber que concepção utilizam em sala
de aula e porque a utilizam; como também a abordagem dos assuntos de língua portuguesa
em sala de aula; as competências, habilidades e aprendizagem dos alunos como resultado de
sua prática de ensino e de que maneira eles viabilizam o desenvolvimento das competências
interativa, textual e gramatical no processo ensino-aprendizagem.
A primeira questão a ser perguntada aos professores pesquisados foi sobre a
concepção de linguagem que eles adotam em sua prática de ensino, até porque Antunes
(2003) afirma que toda atividade pedagógica do ensino de português é norteada por uma
determinada concepção de língua, por conta disto foi necessário que esta fosse a primeira
pergunta do questionário. (gráfico 1)
Gráfico 1
Qual concepção de linguagem é a mais utilizada em sua prática de sala de aula?
Concepção interacionista
Não responderam a pergunta
33%
67%
Fonte: Professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da Rede Pública Estadual – 2011
16
A maioria dos pesquisados – 67% do total – respondeu que adota em sua prática
em sala de aula a concepção interacionista da língua, afirmando que as formas linguísticas
não são mais estudadas como um sistema acabado e fechado. Percebeu-se através das
respostas dos professores a esta pergunta que uma grande parcela já é consciente da existência
de uma concepção mais adequada ao ensino de língua, visto que esta leva em consideração as
ações praticadas pelos indivíduos dentro do seu contexto histórico-social, entendendo a
linguagem como um lugar de interação.
Para Travaglia ( 2009) sob o prisma dessa concepção o indivíduo faz uso da língua
para realizar ações, agir ou até mesmo, atuar sobre o ouvinte, assim não é apenas um meio
para traduzir ou expor pensamentos nem transmitir informações a outra pessoa. É pertinente
afirmar que ao usar esta concepção, os professores despertam a criticidade dos seus alunos,
estes por sua vez, passam a reconhecer o seu lugar na sociedade, como sujeitos ouvintes e
falantes, que agem ativamente no meio social através da linguagem.
Os demais 33% não souberam responder, ou não compreenderam a pergunta. Pôde-
se observar que ainda existem professores que desconhecem até mesmo estes termos, e por
conta disso não compreenderam a questão, sendo que as suas respostas prenderam-se mais aos
conteúdos ensinados, sistemas de avaliação e o relacionamento com os alunos, fugindo do que
realmente havia sido perguntado.
É indispensável no ensino de língua que o professor tenha conhecimento das
concepções de linguagens para sua prática em sala de aula, para este não fazer uso de uma
concepção de língua vista por Geraldi (2006) como máscara de pensamento, sendo que nela
os alunos não têm liberdade para escrever, seguem um modelo pronto em suas redações, se
prendem apenas a resumos e fichamentos, rotulam obras; desta forma o que ocorre é um
‘adestramento’ dos alunos, cabendo ao professor policiá-lo, para que sigam as regras
adequadamente. O autor acima citado ainda coloca que neste ensino de língua, os alunos
deixam de utilizar sua criatividade, perdendo suas atitudes de invenção e liberdade.
Travaglia (2009) também afirma que a concepção de uma língua é tão imprescindível
quanto a postura do professor em relação à educação, sendo de extrema importância o
conhecimento dessas concepções para o professor desenvolver o ensino de língua materna.
Assim, além de investigar que concepção é utilizada pelo docente, evidentemente é
fundamental questionar o porquê que este fez a escolha de utilizar determinada concepção de
língua. (gráfico 2)
17
Gráfico 2
Aponte o porquê utiliza esta concepção de ensino.
Porque resume as demais concepções
Através dela o aluno se envolve no seu processo de ensino
Não responderam à pergunta
34%
33%
33%
Fonte: Professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da Rede Pública Estadual – 2011
Quando questionados sobre os motivos que os levam a utilizar determinada
concepção em sua prática de ensino, 34% afirmaram que utilizam a concepção interacionista
porque esta resume as demais; com relação a esta resposta é conveniente salientar que estes
professores pesquisados limitaram muito a concepção interacionista da língua, haja vista que
esta concepção de língua como um lugar de interação vai muito além do que um resumo das
demais concepções, já que ultrapassa as visões de linguagem como mera expressão do
pensamento e como objeto de comunicação, constituindo-se assim segundo Bakhtin (1986)
como um fenômeno linguístico social efetivado por meio de enunciações, sendo que a
interação é a realidade fundamental na língua.
Geraldi (2006) denota que a concepção interacionista envolve uma postura
diferenciada na educação, haja vista que esta situa a linguagem como um lugar de formação
de relações sociais, em que os falantes se tornam sujeitos, ou seja, não são mais apenas
reprodutores nem tão pouco transmissores e receptores de informações.
Os outros 33% que também responderam “utilizar a concepção interacionista”,
justificam que sua escolha se deve ao fato de que através dela o aluno poderá atuar de forma
mais consciente na sociedade em que vive, se envolvendo assim no seu próprio processo de
aprendizagem. Pôde-se observar que eles já levam em consideração a importância da
concepção interacionista e sua utilização na prática de ensino nas aulas de língua portuguesa,
sendo que estes visualizam o aluno como um sujeito integrante da sociedade, levando em
conta suas peculiaridades no processo de ensino-aprendizagem.
18
Verificou-se também que estes professores consideram a fala, a escrita e a leitura do
aluno-sujeito, como também suas particularidades culturais, contexto de produção e recepção
de enunciados. Nesse sentido é trabalhada a competência comunicativa dos discentes, o que
de fato é a função principal do ensino de linguagem.
Nota-se então que o ensino de língua embasado na concepção interacionista é mais
relevante para o aluno, a ponto que Oliveira (2010) destaca esta concepção como a mais
interessante para a prática em sala de aula, visto que implica diretamente em um novo
planejamento de aula e avaliação da produtividade dos alunos, assim como os peculiares
dialetos trazidos por eles para o contexto escolar, influindo positivamente no ensino de
linguagem, tornando-o mais significativo para os seus usuários.
Quanto aos 33% restantes, como não responderam que concepção utilizam, também
não puderam colocar o porquê. Após se investigar que concepção de língua o professor adere
em sua prática de ensino e porque a utiliza, tornou-se importante questionar também quais
assuntos são abordados nas aulas de Língua Portuguesa. (gráfico 3)
Gráfico 3
Quais assuntos de Língua Portuguesa são abordados em sala de aula?
Linguagem oral e escrita.
Gramática, texto e literatura.
Gramática e literatura.
33%
34%
33%
Fonte: Professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da Rede Pública Estadual – 2011
Com relação a esta pergunta, 33% responderam que os assuntos abordados são sobre
a linguagem oral e escrita, percebendo-se então que estes professores se atentam para os
aspectos da oralidade e da escrita, preocupando-se então em abordar preferencialmente em
sua prática pedagógica assuntos que desenvolvam a linguagem dos seus alunos. Assim, agem
em conformidade com Travaglia (2009) que diz que “ o ensino de língua materna se justifica
19
prioritariamente pelo objetivo de desenvolver a competência comunicativa dos usuários da
língua” (p.17).
Contudo, 34% afirmaram abordar os conteúdos pertencentes ao texto, gramática e
literatura, assim como está demarcado no livro didático, que divide estes assuntos em três
grandes blocos, visualizando-os dissociadamente. Notou-se através de suas respostas que
estes assuntos são abordados em períodos diferentes, sem relacioná-los em momento algum.
Estes professores citaram até mesmo o assunto que estão abordando no momento que
é acentuação gráfica, entretanto, esta não é visualizada dentro de textos, mas a partir de
palavras soltas. Foi explicitado também através de suas respostas uma grande preocupação
com os conteúdos gramaticais, estes claramente evidenciados como eixo principal do ensino
de língua, sendo que Antunes (2003) coloca que o desenvolvimento que se pode provocar nos
alunos através de classes gramaticais restringe-se apenas ao reconhecimento de unidades
linguísticas, dessa forma o ensino limita-se meramente à metalinguagem.
Os pesquisados acima também mencionam o texto como conteúdo do seu
planejamento de ensino, o que já representa determinado avanço, pois este é o ponto de
partida de toda a comunicação, no entanto, percebeu-se que os textos são utilizados apenas
como uma leitura superficial, com questões de interpretações bem evidentes no texto, sem
despertar no aluno uma análise linguística e menos ainda provocar a leitura do não dito, do
que está presente nas entrelinhas do texto, tal qual o seu contexto de produção.
Os professores em questão também afirmam visualizar os conteúdos literários, que
fazem parte das postulações propostas a serem desenvolvidas na disciplina de Língua
Portuguesa, pois Espíndola (2004) afirma que nas Orientações Educacionais Complementares
aos Parâmetros Curriculares Nacionais (2002) o ensino de língua é estruturado a partir de
quatro grandes eixos: Literatura, Gramática, Produção de Textos e Desenvolvimento da
Oralidade. Portanto, os discentes mencionam apenas Gramática, Texto e Literatura, ainda
assim abordados dissociadamente, e no documento acima citado consta que todos estes
assuntos devem ser correlacionados, afim de contribuir com o desenvolvimento das
competências e habilidades dos discentes.
Os demais 33% afirmam está abordando as classes gramaticais – morfologia –e as
escolas literárias – romantismo, realismo, naturalismo, parnasianismo e simbolismo.
Percebeu-se através das respostas destes professores que ainda há uma grande preocupação
com os aspectos metalinguísticos, sendo que estes ainda colocam claramente questões de
nomenclatura.
20
Consonante a esta abordagem com foco metalinguístico, Antunes (2007) afirma que
é preciso ir muito além da nomenclatura, das classificações gramaticais, da simples análise
sintática de frases isoladas para ver como as unidades da língua funcionam na construção dos
textos e que efeitos podem provocar na constituição do discurso. Antunes (2003) ainda afirma
que o ensino de nomenclaturas só desenvolve no aluno habilidade de nomear as unidades das
formas ditas corretas, não permitindo intervenções do falante.
A partir de todos estes conteúdos contemplados pelos professores nas aulas de
Língua Portuguesa no Ensino Médio, foi pertinente pedir que eles descrevessem as
competências e habilidades linguísticas tal qual a aprendizagem dos alunos, como resultado
de sua prática de ensino. (gráfico 4)
Gráfico 4
Descreva as competências, habilidades e aprendizagem dos alunos, como resultado de sua prática de ensino
Utilizam a linguagem de forma mais adequada às normas gramaticais.
Desenvolvimento da oralidade e da escrita nas situações funcionais de uso.
67%33%
Fonte: Professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da Rede Pública Estadual – 2011
Referente a esta questão, a grande maioria dos professores – 67% – responderam
que como resultado de sua prática de ensino os alunos passam a utilizar a linguagem de forma
mais adequada às normas gramaticais. Percebe-se então que a maioria dos pesquisados ainda
se preocupam principalmente com o emprego e a utilização da gramática normativa, frisando
a necessidade de adaptar a linguagem dos alunos à norma padrão da língua, observando-se as
regras gramaticais, procurando sempre trabalhar para combater os vícios de linguagem e na
sua prática de ensino fazem uso frequente de seminários para adequar a linguagem oral dos
alunos à norma culta da linguagem.
Concernente a esta preocupação em adequar a linguagem dos discentes as regras da
gramática normativa, Antunes (2003) afirma que esta é uma visão equivocada da linguagem
21
dos alunos, haja vista que veem nela um lugar privilegiado de rompimento de regras
gramaticais, como se tudo que houvesse de errado na língua, ocorresse na fala, sendo que nela
tudo é permitido, estando à margem das normas e prescrições da gramática, entretanto, a
autora ainda afirma que estas visões não diferenciam as situações sociais que exigem uma
maior formalidade de interação de situações mais coloquiais, onde se tem uma liberdade
maior para a espontaneidade do uso oral da língua.
Travaglia (2009) denota que se deve desenvolver a competência comunicativa dos
alunos, para que estes utilizem a linguagem de forma adequada nas mais distintas situações de
uso, isso tanto na modalidade oral quanto a escrita. É evidente que não se deve, no entanto,
impor a norma culta aos alunos, como se esta fosse a única válida no uso linguístico, sendo
necessário então mostrar as diferentes possibilidades da linguagem e em que momento ser
conveniente utilizá-las, sem desconsiderar a fala do discente.
Concernente ao combate dos vícios da linguagem, denotados nas respostas dos
professores como ‘erros’ dos alunos, caracterizando um defeito na linguagem, o linguista
Sírio Possenti (1996, p.29), coloca que
“os grupos que falam uma língua ou um dialeto em geral julgam a fala dos outros a partir da sua e acabam considerando que a diferença é um defeito ou em erro. Daí pensarmos, em geral, que os outros não sabem falar. Ou, ainda mais gravemente, acabarmos convencidos de que nós também não sabemos falar, se falamos de forma um pouco diferente daqueles que são para nós os modelos de comportamento linguístico. [...]Não aceitamos pacificamente que os que falam ou deveriam falar a mesma língua falem de maneira diferente.
Percebe-se então que existe um grande preconceito entre as pessoas que falam a
mesma língua de forma diferente, ou seja, que fuja da norma padrão, e ver-se na resposta
destes professores, que eles procuram mudar a linguagem própria do aluno, adequando-a a
norma culta, é evidente que deve-se oferecer condições para que o aluno também saiba
utilizar a linguagem formal, pois haverá situação que ele precisará utilizar esta modalidade
linguística, entretanto, a forma que ele fala, mesmo sendo diferente, e carregada de ‘vícios’
como foi mencionado pelos professores, não tem que ser abolida em razão da norma culta, até
porque Possenti (1996) afirma que não existe língua superior a outra, nem variedade da
mesma língua melhor que outra, muito embora seja notório a supervalorização que se dá à
norma culta em detrimento das demais.
Os 33% restantes afirmam que perceberam nos alunos um desenvolvimento em sua
linguagem oral e escrita de acordo com as situações de uso funcional. Quanto a resposta
destes pesquisados, pode-se observar que eles perceberam a melhoria na produção e
22
interpretação textual de seus alunos, podendo-se notar a preocupação com os usos funcionais
da linguagem, que fazem parte da realidade do aluno, enfatizando as reflexões sobre a língua.
Antunes (2003) afirma que mesmo o trabalho com a oralidade e a escrita ainda não
estão sendo abordados de forma consistente para a geração de mais qualidade de ensino,
muito embora já se note um avanço, ainda há muito a se refletir, estes professores já estão
numa fase de travessia para uma educação mais eficaz na formação do aluno, entretanto,
mesmo apontando que abordam a linguagem oral e escrita do aluno de acordo com as
situações de uso, ficou evidente, que prendem-se muito aos gêneros orais informais,
predominando-se os discursos conversacionais, restringindo-se apenas à reprodução de
registros coloquiais, sem provocar o aluno a uma análise mais profunda e pertinente dos mais
variados gêneros, tanto informais como também formais, sendo que a autora ainda coloca que
deve-se procurar trabalhar com a realização de gêneros na comunicação pública que
colaborem com o aperfeiçoamento do ‘falar em público’.
Ante os resultados obtidos a partir dos conteúdos das aulas dos professores
pesquisados e tendo em vista as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais (2002) citados por Espíndola (2004) que afirmam que “o ensino de
língua materna deve considerar a necessária aquisição de três competências: interativa, textual
e gramatical” (p. 93), foi pertinente verificar de que maneira os pesquisados viabilizam o
desenvolvimento destas três competências em seus alunos. (gráfico 5)
Gráfico 5
Através de que métodos você viabiliza o desenvolvimento das competências interativa, textual e gramatical?
Através de provas dissertativas
Através da leitura, interpretação e produção textual
34%
66%
Fonte: Professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio da Rede Pública Estadual – 2011
23
Parte dos professores – correspondente a 34% dos pesquisados – afirma que viabiliza
o desenvolvimento destas três competências através de provas dissertativas, como também
trabalhos relâmpagos com tempo determinado para execução. De certa forma, estes
professores ainda agem de acordo com os moldes tradicionais, no sentido de pressionar os
alunos a apresentarem resultados, mesmo que eles afirmem que passam provas dissertativas,
estas não deixam de ser um instrumento avaliativo que ainda assusta os discentes; sem falar
que os trabalhos relâmpagos, ao pegarem os alunos despreparados, pode atrapalhar o
resultado, ainda mais se estes forem executados dentro de um tempo expressamente
determinado, não dando aos alunos liberdade de produção.
Segundo as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares
Nacionais (2002), fica sob responsabilidade da escola, como também do professor, construir
um programa de conteúdos de Língua Portuguesa que contribuam para o desenvolvimento das
competências interativa, textual e gramatical, e que a chave para viabilizar este
desenvolvimento é o texto, não podendo se abrir mão dele sob hipótese alguma, sendo
evidente que
“o ensino e a aprendizagem de uma língua não podem abrir mão dos textos pois estes, ao revelarem usos da língua e levarem a reflexões, contribuem para a criação de competências e habilidades específicas.” (Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais apud ESPÍNDOLA In SOUSA, 2004, p. 93)
Estes professores, no entanto, colocaram na verdade os instrumentos que utilizam
para desenvolver estas competências, mas não explicaram por meio de quais conteúdos, e em
nenhum momento evidenciaram o texto, nem mesmo a gramática, que era o que constava na
pergunta. Outro ponto interessante a ser analisado, é que eles colocaram a produção de textos
dissertativos como meio de desenvolvimento das competências textuais e gramaticais, só que
um texto dissertativo, muitas vezes é apenas expositivo, não levando assim o aluno a fazer
análises discursivas, diferente do texto dissertativo-argumentativo, que faz com que o discente
não só reproduza mas também argumente sobre determinado assunto.
Enquanto 66%, a grande maioria, afirma que desenvolve estas competências através
de leitura, interpretação e produção textual. Estas são ótimas formas de se desenvolver as
competências dos alunos, entretanto não especificaram nem foram claros como fazem para
que isso ocorra, entretanto, nem mesmo mencionaram sobre o desenvolvimento das
competências gramaticais, que como já foi explicitado, só se dá a partir do eixo textual.
24
Além de caber ao professor a responsabilidade de construir um programa que
envolva todos os conteúdos de Língua materna, no entanto, não é o bastante apenas selecioná-
los, deve-se correlacioná-los, exigindo do docente uma nova atitude diante do ensino de
linguagem, sendo que não se deve abordar os assuntos de forma dissociada, tendo que
associar gramática, leitura e produção de texto, estes orais e escritos. Percebe-se então que há
uma mudança de foco, pois os conteúdos, que antes eram o grande enfoque, perderam espaço
para as competências que devem ser aprimoradas durante o Ensino Médio.
Evidentemente a escola ainda precisa passar por mudanças, e o professor precisa
passar a aderir de fato a concepção que visa a linguagem como interação humana, pois mesmo
que a maioria tenha afirmado utilizar esta concepção, o que se notou é que isto ainda só
ocorre na teoria, estando ainda distante da prática em sala de aula. Sabe-se, contudo, que este
não é um processo rápido, nem tampouco fácil, é preciso que haja uma adaptação, pois há
muito tempo se tem seguido uma prática pedagógica tradicional, assim é pertinente buscar
mudanças para que o ensino de língua no contexto escolar tenha resultados linguísticos
socialmente satisfatórios na formação do aluno-cidadão, sujeito da sociedade do século XXI.
4 POR UM NOVO MODO DE ENSINAR A LÍNGUA MATERNA
Percebeu-se então através da análise dos dados coletados na pesquisa de campo, que
o ensino de linguagem ainda está preso aos moldes tradicionais, pois mesmo que muitos
educadores já tenham consciência da nova prática pedagógica do ensino de língua materna –
que visualiza o educando como um sujeito ativo socialmente, prática norteada pela concepção
interacionista da língua –esta prática ainda não está de fato difundida na prática de sala de
aula.
Assim, para a formação de um cidadão que utilize a linguagem competentemente nas
mais variadas situações de uso, é necessário que os novos pressupostos para o ensino de
língua orientados por linguistas e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – visualizados no
tópico 3.1 – sejam de fato inseridos no contexto escolar, para que o ensino se torne de fato
significante para o aluno.
4.1 A METALINGUAGEM
Ante o resultado da pesquisa feita neste artigo, constatou-se que o ensino de
linguagem na escola ainda tem como foco os conteúdos metalinguísticos. Tendo em vista que
25
o ensino não só de língua materna como também das demais áreas da educação tem por
objetivo viabilizar a formação de cidadãos críticos socialmente, o ensino centrado na
metalinguagem não concretiza este objetivo. Logo, de acordo com a análise feita, o ensino da
linguagem no contexto escolar ainda não vem cumprindo com eficácia o seu papel na
formação de um aluno-sujeito capaz de utilizar os recursos linguísticos adequadamente nas
diversas situações, sejam elas informais e formais, tanto na modalidade escrita quanto oral.
Segundo Antunes (2009), o ensino voltado para metalinguagem se torna apenas uma
transmissão de conhecimentos, que traz grandes dificuldades em relação à aprendizagem dos
alunos, pois estudando apenas a nomenclatura das regras da língua padrão, os discentes
concluem a vida escolar sem saberem ler e escrever adequadamente.
Bagno (2005) afirma que ainda é consolidada a crença de que o estudo de uma língua
é o estudo de sua gramática, o que é um mito, pois ela é apenas parte de um todo maior que é
a linguagem. O ensino da linguagem na escola segue ainda uma abordagem atrelada à
gramática tradicional, que para o autor acima citado não chega a ser nem mesmo uma ciência
e sim uma doutrina, com normas para serem seguidas incontestavelmente, gerando assim um
abismo entre a fala/escrita e os alunos.
Antunes (2003) reforça essa afirmação de Bagno (2005) dizendo que a escola não tem
estimulado a formação de leitores e principalmente não tem capacitado os alunos para
produzirem textos dos mais variados gêneros – relatórios, resumos, crônicas, artigos, etc. –
ou seja, tem “ uma pedra no meio do caminho da aula de português.”(ANTUNES, 2003, p.
15).
Ainda se perde muito tempo com o ensino de nomenclaturas, com suas infinitas e
rebuscadas classificações, que nem mesmo dão conta do fenômeno linguístico, pois segundo
Perini (2010) a gramática nem mesmo é uma descrição completa da língua, sendo que o autor
ainda coloca que a gramática visualizada na escola corresponde mais à metalinguagem.
Antunes (2003) ainda comenta que enquanto o professor fica praticando análise
sintática em sala de aula, para saber se o sujeito é determinado ou não, os educandos tornam-
se sujeitos inexistentes, por ficarem impedidos de tomar consciência sobre os caminhos que
eles devem seguir na sua vida.
Além do ensino ainda está voltado para a o estudo metalinguístico, outro grande
problema no ensino de linguagem é o fato de a gramática ainda ser utilizada como
instrumento para se aprender falar e escrever bem, infelizmente muitos professores e até
mesmo a escola ainda têm esta visão. Isto é mais um equívoco, já que o estudo gramatical
26
“não leva e nunca levou ninguém a desenvolver habilidades de leitura, escrita ou fala, nem
sequer seu conhecimento prático do português escrito.” (PERINI, 2010, p. 18).
Antunes (2003) atenta para a questão de que se prevalece nas aulas de português o
ensino das nomenclaturas e classificações gramaticais, sendo de fato o que foi constatado a
partir das respostas da maioria dos professores pesquisados neste artigo; assim ir à escola
pode não ter muita significação para o aluno, haja vista que o ensino metalinguístico não
desenvolve as competências e habilidades previstas nos Parâmetros Curriculares Nacionais -
pois este ensino baseia-se apenas em tarefas de reconhecimento e memorização – deixando
de contribuir na formação de competências em leitura e escrita de textos, como também no
desenvolvimento da oralidade com mais fluência.
Entretanto, a complexa sociedade contemporânea, que está cada vez mais dinâmica,
exige que os indivíduos tenham competência comunicativa nos mais variados contextos de
produção linguística, o que não pode ser ofertado através de um ensino de língua com o foco
nos aspectos metalinguísticos, pois Travaglia (2009) afirma que a abordagem destes aspectos
não possibilita o desenvolvimento da competência comunicativa nos alunos.
Observou-se na pesquisa de campo que a maioria dos professores preocupa-se
principalmente com os conteúdos gramaticais em sua prática de ensino, sendo que Possenti
(1996) esclarece que o conhecimento de gramática não é obrigatório para conhecer uma
língua, haja vista que
[...] saber uma língua é uma coisa, e saber analisá-la é outra. Que saber usar suas regras é uma coisa e saber explicitamente quais são as regras é outra. Que se pode falar e escrever uma língua, sem saber nada sobre ela, por outro lado, é perfeitamente possível saber muito sobre uma língua sem saber dizer uma frase nessa língua em situações reais. (p. 54)
Deve-se esclarecer, no entanto, que toda língua tem sua gramática, mas a sua função
está relacionada à estrutura e ao funcionamento da linguagem, portanto não se deve confundi-
las, pois o estudo gramatical é apenas uma parte da linguagem, e embora seja fundamental,
não é único nem mesmo o principal, pois mais importante que analisar a estrutura de uma
língua é dominá-la, algo que deve está em primeiro plano no ensino de língua materna,
analisando sua estrutura e funcionamento apenas posteriormente.
Além da confusão entre linguagem e gramática, ainda há a ilusão de que existe
apenas uma gramática para toda a língua – que é a gramática da norma culta – no entanto, a
linguagem é uma atividade sociointerativa muito complexa, que contém uma grande
27
variedade de discursos, desta maneira, Antunes (2007) aponta que é necessário uma
‘gramática’ para cada tipo de situação e discurso, entretanto, se língua e gramática já não se
equivalem, menos ainda a língua e a gramática normativa.
E o que se observa no ensino de linguagem na escola que além de a gramática ser o
foco principal, prendendo-se quase que exclusivamente a questões metalinguísticas, é que esta
gramática trabalhada com os alunos, nem mesmo é a gramática da língua que eles dominam –
linguagem coloquial – mas sim da norma culta, o que só torna o processo de aprendizagem
mais dificultoso, haja vista que se os alunos ainda nem mesmo conseguem dominar a norma
culta, não poderão analisar sua estrutura e compreender seu funcionamento.
Assim, pode-se verificar que o ensino de linguagem não está correspondendo aos
seus objetivos, que é de formar cidadãos críticos, capazes de se comunicar nas diferentes
situações sociais adequadamente, pois ante a análise dos resultados da pesquisa sobre a
abordagem da língua no contexto escolar, a aula de linguagem ainda prende-se a gramática, e
esta enfatizando mais questões de nomenclatura.
Isso pôde ser verificado também em outras pesquisas, feitas por especialistas da
linguagem, como por exemplo, a pesquisa feita por Tardelli (2002) que converge em muitos
pontos com a pesquisa feita neste artigo, que também observou que o ensino permanece
eminentemente pautado numa organização tradicional, sendo que assim como foi verificado
na análise feita nesse trabalho, a autora também notou que “as aulas de gramática eram
desarticuladas dos textos que estavam sendo trabalhados.” (p.58)
Tendo em vista que o texto é o eixo principal para o ensino de língua, percebe-se
então que este não é introduzido de forma a relacionar os assuntos de linguagem, e quando os
textos são utilizados, servem apenas de pretexto, ou seja, retira-se deles apenas uma frase, ou
mesmo uma palavra, perguntando sua classificação, sem analisá-la contextualmente. Acerca
disso Travaglia (2009) afirma que se deve evitar
o uso do texto como pretexto para aulas de teoria gramatical, sobretudo de metalinguagem, que não auxiliam o desenvolvimento da capacidade de uso da língua (ex.: exercícios como ‘sublinhe os substantivos e coloque um círculo nos verbos.’). (p. 97)
O que se notou, entretanto, a partir da análise feita sobre as respostas da maioria dos
professores é que não é o texto o eixo norteador do ensino de linguagem, mas sim a
gramática, sendo que quando foi citado, percebeu-se que o texto serve apenas de pretexto,
haja vista que retira-se dele fragmentos isolados para classificações gramaticais, sem provocar
análises de elementos nele implícitos, nem mesmo as inferências que os alunos fazem a partir
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do texto, como também não se verificou uma análise das funções gramaticais dentro do seu
contexto, mas apenas questões de nomenclatura.
Dessa forma, percebe-se que de fato o ensino da linguagem ainda está longe de ser o
idealizado pelos linguistas, distanciando-se também das sugestões propostas pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais, permanecendo os ‘velhos problemas com novos rótulos’, pois muitos
professores já possuem o conhecimento das novas práticas pedagógicas pertinentes para o
ensino de linguagem, muito embora na prática de sala de aula não executem as práticas
respaldadas na concepção interacionista da língua.
Os professores alegam que apesar de as teorias serem muito sólidas, não as põem em
prática porque a realidade é muito complexa, havendo assim muitas dificuldades para
concretizá-las, até porque o docente se sente desassistido pela escola, governo e até mesmo
pelas famílias dos alunos, que não lhes dão apoio suficiente para que desempenhe seu papel
no ensino de linguagem com eficiência.
Acerca dessas dificuldades dos professores em por em prática as teorias linguistas
no ensino de língua materna, Neves (2005) coloca que a escola perde tanto tempo com
burocracias, que não desempenha o seu papel, que é o de oferecer condições para um eficaz
trabalho do educador, que muitas vezes não é valorizado pelas instituições escolares e
familiares . É com base então nesse contexto que o professor justifica seu desânimo e
desencanto no ensino de língua materna.
Diante disto, a autora acima citada afirma que os professores declaram que não lhes
são dados suportes para oferecer uma educação de qualidade, o que é fato, mas Neves (2005)
também questiona que muitos “querem receitas prontas, material para aplicação direta em sala
de aula, ou seja, fórmulas (quase) mágicas.” ( p.32)
É notável que existam inúmeras dificuldades em se aderir novos procedimentos
metodológicos em sala de aula, pois estes ainda não estão fortemente estruturados em muitos
currículos escolares e em vários cursos de formação de docentes. Nota-se que ainda há a
dificuldade na transposição do saber teórico para a prática didática, pois “sua utilização nas
atividades do cotidiano da escola deixa ainda muito a desejar” (OLIVEIRA, 2004, p. 63)
Muitos problemas ainda estão voltados para a falta de consciência que muitos
docentes ainda não têm sobre a nova prática pedagógica baseada na concepção interativa da
língua, outros problemas voltam-se para a concretização dessa prática pedagógica, pois
mesmo quando o professor possui o conhecimento, este não se vê possibilitado a levá-lo à
prática, ou mesmo, por estar acomodado ao sistema tradicional que está há muito tempo
condicionado no ensino de língua materna.
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Dessa forma, pode-se perceber que muitos problemas ainda persistem no ensino de
linguagem, como pôde ser observado na análise dos dados deste artigo e pela pesquisa feita
por Tardelli (2002). Mesmo se notando claramente que o ensino de língua materna embasado
prioritariamente no estudo metalinguístico seja irrelevante para o desenvolvimento das
competências comunicativas dos alunos e a sua formação em um cidadão crítico socialmente,
ainda se percebe, no entanto, que na realidade do contexto escolar este estudo metalinguístico
ainda esteja em voga.
4.2 A LINGUÍSTICA DA ENUNCIAÇÃO
Partindo do pressuposto que o ensino de linguagem tem como objetivo desenvolver a
competência comunicativa do aluno, como já foi afirmado, há a necessidade que a escola
passe por uma intensa mudança, principalmente na maneira qual aborda o estudo da língua. O
primeiro e grande passo para uma nova prática pedagógica no ensino de linguagem está
relacionado diretamente com a adesão à concepção interacionista da língua, não apenas de
forma teórica, mas principalmente prática.
É necessário então que se configure um ensino de linguagem pautado nas
propriedades enunciativas e discursivas da língua, tendo como ponto de partida para todas as
análises linguísticas o texto, que tem como atributo possibilitar discussões ligadas aos
posicionamentos atuantes do sujeito, como também valores sociais implícitos ou explícitos da
sociedade do século XXI; mesmo que o sistema linguístico aparente estar alheio às discussões
sociais, não está, pois são elas que dão um viés vivo e concreto à linguagem.
Assim o ensino deve levar em consideração a teoria da enunciação – desenvolvida
principalmente através das reflexões de Benveniste, na França, a partir da década de 50 – que
propiciou uma vasta exploração na dimensão pedagógica da língua, influenciando até mesmo
nas propostas dos PCNs, pois as secretarias de educação aderiram em suas proposições à
concepção interacionista da língua, como uma nova orientação para o ensino de linguagem.
A linguística da enunciação é caracterizada por adotar uma visão funcionalista da
linguagem em detrimento de uma visão formalista – respaldada nas teorias lógico-gramaticais
– correspondendo às correntes do estudo linguístico que aderem à concepção interacionista da
linguagem, abrangendo as áreas da Linguística Textual, Análise do Discurso, Análise da
Conversação, Semântica Argumentativa e os estudos condizentes à Pragmática. Assim,
evidencia um estudo que privilegia a funcionalidade da linguagem e sua prática discursiva,
analisando-a no contexto de produção dos falantes, orientando que o ensino de língua materna
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seja norteado pela concepção que visa a linguagem como um lugar de interação humana,
colocando o ensino de língua materna numa dimensão enunciativo-discursiva.
Sob esta ótica enunciativo-discursiva da linguagem, Antunes (2003) afirma que
apenas a concepção interacionista, promove uma abordagem da língua materna em sala de
aula de forma mais produtiva e relevante tanto social como individualmente, sendo que esta
concepção evidencia que a língua só existe com a função de possibilitar a interação entre as
pessoas.
A autora acima citada também coloca que a linguagem funcional só é possibilitada
através da forma textual, afirmando que só é a partir de um estudo voltado para as
regularidades discursivas – levando-se em conta sua produção e interpretação – que viabiliza
a constituição do objetivo do ensino de linguagem que seja de fato útil para o aluno.
Os fenômenos linguísticos devem, pois, ser estudados sob a ótica da teoria da
enunciação, sendo que não se deve analisá-los como se fossem apenas informações
transmitidas, mas notar as peculiaridades do sujeito que produziu o enunciado, como também
as formas do discurso que foram utilizadas.
Dessa forma, o interessante é que o ensino de língua portuguesa seja um lugar para a
reflexão da língua em uso, assim como Antunes (2003) Espíndola (2004) também coloca que
no processo de ensino-aprendizagem de uma língua o que não pode deixar de ser trabalhado
são os textos, pois estes, ao mostrarem os usos da língua, levam a reflexões, contribuem para
a criação de competências e habilidades específicas, como produção de textos nos mais
diversos gêneros, tanto na modalidade escrita quanto oral.
Acerca da abordagem textual em sala de aula como eixo norteador do ensino,
Travaglia (2009) afirma que as diversas enunciações discursivas de situações de comunicação
são na verdade textos, assim no ensino deve-se priorizar as atividades de produção e
compreensão textuais nas diferentes ocasiões de uso, tal qual a pluralidade dos discursos, com
a finalidade de desenvolver a competência comunicativa dos alunos, sendo que esse
desenvolvimento precisa ser entendido como uma capacidade gradual de adequação da fala às
situações de comunicação.
Para Antunes (2003 ) a prioridade no ensino de língua é criar oportunidades para que
através da leitura de diferentes gêneros textuais, o aluno possa construir, analisar e discutir,
dessa forma ele poderá compreender o funcionamento da língua que ele usa realmente,
fugindo do tradicional em que predomina as definições e a denominação das unidades.
Questiona-se então uma maneira de se trabalhar a língua de modo a desenvolver as
competências e habilidades dos alunos. Para Oliveira (2004) a sugestão seria de
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[...] caminhar na direção do discurso, assumindo os deslocamentos teóricos-metodológicos necessários, levando em conta os saberes e conhecimentos relacionados às propriedades discursivas e enunciativas da linguagem, que, usualmente, deixam de constar nas grades curriculares dos cursos de formação de professores e por extensão de serem explorados nos processos de compreensão e produção de textos [...] (p. 53)
Desse modo, devem ser propostas atividades de leitura e produção textual, que
introduzam a linguagem como um todo significante. Para tornar isto possível, é pertinente que
se adotem em sua prática, a teoria da enunciação, proposta pelo estudioso Mikhail Bakhtin
(1895-1975), que coloca que o discurso passou a ser visto como uma prática social e uma
forma de comunicação interativa.
Um passo muito importante a se dar num estudo de acordo com as práticas
discursivas é passar a perceber que um texto nunca é ingênuo, tendo-se que notar o que há por
trás dele, analisando-se o sujeito que o produziu, e em que condições esta produção foi
possibilitada, verificando-se as muitas vozes dialógicas que se estabelecem neste texto.
Segundo Antunes (2007) deve-se estimular a leitura e a escrita em um paralelo com a
exploração da oralidade, ampliando assim o repertório de informações dos discentes sobre os
mais variados assuntos, através de leituras com debates e reflexões, sempre orientadas pelo
docente.
Assim, se o ensino de língua materna, se respaldar nas propostas dos PCNs, como
também na concepção interacionista, tendo como fundamento a teoria da enunciação e as
proposições dos especialistas da linguagem, considerando-se o texto como ponto de partida
para todo o ensino de língua, o ensino-aprendizagem de língua portuguesa em sala de aula
seria de fato pertinente para a formação de um sujeito com habilidade de utilizar a sua língua
materna nas mais variadas situações de uso, desde um congresso a uma conversa de ‘bar’,
tornando-se então, como afirma Bechara (2002) um poliglota de sua própria língua, que é de
fato o papel do ensino de língua materna nas escolas.
Sobretudo, a escola e os professores devem atentar-se mais para os Parâmetros
Curriculares Nacionais, não só para conhecer suas orientações, mas para colocá-las em voga
na prática didática, pois assim, segundo Oliveira (2004) haverá enfim uma contribuição de
fato no processo de ler e escrever, resultando, pois, na formação de alunos em cidadãos
críticos, inseridos na complexa sociedade contemporânea. Assim, estes cidadãos estarão
preparados para o mercado de trabalho, que está cada vez mais dinâmico, como também
preparados para os exames que possibilitam seu ingresso ao Ensino Superior.
32
A orientação que cabe à área da linguagem é o desenvolvimento de competências
que possibilitem os diversos usos do sistema linguístico a partir da realidade social,
objetivando analisá-los e interpretá-los como fatores expressivos, que se configuram por meio
da linguagem, concretizando-se através dos posicionamentos dos sujeitos, com seus pontos de
vistas diversos e subjetivos, tal qual seu processo identitário.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pôde-se notar então através das teorias linguísticas citadas no artigo, como também a
análise feita dos resultados da pesquisa de campo, que o ensino de língua materna ainda está
longe de ser o idealizado pelas propostas tanto dos PCNs quanto dos teóricos da linguagem,
haja vista que mesmo que já se saiba de todas essas mudanças que o ensino deve concretizar,
estas não estão sendo postas em prática na realidade da sala de aula. É evidente que são
mudanças que levam tempo para serem aderidas no contexto escolar, mas devem ser
prioridades, até porque na sociedade dinâmica em que se vive hoje, estas mudanças são
indispensáveis.
O que ocorre naturalmente com o ensino de linguagem no modo que está, é que o
aluno chega ao nível superior sem saber produzir um texto na modalidade culta, de forma
correta e adequada, pois no Ensino Médio, não foi orientado para fazê-lo. Ou muitas vezes,
este aluno, sai do Ensino Médio para o mercado de trabalho, e ao surgir a necessidade de
redigir um documento oficial, não se encontra capacitado para tal.
Há a necessidade que a escola passe então por uma intensa mudança, principalmente
na maneira qual aborda o estudo da língua. Possenti (1996) afirma que quando a escola enfim
diminuir o espaço da gramática e automaticamente aumentar o do texto, aí sim poderia haver
uma grande revolução no ensino de língua materna, que passará a formar alunos com
competência em leitura e escrita de textos, preparando cidadãos que tenham “voz” para
participarem efetivamente na sociedade.
Para que isso seja possível, também é necessário que o professor esteja disposto a
aceitar o desafio de estimular o desenvolvimento pessoal, social e político do seu aluno,
ampliando seus horizontes, em busca da melhoria do ensino. É evidente que não depende
apenas dele, mas o primeiro e mais importante passo parte do educador, que deve utilizar os
mais diversos recursos para tornar sua aula mais atrativa, prazerosa, tornando-se o mediador
do conhecimento, na tentativa de tornar o aluno um cidadão capaz de ler, interpretar e
escrever, tendo domínio da língua para posteriormente analisá-la.
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É claro que os desafios são imensos, mas a vontade de lutar deve ser maior, e isto
seria apenas um breve começo para enfim se dá partida ao ensino eficaz de língua materna.
Claro que para muitos isto possa parecer apenas mais uma utopia, mas como afirma Antunes
(2003) vale a pena acreditar que o ensino consiga atingir seu verdadeiro papel, o importante é
que todos – estudiosos da língua, professores, escola, alunos, pais – reflitam sobre a língua
materna, questionando para quê serve as aulas de português, a favor de quê e de quem ela é.
Isto já é um grande passo.
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34
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