a enunciaÇÃo no contexto de ensino de lÍngua estrangeira e a subjetividade na produÇÃo escrita...

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  • 7/23/2019 A ENUNCIAO NO CONTEXTO DE ENSINO DE LNGUA ESTRANGEIRA E A SUBJETIVIDADE NA PRODUO ESCRITA E

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE LETRAS

    MASA LOPES DOS SANTOS

    A ENUNCIAO NO CONTEXTO DE ENSINO DE LNGUA ESTRANGEIRA E A

    SUBJETIVIDADE NA PRODUO ESCRITA EM LNGUA MATERNA E EM

    LNGUA ESTRANGEIRA

    PORTO ALEGRE

    2013

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    MASA LOPES DOS SANTOS

    A ENUNCIAO NO CONTEXTO DE ENSINO DE LNGUA ESTRANGEIRA E A

    SUBJETIVIDADE NA PRODUO ESCRITA EM LNGUA MATERNA E EM

    LNGUA ESTRANGEIRA

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado como

    requisito parcial para a obteno do ttulo de

    Licenciado em Letras Portugus/Espanhol e suas

    respectivas literaturas pela Universidade Federal do

    Rio Grande do Sul.

    Orientadora: Profa. Dra. Carmem Luci da Costa Silva

    Porto Alegre

    2013

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    AGRADECIMENTOS

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul e aos professores do Instituto de Letras por me

    transmitirem conhecimento e me proporcionarem conhecer o maravilhoso mundo das Letras;

    minha orientadora Carmem Luci da Costa Silva por aceitar e acreditar na proposta deste

    trabalho, por sua dedicao e postura indagadora, que me fez refletir sobre a teoria enunciativa

    de mile Benveniste e o ensino de lngua estrangeira;

    professora Monica Nario Rodrguez pela sua dedicao incondicional como amiga,

    conselheira e professora;

    professora Luiza Milano Surreaux pelo auxlio na criao da proposta deste trabalho;

    s minhas colegas e amigas que conquistei ao longo desses anos de faculdade Aline, Andressa,

    Fabiane, Julia e Lisiane. Sem vocs o curso no teria sido to bom!

    ao Wagner por todo seu carinho, apoio e compreenso ao longo desses anos de graduao e

    pacincia durante os ltimos meses;

    aos meus alunos por serem pessoas mpares e aceitarem participar deste trabalho.

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    RESUMO

    O presente trabalho tem como objetivo analisar como um aluno que vivencia o processo deensino-aprendizagem de lngua espanhola fundamenta sua subjetividade ao escrever na lnguamaterna e na lngua estrangeira. Temos como base a viso enunciativa proposta por mileBenveniste (2005; 2006) para estudar as marcas deixadas pelo locutor-aluno ao escrever seusdiscursos para constituir a relao com o seu alocutrio. Nesse sentido, aborda-se asubjetividade como constituda e constitutiva da (inter)subjetividade, ambas instanciadas nodiscurso, resultado da apropriao da lngua pelo locutor, que busca se marcar como eupara serelacionar com um tupara tratar dele(referncia). Para tanto, a questo que este estudo procuraresponder a seguinte: se o fundamento da subjetividade est no exerccio da lngua(BENVENISTE, 2005, p. 287), como o locutor-aluno fundamenta sua subjetividade na

    converso do portugus (sua lngua materna) e do espanhol (a lngua estrangeira de que est seapropriando) em suas produes escritas? Busca-se a resposta para essa questo por meio daescrita de quatro captulos. No primeiro, realiza-se um breve percurso sobre a histria do ensinode lngua estrangeira no Brasil, dando nfase para o ensino do espanhol como lnguaestrangeira. No segundo, apresenta-se a concepo enunciativa de linguagem de mileBenveniste, tratada nos textos Da Subjetividade da Linguagem, O Aparelho Formal daEnunciao, A Natureza dos Pronomes e Estrutura da Lngua e Estrutura da Sociedade,fundamentais para a formulao dos conceitos-chave deste trabalho. Para tratar da enunciaoescrita, o estudo traz a perspectiva de Endruweit (2006; 2010) que aborda produes textuaisno contexto de sala de aula. O terceiro captulo trata da metodologia adotada para analisar ostextos dos alunos a partir de uma concepo enunciativa. Nele explicado onde e como os

    textos foram coletados, escolhidos e como so analisados. O corpusanalisado neste trabalhoadvm de relatos pessoais produzidos por alunos do curso EJA integrado ao curso tcnico emAdministrao durante as aulas da disciplina de espanhol de uma escola pblica federal. Comesse material, busca-se, no quarto captulo, mostrar as pistas deixadas pelos sujeitos ao escrever,que inscrevem a sua singularidade e subjetividade no uso da lngua, seja materna, sejaestrangeira.

    Palavras-chave: Ensino-aprendizagem. Enunciao. Escrita. Espanhol. Lngua estrangeira.

    Subjetividade.

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    RESUMEN

    El presente trabajo tiene como objetivo hacer un anlisis de como un alumno que vivencia elproceso de enseanza-aprendizaje de lengua espaola basa su subjetividad al escribir en lalengua materna y en la lengua extranjera. Tenemos como base la concepcin enunciativapropuesta por mile Benveniste (1966-1974) para estudiar las marcas dejadas por el locutor-alumno al escribir sus discursos, con el objetivo de constituir la relacin con el alocutrio. Enese sentido, se aborda la subjetividad como constituida y constitutiva de la (inter)subjetividad,ambas instanciadas en el discurso, resultado de la apropiacin de la lengua por el locutor, quebusca marcarse como unyopara relacionarse con un ty tratar de l(referencia). Para eso, lacuestin que este estudio procura responder es la siguiente: si el fundamento de la subjetividad

    est en el ejercicio de la lengua (BENVENISTE, 2005, p. 287), cmo el locutor-alumnofundamenta su subjetividad al cambiar el portugus (su lengua materna) y el espaol (la lenguaextranjera que est se apropiando) en producciones escritas? Se busca la respuesta por mediode la escrita de cuatro captulos. En el primero, se realiza una breve jornada sobre la historia dela enseanza de lenguas extranjeras en Brasil, dando nfasis para la enseanza del espaol comolengua extranjera. En el segundo, se presenta la concepcin enunciativa del lenguaje de mileBenveniste, as como sus textos Da Subjetividade da Linguagem, O Aparelho Formal daEnunciao, A Natureza dos Pronomes e Estrutura da Lngua e Estrutura da Sociedade,bsicos para la formulacin de los conceptos-llave de este trabajo. A fines de tratar de laenunciacin escrita, el estudio trae la perspectiva de Endruweit (2010), que abordaproducciones textuales en el contexto de clases. El tercero captulo dispone de la metodologaadoptada para analizar los textos de los alumnos desde una concepcin enunciativa. En ello se

    explica los sitios de colecta de los textos y como ellos fueron elegidos y analizados. El corpusestudiado en este trabajo viene de relatos personales producidos por alumnos del curso EJA(educacin de jvenes y adultos) integrado al curso tcnico en Administracin durante las clasesde la asignatura de espaol de una escuela pblica federal. Con ese material, en el cuartocaptulo se busca mostrar los rastros dejados por los sujetos al escribir, que inscriben susingularidad y subjetividad en el uso de la lengua, sea materna o extranjera.

    Palabras-llaves: Enseanza-aprendizaje. Enunciacin. Escrita. Espaol. Lengua extranjera.

    Subjetividad.

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    SUMRIO

    INTRODUO __________________________________________________________________ 7

    2 CONTEXTUALIZANDO O ENSINO DE LNGUA ESTRANGEIRA NO BRASIL OESPANHOL _____________________________________________________________________ 9

    2.1 ALNGUA ESTRANGEIRA E O ENSINO NO BRASIL_______________________________ 11

    3 COMO UMA CONCEPO ENUNCIATIVA DE LINGUAGEM PODE CONTRIBUIR

    PARA O ENSINO DO ESPANHOL COMO LNGUA ESTRANGEIRA?_________________ 20

    3.1LINGUAGEM E ENUNCIAO:A ABORDAGEM DE MILE BENVENISTE__________________ 203.2ENUNCIAO E ESCRITA__________________________________________________ 26

    4 METODOLOGIA______________________________________________________________ 29

    4.1CONTEXTUALIZANDO O CORPUS_____________________________________________ 294.2PROCEDIMENTOS DE ANLISE______________________________________________ 30

    5 ANLISES DOS DADOS: A SUBJETIVIDADE NOS DISCURSOS ESCRITOS EM LNGUAMATERNA E EM LNGUA ESTRANGEIRA________________________________________ 33

    5.1.OQUE OS FATOS NOS DIZEM?______________________________________________ 45

    CONSIDERAES FINAIS ______________________________________________________ 47

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS_______________________________________________ 49

    http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-http://-/?-
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    INTRODUO

    O ensino de lnguas estrangeiras no Brasil passou por um longo processo de aceitao,

    insero e modificao nos ltimos anos. Com a disponibilizao do ensino de espanhol, essa

    lngua que sofreu tanto rechao, finalmente passou a fazer parte da grade curricular escolar.

    Porm, somente a insero do ensino no basta, preciso pensar como os profissionais da

    educao e os alunos se constituiro como sujeitos durante o processo de ensino-aprendizagem

    de uma lngua estrangeira. Uma das formas de pensar no processo de ensino-aprendizagem de

    uma lngua estrangeira e na singularidade de cada indivduo por meio da produo de textos,

    pois, desse modo, coloca-se como centro desse processo uma das formas da lngua em uso. Por

    isso, nosso interesse em estudar a escrita em sala de aula. Esta no costuma ser compreendida

    como parte do processo educacional, sendo considerada somente como um produto, sem um

    fim determinado. Na maioria das vezes, o professor prope a criao de uma produo textual

    tendo como nica finalidade contabilizar uma nota e o aluno realiza a tarefa sem saber o porqu.

    E esse texto produzido sem finalidade no ser lido em busca da singularidade dos alunos, mas

    sim em busca de formas da lngua escritas de modo inadequado. Deste modo, as produes

    textuais feitas em sala de aula tem como perspectiva a lngua como objeto, distanciando-se doslocutores e dos sentidos presentes na escrita. nesse sentido que estamos problematizando essa

    concepo de lngua como um objeto distante do aluno e arraigada no processo ensino-

    aprendizagem para pensar a linguagem como faculdade simblica constitutiva do homem, que

    possibilita a cada locutor se instaurar como sujeito em uma lngua materna e se constituir em

    outras lnguas.

    Frente a esse contexto escolar, acreditamos que na escrita possvel identificar a lgica

    seguida pelo locutor ao escrever, isto , possvel ver a escrita como um ato enunciativo e um

    processo no qual o locutor se estabelece com um sujeito eu e que, ao escrever, deixa suas

    marcas no texto para produzir referncias para um tu. Deste modo, objetivo deste trabalho

    analisar como um aluno que tem o portugus como lngua materna se constitui subjetivamente

    ao escrever em lngua portuguesa e em uma lngua estrangeira o espanhol , ou seja, entender

    como um falante de lngua portuguesa, que vivencia o processo de ensino-aprendizagem de

    lngua espanhola se marca no discurso e constitui o outro em suas produes textuais escritas

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    nas duas lnguas. Para isso, analisaremos os rastros deixados pelos alunos ao escrever um

    relato pessoal em portugus e em espanhol na aula de lngua estrangeira. Estes textos foram

    produzidos por alunos do curso EJA (Educao de Jovens e Adultos) durante o perodo de

    estgio obrigatrio da disciplina de lngua espanhola do curso de Letras da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul UFRGS.

    Para realizar a nossa reflexo, utilizaremos a perspectiva de enunciao de mile

    Benveniste (2005, 2006). Assim, no primeiro captulo percorreremos o processo de

    institucionalizao do espanhol no ensino escolar. A proposta fazer uma breve recapitulao

    histrica do ensino de espanhol no Brasil at a criao da Lei que o tornou obrigatrio nas

    escolas e, desta forma, introduzir o assunto que ser abordado no captulo seguinte. Este tem o

    propsito de discorrer sobre como a viso enunciativa de linguagem proposta por Benvenistepode contribuir com o processo de ensino-aprendizagem da lngua espanhola como lngua

    estrangeira e perceber como se d o ato enunciativo por meio da escrita. Ainda neste captulo,

    trataremos da enunciao voltada para a escrita, a partir das reflexes construdas por Endruweit

    (2006, 2010) e por Juchem (2012)

    O terceiro captulo tratar da metodologia adotada para analisar os textos dos alunos a

    partir de uma concepo enunciativa. Nele ser explicado onde e como os textos foram

    coletados, escolhidos e como sero analisados. Na sequncia, o quarto capitulo, voltado para

    anlises dos textos produzidos pelos alunos do curso EJA buscando a subjetividade presente.

    Traremos os relatos pessoais escritos pelos alunos na lngua materna o portugus e na lngua

    estrangeira espanhol e analisaremos como eles se constituem como sujeitos dos seus textos.

    Considerando que o fundamento da subjetividade est no exerccio da lngua, buscamos

    elucidar como os alunos, enquanto locutores, instanciam a subjetividade em seus discursos e

    como se d a negociao deles com a lngua da qual esto se apropriando.

    Por fim, o ltimo captulo traz as consideraes finais acerca das anlises e as

    constataes sobre o difcil processo percorrido pelos alunos: sair da posio inicial de

    alocutrios (o Tu de um discurso) para serem locutores de seus atos enunciativos (o Eu de um

    discurso).

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    2 CONTEXTUALIZANDO O ENSINO DE LNGUA ESTRANGEIRA NO BRASIL O

    ESPANHOL

    Neste captulo temos como proposta responder aos seguintes questionamentos: quando

    o espanhol teve seu ensino institucionalizado nas escolas brasileiras? como o ensino-

    aprendizagem do espanhol abordado nos documentos oficiais? como alguns pesquisadores,

    do contexto escolar que o espanhol est inserido, discutem/problematizam esse ensino?.

    O espanhol, hoje considerado uma lngua to essencial e importante quanto o ingls, j

    foi muito ignorado e visto com uma lngua sem valor. Ento, como ocorreu essa mudana e oensino de espanhol se instituiu como lngua reconhecida e importante no ensino escolar no

    Brasil? Para responder a essa questo, percorreremos a histria do ensino de lnguas

    estrangeiras no pas utilizando alguns autores como base para a pesquisa. Iniciaremos a breve

    linha histrica utilizando, principalmente, a tese da professora da Universidade de So Paulo

    (USP) Dra. Mara Teresa Celada (2002). Celada traz em seu trabalho a concepo de que o

    espanhol, por ser uma lngua familiar aos falantes nativos de lngua portuguesa e com muitas

    semelhanas, considerado muito fcil, surgindo a apropriao do portunhol uma mescla

    desastrosa entre o portugus e algumas marcas (como sufixos) do espanhol. Utilizaremos ainda

    mais alguns textos de apoio para retomar a to pouco conhecida trajetria da lngua espanhola

    no pas. Na sequncia, destacaremos, nessa trajetria, pontos relevantes de documentos oficiais,

    como o emitido pelo Ministrio da Educao e Cultura (MEC) os Parmetros Curriculares

    Nacionais (PCNs) e a Lei n 11.161 que tornou obrigatrio o ensino de espanhol como lngua

    estrangeira nas escolas pblicas e privadas.

    Historicamente, o espanhol no ocupou o grupo de lnguas consideradas importantes

    para o ensino, como o francs e o ingls, por exemplo. Esse grupo somente sofreu alteraessignificativas na dcada de 90, devido a uma srie de condies, como a criao do

    MERCOSUL. Defendemos a mesma ideia trazida por Celada (2002) de que o espanhol no foi

    considerado uma forma de adquirir um saber ou uma forma de criar oportunidades no Brasil,

    simplesmente porque a lngua era considerada muito parecida com o portugus e,

    consequentemente, muito fcil. Deste modo, as pessoas preferiram se apropriar do portunhol

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    em vez de buscar aprender a lngua espanhola, provavelmente porque no sentiam a necessidade

    de aprend-la e us-la. Hoje o espanhol ocupa, e porque no dizer que at mesmo disputa, o

    mesmo lugar do ingls, pois ambas as lnguas possuem uma importante funo poltica e

    comercial, alm de serem exigidas no mercado de trabalho. Assim, o espanhol passou a terestatuto de lngua e ser pensado em diretrizes nacionais, caso das propostas indicadas nos PCNs,

    como veremos mais adiante.

    Com todas as alteraes e a obrigatoriedade do ensino do espanhol, o aluno que tem

    como lngua materna o portugus se viu obrigado a abandonar a sua posio historicamente

    constituda (CELADA, 2002, p. 21) abandonar tambm a falsa competncia lingustica que

    pensava ter e aceitar que precisa do ensino formal da lngua. O espanhol e o portugus so

    lnguas muito parecidas e essa semelhana foi corroborada por estudos lingusticos queafirmaram que 90% das palavras de cada uma dessas lnguas tm equivalentes idnticos ou

    muito parecidos. Porm, os 10% restantes so os vocbulos conhecidos como falsos cognatos

    (ibid, p. 36). O desconhecimento dessa pequena parcela lexical da lngua cria a concepo de

    familiaridade e traz a segurana ao falar o portunhol para os nativos do portugus. Fica evidente

    a concepo de que ter domnio de idioma ter um vasto domnio do vocabulrio. No portunhol

    ficam marcas das distines entre a lngua materna o portugus e o espanhol idealizado

    (essa idealizao seria um domnio lingustico igual ao de um nativo da lngua).

    Assim como o portugus, o ensino de espanhol foi amplamente relacionado com as

    normas gramaticais e a linguagem literria no pas. Mesmo com as recomendaes da Real

    Academia Espaola (RAE) de que o espanhol uma lngua para ser falada e que sua escrita

    deve basear-se nela, no Brasil a forma de ensino do portugus totalmente normativo

    prevaleceu e ditou as regras para o ensino de lnguas estrangeiras, questo de que trataremos no

    item seguinte.

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    2.1

    A Lngua Estrangeira e o Ensino no Brasil

    O ensino de lnguas estrangeiras no Brasil passou a fazer parte do currculo escolar

    depois da criao do Colgio Pedro II, em 1837, no Rio de Janeiro. Trs lnguas, o francs, o

    alemo e o ingls tinham seu ensino obrigatrio e o ensino de italiano era facultativo. Esse

    colgio foi criado com o intuito de formar uma elite nacional, isto , a proposta desta escola era

    formar pessoas para ocupar cargos pblicos e administrativos e, para isso, o ensino de lnguas

    era essencial.

    Em 1931, com o pas vivendo a crise do caf, a educao e o ensino de lnguas foram

    diretamente afetados: a nica lngua clssica ainda obrigatria o latim perdeu a sua

    predominncia e as lnguas consideradas vivas o francs e o ingls tornaram-se

    obrigatrias e o ensino de alemo passou a ser facultativo.

    No ano de 1942, o ensino das lnguas modernas, alm das clssicas, foi amplamente

    valorizado e o espanhol finalmente entrou no currculo escolar. A Reforma de Capanema (como

    ficou conhecida devido ao nome do ministro responsvel pela sua implantao, Gustavo

    Capanema) dava maior importncia e reconhecimento visto pelo tempo destinado ao ensino

    de lnguas, dois anos para o ingls e o francs, de acordo com a importncia desses idiomas

    na cultura universal e pelos vnculos econmicos que os relacionavam com o Brasil. A insero

    do espanhol foi justificada pela inteno de criar uma melhor relao com os pases vizinhos

    do pas (CELADA, 2002, p.78). A lngua tinha aulas ministradas para o nvel secundrio que

    ocupavam um ano da formao dos alunos. A Reforma previa ainda um grande conjunto de

    normas, que inclua:

    [...] objetivos instrumentais (ler, escrever, compreender oidioma oral e falar), educativos(contribuir para a formao damentalidade, desenvolvendo hbitos de observao e reflexo)e finalmente culturais: ministrar ao educando o conhecimentoda civilizao estrangeira e a capacidade de compreendertradies e ideias de outros povos, inculcando-lhe noes da

    prpria unidade do esprito humano. (CELADA, 2002, p. 78)

    interessante notar que nessa poca j existia uma preocupao com a funo social e

    cultural ligada ao ensino de uma lngua. Mais adiante veremos que essa preocupao retomada

    com a criao dos Parmetros Curriculares Nacionais.

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    Nas dcadas de 40 e 501o espanhol passou a integrar o currculo escolar, porm esta

    mudana no conseguiu alterar o modo como ele era ensinado. Em muitos momentos o

    espanhol funcionou como uma lngua instrumental, no sendo alvo de interesse (CELADA,

    2002, p. 33). A lngua ficou destinada somente para ler algo que interessasse a pouqussimaspessoas: a literatura e alguns textos destinados ao ensino superior que no eram traduzidos e

    publicados em portugus. Desta forma, o espanhol ensinado durante este perodo no cumpriu

    o carter social que uma lngua deveria cumprir.

    O projeto proposto na Reforma de Capanema vigorou durante quase 20 anos, porm na

    prtica no funcionou como esperado. O ensino de lnguas se manteve baseado no cansativo e

    desinteressante mtodo de leitura e traduo, ignorando o conceito de lngua como algo social

    e cultural. A partir do ano de 1945 teve incio uma mudana no foco do ensino de lnguas nopas. Aps a vinculao do Brasil com os Estados Unidos configurou-se o incio da excluso

    do ensino de francs e a soberania do ingls. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que estava

    sendo criada nessa poca, foi diretamente influenciada por essa aliana entre Brasil e Estados

    Unidos. Pouco tempo depois, em 1959, os Estados Unidos se mostrou contrrio a Revoluo

    ocorrida em Cuba e decretou que o povo cubano e a sua lngua deveriam ser marginalizados.

    Na Amrica do Sul, a difuso das guerrilhas e a oposio dos Estados Unidos aos pases que as

    tinham influenciou o surgimento do preconceito com a lngua espanhola no Brasil.

    Infelizmente, esse preconceito resultou e ainda resulta em resistncia ao aprender a lngua e aaceitar materiais produzidos em espanhol.

    De 1961, com a implantao da LDB lei que regularizava o sistema educacional no

    pas , at o incio da dcada de 70 houve um retrocesso: as lnguas estrangeiras no foram

    includas entre as disciplinas obrigatrias, sendo oferecidas somente como optativas nas

    escolas. Somente em 1971 o ensino de lnguas estrangeiras modernas voltou a ser obrigatrio

    no segundo grau (hoje conhecido como ensino mdio), porm no havia lnguas

    predeterminadas, ficando a escolha das escolas e da regio do pas (por exemplo, uma regio

    1Neste perodo surge o material didtico utilizado na poca: o Manual de Espaol, de Idel Becker, 1945 baseado

    em estudos acadmicos sobre a evoluo e adequao das lnguas em geral, incluindo o espanhol. Foi o manualutilizado no perodo de quase 20 anos que o espanhol fez parte do ensino obrigatrio (CELADA, 2002, p. 58).

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    colonizada por italianos certamente escolheria ter aulas de italiano) at meados dos anos 90,

    onde vrias transformaes ocorreram.

    Ento, considerando o longo perodo entre 1837 e 1961, o ensino de lnguas estrangeiras

    no pas estava diretamente associado a questes econmicas e culturais. O francs, nessa poca,

    era reconhecido por ser a lngua dos grandes clssicos da literatura. O espanhol era considerado

    uma fonte de riqueza bibliogrfica, por causa de sua vasta literatura pouco difundida na lngua

    portuguesa, mas poucos tinham acesso. Sendo assim, durante todos esses anos (de 1837 a 1961),

    seu ensino nas escolas teve uma carga horria bastante inferior comparado s demais lnguas.

    Para ilustrar esse processo, trazemos a Tabela 1.1com as horas de estudo destinadas a cada

    idioma.

    Cabe ressaltar tambm que a obrigatoriedade do ensino de espanhol desta poca tinha

    uma inteno social/cultural: a de estreitar os laos com os demais pases da Amrica Latina

    falantes de espanhol. Talvez essa tenha sido a primeira inteno de relacionar as duas lnguas

    (o portugus e o espanhol) culturalmente. Contraditoriamente, essa troca cultural proposta pela

    Reforma de Capanema foi deixada de lado para estreitar laos polticos e culturais com um pas

    da Amrica do Norte. Veremos que a proposta se repete em meados da dcada de 90 e nos anos

    2000.

    Ano Latim Grego Francs Ingls Alemo Italiano Espanhol

    Totalem

    horas

    1890 12 8 12 11 11 - - 43

    1892 15 14 16 16 15 - - 76

    1900 10 8 12 10 10 - - 50

    1911 10 3 9 10 ou 10 - - 32

    1915 10 - 10 10 ou 10 - - 30

    1925 12 - 9 8 ou 8 2f* - 29

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    1931 6 - 9 8 6 - - 23

    1942 8 - 13 12 - - 2 35

    1961 - - 8 12 - - 2 22

    1971 - - - 9 - - 9 18

    1996 - - 6 e/ou 12 e/ou - - 6 18

    Tabela 1.1O ensino das lnguas de 1890 a 1996 em horas de estudo.

    Fonte: MULIK, 2012, pp. 16, 20. *f = facultativo

    Como j foi dito, durante a dcada de 90 o quadro do ensino de lnguas estrangeiras no

    pas sofreu modificaes. Em 1991 a ideia de integrao com o restante da Amrica Latina foi

    retomada. Com a criao do Mercado do Cone Sul (MERCOSUL), a proposta de integrar os

    pases do sul do continente americano ressurge, e os ministros da educao dos pases

    envolvidos Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai se reuniram para criar um Protocolo de

    Intenes. O projeto visava definir o papel da educao para que o objetivo de finalmente

    consolidar a integrao fosse atingido. Para isso, pretendia-se formar uma conscincia cidad

    favorvel ao processo de integrao, capacitar a populao dos pases participantes do

    MERCOSUL para que contribussem com o desenvolvimento desse projeto e harmonizar os

    sistemas de educao (CELADA, 2002, p. 93).

    Depois de 35 anos da instituio da primeira LDB, no ano de 1996 foi promulgada a

    LDB n 9.394. Esta tornou o ensino de, pelo menos, uma lngua estrangeira a partir da 5 srie

    do ensino fundamental obrigatrio, de acordo com as possibilidades e a escolha da escola e da

    comunidade. A Lei ainda regulamenta o ensino de uma segunda lngua a ser oferecida em

    carter optativo no ensino mdio. As escolas deveriam considerar critrios para implementar a

    lngua escolhida, como vizinhana, fora econmica e facilidade de aprendizagem

    (GUIMARES, 2011, p. 6). Logo, o ingls foi a lngua escolhida pela grande maioria baseado

    no critrio fora econmica.

    interessante destacar que, apesar de ainda no ter seu ensino formalizado nas escolas,

    o espanhol foi amplamente divulgado na dcada de 90 no pas, com a vinda de institutos de

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    ensino de lngua espanhola (como o Instituto Cervantes, que abriu sua primeira sede na cidade

    de So Paulo em 1998) e cursos particulares de idiomas. H ainda outros fatores polticos que

    tornaram o espanhol uma lngua essencial e promissora: a entrada da Espanha na Unio

    Europeia e a instalao de diversas empresas originrias deste pas no Brasil, alm do aumentoda populao latina nos Estados Unidos e a consequente ascenso da lngua espanhola.

    Foi nessa poca tambm que ocorreu uma maior disponibilidade de material didtico

    voltado ao ensino de espanhol para brasileiros. Contudo, esses materiais no consideravam (e

    a grande maioria ainda no considera) as variaes lingusticas comuns a qualquer lngua e que,

    obviamente, tambm ocorre em uma lngua falada em 22 pases. Praticamente todos os manuais,

    os livros e as gramticas advm da Espanha e seguem a lngua falada l (que bastante facetada)

    como regra absoluta. Desta forma, totalmente ignorada a concepo de cultura da lngua,tratando-a somente como um instrumento invarivel de comunicao. Os sujeitos dessa lngua

    so vistos como indivduos que precisam suprir suas necessidades bsicas de aprendizagem

    para um fim especfico como, por exemplo, uma transao comercial.

    No ano 1998, o Ministrio da Educao e Cultura (MEC) publicou os Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCNs), que trouxeram o ensino de lngua estrangeira para o grupo de

    conhecimentos essenciais de um mundo globalizado. A concepo de que o processo de ensino-

    aprendizagem de uma lngua estrangeira est centrado na capacidade de engajamento do

    aprendiz, de acordo com o modo que se pode agir no mundo social o que norteia este

    documento (MEC, 1998, p. 15). Nesta mesma abordagem de ensino de lnguas no pas surge,

    pela primeira vez em um documento, diretrizes para o professor constituir sua proposta de

    ensino considerando o aluno como ativo em seu processo de aprendizagem:

    Da a importncia de o professor aprender a compartilhar seupoder e dar voz ao aluno de modo que este possa se constituircomo sujeito do discurso e, portanto, da aprendizagem. (MEC,1998, p. 15)

    Podemos notar que as lnguas estrangeiras modernas so vistas como um meio essencial

    para a realizao da comunicao entre os sujeitos, e o mtodo at ento utilizado baseado

    nas regras gramaticais deveria ser abandonado pelos professores, j que os alunos deveriam

    atingir um nvel elevado de competncia lingustica (NASCIMENTO, 2012, p. 438). Os PCNs

    afirmam tambm que o ponto central do ensino o desenvolvimento de competncias. Alm

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    disso, a ideia de que uma lngua cumpre uma funo social retomada. Para que isso ocorra, o

    uso da lngua estrangeira deve ser considerado e no deve-se priorizar somente as habilidades

    orais. Segundo os PCNs, para se adquirir conhecimento de uma lngua, inclusive o portugus,

    necessrio dominar as quatro habilidades comunicativas: ler, escrever, ouvir e falar. Mascomo sabido, inclusive o documento traz o assunto tona, as condies para que esse domnio

    ocorra esto bem longe das ideais (MEC, 1998, p. 21).

    Ainda, de acordo com os Parmetros Curriculares, o processo de aprendizagem de uma

    lngua estrangeira acontece de maneira diferente de outros aprendizados em outras disciplinas.

    Este dever voltar-se para o uso do conhecimento adquirido, ou seja, o ensino dever unir o que

    se aprende em aula com o uso que as pessoas fazem da lngua na sociedade. Surge, ento, a

    concepo da linguagem como uma prtica social e no somente como um instrumento til parasuprir interesses polticos e comerciais. Finalmente, a preocupao com o aprendiz de lngua

    estrangeira citada. Conforme dito no documento, aprender uma lngua estrangeira auxilia no

    aprendizado da lngua materna e, para ajudar nesse processo, deve-se realizar comparaes

    entre a lngua-alvo e a lngua materna (ibid, p. 28).

    Particularmente consideramos esse mtodo de ensino problemtico, pois pode

    prejudicar o processo de aprendizagem. O ensino de uma lngua estrangeira deve ser feito

    somente na lngua a ser aprendida e no intercalado com a lngua materna devendo-se levar em

    considerao que cada lngua tem uma estrutura e um sistema distinto, alm de considerar que

    aprender uma lngua ir ao encontro do mundo do outro. E para que isso seja assimilado no

    processo de ensino-aprendizagem necessrio propiciar um ambiente que torne possvel ao

    aluno se posicionar e refletir nesse mundo, isto , o aprendiz de uma lngua estrangeira dever

    se posicionar como sujeito dessa lngua e no como um mero ser que traduz. Ele no dever

    pensar primeiro na sua lngua materna para depois traduzir o discurso, e sim conseguir pensar

    em se constituir como sujeito na lngua estrangeira e, dessa forma, inserir-se num novo mundo

    cultural, distinto do conhecido e familiar. Desse modo, ao ter acesso a outra lngua o alunobusca interpretar a uma nova cultura a fim de atribuir significados aos usos lingusticos da

    lngua estrangeira, integrando sentido s formas novas das quais est se apropriando.

    Frente a isso, o documento traz a ideia de que a aprendizagem de uma lngua estrangeira

    possibilita ao estudante constituir significados nessa lngua e que esse constitua um ser

    discursivo no uso de uma lngua estrangeira (MEC, 1998, p. 29). Porm, fica explcito nos

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    PCNs que o foco do ensino de lnguas estrangeiras ainda o ingls, j que grande parte dos

    exemplos e comentrios voltada para essa lngua. H poucos comentrios sobre as demais

    lnguas e, quando so feitos, so comparativos entre o ingls e o espanhol.

    No ano 2000, foram lanados os Parmetros Curriculares voltados para o ensino mdio

    com o intuito de regulamentar e organizar os ltimos trs anos da educao bsica, retomando

    a ideia da LDB de que a educao deveria atender aos interesses econmicos do pas:

    a) a educao deve cumprir um triplo papel: econmico,cientfico e cultural; b) a educao deve ser estruturada emquatro alicerces: aprender a conhecer, aprender a fazer,aprender a viver e aprender a ser. (MEC, 2000, p. 14)

    Para modificar o quadro do ensino de lngua estrangeira no pas, no ano de 2005 promulgada a Lei n 11.161 que tornou obrigatria a oferta de lngua espanhola no ensino mdio

    e facultativa a matrcula para os alunos. Assim, o espanhol entra no currculo escolar como

    segunda lngua estrangeira, mas em carter optativo, j que a LDB de 1996 continua em vigor

    e a lngua estrangeira obrigatria permanece sendo escolhida pela escola e pela comunidade.

    Essa Lei veio para afirmar a posio importante do espanhol, construda principalmente na

    dcada de 90 e difundir pesquisas sobre o mtodo pedaggico no pas. Porm, at hoje (2013)

    a Lei no foi plenamente cumprida.

    LEI N 11.161, DE 5 DE AGOSTO DE 2005.

    O PRESIDENTE DA REPBLICA

    Fao saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

    Art. 1oO ensino da lngua espanhola, de oferta obrigatria pela escola e de matrcula facultativa para o aluno,ser implantado, gradativamente, nos currculos plenos do ensino mdio.

    1oO processo de implantao dever estar concludo no prazo de cinco anos, a partir da implantao desta Lei.

    2o

    facultada a incluso da lngua espanhola nos currculos plenos do ensino fundamental de 5a

    a 8a

    sries.

    Art. 2oA oferta da lngua espanhola pelas redes pblicas de ensino dever ser feita no horrio regular de aulados alunos.

    Art. 3oOs sistemas pblicos de ensino implantaro Centros de Ensino de Lngua Estrangeira, cuja programaoincluir, necessariamente, a oferta de lngua espanhola.

    http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2011.161-2005?OpenDocumenthttp://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2011.161-2005?OpenDocument
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    Art. 4oA rede privada poder tornar disponvel esta oferta por meio de diferentes estratgias que incluam desdeaulas convencionais no horrio normal dos alunos at a matrcula em cursos e Centro de Estudos de LnguaModerna.

    Art. 5oOs Conselhos Estaduais de Educao e do Distrito Federal emitiro as normas necessrias execuodesta Lei, de acordo com as condies e peculiaridades de cada unidade federada.

    Art. 6oA Unio, no mbito da poltica nacional de educao, estimular e apoiar os sistemas estaduais e doDistrito Federal na execuo desta Lei.

    Art. 7oEsta Lei entra em vigor na data da sua publicao.

    Braslia, 5 de agosto de 2005; 184oda Independncia e 117oda Repblica.

    LUIZ INCIO LULA DA SILVAFernando Haddad

    Fonte: Site do Planalto Casa Civil. Acessado em 08/05/13.

    Infelizmente, aps a longa espera pela valorizao do espanhol a Lei demonstra que isso

    ainda est longe de acontecer. A previso de cinco anos para a implantao do espanhol como

    lngua estrangeira no se concretizou, pois alm de no haver quantidade suficiente de

    profissionais capacitados para trabalhar com a lngua estrangeira, o preconceito criado na

    dcada de 50 ainda est presente. A maioria dos discentes teme que a lngua no cumpra uma

    funo em sua vida, seja social, seja profissional, e que seus docentes no tenham a fluncia ou

    o conhecimento cultural necessrio para ensinar. A viso de que dominar uma lngua ter um

    vasto conhecimento lexical continua sendo difundida, alm da concepo equivocada de

    ensinar somente a gramtica normativa. Deste modo, a lngua espanhola no Pas continua a

    merc dos interesses polticos e econmicos2diferentemente do que os documentos oficiais

    propem: a aprendizagem e a cultura. Cabe ressaltar ainda que o prprio documento faz uma

    distino entre os estudantes da escola pblica e privada, haja vista os artigos 2, 3 e 4.

    Queremos mostrar que possvel uma abordagem diferenciada do processo de ensino-

    aprendizagem, pois ele no precisa se basear somente nas regras gramaticais e ver a lngua

    como objeto. Pode-se, perfeitamente, considerar o aluno colocando-o como locutor que utiliza

    a lngua estrangeira estudada para se constituir como sujeito. Nesse caso, fundamental ensinar

    2 vlido mencionar que o Brasil est estreitando laos com a Unio Europeia, j que o mercado deste grupo

    econmico tem um acesso mais facilitado do que o americano. Assim, o ensino tambm foi beneficiado: hojeexiste uma grande troca de conhecimentos acadmicos entre os pases europeus e o Brasil e possibilidades derealizar intercmbios principalmente para Portugal e Espanha.

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    os contedos por meio de uma perspectiva diferenciada: com a considerao do aluno como

    locutor capaz de se enunciar e de se subjetivar na lngua estrangeira, concebida alm de uma

    forma de comunicao, como um meio de conhecimento de uma outra sociedade, questo que

    este trabalho procurar na sequncia abordar.

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    3 COMO UMA CONCEPO ENUNCIATIVA DE LINGUAGEM PODE

    CONTRIBUIR PARA O ENSINO DO ESPANHOL COMO LNGUA

    ESTRANGEIRA?

    Neste captulo, temos como objetivo continuar a reflexo sobre o processo de ensino-

    aprendizagem do espanhol como lngua estrangeira. Para isso, percorreremos alguns conceitos-

    chave para compreender a concepo de linguagem e lngua por meio de nosso autor principal

    mile Benveniste em alguns de seus textos, que escolhemos para fazer parte de nosso corpus

    terico. So eles: Da Subjetividade na Linguagem, O Aparelho Formal da Enunciao e

    Estrutura da Lngua e Estrutura da Sociedade. A partir desses textos, constituiremos a noode linguagem que sustenta a enunciao benvenistiana e a noo de enunciao e de

    (inter)subjetividade dela decorrente.

    3.1 Linguagem e Enunciao: a Abordagem de mile Benveniste

    Pretendemos responder ao questionamento que surgiu ao abordar a temtica de ensino-

    aprendizagem de lngua estrangeira: quais seriam os pressupostos que poderiam alicerar o

    processo de ensino-aprendizagem de uma lngua estrangeira e que no tornariam esse processo

    um instrumento? Assim, em busca dessa resposta, partiremos dos conceitos de linguagem,

    lngua e enunciao, trazidos por Benveniste em sua teorizao enunciativa. Em seu texto Da

    subjetividade na Linguagem, Benveniste discorre sobre o conceito de nosso interesse para este

    trabalho. Segundo o autor, a linguagem jamais poder ser considerada um instrumento, ou algo

    material como uma cadeira ou mesa , pois no possvel fabric-la ou separ-la da

    constituio do homem, ou seja, no possvel compreender o homem separado da linguagem,

    j que a linguagem um meio de definir o prprio homem (BENVENISTE, 2005, p. 285).

    Deste modo, a linguagem para o homem o nico meio de atingir outro homem e,

    consequentemente, ela exige e pressupe o outro. Dessa reflexo, destacamos a importante

    passagem, presente no textoDa subjetividade da Linguagem:

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    No atingimos nunca o homem separado da linguagem e no o vemos nuncainventando-a. No atingimos jamais o homem reduzido a si mesmo e procurandoconceber a existncia do outro. um homem falando que encontramos no mundo,um homem falando com outro homem, e a linguagem ensina a prpria definio dehomem. (BENVENISTE, 2005, p. 285)

    Todos os aspectos da linguagem, a sua natureza imaterial, o seu funcionamento

    simblico, a sua organizao articulada, o fato de dizer algo (ter contedo) so suficientes,

    conforme argumenta o autor, para suspeitar dessa vinculao da linguagem a um instrumento.

    Nesse caso, vemos que instrumento e homem esto separados, mas linguagem e homem so

    indissociveis. Por isso, consideramos fundamental, para pensar no ensino-aprendizagem de

    lngua estrangeira, levar em conta a natureza simblica da linguagem e sua indissociabilidade

    do aluno. O fato de as lnguas particulares conterem esses aspectos da linguagem testemunham

    pela linguagem (BENVENISTE, 2005, p. 287). Nesse caso, significa pensar que tanto a lngua

    materna como a lngua estrangeira testemunham o simbolismo da linguagem, sua organizao

    articulada, sua natureza imaterial e o fato de terem um contedo.

    atravs dessa faculdade de simbolizao que o homem pode fazer renascer os

    acontecimentos por meio de seu discurso, visto que a realidade produzida novamente por

    intermdio da linguagem (BENVENISTE, 2005, p. 26). Vale lembrar que no se trata de uma

    realidade colada ao mundo dos homens, mas de uma realidade representativa desse mundo, a

    qual se realiza no discurso, no exerccio prprio da linguagem, lugar onde o locutor prope-se

    como sujeito (eu) e implica um outro, que ser na alocuo um tu. com esses elementospresentes no ato do discurso que cada lngua particular, ao ser assumida pelo homem, faz da

    linguagem uma condio para a comunicao tornar-se intersubjetiva.

    Dos pontos listados at aqui, consideramos importante pontuar a perspectiva de

    Benveniste de linguagem e lngua para prosseguir nossa reflexo sobre enunciao. Para tanto,

    vamos elencar a brilhante sntese realizada por Machado (2013) em sua dissertao de mestrado

    acerca do que seja linguagem e lngua em Benveniste. Diz a autora sobre linguagem:

    a) a linguagem constitutiva da natureza humana, tornando o homem nico em

    relao aos animais e definindo-o como homem devido sua presena;b) a linguagem no um instrumento fabricado pelo homem;c) a linguagem mostra-se como uma faculdade simblica;d) a linguagem compe-se de uma parte material e de uma parte imaterial;e) o dilogo condio da linguagem;f) a linguagem no apresenta uma fixidez de contedos;g) a linguagem apresenta uma natureza articulada e decomponvel;h) a linguagem tem a funo de significar, de dar sentido, sempre que usada

    para dizer alguma coisa. (MACHADO, 2013, p. 54)

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    Sobre lngua, a autora elenca os seguintes pontos como caractersticos da concepo de

    Benveniste:

    a) A lngua formada por um sistema, cujas unidades so os signos. Esses, porsua vez, definem-se pelas relaes e pelas oposies que mantm com as outras

    unidades e pelas oposies que apresentam frente a outras unidades. Asunidades do sistema dependem da organizao contida nos planos sintagmticoe paradigmtico.

    b) A lngua tambm comporta uma estrutura a estrutura do sistema , quemostra as unidades do sistema como um nmero reduzido de elementos, masque podem ser realizadas em diversas combinaes. Essa estrutura contm

    princpios que regulam as unidades, dos quais destacamos a articulao forma-sentido das unidades e a existncia de nveis dentro da estrutura.

    c) A forma e o sentido das unidades esto presentes em todos os nveis da lnguae possvel identific-los atravs das relaes integrativas e distribucionais.

    d) A lngua interpreta a todos os outros sistemas semiticos, podendo interpretartambm a sociedade.

    e) A lngua organiza o pensamento, dotando-lhe de forma e sentido.f) A lngua tem um carter mediador, pois intermedia a relao do homem com

    a sociedade e com a cultura. (MACHADO, 2013, p. 59)

    A partir dessas noes de linguagem e lngua, passamos a discutir como se constitui a

    noo de enunciao em Benveniste para, na sequncia, irmos pontuando questes acerca do

    ensino de lngua estrangeira. A busca de concepes de linguagem e de lngua na teoria de

    Benveniste parte do pressuposto de que a lngua (em seus nveis e unidades) convertida em

    discurso em cada enunciao, considerada nica e singular. Enquanto realizao nica e

    singular, a enunciao definida por Benveniste (1970) como um processo de apropriao,

    realizado pelo locutor, do aparelho de formas da lngua.

    A converso da lngua em discurso reflete a instncia do discurso: a realidade do tempo

    e do espaoem que o locutor constitui-se em uma comunicao intersubjetiva, atualizando-se

    comopessoa subjetiva (eu) ao mesmo tempo em que esse eu instaura a outra pessoa do discurso,

    um tu. Nesse caso, a realidade da linguagem constitui-se por meio da atualizao de tempo,

    espaoepessoasatravs do discurso. Imediatamente no momento em que o locutor se declara

    como tal ele postula um outro, seu alocutrio. E aqui entra em cena o complexo jogo de pessoas

    no discurso, to bem sintetizado no textoEstrutura da Lngua e Estrutura da Sociedade, que

    reproduzimos abaixo:

    Com efeito, a lngua fornece ao falante a estrutura formal de base, que permite oexerccio da fala. Ela fornece o instrumento lingustico que assegura o duplofuncionamento subjetivo e referencial do discurso: a distino indispensvel, sempre

    presente em no importa qual lngua, em no importa qual sociedade ou poca, entreo eu e o no-eu (...)A primeira oposio eu-tu, uma estrutura de alocuo pessoal, que exclusivamente inter-humana (...)

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    A segunda oposio, a do eu-tu/ele, opondo pessoa no-pessoa, efetua a operaode referncia e fundamenta a possibilidade de discurso sobre alguma coisa, sobre omundo, sobre o que no alocuo. Temos a o fundamento sobre qual repousa oduplo sistema relacional da lngua. (BENVENISTE, 2006, p. 101)

    esse duplo sistema de oposies que entra em jogo na enunciao, j que a conversoda lngua em discurso coloca como questo a ser verificada a necessidade de o locutor referir

    por meio do seu discurso como algo inseparvel da intersubjetividade. Considerado como ato

    individual de apropriao da lngua (BENVENISTE, 2006, p. 82), a enunciao, em seu

    quadro figurativo, comporta o ato, as situaes em que este se realiza e os instrumentos da

    realizao. Enquanto realizao individual, o ato insere locutor e alocutrio, pois desde que o

    locutor assume a lngua, ele implanta o outro diante de si, qualquer que seja o grau de presena

    que ele atribua a esse outro (BENVENISTE, 2006, p. 84).

    O ato individual de apropriao da lngua introduz aquele que fala em sua fala. Este um dado constitutivo da enunciao. A presena do locutor em sua enunciao fazcom que cada instncia de discurso constitua um centro de referncia interno. Essasituao vai se manifestar por um jogo de formas especficas cuja funo de colocaro locutor em relao constante e necessria com sua enunciao. (BENVENISTE, op.cit., p. 84)

    Como podemos verificar esse jogo de formas no ato de apropriao da lngua materna

    e da lngua estrangeira? Essa uma questo que deixaremos em suspenso para responder em

    nossas anlises.

    Com relao situao emque se realiza o ato enunciativo, Benveniste concebe que a

    enunciao expressa certa relao com o mundo e a partir dessa relao que o locutor constitui

    a referncia no discurso para possibilitar ao outro da alocuo encadear a correferncia. Com

    isso, instaura-se a intersubjetividade enunciativa, j que cada locutor se constitui em um co-

    locutor. A condio dessa relao do locutor com o mundo e com o outro se manifesta pela

    apropriao da lngua, uma vez que essa apropriao , para o locutor, a necessidade de referir

    pelo discurso, e, para o outro, a possibilidade de correferir.

    Infelizmente, o ensino de lngua estrangeira no contempla esta forma de linguagem e

    a aborda de forma instrumental, voltada para leitura de textos de forma mecnica

    (decodificao) e como meio de aprender as formas da lngua. O aluno no incentivado a

    utilizar a palavra como um modo de "atualizar" a lngua (BENVENISTE, 2005, p. 285) para

    estabelecer a interlocuo com o outro. Hoje, em muitos contextos de ensino de lngua

    estrangeira, a lngua tratada como objeto, deixando de evidenciar o sentido presente nela,

    baseando todo o processo de ensino-aprendizagem somente na forma, isto , um ensino voltado

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    para as regras gramaticais. Assim, o aluno no se apropria da lngua para criar referncia para

    outro e constituir uma situao de discurso.

    Para instanciar a referncia na enunciao, o locutor se vale de instrumentos: ndices

    especficos (indicadores que instanciam o eu-tu-aqui-agora) e procedimentos acessrios (modo

    de organizao das formas no discurso). Os ndices especficos ligam-se primeiramente a

    emergncia dos ndices de pessoa (a relao eu-tu) que no se produz seno na e pela

    enunciao: o termo eu denotando o indivduo que profere a enunciao, e o termo tu, o

    indivduo que est presente como alocutrio. J os procedimentos acessrios relacionam-se ao

    modo como as formas so diversificadas e engendradas na enunciao e a maneira como locutor

    se enuncia para seu alocutrio: se com intimaes no imperativo e vocativos; se com

    interrogaes, suscitando dvidas ou se com asseres, mostrando certezas sobre o que diz.

    Aqui novamente nos perguntamos: como o locutor se vale dos ndices especficos ao se

    apropriar de sua lngua materna e de sua lngua estrangeira? Quais so as outras formas

    utilizadas pelo locutor para marcar-se subjetivamente e instanciar o outro? So questes que,

    no momento, deixaremos em aberto para respond-las no captulo destinado as anlises.

    no final do textoAparelho Formal da Enunciao que Benveniste trata do objeto de

    nosso estudo: Seria preciso tambm distinguir a enunciao falada da enunciao escrita. Esta

    se situa em dois planos: o que escreve se enuncia ao escrever e, no interior de sua escrita, ele

    faz os indivduos se enunciarem (BENVENISTE, 2006, p. 90). Novamente, vemos como

    central, na reflexo enunciativa do autor, a questo da intersubjetividade.

    O ambiente de ensino ideal, ou ao menos mais bem organizado do que o atual,

    propiciaria que os alunos se constitussem a partir do discurso do outro. Em vez de priorizar o

    ensino normativo, como ocorre atualmente, dever-se-ia mostrar para o aluno que, ao escrever,

    ele se posiciona para um outro, ou seja, ao aprender uma lngua estrangeira o aluno deve, como

    j destacamos anteriormente, conseguir se constituir nessa lngua para, por meio dela,

    simbolizar.

    Assim, o ato de escrever no tratado como um ato individualizado e no so

    consideradas as situaes em que este ato formal se realiza, como a concepo benvenistiana

    de enunciao sugere (ibidem, p. 83). Caso a realizao individual fosse abordada no processo

    de ensino-aprendizagem o aluno naturalmente se apropriaria da lngua e se posicionaria como

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    sujeito colocando, consequentemente, o outro no seu discurso. Por meio desse processo, a

    lngua tornar-se-ia um meio para criar uma relao com o mundo e com o outro.

    Para mostrar que essa abordagem passvel de ser trabalhada em sala de aula,

    mostraremos uma proposta de atividade capaz de auxiliar no processo de ensino-aprendizagem

    utilizando os preceitos j destacados. O exerccio exemplificado a seguir foi retirado da cartilha

    criada pela Embaixada espanhola de Braslia no ano de 2007Orientaciones para la enseanza

    de ELE: ms de 100 actividades para dinamizar la clase de espaol que traz mais de 100

    sugestes de atividades a serem trabalhadas nas aulas de espanhol como lngua estrangeira.

    A atividade chamada de La noticia de maana(PIZZARRO, 2007, p. 23) indicada

    pelos seus criadores para alunos que esto em um nvel intermedirio de conhecimentos da

    lngua espanhola, porm com o auxlio de um professor e algumas adaptaes acreditamos que

    seja possvel trabalh-la com alunos do nvel bsico. A proposta que os alunos, em grupos,

    escrevam uma manchete de uma notcia (real ou imaginria) que gostariam de ver publicada

    sobre um determinado local no jornal do dia seguinte. Desta forma, os alunos precisariam

    considerar o contexto e o modo como as pessoas do local escolhido (lugar este que tem o

    espanhol como idioma) vivem e se relacionam, se incluiriam no texto como os criadores da

    notcia e a escreveriam destinando-a a um leitor, com a posterior criao de um jornal da turma.

    Assim, o ensino de lngua estrangeira seria mais bem relacionado com a sociedade queutiliza essa lngua e com o uso que se faz dela. Cabe ressaltar um trecho do texto Estrutura da

    Lngua e Estrutura da Sociedade (BENVENISTE, 2006, p. 93-104) que trata justamente sobre

    a relao do sujeito com a linguagem e a sociedade.

    (...) a lngua que assim a emanao irredutvel do eu maisprofundo de cada indivduo , ao mesmo tempo, uma realidadesupraindividual e coextensiva toda a coletividade. estacoincidncia entre a lngua como realidade objetivvel,supraindividual, e a produo individual do falar quefundamenta a situao paradoxal da lngua com respeito a

    sociedade. (BENVENISTE, 2006, p. 101)

    Aqui, Benveniste destaca que a lngua, quando colocada em funcionamento, uma

    produo individual que est relacionada diretamente com a sociedade na qual o indivduo est

    inserido, pois a lngua um interpretante da sociedade (ibidem, p. 97). Porm, no atual ensino

    de lnguas estrangeiras, a maioria das propostas no insere a sociedade da lngua estudada e,

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    com isso, no so abordados os diferentes discursos presentes nos diferentes gneros que

    enriqueceriam o ensino. Vivenciamos um ensino que no prioriza tratar o uso social da lngua

    e transform-lo em discurso individual, j que, para que isso ocorresse, seria necessrio abordar

    o sentido do que foi dito, o modo como o aluno se apropria e se marca ao utilizar a lngua e,ainda, inserir o outro, de acordo com um determinado contexto e relao com o mundo.

    Ento, surge o questionamento: se o sujeito est constante e necessariamente deixando

    marcas na sua relao com o ato enunciativo, quais so essas formas especficas de se marcar?

    Para responder a essa pergunta, cabe retomar os trs elementos que comportam a

    estrutura enunciativa proposta por Benveniste. O primeiro elemento o ndice de pessoa e a

    relao eu-tu, produzida somente na e pela enunciao (BENVENISTE, 2006, p. 84). O termo

    Eu denota o sujeito que se enuncia e o Tu o indivduo que ser inserido no ato enunciativo (o

    outro). vlido mencionar que h, ainda, a presena de um terceiro elemento o Ele

    referncia constituda no discurso. Esses trs elementos sero importantes para a anlise das

    produes textuais mais adiante. Por hora, vamos relacionar esses trs elementos com o sujeito

    e como ele se marca ao enunciar. Partindo do conceito de Benveniste de que o falar emana do

    prprio falante e retorna a ele invocando um outro e que, essa emanao da lngua a realidade

    mais profunda do sujeito veremos que essa relao pode, tambm, ocorrer na escrita, questo

    que tematizaremos no prximo item.

    3.2 Enunciao e Escrita

    Com a Teoria da Enunciao, Benveniste traz a intersubjetividade inscrita no uso da lngua

    como constitutiva do ato de enunciar. Como nosso interesse est relacionado a converso dalngua (materna e estrangeira) em discurso escrito e com o modo como o locutor-aluno se

    declara como sujeito e constitui o outro na relao interlocutiva, consideramos pertinente

    aliceramos nossa reflexo em uma concepo enunciativa de linguagem e lngua. Por isso,

    embasamos teoricamente nosso estudo na perspectiva enunciativa benvenistiana em busca de

    uma concepo de linguagem que leve em conta a lngua em uso, manifestada pela atividade

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    individual do locutor ao se constituir como sujeito. Pretendemos com o primeiro item explicitar

    essa concepo para amparar as questes sobre escrita, foco de nosso estudo, que trazemos

    neste item, no qual apresentamos o modo como uma teorizao enunciativa traz fundamentos

    para explicitar a relao que o locutor estabelece com a lngua e com o outro nos processos deescrita de textos em lngua materna e em lngua estrangeira. Assim, a questo que buscamos

    responder no item a seguinte: o que a escrita do ponto de vista da Teoria da Enunciao?

    Segundo Benveniste, a enunciao o colocar a lngua em funcionamento por meio de

    um ato individual de uso, tendo como objeto principal o que produzido a partir de um

    enunciado. Deste modo, a lngua utilizada para expressar uma relao com o mundo e com o

    outro. Como nosso foco de anlise neste trabalho ser a escrita e a produo textual de alunos,

    consideramos importante pensar a enunciao falada e a escrita no que diz respeito intersubjetividade, pois do mesmo modo que falar, escrever tambm um ato enunciativo

    individual e nico, dependente de uma situao criadora de referncia. Por estar escrito, um

    texto requer a presena de um outro, que nesse caso ser o leitor. E no final do texto Aparelho

    Formal da Enunciao, Benveniste (2006, p. 90) chama a ateno para o fato de que muitos

    desdobramentos deveriam ser estudados no contexto da enunciao, destacando que a

    enunciao escrita se situa em dois planos: o que se escreve se enuncia ao escrever e, no interior

    de sua escrita, ele faz os indivduos se enunciarem. a partir desse final que Endruweit (2006)

    busca ancoragem para propor uma abordagem sobre a enunciao escrita, concepo quetambm subsidiar nosso trabalho teoricamente. Para a autora, o final doAparelho Formal da

    Enunciao aponta para o fato de que a enunciao escrita pressupe a intersubjetividade ao

    fazer, em seu interior, os indivduos se enunciarem. Para a autora, surge duas afirmaes:

    1) a lngua entendida em sua totalidade fala e escrita, sendo ambas suportepara a lngua e 2) um ato individual de utilizao significa um agir a partir dalngua. Se h, portanto, uma tomada da lnguano momento mesmo da enunciao,essa relao se estende para a escrita (ibid., p. 115, grifo da autora; destaque nosso).

    Isso significa dizer que na enunciao escrita h como na enunciao falada um ato de

    apropriao de um locutor que deixa marcas no discurso produzido. Por isso, a anlise de uma

    escrita enunciativa vincula-se busca da marcas deixadas pelo locutor quando se apropria da

    lngua. Retomando Benveniste, a lngua constitutiva do homem, e, dessa forma, ele est em

    constante negociao com ela, para melhor utiliz-la. Cabe ressaltar um trecho do texto de

    Endruweit (2010) para corroborar essa ideia.

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    Dedicar-se a analisar a escrita, materializada em enunciaesescritas, uma incurso na histria de cada um, manifesta peloestilo com que a lngua tomada em cada negociao e naincansvel busca pelo cercamento do sentido. Queremos sempredizer de ns e buscamos a melhor maneira de faz-lo. Por contadisso, proceder a anlise da enunciao escrita traz tona um

    movimento constante e singular entre sujeito e lngua.(ENDRUWEIT, 2010, p. 343)

    Contudo, o texto escrito na e para a escola no cumpre essa funo, j que hoje escrever

    em sala de aula uma tarefa quase extinta e tem como funo unicamente formar uma nota para

    o ano letivo. Alm disso, em sua grande maioria, os textos so voltados somente para as regras

    gramaticais e, consequentemente, a lgica do sujeito-autor no evidenciada e o texto acaba

    sem ter um destinatrio definido (nesse caso um leitor). Durante a correo, os mesmos

    problemas se repetem: o professor-leitor no costuma fazer uma leitura singular do texto, que

    nico, e no consegue capturar a lgica criada pelo aluno naquela produo textual. Desta

    forma, o processo de escrita torna-se pobre e sem considerar as marcas do sujeito. Seria

    necessrio desvincular a relao entre escrever e seguir regras normativas e perceber que esse

    ato individual de utilizao da lngua tem a possibilidade de significar outras coisas alm da

    forma gramatical (ENDRUWEIT, 2010, p. 345).

    Nesse ponto, encontram-se as noes trazidas at o momento a fim de sustentar a

    teorizao deste trabalho na direo de uma concepo de escrita de textos pela abordagem da

    Teoria da Enunciao. Partindo do quadro formal esboado no item anterior e abordado neste

    item, pensamos ser a escrita um outro plano medida que locutor e alocutrio no se situam

    no mesmo tempo e espao do ato enunciativo (em um mesmo plano). No entanto, como ato

    individual de utilizao, realiza-se assim como na enunciao falada tambm em funo de um

    outro, presente ou no, numa dada situao enunciativa de escrita, materializada pelos

    instrumentos especficos e acessrios do aparelho formal da enunciao e que, na escrita, so

    apropriados com as especificidades dessa modalidade conforme a reflexo deste item. Porm,

    aps a reflexo terica, surgem as seguintes dvidas frente aos textos escritos pelos alunos:

    Quem escreve eu? Quem se marca na escrita? Como quem se apropria da lngua materna e

    de uma lngua estrangeira se marca nos discursos escritos, produtos da enunciao? So

    questes que procuraremos responder no decorrer do estudo.

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    4 METODOLOGIA

    Neste captulo, mostraremos como os dados para as anlises que sero feitas a seguir

    foram coletados, o corpusque as constituem e os procedimentos adotados para realiz-las, com

    base no constructo enunciativo. Iremos considerar a escrita como uma manifestao da

    singularidade do sujeito e analisaremos os fatos enunciativos de forma qualitativa, pois a teoria

    enunciativa considera a singularidade implicada em cada ato de enunciao e no realiza

    pesquisas de forma quantitativa.

    4.1 Contextualizando o Corpus

    Os textos que sero analisados neste trabalho foram coletados durante o perodo de

    estgio obrigatrio da disciplina de espanhol do curso de Letras da Universidade Federal do

    Rio Grande do Sul (UFRGS). O estgio foi realizado em uma escola pblica federal da cidade

    de Sapucaia do Sul entre os meses de agosto e novembro de 2012. A turma cursava o ltimo

    semestre (o curso constitudo por seis semestres) do nvel mdio da educao de jovens e

    adultos (EJA) integrado com o curso tcnico em Administrao. Constituda por 20 alunos, a

    turma era formada basicamente por mulheres - somente um aluno era do sexo masculino e

    com idades entre 21 e 50 anos.

    No primeiro dia de aula, foram explicados aos alunos qual a metodologia seria utilizada

    durante as aulas e quais contedos seriam explorados pela professora. Foi explicada, tambm,

    a proposta de utilizar os textos escritos pelos alunos para compor este trabalho, esclarecendoque os alunos no eram obrigados a participar da proposta e que deveriam autorizar

    formalmente a disponibilizao dos textos para este trabalho. Surpreendentemente, todos se

    mostraram bastantes empolgados com a ideia e aceitaram ceder seus textos para as anlises.

    Inicialmente, foi trabalhado o textoAutorretrato, de Pablo Neruda, no qual o autor traa

    a sua descrio fsica e psicolgica de forma potica. A ideia era que, aps a leitura e a

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    elucidao de dvidas sobre o vocabulrio que causou dificuldades na compreenso do texto (o

    texto foi dado em espanhol), os alunos criassem o seu prprio relato pessoal. Este poderia ser

    escrito da forma que preferissem (versos, descritivo, narrativo), desde que trouxesse

    informaes sobre as vidas e preferncias dos alunos. O primeiro texto foi escrito em portugusdurante a aula a turma tinha dois perodos s segundas-feiras, cada um com durao de 45

    minutos e como professora tentei influenciar o mnimo possvel durante escrita, pois queria

    que as produes textuais contivessem as marcas pessoais de cada autor.

    Como era de se esperar, quando a proposta de escrever um outro relato pessoal em

    espanhol foi dada, os alunos tiveram dificuldades, j que no sabiam como escrever sobre si

    prprios em um outro idioma. Assim, os textos escritos em espanhol durante a aula so, na

    grande maioria, consideravelmente menores do que os escritos na lngua materna, o portugus.Foi disponibilizado para os alunos o uso de dicionrios bilngues para auxiliar durante a escrita.3

    4.2 Procedimentos de Anlise

    Para analisar os textos produzidos pelos alunos, utilizaremos como base a concepo

    enunciativa de Benveniste, dando nfase para a reflexo constituda no texto Da subjetividade

    da Linguagem. Para realizar a escolha de textos a fim de analis-los, j que a turma criou 20

    produes textuais, foi levada em considerao a negociao feita entre os alunos e a lngua

    espanhola ao escrever (e a influncia da lngua materna nesse momento) e as marcas

    enunciativas nicas deixadas por cada aluno durante o processo de escrita. Vale lembrar, a partir

    de Juchem (2012), alguns princpios que ancoram uma anlise enunciativa:

    a) em se tratando da linguagem, no h como abordar de formar integral nosso objetodada a sua complexidade e a sua relao com outras reas do conhecimento; b) oobjeto no preexiste ao ponto de vista terico; uma construo cientfica; c)Benveniste no props um modelo de anlise enunciativa; d) a anlise sempre um

    ponto de vista do analista e e) cada anlise enunciativa singular, porque estimplicada a subjetividade do locutor/analista. (JUCHEM, p, 138)

    3No foi permitido que os alunos levassem os textos para casa, pois a inteno era de que ningum alm deles

    intervissem no processo de escrita. Assim, durante as aulas a nica pessoa que participou e auxiliou na produodos textos foi a professora, a fim de no causar interferncias nos discursos. Posteriormente, os textos foramcorrigidos e reescritos, mas no incluiremos esse material nas anlises.

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    A partir do que elegemos teoricamente neste estudo consideraremos os textos escritos

    pelos alunos como discursos produtos da enunciao, com vistas ao ato de enunciao,

    medida que constitui a expresso da ideia relativa situao de discurso qual ela se reporta

    (referncia) e atitude do locutor frente ao outro (intersubjetividade).

    Seguindo Flores e Teixeira (2005) e Silva (2009), consideramos que, levando em conta

    a relao lngua-discurso, a perspectiva enunciativa de orientao benvenistiana no elege

    apenas certos aspectos da lngua como indicadores da presena do homem na lngua, mas a

    lngua constituda no discurso. Isso porque seu objeto todo mecanismo lingustico cuja

    realizao integra o seu prprio sentido e que se auto-referencia no uso (FLORES; TEIXEIRA,

    2005). Nesse sentido, no elencaremos nenhum fenmeno lingustico a prioripara anlise, j

    que trataremos do jogo existente na enunciao entre lngua e discurso. Por isso, concebemos

    que qualquer mecanismo da lngua pode adquirir um sentido particular e se auto-referenciar no

    uso.

    Assim, consideraremos que cada escrita um ato enunciativo feito em um determinado

    tempo e espao, com locutores especficos e referncias particulares. Vamos considerar a

    singularidade de cada aluno ao escrever e inscrever-se no discurso. Deste modo, a aula na qual

    foi feita a proposta de trabalho e apresentado o tema para a escrita ser considerada o primeiro

    ato enunciativo ato realizado pela professora e que no ser foco de anlise. A partir dessaaula os alunos criaram um texto em portugus baseado na proposta de se apresentar,

    constituindo um segundo ato enunciativo, e puderam se correferir durante a produo de seus

    discursos. Esse segundo ato enunciativo ser considerado como um dos focos de anlise.

    Depois, na aula seguinte, aps a retomada da proposta e elucidao de dvidas sobre a aula

    anterior, a professora a fim de auxiliar os alunos no seu processo criativo em outro idioma

    escreveu no quadro-negro um relato pessoal em espanhol (este ato no ser analisado, mas o

    discutiremos mais adiante), seguindo a mesma proposta do texto j trabalhado de Pablo Neruda,

    porm colocando seus traos e preferncias pessoais. Deste modo, os alunos puderam seconstituir como locutores em lngua estrangeira, j que escreveram um outro relato pessoal se

    enunciando na lngua estudada. Esse quarto ato enunciativo tambm ser considerado nas

    anlises.

    Os alunos percorreram um difcil processo: sair da posio inicial de alocutrios (o Tu

    de um discurso) para serem locutores de seus atos enunciativos (o Eu de um discurso) e,

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    consequentemente, o professor tornou-se o alocutrio (leitor) do texto dos alunos. Considerando

    todas essas posies possveis de serem ocupadas e capazes de serem alteradas e retomadas por

    distintos locutores e considerando tambm que o fundamento da subjetividade est no exerccio

    da lngua, as anlises buscaro responder o seguinte questionamento: como os alunos, enquantolocutores, instanciam a subjetividade inscrita no uso da lngua em seus discursos escritos na sua

    lngua materna e na lngua estrangeira, no caso o espanhol, da qual esto se apropriando? Essa

    ser a interrogao que sustentar as nossas anlises no prximo captulo, que no comporta

    categorias estabelecidas a priori.

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    5 ANLISES DOS DADOS: A SUBJETIVIDADE NOS DISCURSOS ESCRITOS EM

    LNGUA MATERNA E EM LNGUA ESTRANGEIRA

    Neste captulo realizaremos as anlises dos textos produzidos pelos alunos durante o

    perodo de estgio obrigatrio da disciplina de espanhol em uma escola federal. O nosso intuito

    buscar as marcas da subjetividade de cada texto analisado quando o locutor-aluno escreve em

    sua lngua materna e em espanhol, lngua estrangeira da qual est se apropriando. Para isso,

    veremos como se d a busca de um modo de escrever e de se constituir como um euna lngua

    materna e na lngua estrangeira e, consequentemente, implantar o outro diante de si. Pensando

    que o aluno que vivencia o processo de ensino-aprendizagem de uma lngua estrangeira est se

    apropriando do aparelho formal da lngua estudada, no vamos enfatizar para fazermos as

    anlises somente a relao entre locutor e alocutrio, mas, tambm, a subjetividade presente na

    escrita. Assim, buscamos elucidar por meio das anlises como os alunos, ao ocupar a posio

    de locutores, instanciam a subjetividade de seus discursos ao escrever na lngua materna e na

    lngua estrangeira, na qual esto vivenciando o processo de ensino-aprendizagem.

    Como j fora mencionado, a professora constituiu um ato enunciativo ao escrever,

    durante a aula, o seu relato pessoal em espanhol no quadro-negro. Esse relato, baseado no texto

    Autorretrato, de Pablo Neruda trabalhado em aula tinha como intuito auxiliar os alunos no

    seu processo criativo e exemplificar a atividade proposta (relato pessoal) seguindo os mesmos

    moldes do texto escrito pelo famoso autor. Acreditamos que esse ato enunciativo constitudo

    pela professora possa ter influenciado na relao eu-tudos alunos. Ao criar o seu prprio relato

    no quadro-negro, especificamente voltado para os alunos, a professora se constituiu como um

    eu locutor, colocando todos os alunos na posio de um tu alocutrio. Ao evidenciar essa

    relao para os alunos e, logo aps, propor a tarefa de criao de um relato pessoal, a professora

    proporcionou a troca de papis: os alunos passaram de alocutrios para locutores e a professora

    passou de locutor para alocutrio. Esse difcil processo vivenciado pelos alunos serviu para que

    a turma compreendesse, mesmo que de modo implcito, que o relato escrito por eles teria um

    leitor, assim como os alunos foram leitores do texto escrito pela professora.

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    Aluno 1

    Discurso em lngua materna portugus:

    Discurso em lngua estrangeira espanhol:

    Podemos notar nessa anlise que compara a escrita do relato pessoal em portugus e em

    espanhol que a aluna no traz elementos de carter pessoal ao se enunciar na lngua materna

    mesmo que a proposta dessa produo textual fosse criar uma descrio com caractersticas

    pessoais -, mas o mesmo no ocorre ao escrever na lngua estrangeira. interessante notar que

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    em ambos os textos a aluna escolheu se marcar e fundamentar a sua subjetividade usando o

    pronome pessoal eupara iniciar o discurso e, assim, remeter a si mesma no texto no deixando

    dvidas para o alocutrio (leitor) que o que estava escrito se referia exclusivamente ao locutor,

    ou seja, a ela. A aluna, ao assumir a posio de locutor, conseguiu se mostrar como sujeito doseu texto, remetendo a si mesmo atravs do eu. Essa fundamentao da subjetividade criada

    pelo uso do pronome pessoal propicia o surgimento da reciprocidade, ou seja, alm de aluna se

    apresentar como sujeito do seu discurso remetendo a si mesma no texto ela invoca o seu leitor

    a assumir uma posio no dilogo recm criado entre o sujeito eu e o leitor tu. Vemos, ainda, o

    uso de uma palavra que existe em ambas as lnguas, mas com significados distintos: enamorar.

    Em espanhol, o termo significa amar ou ser aficionado por algo ou algum e no ter um

    namorado como a aluna provavelmente quis significar. Talvez, esse equvoco, mesmo com o

    uso do dicionrio para sanar possveis dvidas, seja devido a segurana que nativos do

    portugus tm em falar em espanhol (abordamos o porqu dessa segurana e o uso do portunhol

    no segundo captulo) e a relao entre a aluna e a lngua estudada. Aqui ficou evidente que a

    aluna estava negociando com os termos do espanhol, buscando qual o melhor modo de adequar

    a relao forma-sentido. Assim, surge primeiro uma relao entre o eue o Ele (a lngua) e,

    depois da concluso dessa relao, o locutor cria a relao entre o eu e o tu.

    Podemos perceber tambm que a aluna utiliza adjetivos para se descrever na lngua

    estrangeira que no foram utilizados no discurso escrito na lngua materna. Ao escrever emportugus, pouco foi dito sobre as caractersticas da aluna, mas ao escrever em espanhol o eu

    desse discurso foi qualificado de outra forma. Nota-se que a aluna ao escrever em espanhol

    muda a forma como se descreve, valendo-se de adjetivos para mostrar como ela, enquanto

    sujeito, v a si mesma. O leitor fica sabendo que o locutor gosta de leer, escuchar msica y

    dormir alm que o eudesse discurso muy aburrida/dichosa. Em busca de sinnimos que

    a melhor descrevessem a aluna criou mais uma negociao e uma interessante relao com o

    uso da lngua utilizando as palavras aburridae dichosano seu relato pessoal para se descrever,

    alm do uso do intensificador muy. Este intensificador evidencia a presena da subjetividade

    do sujeito alm dos ndices especficos (eu-aqui-agora), ou seja, uma forma distinta de o

    sujeito se marcar durante o processo de apropriao da lngua estudada. J a escolha, dentre

    tantas as possibilidades, das palavras aburridae dichosa mostra a diferena de como o sujeito

    se marca e se posiciona ao se descrever na lngua materna e na lngua estrangeira e evidencia

    ainda, uma negociao entre o uso da lngua e as formas-sentidos nela presentes. A palavra

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    aburridase refere a uma pessoa que se entedia, se cansa ou que no se anima com atividades

    de modo geral e dichosa se utiliza ao referir-se a uma pessoa ou situao feliz, mas pode

    tambm significar, quando usada de forma coloquial, que a pessoa est irritada com algum ou

    com alguma situao. Certamente o dicionrio usado pela aluna durante a escrita do relatopessoal trazia essa distino entre a forma/sentido da palavra e o sentido que ela tem ao ser

    colocada no discurso coloquial. Aqui temos que considerar que cada locutor-aluno ao escrever

    tem sua prpria lgica e que esta mostra a sua singularidade, questo importante de ser

    considerada pelo professor-leitor ao ler o discurso do aluno.

    Aluno 2

    Discurso em lngua materna portugus:

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    Discurso em lngua estrangeira espanhol:

    No primeiro texto podemos notar a presena da negao da aluna ao escrever que no

    muito boa em auto-avaliao. Com isso, ela nega falar sobre si e dar informaes pessoaisao seu alocutrio (leitor), contudo essa negao no ocorre no espanhol. Na lngua estrangeira

    a aluna consegue descrever as suas caractersticas psicolgicas e traar um julgamento sobre si

    mesma ao dizer ser una persona agradable. Cabe destacar que o nome da cidade, que no

    costuma ser traduzido da lngua materna para a lngua estrangeira, foi alterado, tendo, inclusive,

    a ordem trocada: passou de Sapucaia do Sul para sur Sapucaia. Esse mais um exemplo da

    negociao feita pela aluna com a lngua na tentativa de encontrar quais formas atenderiam a

    sua necessidade de referir pelo discurso.

    Outro ponto interessante nesse discurso a mudana no modo como a aluna se descreve

    e se posiciona como eu. Ao escrever na lngua materna o locutor traz caractersticas como ser

    um pouco preguiosa, mas ao escrever na lngua estrangeira essa e outras caractersticas

    descritas no discurso em portugus simplesmente so omitidas. A aluna altera a forma como

    utiliza os adjetivos no seu discurso em espanhol e, consequentemente, a forma como se v

    enquanto pessoa e sujeito do discurso. Desta forma, o eudo discurso se marca e se posiciona

    ao se escrever em portugus e em espanhol de maneiras distintas evidenciando um novo modo

    de se constituir subjetivamente quando se apropria de uma lngua diferente da materna.

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    Aluno 3

    Discurso em lngua materna portugus:

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    Discurso em lngua estrangeira espanhol:

    Estes textos so bastante interessantes, pois no primeiro a aluna utiliza como referncia

    seu ncleo familiar, dando maior relevncia descrio das pessoas que compem a sua famlia

    do que a si mesma. J no texto escrito em espanhol a referncia muda, passando a ser o prprio

    sujeito que escreve. A aluna no deixa de descrever sua famlia, porm no traz mais

    caractersticas funcionais, como a profisso e a idade, mas sim caractersticas pessoais.

    Podemos notar que foi uma escolha dentre as tantas possibilidades da lngua descrever seu

    marido como un hombre muy especial e a seus filhos como hermosos, ou seja, com a

    mudana de referncia do discurso a famlia passou a ser descrita de forma positiva e no mais

    com caractersticas de carter funcional. No texto em portugus o que ganhou destaque na

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    escrita da aluna foi a existncia do outro (nesse caso a famlia da aluna), mas ao se constituir

    como sujeito em outra lngua, a relevncia foi o prprio sujeito que, ao escrever, mostrou um

    Eu distinto do sujeito que fora revelado no primeiro ato enunciativo. Destacamos que, ao se

    enunciar em portugus, a aluna diz estar adorando estudar e surpresa com seu desempenho,porm ao escrever em espanhol esse discurso muda. A aluna diz estar cansada da rotina de

    estudos, fazendo uma confisso ou, porque no, contando um segredo para seu alocutrio

    (leitor). A revelao mostra uma relao de identificao com a lngua estrangeira estudada,

    desvelando a instituio do sujeito que se autoriza a escrever em outra lngua. Ainda, evidencia

    que aluna chama o seu leitor a fazer parte da sua confisso e, consequentemente, do seu texto,

    instanciando a intersubjetividade enunciativa, visto que, ao utilizar o pronome pessoal te, a

    aluna chama para o seu relato pessoal o leitor do texto.

    No texto em espanhol ocorre, ainda, um imbricamento de formas por meio da mistura

    de palavras da lngua materna com a lngua estrangeira. A aluna ao escrever que me gusta ir

    al cinema mistura termos em espanhol com uma palavra em portugus (cinema). O mesmo

    ocorre quando a aluna escreve en mi vida personal ynaprofesionalem que acaba misturando

    as preposies do espanhol com as do portugus. Este mais um exemplo de negociao feita

    entre a aluna e a lngua.

    vlido mencionar que a aluna estava to vontade em relao lngua estudada que,

    ao se enunciar em espanhol, escreveu seu prprio nome de forma equivocada. Obviamente no

    vamos expor aqui qual o nome da aluna e o que ela alterou na sua descrio pessoal em

    espanhol, mas interessante para a anlise ressaltar esse fato.

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    Aluno 4

    Discurso em lngua materna portugus:

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    Discurso em lngua estrangeira espanhol:

    Nestes textos tambm ocorre a mudana de referncia do sujeito: no texto em portugus

    a referncia a cidade na qual a aluna vive, pois foi neste lugar que ela construiu sua vida e

    criou seus filhos. J no texto em espanhol a referncia o prprio sujeito, que informa para o

    alocutrio (leitor) seus gostos e a forma que prefere viver. Tambm, ocorre a traduo do nome

    do curso que a aluna fazia. Passa de administrao para administracinmostrando a presena

    da negociao com a lngua estrangeira, testando o funcionamento e a utilizao de formas da

    lngua, estabelecendo limites entre o que cabe e o que no cabe ao escrever em outro idioma.

    possvel notar que a aluna realiza uma negociao com a prpria lngua materna ao colocar

    entre parnteses que, quando em seu relato pessoal escrito em portugus. Neste ponto, fica

    evidente que a negociao da aluna com a lngua materna ocorre em dois nveis: em um

    primeiro momento com a lngua materna, lngua da qual j se apropriou, em busca do que

    melhor expressaria o que a aluna gostaria de expressar e, em um segundo momento, com o Tu

    (neste caso o leitor) e qual a possvel compreenso que ele teria ao ler o que foi escrito. Aqui, necessrio considerar a singularidade da aluna e, tambm, a lgica seguida, ao escrever seu

    discurso para se constituir como sujeito.

    Ainda em comparao com os demais textos analisados, a aluna utiliza tambm o

    pronome pessoalyopara deixar claro ao seu leitor que o relato pessoal escrito em espanhol se

    refere ao locutor que escreve, criando uma situao capaz de proporcionar o surgimento da

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    apresentao da aluna como sujeito do seu discurso e do leitor como um tu participante do

    dilogo instaurado.

    Aluno 5

    Discurso em lngua materna portugus:

    Discurso em lngua estrangeira espanhol:

    Nestes textos, em um primeiro momento a aluna traa sua descrio no diminutivo -

    sou baixinha, gordinha evidenciando uma relao afetuosa consigo mesma, que no ocorre

    na escrita em lngua estrangeira. Ao escrever em espanhol, a aluna omite seus traos fsicos,

    proporcionando ao leitor uma nica caracterstica: a sua idade. Aparece, novamente, a

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    negociao da aluna com a lngua estrangeira da qual est se apropriando: a aluna coloca

    elementos do portugus criando um novo significado para um termo em espanhol. Ao escrever

    mi madre vivoconmigo a aluna traz o verbo conjugado em portugus, provavelmente por

    desconhecer a conjugao do verbo viver em espanhol ou por fazer uso do portunhol. Logo emseguida, a aluna utiliza o pronome pessoal l para substituir o verbo escriando uma dvida:

    ser que foi um equvoco da aluna ao confundir o pronome e o verbo ou somente uma forma

    de marcar no texto quem estava doente e no causar dvidas ao alocutrio (leitor)? Caso a

    resposta seja a segunda opo, a aluna ao utilizar o pronome pessoal l tentou deixar evidente

    ao seu alocutrio a qual pessoa se referia no discurso. Em ambos os casos a negociao da aluna

    com a lngua estrangeira est presente, junto com a sua singularidade.

    O emprego