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Evidências sobre a utilização de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço: uma Revisão Tiago Campos Armentano 1 Carlos Magno de Marce Rodrigues Barros 2 RESUMO Introdução: Pacientes com câncer de cabeça e pescoço frequentemente desenvolvem perda de peso importante no perioperatório. Nas últimas duas décadas, o estado inflamatório observado em pacientes oncológicos vêm ganhando destaque na literatura científica, uma vez que representa um dos principais fatores associados à caquexia. Diante deste cenário, os farmaconutrientes vêm demonstrando possuir a capacidade de modular a resposta imunológica e inflamatória, reduzir complicações no pós-operatório e taxa de mortalidade. Entre os nutrientes com ações específicas, podemos ressaltar a arginina. Objetivos: Revisar a literatura científica sobre a utilização de arginina na resposta de marcadores inflamatórios, além de conhecer suas ações benéficas ou não, dosagens mais adequadas e tempo de utilização em pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Métodos: Foram identificados 14 estudos utilizando a base de dados do PubMed, destes 5 ensaios clínicos randomizados e controlados preencheram os critérios de inclusão e constituíram a amostra. Resultados: As dietas enterais enriquecidas com arginina não mostraram benefícios quando comparada a dieta padrão, segundo os valores de marcadores inflamatórios (Proteína C-reativa, Interleucina-6 e Fator de necrose tumoral - alfa). Conclusão: novos estudos são necessários para determinar qual a forma ideal de suplementar arginina nos pacientes com câncer de cabeça e pescoço (por via oral, enteral ou parenteral), o momento certo de realizar a nutrição imunomoduladora (No período pré-operatório, pós-operatório ou perioperatório), além da dosagem e o tempo de utilização mais adequado a ser utilizado nessa população. Descritores: Arginina; Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Nutrição Enteral. ABSTRACT Introduction: Patients with head and neck cancer often develop significant weight loss during perioperative period. In the last two decades, the inflammatory state observed in cancer patients are gaining substantial importance in the scientific literature since it has been related as one of the main factors associated to cachexia. Given this scenario, pharmaconutrients have shown the ability to modulate immune and inflammatory response, reducing postoperative complications and mortality. Among nutrients with those specific actions it can be highlighted arginine. Objectives: Literature review on arginine use related to inflammatory markers response, to show its benefits - if any- and appropriate dosage and duration of use in patients with head and neck cancer. Methods: There were found 14 studies on PubMed database where 5 randomized controlled trials met inclusion criteria’s and constituted the sample. Results: arginine-enriched enteral nutrition showed no benefit when compared to standard diet, if compared inflammatory markers´ such as C-reactive protein, interleukin-6 and tumor necrosis factor - alpha values. Conclusion: further studies are needed in order to determine an ideal form of arginine supplement in patients with head and neck cancer (oral, enteral or parenteral), an appropriate occasion for immunomodulatory nutrition (In the pre-operative, post-operative or perioperative) and dosage/duration more suitable for this particular population. Key words: Head and Neck Neoplasms; Arginine; Enteral Nutrition. 1) Especialista em Terapia Nutricional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ. Nutricionista da Terapia Nutricional do Hospital Vital. 2) Doutor em Biociências Nucleares pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ. Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Rio de Janeiro / RJ – Brasil. Correspondência: Tiago Campos Armentano - Av. Pasteur, 296 – URCA - Rio de Janeiro – TJ – Brasil - CEP: 22290-240 – E-mail: [email protected] Artigo recebido em 02/08/2013; aceito para publicação em 26/03/2014; publicado online em 31/03/2014. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há. Artigo de Revisão Evidence on the use of arginine in response to inflammatory markers in patients with head and neck cancer: a Review INTRODUÇÃO Pacientes com câncer de cabeça e pescoço frequentemente desenvolvem perda de peso importante no perioperatório 1,2 . As causas são multifatoriais, e muitas vezes estão associadas a sintomas como anorexia, fadiga, xerostomia, disfagia, odinofagia, náuseas, vômitos, diarreia e/ou constipação, maximizando o risco nutricional, morbidade e mortalidade 3 . No Brasil segundo o Instituto Nacional do Câncer Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 1, p. 57-62, janeiro / fevereiro / março 2014 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 57

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Evidências sobre a utilização de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço: uma Revisão

Tiago Campos Armentano 1

Carlos Magno de Marce Rodrigues Barros 2

Resumo

Introdução: Pacientes com câncer de cabeça e pescoço frequentemente desenvolvem perda de peso importante no perioperatório. Nas últimas duas décadas, o estado inflamatório observado em pacientes oncológicos vêm ganhando destaque na literatura científica, uma vez que representa um dos principais fatores associados à caquexia. Diante deste cenário, os farmaconutrientes vêm demonstrando possuir a capacidade de modular a resposta imunológica e inflamatória, reduzir complicações no pós-operatório e taxa de mortalidade. Entre os nutrientes com ações específicas, podemos ressaltar a arginina. objetivos: Revisar a literatura científica sobre a utilização de arginina na resposta de marcadores inflamatórios, além de conhecer suas ações benéficas ou não, dosagens mais adequadas e tempo de utilização em pacientes com câncer de cabeça e pescoço. métodos: Foram identificados 14 estudos utilizando a base de dados do PubMed, destes 5 ensaios clínicos randomizados e controlados preencheram os critérios de inclusão e constituíram a amostra. Resultados: As dietas enterais enriquecidas com arginina não mostraram benefícios quando comparada a dieta padrão, segundo os valores de marcadores inflamatórios (Proteína C-reativa, Interleucina-6 e Fator de necrose tumoral - alfa). Conclusão: novos estudos são necessários para determinar qual a forma ideal de suplementar arginina nos pacientes com câncer de cabeça e pescoço (por via oral, enteral ou parenteral), o momento certo de realizar a nutrição imunomoduladora (No período pré-operatório, pós-operatório ou perioperatório), além da dosagem e o tempo de utilização mais adequado a ser utilizado nessa população.

Descritores: Arginina; Neoplasias de Cabeça e Pescoço; Nutrição Enteral.

AbstRACt

Introduction: Patients with head and neck cancer often develop significant weight loss during perioperative period. In the last two decades, the inflammatory state observed in cancer patients are gaining substantial importance in the scientific literature since it has been related as one of the main factors associated to cachexia. Given this scenario, pharmaconutrients have shown the ability to modulate immune and inflammatory response, reducing postoperative complications and mortality. Among nutrients with those specific actions it can be highlighted arginine. objectives: Literature review on arginine use related to inflammatory markers response, to show its benefits - if any- and appropriate dosage and duration of use in patients with head and neck cancer. methods: There were found 14 studies on PubMed database where 5 randomized controlled trials met inclusion criteria’s and constituted the sample. Results: arginine-enriched enteral nutrition showed no benefit when compared to standard diet, if compared inflammatory markers´ such as C-reactive protein, interleukin-6 and tumor necrosis factor - alpha values. Conclusion: further studies are needed in order to determine an ideal form of arginine supplement in patients with head and neck cancer (oral, enteral or parenteral), an appropriate occasion for immunomodulatory nutrition (In the pre-operative, post-operative or perioperative) and dosage/duration more suitable for this particular population.

Key words: Head and Neck Neoplasms; Arginine; Enteral Nutrition.

1) Especialista em Terapia Nutricional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ. Nutricionista da Terapia Nutricional do Hospital Vital.2) Doutor em Biociências Nucleares pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ. Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

Instituição: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Rio de Janeiro / RJ – Brasil.

Correspondência: Tiago Campos Armentano - Av. Pasteur, 296 – URCA - Rio de Janeiro – TJ – Brasil - CEP: 22290-240 – E-mail: [email protected] recebido em 02/08/2013; aceito para publicação em 26/03/2014; publicado online em 31/03/2014.Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.

Artigo de Revisão

Evidence on the use of arginine in response to inflammatory markers in patients with head and neck cancer: a Review

IntRoDução

Pacientes com câncer de cabeça e pescoço frequentemente desenvolvem perda de peso importante no perioperatório1,2. As causas são multifatoriais, e muitas

vezes estão associadas a sintomas como anorexia, fadiga, xerostomia, disfagia, odinofagia, náuseas, vômitos, diarreia e/ou constipação, maximizando o risco nutricional, morbidade e mortalidade3.

No Brasil segundo o Instituto Nacional do Câncer

Código 544

Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 1, p. 57-62, janeiro / fevereiro / março 2014 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 57

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(INCA), as estimativas para o ano de 2012 serão válidas também para o ano de 2013 e apontam a ocorrência de aproximadamente 518.510 casos novos de câncer. Em relação aos tumores que acometem a cavidade oral, laringe e sistema nervoso central, estima-se respectivamente um número de 14.170, 6.110 e 9.270 casos novos em indivíduos de ambos os sexos4.

Nas últimas duas décadas, o estado inflamatório observado em pacientes oncológicos vêm ganhando destaque na literatura científica, uma vez que representa um dos principais fatores associados à caquexia do câncer5. Esta síndrome é complexa, sendo também caracterizada por perda de peso progressiva, anorexia, astenia, imunossupressão, alterações hormonais (como leptina, neuropeptídeo Y, melanocortina, grelina, galanina, insulina, colecistoquinina e endorfina) e na taxa metabólica basal, além de anormalidades no metabolismo de carboidratos, lipídios, proteínas e líquidos6.

Em relação aos marcadores inflamatórios alterados, podemos citar entre os principais o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), interleucina 1 beta (IL-1beta), interleucina 6 (IL-6) e proteína C-reativa (PCR). As principais consequências metabólicas do aumento destes marcadores inflamatórios são a diminuição da ingestão alimentar e aumento da lipólise, proteólise, gasto energético basal, concentrações de insulina, glucagon e cortisol7,8,9,10.

Diante deste cenário, os farmaconutrientes vêm demonstrando possuir a capacidade de modular a resposta imunológica e inflamatória, reduzir complicações no pós-operatório e taxa de mortalidade. Entre os nutrientes com ações específicas, podemos ressaltar a arginina, glutamina, nucleotídeos e ácidos graxos da família ômega 3. Entretanto, o efeito do tratamento varia dependendo da forma de intervenção, população estudada e qualidade metodológica dos estudos11.

A arginina é classificada como um aminoácido condicionalmente essencial para os humanos. Em situações de estresse metabólico, ela deixa de ser sintetizada em quantidades suficientes pelo organismo e

seus níveis plasmáticos tornam-se reduzidos12,13. Alguns ensaios clínicos mostraram que, a suplementação dietética de arginina é capaz de melhorar a resposta das células T14, reduzir as taxas de crescimento tumoral15, além de aumentar o tempo de sobrevida de pacientes com câncer16.

Portanto neste artigo, destacaremos a importância da utilização de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço.

métoDos

Foram incluídos nesta revisão de literatura, ensaios clínicos randomizados e controlados em pacientes com câncer de cabeça e pescoço, em que a arginina foi utilizada como intervenção em qualquer dosagem, podendo ou não estar associada a outros nutrientes. O período de busca foi preferencialmente por artigos publicados nos últimos 10 anos, em idiomas português, inglês e espanhol. As palavras-chave foram: arginina (arginine), cabeça e pescoço (head and neck), nutrição enteral (enteral nutrition), neoplasias (neoplasias) e cirurgia (surgery). Em relação à base de dados consultada, utilizou-se o PubMed. Apenas foram utilizados para análise do estudo, artigos científicos que abordavam o tema marcadores inflamatórios.

ResultADos e DIsCussão

Consultando as bases de dados do PubMed, foram identificados 14 ensaios clínicos. Destes, 9 estudos foram excluídos (8 por não avaliarem marcadores inflamatórios e 1 por utilizar critério diferenciado). Sendo assim, 5 ensaios clínicos randomizados e controlados preencheram os critérios de inclusão e constituíram a amostra (Figura 1). Na Tabela 1 se encontra o desenho do estudo realizado.

Na avaliação dos ensaios clínicos foi observado que todos os pacientes receberam suporte nutricional por via enteral, sendo este realizado por dieta enteral

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Evidências sobre a utilização de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço: uma Revisão. Armentano et al.

Figura 1. Fluxograma com estágios da obtenção dos estudos envolvendo ensaios clínicos e controlados sobre o uso de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço, Rio de Janeiro, 2013.

Ensaios clínicos potencialmente relevantes n = 14

Ensaios clínicos randomizados e controlados n = 5

Estudos excluídos

Não avaliaram marcadores inflamatórios: n = 8

Utilizou um critério diferente na análise dos marcadores inflamatórios: n = 1

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isoenergética e isonitrogenada-padrão (grupo controle) ou dieta enteral enriquecida com arginina (grupo intervenção). É importante ressaltar que, a nutrição imunomoduladora ofertada aos pacientes apresentava outros componentes, dentre eles fibras alimentares, ácido ribonucléico e ácidos graxos ômega-3, os quais podem ter interferido em alguns resultados obtidos nesses ensaios. Três estudos informaram a dose de arginina utilizada, que variou entre 12.5 e 17g/dia. O tempo de uso do suporte nutricional no pós-operatório

foi em média de 8 a 21 dias. Entretanto, um ensaio também utilizou a nutrição de forma suplementar no pré-operatório por apenas 5 dias (Tabela 2)17,18,19,20,21.

As características dos pacientes quanto ao gênero, idade e estado antropométrico se apresentaram de forma similar nos 5 estudos (total de 190 indivíduos), refletindo a homogeneidade da amostra. Em relação à avaliação antropométrica apenas se considerou o peso corporal e o índice de massa corporal (Tabela 3) 17,18,19,20,21. Em casos de câncer, existe uma tendência de perda de

tabela 1. Desenho do estudo envolvendo ensaios clínicos randomizados e controlados sobre o uso de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço, Rio de Janeiro, 2013.

estudo Critérios de inclusão Critérios de exclusão DesfechosDe Luis, 200317 Perda de peso (5-10% em 6

meses) e câncer em cavidade oral ou laringe.

Pacientes com insuficiência renal ou hepática, infecção ativa, doença autoimune, tratamento a base de esteroides e bem nutridos (Perda de peso < 10% em 6 meses).

Peso, parâmetros bioquímicos.

De Luis, 200518 Perda de peso (5-10% em 6 meses), câncer em cavidade oral ou laringe e níveis de IL- 6 (> 5 pg/ml).

Pacientes com insuficiência renal ou hepática, infecção ativa, tratamento a base de esteroides e bem nutridos (Perda de peso < 10% em 6 meses).

Índice de Massa Corporal (IMC), Parâmetros bioquímicos.

De Luis, 200819 Perda de peso (5-10% em 3 meses) e câncer em cabeça e pescoço.

Pacientes com insuficiência renal ou hepática, doença autoimune, infecção ativa, tratamento a base de esteroides.

Peso, parâmetros bioquímicos.

Casas, 200820 Pacientes com diagnóstico de câncer em cavidade oral ou laringe.

Pacientes com insuficiência renal ou hepática, infecção ativa, doença autoimune, tratamento a base de esteroides, suplementação nutricional recente.

Peso, parâmetros bioquímicos, complicações clínicas, tolerância à nutrição, tempo de internação hospitalar.

Felekis, 201021 Pacientes com diagnóstico de câncer em cabeça e pescoço.

Pacientes com insuficiência renal ou hepática, doença autoimune.

Marcadores imunológicos, complicações maiores e menores.

tabela 2. Características do suporte nutricional de ensaios clínicos randomizados e controlados sobre o uso de arginina na resposta de marcadores inflamatória em pacientes com câncer de cabeça e pescoço, Rio de Janeiro, 2013.estudo nº de

gruposGrupos Controle Intervenção Ingestão

energética alvoDuração média

em dias de suplementaçãoPré-op Pós-op

De Luis, 200317 2 Pós-operatório Dieta enteral padrão

Dieta enteral com arginina (12,5 g/dia) e fibras alimentares.

32 kcal/kg/dia 1.7 g ptn/kg/dia

- 20 dias

De Luis, 200518 2 Pós-operatório Dieta enteral padrão

Dieta enteral com arginina (12,5 g/dia) e fibras alimentares.

Requerimentos - 20 dias

De Luis, 200819 2 Pós-operatório Dieta enteral padrão

Dieta enteral com arginina (17 g) e fibras alimentares.

35 kcal/kg/dia 1.8 g ptn/kg/dia

- 21 dias

Casas, 200820 3 Pós-operatório Dieta enteral padrão

1. Dieta enteral com arginina; 2. Dieta enteral com arginina, RNA e ácidos graxos ômega-3.

Fórmula de Harris-Benedict com fator estresse (1.4)1.5 g ptn/kg/dia

- 14.5 dias

Felekis, 201021 2 1. Pós- operatório2. Pré e Pós- operatório

1. Dieta enteral padrão

2. Dieta enteral com arginina, RNA e ácidos graxos ômega-3.

Requerimentos 5 dias 8 dias

Ptn: Proteína; RNA: Ácido ribonucléico.

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Evidências sobre a utilização de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço: uma Revisão. Armentano et al.

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peso acelerada, devido a um aumento do estado hipercatabólico dos pacientes internados, que geralmente evoluem para caquexia. Para corroborar esta afirmação, Waitzberg et al.22 em um estudo multicêntrico, avaliaram 4000 pacientes adultos em 25 hospitais integrados à rede do Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa amostra, 804 pacientes (20,1%) eram portadores de câncer e na avaliação do estado nutricional 533 pacientes (66,3%) apresentavam algum grau de desnutrição. A explicação para isso está relacionada a um aumento dos processos de gliconeogênese e beta-oxidação, que decorrem em uma perda significativa dos compartimentos proteicos e lipídicos6. Embora haja esta tendência, os estudos de De Luis et al.17,18,19 mostraram que os pacientes iniciaram o suporte nutricional apresentando estado de eutrofia quando avaliados ambulatorialmente. Os ensaios de Casas et al.20 e Felekis et al.21 não utilizaram este parâmetro para análise dos pacientes. Outra variável a ser discutida é a idade desses pacientes, que por serem idosos desenvolveriam mais facilmente alterações do estado nutricional, propensão esta que não foi observada nestes ensaios clínicos.

mARCADoRes InFlAmAtóRIos

Proteína C-reativa (PCR)Avaliando os níveis de PCR dos pacientes com

câncer de cabeça e pescoço no pré e pós-operatório, foi observada redução dos níveis séricos de PCR em ambos os grupos, controle e de intervenção. Sugere-se a partir deste resultado que, a fórmula enteral enriquecida com arginina não trouxe benefícios quando comparada a dieta padrão (Tabela 4)17,18,19.

Casas et al.20 utilizaram 3 grupos em seu estudo: controle (dieta enteral padrão), intervenção 1 (dieta enteral com arginina) e intervenção 2 (dieta enteral com

arginina, RNA e ácidos graxos ômega-3). Foi encontrado um aumento de PCR nos 3 grupos após duas semanas da cirurgia. No trabalho de Felekis et al.21 dividiram os pacientes em apenas 2 grupos: controle que no pós-operatório recebeu dieta enteral isoenergética e isonitrogenada e o de intervenção que no pré e pós-operatório recebeu dieta enteral com arginina, RNA e ácidos graxos ômega-3. A suplementação no grupo intervenção foi realizada por 5 dias no pré-operatório e em ambos os grupos por 8 dias no pós-operatório, porém não houve diminuição nos níveis de PCR.

Interleucina- 6 (IL-6)

No estudo de De Luis et al.18 participaram da amostra 14 pacientes (grupo intervenção com dieta enteral enriquecida com arginina- 12,5 g) e 15 pacientes (grupo controle com dieta enteral padrão), os dois grupos receberam suplementação no pós-operatório em média por 20 dias. Antes e após (6º dia) a cirurgia, os níveis de IL-6 foram monitorados e se observou uma redução nos valores dessa interleucina em ambos os grupos. De Luis et al.19 também utilizaram um desenho de ensaio parecido ao estudo anterior, contudo o grupo intervenção recebeu em torno de 17 g de arginina por dia e foi encontrado uma redução nos níveis de IL-6 nos dois grupos (controle e arginina) (Tabela IV).

Em contrapartida, De Luis, et al.17; Casas, et al.20; Felekis et al.21 por meio de diferentes metodologias de estudos, não encontraram redução nos valores de IL-6 nos grupos avaliados.

Fator de Necrose Tumoral- alfa (TNF- alfa)

Os valores de TNF- alfa não mostraram mudanças estatísticas significativas em nenhum grupo (Tabela 4)17,18,19,20,21.

tabela 3. Características dos pacientes (Pré-intervenção) quanto ao gênero, idade e estado antropométrico dos ensaios clínicos randomizados e controlados sobre o uso de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço, Rio de Janeiro, 2013.

estudoControle(sexo: m/F)

Intervenção(sexo: m/F)

Idade (anos +/- sd)Controle Intervenção

Peso (kg)Controle Intervenção

ImC (kg/m²)Controle Intervenção

De Luis, 200317

18(1/17)

18(1/17)

59.3 +/- 10.5 63.1 +/- 12.7 69.2 +/- 12.9 69.1 +/- 13.7 24.1 +/- 4.2 26.2 +/- 4.7

De Luis, 200518

15(3/12)

14(2/12) 63 +/- 11.6 60,7 +/- 11.6 Não declarou 24.1 +/- 2.8

24.6 +/- 3.5

De Luis, 200819

23 (19/4)

18(16/2) 61.3 +/- 9.3 60.5 +/- 10.6 69.4 +/- 12.8 68.6 +/- 15.5 24.9 +/- 2.8 24.5 +/- 4.8

Casas, 200820 15(15/0)

Grupo 1: 15 (13/2) Grupo 2: 14 (14)

54.2 +/- 13

Grupo 1: 59.6 +/- 9Grupo 2: 50 +/- 13.7

66.4 +/- 10

Grupo 1: 63.9 +/- 9.8Grupo 2: 67.9 +/- 14.9

Não declarou

Felekis, 201021 20 (18/2) 20 (18/2) 63.2 +/- 3.9 61 +/- 3.8 Não declarou Não declarou

M: masculino; F: feminino; IMC: índice de massa corporal; Sd: desvio padrão.

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ConsIDeRAções FInAIs

Baseado nos ensaios clínicos randomizados e controlados analisados, a utilização de arginina não mostrou benefícios em relação aos valores de marcadores inflamatórios (PCR, IL-6 e TNF- alfa) em pacientes em tratamento de câncer de cabeça e pescoço. Além disso, a forma utilizada de suplementação com arginina para esses pacientes foi por suporte nutricional via enteral, sendo o seu tempo médio de utilização entre 8 a 21 dias no pós-operatório. Todavia, novos estudos são necessários para determinar qual a forma ideal de suplementar arginina nesses pacientes (por via oral, enteral ou parenteral), o momento certo de iniciar a nutrição imunomoduladora (no período pré-operatório, pós-operatório ou perioperatório), além da dosagem e o tempo de utilização mais adequado a ser utilizado nessa população.

ReFeRênCIAs

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tabela 4. Parâmetros imunológicos avaliados nos ensaios clínicos randomizados e controlados sobre o uso de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço, Rio de Janeiro, 2013.

estudo Parâmetros imunológicos

PCR (mg/dl)Controle Intervenção

Il-6 (pg/ml)Controle Intervenção

tnF-alfa (pg/ml)Controle Intervenção

Dias de pós-operatório

De Luis, 200317 PCR, TNF- alfa, IL-6.

Pré-op 105.9Pós-op 43.6P < 0.05

Pré-op 152.9Pós-op 68.9P < 0.05

Pré-op 22.8 Pós-op 9.9NS

Pré-op 16.3Pós-op 35.6NS

Pré-op 8.8Pós-op 5.8NS

Pré-op 4.6Pós-op 5.1 5

De Luis, 200518 PCR, TNF- alfa, IL-6.

Pré-op 103.6Pós-op 43.8P < 0.05

Pré-op 134.5Pós-op 75.3P < 0.05

Pré-op 22.8Pós-op 9.9P < 0.05

Pré-op 20.35Pós-op 6.7P < 0.05

Pré-op 6.98Pós-op 6.11NS

Pré-op 7.28Pós-op 5.6 6

De Luis, 200819 PCR, TNF- alfa, IL-6.

Pré-op 103.3Pós-op 61.9P < 0.05

Pré-op 105.1Pós-op 53.2P < 0.05

Pré-op 32.8 Pós-op 6.8 P < 0.05

Pré-op 38.35Pós-op 15.6 P < 0.05

Pré-op 10.3Pós-op 8.9NS

Pré-op 8.1Pós-op 8.0 NS

5

Casas, 200820 PCR, TNF- alfa, IL-6.

Pré-op 15.49Pós-op 42.34NS

Pré-op 1 14.7Pós-op 1 46.78Pré-op 2 27.2Pós-op 2 44.33NS

Pré-op 19.63Pós-op 23.6NS

Pré-op 1 17,14Pós-op 1 14.01Pré-op 2 21.39Pós-op 2 25.17NS

Pré-op 55.09Pós-op 87.11NS

Pré-op 1 35.33Pós-op 1 35.57Pré-op 2 49.66Pós-op 2 36.79NS

14

Felekis, 201021 PCR, TNF- alfa, IL-6.

Pré-op 2.5Pós-op 3.8NS

Pré-op 1.6Pós-op 2.9NS

Pré-op3.1Pós-op4.1NS

Pré-op3.5Pós-op7.0NS

Pré-op1.6Pós-op2.7NS

Pré-op1.5Pós-op2.9NS

8

IL-6: Interleucina 6; PCR: Proteína C reativa; TNF-alfa: Fator de necrose tumoral alfa.Pré-op: Pré- operatório; Pós-op: Pós-operatório.P < 0.05: Estatisticamente significativo.NS: Não significativo estatisticamente.

Evidências sobre a utilização de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço: uma Revisão. Armentano et al.

Page 6: Artigo de Revisão Código 544 - sbccp.org.br · Características do suporte nutricional de ensaios clínicos randomizados e controlados sobre o uso de arginina na resposta de marcadores

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Evidências sobre a utilização de arginina na resposta de marcadores inflamatórios em pacientes com câncer de cabeça e pescoço: uma Revisão. Armentano et al.

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