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Page 1: Artigo. Categorização. Rogério dos Reis Devisate

(“ CATEGORIZAÇÃO “ :

UM ENSAIO SOBRE A DEFENSORIA PÚBLICA)

ROGÉRIO DOS REIS DEVISATE,

Defensor Público (RJ),

Chefe de Gabinete do Defensor Público Geral (RJ),

Conselheiro da OAB (RJ) e Presidente da Comissão de Defensores,

Procuradores e Advogados Públicos da OAB (RJ),

Membro Consultor da Comissão de

Advocacia Pública do Conselho Federal da OAB,

Membro do IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública

Advogado (RJ).

1. INTRODUÇÃO

Talvez alguns estranhem o título e sinto-me na obrigação de dizer que ele

nada tem de pretensioso.

“Categorização”, como expressão do vernáculo, leva-nos, segundo Aurélio

Buarque de Holanda Ferreira (in Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª ed.,

32ª impressão, ed. Nova Fronteira, p. 369) a pensar na “ação ou efeito de

categorizar”, ou seja, no ato de dispor em categorias ou de classificar. Já Antenor

Nascentes (in Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, p. 104) ensina que

“categoria” advém do grego Kategoria, atributo, pelo latim categoria. Obrigamo-

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nos, portanto, a pensar em identificar atributos próprios alvitrando uma divisão

peculiar acerca do objeto do nosso raciocínio.

E, já de antemão, que fique claro que não é nosso objetivo sequer pensar em

chegar perto de uma divisão sistemática das instituições chamadas “ carreiras

jurídicas”. Todavia, longe de ser a conclusão de uma idéia, estas linhas apenas

alvitram fazer-nos refletir sobre uma necessidade, digamos, de certa forma

semântica, de se abordar um fenômeno, com certo exercício filosófico a seu

respeito, na medida em que busca-se, despretensiosamente, melhor compreender

certa realidade, para ordenar o campo de pesquisa e limitar o foco de análise.

2. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 19/98 , A

ADVOCACIA PÚBLICA E A DEFENSORIA

PÚBLICA

Qual é a posição jurídica do Defensor Público no universo dos que podem

postular em Juízo? Este é o punctum saliens da idéia em apreço.

Alvitrando enquadrar o Defensor Público numa categoria de atores

provocadores da Jurisdição, normalmente se o colocam - ou colocavam - na

vertente dos Advogados e, dentre esses, mais particularmente, na dos “Advogados

Públicos”. Corrente também, na doutrina, com luminar abordagem, a inclusão da

Defensoria Pública dentre as chamadas “procuraturas”. Contudo, não é a tal

universo de análise que pretendemos nos deter.

Destarte, urge considerar, já aqui, substancial diferenciação que o próprio

texto constitucional se nos apresenta, com o advento da Emenda Constitucional

nº 19/1998 (resultado da PEC - Proposta de Emenda Constitucional nº

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00173/1995 ), a partir da qual a expressão “ advocacia pública ”, referente à

Sessão II, do Título IV, da Carta Magna, passa a referir-se à advocacia da União e

às procuradorias dos Estados e do Distrito Federal (artigo 131 e 132 da Carta de

1988, já considerado o que dispôs a comentada Emenda).

A propósito, talvez já aqui seja lugar de se destacar que, enquanto a

OAB/SP, pioneiramente, criou uma “Comissão de Advocacia Pública”, a OAB/RJ

melhor descortinou o tema, ao criar em 2001 a sua Comissão tendente a cuidar dos

interesses daqueles inscritos na OAB e que atuem no âmbito de instituições

públicas, chamando-a de “Comissão de Defensores, Procuradores e Advogados

Públicos”. Mas, daquela breve diferença nos nomes das similares comissões da

OAB/SP e da OAB/RJ já, aí mesmo, ao ouvido mais atento, se tem uma sutil

introdução da idéia que parece nos ter influenciado e de algum modo nos

provocado a escrever este ensaio, embora, a nossa motivação primária seja

contemporânea a edição da Emenda nº 19/98, porquanto a partir daí,

expressamente, a nosso ver, de alguma forma o legislador acabou por destacar a

“advocacia pública” e, do modo como o fez, creio passe a ter lugar a lógica

reflexão que se segue, vez que a Defensoria Pública, não se inserindo no contexto

da “advocacia pública”, por definição constitucional, passam então os Defensores

Públicos a não se vincular ao regime da OAB, o qual têm como destinatários os

Advogados (públicos ou profissionais liberais).

Notemos que o texto da Carta Política de 1988 (anterior à Emenda

Constitucional nº 19/98), no que diz respeito às “Funções Essenciais à Justiça”

(Título IV, Capítulo IV), assim se nos apresentava, verbis:

Seção I – Do Ministério Público (artigos 127 usque 130);

Seção II – Da Advocacia-Geral da União (artigos 131/132);

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Seção III – Da Advocacia e da Defensoria Pública (artigos 133 usque

135).

Daí, ora urge vejamos como, após a Emenda Constitucional nº 19/98, na

Constituição Federal de 1988, passam a se situar as “Funções Essenciais à Justiça”

(Título IV, Capítulo IV), verbis:

Seção I – Do Ministério Público (artigos 127 usque 130);

Seção II – Da Advocacia Pública (artigos 131 e 132);

Seção III – da Advocacia e da Defensoria Pública (artigos 133 usque

135).

Com isso, a Defensoria Pública não mais pode desde então ser incluída,

mesmo em linguajar não técnico, no rol dos “Advogados Públicos”, o que para

alguns pode pouco significar, mas o que, no nosso sentir, salvo melhor juízo,

muito passa a representar para a consolidação da Instituição em âmbito nacional,

por meio de uma melhor compreensão do seu verdadeiro alcance e espaço jurídico-

político.

Ora, reflitamos: se a Constituição Federal, após a suso referida Emenda

Constitucional, ao utilizar-se da expressão “Advocacia Pública” apenas

contemplou a Advocacia da União (CF, artigo 131) e as Procuradorias dos Estados

e dos Distrito Federal (CF, artigo 132) e se, além desses são também remunerados

pelos cofres públicos os membros do Ministério Público (CF, artigos 127 a 130) e

os da Defensoria Pública (CF, artigo 134), como na verdade dever-se-ia considerar

tal contexto?

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Pois bem, com o Advento da Emenda nº 19/98, nas chamadas “funções

essenciais à justiça”, temos os seguintes segmentos:

1 - Ministério Público (CF, artigos 127/130);

2 - Advogados -----) profissionais liberais (CF, artigo 133);

-----) advogados públicos (CF, artigos 131/132);

3 - Defensores Públicos (CF, artigo 134).

Daí temos que os integrantes de tais segmentos compõem o universo

daqueles que têm a capacidade para estar em Juízo, provocando a jurisdição,

ressalvado os casos de competência dos juizados especiais e os habeas corpus, os

quais permitem que o próprio interessado provoque a jurisdição.

Com isso, embora situada no mesmo espaço na Carta de 1988 (artigo 134),

os Defensores Públicos, quando integrantes de Instituição que funcione segundo

os ditames da Lei Complementar Federal nº 80/94 e das regras Estaduais

pertinentes acabam saindo do universo que, na doutrina e nas discussões

acadêmicas, envolvia um gênero até então chamado de “advocacia pública” para

um espaço próprio, ímpar, exclusivo, ou seja, passam a ocupar, com a sua

atuação, com o seu munus constitucional peculiar, o seu lugar incomunicável a

qualquer outro seguimento, qual seja, aquele imanente à instituição a que

pertencem: a Defensoria Pública !

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No mesmo sentido, portanto, o atuar de cada Defensor Público não poderia

ser visto como um ato de “advogar”, embora em parte a tal conduta de assemelhe,

merecendo ser tratado como um “ato de Defensoria Pública”, ou, num

neologismo, naturalmente sempre estranho a primeira impressão, que poderíamos

ousar chamar de um ato de “defensorar”... Sim, pois os advogados (profissionais

liberais ou da advocacia pública) naturalmente são aqueles que “advogam”, os

promotores “oficiam” ou “promovem” e os defensores públicos praticariam um

“ato de Defensoria pública” - pensamos ousadamente: “defensoram”! Mas, seja

qual for a expressão que melhor venha a definir o universo do atuar do Defensor

Público, penso que a lógica das idéias aqui versadas exigiriam a adoção de uma

expressão que, fosse qual fosse, tivesse a “marca” da Defensoria Pública,

garantindo uma exclusiva identidade na atuação dos seus membros.

E, no caso da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, particularmente, vista

como paradigma nacional, a questão cresce muito em relevância, uma vez que a

Instituição possui autonomia administrativa, financeira e orçamentária, tendo

o Defensor Público Geral do Estado mandato de 04 (quatro) anos, após eleição

em lista tríplice e nomeação pelo Chefe do Executivo, cabendo-lhe,

exclusivamente, a prerrogativa de nomear, promover, exonerar e aposentar os

Defensores Públicos, de tratar dos procedimentos licitatórios, de abrir

concursos públicos, etc (aliás, cabe aqui lembrar que tal status está se

reproduzindo em outros Estados da Federação).

Assim, acaba sendo lógico e natural que se tenha em mente que a Defensoria

Pública pós Emenda Constitucional nº 19/98 acaba se assemelhando, agora, mais

do que nunca, sob certo prisma, ao Ministério Público (e, como corolário, se

distanciando cada vez mais do gênero “ advocacia ”, mais particularmente da

chamada “ advocacia pública ”), reclamando e, na verdade, devendo ocupar um seu

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lugar próprio e peculiar no universo dos seguimentos provocadores da

jurisdição.

3. O ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº

19/98 E A ATUAÇÃO PRÁTICA DO DEFENSOR

PÚBLICO

Inicialmente, convém lembrar que a norma que nacionalmente rege a

Defensoria Pública é a Lei Complementar (Federal) nº 80, de 12 de janeiro de

1994, sendo também oportuno registrar que a norma que nacionalmente rege a

Advocacia é a Lei (Ordinária Federal) nº 8.906, de 04 de julho de 1994.

Até aqui, embora haja várias respeitáveis opiniões em mais de um sentido,

temos a vinculação dos Defensores Públicos à OAB, também segundo um

entendimento de que os Defensores Públicos, no seu atuar, praticariam “ato de

advocacia”, como, aliás, consta dos artigos 1º, artigo 3º, parágrafo 1º c/c artigo 4º,

do já antes referida Lei nº 8.906/94.

Convém, contudo, agora lembrar que o artigo 1º antes referido diz que são

“atividades privativas da advocacia” (1) “a postulação a qualquer órgão do

Poder Judiciário e aos juizados especiais” e (2) “as atividades de consultoria,

assessoria e direção jurídicas”, que o parágrafo 1º, do artigo 3º, diz que os

integrantes da Defensoria Pública “exercem atividade de advocacia” e que o

artigo 4º diz que “são nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa

não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas”..

Já aqui cabem ser destacados dois (02) pontos:

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- 1º. - atividade privativa não significa atividade exclusiva;

- 2º - como consta do artigo 5º , caput, da mesma norma, “o

advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova

do mandato”.

Ora, com isso pode-se pensar que a postulação a qualquer órgão do

Judiciário e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas seriam

privativas, mas não exclusivas dos advogados, o que se colore com o argumento

de que o advogado haverá de postular, em juízo ou fora dele, fazendo prova do

mandato (Lei nº 8.906/94, artigo 5º), sendo a “procuração” o instrumento deste,

constando, inclusive, no parágrafo 2º, do mesmo artigo 5º, a expressa referência ao

fato de que a procuração para o foro em geral habilita “o advogado” para todos os

atos judiciais, constando apenas, no parágrafo 1º do mesmo artigo, como exceção

para a imprescindibilidade da exigência da procuração, os casos de urgência (e

mesmo assim fica “o advogado” obrigado a apresentar a procuração no prazo de

quinze dias, prorrogável por período idêntico).

Qual a razão desse destaque? Simples, o Defensor Público postula a

qualquer órgão do Judiciário e também emite pareceres e exerce atividades de

consultoria e não se utiliza de procuração em suas atividades cotidianas, pois

exerce o seu munus com a simples investidura no cargo .

Observemos, ainda, que tanto o Ministério Público quanto a Defensoria

Pública, dentro dos naturais misteres inerentes a cada Instituição (seja na defesa da

sociedade ou na defesa de interesses individuais), lutam pela defesa da “dignidade

da pessoa humana” (Constituição Federal, artigo 1º, III), alvitrando muito

contribuir para a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária”

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(Constituição Federal, artigo 3º, I), para a erradicação da pobreza e da

marginalização e para reduzir desigualdades, promovendo o bem de todos, “sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação” (Constituição Federal, artigo 3º, III e IV), sendo ainda pertinentes

outras normas programáticas e outros preceitos constitucionais e legais que ora

aqui não mencionaremos, por fugirem ao objetivo imediato do tema em análise...

Notemos, contudo, ainda, que a Defensoria Pública vem se colocando à frente de

outras questões, na defesa de interesses metaindividuais, dos quais também sejam

titulares hipossuficientes, como exemplificam muito bem as relações de consumo.

Aliás, para os que possam estranhar ab initio tal rumo de idéias e apenas

para argumentar, cabe lembrar e sem mais detida análise, que o Ministério Público

também provoca a jurisdição, postulando e exercendo o seu munus sem

mandato...

Haveria quem pensasse se não praticariam “atos de advocacia” os membros do

Ministério Público quando atuam, particularmente fora das ações criminais, como,

verbi gratia, nas Ações Civis Públicas e na defesa do meio ambiente, etc ? Afinal

de contas, ouve-se, advogar é postular, é provocar a jurisdição...E não consta haja a

respeito qualquer idéia de se os submeter, para tal espectro de atuações, ao regime

da OAB (na verdade a origem para tais atribuições está na Carta Política de 1988 e

nas demais normas de regência da matéria) !

Podemos, assim, perceber que a matéria é mais sensível do que a princípio

possa parecer aos que tenham menos familiaridade com as sutilezas presentes no

seu contexto.

Merece, também, ímpar destaque, o fato de que a Lei Complementar

(Federal) nº 80/94 (bem como a Lei Complementar Estadual nº 06/77, do Estado

do Rio de Janeiro), que dentre outras normas jurídicas regem a Defensoria Pública

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do Rio de Janeiro, em nenhum momento exigem para a atuação do Defensor

Público ou para o ingresso na carreira a inscrição nos quadros da OAB ! A

propósito, o artigo 26, §2º, daquela norma federal complementar o faz quando trata

da Defensoria Pública da União.

Notemos que há exigência para a comprovação da qualidade de bacharel em

Direito e da prática forense, esta quando possível, pois, inclusive, do contrário,

ficariam impedidos de prestar concurso todos aqueles que têm incompatibilidade

para a advocacia, como expressa o artigo 28, da Lei nº 8.906/94 (como, por

exemplo, os militares de qualquer natureza, na ativa, os ocupantes de cargos ou

funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer

natureza, os chefes do Executivo, etc).

4. SOMENTE LEI COMPLEMENTAR PODE DISPOR

SOBRE DEFENSORIA PÚBLICA E SOBRE O

ATUAR DOS DEFENSORES PÚBLICOS

A Constituição Federal é clara ao estabelecer que somente Lei

Complementar poderá dispor sobre a Defensoria Pública e sobre o atuar dos

Defensores Públicos.

Até nesse ponto cresce em solidez o contexto das idéias até aqui suscitadas,

vez que a Lei 8.906/94 (o Estatuto da OAB) tem status de lei ordinária (federal) e,

portanto, sabidamente, mesmo sem nos debruçarmos longamente sobre o que

consta da doutrina mais autorizada, não poderia dispor sobre a Defensoria

Pública.

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Observemos, atentamente, que a Lei Complementar (Federal) nº 80/94 não

exige inscrição na OAB (salvo no artigo 26, § 2º, quando trata da Defensoria

Pública da União)... então não poderia uma Lei Ordinária exigir que os Defensores

Públicos mantivessem-se inscritos na prestigiosa OAB para exercer o seu munus!

Defendemos, assim, s.m.j., que não poderia constar da Lei Ordinária Federal nº

8.906/94 qualquer disposição sobre inscrição dos Defensores Públicos nos quadros

da OAB, notadamente para o exercício do munus próprio e exclusivo dos

Defensores Públicos que nós, ousadamente, linhas acima, chamamos de “ato de

Defensoria pública” ou ato de “defensorar’, o qual, sabemos todos, é efeito da

investidura no cargo.

E, ainda nesta linha de raciocínio, será que não haveria uma

inconstitucionalidade (progressiva) superveniente ou uma “revogação” dessas

disposições da Lei Ordinária nº 8.906/94 em razão das antes já consideradas

modificações introduzidas na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº

19/98, que exclui a Defensoria Pública do universo dos advogados (profissionais

liberais e mesmo dos “advogados públicos”), segundo a visão sistêmica que

apontamos linhas acima ? Para tanto, salvo melhor juízo, não seria necessária

ADIN ou pronunciamento judicial, bastando não se aplicasse a cogitada

respeitável lei ordinária para os Defensores Públicos.

A propósito, não seria demais dizer que a idéia contida no parágrafo anterior

cresce em importância para os Defensores Públicos investidos na função após 12

de janeiro de 1994, quando editada a Lei Complementar (Federal) nº 80/94, pois os

mesmos enfrentam ainda vedação para o exercício da advocacia privada (ou seja,

fora das atribuições institucionais) - destaque-se que tal consideração fazemos

aqui nos valemos ainda da idéia ainda hoje mais difundida, mas que neste ensaio

ousadamente questionamos, ao entender que a atuação do Defensor Público não

corresponde a ato de advogar, como já antes suscitado!) !

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Ademais, talvez seja momento de lembrar que não exige a Constituição

Federal inscrição na OAB para os Defensores Públicos, quando trata da Defensoria

Pública, nem, tampouco, pós Emenda Constitucional n º 19/98, sequer adjetiva os

Defensores Públicos como “ Advogados Públicos ” , o que reclama, a nosso ver e

salvo melhor juízo, uma análise mais detida do que a que ora introduzimos, acerca

da “categorização” da Defensoria Pública e do atuar dos Defensores Públicos.

5. OUTRAS NUANCES RELEVANTES

O Advogado em essência, seja integrante de um seguimento a que

chamaremos “estatal” (ou “advogado público”) ou particular (profissional liberal,

a serviço de particulares, sejam pessoas físicas ou jurídicas), carece de regular

inscrição na OAB e atuará sempre condicionado a uma “ procuração ”, que é o

instrumento do mandato correspondente ao alcance da sua “representação” dos

interesses do mandante.

O Defensor Público não se serve de mandato, ou melhor, prescinde

mesmo do mandato típico (materializado em procuração), vez que sua atuação

decorre direta e automaticamente da investidura no cargo... seu “poder de

atuação” tem assento constitucional e legal...

E, notemos, não havendo mandato, não há também substabelecimentos ou

termos de renúncia de mandato, ou a possibilidade de “revogação” de mandato por

parte do seu “cliente” (assistido).

Ademais, o Defensor Publico integra uma instituição que obedece, pelo

próprio princípio constitucional da impessoalidade, à “teoria do Defensor

Natural”, assemelhada à teoria do “Juiz Natural”, sendo, portanto, proibido ao

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interessado escolher o Defensor que gostaria que o defendesse como também não

lhe é permitido escolher o Juiz que gostaria que o julgasse. Ora, a

impossibilidade de “escolha” do seu “mandatário” também se choca com um

dos atributos basilares da relação cliente/advogado... portanto, também aqui

muito acaba por diferir a essência da postura do Defensor Público perante o seu

“cliente/assistido”... este não tem “o seu Defensor” mas a seu dispor toda uma

estrutura “institucional” da qual o Defensor é um integrante... por isso a causa

em questão está afeta, por exemplo, ao Defensor em atuação na 1 ª vara X de dada

Comarca e não ao Defensor Público Y ou Z... do mesmo modo que a questão será

julgada pelo Magistrado da 1ª Vara X e não pelo Juiz Y ou Z.

Com isso, é crível, estamos diante de uma nova realidade diante do universo

daqueles que tem a capacidade de provocar a atividade jurisdicional.

A propósito, pensemos, quem pode postular? Os Advogados (de qualquer

das modalidades, aí incluídos os Advogados Públicos), os membros do Ministério

Público e os Defensores Públicos. Sim, são estes e apenas estes aqueles que tem

capacidade de postular em Juízo, como já antes aqui considerado... excluindo-se,

naturalmente, como já dissemos, o habeas corpus e questões de competência dos

juizados especiais...

Vejo, assim, smj., que há mesmo a necessidade técnica dessa análise

sistêmica, dentre aqueles que tem a capacidade postulatória, a fim de se definir os

atributos da figura do Defensor Público, como um ente próprio, em origem e em

parte “assemelhado” ao advogado, mas deste, hoje, em essência e roupagem

normativa, muito distante.

Ora, se é assim, pensemos, como seria tratada a situação, por exemplo, de

um bacharel em Direito que, porventura, como funcionário público e que, portanto,

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pelo Estatuto da OAB, não pode possuir inscrição na OAB, presta concurso e é

empossado como Defensor Público, numa instituição perfeitamente estruturada nos

moldes da Lei Complementar Federal nº 80/94, com autonomia administrativa,

financeira e orçamentária, com Corregedoria própria, com o Defensor Público

Geral com prerrogativa exclusiva para nomear, promover, aposentar, exonerar os

Defensores Públicos, etc. Teria o recém empossado de se inscrever nos quadros da

OAB, ou teria de fazê-lo para tomar posse? Ou ficariam impedidos de fazer

concursos para a Defensoria Pública, a Magistratura, o Ministério Público, os

serventuários da justiça, os Delegados de Polícia, os Oficiais da Polícia Militar, e

tantos outros importantes servidores públicos (por exemplo, segundo o que dizem

os incisos III, IV, V, VI, VII, VIII, do artigo 28, da Lei nº 8.906/94) que, embora

bacharéis em Direito, jamais puderam, pelos Estatutos da OAB, se inscrever nos

seus quadros? Acaso um policial ou um gerente de instituição bancária (artigo 28

citado, incisos VI e VIII) não pode prestar concurso ou ser empossado na

Defensoria Pública, para atuar como Defensor Público, por não estar inscrito na

OAB?

Já é hora, pensamos, de se refletir acerca do tema Defensoria Pública, pois

somente em sede constitucional a Instituição já é tratada há quase quinze (15) anos

(é... a Constituição Federal data de 1988...!)... e se o progresso é grande em tão

pouco tempo, ainda muito pode ser feito (e será!).

Penso, assim, que o Defensor Público investido na função após o advento da

Lei Complementar Federal nº 80, de 12 de janeiro de 1994, está em condições de

exercer o seu munus sem a obrigatoriedade de estar inscrito na OAB, exatamente

pelo fato de se submeter a um regime próprio e por sequer poder ser tratado como

“advogado público” após a Emenda Constitucional nº 19/98, além do que entendo

sustentável o entendimento de que certos preceitos da Lei 8.906 (os que

correspondem a legislar sobre Defensores Públicos) acabam sendo

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inconstitucionais em face do advento da nova redação da Carta Política de 1988

(que acaba conferindo aos Defensores Públicos um status próprio, excluindo-os do

gênero advocacia e, particularmente, da advocacia pública), com as modificações

introduzidas por aquela mesma Emenda Constitucional, isso sem falar que

defendo, também, o posicionamento de que somente Lei Complementar pode

dispor sobre Defensoria Pública e sobre os Defensores Públicos, como quer a

Constituição Cidadã de Ulisses Guimarães (...e o Estatuto da OAB é uma lei

ordinária!).

Enfim, guardadas as proporções e os misteres inerentes a cada um, o

Defensor Público provoca a jurisdição tanto quanto o Promotor de Justiça, não

sendo, portanto, monopólio dos Advogados ou dos Advogados Públicos o ato de

provocar a jurisdição. Paralelo a tal verdade, temos que a Lei (Ordinária) nº 8906

(Estatuto da Advocacia), de 04 de julho de 1994, tem status inferior ao da Lei

Complementar Federal nº 80/94, sendo crível que podemos ainda melhor perceber

que tratam de atividades assemelhadas, mas em essência distintas, cada uma sujeita

a um regime constitucional e legal próprio.

Outrossim, como ficariam ainda o disposto no artigo 22, caput, e no artigo

23, do Estatuto da Advocacia, vez que é defeso ao Defensor Público receber

honorários, verbas de sucumbência ou qualquer outra remuneração pelo seu

serviço público senão os vencimentos a que por Lei faz jus? Ainda a propósito,

como ficaria o caput do mesmo artigo 5º suso referido quando cotejado com o

artigo 3º, § 1º, da mesma norma, vez que este último “inclui” os Defensores

Públicos dentre aqueles que exercem “advocacia”?

Sim, de fato, é sustentável, independentemente doutros elevados temas

tratados pela Emenda Constitucional nº 19/98, esta culminou também (de forma

objetiva e concreta ou mediata, não importa) por atribuir e corrigir uma questão

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que urgia fosse devidamente tratada, qual seja, a de que a atuação do Defensor

Público não tem as características da atuação do Advogado Público e, se é assim,

sendo também verdade que o regime da Defensoria Pública não nos permite mais

confundir a atuação do Defensor Público com a de um Advogado Público, fica

então passível de ser construída a conclusão de que o Defensor Público não

pratica ato de advocacia, mas ato de Defensoria, não sendo “Advogado

Público” mas “defensor” da “causa do público hipossuficiente ”, praticando um

ato, digamos, de “defensorar”, não estando mais, s.m.j., em situação fática a

comportar submissão do seu cotidiano profissional de dedicação exclusiva à

Defensoria Pública ao regime da OAB, até pelo fato de que este Defensor Público,

como dito, poderá (em tese) ter sido empossado e nunca ter pertencido aos quadros

da OAB!

Por fim, mesmo os Defensores Públicos mais antigos na carreira e que,

tendo direito adquirido por definição constitucional, podem exercer paralelamente

a advocacia privada, não se sujeitam à OAB por serem Defensores Públicos mas se

e apenas quando atuam, nesta hipótese, como advogados “privados” e nesta

qualidade.

Com isso, não fica difícil sustentar que o Defensor Público, ao atuar, não

pratica modalidade de “advocacia”, nem mesmo de “advocacia pública”, mas um

ato próprio e de uma modalidade que somente ele, Defensor Público, poderá

praticar, qual seja, aquele a que ora nos permitimos sustentar hoje como um “ato

de Defensoria Pública ”, como “advogado” da “causa do público

hipossuficiente”... estando a expressão “advogado” aqui empregada da forma mais

genérica possível., intercedendo na esfera jurídica a favor dos hipossuficientes...

E, em razão disso entendemos que este estudo tem lugar, por mais que

despretensioso seja, alvitrando apenas, só e tão-somente, argumentar criticamente,

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mas sem esgotar o assunto, temas tão sutis e relevantes, de modo que possa vir a

ser tratada a atuação do Defensor Público como um ato de uma categoria própria,

com nuances próprias e por defendermos que “justiça gratuita não é favor, é

direito”. (Rio de Janeiro, Dezembro/2002

Direitos Autorais registrados)

([email protected] e [email protected])

---------------------------------------------------------------------------------------------------------

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MORAES, Humberto Peña e José Fontenelle Teixeira da Silva (in Assistência

Judiciária: Sua Gênese, Sua História e a Função Protetiva do Estado”, 2 ª ed., Rio de

Janeiro, ed. Liber Juris, 1984).

DEVISATE, Rogério dos Reis – “Acesso à Justiça – Problema de Essência: A

Defensoria Pública como a Solução Constitucional para os Hipossuficientes”

(“Tese Aprovada à unanimidade no V Congresso Brasileiro de Advocacia Pública”,

evento realizado pela OAB / SP e pelo IBAP, de 14 a 17 de junho de 2001, e publicada

no livro “Acesso à Justiça”, ed. Lumen Juris, 2002, organizado por Raphael A. Sofiati

de Queiroz, p. 263/290)

DEVISATE, Rogério dos Reis - “A Defensoria Pública e a Globalização do

Empobrecimento” (Revista de Direito da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, nº 16,

julho de 2.000, editada pelo nosso Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública

Geral do Estado do Rio de Janeiro)

Lei Complementar Federal nº 80/94;

Lei Ordinária Federal nº 8.906/94,

Constituição Federal de 1988

PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 00173/1995 (transformada na Emenda Constitucional nº 19/98)

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Page 18: Artigo. Categorização. Rogério dos Reis Devisate

Emenda Constitucional nº 19/98

Constituição do Estado do Rio de Janeiro

Lei Complementar (RJ) nº 06/77

Lei Complementar (RJ) nº 95/2000

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