artigo - a boa vida segundo joão calvino - cristina
DESCRIPTION
Boa Vida Segundo João Calvino - CristinaTRANSCRIPT
A BOA VIDA PARA O CRISTÃO NA COSMOVISÃO DE CALVINO
Cristina Ferreira Ramos1
RESUMO:
A boa vida não deve ser confundida com o padrão de vida,
uma medida que quantifica a qualidade e quantidade de
bens e serviços disponíveis. João Calvino,2 defendia a tese
de que: Uma vida condigna - a boa vida- podia ser usufruída
por um Cristão, independente de nível social ou cultura,
desde que observasse quatro princípios extraídos da Palavra
de Deus: O desprendimento; a resignação; a mordomia e a
vocação. Em sua obra Institutas3 ele apresenta os
argumentos para essa tese.
PALAVRAS – CHAVE: Boa vida, Calvino, Cosmovisão.
INTRODUÇÃO:
O conceito de boa vida – nas Ciências Sociais - está
diretamente ligado à cultura e mais precisamente aos
valores que norteiam o comportamento das pessoas de um
determinado povo ou nação. Isso significa que o conceito
varia de uma cultura para outra. A boa vida não deve ser
confundida com o padrão de vida, uma medida que
1 Bacharel em Teologia e Administração, especialista em Docência do Ensino Superior e
Teologia Bíblica; mestranda em Divindade 2João Calvino (Noyon, 10 de julho de 1509 — Genebra, 27 de maio de 1564). Foi
um teólogo cristão francês. Calvino teve uma influência muito grande durante a Reforma Protestante, uma influência que continua até hoje. Portanto, a forma de protestantismo que ele ensinou e viveu é conhecida pelo nome calvinismo, embora o próprio Calvino tivesse repudiado contundentemente este apelido. Esta variante do protestantismo viria a ser bem sucedida em países como a Suíça (país de origem), Países Baixos, África do Sul (entre os africânderes), Inglaterra, Escócia e Estados Unidos. 3 CALVINO, João. As Institutas, Campinas/São Paulo, SP. Luz para o Caminho/Casa Editora
Presbiteriana, (1985-1989), III
quantifica a qualidade e quantidade de bens e serviços
disponíveis em uma determinada sociedade.
O conceito de boa vida – para Calvino4 - está diretamente
ligado à Palavra de Deus e não varia de acordo com os
valores e crenças de cada cultura. Antes, provoca mudanças
nas crenças e valores fazendo com que o comportamento
das pessoas em quaisquer culturas reflita os valores do
Reino de Deus contidos em sua Palavra.
Para João Calvino, A boa vida consiste em fundamentar todas
as áreas do viver cristão em quatro princípios extraídos da
Palavra de Deus: O desprendimento; a resignação; a
mordomia e a vocação. Em sua obra Institutas5 ele apresenta
os argumentos para essa tese.
1 – A BOA VIDA OU O VIVER CONDIGNO.
Calvino aborda esse tema nas Institutas. .6 O uso da vida e
de seus recursos deve ser pautado pelas Escrituras. A Bíblia
deve ser usada como uma lente para ver e ler o mundo. A
visão Bíblica da vida presente e futura deve levar o Cristão a
um andar equilibrado, onde o prazer desenfreado e a
abstinência extrema são excluídos de suas práticas. Esse
equilíbrio garante o uso apropriado dos bens da vida
proporcionando ao Cristão um coração cheio de ações de
graças e uma vida que glorifica a Deus – a Boa Vida.
A primeira visão de mundo que deve nortear as crenças e os
valores de um Cristão é a consciência de que ele é um
peregrino nessa terra marchando para o reino celestial. Hb.
11.8-10, 13-16; 13.14. Como Peregrino, o usufruto dos bens
para sua necessidade ou prazer, assumirá uma nova
dimensão. A necessidade e o prazer de um Peregrino são
diferentes da necessidade e prazer de um Doméstico. Por
isso, não é sem razão que o Apóstolo Paulo em sua carta
aos Coríntios diz: (...) usar deste mundo de modo que é como
se dele não usássemos, e que se devem adquirir as posses com
a mesma disposição de ânimo com que são vendidas. [1Co
7.30, 31]. Segundo Calvino, o principio correto no uso das
coisas é servir-se delas conforme o fim e na medida a que se
destinam, segundo a necessidade que se tenham e o deleite
4 CALVINO, João. As Institutas. Edição Clássica. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. 2. ed.
vol. 3, pp. 295-296) 5 CALVINO, João. As Institutas. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana. 1989 III.
6 http://www.josemarbessa.com/2015/01/o-oculos-de-joao-calvino.html.
que proporcionam. Um exemplo disso é a criação dos
alimentos. A finalidade da criação dos mesmos – no que diz
respeito aos Homens - é proporcionar a energia necessária
para a vida e o trabalho. O uso adequado dos alimentos pelo
ser humano vai garantir uma vida saudável, longa e ativa.
Por outro lado, o uso inadequado dos alimentos trará
doenças que por fim abreviarão sua vida sobre a terra.
2 – O DESPRENDIMENTO E A BOA VIDA.
Segundo Calvino, a primeira regra para ter uma boa vida é
fazer uso de tudo com desprendimento, sem afetação e
ostentação, na perspectiva da vida celestial7. O
desprendimento dos bens, sejam eles materiais ou não, faz
com que o Cristão usufrua de uma vida sem artificialidades
e necessidade de ser admirado. O desprendimento também
possibilita o Cristão a ter um comportamento que não
valoriza a exibição de riquezas e qualidades pessoais. Não
há uma procura constante por aceitação pessoal. O
desprendimento faz com que os bens e dádivas divinas
sejam utilizados nessa vida como meio que possibilita um
fim e não como um fim em si mesmo. Se não houver
desprendimento os bens tornam-se entraves e pedras que
dificultarão a caminhada para a vida celestial e
consequentemente o Cristão não usufruirá da Boa Vida
ainda nessa terra.
A perspectiva da vida celestial é a meta do Cristão e essa
visão bíblica da vida faz com que suas crenças e valores se
harmonizem com a Palavra. O Cristão aprende a ver a vida
como a Palavra diz que a vida deve ser vista e isso faz com
que o seu Espírito entre em uma comunhão profunda com o
Pai.
3 – A RESIGNAÇÃO E A BOA VIDA.
A resignação pode ser definida como a ação de aceitar em
paz – sem revoltas - as dores ou sofrimentos da vida. Essa
capacidade de suportar as dificuldades e voltar ao seu
estado natural após situações de crise é definida hoje pela
psicologia como Resiliência. A resignação descrita por
Calvino assemelha-se muito mais ao conceito atual de
7 CALVINO, João. As Institutas. Edição Clássica. São Paulo: Cultura Cristã, 2006. 2. ed.
vol. 3
resiliência do que a visão de alguém sofrendo e sendo
vencido pela situação de crise; principalmente porque ele
ressalta que a pessoa está em paz.
Suportar em paz as privações da pobreza significa aprender
a viver com poucos recursos mantendo o coração em paz,
com ações de graças. Segundo Calvino, essas privações tem
o objetivo de treinar o Cristão para viver a vida cristã
independente da quantidade de bens que se possui. Se o
cristão não aprender a viver com as privações da pobreza,
certamente não saberá viver com a abundância da riqueza.
A cobiça é o principal adversário para o Cristão que está
sendo treinado na Escola da Privação. Ela será sempre um
inimigo a ser vencido. Por outro lado, a altivez de espírito e
a soberba são os inimigos ferrenhos dos que não estão
preparados para administrar a fartura concedida pelo
Senhor. O apóstolo Paulo aprendeu essa lição e deixou seu
exemplo registrado em sua carta aos Filipenses no capitulo
4, versos de 10 a 13. “10
Alegrei-me, sobremaneira, no Senhor porque,
agora, uma vez mais, renovastes a meu favor o
vosso cuidado; o qual também já tínheis antes,
mas vos faltava oportunidade. 11
Digo isto, não
por causa da pobreza, porque aprendi a viver
contente em toda e qualquer situação. 12
Tanto
sei estar humilhado como também ser honrado;
de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho
experiência, tanto de fartura como de fome;
assim de abundância como de escassez; 13
tudo
posso naquele que me fortalece.8 “
A privação e a fartura são Escolas onde o caráter do cristão
está sendo moldado. A grande lição a ser aprendida é o
desprendimento de ambas – com o coração repleto de paz e
alegria em Deus. O cristão – na privação ou na fartura – tem
de manter o foco na vida celestial. Somente assim ele terá
uma Boa vida em seu período de peregrinação na terra.
4 – A MORDOMIA E A BOA VIDA.
A vida e os recursos disponibilizados para cada Cristão
foram outorgados por Deus e em sua benignidade,
8Sociedade Bíblica do Brasil: Almeida Revista E Atualizada. Sociedade Bíblica do
Brasil, 1993; 2005. S. Fp. 4:13
destinados ao suprimento de suas necessidades físicas,
emocionais e espirituais. A vida e os recursos pertencem ao
Senhor e o cristão um dia haverá de prestar contas do uso
que fez de ambos. “Dá conta de tua mordomia”[Lc 16.2]9.
Segundo Calvino é necessário que o cristão tenha em mente
que tudo que é necessário para se viver uma boa vida foi
outorgado pelo Senhor. E o uso da vida e de seus recursos
deve ser feito com abstinência, sobriedade, frugalidade, e
moderação. Deve ser evitado o luxo, a soberba, a
ostentação, e a vaidade. A gestão da vida e dos recursos
disponibilizados deve ser orientada pela caridade e pelo
desprendimento.
A consciência de que a vida e seus recursos são de
propriedade Divina coloca o cristão na função de Mordomo
dos bens outorgados por Deus. E o que é ser um mordomo
de Deus? Segundo Lopes,10É aquele que é incumbido da
direção da casa, o administrador. Ele não é dono, mas o dono
da casa lhe confia tudo o que tem para ser cuidado e
desenvolvido: terras, dinheiro, joias, esposa, filhos,
alimentação da família e administração de suas riquezas.
Quando o mordomo se sente dono dos bens do seu senhor, ele
trai o seu senhor. Quando o mordomo deixa de cuidar com
zelo e fidelidade dos bens do seu senhor, ele torna-se infiel.
Deus como o dono e sustentador do universo nos delegou
essa função. A função do homem é de mordomo e não de
proprietário. 11Gn 2:15-17: “Tomou, pois, o Senhor Deus ao
homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o
guardar.
Somente exercendo a função de mordomo e tendo
consciência de que não é o proprietário de sua vida nem dos
recursos que lhe foi disponibilizado o cristão pode usufruir
da Boa vida.
5 – A VOCAÇÃO E A BOA VIDA:
Por último, Calvino defende que a vocação – ao lado do
desprendimento, da resignação e da mordomia – faz parte
do conjunto de princípios necessários ao cristão que almeja
9 Sociedade Bíblica do Brasil: Almeida Revista E Atualizada. Sociedade Bíblica do
Brasil, 1993; 2005. S. Lc. 16.2 10 http://hernandesdiaslopes.com.br/2004/08/o-que-significa-ser-um-mordomo-de-deus/ 11 Sociedade Bíblica do Brasil: Almeida Revista E Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 1993; 2005
usufruir da Boa vida. Nesse caso, Calvino define como
vocação o modo de vida que foi atribuído – pelo Senhor – a
cada um. Como se fosse um posto de serviço, que definiria
sua forma de viver. Deus ordenou a cada um seus deveres
em gêneros distintos de vida.
A vocação pode ser entendida como uma inclinação, uma
tendência ou habilidade que leva o indivíduo a exercer uma
determinada carreira ou profissão. Também pode ser vista
como uma competência que estimula as pessoas para a
prática de atividades que estão associadas aos seus desejos
de seguir determinado caminho. Por extensão, vocação é
um talento, uma aptidão natural, um pendor, uma
capacidade específica para executar algo que vai lhe dar
prazer. Deus concedeu habilidades e dons específicos para
que o homem pudesse exercer funções em sociedade, para
glória do seu nome. O cristão deve atentar para a vocação
que lhe foi dada pelo Senhor. Uma das formas de identificar
essa vocação é conhecer a si mesmo, os dons e habilidades
que possui.
A consciência de que a vocação vem do Senhor fará com que
o cristão seja impelido ao agir correto em todas as coisas.
Independente de ser visto ou não por outras pessoas, ele
sabe que deverá reportar-se ao Senhor que tudo vê e que
todos os dons e recursos concedidos, devem ser usados
para glória de Deus.
Enfim, os princípios bíblicos para uma Boa vida são: o
desprendimento, a resignação, a mordomia e a vocação. A
aplicação desses princípios proporciona ao cristão o
equilíbrio diante das adversidades, a capacidade de
suportar as intempéries da vida – sem deformar, o uso
adequado dos bens e recursos ofertados por Deus. e faz
com que o foco e o objetivo da Boa vida sejam cumpridos de
forma plena: A glória de Deus.