joao calvino salmos volume 2

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    COMENTRJO A

    SagradaEscritura

    V elho T estamento

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    Q j- jzo dos,

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    Edio baseada na traduo para o ingls do Rev. James Anderson,Volume 2, publicada por Baker Book House,

    Grand Rapids, Michigan, U.S.A.

    I a edioem portugus, So PauloSP, 1999Tiragem - 3.000 exemplares

    Jos Andr

    EditoraoEline Alves Martins

    CapaEline Alves Martins

    Rua Cllia, 1254 cj. 5B Vila Romana05042-000 So Paulo-SP Brasil

    Fone/Fax: (011) 263-5123

    e-mail: parac @mandic. com. br

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    Salmo 3 1 ......................................................................................... 11Salmo 3 2 .........................................................................................37Salmo 3 3 ......................................................................................... 55Salmo 34 ........................................................................................ 75Salmo 35 ........................................................................................95Salmo 36 ...................................................................................... 120Salmo 37 .......................................................................................135

    Salmo 38 .......................................................................................175Salmo 39 .......................................................................................195Salmo 40 ...................................................................................... 214Salmo 4 1 .......................................................................................239Salmo 4 2 ....................................................................................... 255Salmo 4 3 ....................................................................................... 273Salmo 4 4 ....................................................................................... 278Salmo 4 5 .......................................................................................304Salmo 4 6 .......................................................................................327Salmo 4 7 .......................................................................................339Salmo 4 8 ....................................................................................... 351Salmo 4 9 .......................................................................................370Salmo 5 0 ...................................................................................... 395Salmo 5 1 ....................................................................................... 421Salmo 5 2 ....................................................................................... 451

    Salmo 5 3 .......................................................................................462

    Pre fcio Traduo B ra s ile ir a .................................................................. 07

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    Salmo 54 ...................................................................................... 464Salmo 55 .......................................................................................471

    Salmo 56 ...................................................................................... 492

    Salmo 5 7 ..................................................................................... 506

    Salmo 58 .......................................................................................515

    Salmo 59 ...................................................................................... 528

    Salmo 6 0 ............................................... ....................................... 545

    Salmo 6 1 .......................................................................................560

    Salmo 6 2 .......................................................................................568

    Salmo 63 ...................................................................................... 586Salmo 6 4 .......................................................................................598

    Salmo 65 .......................................................................................605

    Salmo 66 .......................................................................................621

    Salmo 6 7 ....................................................................................... 635

    Salmo 6 8 .......................................................................................639

    ndice

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    Traduo Brasileira

    Oprofessor mile G. Lenard em longas e amveis conversas

    pessoais tentou orientarme no rigor da pesquisa histrica: con-versas mesa do hotelresidncia em que fui tantas vezes seu co-mensal; ou na residncia pastoral de Santos onde minha mulher e euhospedvamos a ele e a Mme. Lenard; ou nas tertlias da Socieda-de de Estudos Histricos da velha Faculdade de Filosofia, rua MariaAntnia, onde ele conseguiu reunir jovens professores mais tardefamosos na USP; pastores como J. C. Motta e eu; leigos protes-

    tantes como Odilon Nogueira de Mattos (ento secretrio da Facul-dade), e um ou outro de seus alunos na USP que nascia.Foi com ele, ao longo dessa graduao informal, que aprendi a

    ver a Histria, no como bola de cristal que prev o futuro, mascomo roteiro para entender o presente.

    Foi tambm ele que ento me abriu os olhos para a importn-cia, j ento, do movimento pentecostal no Brasil; dinmico e po-

    pular, o pentecostalismo alastravase com seus dois grupos maiores,a Congregao Crist do Brasil e as Assemblias de Deus.Lenard entendia que na sociedade brasileira processavase desde

    o sculo XIX at esses dias uma reforma na religio. Reforma noidntica europia do sculo XVI em sua manifestao social, mascom extraordinrias semelhanas: aqui, como l (e especialmente naFrana), a Reforma era abraada por integrantes da pequena no-

    breza e pequena classe mdia tanto rural como urbana; aqui, como

    7

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    PrefcioTraduo B rasileira

    l, a reforma brotava em bolses de piedade catlica romana lei-ga. Diversamente de l, aqui nobreza e clero no aderiram refor-ma apesar da simpatia de alguns e da neutralidade quase cmplicede D. Pedro II; quem aderiu foram damas, como Da. Maria Ant

    nia, filha de baro; as filhas do Comendador Barros, latifundirio emagnata do caf; duas senhoras da parentela de Honrio Hermeto,a gente Paranagu, de Correntes, Piau e outros. Casos importantes,mas isolados. E nem aderiram vigrios e padres, exceto um tantotarde: Jos Manuel da Conceio teve a simpatia de alguns deles,mas veio s, ficou s e morreu s. Padres (alguns, e de valor) vieram

    depois, quando as igrejasdereforma j estavam estruturadas no mo-delo missionrio. Aqui, como l, a reforma nasceu com a Bblia e tevecaractersticas discretas de reavivamento espiritual sem barulheira. Masaqui, como l, a emotividade, quando intensa, deu em iluminismo,como no caso do primeiro cisma, o do Dr. Miguel Vieira Ferreira naIgreja do Rio.

    O galicismo do professor repontava, pareciame ento, em ob-servaes que diplomaticamente fazia ausncia em ns de conhe-cimento direto de Calvino; e quando eu lhe objetava com West-minster e Hodge o professor sugeria que talvez houvesse ali tra-os de escolstica calvinista, e no devamos tambm cultivar Cal-vino propriamente dito?

    E mais de uma vez o historiador do protestantismo brasileirome afirmava que s denominaes tradicionais, e particularmente presbiteriana, poderia caber a misso histrica de oferecer estrutu-ra bblica nosectria aos nossos iluministas; pois assim o movi-mento deles que com dinamismo atingia grupos menos privilegia-dos da sociedade brasileira teria solidez para enfrentar a histria.

    Mais tarde ao ler sua Histoire du Protestantisme creio que o en-

    tendi melhor e afinal, na teologia apologtica de F. Turretini (quefoi bsico na elaborao da Teologia de Princeton, a qual modelounossos primeiros missionrios), vi mais claramente a distino entreescolstica calvinista (valiosa) e Joo Calvino (inestimvel)'.

    Tentei aplicar as concluses do sbio francs (e presbtero re-gente) ao eclesistica.

    Propus comisso do Centenrio que convidssemos tambmos pentecostais para nossa campanha; a Congregao Crist, origi

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    nria de uma igreja presbiteriana italiana de Chicago e com traosde calvinismo, escusouse; mas vieram Assemblias de Deus, paraespanto de nossa gente e proveito nosso e deles.

    Tentei tambm administrar uma traduo da Institutio, ou de suatraduo em francs quinhentista feita pelo prprio Calvino; no fuibem sucedido e os poucos de ns que queriam (e querem) ir a Calvi-no tiveram de continuar com a excelente traduo castelhana, ou como prprio tradutorCalvino (edio Belles Lettres, 1936); quanto amim, fui feliz: o francs quinhentista da traduo feita por Calvino lmpido, cristalino e elegante; mais tarde comprei em antiqurio de

    Amsterd a edio latina de 1561 na qual, vez por outra, caminho aosesbarres, com o velho Santos Saraiva mo. (A traduo norte ame-ricana a que tnhamos acesso era bastante pedregosa.)

    Mas Calvino continuava pouco acessvel ao entendimento e instruo espiritual do pblico de lngua portuguesa.

    Participei da criao do Seminrio Jos Manuel da Conceiocom seu curso de mestrado teolgico; ali se fez uma escola de teolo-gia reformada calviniana.

    E o grande pblico continuava jejuno do gnio da Reforma quefoi Joo Calvino.

    Ora pois. Eis que a providncia Divina chama o rev. Valter Graciano Martins para traduzir Calvino, e dlhe um grupo dedicado decompanheiros para editar suas tradues. Comea pelos Comentrios, e faz bem: neles esto o Calvinoreformador; o Calvinopastor; oCalvinotelogo; o Calvinoexegeta e, sempre, como em quanto es-creveu, o Calvinoartista da palavra escrita, com sua limpidez gaule-sa. Calvino escrevia com naturalidade, sem preciosismos provincia-nos e sem arrevezamentos e obscuridade.

    A traduo feita de uma boa traduo inglesa; quando o sen-tido pode ser melhor entendido em francs, ou em latim, esse tradu-tor coloca ao p da pgina o texto francs ou, se necessrio, o latino;o rev. Valter Graciano Martins mantm essas notas.

    Graciano dnos Calvino simples, natural: sua traduo no um labirinto, clara fonte; descobrimos encantados que ler Calvino

    em portugus , alm do mais, agradvel.Quanto ao Comentrio dos Salmos,no vejo necessidade de alon-

    PrefcioTraduo B rasileira

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    garme pois tambm temos neste volume o prefcio traduo in-glesa, suficiente.

    Bastenos anotar um bvio que algum poderia no apreender:

    Calvino escreveu antes que a Alta Crtica, to alrgica a admitirelemento sobrenatural na Revelao Especial de Deus ao Homem,tivesse entulhado o caminho de comentaristas e ensastas com umafico cientfica s avessas.

    Mesmo comentadores eruditos e perfeitamente evanglicos sesentem hoje obrigados a comentar o Velho Testamento com p namo para remover o entulho acumulado em quase dois sculos porcrticos secularistas, e a leitura acaba sendo cansativa e tediosa; al-gum deveria contarlhes que o rei est nu, e que fico no cincia.

    Contudo, Calvino d a ateno devida tessitura histrica queenvolve cada Salmo, quando h dados suficientes; a peculiaridadesda lngua hebraica, quando o caso; a velhas tradues, quandopertinente; a contribuio de Pais e Doutores, quando oportuna:

    Calvino exegeta competente e erudito; e crente em Jesus Cristo:sabe que qualquer texto da Palavra de Deus se entende no contextode toda a Palavra de Deus.

    Que o pblico de lngua portuguesa apreciar esta traduo,no h dvida.

    Desejamos que nosso bom tradutor continue, com a graa do

    Senhor.

    So Paulo, Natal de 1998

    Boanerjjes Ribeiro

    PrefcioTraduo B rasileira

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    ma vez se vendo livre de um grande perigo, ou, melhor, de muitos peri-gos, Davi antes de tudo relata as oraes que oferecera a Deus em meio aos

    terrores da morte. Ele ento acrescenta suas aes de graas, as quais de forma alguma eram por ele subestimadas, porquanto celebra seu livramento em grandeextenso, c exorta a todos os santos a nutrirem boa esperana, j que tinham neleo mais excelente e memorvel exemplo da benevolncia divina.

    Em ti, Jehovah, tenho depositado minha confiana, jamais seja eu envergonhado; livra-me em tua justia. Inclina para mim teus ouvidos, livra-me depressa; separa mim um rochedo forte, uma casa de defesa queme salve. Pois tu s minha rocha e minha fortaleza; e, por amor de teunome, guia-me e encaminha-me.1Tira-me da. rede que para- mim esconderam; pois tu s minha fora.

    1. Em ti, Jehovah, tenho depositado minha confiana.Alguns so de opinio que este Salmo foi composto por Davi de-pois de ter inesperadamente escapado do deserto de Maon. A issono fao objeo, ainda que no passe de duvidosa conjetura. Cer-tamente, Davi celebra um ou mais de seus perigos mais graves.

    1 Ou, adresse moy et conduy: n.tn.f. Ou, dirigeme e guiame.

    ^ Ao regente de msica,. Salmo de Davi.

    [w. 1-4]

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    Salmo 31

    Logo no incio ele nos diz que tipo de orao ofereceu em suaagonia e aperto; e sua linguagem bafeja afeto da mais ardente na-tureza. Ele a usa como base da esperana que depositava no Se-

    nhor ou que continuava a confiar nele; pois o verbo no pretritoparece denotar um ato contnuo. Ele mantm como um princpio,o fato de que a esperana que depende de Deus no possvel serfrustrada. Entrementes, vemos como ele nada apresenta que noseja unicamente pela f, pressagiando seu livramento s porqueest persuadido de que seria salvo pelo socorro e favor de Deus.

    Como, porm, esta doutrina j foi explanada, e ainda ocorrercom alguma freqncia, presentemente ser suficiente um relan-ceio sobre ela. Oh! se todos ns, na prtica, ao aproximarmonosde Deus, fssemos capazes de declarar como Davi de que nossasoraes procedem desta fonte, ou seja, da inabalvel persuaso deque nossa segurana depende do poder de Deus. A partcula indi-

    cativa,para sempre,pode ser explicada de duas formas. Como Deuss vezes subtrai seu favor, o significado no pode impropriamenteser: Embora no momento me veja privado de teu socorro, todaviano me expulsaste definitivamente, ou para sempre. E assim Davi,desejando munirse de pacincia contra suas tentaes, traa um

    contraste entre dois fatos: viver em aflio por algum tempo epermanecer nesse estado de confuso.2 Mas se algum preferir en-tender as palavras de Davi neste sentido: Sejam quais forem asaflies que me sobrevenham, esteja Deus disposto a socorrermee de vez em quando estenderme sua mo, segundo a situao orequeira, eu no rejeitaria tal significado como inferior ao outro.

    Davi deseja ser entregue h justia divina, visto que Deus manifestasua justia, pondo em ao sua promessa feita a seus servos. E umraciocnio por demais refinado asseverar que Davi, aqui, recorre

    justia que Deus graciosamente comunica a seu povo, visto quesua justia pessoal, com base nas obras, de nenhum valor. Ainda

    2Ferait une antithese entre ces deux choses, Estre en destresse pour un temps, et demeu-rer confus. -v.f.

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    Salmo31 [w. 13]

    mais fora de propsito a opinio daqueles que concluem queDeus preserva os santos de conformidade com a justia deles; equi-vale dizer, uma vez tendo eles agido de forma to meritria, a

    justia requer que recebam seu galardo. E fcil de se perceber, luz do freqente uso do termo nos Salmos, que a justia de Deussignifica sua fidelidade, no exerccio da qual ele defende todo aqueleque se entrega sua guarda e proteo. Davi, pois, confirma suaesperana com base na natureza de Deus, que no pode negarse asi mesmo e que perenemente continua sendo ele mesmo.

    2. Inclina para mim teus ouvidos. Estas palavras expressamcom quanto ardor a alma de Davi se animava a orar. No afetaqualquer aparato ou ornato de linguagem, como os retricos sedeleitam em fazer; simplesmente descreve com figuras prprias aveemncia de seu desejo. Ao orar para que fosse libertado depressa,demonstrava a agudeza do perigo que o cercava, como se quisesse

    dizer: Logo todos se assenhorearo de minha vida, a no ser queDeus se apresse em socorrerme. Com as palavras, casa de defesa,

    fortalezae rocha, ele notifica que, sendolhe impossvel resistir a seusinimigos, sua esperana repousa unicamente na proteo divina.

    3. Porque tu s minha rocha. Este versculo pode ser lido

    como uma nica orao, assim: Visto que tu s uma torre que medefende, ento por amor de teu nome dirigeme e guiame duran-te toda minha vida. E assim a conjuno, como em muitos casossimilares, seria suprflua. Quanto a mim, porm, prefiro um sen-tido distinto, a saber: que Davi, ao exclamar esta reflexo, se ani-ma no s a orar com intensidade, mas tambm a nutrir confiante

    esperana de obter o que solicita. Sabemos, em todos os casos,que um hbito dele misturar tais elementos em suas oraes,como se quisesse remover suas dvidas e confirmar sua certeza.Havendo, pois, expresso sua necessidade, ele se assegura, com ofim de encorajarse e animarse, de que sua orao, com toda cer-teza, receber uma resposta feliz. Ele havia dito: S tu minha forte

    rocha e minha fortaleza-, e agora adiciona: Com toda certeza tu sminha rocha e minha fortaleza-, notificando que no emitira estas

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    [vv. 3, 4] Salmo31

    palavras temerariamente, como fazem os incrdulos que, emboraestejam acostumados a exigir muito de Deus, so mantidos emsuspenso pelos eventos terrveis e incertos. Deste fato ele extrai

    outro encorajamento, a saber: que ter Deus por seu guia e lderdurante todo o curso de sua vida. Ele usa dois termos:gu ia r eencaminhar, para expressar a mesma coisa, e faz isso (pelo menosassim o explico) por conta dos vrios acidentes e das vicissitudesdesiguais pelas quais os homens vivem e so provados, como sequisesse dizer: Se tenho de subir s montanhas mais ngremes ou

    labutar por regies speras ou andar entre os espinheiros, confioque sers o meu Guia constante. Alm do mais, como os homenssempre encontram em si mesmos motivos para dvida, caso olhempara seus prprios mritos,3 Davi expressamente pede a Deus quese convena a socorrlopor amor de seu prprio nome, ou em con-siderao sua prpria glria, visto que, propriamente falando,

    no existe nenhum outro motivo que o induza a socorrernos. Epreciso, pois, ter em mente que o nome de Deus, que se ope atodo e qualquer mrito [humano], a nica causa de nossa salva-o. No versculo seguinte, sob a metfora de uma rede, tudo indi-ca que ele est a designar as ciladas e artifcios com que seus inimi-

    gos o enredavam. Sabemos que se engendravam freqentes cons-piraes contra sua vida, as quais no lhe deixavam lugar algumde escape; e como seus inimigos eram profundamente hbeis emmatria de sagacidade, e odiavamno com inconcebvel furor, eardentemente buscavam sua destruio, eralhe impossvel desven-cilharse deles por qualquer poder humano. Por essa razo ele cha-

    ma Deus minha fora\ como se quisesse dizer: Unicamente ele suficiente para desmantelar todas as ciladas nas quais ele v seuaflito povo enleado.

    [w. 5-8]Em tua mo encomendo meu esprito, pois me redimiste, Jehovah, Deusda verdade! Odeio todos quantos se entregam a vaidades enganosas; eu,

    3 Si les hommes regardent leur dignite. v.f.

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    Salmo31

    porm, tenho confiado em Jehovah. Alegrar-me-ei e me regozijarei emtua bondade, pois tens considerado minhas aflies; tens conhecido minhaalm a nas angstias. E no me confinaste na mo de meu inimigo;*puseste meus ps num lugar espaoso.

    5. Em tua mo encomendo meu esprito. Davi umamais declara sua f em Deus e afirma que nutria pensamentos toelevados acerca da providncia divina, que depositava sobre elatodas as suas preocupaes. Todos quantos se pem nas mos deDeus e se confiam sua proteo, no s o constituem o rbitro

    da vida e da morte, mas tambm serenamente passam a dependerdele para sua proteo em meio a todos os perigos que porventuraenfrentem. O verbo est no tempo futuro: encomendarei, e in-questionavelmente denota um ato contnuo, e portanto apropri-adamente traduzido no tempo presente. E preciso igualmenteobservar que no possvel que algum encomende sua vida a

    Deus com sinceridade, seno aquele que se considera exposto amilhares de mortes e cuja vida pende por um fio, ou que em quasenada difere da brisa que passa de repente e se esvai. AchandoseDavi assim ao ponto de desespero, nada tem a fazer seno isto:seguir seu caminho, confiando em Deus como o guardador e go-vernador de sua vida. E espantoso que, embora muitas coisas afli-

    jam a todos ns, dificilmente encontramos um em cem que sejato sbio ao ponto de encomendar sua vida s mos divinas. Mul-tides vivem dia a dia to eufrica e displicentemente como seestivessem deitadas em quietas redes, isentas de toda perturbao;to logo, porm, encontrem algo que as terrifique, se sentem como

    se a angstia as destrusse. Assim sucede que nunca se rendem aDeus, seja porque se iludem com vs iluses, gabandose de quetudo lhes ir bem,5ou porque se sentem to estremecidos de medo,

    4 Dr Geddes observa que esta a traduo literal dos termos hebraicos; mas, diz ele,como as proposies negativas em hebraico amide so equivalentes em sentido para

    opostos positivos, julguei ser melhor usar um equivalente como mais favorvel ao queprecede e procede. Sua traduo : Resgatame da mo de meu inimigo.5 Se faisans croire que de leur faict ce ne sera que triomphe. v.f.

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    Salmo31

    e to petrificados com espanto que no nutrem qualquer alento deentregarse ao seu cuidado paterno. Alm do mais, quando as v-rias tempestades de tristeza nos perturbam e at mesmo s vezes

    nos lanam de ponta cabea, ou nos desviam da reta vereda dodever, ou no mnimo nos arrancam de nosso posto, o nico ant-doto que existe para acalmar tais coisas considerar que Deus,que o Autor de nossa vida, tambm seu preservador. Este, pois, o nico meio de aliviar todas as nossas cargas e impedirnos desermos tragados por tantas preocupaes. Visto, pois, que Deus

    se condescende em tomar cuidado de nossa vida e de suportla,embora seja ela amide exposta a diversas sortes de morte, apren-damos sempre a buscar refugio em seu asilo; no s isso, mas quan-to mais algum se v exposto aos perigos, mais se exercita a medi-tar criteriosamente em seu zelo por ns. Em suma, que seja estenosso escudo contra todos os perigosos ataques nosso cu em

    meio a todas as agitaes e tempestades , a saber, embora nossasegurana esteja alm de toda e qualquer esperana humana, Deus o fiel guardio dela; e que isso tambm nos desperte orao,para que ele nos defenda e garanta nosso livramento. Tal confian-a levar igualmente cada pessoa a desincumbirse de seu devercom otimismo, bem como a lutar constante e destemidamente at

    que termine sua peregrinao. Como possvel que tantos sejamindolentes e indiferentes, enquanto que outros perfidamente ne-gligenciam seu dever, seno porque, jungidos pela ansiedade, soterrificados pelos perigos e inconvenincias, sem deixar espao al-gum para a operao da providncia divina?

    Concluindo, quem quer que no confie na providncia divi-na, bem como no encomende sua vida fiel diretriz dela, aindano aprendeu corretamente o que significa viver. Em contraparti-da, aquele que confiar a guarda de sua vida ao cuidado divino, noduvidar de sua segurana mesmo em face da morte. Devemos,pois, depositar nossa vida nas mos divinas, no s para que Deus

    a conserve em segurana neste mundo, mas tambm para que ele apreserve da destruio da prpria morte, como o prprio exemplo

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    Salmo31

    de Cristo nos tem ensinado. Da forma como Davi desejava ter suavida prolongada em meio aos perigos mortais, assim Cristo en-frentou esta vida transitria para que sua alma fosse salvaguardada

    na morte. Portanto, esta uma orao geral, na qual os fiis enco-mendam suas vidas a Deus, primeiro para que ele os proteja pelainstrumentalidade de seu poder, sempre que se vem expostos aosperigos deste mundo; e, em segundo lugar, para que os preserve asalvo na sepultura, onde nada se v seno destruio. Devemosigualmente assegurarnos de que no somos esquecidos de Deus,

    quer na vida quer na morte; porquanto os que Deus protege comseu poder at o trmino de sua jornada, por fim os recebe em seuseio quando morrem. Esta uma das principais passagens da Es-critura luz da qual podemos com mais eficcia corrigir nossaincerteza. Ela nos ensina, em primeiro lugar, que os fiis no de-vem atormentarse acima da medida com infelizes preocupaes e

    ansiedades; e, em segundo lugar, no devem viver to dominadospelos temores ao ponto de cessarem de realizar seus deveres; nemdefinhar e desfalecer de tal maneira ao ponto de se valerem de vsesperanas e de enganosos auxlios; nem dar vazo aos temores eaos estresses; e, por fim, que no temam a morte, a qual, aindaque destrua o corpo, no pode extinguir a alma. Este deveras deveser nosso principal argumento a fim de subjugar todas as tenta-es, a saber, que Cristo, ao encomendar sua alma a seu Pai, garan-tiu a proteo das almas de todo o seu povo. Estvo, pois, o invocapara que fosse seu guardador, dizendo: Senhor Jesus, recebe meuesprito [At 7.59]. Uma vez que a alma a sede da vida, ela, neste

    respeito, como se sabe muito bem, usada para significar a vida.Tu me redimiste. Alguns traduzem o pretrito, aqui, no fu-

    turo; em minha opinio, porm, sem qualquer fundamento. Poisa mim se faz evidente que Davi est aqui se animando a continuarem sua confiana em Deus, evocando a lembrana das provas deseu favor, o qual ele j havia experimentado.6 Estarmos plenamen-

    6 Horsley, embora sua traduo seja semelhante de Calvino: Tu me livraste, adota um

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    [vv. 5, 6] Salmo31

    te persuadidos de que Deus velar por nossa vida no um tnueconsolo para o futuro, porquanto ele j nosso libertador. Da ottulo pelo qual Davi reconhece a Deus. Ele o chama verdadeiroou

    fiel,porquanto cr que Deus continuar sendo para sempre o mes-mo em relao a ele, como sempre o foi. Conseqentemente, isto como se fosse um vnculo pelo qual ele unisse os benefcios divi-nos anteriores, os quais lhe conferiram confiana para a orao, eesperana de socorro no porvir; como se dissesse: Senhor, tu ques sempre o mesmo e no mudas tua mente como o fazem os

    homens, j provaste de muitas maneiras que s o defensor de mi-nha vida; agora, pois, confio minha vida s tuas mos, da qualtens sido o preservador. Aqui, o que Davi declara concernente sua vida temporal, Paulo transfere para a salvao eterna. Eu sei,diz ele, em quem tenho crido, e estou convicto de que ele podeguardar aquilo que lhe tenho confiado [2Tm 1.12]. E com certe-

    za, se Davi extraiu tanta confiana do livramento temporal, mui-tssimo perverso e ingrato de nossa parte se a redeno adquiridapelo sangue de Cristo no nos munir de invencvel coragem con-tra todos os inventos de Satans.

    6. Odeio todos quantos se entregam a vaidades enga

    sas. Com o fim de melhor expressar que sua f estava inabalavel-mente firmada em Deus, ele afirma que estava livre das vis conta-minaes que geralmente desviam nossas mentes de Deus, e sobas quais os incrdulos, em sua maioria, laboram. Pois sabemosque, ao contrastaremse as coisas que so opostas, um tema me-lhor ilustrado. Restringir o termo hebraico Vin, hebel,o qual tra-

    duzimos por vaidades, s artes mgicas, como o fazem alguns in-trpretes, absurdo.7 Confesso, alis, que os orientais eram em

    ponto de vista um pouco distinto do significado. Tu tens, isto , com toda certeza. Acoisa to certa como se j estivesse feita.7 Hammond considera vaidades como uma referncia prtica da superstio que,recorrendo aos pressgios e adivinhaes para se aconselhar e se orientar, prtica estaprevalecente entre os pagos, quando se deparavam com alguma dificuldade ou perigo.As respostas do pressgio demonstravam a maior considerao; ainda que fossem enga-

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    Salmo31 [vv. 6, 7]

    extremo dedicados a tais imposturas, o que constitua um mal co-mum entre eles. Mas como so inumerveis os inventos com osquais Satans enlea as mentes humanas, e as fascinaes com as

    quais ele as atrai para longe de Deus, no de todo provvel que oprofeta esteja a mencionar uma s espcie. Portanto, sejam quaisforem as vs esperanas que formamos em nosso ntimo, as quaispodem afastarnos de nossa confiana em Deus, Davi geralmenteas denomina de vaidades, sim, vaidadesfalsasou enganosas,porque,embora nos nutram por algum tempo com promessas magnifi

    centes, no fim nos ludibriam e nos desapontam. Ele afirma, pois,que, ao repelir as vaidades que os homens costumam inventar emapoio de suas esperanas, ele pe sua confiana exclusivamente emDeus. E visto que os homens no s se intoxicam pessoalmentecom as enganosas fascinaes do mundo, mas tambm, neste as-pecto, enganam uns aos outros, o profeta expressamente declara,observando que podemos cuidadosamente evitlas, a menos quequeiramos voluntariamente enlearmonos em seus perigosos ten-tculos, que ele detestava a quantos se envolviam com tais menti-ras. A segunda clusula, tenho confiado em Jehovah, deve serlida em conexo com a primeira, porque ambas apontam para a

    causa de seu dio pelas enganosas vaidades e mostram que impos-svel que os homens tenham alguma f genuna em Deus, a menosque abominem tudo quanto os arrasta para longede dele [Deus],

    7. Alegrarmeei e me regozijarei em tua bondade. Aquacha embutida uma ao de graas, embora muitos so, antes, deopinio que a orao de Davi est interrompida, e que ele faz um

    voto, para quando for libertado do presente perigo. Visto, porm,que nenhuma condio se acha anexada, sintome, antes, inclina-

    nados e frustrados na confiana que nisso depositavam. Davi declara que ele detestavatodas essas prticas, e que confiava exclusivamente no auxlio divino. French e Skinner,por vaidades enganosas,entendem ser dolos.Os dolos, diz Walford, so s vezes assim

    denominados; embora o termo no seja confinado a este sentido, quando todos os aman-tes da iniqidade so com razo compreendidos nele. Vejamse Deuternmio 32.21;Jonas 2.8 .

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    Salmo31 [w . 9 , 1 0 ]

    de argumentos para se deixar persuadir, mas porque permite queos fiis tratem com ele de maneira familiar, a fim de que mitiguemsuas preocupaes. Quanto maior o nmero das aflies com que

    so oprimidos, mais se encorajam enquanto se deploram diantede Deus, na esperana de obterem sua assistncia. Essas formas deexpresso podem parecer hiperblicas, mas bvio que o prop-sito de Davi era declarar e manifestar o que ele sentia em sua pr-pria pessoa. Primeiro, ele diz que seus olhos, sua alma e seuventre eram consumidos pela tristeza. Daqui transparece que

    no fora levemente nem por um breve tempo que esteve assimatormentado e perturbado por tais calamidades. Alis, ele estavaimbudo de tal mansido de esprito, que no permitia fosse exci-tado com facilidade e por ftil circunstncia, nem perturbado porincontrolvel dor. Ele estivera tambm, por um longo tempo, acos-tumado a suportar tribulaes. Devemos, pois, admitir que suas

    aflies eram incrivelmente graves, ao revelar ele tal grau de senti-mento. Pelo termo desprazer ou ira , ele igualmente mostra quenem sempre estava com uma firmeza frrea, nem to isento desentimentos pecaminosos, que sua tristeza, agora como outrora,no irrompesse em excesso de impetuosidade e nsia. Daqui infe-rimos que os santos sofrem freqentes conflitos, graves e rduos,com suas prprias paixes; e que embora sua pacincia nem sem-pre esteja isenta de impertinncia, contudo, ao combatla criteri-osamente, por fim conseguem chegar a tal ponto que nenhumacmulo de dificuldades capaz de traglos. Pelo termo vidaal-guns entendem ser os sensos vitais, interpretao esta que no re-

    jeito totalmente. Prefiro, porm, expliclo como significando sim-plesmente isto: sendo consumido pela tristeza, Davi sentia sua vidae seus anos se esvaindo sem alcanar seu objetivo. E ainda pormeio dessas palavras Davi lamenta no tanto sua pusilanimidademental quanto a gravidade de suas calamidades; ainda que de for-ma alguma se envergonhasse de confessar sua enfermidade, para a

    qual ansiosamente buscava um antdoto. Ao dizer, minha foradesfalece em minha dor, alguns intrpretes preferem a redao:

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    [vv. 10, 11] Salmo31

    sob minha iniqidade; e confesso que o termo hebraico, "pU, on,produz ambos os significados;10 ainda mais freqentemente elesignifica um a ofensaou uma fa lta.Mas como s vezes o mesmo

    usado para castigo, tenho escolhido o sentido que parece ser omais ajustvel ao contexto. E embora seja verdade que Davi cos-tumava atribuir as aflies que amide sofria sua prpria culpa,todavia, visto que aqui est apenas considerando suas misrias,sem mencionar a causa delas, provvel que, segundo seu modocostumeiro, ele expressa a mesma coisa duas vezes fazendo uso

    de termos diferentes.11. Por causa de todos os meus inimigos torneime e

    oprbrio. Outros o traduzem assim: mais do que meus inimigos, evisto que a letra hebraica, Q, mem, freqentemente usada comosinal de comparao, interpretam esta clusula como se os amigose conhecidos de Davi lhe causassem mais oprbrio que todos osseus inimigos. Em minha opinio, porm, ele tencionava expres-sar uma idia distinta, a saber, que assim como era por toda parteodiado, e seus inimigos haviam induzido quase todo o reino atomar parte com eles contra ele, Davi granjeara um nome ruimmesmo entre seus amigos e conhecidos; assim como uma opinio

    popular, semelhana de uma tempestade violenta, costuma ar-rastar tudo diante de si. Suponho, pois, que a cpula hebraica, 1,vau, seja usada guisa de ampliao, com o intuito de mostrar queDavi era alvo do dio, no s dos estrangeiros de quem ele foraanteriormente desconhecido, mas tambm de seus principais ami-gos. Ele adiciona, de igual forma, os que me viram fora fugiram

    de mim. Pelo advrbio/ora Davi quer dizer que eles no permiti-

    ln O termo py, diz Hammond, tanto significapecado,como tambm significa o casti-go proveniente do pecado, Isaas 53.6, 11; e neste ltimo sentido este crtico aqui enten-de que ele pode ser conectado a tristeza e suspiro, os quais so mencionados na clusulaprecedente, e podem expressar aquelas misrias que os pecados de Davi lhe acarretaram.Rogers observa: yp significa, aqui, e em alguns outros passos, aflio, o castigo ou a

    conseqncia do pecado; vejase Gnesis 4.13; 1 Samuel 28.10; 2 Reis 7.9 etc. -Book ofPsalms in Hebrew, metrically arranged, vol. ii. p. 188. A Septuaginta tem a redao: empobreza ou aflio, no que ela seguida pela Siraca e pela Vulgata.

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    Salmo31 [vv. 1113]

    am que um homem miservel e indigno ficasse perto deles; sim,eles fugiam da prpria presena dele, interpondo a maior distn-cia possvel, a fim de que o contgio de sua misria no os atingis-se, e porque reputavam serlhes injurioso e uma desgraa demons-trarlhe algum sinal de amizade.

    12. Sou esquecido como um morto. O salmista continuperseguir a mesma idia, e se queixa de que estava completamenteapagado da memria de todos os homens, como se estivesse mor-to. A memria de algumas pessoas, depois de sua morte, floresce

    por algum tempo entre os vivos, mas na maioria dos casos ela sedesvanece; porquanto no h mais qualquer relacionamento entreos vivos e os mortos, tampouco podem os vivos ser de algumavalia para os mortos. Davi ilustra esta idia fazendo uso da met-fora de um vaso quebrado,11 o qual denota completo desprezo epobreza; como se quisesse dizer que no mais era considerado

    digno de qualquer posio ou respeito. Por fim acrescenta que sesentia injuriado pela multido e agitado com terrores. Prefiro, con-tudo, traduzir o termo hebraico, mbbim , osgmndes,12em vezde muitos. Quando os grandes, que so amide tanto poderososem juzo quanto em autoridade, nos caluniam e nos difamam como

    sendo pessoas perversas, isto aumenta a indignidade com que so-mos tratados, porque, tudo o que dizem em nossa condenaotem o efeito de sublevar a plebe contra ns. Portanto, ser muitoadequado entender as palavras no sentido em que Davi era igno-miniosamente condenado por toda a classe da nobreza; e assim ainocncia deste homem aflito foi lanada sombra pela grandeza

    deles. Esta interpretao confirmada pelo que imediatamente sesegue: E o terror me envolve de todos os lados,13 enquanto

    11 Eu me tomei semelhante a um vaso quebrado; ou seja, totalmente negligenciadocomo objeto de nenhum valor.12 Horsley assume o mesmo ponto de vista. Traduz: os poderosos.13 Pavor de todos os lados ou o terror rodeia. Em hebraico, magor missabib, nome que Jere-mias deu a Pasur, o sacerdote, significando que ele seria um terror para si mesmo e paratodos os seus amigos (Jr 10.3, 4). -Ainsworth.Horsley traduz:

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    [vv. 13, 14] Salmo 31

    juntos se aconselham contra mim. Visto que ele continua falan-do das mesmas pessoas, evidente que tal linguagem se aplicamais apropriadamente aos nobres do que plebe. Alm do mais,

    notamos que o objetivo primrio dos perversos nos enganososconselhos por meio dos quais conspiravam destruir a Davi eracriar em todo o povo dio contra ele como se ele no passasse deum homem perverso e rprobo. Percebemos ainda que, enquantolaceravam sua reputao, o faziam de tal maneira que acoberta-vam sua perversidade sob a aparncia de seriedade e bom procedi-

    mento, consultando entre si em destruir um homem que no maisdeveria ser tolerado sobre a terra. Portanto, no se deve admirarque sua mente estivesse magoada, como j vimos, por tantas eferinas tentaes.

    [w. 14-18]Todavia tenho confiado em ti, Jehovah! Eu disse: Tu s o meu Deus.

    Meus tempos esto em tua mo; livra-me da mo de meus inimigos edaqueles que me perseguem. Faz resplandecer teu rosto sobre teu servo;

    preserva.-me em tua bondade. O Jehovah! no me deixes ser envergonhado, porque te tenho invocado; que os perversos sejam envergonhados, queemudeam na sepultura. Que os lbios mentirosos emudeam, os quais

    falam coisas injuriosas [ougraves] contra o justo, com soberba e escrnio.

    14. Todavia tenho confiado em ti, Jehovah! A traducorreta : E eu tenho confiado em ti;mas a partcula copulativa he-braica, 1, vau, e, usada aqui em vez da partcula adversativa, todavia,ou, no obstante.Davi, pondo a solidez de sua f em oposioaos assaltos das tentaes, das quais j fez meno, nega que j

    estivesse esmorecido; mas, ao contrrio disto, afirma que perma-necera firme em sua esperana no livramento divino. Tampoucoisso implica em que ele se vangloriasse de ser to magnnimo e

    Verdadeiramente ouvi a raiva sussurrante dos poderosos,Daqueles que so o pavor geral.

    Sobre isto ele tem a seguinte nota: TUD 3'30. Tomo isto como uma frase descritivados poderosos, cujas malignas ameaas contra aquele que ouvia por acaso, como pessoasuniversalmente terrveis por seu poder e por sua crueldade.

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    Salmo31 [w. 14, 15]

    corajoso que jamais seria vencido pela enfermidade da carne. Pormais estranho que isso possa parecer, contudo, essas coisas ami-de vo juntas, como devem sempre estar, na mesma pessoa, ou

    seja, que enquanto ele se definha de tristeza e se priva de todaenergia, no obstante se v sustentado por to forte esperana,que no consegue cessar de invocar a Deus. Davi, pois, no estavade tal forma submerso em profunda dor, e outros pavorosos sofri-mentos, que a secreta luz da f no pudesse brilhar nos recessos deseu corao; tampouco gemesse tanto sob o pesado fardo de suas

    tentaes, ao ponto de ser impedido de erguerse para invocar aDeus. Ele venceu obstculos fortes demais para poder fazer a con-fisso que aqui faz. A seguir ele define o procedimento de sua f, asaber, que ele ponderava consigo mesmo, que Deus jamais o de-cepcionaria nem jamais o esqueceria. Observemos bem seu modode falar: Eu disse: Tu s o meu Deus. Nesta expresso ele notifi-

    ca que se sentia to persuadido desta verdade, de que Deus era oseu Deus, que no admitiria sequer a mais leve insinuao em con-trrio. E enquanto esta persuaso no prevalecer, ao ponto de to-mar posse de nossa mente, oscilaremos sempre na incerteza. Noobstante, preciso observar que esta declarao no s ntima esecreta feita antes no corao do que com a lngua , mas que dirigida a Deus pessoalmente, como aquele que a nica testemu-nha dela. Nada mais difcil, quando percebemos nossa f escar-necida por todo o mundo, do que dirigir nosso discurso somentea Deus e descansar satisfeitos com este testemunho que nossa cons-cincia nos d, ou seja, que ele o nosso Deus.E com toda certeza

    uma indubitvel prova de f genuna quando, por mais forte asondas batem contra ns e por mais dolorosamente os assaltos nossacodem, sustentamos isto como um princpio bem fixado, a sa-ber, que estamos constantemente debaixo da proteo de Deus epodemos dizerlhe francamente: Tu s o nosso Deus.

    15. Meus tempos esto em tua mo. Para que pudesse

    jubilosamente confiar a preservao de sua pessoa a Deus, ele nosassegura que, confiando em sua guarda divina, no se preocupava

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    [vv. 15, 16] Salmo 3 1

    com aqueles eventos casuais e imprevisveis que comumente apa-voram os homens. A significao de sua linguagem : Senhor, tua a prerrogativa, e somente teu o poder de dispor tanto de minha

    vida quanto de minha morte. Tampouco usa ele o plural, em mi-nha opinio, sem razo plausvel; antes, ele destaca a variedade decasualidades pelas quais a vida de uma pessoa geralmente moles-tada. uma exposio inspida restringir a frase, meus tempos, aotempo em que ele vivesse, como se Davi quisesse dizer no maisque estando seu tempo ou seus dias terrenos na mo de Deus. Ao

    contrrio, minha opinio que, enquanto meditava nas diversasrevolues e nos multiformes perigos que casualmente pendemsobre ns, e nos multiformes eventos imprevistos que de tempoem tempo sucedem, ele, no obstante, confiadamente repousavana providncia de Deus, a qual ele cria ser, segundo o dito popu-lar, o rbitro tanto da boa quanto da m fortuna. Na primeira

    clusula vemos que ele no s denomina Deus de o governante domundo em geral, mas tambm afirma que sua vida est em suamo; e no s isso, mas que, quaisquer que fossem as agitaes aque estivesse sujeito, e quaisquer que fossem as tribulaes e vicis-situdes que lhe sobreviessem, ele estaria seguro debaixo da prote-o divina. Nisto est fundamentada sua orao, a saber: Deus opreservar e me livrar da mo de meus inimigos.

    16. Faze resplandecer teu rosto sobre teu servo. J dimos antes, e veremos em muitos exemplos depois, que esta formade expresso tomada da preocupao comum dos homens, osquais acreditam que Deus no lhes tem nenhuma considerao, a

    menos que demonstre visvel cuidado por eles atravs de seus efei-tos. De conformidade com o critrio da razo, as aflies ocultamseu semblante, assim como as nuvens obscurecem o brilho do sol.Davi, pois, suplica a Deus que, ao darlhe imediata assistncia,fizesselhe evidente que ele desfrutava de sua graa e favor, o quede forma alguma fcil de discernir em meio s trevas das aflies.

    Ora, dizse que Deus levanta sobre ns a luz de seu rosto de duasmaneiras: ou quando ele abre seus olhos e assume o comando de

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    Salmo31 [w. 1618]

    nossos afazeres, ou quando ele nos mostra seu favor. Estes doiselementos so deveras inseparveis, ou, melhor, um depende dooutro. Mas, pelo primeiro modo de expressarse, ns, segundonossas concepes carnais, atribumos a Deus uma mutabilidadeque, propriamente falando, no lhe pertence. Enquanto que a se-gunda forma de expressarse indica que nossos prprios olhos, eno os olhos de Deus, esto fechados ou ofuscados quando pareceno levar ele em conta nossas aflies. Pelo termo, preserva-me,Davi explica o que quis dizer com a primeira expresso; mas como

    naquele tempo no houve qualquer aparente segurana para ele,ento se anima a esperar por ela, pondo diante de seus olhos etbondade de Deus.

    /17. O Jehovah, no me deixes ser envergonhado! Ne

    palavras, o salmista d seguimento sua orao, e para fortalecersuas esperanas ele se contrasta com seus inimigos; pois teria sido

    mais que absurdo permitir aos que, com sua desabrida perversida-de, provocavam a ira de Deus escapassem com impunidade, e aqueleque era inocente e descansava em Deus fosse desapontado e setornasse alvo de chacota. Conseqentemente, aqui percebemos quala implicao da comparao que o salmista faz. Alm do mais, emvez de falar de sua esperana ou confiana, ele agora fala de suainvocao a Deus, dizendo: porque te tenho invocado. E faz issopor boas razes, pois aquele que confia na providncia divina devefugir para Deus com oraes e forte clamor. Que eles emudeamna sepultura subentende a morte, quando ela sobrevem aos mpi-os, restringindoos e impedindoos de darem curso s suas injri-

    as. Este emudecer se ope tanto s suas maquinaes enganosas etraioeiras quanto aos seus insolentes insultos. No prximo vers-culo, pois, ele adiciona: Que os lbios mentirosos emudeam, oqu, em minha opinio, inclui tanto suas astcias quanto as falsaspretenses e calnias pelas quais diligenciavam em concretizar seusdesgnios, bem como a v ostentao a qu se entregavam. Pois

    ele nos diz que falam coisas injuriosas [ou graves] contra ojusto, com soberba e escrnio. Porque o conceito intransigente

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    [vv. 18, 19] Salmo 31

    deles, o qual quase sempre gera desdm, era o que fazia que essesinimigos de Davi fossem to ousados em mentir. Quem quer quesoberbamente arrogue para si mais do que lhe devido, quase quenecessariamente tratar os outros com desdm.

    [w. 19-21]Oh! quo imensa- tua bondade, a qual ocultasteu para aqueles que tetemem! A qualpuseste em obra afavor daqueles que confiam em ti diantedosfilhos dos homens! Tu os esconders do homem soberbo no secreto [ou, nolugar oculto] de teu rosto; tu os ocultars das intrigas das lnguas como

    numa tenda. Bendito seja Jehova-h! pois ele tomou maravilhosa sua bondade para comigo, como numa cidade fortificada.

    19. Oh! quo imensa tua bondade, a qual ocultaste paqueles que te temem! Neste versculo o salmista exclama queDeus incompreensivelmente bom e beneficente para com seusservos. Bondade, aqui, significa aquelas bnos divinas que so os

    efeitos dela. A forma interrogativa da clusula tem uma nfasepeculiar; pois Davi no s assevera que Deus bom, mas extasiase de admirao ante a bondade que experimentara. Foi esta expe-rincia, indubitavelmente, que o levou a prorromper em lingua-gem de enlevo neste versculo; pois fora maravilhosa e inesperada-mente libertado de suas calamidades. Fazendo uso de seu exem-plo, pois, ele ordena aos crentes que se elevem acima das preocu-paes de seu prprio entendimento, a fim de se prometerem aesperar muito mais da graa divina do que a razo humana capazde conceber. Ele diz que a bondade divina est oculta para seusservos, visto ser ela um tesouro que lhes pertence. Indubitavel-

    mente ela se estende, de variadas formas, aos noreligiosos e in-dignos, e se pe diante deles indiscriminadamente; mas se mani-festa muito mais rica e claramente aos fiis, porque somente elesdesfrutam dos benefcios divinos para sua salvao. Deus faz seusol nascer para maus e bons [Mt 5.45], e se mostra liberal atmesmo para com a criao irracional; mas declara ser Pai, no mais

    14 Cest, reservee. n.m.f. Isto , guardaste.

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    Salmo31 [v. 19]

    verdadeiro e pleno sentido do termo, somente daqueles que sefazem seus servos. No sem razo, pois, que se diz estar a bonda-de divina oculta para os fiis, a quem exclusivamente ele reputadignos de desfrutar de seu favor mais ntima e ternamente. Hquem apresente uma interpretao mais sutil da frase: a bondadede Deus est oculta,, explicandoa no sentido em que Deus, ao pro-var freqentemente seus filhos com infortnios e aflies, ocultadeles seu favor, ainda que, ao mesmo tempo, no os olvida. E maisprovvel, contudo, que a mesma deva ser entendida como sendo

    um tesouro que Deus pe parte e armazena para eles, a menosque, talvez, prefiramos encarla como sendo a experincia dossantos, visto que somente eles, como j disse, experimentam emsuas almas o fruto da divina bondade; embora a estpida brutali-dade impea os mpios de reconhecerem a Deus como um Paibeneficente, ainda quando se pem a devorar alegremente suas

    coisas boas. E assim sucede que, enquanto a bondade de Deusenche e abarca todas as partes do mundo, ela , no obstante, ge-ralmente desconhecida. Mas a inteno do autor sacro ser maisclaramente percebida luz do contraste que existe entre os fiis eos que so estranhos ao amor de Deus. Como um homem providente regular sua liberalidade para com todos os homens, demaneira tal que no defraudar seus filhos ou famlia, nem empo-brecer sua prpria casa, gastando sua subsistncia com outros deforma prdiga, assim Deus, de igual forma, ao exercer sua benefi-cncia para com os que so alheios sua famlia, sabe muito bemcomo reservar para seus prprios filhos aquilo que lhes pertence

    por direito hereditrio; ou seja, em virtude de sua adoo.15 Atentativa de Agostinho de provar, luz destas palavras, que os queno crem nos terrveis juzos divinos no tm qualquer experin-cia da bondade de Deus, por demais inadequada. Para perceberse sua viso equivocada da passagem, basta olhar para a seguinteclusula, na qual Davi diz que Deus leva o mundo a descobrir que

    15 Cest dire, cause de leur adoption. v.f.

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    [vv. 19, 20] Salmo31

    ele exerce inestimvel bondade para com aqueles que o servem,seja em proteglos, seja em prover recursos para o bemestar de-les. Da aprendermos que o salmista est falando aqui no da bemaventurana eterna que est reservada no cu para os piedosos,mas da proteo e de outras bnos que pertencem preservaoda presente vida; as quais ele declara serem to manifestas quemesmo os mpios se vem forados a declararse testemunhas ocu-lares delas. O mundo, admito, passa por sobre todas as obras deDeus com seus olhos fechados, e especialmente ignorante de seu

    paternal cuidado sobre os santos; todavia certo que a se mani-festam tais provas dirias desse cuidado, que mesmo os rprobosoutra coisa no fazem seno vlas, a no ser quando voluntaria-mente fecham seus olhos contra a luz. Davi, pois, fala segundo averdade, quando declara que Deus fornece evidncias de sua bon-dade a seu povo diante dos filhos dos homens, para que claramente

    vejam que no o servem irrefletidamente ou em vo.1620. Tu os esconders no secreto [ou, no lugar oculto]

    teu rosto. Neste versculo, o salmista especialmente enaltece a graade Deus, visto que ela preserva e protege os fiis contra todo ma-lefcio. Visto que Satans assiduamente, e por inumerveis meios,

    contra o bemestar deles, e visto que a maior parte do mundodeflagra guerra mortal contra eles, por isso vivemos expostos amuitos perigos. Portanto, a menos que Deus os protegesse comseu poder, e viesse de tempo em tempo em seu socorro, sua condi-o seria ainda mais miservel. O salmista faz uma aluso ao esconderde que j fizera meno, e embora a metfora possa, primeira

    vista, parecer algo abrupto, ela expressa mui adequadamente queo Senhor determinou cuidar deles, os fiis esto em perfeita segu-rana sob a exclusiva proteo dele. Portanto, com este eulogium[= louvor], ele sublimemente exalta o poder da divina providn-cia, porquanto unicamente ela suficiente para repelir muitas es-

    16 Diante dosfilhos dos homem,isto , publicamente, para que o mundo reconhea que hum galardo para o justo. Comparese o Salmo 58.1 1. French and Skinner.

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    Salmo31 [vv. 20, 21]

    pcies de males; e enquanto brilha sobre os piedosos, ela cega osolhos de todos os perversos e debilita suas mos.17 Na opinio dealguns, o salmista, ao falar do secreto do rosto de Deus,sua referncia

    ao santurio, interpretao esta que no rejeito de todo, emborano me parea suficientemente slida. Alm disso, ele diz que Deusocultar os fiis da soberba do homem e das intrigas das lnguas, por-que, se Deus no refrear os perversos, sabemos que eles tm aaudcia de irromperse com ultrajante violncia contra os verda-deiramente piedosos; mas, por mais desabrida sua luxria e inso-

    lncia sejam, Deus preserva seu povo da injustia, cobrindoosprodigiosamente com o resplendor de seu rosto. H quem tradu-za o termo hebraico, D10D,1, rikasim , conspiraes;18 outros,perver-sidades; mas sem qualquer razo plausvel; a etimologia da palavranem mesmo o admite, pois ela oriunda de uma raiz que significalevantarou elevar. soberbaacrescese intrigas das lnguas, porque

    os filhos de Deus devem temer no s os feitos desumanos de seusinimigos, mas tambm suas calnias ainda mais perversas e vio-lentas, como Davi mesmo sobejamente experimentou. E visto quenossa inocncia nos deve ser com justia mais querida do que nos-sa vida, aprendamos a cultivar a integridade de tal maneira que,confiando na proteo divina, desconsideremos toda e qualquer

    falsa calnia. E tenhamos sempre em mente que a prerrogativapeculiar de Deus defender seu povo de todas as injustashumilhaes.

    21. Bendito seja Jehovah! O salmista, aqui, toma estas vdades gerais e as aplica s suas prprias circunstncias, e declara

    que a bondade de Deus em preservar sua vida se manifestou pro-digiosamente. Visto que ele fala do socorro que lhe foi repentina einesperadameilte oferecido em muitas e desesperadoras circuns-tncias, esses intrpretes julgam corretamente que aqui cabe como,

    17 Et que quand elle luit sur les fideles, ses rayons sont pour esblouir les yeux de tous lesiniques, et affoiblir leur mains. v.f.18 Esta a traduo adotada por Walford. 'DD1D, , 031, colligavit: da, coligaes,conspiraes.

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    [vv. 21, 22] Salmo 31

    um sinal de similitude,19 nesta forma: como numa- cidade fortificada-.Davi apara toda sorte de golpe, como se expusera a toda sortede injria, e se gloria de que em sua nudez e carncia a assistnciadivina lhe fora mais providencial do que uma cidade bem fortifi-cada, ou uma fortaleza inexpugnvel lhe teria sido.

    [w. 22-24]E eu dizia, em meu temor:20 Estou lanado de tua- vista-; mas, quandoclamei a ti verdadeiramente ouviste a- voz de minhas splicas. Oh, amai a

    Jehovah, vs todos os seus humildes! Jehovah preserva os fiis e sobejamen

    te21premia aquele que se porta com soberba. Tende bom nimo e elefortalecer vossos coraes, vs todos os que esperais em Jehovah.

    22. E eu dizia em meu temor. Davi, neste ponto, confeque em virtude de sua desconfiana ele merecia ser banido de Deuse exposto ao perecimento. E verdade que tal confisso diante doshomens lhe constitua algo vergonhoso; mas para que pudesse

    ilustrar mais plenamente a graa de Deus em seu favor, ele nohesita em publicar a ignomnia de seu erro. Ele reitera quase omesmo reconhecimento no Salmo 116.11: Eu dizia em minhaprecipitao: Todos os homens so mentirosos. Estou cnscio deque o termo hebraico, TDFI, chaphaz, explicado por alguns no

    sentido de.Jug[a;como se Davi, ao fugir da morte, j que no tinhacomo resistir, se sentisse abalado por esse medo. Minha referncia,porm, antes sua mente perturbada. Portanto, quer traduzamos o termo porprecipitao ou temor, significa que Davi tinhasido levado, por assim dizer, a precipitadamente nutrir a idia deque havia sido negligenciado por Deus. E tal precipitao se ope

    a uma calma e deliberada considerao; pois embora Davi estives-se abalado pelo medo, ele se desfalecera em meio s tribulaes, eesta persuaso no continuara fixa em sua mente. Pois sabemos

    19 A partcula de similitude est ausente no hebraico, ou que comum. A inteno dosalmista evidentemente descrever, pelo uso de metfora, seu sinal de livramento, comose ele fosse guardado por fortificaes inexpugnveis. Walford.20 Ou, perturbation; ou, hastivete. n.m.f. Ou, perturbao; ou, precipitao.21 Ou, par excellence. Ou, excelentemente. n.m.f.

    32

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    Salmo31 [v. 22]

    que os fiis so s vezes inquietados pelos temores e pelo calor daimpacincia, ou se lanam de ponta cabea movidos por seus de-sejos em extremo impetuosos ou precipitados, mas que a seguir

    eles caem em si. Que a f de Davi jamais se desvanecera por taltentao, algo que se reala luz do contexto, pois imediatamen-te adiciona: no obstante, verdadeiramente ouviste a voz deminhas splicas; se sua f, porm, se houvera extinguido, ele nopoderia ter mantido sua mente fervorosamente engajada em ora-o, e portanto esta queixa no passou de um deslize da lngua a

    expressarse com precipitao. Ora, se uma impaciente precipita-o mental pde impelir este santo profeta de Deus ao desespero,homem este adornado com tantas excelncias, quanto mais razotemos ns a temer que nossas mentes fracassem e fatalmente nosprecipitem na runa! Esta confisso de Davi, como j observamos,serve para magnificar a graa de Deus; ao mesmo tempo, porm,

    ele suficientemente mostra, na segunda clusula do versculo, quesua f, embora gravemente abalada, no fora totalmente erradica-da, porquanto ele no cessou de orar nesse perodo. E assim queos santos lutam com sua desconfiana, para que em parte no sedesalentem e em parte possam reunir nimo e se estimulem ora-o. Tampouco as debilidades da carne, ainda quando estejam elesquase destrudos, os impedem de demonstrar que so incansveise invencveis campees diante de Deus. Mas ainda que Davi intre-pidamente resistira a tentao, no obstante reconhece ser indignoda graa de Deus, da qual, em certa medida, se privara por causade sua dvida. Pois a partcula hebraica, pN, aken,deve ser aqui

    entendida como advers ativa e traduzida no obstante, notificandoque Davi fora preservado sem qualquer desero propriamentesua, porquanto a imensurvel bondade divina foi a rival de suaincredulidade. Mas como em hebraico ela um sinal de afirmao,decidi traduzila de forma apropriada,M as verdadeiramente. Notenho dvida de que ele ops sua linguagem s vrias tentaes

    com as quais, provavelmente, sua mente fora impelida de um ladopara outro.

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    [V. 23] Salmo 31

    23. Oh, amai a Jehovah, vs todos os seus humildes! Emriinha opinio, o salmista, neste ponto, no exorta os santos atemerem e a reverenciarem a Deus, como muitos pensam, seno

    que os encoraja a confiarem nele; ou, noutros termos, a se devota-rem totalmente a ele, pondo nele toda sua esperana e se entregan-do inteiramente a ele, no se permitindo buscar a nenhum outro.Donde procede que nossos prprios planos nos deleitem tanto,seno porque no nos deleitamos em Deus tanto quanto devera-mos e porque nossas aflies no abrem caminho para ele? Este

    amor de Deus, portanto, envolve nele todos os desejos do cora-o. Por natureza, todos os homens desejam profundamente vivernum estado de prosperidade e felicidade; mas enquanto a maioriavive fascinada pelos encantos do mundo, e prefere suas mentiras eimposturas, raramente um em cem pe seu corao em Deus. Arazo que imediatamente se segue confirma esta interpretao; pois

    o salmista inspirado exorta os humildes a amarem a Deus, porqueelepreserva, os fiis, como se desejasse que repousassem satisfeitossob a guarda divina e reconhecessem que nela encontrariam sufici-ente socorro.22 No nterim, ele os admoesta a conservar uma boaconscincia e a cultivar a retido, visto que Deus promete preser-var somente aqueles que so ntegros e fiis. Em contrapartida, eledeclara que Deus sobejamente premia os soberbos, a fim deque, quando observarmos que eles, por algum tempo, prosperamcom demasiado xito, uma indigna emulao no nos seduza aimitlos, e que sua insolncia e o ultraje que cometem, enquantoacreditam que so livres para fazerem o que lhes apetea, no es-

    migalhemos nem confranjamos nossos espritos. Isto equivale aoseguinte: Embora os mpios se gabem, enquanto prosseguem im-punemente em sua perversidade, e os crentes so acossados commuitos temores, enfrentando os muitos perigos, que se devotem aDeus e nutram confiana em sua graa, porquanto ele sempre de-fender os fiis e premiar os soberbos segundo seu merecimento.

    22 Et recognoistre quen icelle ils ont assez de s e c o u r s -v.f.

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    Salmo31 [w. 23, 24]

    Concernente ao significado do termo hebraico, ~irP~I?y, al-yether,o qual traduzimos, sobejamente,23 os intrpretes no chegam a umacordo. Alguns o traduzem por soberba., significando que aqueles

    que se portam com soberba Deus lhes retribuir segundo sua so-berba; outros o traduzem por superabundanteou alm de toda medida., porque ~hT, yether, significa, em hebraico, resduo, remanescente;em vez disso eu o traduzi por sobejamente, copiosamente.Hquem o entenda como se estendendo a seus filhos e aos netos, emquem permanecem os resduos de sua descendncia. Alm disso,

    como a mesma palavra s vezes usada para excelncia,24 no te-nho dvida de que o profeta elegantemente repreende os sober-bos que imaginam que sua imaginria excelncia no s lhes umrefgio, mas tambm uma invencvel fortaleza contra Deus. Vistoque sua infundada autoridade e poder os cegam, ou, melhor, osfascinam, de modo que se vangloriam imoderadamente e sem re-serva contra aqueles que so humildes e frgeis, o profeta elegan-temente diz que h um prmio guardado para eles proporcional insolncia com que se intumescem.

    24. Tende bom nimo. Esta exortao deve ser entendidamesma forma que a precedente; pois a firmeza que o salmista aqui

    recomenda est fundada no amor de Deus do qual ele j falou,quando, renunciando todos os encantos do mundo, abraamos detodo nosso corao a defesa e a proteo que ele nos promete.Tampouco sua exortao se destina a encorajar a firmeza desneces-sariamente; porque, quando algum comea a confiar em Deus, omesmo deve prse de prontido e armarse para suportar muitosassaltos de Satans. Ento, antes devemos calmamente entregarnos proteo e tutela de Deus, bem como diligenciarnos por ter

    23 Literalmente, com abundncia.24 A palavra IIXJ,gah, da qual '!\ya'X,

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    [v. 24] Salmo 31

    a experincia de sua munificncia permeando toda nossa mente.Em segundo lugar, assim munido com firme prontido e inque-brantvel fora, nos sentimos preparados para enfrentar diariamentenovos conflitos. No obstante, como nenhum homem capaz de,por si s, enfrentar tais conflitos, Davi nos exorta a esperarmos epedirmos a Deus o esprito de fora moral, questo esta particu-larmente digna de nossa ateno. Pois daqui somos instrudos que,quando o Esprito de Deus nos sintoniza com nosso dever, eleexamina no o que cada pessoa capaz de fazer, nem avalia os

    servios dos homens pela prpria fora deles, mas nos estimula,antes, a orarmos e a implorarmos para que Deus corrija nossosdefeitos, visto que ele o nico que pode fazer isto.

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    3 2

    H

    avendo Davi extensa e penosamente experimentado quo miservel sen-tir o peso da mo divina como resultado de pecados, exclama que a mais

    elevada e melhor parte de uma vida feliz consiste nisto: Deus perdoa ahumana e recebe a pessoa graciosamente em seu favor. Depois de render graaspelo perdo obtido, ele convida os demais a participarem com ele de sua felicidade,apontando, por seu prprio exemplo, os meios pelos quais se pode obtla,

    ^ Salmo de Davi ministrando instruo.

    O ttulo deste Salmo fornece alguma idia de seu tema. H quem pense

    que o termo hebraico, VoiBD, maskil,o qual traduzimos por ministrando instruo,* tomado do versculo 7 ;2 mais prudente, porm, considerlo como umttulo aplicado ao Salmo em concordncia com seu escopo como um todo e seutema. Davi, depois de suportar duradouros e terrveis tormentos, quando Deuso provou severamente, manifestandolhe os sinais de sua ira, havendo finalmen-te obtido favor, aplica esta evidncia da divina munificncia em seu prprio be-

    nefcio e no benefcio de toda a Igreja, para que daqui ele pudesse ensinar a si e

    a todos o que constitui o principal ponto da salvao. Todos os homens necessa-riamente, quer estejam em miservel tormento ou, o que pior, esqueamse desi mesmos e de Deus, devem continuar em fatal letargia, at que sejam persuadi-dos de que Deus se reconcilia com eles. Por isso Davi, neste Salmo, nos ensinaque a felicidade dos homens consiste nica e exclusivamente no gracioso perdo dos pecados, porquanto nada pode ser mais terrvel do que ter Deus por nosso

    1Pour lequel nous avons traduit, Donnant instruction. v.f.2 Onde se diz: Instruirteei e te ensinarei.

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    Salmo32

    inimigo; tampouco pode ele ser gracioso para conosco de outra maneira senoperdoando nossas transgresses.

    [w. 1, 2]

    Bem-aventurados aqueles cuja iniqidade perdoada e cuja transgresso coberta. Bem-aventurado o homem a quem Jehovah no imputa pecado, e em cujo esprito no h falsidade.

    1. Bemaventurados aqueles cuja iniqidade perdoada.Esta exclamao flui da ardente afeio do corao do salmista,bem como de sria considerao. Visto que quase o mundo intei-

    ro desvia seus pensamentos do juzo de Deus, geram em si umfatal olvido e se intoxicam com ilusrios prazeres. Davi, sentindose dominado pelo temor da ira de Deus e se predispondo a valerse da misericrdia divina, tambm desperta outros para o mesmoexerccio, declarando distinta e audivelmente que s aqueles queso abenoados que podem reconciliarse com Deus, de modoque reconhea como seus filhos aqueles que, com justia, poderiatratar como seus inimigos. Alguns se fazem to cegos pela hipo-crisia e soberba, e outros por um to grosseiro menosprezo porDeus, que no se sentem de forma alguma ansiosos em buscar operdo, embora todos reconheam que necessitam de perdo; nem

    existe sequer um homem cuja conscincia no o acuse ante o tri-bunal divino, nem o espicace com muitos espinhos. Esta confis-so, por conseguinte, de que todos necessitam de perdo, uma vezque ningum perfeito, e que ento s estar bem conosco seDeus perdoar nossos pecados, a prpria natureza arranca at doshomensmais perversos. Nesse nterim, porm, a hipocrisia fecha

    os olhos das multides, embora outros sejam to iludidos por umaperversa segurana carnal que no se deixam sensibilizar por qual-quer senso da ira divina, nem sequer por um tnue laivo dela.

    v Disto procede um duplo erro: (primeiro^ que tais homens fa-zem pouco de seus pecados, e sequer ponderam sobre a centsima

    parte do perigo advindo da indignao divina; e, (segundo) queengendram frvolas expiaes com o fim de isentarse da culpa e

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    Salmo32

    granjear o favor divino. E assim, em todas as pocas e em todos oslugares, esta tem sido a opinio prevalecente: embora todos oshomens estejam infectados com o pecado, ao mesmo tempo se

    adornam com mritos cuja inteno granjearlhes o favor divi-no, e que embora provoquem a ira divina, com seus crimes, semunem de expiaes e satisfaes, com facilidade, para a obtenode sua absolvio. Esta fraude de Satans igualmente comumentre os papistas, turcos, judeus e outras nacionalidades. Toda pes-soa, pois, que no se deixa arrebatar pela furiosa demncia do pa-

    pado, admitir a veracidade desta afirmao, ou seja, que os ho-mens se acham num deplorvel estado a menos que Deus os tratemisericordiosamente, no debitando seus pecados em sua conta.Davi, porm, vai alm, declarando que toda a vida do homem estsujeita ira e maldio divinas, a no ser quando ele se digna, porsua graciosa merc, receblos em seu favor; do qu o Esprito,

    que falou pelos lbios de Davi nos um infalvel intrprete e teste-munha pelos lbios de Paulo [Rm 4.6], No houvera Paulo usadoeste testemunho, jamais seus leitores haveriam penetrado o realsentido do profeta; porquanto vemos que os papistas, embora salmodiem em seus templos: Bemaventurados aqueles cujas iniqidades so perdoadas etc., todavia o passam por alto como sefosse algum provrbio popular e de pouca importncia. Com Pau-lo, porm, esta a plena definio da justia da f; como se oprofeta dissesse: Os homens, pois, s sero bemaventurados de-pois que forem gratuitamente reconciliados com Deus e reputa-dos por ele como justos. Por conseguinte, a bemaventurana que

    Davi celebra destri definitivamente a justia proveniente das obras.A inveno de uma justia parcial com que os papistas e outros seiludem no passa de estultcia; e mesmo entre aqueles que sodestitudos da luz da doutrina celestial, no se encontrar sequerum que seja to louco ao ponto de arrogar para si uma justiaperfeita, como transparece das expiaes, lavagens e outros meios

    de pacificar a Deus, os quais sempre estiveram em uso entre todasas naes. Mas ainda hoje no hesitam em impor suas virtudes a

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    Salmo 32

    Deus, justamente como se houvessem extrado delas grande partede sua bemaventurana.

    Davi, no obstante, prescreve uma ordem bem diferente, a

    saber: que ao buscarse a felicidade, tudo comearia com o princ-pio de que Deus no pode reconciliarse com os que so dignos deeterna destruio de algum outro modo alm de graciosamenteperdolos e concederlhes seu favor. E com razo declara que, sea misericrdia lhes fosse negada, todos os homens seriam comple-tamente miserveis e malditos; pois se todos os homens so ine-

    rentemente inclinados tos para o mal, enquanto no forem re-generados, bvio que toda a sua vida pregressa seria odiosa enauseabunda aos olhos de Deus. Alm disso, visto que mesmodepois da regenerao nenhuma obra que os homens realizem podeagradar a Deus, a menos que ele perdoe o pecado que se mesclacom ela, todos seriam excludos da esperana de salvao. Certa-mente que nada lhes restar seno motivo para o mais profundohorror. Que as obras dos santos so indignas de galardo por esta-rem contaminadas com muitas imundcias, parece ser uma expres-so dura demais aos ouvidos papistas. Nisto, porm, denunciamsua grosseira ignorncia ao estimarem, segundo suas concepes

    pessoais, o juzo de Deus, a cujos olhos o prprio fulgor das estre-las no passa de trevas. Portanto^que isto permanea como dou-trina estabelecida: visto que s seremos considerados justos diantede Deus pela remisso gratuita dos pecados, ento esta a portada eterna salvao; e, conseqentemente, que s sero bemaven-turados aqueles que pem sua confiana na misericrdia de Deus.

    Que tenhamos em mente o contraste que j mencionei entre oscrentes que, abraando a remisso de pecados, confiam s na gra-a de Deus e todos os demais que negligenciam recorrer ao santu-rio da graa divina.

    Alm do mais, quando Davi trs vezes reitera a mesma coisa,isto no equivale a v repetio. E deveras por si mesmo suficien-temente evidente que bemaventurado o homem cuja iniqida-de perdoada; mas a experincia nos ensina quo difcil persua-

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    Salmo32

    dirse deste fato, de tal maneira que se torne indelevelmente afixa-do em nossos coraes. A grande maioria, como j demonstrei,enredada por, suas prprias invenes, extingue de si, o quanto

    pode, os terrores da conscincia e todo o temor da ira divina. Semdvida, eles nutrem o desejo de reconciliarse com Deus; e toda-via se esquivam da presena dele, em vez de buscarem sua graasinceramente e de todo seu corao. Em contrapartida, todos aque-les a quem Deus tem realmente despertado para que se deixemafetar por um vivo senso de sua misria, esto constantemente

    agitados e inquietados, tanto que difcil restaurar a paz de suasmentes. Realmente degustam a misericrdia divina e se diligenci-am em tomar posse dela, e no entanto vivem amide atemoriza-dos ou cambaleiam sob os mltiplos assaltos que lhes so feitos.As duas razes por que o salmista insiste tanto sobre o tema doperdo dos pecados so estas: para que ele, de um lado, erga aque-

    les que porventura caram em profundo sono, inspire a indiferen-a com ponderao e reavive os entorpecidos; e para, por outrolado, tranqilizar as mentes temerosas e estressadas com uma con-fiana segura e disposta. Quant( primeira razo,)a doutrina podeser aplicada desta forma: O que pretendeis, vs infelizes, queuma ou duas ferroadas em vossa conscincia no vos perturbam?Supondes que um mero e limitado conhecimento de vossos peca-dos no suficiente para abalarvos com terror, todavia quo irra-cional continuardes dormitando em segurana, enquanto sucum-bis sob imenso fardo de pecados! E esta reiterao fornece nopouco conforto e confirmao aos dbeis e temerosos. Visto que

    as dvidas amide lhes sobrevm, uma aps outra, no basta quesejam vitoriosos em apenas um conflito. Esse desespero, pois, paraque no os sucumbisse em meio aos vrios pensamentos perplexivos com que so agitados, o Esprito Santo confirma e ratifica aremisso de pecados com muitas declaraes.

    Agora se torna oportuno avaliar a fora particular das expres-

    ses aqui empregadas. Certamente que a remisso da qual aqui setrata no se harmoniza com as satisfaes. Deus, ao lanar fora ou

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    Salmo 32

    tirar os pecados, e igualmente ao cobrilos e no imputlos, gra-ciosamente os perdoa. Por essa conta os papistas, ao introduziremsuas satisfaes e obras de supererrogaao, segundo as chamam,

    se privam desta bemaventurana. Alm disso, Davi aplica essaspalavras a fim de completar o perdo. A distino, pois, que ospapistas aqui fazem entre a remisso do castigo e da culpa, com aqual fazem apenas meio perdo, no vem ao propsito. Ora, necessrio considerar a quem pertence esta felicidade, a qual podefacilmente ser extrada da circunstncia do tempo. Ao ser Daviinstrudo de que era bemaventurado unicamente pela misericr-dia divina, ele ainda no havia sido alienado da igreja de Deus; aocontrrio, ele se avantajava a muitos no temor e no servio deDeus, bem como em santidade de vida, e se exercitava em todosos deveres da piedade. E mesmo depois de fazer esses progressos

    na religio, Deus ento o exercitara a fim de que depositasse o alfae o mega de sua salvao em sua gratuita reconciliao com Deus.Tampouco destitudo de razo que Zacarias, em seu cntico, re-presente o conhecimento da salvao como que consistindo emconhecer a remisso de pecados [Lc 1.77]. Quanto mais emi-nentemente algum se destaca em santidade, mais ele se sente des-

    titudo da perfeita justia e mais que claramente percebe que emnada pode confiar seno unicamente na misericrdia de Deus. Daser evidente que esto frontalmente equivocados os que concluemque o perdo de pecado s necessrio para o incio da justia.Uma vez que os crentes todos os dias se envolvem em muitoserros, de nada lhes aproveitar j terem tomado a vereda da justi-

    a, a menos que a mesma graa que os manteve em sua companhiaos conduza ltima fase de sua vida. Com que objetivo se diz emoutra parte que so bemaventurados os que temem ao Senhor,que andam em seus caminhos, que so retos de corao etc.,a resposta fcil, a saber: como o perfeito temor do Senhor, aperfeita observncia de sua lei e perfeita retido do corao nose encontram em parte alguma, tudo quanto a Escritura em qual-quer lugar diz, concernente bemaventurana, se fundamenta

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    Salmo32 [v.2]

    no gracioso favor de Deus, atravs do qual ele nos reconciliaconsigo mesmo.

    2. Em cujo esprito no h falsidade. Nesta clusula o

    mista distingue os crentes tanto dos hipcritas quanto dos insens-veis desdenhadores de Deus, os quais no se preocupam com estafelicidade nem podem eles alcanar o desfruto dela. Os perversosso, alis, conscientes de sua prpria culpa, todavia ainda se delei-tam em sua perversidade; tornamse empedernidos em sua impu-dncia e se riem das ameaas; ou, pelo menos, se deleitam nas

    enganosas perspectivas de que jamais podero ser impedidos deter acesso presena de Deus. Sim, ainda que sejam infelizes pelosenso de sua misria e acossados com tormentos secretos, todaviacom perversa insensibilidade reprimem todo o temor de Deus.Quanto aos hipcritas, se sua conscincia, em algum momento, osfustiga, amenizam sua dor com remdios ineficazes. De modo que,

    se Deus, em qualquer tempo, os cita a comparecerem diante deseu tribunal, pem diante de si no sei que espcie de fantasmasem sua defesa; e nunca esto sem coberturas pelas quais afastam aluz de seus coraes. Ambas estas classes de homens so impedi-das, pelo doloso corao, de buscar sua felicidade no paternal amorde Deus. No s isso, mas a maioria deles se precipita na presenade Deus, ou se infla com soberba presuno, sonhando que sofelizes, mesmo que Deus seja contra eles. Davi, pois, quer dizerque ningum pode experimentar o que o perdo dos pecadossem que antes seu corao seja purificado de toda malcia. A in-teno de Davi, pois, ao usar o termo malcia ou dolo, pode ser

    entendido luz do que eu j disse. Quem no se examina, enquan-to na presena de Deus, mas, ao contrrio, se esquiva de seu juzo,quer se oculte nas trevas, quer se cubra de folhas, trata perfida-mente tanto a si prprio quanto a Deus. No surpreende, pois,que quem no se sente enfermo recusa o remdio. Como j frisei,as duas espcies desta malcia especfica e inevitavelmente esto

    presentes. E difcil uma insensibilidade mais terrvel do que no sedeixar dominar pelo temor de Deus e no nutrir a menor solicitu-

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    [vv. 2, 3] Salmo32

    de por sua graa, nem se deixar comover seno por uma fria buscade perdo. Da suceder que nem mesmo de leve percebem queinaudita felicidade tomar posse do favor divino. Tal foi o caso deDavi por algum tempo, quando uma traioeira segurana aproxi-mouse sorrateiramente, entenebrecendo sua mente e impedindoo de zelosamente aplicarse a sair no encalo desta felicidade. Ossantos, s vezes, labutam sujeitos mesma enfermidade. Portanto,se devemos desfrutar da felicidade que Davi aqui nos prope, en-to preciso que prestemos muita ateno para que Satans, en-

    chendo nossos coraes de malcia, nos prive de todo senso denossa prpria misria, a qual inevitavelmente consumir todosquantos recorrem a subterfgios.

    [vv. 3,4]Enquanto guardei silncio, meus ossos se debilitaram, feio que clamei odia todo. Pois dia e noite tua mo pesava sobre mim; e meu vio se tomou

    em sequido de vero.3. Enquanto guardei silncio, meus ossos se debilitaram.

    Neste ponto Davi confirma, mediante sua prpria experincia, adoutrina que havia estabelecido, a saber, que quando foi humilha-do debaixo da mo de Deus, sentiu que nada era to miservelquanto ser privado do favor divino. E assim notifica que esta ver-dade no pode ser corretamente apreendida seno quando Deusnos prova com aquele senso da ira divina. Tampouco fala ele deuma mera e ordinria provao, mas declara que se achava inteira-mente subjugado com o mais extremo rigor. E, certamente, a apa-tia de nossa carne, nesta matria, no menos espantosa que sua

    audcia. Se no formos atrados por meios forosos, jamais nosapressaremos a buscar a reconciliao com Deus to solicitamentequanto devamos. Finalmente, o escritor inspirado nos ensina, atra-vs de seu prprio exemplo, que jamais perceberemos quo imen-sa felicidade desfrutar do favor divino, enquanto no tivermossentido plenamente, luz dos graves conflitos com as tentaes

    ntimas, quo terrvel a ira divina. Ele acrescenta que, se guar-dasse silncio, ou se tentasse agravar sua tristeza clamando e bra

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    Salmo32 [w. 3, 4]

    mando,3seus ossos envelheceriam; noutros termos, toda sua forase desvaneceria. Disto se segue que, para onde quer que o pecadorse volte, ou por mais que ele seja afetado, seu malestar em grau

    algum aliviado, nem seu bemestar em algum grau promovido,at que seja restaurado ao favor divino. As vezes sucede que, osque so torturados pela mais aguda tristeza, chegam ao ponto desua dor os corroer e devorar interiormente e a guardam velada ereclusa em seu ntimo, sem confessla, e a violncia de sua tristezase irrompe com tanto mpeto que no mais podem contla. Pelo

    termo silncioDavi pretende dizer no insensibilidade nem estupi-dez, mas aquele sentimento que se pe entre a pacincia e a obs-tinao, e que se alia tanto ao vcio quanto virtude. Pois seus ossosno se consumiam com a idade, mas com os terrveis tormentos desua mente. Seu silncio, contudo, no era o silncio da esperana ouobedincia, porquanto ele no trazia sua misria nenhum alvio.

    4. Pois dia e noite tua mo pesava sobre mim. Neste vculo Davi explica mais plenamente a origem de to pesada triste-za; ou seja, porque ele sentia a mo divina a abrirlhe feridas. Amaior de todas as aflies ser to duramente oprimido pela modivina, que o pecador sente estar envolvido com um Juiz cuja in-

    dignao e severidade o envolvem com infindveis mortes, almda morte eterna. Davi, conseqentemente, se queixa de que seuvigor secara, no mera e simplesmente por meditar em suas dolo-rosas aflies, mas porque descobrira sua causa e fonte. Todo ovigor dos homens se esvai quando Deus surge como Juiz e oshumilha e os deixa prostrados, exibindo os emblemas de seu des

    3 A traduo deste versculo, em nossa Bblia Inglesa, : Enquanto guardei silncio,meus ossos envelheceram pelo meu bramido todo o dia; sobre a qual Street observa:Eu pessoalmente no entendo como se pode dizer que um homemfica em silncio, quebrama todo o dia. Por conseguinte, em vez de Enquanto eu guardava silncio, ele traduz:Enquanto eu me perdia em meditao; observando que: o verbo lin, na conjugao hiphil, significaponderar, considerar, estar em profunda meditao".Mas, segundo a traduo

    e exposio de Calvino, no h inconsistncia alguma entre a primeira e a segunda clusu-la do versculo. Para evitarse uma aparente contradio de concomitantemente estar emsilncioe ainda bramiro dia todo, o dr. Boothroyd, em vez de bramir, traduz em agonia.

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    Salmo32

    prazer. Ento se cumpre o dito de Isaas: Secase a erva, e murchaa flor, soprando nelas o hlito do Senhor. Na verdade o povo erva [Is 40.7]. Alm do mais, o salmista nos diz que este no era

    um castigo comum pelo qual fora ele verdadeiramente instrudo atemer a ira divina; pois a mo do Senhor no cessava de pesarsobre ele, quer de dia quer de noite. Alis, desde a infncia elehavia sido inspirado com o temor divino, pela secreta influnciado Esprito Santo, e fora instrudo na genuna religio e piedadepela ministrao da s doutrina e instruo. E no entanto to insu-

    ficiente fora tal instruo para sua obteno desta sabedoria, quetinha de ser ensinado repetidamente como um nefito em meio aseu curso. Sim, embora estivesse ento acostumado a chorar seuspecados, a cada dia era de novo reduzido ao mesmo exerccio; oque nos ensina que, quo longe esto os homens de se restabelece-rem quando uma vez tenham fracassado; e tambm quo morososso eles em obedecer, at que Deus, de tempo em tempo, redobreseus aoites e os intensifique dia aps dia. Se algum indagar acer-ca de Davi, se ele se tornara calejado pelos aoites que, bem o sabeele, lhe foram infligidos pela mo divina, o contexto fornece aresposta, a saber, que ele foi reprimido e agrilhoado pelas perple-

    xivas tristezas e perturbado com prolongados tormentos, at queestivesse bem subjugado e manso, que o primeiro sinal de que sedeve buscar um antdoto. E isto uma vez mais nos ensina que no sem motivo que se reiteram os castigos pelos quais Deus parecenos tratar com crueldade e sua mo se faz pesada sobre ns, atque nossa ardente soberba seja humilhada, a qual sabemos ser in-

    domvel, a menos que seja subjugada com os mais ferinos aoites.[w. 5-7]Reconheci meu pecado contra, ti, e minha, iniqidade no mais ocultei. Eudisse: Confessarei contra mim mesmo, aJehovab, minha perversidade; e tu

    perdoaste a, culpa,4do meu pecado. Selah. Pelo qu, aquele que humildeora a t i a tempo de poder encontrar-te; de modo que, no transbordar de

    4 Ou, peine. -n.m.f. Ou, castigo.

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    muitas guas? estas a ele no chegaro. Tu s meu lugar secreto; tu mepreservars da angstia; tu me cercars de cnticos de livramento. Selah.

    5. Reconheci meu pecado contra ti. O profeta, ento,

    creve o estado de sua misria, com o fim de mostrar a todos omodo disponvel de se obter a felicidade de que faz meno. Quan-do seu senso da ira divina dolorosamente o exasperou e o ator-mentou, seu nico alvio foi sinceramente condenarse diante deDeus e humildemente buscar nele refgio, implorando seu per-do. No obstante, ele no diz que seus pecados lhe vieram mera-mente lembrana, pois foi assim que se deu tambm com Caime Judas, ainda que sem qualquer proveito; porque, quando a cons-cincia dos maus fustigada por seus pecados, no cessam de ator-mentarse e de queixarse contra Deus. Sim, ainda que ele os forcea involuntariamente chegarse ao seu tribunal, contudo desejam

    ardentemente ocultarse. Aqui, porm, se acha descrito um mto-do bem diferente de se reconhecer o pecado; a saber, quando opecador voluntariamente recorre a Deus, construindo sua espe-rana de salvao, no na obstinao ou na hipocrisia, mas na s-plica por perdo. Esta confisso voluntria est sempre associada f; pois do contrrio o pecador continuamente buscaria esconde-

    rijos onde possa esconderse de Deus. As palavras de Davi clara-mente revelam que ele veio sincera e cordialmente presena deDeus, pois sabia que nada lhe poderia ocultar. Ao contarnos quereconheceu seu pecado,e que no o ocultou, a ltima clusula adici-onada, segundo o idioma hebreu, guisa de ampliao. No hdvida, pois, de que Davi, ao comparecer diante de Deus, derra-

    mou todo o seu corao. Os hipcritas, bem o sabemos, costu-mam abrandar seus maus feitos, disfarandoos ou falseandoos;em suma, nunca fazem uma confisso honesta dos mesmos, comlbios sinceros e francos. Davi, porm, nega que fosse culpado detal vileza. Sem qualquer dissimulao, faz notrio a Deus tudo o

    que o entristecia; o que ele confirma com as palavras: Eu disse.5 De grandes eaux. -v.f.das grandes guas.

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    Enquanto os maus so arrastados pela fora, assim como o juizcompele os ofensores a comparecer diante do tribunal, Davi nosassegura que compareceu deliberadamente e com firme propsito

    de mente; pois o termo, disse, significa justamente que ele delibe-rou consigo mesmo. Portanto, seguese que ele prometeu a si eassegurouse do perdo mediante a misericrdia divina, para queo terror no o impedisse de fazer uma franca e sincera confisso deseus pecados.

    A frase, a mim mesmoou contra mim mesmo, notifica que Davi

    eliminou de si todas as justificativas e pretenses pelas quais os ho-mens costumam justificarse, transferindo seu erro ou imputandooa outra pessoa. Davi, pois, determinou sujeitarse inteiramente ao

    juzo divino e tornar notria sua prpria culpa, a fim de que, seautocondenando, pudesse, como humilde suplicante, obter o perdo.

    E tu perdoaste a culpa do meu pecado. Esta clusula pos-ta em oposio s agudas e horrveis agitaes pelas quais diz elehaver sido acossado antes que tivesse acesso, pela f, graa deDeus. Mas as palavras ainda ensinam que, quando o pecador seapresenta perante o trono de misericrdia, com sincera confisso,ele encontra a reconciliao divina sua espera. Noutros termos,

    o salmista quer dizer que