artes visuais como apoio pedagÓgico a crianÇas e ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf ·...

17
ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS Valéria Metroski de Alvarenga (UDESC) RESUMO O presente artigo parte de uma pergunta: como as Artes Visuais podem intervir junto a crianças e adolescentes com transtornos psíquicos? A partir desta, fizemos uma intervenção artística realizada com crianças e adolescentes que apresentavam algum sofrimento/transtorno psíquico. Esta intervenção, realizada em 2011, resultou no TCC de Artes Visuais (licenciatura) da autora deste artigo. O principal objetivo foi proporcionar uma experiência artística a esse público, a partir da experimentação de materiais e da compreensão da arte como canal expressivo. Foram utilizadas cinco linguagens das Artes Visuais – desenho, pintura, gravura, escultura e fotografia – explorando recursos materiais a partir da base de cada linguagem artística. Palavras-chave: Artes Visuais. Transtornos psíquicos. Intervenção artística. ABSTRACT: This article is part of a question: how can the Visual Arts intervene with children and adolescents with mental disorders? From this, we made an artistic intervention conducted with children and adolescents who had some pain/mental disorder. This intervention, conducted in 2011, resulted in the CCW (Conclusion of Course Work) Visual Arts (degree) of the author of this article. The main objective was to provide an artistic experience this audience, from the experimentation of materials and understanding of art as expressive channel. We used five languages of Visual Arts - drawing, painting, printmaking, sculpture and photography - exploring material resources from the base of each artistic language. Keywords: Visual Arts. Psychological disorders. Artistic intervention. Introdução A intervenção pedagógica, com o apoio de atividades artísticas junto a grupos de crianças e adolescentes com transtornos psíquicos, visa proporcionar uma contribuição a mais em sua formação, de modo a ampliar suas perspectivas e, por extensão, talvez vir a facilitar/contribuir em seu processo de ensino-aprendizagem e em sua constituição enquanto sujeitos.

Upload: trankhue

Post on 25-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES

COM TRANSTORNOS PSÍQUICOS

Valéria Metroski de Alvarenga (UDESC)

RESUMO O presente artigo parte de uma pergunta: como as Artes Visuais podem intervir junto a crianças e adolescentes com transtornos psíquicos? A partir desta, fizemos uma intervenção artística realizada com crianças e adolescentes que apresentavam algum sofrimento/transtorno psíquico. Esta intervenção, realizada em 2011, resultou no TCC de Artes Visuais (licenciatura) da autora deste artigo. O principal objetivo foi proporcionar uma experiência artística a esse público, a partir da experimentação de materiais e da compreensão da arte como canal expressivo. Foram utilizadas cinco linguagens das Artes Visuais – desenho, pintura, gravura, escultura e fotografia – explorando recursos materiais a partir da base de cada linguagem artística. Palavras-chave: Artes Visuais. Transtornos psíquicos. Intervenção artística. ABSTRACT: This article is part of a question: how can the Visual Arts intervene with children and adolescents with mental disorders? From this, we made an artistic intervention conducted with children and adolescents who had some pain/mental disorder. This intervention, conducted in 2011, resulted in the CCW (Conclusion of Course Work) Visual Arts (degree) of the author of this article. The main objective was to provide an artistic experience this audience, from the experimentation of materials and understanding of art as expressive channel. We used five languages of Visual Arts - drawing, painting, printmaking, sculpture and photography - exploring material resources from the base of each artistic language. Keywords: Visual Arts. Psychological disorders. Artistic intervention. Introdução

A intervenção pedagógica, com o apoio de atividades artísticas junto a grupos

de crianças e adolescentes com transtornos psíquicos, visa proporcionar uma

contribuição a mais em sua formação, de modo a ampliar suas perspectivas e, por

extensão, talvez vir a facilitar/contribuir em seu processo de ensino-aprendizagem e

em sua constituição enquanto sujeitos.

Page 2: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

46  

A intervenção foi realizada na instituição denominada Serviços e Programas

para Crianças e Adolescentes (SERPIÁ), localizada na cidade de Curitiba (PR). A

atividade foi realizada no segundo semestre do ano de 2011.

Do ponto de vista metodológico, elaboramos planos de aula levando em

consideração as exigências do local onde foi realizada a intervenção artística, a

saber: promover uma intervenção mesmo desconhecendo o diagnóstico de cada

criança e/ou adolescente, assim como utilizar o espaço da brinquedoteca, sem lhes

mostrar imagens nem lhes ensinar técnicas. A partir destas exigências, o mais

apropriado foi trabalhar com a livre expressão explorando a base de cinco

linguagens artísticas através da experimentação e não através da transmissão da

informação.

Do ponto de vista teórico, inicialmente abordamos, de forma sucinta, as

seguintes questões “o que é livre expressão na arte?” e também “o que se entende

por transtornos psíquicos?”. Utilizamos a definição de Pareyson, o qual concebe a

arte como fazer, conhecer e exprimir. Detivemo-nos neste último aspecto para tentar

responder à primeira questão. Quanto à segunda questão, nós utilizamos o DSM IV1

para compreendermos a abrangência dos transtornos psíquicos em seus aspectos

gerais.

O objetivo geral é analisar uma experiência de intervenção pedagógica, com o

apoio de atividades artísticas em artes visuais, com crianças e adolescentes que

apresentam transtornos psíquicos, a partir da experimentação de materiais e da

compreensão da arte como canal expressivo, buscando conhecer a linguagem que

mais interessa essas crianças e quais seus motivos/temas de representação. A

justificativa que encontramos para a escolha deste público é que, na experiência

docente2 da autora deste artigo, constantemente ocorreu o contato direto com

educandos com necessidades educacionais especiais em processo de inclusão

escolar, dentre eles, alguns que tinham diagnóstico de transtornos psíquicos. Desta

                                                                                                                                       1   O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM) é um manual para profissionais da área da saúde mental que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los, de acordo com a Associação Americana de Psiquiatria (American Psychiatric Association - APA). É usado ao redor do mundo por clínicos e pesquisadores. 2 Lecionou a disciplina de Arte na rede pública de ensino de 2009 até meados de 2013.

Page 3: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

47  

experiência surgiu uma necessidade: conhecer de modo mais abrangente as

características desses educandos com necessidades especiais de modo a poder

saber como a arte pode contribuir para seu processo de subjetivação e

inclusão/participação social.

1. Arte e livre expressão

O que é livre expressão em arte? Para responder tal pergunta nos utilizaremos

de alguns conceitos já estabelecidos. Segundo Pareyson (1984) há três definições

tradicionais de arte: (i) a arte como fazer; (ii) a arte como conhecer; e (iii) a arte

como forma de expressão. Estas concepções estão em constante contradição e às

vezes se aliam ao longo da história. De acordo com este autor, na antiguidade

tivemos o predomínio da primeira concepção e valorizava-se o aspecto manual,

executivo. No decorrer dos séculos foram valorizados (as) as outras concepções e

em diversos momentos os três modos. Deteremo-nos no último aspecto, a saber,

arte como exprimir.

“A expressão livre ou espontânea é a exteriorização sem constrangimento das

atividades mentais do pensamento, sentimento, sensação e intuição.” (READ, 1958,

p.139). Para este autor a livre expressão não é um fazer por fazer, sem significação;

muito pelo contrário, o pensamento, sentimento e conhecimento anterior da pessoa

vêm à tona quando ela não tem nenhum direcionamento. Portanto, o foco neste

modo de pensar a arte está no mundo interior do artista e na sua expressão

subjetiva. Considera-se toda a sua vivência/conhecimento e experiência de mundo.

Por este motivo, a liberdade, a espontaneidade, a não interferência durante a

atividade artística permite a exteriorização de sentimentos e conhecimentos diversos

que só acontecem através da experimentação. O que, infelizmente, determinados

direcionamentos não permitem.

Quando a criança ainda está conhecendo o mundo, ela o representará

livremente, do modo como o imagina e consegue. Porém, quando ela é incentivada

Page 4: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

48  

a adotar modos padronizados, começa a perder sua criatividade e tende a se

adequar a representações pré-existentes, afinal: São atividades pré-solucionadas que obrigam as crianças a um comportamento imitativo e inibem sua própria expressão criadora; esses trabalhos não estimulam o desenvolvimento emocional, visto que qualquer variação produzida pela criança só pode ser um equívoco; não incentivam as aptidões, porquanto estas se desenvolvem a partir da expressão pessoal. (Lowenfeld & Brittain, 1977 in ZANIN, 2004).

Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta

mecânica, pressupõem respostas específicas de modo que termina por prejudicar

sua criatividade e sua expressão pessoal, limitando-a em sua espontaneidade. O

fazer artístico da criança está interligado com seu desenvolvimento, sua percepção e

emoção. Miranda (1988) cita Lowenfeld, o qual diz que ao mesmo tempo em que a

criança cria, ela confronta suas próprias experiências. E assim se liberta de tensões.

Mas a arte não apenas alivia a tensão emocional, mas também ajuda a organizar

pensamentos e sentimentos, usando os materiais como criação, e possibilitando

recriar assim seu próprio mundo. “Nas artes plásticas a representação de formas, o desenvolvimento global cursam paralelamente. O estado evolutivo e as qualidades de caráter, os transtornos e os desvios se manifestam de forma singularmente clara, não só no conteúdo, mas também na forma de produção”. (MIRANDA, 1988, p. 29)

Conforme a criança se desenvolve, adquire conhecimento sobre o mundo e o

representa através de símbolos. Uma criança com transtornos psíquicos, na maioria

das vezes, também passará por esse processo de simbolização. Em geral, as

crianças, tidas como normais, também sentem dificuldade para aprender e muitas

vezes por mais que estabeleçamos modos diferenciados de abordagem, algumas

demoram um pouco mais que outras para se desenvolverem. Se pensarmos nas

crianças com transtornos psíquicos, elas terão um tempo um tanto mais diferenciado

para essa apropriação, dado que seu modo de perceber o mundo é divergente.

De acordo com Violet Oaklander (1980), em seu livro Descobrindo crianças, a

criança, diferentemente do que a maioria de nós pensa/imagina/representa, tem uma

infância difícil, pois vive e experimenta momentos de conhecimento e adaptação a

um mundo novo e cheio de regras. No meio disso tudo existem sentimentos que

Page 5: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

49  

afloram, de modo que vários deles não conseguem ser controlados ou exteriorizados

de uma maneira que se considera dentro de parâmetros da assim denominada

“normalidade”. Nesses casos essa criança é encaminhada para um tratamento. Esse

tratamento pode ajudá-la a entender-se e a expressar-se melhor. Muitas vezes os

recursos utilizados para isso provêm da arte. Nesse caso, o trabalho artístico

deve/deveria servir para auxiliar uma melhor compreensão de mundo da pessoa

tratada. O fato de estas pessoas apresentarem transtornos psíquicos não impede

que aprendam a fazer arte de outro modo que não o expressivo. Só que o tempo

que elas levarão para assimilar conceitos básicos de arte pode variar de acordo com

o grau e o tipo do transtorno psíquico que apresenta. Mas, o que é um transtorno

psíquico? Como ele pode se caracterizar?

2. O que se entende por transtorno psíquico?

Segundo a Organização Mundial da Saúde o transtorno psíquico pode ser

momentâneo ou permanente3. No primeiro caso um comportamento “anormal” pode

ser decorrente de um trauma ou uma perda de um parente, por exemplo, mas após

um período a pessoa volta ao seu estado “normal”. No segundo caso esse

comportamento “anormal” é persistente/recorrente ou permanente. Geralmente

resulta de certa deteriorização ou perturbação do funcionamento pessoal ou em

outras esferas da vida, tal como dificuldade extremada nas relações sociais.

Abordaremos um pouco sobre um grupo específico de transtornos que são os que

mais frequentemente acometem crianças e adolescentes que estão em situação de

inclusão nos colégios: os TGDs.

                                                                                                                                       3   Baseado na Organização Mundial de Saúde – OMS - ONU, entendem-se como Transtornos Mentais e Comportamentais as condições caracterizadas por alterações mórbidas do modo de pensar e/ou do humor (emoções), e/ou por alterações mórbidas do comportamento associadas a angústia expressiva e/ou deterioração do funcionamento psíquico global. Os Transtornos Mentais e Comportamentais não constituem apenas variações dentro da escala do "normal", sendo antes, fenômenos claramente anormais ou patológicos. Disponível em: http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=230. Acesso em: 29/09/2013.

Page 6: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

50  

O significado da sigla TGD nada mais é que Transtornos Globais do

Desenvolvimento. Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos

Mentais - DSM IV (2008, p. 98), os Transtornos Globais do Desenvolvimento

caracterizam-se por um comprometimento grave e global em diversas áreas do

desenvolvimento: habilidades de interação social recíproca, habilidades de

comunicação ou presença de estereotipias de comportamento, interesses e

atividades. Os prejuízos qualitativos que definem essas condições representam um

desvio acentuado em relação ao nível de desenvolvimento ou idade mental do

indivíduo. Esta seção abarca Transtorno Autista, Transtorno de Rett, Transtorno

Desintegrativo da Infância, Transtorno de Asperger e Transtorno Global do

Desenvolvimento Sem Outra Especificidade. Esses transtornos em geral se

manifestam nos primeiros anos de vida. Os Transtornos Globais do

Desenvolvimento são observados, por vezes, acompanhando um grupo de várias

outras condições médicas gerais (p.ex., anormalidade cromossômicas, infecções

congênitas e anormalidades estruturais do sistema nervoso central). A maioria

desses transtornos é vitalícia, podendo ou não sofrer alterações conforme idade e

influências diversas. Os critérios que diferenciam um transtorno de outro estão

ligados à predominância de sexo, quando e como se manifestam as características

específicas. A partir das características gerais das crianças que apresentam alguns

transtornos psíquicos, tais como dificuldade na comunicação, distração, reação

psicológica anormal, entre outros, vimos que um modo sistemático não é o mais

apropriado para esse tipo de intervenção artística, além de termos a restrição da

instituição quanto a este método. Dito isso, falaremos agora sobre a instituição

cedente, público alvo e algumas particularidades do funcionamento do SERPIÁ.

3. Intervenção artística

A instituição Serviços e Programas para Crianças e Adolescentes – SERPIÁ,

localizada na cidade de Curitiba (PR), nos cedeu espaço para a intervenção

pedagógica de caráter artístico em sua Brinquedoteca. A Associação foi criada, em

2003, por um grupo de profissionais que tinham o intuito de oferecer atendimento

Page 7: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

51  

multidisciplinar clínico-terapêutico de qualidade para crianças e adolescentes com

transtornos psíquicos4.

As crianças que participaram das atividades estavam na faixa etária de 3 a 17

anos. Muitas delas moram em abrigos, algumas não frequentam a escola, foram

desligadas dos pais por motivos diversos, desde casos como morte até situações de

encarceramento. Algumas crianças e adolescentes fugiram diversas vezes do abrigo

e foram encontradas; outras foram adotadas. Várias delas têm uma família e

condições financeiras razoáveis, porém apresentam dificuldades diversas no

colégio. Outras fazem acompanhamento devido à separação dos pais, entre muitos

outros motivos que não tivemos acesso. A forma de denominação utilizada pela

Instituição SERPIÁ abrange casos que não apresentam a caracterização clássica de

TGD, embora apresentem pautas de dificuldade de interação social.

Uma condição particular da instituição é que esta não costuma partir do

diagnóstico para atuação com as crianças e adolescentes. Eles optaram por

descobrir, aos poucos, o meio de ajudar as crianças e adolescentes, a partir de

brinquedos e jogos, evitando assim partir de um “rótulo” inicial. Devido a esse modo

de atuação da instituição escolhida, e por não ter sido possível o acesso a

informações clínicas das crianças e adolescentes atendidos, não foram

especificadas as características dos casos, tendo sido possível apenas mostrar

algumas características que estiveram presentes no grupo que a autora optou por

trabalhar, tais como: indiferença, falta de concentração, dificuldade na

aprendizagem, relações alteradas, dificuldades perceptivas, falta de comunicação,

extrema ansiedade, pânico, comportamento agressivo, reação psicológica anormal,

compreensão insuficiente da informação visual, perturbação afetiva, resistência a

mudanças, entre outras características que encontramos durante o processo.

Levamos em consideração a criança e/ou adolescente, seus anseios, sua

curiosidade, sua motivação. Estabelecemos como critério o respeito no caso dos

mesmos não desejarem realizar determinada atividade artística ou pretenderem

                                                                                                                                       4  A instituição opta por uma denominação mais ampla: sofrimento psíquico.

 

Page 8: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

52  

interrompê-la em pleno processo de ação. Nossa intervenção foi regida pelo canal

expressivo, mas ainda assim com direção e objetivos. Pois, delimitamos o material e

a partir deste explorarmos possibilidades básicas das linguagens visuais, tais como:

as possibilidades da linha no desenho, da cor na pintura, da repetição na gravura, do

volume na escultura e dos enquadramentos na fotografia.

4. considerações gerais sobre a intervenção

Como a instituição cedente não parte do diagnóstico, mas sim o constrói ao

longo de observações e atividades, valorizando as especificidades dos

frequentadores da instituição, consideramos um modo de “ensino” genérico, o qual

pudesse servir para todas as crianças e/ou adolescentes que quisessem participar.

Essa “metodologia” se baseia no seguinte pensamento:

A experiência educativa é, para Dewey, reflexiva, resultando em novos conhecimentos. Deve seguir alguns pontos essenciais: que o aluno esteja numa verdadeira situação de experimentação, que a atividade o interesse, que haja um problema a resolver, que ele possua os conhecimentos para agir diante da situação e que tenha a chance de testar suas ideias. Reflexão e ação devem estar ligadas, são parte de um todo indivisível. (CAMPUS, 2011, p. 15).

Nossa intervenção pretendeu seguir alguns dos apontamentos descritos

acima. As crianças e/ou adolescentes foram levados a experimentar os materiais

diversos que estavam disponíveis para cada linguagem artística, podendo manipulá-

los do modo que achassem melhor. Cada material requeria uma abordagem

diferenciada, então a criança e o adolescente tiveram diferentes problemas para

resolver, a partir de sua própria escolha. Foi-lhes possível testar e modificar a forma

quantas vezes quisessem ou enquanto o material permitisse. A experimentação e o

processo eram mais importantes que o produto final. Pois, “(...) pretende-se

desenvolver ao máximo suas habilidades e competências, favorecer seu bem estar

emocional e seu equilíbrio pessoal. (...) Ao mesmo tempo deve-se considerar as

severas limitações de interação, comunicação e linguagem (...).” (BEREOHFF, 1995,

p. 213)

Page 9: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

53  

Apesar de o material limitar e direcionar a atividade, as crianças e

adolescentes podiam se expressar livremente. Na maioria das vezes a realização

das atividades ocorreu da seguinte maneira: disponibilizávamos os materiais na

mesa e começávamos a fazer algo com eles, algumas crianças ficavam curiosas e

vinham perguntar o que estávamos fazendo, dizíamos e as convidávamos para fazer

também, mostrando os materiais e deixando-a livre para escolher. Alguns diziam

não e saiam. Alguns só observavam. Outros vinham com tanta “ansiedade” para

realizar a atividade que acreditávamos que isto era devido aos materiais, de modo

que nem conseguíamos conversar com elas de forma adequada/adequadamente ou

impedi-las de sujar a roupa. Alguns paravam a atividade pela metade porque eram

chamados para o atendimento e quando saíam de lá já não queriam continuar a

atividade e escolhiam outra coisa para fazer. Alguns que já tinham participado da

proposta, a partir do segundo dia já vinham perguntando: “O que você trouxe que

legal hoje?” E participavam das atividades com muita empolgação. No espaço da

brinquedoteca havia crianças realizando atividades constantemente, pois existiam

jogos e brinquedos diversos que lhes chamavam a atenção. Além do mais, as

mesmas não tinham obrigatoriedade de participar da atividade artística. Por este

motivo, alguns experimentavam, ficavam poucos minutos e iam fazer outra coisa que

chamava a atenção deles por tudo estar funcionando ao mesmo tempo e não haver

nenhuma obrigatoriedade de continuar o que eles começavam.

5. Especificidade das linguagens e resultados alcançados

A intervenção artística consistiu na exploração de cinco linguagens das artes

visuais através de materiais alternativos. Logo abaixo, descreveremos as linguagens

específicas trabalhadas, as impressões que tivemos e os resultados alcançados.

Linguagem: Pintura; Base: Cor; Objetivos: Criar misturas de cores,

perceber diferentes texturas, observar relação entre as cores. Materiais: papéis

coloridos, papel celofane, papel espelhado, tinha guache, tinta de tecido, sulfite,

jornais, pincéis, rolos e copos com água. Caraterísticas gerais da pintura: Algumas

crianças, ao realizar a pintura, fizeram coisas parecidas, tais como demostrar

Page 10: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

54  

interesse pelo jornal que estava sendo usado como proteção na mesa, pintando

partes dele ou cobrindo figuras. Outra coisa que apareceu na pintura foi a ideia de

gravura alternativa, como pegar a pintura pronta, ainda úmida e “imprimir” noutra

folha. Além de usar uma parte da mão como matriz e a repetição da forma. Muitos

se interessaram pela pintura. Alguns ficaram admirados com a mistura de cor

formada no copo em que os pincéis foram lavados. Temos duas imagens para

ilustrar o processo e o resultado da atividade de pintura.

Linguagem: Desenho; Base: linha; Materiais: papéis, lápis de escrever,

arame artesanal colorido, lãs, tecidos, papel camurça, papel crepom, sulfite A3, cola

e tesoura. Objetivos: Utilizar a linha (base do desenho) de diferentes modos,

compreendendo os conceitos, além do “rígido” e fixo, a linha virtual, a linha “mole”

através do barbante ou fios de lã. Características gerais do desenho: Algumas

crianças se interessaram pelos tecidos coloridos, pelas lãs e pelo arame. A maioria

delas quis fazer atividades com o arame. Mostramos como fazer a base para

aqueles que comentaram ter visto trabalhos com arame que se tornam estábiles.

Muitos se interessaram, acreditamos que por esse motivo começaram a copiar uns

aos outros. Não apenas na base, mas também na forma – coração. Outras se

interessaram pelos tecidos, recortando ou costurando da maneira que melhor lhes

convinha. O desenho, na forma tradicional que conhecemos, com grafite e papel,

serviu apenas de base para outros projetos. Logo abaixo, temos duas imagens para

mostrar modos alternativos de pensar a linha.

Page 11: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

55  

Linguagem: Gravura; Base: repetição, impressão; Materiais: isopor,

rolinhos, tinha guache, rolo de macarrão, sulfite, lápis e palito de dente. Objetivo:

Realizar a experimentação de materiais, produzir diversas cópias como um carimbo;

entender a repetição; a ideia de uma matriz. Características gerais da gravura: No

início, muitas crianças ficaram curiosas e vieram realizar a atividade, porém grande

parte delas fazia uma pequena intervenção na matriz e logo queriam passar para a

próxima etapa - impressão. Mas alguns colocavam tinta demais e outros colocavam

pouca tinta e nosso sistema de impressão com o rolo de macarrão não era o dos

melhores, então muitos trabalhos não tiveram o resultado desejado pelos autores.

Consideramos que devido aos motivos acima citados, muitos desistiram depois da

primeira cópia e a maioria demonstrou não gostar do resultado. A maior parte das

crianças não se preocupava com a imagem, faziam um ou dois pontos em poucos

minutos porque queriam ver a impressão. Apenas duas crianças quiseram levar a

matriz, mas não quiseram o resultado impresso. Abaixo temos uma matriz e uma

impressão para exemplificar os resultados.

Page 12: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

56  

Linguagem: Fotografia; Base: luz; Materiais: câmera fotográfica, tecidos

coloridos e apetrechos diversos. Objetivos: Tirar fotos (detalhes e grande plano),

em movimento ou imagens sequenciais. Imprimir e manipulá-las, recortar e colar,

pintar, interferir na imagem registrada de alguma forma. Características gerais da fotografia: A fotografia foi aceita por várias crianças, até mesmo por aquelas que

não participaram de nenhuma outra atividade proposta. Porém, os adolescentes

tinham vergonha de serem fotografados, mas queriam fotografar. Fizemos uso de

tecidos coloridos e adereços diversos que havia na instituição. A pedido de duas

adolescentes foi realizado um vídeo com elas cantando e dançando. Alguns pais

tiraram fotos e quiseram ser fotografados. A maioria dos que participaram da

fotografia foram meninas adolescentes. Abaixo temos duas fotografias tiradas por

elas.

Page 13: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

57  

Linguagem: Escultura; Base: volume; Materiais: argila, sabão em pedra,

arame, palitos de dente, palitos de sorvete e canudinhos; Objetivo: Realizar e

compreender diversas formas de organizar e moldar o material a partir de suas

características. Desenvolver diversos modos de realização de uma escultura: aditiva,

subtrativa e construtiva. Características gerais de escultura: Nesta linguagem

ocorreu o mesmo que na linguagem do desenho, num certo momento, um começou

a imitar o outro. A argila foi bastante utilizada. Algumas crianças usaram o sabão e

até a argila como se fosse uma superfície plana e começaram a “desenhar” com

palito de dente. Alguns faziam quatro ou cinco formas diferentes e desmanchavam e

um deles demorou quase duas horas para realizar uma forma relativamente simples

(pirâmide). Nessa linguagem a maioria fez mais de uma escultura e exploraram

vários materiais. Abaixo temos duas esculturas para exemplificar o resultado desta

linguagem.

Vimos, de modo geral, os resultados obtidos através de cada linguagem

artística. Pudemos perceber o grande interesse do grupo pela escultura e fotografia.

Também vimos a imitação entre eles de temas e formas no desenho e na escultura.

Além da ansiedade de querer imprimir a gravura para ver o resultado e a decepção

da maioria após a primeira impressão. Bem, vejamos agora algumas observações

mais amplas referentes a análise dos resultados obtidos.

6. Análise dos resultados a partir de determinados objetivos

Page 14: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

58  

Algumas das limitações com os quais a autora da intervenção teve que lidar

para que a criança e o adolescente não deixassem de participar foram:

hiperatividade, falta de atenção, indecisão demasiada, lentidão, ansiedade

exagerada, falta de coordenação motora, autoritarismo, interesse e desinteresse

alternados num curto espaço de tempo.5 Apesar das características individuais das

crianças e adolescentes que frequentam a instituição cedente (SERPIÁ),

consideramos que a grande maioria que participou das atividades conseguiu se

expressar de acordo com sua vontade, fazendo uso dos diferentes materiais e

obtivemos muitos trabalhos artísticos com qualidade formal e expressiva. Faremos uma análise da intervenção artística enumerando alguns objetivos

que nos propusemos a alcançar, tais como: oportunizar aos educandos a expressão

de seu universo subjetivo através de suas criações em cinco linguagens das Artes

Visuais e oferecer aos educandos a livre experimentação dos materiais. Podemos

dizer que isso foi alcançado de modo satisfatório, pois não apenas várias crianças e

adolescentes demonstraram interesse, como também pais e brinquedistas da

instituição puderam realizar as atividades livremente.

Quanto ao objetivo de aprofundar conhecimentos sobre os casos de

transtornos psíquicos mais comuns ali atendidos, avaliando os limites e as

possibilidades de trabalho de artes visuais com os mesmos, não foi possível

realizarmos, pois a Instituição cedente não parte do diagnóstico.

Conseguimos perceber semelhanças e diferenças no motivo/tema da criança

e do adolescente nas linguagens artísticas exploradas/trabalhadas. Também foi

possível vermos que alguns tendiam para ideias/fantasias sobrenaturais. Por

exemplo, um deles, se valendo das quatro linguagens, fez imagens relacionadas a

temas egípcios, exceto em fotografia. Assim, foi possível compreender, em alguns

momentos, como ocorre o processo de criação a partir de algumas características

individuais das crianças e adolescentes, pois uns demoravam muito a realizar a

atividade, outros a fazia muito depressa, outros iam agregando materiais até

                                                                                                                                       5   Além da dificuldade de compreensão, por parte de alguns frequentadores, dos “procedimentos técnicos” exigidos por alguns materiais, o que apareceu muito claramente na linguagem da gravura.  

Page 15: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

59  

descaracterizar os modelos anteriores; outros, devido à diversidade do material,

ficavam muito indecisos e nem chegavam a realizar a atividade, mas só falavam

sobre o que gostariam de fazer; outros começavam e viam que não conseguiam

realizar do modo que imaginavam e desistiam. Conseguimos perceber claramente

em cada participante o interesse e desinteresse pelas diferentes linguagens. Assim

como o interesse repentino e a desistência por não conseguir um bom resultado, na

primeira tentativa, ou quando eram interrompidos por algum motivo. E também o

interesse atípico por algumas coisas tidas por alguns como banais, como por

exemplo: a água suja onde foram lavados os pincéis, ou, o jornal, que tinha por

finalidade não sujar a mesa ser mais interessante e convidativo para algumas

crianças e adolescentes, que os materiais disponíveis. Todas estas manifestações

denotaram potencialidades importantes para o processo criativo.

Em alguns momentos enquanto algumas crianças/adolescentes faziam seus

trabalhos artísticos, eles começavam a brincar6 com o material, fazendo uso do

malabarismo, do jogo das “cinco marias” e dos cubos de argila. Vimos que em certos

momentos, e para algumas crianças e adolescentes, o momento de criação era mais

um brincar com o material, do que uma preocupação com o processo técnico.

Percebe-se, portanto, que este é um aspecto valorizado pelo mundo dos adultos,

não fazendo parte da preocupação das crianças e dos adolescentes, que se

interessam mais pelo prazer do brincar do que com o produto obtido.

Como vimos acima, uma das características das crianças que apresentam

transtornos psíquicos é a dificuldade de comunicação. O caso da intervenção ora

relatada, o material em si foi um meio de relacionamento. Segundo Miranda, (1988,

p. 39) o material é estimulante e envolvente. “No caso da pintura, pelas suas cores e

textura, e no caso da modelagem pela sua maleabilidade, textura e aspecto rústico

natural”. Mas além desses materiais, o fato da criança ter à sua disposição diversas

possibilidades, tais como linhas, tintas, argila, tecidos com cores, formas e texturas

                                                                                                                                       6 A dimensão lúdica manifesta por participantes desta Intervenção nos levam a seguinte reflexão: o que é um bom brinquedo? Um bom brinquedo pode ser qualquer coisa, do mais simples ao mais complexo, até uma pessoa ou um objeto que não tem por função ser um brinquedo. O que vai caracterizar um brinquedo é a manipulação, o interesse, a motivação da pessoa ao utilizá-lo.

Page 16: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

60  

variadas, contribuiu no interesse em relação à produção e manipulação dos

mesmos.

7. Considerações finais

Consideramos que nossos objetivos foram alcançados, pois obtivemos uma

boa recepção do grupo escolhido, conseguimos trabalhar todas as linguagens

propostas com a exploração de materiais e percebemos as diferentes características

individuais dos participantes e como isso alterou o resultado final do trabalho, além

de vermos o caráter lúdico com que muitos encararam os materiais. O importante é

que o grupo teve acesso a cinco linguagens das artes visuais e puderam mostrar

seus interesses, sentimentos e conhecimentos através da manipulação dos

materiais. Portanto, vemos que a livre expressão em arte para esse público

específico pode nos revelar muitos aspectos sobre suas características psíquicas.

Não esquecendo, vale ressaltar, que o processo é mais importante que o resultado

final. Sendo assim, vimos que a arte pode intervir de maneira positiva no processo

de socialização/comunicação destes indivíduos.

8. Referências

BEREOHFF, Ana Maria P. Autismo: uma história de conquistas. Pontos de Vista: o que pensam outros especialistas? Em aberto, Brasília, ano 13, n. 60, out./dez. 1993.

CAMPUS, Patrícia. Arte e Educação. John Dewey: o educador que pôs a prática em foco. 2011. Disponível em: http://profpatriciacampos.blogspot.com/2011/01/john-dewey-o-pensador-que-pos-pratica.html. Acesso em 18/06/2011.

Page 17: ARTES VISUAIS COMO APOIO PEDAGÓGICO A CRIANÇAS E ...virtual.udesc.br/eventos/ixencontro/04.pdf · Essas atividades pré-solucionadas exigem da criança uma resposta mecânica, pressupõem

 

Anais  do  IX  Encontro  do  Grupo  de  Pesquisa  Educação,  Artes  e  Inclusão  –  01  e  02  de  outubro/2013  Florianópolis  –  CEART/UDESC  –  ISSN:  2176-­‐1566  

 

61  

FERRAZ, M. H. C. T; FUSARI, M. F. R. e. Arte na Educação Escolar. São Paulo: Cortez, 2001(Coleção magistério 2º grau. Série formação geral).

__________________________________ Metodologia do ensino de Arte. São Paulo: Cortez, 1993. (Coleção magistério 2º grau. Série formação do professor).

MIRANDA, Sônia Maria Guariza. Artes plásticas: uma abordagem junto a crianças com distúrbios graves de comportamento. Monografia, UFPR,1988.

OAKLANDER, Violet. Descobrindo crianças: a abordagem gestáltica com crianças e adolescentes. São Paulo: Summus, 1980.

PAREYSON, Luigi. Definição da Arte. In: PAREYSON, Luigi. Problemas de estética. São Paulo: Martins Fontes, 1984 (pp. 29-33).

READ, Hebert. A educação pela Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1958.

SERPIA. Disponível em: <http://serpia.org.br/serpia/historia/> Acesso em: 10/11/2011.

Valéria Metroski de Alvarenga Mestranda em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) na linha de pesquisa Ensino da Arte. Especialista em Docência no Ensino Superior (UNICID), Metodologia do Ensino da Arte (UNINTER) e Arte Terapia (ITECNE). Graduada em Artes Visuais licenciatura e bacharelado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).