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Anais do X Encontro do Grupo de Pesquisa Educação, Arte e Inclusão – 01, 02 e 03 de Dezembro de 2014 Florianópolis – CEART/UDESC – ISSN: 2176-1566 115 PROCESSO CURATORIAL DA MOSTRA BRETE FOTOGRÁFICO: UM EXERCÍCIO DE LEITURA SOBRE IMAGENS DA AGRICULTURA FAMILIAR EM SANTA CATARINA Sebastião Gaudêncio Branco de Oliveira 1 RESUMO: Este relato de experiência propõe a apresentação e uma primeira discussão sobre a Mostra Brete Fotográfico cujo tema foi agricultura familiar em Santa Catarina. A mostra conta com 20 imagens de 20 fotógrafos amadores e profissionais, selecionados por meio de chamada pública. A mostra ocorreu durante o Seminário de Agricultura Familiar em novembro de 2014. Iniciamos com a pesquisa realizada durante sua confecção a partir de obras de arte, visitas em espaços culturais e catálogos de exposições. No segundo momento apresentamos aspectos constituintes a respeito da mostra. A discussão apresenta uma possível leitura de algumas das fotografias correlacionadas com a literatura no campo da estética, antropologia e sociologia. A mostra resultou na formação de um acervo que possibilita a apreciação, além de reflexões acerca do tema. Palavras-chave: Mostra brete fotográfico; agricultura familiar; leitura de imagem. ABSTRACT:This experience report proposes the presentation and a first discussion on the Mostra Brete Fotográfico whose theme was family agriculture in Santa Catarina. The show features 20 images of 20 photographers both amateur and professional, selected through a public call. The show took place during the Family Farming Seminar in November 2014. We began to research conducted during its preparation from works of art, visits to cultural venues and exhibition catalogs. In the second phase constituents present aspects about the show. The discussion presents a possible reading some of the photographs correlated with the literature in the field of aesthetics, anthropology and sociology. The show resulted in the formation of a collection that allows the appreciation, as well as reflections on the subject. Keywords: Mostra brete fotográfico; family farming; image reading. Introdução O presente relato de experiência pretende apresentar os elementos conceituais que configuraram a Mostra Brete Fotográfico, ocorrida no Hall do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis no mês de novembro de 2014, durante o Seminário de Agricultura Familiar: Contexto atual, novos desafios e perspectivas para a agricultura 1 Aluno de graduação em Artes Visuais Licenciatura pela Universidade do Estado de Santa Catarina, curador da Mostra Brete Fotográfico. [email protected].

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Anais do X Encontro do Grupo de Pesquisa Educação, Arte e Inclusão – 01, 02 e 03 de Dezembro de 2014 Florianópolis – CEART/UDESC – ISSN: 2176-1566

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PROCESSO CURATORIAL DA MOSTRA BRETE FOTOGRÁFICO: UM EXERCÍCIO DE LEITURA SOBRE IMAGENS DA AGRICULTURA FAMILIAR EM

SANTA CATARINA

Sebastião Gaudêncio Branco de Oliveira1

RESUMO: Este relato de experiência propõe a apresentação e uma primeira discussão sobre a Mostra Brete Fotográfico cujo tema foi agricultura familiar em Santa Catarina. A mostra conta com 20 imagens de 20 fotógrafos amadores e profissionais, selecionados por meio de chamada pública. A mostra ocorreu durante o Seminário de Agricultura Familiar em novembro de 2014. Iniciamos com a pesquisa realizada durante sua confecção a partir de obras de arte, visitas em espaços culturais e catálogos de exposições. No segundo momento apresentamos aspectos constituintes a respeito da mostra. A discussão apresenta uma possível leitura de algumas das fotografias correlacionadas com a literatura no campo da estética, antropologia e sociologia. A mostra resultou na formação de um acervo que possibilita a apreciação, além de reflexões acerca do tema. Palavras-chave: Mostra brete fotográfico; agricultura familiar; leitura de imagem. ABSTRACT:This experience report proposes the presentation and a first discussion on the Mostra Brete Fotográfico whose theme was family agriculture in Santa Catarina. The show features 20 images of 20 photographers both amateur and professional, selected through a public call. The show took place during the Family Farming Seminar in November 2014. We began to research conducted during its preparation from works of art, visits to cultural venues and exhibition catalogs. In the second phase constituents present aspects about the show. The discussion presents a possible reading some of the photographs correlated with the literature in the field of aesthetics, anthropology and sociology. The show resulted in the formation of a collection that allows the appreciation, as well as reflections on the subject. Keywords: Mostra brete fotográfico; family farming; image reading.

Introdução

O presente relato de experiência pretende apresentar os elementos

conceituais que configuraram a Mostra Brete Fotográfico, ocorrida no Hall do Centro

de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC), em Florianópolis no mês de novembro de 2014, durante o “Seminário de

Agricultura Familiar: Contexto atual, novos desafios e perspectivas para a agricultura

1 Aluno de graduação em Artes Visuais Licenciatura pela Universidade do Estado de Santa Catarina, curador da Mostra Brete Fotográfico. [email protected].

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familiar em Santa Catarina”2. Primeiramente serão apresentadas as referências que

estimularam sua criação em uma esfera teórica, social e individual, a partir de obras

visitadas em espaços culturais nacionais e catálogos de exposições, seguido por

uma análise das imagens submetidas à mostra. Pretende-se discutir sucintamente

aspectos históricos do contexto rural do estado catarinense a partir de algumas

referências da sociologia rural e história da arte, para formar um pensamento crítico

de análise da iconografia das fotografias selecionadas na mostra que agora

configuram o acervo do Núcleo de Pesquisa da Agricultura Familiar (NAF) da UFSC,

disponível para pesquisa e novas propostas de exposição.

Retalhos e caminhos em espaços culturais

Segue o relato da trajetória teórica para a proposição e realização da mostra.

Inicia-se no Museu de Arte de Santa Catarina (MASC), onde, durante as aulas de

Teoria e História da Arte IV e V3, visitamos a reserva técnica e pudemos observar

obras que não estão em exposição, com o objetivo de compreender4 a formação de

regimes de verdades em relação ao alto modernismo, assim como formar um

repertório imagético da arte moderna no Brasil, priorizando a atuação das

vanguardas no período do entre guerras.

Uma das obras analisadas nessas aulas foi Colheita de Trigo (1910), do

artista filho de imigrantes alemães, Pedro Paulo Weingärtner (1853-1929). Em óleo

sobre a tela, a obra revela ícones da ocupação no campo de sua época, em um jogo

de luz e sombra primoroso, aceso pelo amarelo quase branco de um intenso dia de

sol, onde nove personagens humanos, quatro potros, montes e lajes de pedras,

circundam todo o trigo, fruto da colonização. A obra revela versos de uma poesia

pictórica típica do laboro acadêmico da época.

2 Organizado pelo Núcleo de Pesquisa sobre Agricultura Familiar (NAF) e os Laboratórios de Agricultura Familiar (LAF), de Comercialização da Agricultura Familiar (LACAF) e de Estudos da Multifuncionalidade Agrícola e do Território (LEMATE). Os coordenadores principais foram: Valmir Stropasolas e Maria Ignez Silveira Paulilo. 3 Ministradas por Dra. Rosângela Cherem, em uma parceria institucional da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) com a Fundação Catarinense de Cultura (FCC), 4 Disponível em: http://www.masc.sc.gov.br/index.php?mod=pagina&id=17133&grupo=1126 acesso em jan 2015.

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Na Pinacoteca de São Paulo, também está disponível5 para o público a obra

do mesmo artista, Ceifa em Anticoli (1903), apresentando ícones semelhantes, mas

neste caso, a figura feminina trabalha em primeiro plano, o domador de cavalos

volta-se ao lado oposto, e há um carroceiro ao fundo. Ambas as pinturas, remontam

um olhar daquele que viveu no campo, conheceu histórias do campo, possuiu um

capital cultural sobre o campo, no entanto, não refletem a sensação dos viventes de

lá, ou se refletem apenas de forma romântica e sonhadora.

Ainda nas aulas de Teoria e História da Arte, recebemos a pesquisadora Dra.

Lucésia Pereira, que apresentou-nos a coleção de gravuras Lopes Mateos do

MASC. Essas gravuras foram recebidas pelo antigo Museu de Arte Moderna de

Florianópolis (MAMF) a pedido de João Evangelista Andrade Filho em 1962, mesmo

ano em que o ex-presidente do México esteve ao Brasil. A série de 49 gravuras, do

ateliê Taller de Grafica Popullar (TGP) exibe uma perspectiva bastante diferenciada

que as obras anteriormente citadas, pois revela um memorial da resistência

camponesa, além de registros de fatos da revolução de 1910 (PEREIRA, 2010).

Importante ressaltar que a produção do ateliê, fundado em 1937 por Leopoldo

Méndez (1902-1969) e Pablo O´Higgins (1904-1983), tinha como objetivo central

tornar a educação crítica acessível à toda a população, visando uma “politização da

arte em” oposição à “estetização da política” enunciado por Susan Buck-Mors

(1996).

5 Arte no Brasil: uma história na pinacoteca de São Paulo de 15.out a 27.dez 2015.

Figura 2 Ceifa em Anticoli, óleo sobre tela, 50x100cm, 1903, Pedro Weingärtner. Acervo Pinacoteca de São Paulo. Foto de Sebastião Oliveira

Figura 1 Colheita de Trigo, óleo sobre tela, 97x196cm, 1910, Pedro Weingärter. Acervo MASC.

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Para a presente análise, optou-se em demonstrar a obra El mercado de pan

de Tlacocula (1956) de Arturo Garcia Bustus. Na obra aparece uma tenda instalada

em Tlacocula6, com pilares quadrados, rijos e centrais, onde forquilhas nas laterais

aparentemente correspondem a madeiras de floresta tropical. A cena lança o

observador em direção aos pontos de fuga do telhado que visivelmente corresponde

a algum material orgânico, como folhas, distribuídos linearmente, com traços retos

inclinados em direção ao ponto de fuga que encerra em uma parede de tábuas

justapostas. Escavados sobre a maciez da placa de linóleo, vê-se em primeiro plano

à esquerda, uma figura, de calças escuras e camisa clara, segurando as asas de

uma ave, num gesto despretensioso e íntimo. Vemos algumas imagens de figuras

femininas sentadas, com longas mantas, que olham para possíveis compradores. A

moldura negra, retém o olhar ágil e agitado, iludido com as figuras que demonstram

multidão e ao mesmo tempo sugerem um silêncio, como o cão que procura restos

para se entreter (OLIVEIRA, p.2, 2014).

Figura 3 El mercado de pan em Tlacocula. Arturo Garcia Bustus.

Linoleogravura, 36x48,5cm, 1956. Acervo Museu de Arte de Santa Catarina.

Em uma perspectiva mais atual, está a proposta da 31ª Bienal de São Paulo,

intitulada Como (...) coisas que não existem, visitada em outubro de 2014. O título da

bienal já parte de uma sugestão de movimento, possibilitando variações entre

6 Município Mexicano do Estado de Oaxaca.

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pensar, ler, fazer, falar sobre, encontrar, sonhar, algo que lança o pensamento para

o conflito entre opiniões/ações, pois7

A 31ª Bienal quer analisar diversas maneiras de gerar conflito, por isso muitos dos projetos têm em suas bases relações e confrontos não resolvidos: entre grupos diferentes, entre versões contraditórias da mesma história ou entre ideais incompatíveis. As dinâmicas geradas por esses conflitos apontam para a necessidade de pensar e agir coletivamente, modo mais poderoso e enriquecedor do que a lógica individualista que nos é geralmente imposta. (FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO)

Uma das obras expostas na bienal foi Martírio (2014), do artista Thiago

Martins de Melo. Tal obra apresenta vestígios que nos permitem pensar sobre este

“agir coletivamente”. Quando o visitante encontra com este misto de instalação,

pintura e escultura, e é possível sentir o aroma do óleo e da terebintina, e

principalmente experimentar a textura de grossas camadas de tinta, em cores

saturadas e contrastantes, evocando a ambivalência das condições humanas. Parte

da instalação era composta por totens feitos com pneus de tratores, os quais tinham

suas bases elevadas por um pilar que se abria em direção ao teto com espingardas

e motores para serrar. Também apresentava figuras de flechas atravessadas e

cabeças de barro envoltas por arame farpado, igualmente pintado a óleo, evocando

o corpo suculento medieval. Dos painéis pintados em grande escala, a figuração

apresenta retratos e cenas de combate, resistência e corpos feridos, e além disso

havia descrito nomes de vitimas da extração de recursos naturais8.

7 Em: http://www.31bienal.org.br/pt/information/754 acesso jan 2015. 8 “A obra presta homenagem aos mártires amazônicos, centenas de trabalhadores e líderes comunitários que morreram anonimamente na luta pela defesa da terra. Uma paisagem virgem e a imagem de Carajás como um grande deserto – fruto do extrativismo voraz dos seus recursos naturais até hoje – são enquadradas pelo cerco fechado das colunas impostas pelo processo civilizatório. Nesse cenário encontram-se ainda dois caboclos do vodum, religião africana que concentra seguidores em São Luís, cidade natal do artista. Sua presença é de proteção e também de conflito, uma dupla de sensações que a instalação quer fazer sentir na carne do espectador.” Em: http://www.31bienal.org.br/pt/information/754 acesso jan 2015.

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No relato disponível no catálogo da bienal, o artista faz menção a fatos

ocorridos em locais onde este não esteve presente, no entanto, a partir da utilização

de referências bastante universalizadas, ele aproxima tais fatos à sua vivência

pessoal. A “(...) instalação quer fazer sentir na carne do espectador” (Ibidem, 2014) é

um indício da relação de troca que pode ocorrer entre artista-obra-público, negando

a lógica pós-moderna de mitificação da origem como principal responsável pela

significação da obra. Este mito da origem parte de um essencialismo dependente de

um lugar de enunciação, seja por gênero, etnia ou nação. Aqui, na obra Martírio os

suportes e superfícies cederam lugar a trajetos, ou deslocamentos históricos e

geográficos, manifestando-se por uma ética de resistência à globalização vulgar,

pautadas em consumidores de perfis-padrão (BOURRIAUD, 2011).

Essas três composições, a que retrata o campo pelo seu lado mais romântico

e idealizado e os que implicam em denúncias sociais e políticas (em outro país e em

outro período, e no Brasil, atualmente), são as referências que guiaram a análise

das imagens submetidas à mostra, como veremos a seguir.

O tema: agricultura familiar

Figura 4 e 5 - Acima esboço gráfico. Ao lado Fragmento da obra Martírio, óleo sobre tela, 2014, Thiago Martins de Melo. Imagem disponível em: http://www.31bienal.org.br/pt/post/1537

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A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO)9

demarcou o ano de 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar

pretendendo aumentar a visibilidade da agricultura familiar e dos pequenos

agricultores em uma esfera mundial, definindo-os da seguinte maneira:

A agricultura familiar inclui todas as atividades agrícolas de base familiar e está ligada a diversas áreas do desenvolvimento rural. A agricultura familiar consiste em um meio de organização das produções agrícola, florestal, pesqueira, pastoril e aquícola que são gerenciadas e operadas por uma família e predominantemente dependente de mão-de-obra familiar, tanto de mulheres quanto de homens.Tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento, a agricultura familiar é a forma predominante de agricultura no setor de produção de alimentos. (FAO, 2014)

É no entorno dessas discussões que o Núcleo de Pesquisa sobre Agricultura

Familiar (NAF) e os Laboratórios de Agricultura Familiar (LAF), de Comercialização

da Agricultura Familiar (LACAF) e de Estudos da Multifuncionalidade Agrícola e do

Território (LEMATE) propuseram a realização do Seminário de Agricultura Familiar.

Visando proporcionar experiências significantes para os participantes, foram

realizadas duas atividades importantes: um café colonial oferecido pelo Movimento

Slow Food Brasil10, com alimentos orgânicos, locais e oriundos da agricultura familiar

e a mostra fotográfica.

A Mostra Brete Fotográfico surgiu, portanto, para promover discussão e

cooperação em âmbito estadual e assim, aumentar a conscientização e

entendimento dos desafios que os pequenos agricultores enfrentam, abrindo

oportunidade de se pensar mudanças a partir do desenvolvimento de políticas

agrícolas. Na proposição da mostra, o ponto de conflito básico apresentava-se

anterior às escolhas das imagens. Emergiam questões como: qual a visão que os

9 A FAO, enquanto organização de nível mundial, tem como objetivos a erradicação da fome e da pobreza, a provisão de segurança alimentar e nutricional, a melhora dos meios de subsistência, a gestão dos recursos naturais, a proteção do meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável, particularmente nas áreas rurais Em http://www.fao.org/family-farming-2014/home/what-is-family-farming/pt/ acesso em dez 2014. 10 Fundado por Carlo Petrini em 1986, o Slow Food se tornou uma associação internacional sem fins lucrativos em 1989. O princípio básico do movimento é o direito ao prazer da alimentação, utilizando produtos artesanais de qualidade especial, produzidos de forma que respeite tanto o meio ambiente quanto as pessoas responsáveis pela produção, os produtores. Para saber mais: http://www.slowfoodbrasil.com/

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inscritos possuem a respeito do tema agricultura familiar? Ou que tipo de relação se

estabelece entre o visitante no espaço rural? Pensávamos que as imagens poderiam

vir com uma estética declaradamente ilustrativa de acontecimentos, com cenas

estáticas posadas, ou poderia haver cenas que denunciam o descaso das

autoridades para com a população rural catarinense.

É importante ressaltar que criar expectativa com uma chamada pública é algo

bastante delicado. É necessário estar aberto aos resultados, e estes tornaram-se os

vestígios distantes do imaginário Agricultura familiar em Santa Catarina, conforme

definido pelo tema central, mas ecoa verdades, lugares, espaços, pessoas, políticas,

condições, sensibilidades, diferenças, enfim, a parcela visível do que algo

documental pode proporcionar de informação “categorizante”, apresentando assim

uma esfera ficcional. A mostra não pretendeu esgotar o assunto, mas levantar

questões a partir da experiência de olhar.

A unidade formal brete enquanto sensação

A Mostra Brete Fotográfico (2014)11 foi estruturada pela curadoria, entendida

como obra12, onde o gesto e as ações voltam-se para a pesquisa e preparo de um

recorte temático da concepção e da forma da exposição e seus procedimentos de

montagem; a afirmação de uma coleção, a articulações com outros meios de

comunicação e o uso de ampliação fotográfica em fine art.

Por meio de um edital13 divulgado nas redes sociais, sítios eletrônicos,

cartazes em lugares considerados estratégicos e pelas listas de contatos dos

organizadores do evento, a mostra se caracterizou a partir da chamada pública. Na

preparação do edital, foi decido que a mostra seria composta por trabalhos de

fotógrafos profissionais e/ou amadores, naturais do estado de Santa Catarina ou

11 Catálogo completo em: http://naf.ufsc.br/files/2015/03/1-Cat%C3%A1logo-Mostra-Brete-Fotogr%C3%A1fico-2014-CFH-NAF-UFSC-1.pdf acesso em abril 2015. 12 Hoffmann, Jens. A exposição como trabalho de arte/ The Exhibihion As a Work of Art. Rio de Janeiro: Escola de Artes Visuais do Parque Lage/UERJ, 2003. 13 Edital completo disponível em: http://naf.ufsc.br/files/2014/10/Edital-Mostra.pdf

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moradores. A inscrição seria exclusivamente por email, fato que possivelmente pode

ter distanciado pessoas sem acesso à internet, incluindo agricultores.

Como não havia intenção de avaliar a qualidade técnica das fotografias

submetidas, considerando que poderiam participar profissionais e amadores,

optamos em premiar três participantes por meio de sorteio14 de três cestas com

produtos agroecológicos e orgânicos, seguindo a proposta do Seminário. Além

disso, todos os participantes receberam o certificado de participação na mostra.

Quanto às condições técnicas para a seleção das imagens, foram

estabelecidos alguns critérios para possibilitar a fatura das fotografias impressas.

Dessa forma, foi exigido imagens com qualidade superior a 300 dpi, embora

algumas inscritas tivessem formato e qualidade reduzidos, o que demandou alguns

ajustes. As 20 fotografias selecionadas foram ampliadas sobre o papel Arches Velin

Museum Rag15, naturalmente resistente e que possui uma superfície e estrutura lisa

de grão fino, feito 100% com fibras de algodão a partir de uma técnica que remonta

a idade média. O papel apresenta boa resistência à água, não possui agentes

branqueadores o que permite maior consistência das sombras, e atende aos

requisitos de longevidade de galerias e museus, respeitando o padrão ISO 9706. Na

proposta inicial as fotografias seriam ampliadas em formato A3 (30x42cm), no

entanto, pela escassez (ou corte) de recursos, foram feitas no formato A4 (21x29cm)

com margem de um centímetro, aplicadas em placas de PVC.

Para consolidarmos a proposta de “brete” (corredor por onde passam

animais), nossa ideia inicial era utilizar 20 painéis de madeira, dispostos em duas

linhas, lado a lado, com o chão recoberto por folhas de pinus16. NEmbora os painéis

14 Sorteio realizado no PGA em Janeiro de 2015. Os sorteados foram: Ana Paula Storck, João Matheus Acosta e Mariana Berta. 15 Disponível em: http://canson.com.br/produtos/5-velin-d-arches__.html acesso em dez 2014. 16 A proposta de utilizar grimpas de pinus é uma maneira de denunciar as monoculturas arbóreas que tem se multiplicado no estado Catarinense. O pinus é uma espécie exótica e consta entre as mais utilizadas nesse tipo de exploração, sendo considerada prejudicial por expressivas parcelas de pesquisadores e pelos agricultores. Entre as principais reclamações, estão: o consumo excessivo de água, a contaminação da terra e das águas subterrâneas pelo uso de agrotóxicos (combate as formigas) e pelas grimpas, que por serem ácidas, impedem que outra vegetação coexista. Assim, as plantações de pinus são comumente chamadas de “desertos verdes”.

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estivessem reservados, não foram localizados no Centro de Filosofia e Ciências

Humanas, por isso utilizamos apenas dez painéis de madeira emprestados do

Centro Sócio Econômico (CSE). Apesar da redução no espaço previsto para a

exposição, foi mantido a ideia: foram dispostos cinco painéis de cada lado, formando

um corredor. Em cada painel foram fixadas duas imagens e no chão foram

espalhadas grimpas de pinus.

A instalação foi montada no centro do Hall do CFH, que como muitos se

caracteriza por ser um local de transeuntes - inóspito, cinza, quadrado, econômico e

gasto pelo tempo. O fato é que a experiência ao visitante durava por média de 12 a

20 segundos. Uma imersão impensada, que ao dar-se conta do que foi submetido,

pode (ou não) gerar desestabilização do pensamento considerando a materialidade

de um brete17, que é local de abate, marcação, vacinação, banho, parto e trânsito de

um local ao outro.

Com apoio da Secretaria do CFH, conseguiu-se o recurso necessário para

impressão de 300 catálogos formato A5, P&B que foram distribuídos gratuitamente

durante a mostra e posteriormente publicada na internet, com o seguinte texto na

capa redigido pelo curador:

O conceito brete remete-se à uma estrutura em forma de linha utilizado para o manejo do gado, onde este se vê encurralado, preso, trancafiado. Quando vazio é apenas um caminho, quando cheio os animais ali presentes obrigatoriamente devem seguir para frente, sem qualquer possibilidade de voltar por onde adentrou. A mostra em forma de corredor com um tapete de pinus instala-se de maneira que envolve o expectador que optou em adentrar. Este se torna expectador-participante, pois ao mergulhar na cena de imagens é forçado a se questionar: O que é isto? De onde vim? Para onde vou? Que está acontecendo com a agricultura familiar em Santa Catarina? (OLIVEIRA, 2014).

17 Em 1993 a artista Mercedes Barros compôs uma série de fotografias denominada Brete: Série criada em Colônia, Alemanha, com mais de 500 fotos de bois e vacas na guilhotina do curral de uma fazenda no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Em uma metáfora às pessoas que são discriminadas, julgadas e condenadas de antemão pelos serviços de imigração nos aeroportos, esse trabalho se baseia na própria experiência da artista nos aeroportos dos EUA, “onde me sentia como vaca no curral”. Em: http://www.mercedesbarros.net/Brete acesso out de 2014.

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O texto acima apresenta e confronta o leitor a se imaginar em um espaço-

tempo sem retorno, próximo da efemeridade das relações humanas na atualidade

entendida enquanto “conflito” como abordado no capítulo anterior.

Voltando rapidamente à ficha de inscrição, ressaltamos que nela exigiam-se

os dados pessoais e contatos básicos, e havia também opções como esclarecimento

técnico do ato fotográfico, nome artístico, título, e um relato de experiência que foi

inserido no catálogo. A forma básica deste último foi inspirada pelo catálogo

Exposición Fotográfica: Imágenes, diversidades y contrastes latinoamericanos

(MÉNDEZ; LÓPEZ, 2014)18. O catálogo apresenta fotógrafos de diversos locais da

América Latina, inclusive do Brasil, exibindo o local onde a imagem foi realizada, a

data, o título da obra e um breve relato. A composição deste catálogo da exposição

mexicana segue uma lógica que inicia com uma série de retratos, uma série de

cenas em ambiente externo, série de referências ao trabalhador rural, série de

imagens de denúncia e crítica às condições sociais. As fotos presentes são do ano

de 1989 até 2014, todas apresentam um título denso explicativo e foram

reproduzidas em cor.

Ao contrário deste catálogo de base, optamos, devido ao âmbito reduzido do

evento, formulá-lo em ordem alfabética pelo nome do selecionado, com apenas uma

fotografia por página, impresso P&B, totalizando vinte e duas páginas na versão

impressa, e vinte e quatro na versão digital disponível na página do NAF-UFSC.

Dado o ocorrido, partimos para a fase leitura das obras, em uma breve

análise iconográfica envolvendo elementos constituintes formais, entrelaçando

possíveis efeitos de sentidos com teorias históricas, estéticas e sociológicas, a fim

de ampliar o debate sobre a agricultura familiar.

Leitura das imagens selecionadas e reflexões sobre apreciações

Como já explicitado anteriormente, foram selecionadas 20 fotografias, no

entanto, houveram apenas 22 inscritos, sendo os que não foram selecionados foram 18 Ocorrido durante o IX Congreso Sociedades Rurales Latinoamericanas: Diversidades, contrastes y alternativas (ALASRU) na Cidade do México em outubro de 2014.

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excluídos por critérios de repetição de cena e por enviar fotografia de baixa

resolução. Portanto, não há como pretender abarcar o todo com uma amostragem

nessa dimensão. Cabe a nós, olhar para este material, como um marco inicial, daqui

para diante, e posteriormente alargar as possibilidades de visualidades acerca do

tema. Considera-se aqui a leitura da imagem, aliado ao relato (quando há) e às

especificações fornecidas pelos autores. Iniciamos com o registro de assentamento.

Maria Ignez Paulilo (p. 121, 1998) comenta que os assentamentos de reforma

agrária são resultantes de dois movimentos: o primeiro é a “exclusão histórica de

significativo contingente populacional com relação à propriedade de terra”, e o

segundo a “reação dessa população, com outros setores da sociedade que com ela

se solidarizam”. Essa exclusão história se dá, tanto pela questão da colonização e

imigração europeia, quanto pelas oligarquias muitas vezes escravocratas detentoras

de grandes territórios.

Domingo de canções entre agricultores assentados (2012) de Hélène

Chauveau, possibilita visualizar oito homens, em faixa etárias distintas, em uma roda

de violão, cuja bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

está acima da figura central. Além disso, a foto se compõe com cores vibrantes, em

contraste de verde e vermelho. Também há flores e uma espécie de pequena gruta

de pedra triangular, onde a artista/pesquisadora cita fatos relacionados à herança

italiana. Paulilo (p.85, 1998) comenta que os imigrantes italianos começaram a

chegar à Santa Catarina, a partir de 1875 e se estendeu por empresas particulares

no início do século XX. A autora sugere que a preocupação do governo brasileiro,

era “branquear” seu povo mestiço, pautado na crença da superioridade da raça,

mesmo, fornecendo pouco, ou quase nada de auxílio aos “novos” habitantes.

Seguindo a análise, temos Os sem-terrinha (2010) de João Matheus Acosta,

que exibe um enquadramento que respeita a lógica dos terços e apresenta lances

geométricos que tornam as figuras dos jovens como ponto de fuga. A sandália

dobrada de uma garota, quase expõe sua timidez ao ser fotografada por alguém que

se dedicou a abaixar-se para extrair o plano de visão da criança. O branco no fundo

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preto da lona de um assentamento amplia o enigma da troca de olhar entre o

fotografado e o visitante da exposição.

Quatro registros se referem à produção animal. Em Joca (2011) Gláucia

Maindra revela o cuidado e proximidade entre o homem, identificado como seu avô

no relato anexado, e um frango, que mesmo fazendo parte da subsistência familiar é

tratado com algum respeito e até carinho. Zenório Piana registrou uma Criação de

ovelhas em propriedade familiar (2013) em Bom Jardim da Serra. Lia Fuhrmann

Urbini e Ligia Marina de Almeida estiveram em Abelardo Luz e olharam de modo

monocromático cenas de criações de gado. O que a imagem se esmaece no

entardecer de Urbini (sem título, 2014), Almeida mostra o campo aberto em sua foto

Criação (2014), onde se supõe o flerte mamífero entre cria e mãe.

Odilon Poli no livro A terra é vida organizado por Eliane Fistarol (2008),

discorre brevemente sobre os movimentos sociais rurais no oeste de Santa Catarina

surgidos a partir de 1970, entre os quais figuram o Movimento dos Sem Terra (MST),

o Movimento das Mulheres Agricultoras (MMA), o Movimento dos Atingidos pelas

Barragens do Uruguai (MAB) e o Movimento de Oposições Sindicais. O autor

menciona que a partir desse período, a região oeste registra mobilizações

envolvendo distintos extratos da população rural contra “os efeitos do processo de

modernização da agricultura, identificado com a política agrícola do governo militar”

(ibdem, p.15), que favorece o grande estabelecimento de caráter empresarial e

coloca os pequenos produtores em desvantagem, culminando em problemas sociais

como o êxodo rural, já retratado no livro Terra de Sebastião Salgado (et al. 1997).

Buscando retratar a diferença quanto o acesso à tecnologias, as fotografias O

campo que habito (2014) de Larissa Janning e O sentido está nas coisas que

valorizamos (2014 ) de Ana Kuneski foram expostas lado a lado, buscando criar uma

justaposição ou diálogo entre elas. As fotos se referem a fragmento dos municípios

de Águas Mornas e Concórdia, e têm como ícones centrais em diagonais, ora um

carro de boi, ora um trator mecânico.

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Também de Concórdia, vem Mariana Berta com a imagem Santa Catarina

(2014) em um arranjo abstrato geométrico à beira do desequilibro, onde sombras,

cores, formas e citações são vistos com facilidade. A artista visual versa com

sentimentos e percepções dos mais primitivos e básicos ao “aparato sensorial

corpóreo”, ou “sistema sinestético” (BUCK-MORSS, 1996). Com essa imagem,

desconstrói manchas do passado e abre possibilidade para o ser poético, tocando

também, no assunto dos jovens que migram por tempos19.

Sérgio Luiz Zampieri, com a fotografia O futuro à vista (2004) apresenta um

homem olhando a pastagem de inverno. Um agricultor, um gaúcho? Ribeiro (1979)

fala a respeito dos povos Rio-platenses, incluindo Gaúchos e Ladinos, e segundo

ele, nas pulperias negociavam os poucos artigos mercantis que interessavam ao

“gaúcho: o mate, o sal, os fósforos, a cana, o tabaco, os facões, os metais dos

arreios e pouco mais” (p. 479, 1979) que o difere do camponês ladino, que “se deixa

atar ao vilarejo e à lavoura, ou que se faz peão de serviços subalternos das

estâncias” (p.478), deixando o peão gaúcho à margem, visto como abjeto.

A fotografia de Zampieri apresenta uma unidade formal próxima à obra

Farinhada (2010) de Sônia Vill. O relato da fotógrafa enfatiza a produção de

alimentos e comenta que os agricultores que ela conheceu representaram o Brasil

em Turim, na Itália, no evento Terra Madre. Outras fotografias buscam demonstrar a

diversidade na produção de alimentos.

É o caso de Diversificando o olhar (2014), de Letícia Pereira, onde se vê

registrado uma ampla diversidade de frutas, legumes, verduras e plantas medicinais.

No relato, Pereira refere-se ao Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), e nos

parece relevante o fato de que entre todas e todos os inscritos na mostra, Pereira foi

a única a se identificar profissionalmente enquanto agricultora.

19 Nas palavras de Mariana Berta no catálogo da Mostra Brete Fotográfico: O registro fotográfico é do lugar onde cresci e que não mais vivo, com o qual no presente tenho uma relação distante e que ao mesmo tempo carrego no meu corpo, no meu verbo, barroco, decorado de passado, barrento. Registros que vêm comigo como lembrança de cada curta visita, trazida de um lugar onde o ritmo do tempo é dado pela natureza, não pelo homem.

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Ainda sobre essa imagem, poder-se-ia estabelecer alguma conexão com as

gravuras e pinturas de Jean Baptiste Debret, mas mantendo nosso foco no material

da mostra, observamos que a diversidade produtiva dialoga com a fotografia de

Rafael Vidal, Sentir a diversidade nas mãos (2013), pois exibe, em um momento de

descontração, o manejo e armazenamento de sementes crioulas. No relato o autor

declara que “no início as mulheres eram a companhia dos maridos, com o passar do

tempo foram elas as que mostraram mais interesse nas variedades e principalmente

em qualidade pela alimentação” (in: OLIVEIRA, 2014).

A fotografia de Grazi Ramos, A arte de aprender fazer: açúcar! (2013) nos

remete a produção de alimentos processados, como os sucos, laticínios, embutidos,

doces, por exemplo.

Também há um registro sobre a Maricultura (2010) de Kellem Ghellere Rosso.

A fotografia já compunha o acervo digital mantido pelo Núcleo de Pesquisa sobre

Agricultura Familiar, do qual Rosso fez parte durante sua graduação. O registro foi

submetido sem relato, mas a imagem enfatiza o trabalho artesanal despendido

nessa atividade.

As imagens nos permitem recombinações que dialogam com vivências

corriqueiras presentes na memória da humanidade e saltam por territórios

imaginários. Uma sugestão: a começar pelas mudas agroecológicas que aparecem

na fotografia de Ana Paula Storck (sem título, 2014). As mãos que plantam e que

conformam as mudas na terra podem ser vista na foto de Daniel Nietzsche Starling

(sem título, 2014). Em Resiliente (2012) de Carlos Ramos, observa-se o

desenvolvimento das mudas, transformadas pela terra, água, ar e cuidados, em

alimento. Elvira Branco (sem título, 2012) evidencia a comercialização da produção,

em uma feira municipal. As feiras, mais do que comercializar alimentos, são espaços

de importantes trocas culturais, como registra Fabiano Garcia (sem título,

2012/2013), onde se vê uma apresentação da cultura italiana.

Considerações finais

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Ao considerarmos as palavras de Anna Maria Guasch (2011) que descreve

arquivo, coleção e colecionador, analisados em contínuo e descontínuo e

homogênio e heterogênio, pode-se inferir que o arquivo “estabelece uma ponte entre

o presente e o passado”, e o colecionador (pesquisador) lida com fragmentos,

procurando conhecer, identificar e sentir experiências reconhecíveis que podem ser

recordadas ou arquivadas em um sistema de relações incompleto, tratando de

apenas um ponto de vista. Dessa maneira, as fotografias analisados anteriormente,

a partir de uma leitura formal, possibilita-nos estabelecer relações entre a bibliografia

consultada com as imagens e os relatos que compunham, junto com a montagem da

Mostra Brete Fotográfico.

Apesar de ter sido idealizado e intencionado como objeto de arte acessível à

qualquer humano, sabemos que a mostra foi visitada por somente 120 pessoas

(assinantes no livro de visitas). Registra-se a visita de um grupo de alunos do Núcleo

de Desenvolvimento Infantil (NDI) UFSC (à convite da organização da mostra) e

menção nas notícias da Assembleia Legislativa (ALESC) , na página da UFSC e

outras.

Isto mostra como a comunidade acadêmica se fez mais presente que os

próprios agricultores, no entanto não há como inferir sobre a abrangência e os

desdobramentos da mostra. Com isso, este relato exibe uma possibilidade de olhar

as agriculturas familiares por uma ótica predominante universitária, a partir da

fotografia enquanto registro histórico documental com traços ficcionais, abrindo

campo para elaboração de materiais didáticos específicos sobre agricultura familiar

em Santa Catarina.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Elaine de. Alimentos orgânicos: ampliando os conceitos de saúde humana, ambiental e social. 2. ed. rev. e ampl. Tubarão: Ed. Unisul, 2006.

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BOURRIAUD, Nicolas. Radicante: por uma estética da globalização. Tradução Dorothée de Bruchard. Ed Martins Martins Fontes, São Paulo, 2011.

BUCK-MORSS, Susan. Estética e anestética: O ‘ensaio sobre a obra de arte’ de Walter Benjamin reconsiderado. Travessia, PPGL, nº33, UFSC, 1996.

MÉNDEZ, Héctor C. P. de León; LÓPEZ, Antonio Posada. Exposición Fotográfica: Imágenes, diversidades y contrastes latinoamericanos. 6 a 10 de outubro de 2014, In: IX Congreso Sociedades Rurales Latinoamericanas: Diversidades, contrastes y alternativas (ALASRU), Ciudad del México, 2014.

FISTAROL, Eliane. A terra é vida: movimentos políticos e sociais no oeste de Santa Catarina nos anos 1980 e 1990. Chapecó: ARGOS, 2008. 115p.

FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. Catálogo 31ª Bienal de São Paulo. 2014. Em: http://www.31bienal.org.br/pt/post/1537 Acesso em: Jan 2015

OLIVEIRA, Sebastião G.B de. Campo Gráfico. Ensaio da disciplina de Teoria e História da Arte IV, 2014. (material não publicado).

_________, Catálogo da Mostra Brete Fotográfico. UFSC, 2014. Em: http://naf.ufsc.br/files/2015/03/1-Cat%C3%A1logo-Mostra-Brete-Fotogr%C3%A1fico-2014-CFH-NAF-UFSC-1.pdf Acesso em: Fev 2015.

ANO INTERNACIONAL DA AGRICULTURA FAMILIAR. Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. FAO, 2014. Em: http://www.fao.org/family-farming-2014/home/what-is-family-farming/pt/ Acesso em: Dez 2014.

PAULILO, Maria Ignez Silveira. Terra a vista - e ao longe. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1998. 171p.

PEREIRA, Lucésia. As gravuras mexicanas do Museu de Arte de Santa Catarina: entre aparição e nostalgia. Revista de Teoria da História v.3,n.1, UFG, 2010.

RIBEIRO, Darcy. As Américas e a civilização: estudos de antropologia da civilização. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. 580p.

SALGADO, Sebastião; SARAMAGO, José; BUARQUE, Chico. Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

Sebastião Gaudêncio Branco de Oliveira: Possui graduação em Naturologia Aplicada pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2011). Licenciando em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2016). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em Educação Artística, atuando principalmente nos temas: agricultura familiar, fotografia, gravura, vídeo e publicação de artista.