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ARTE, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: O ENSINO DE ARTE CONTEMPORÂNEA SOB UMA PERSPECTIVA MULTICULTURAL ANDRE, Bianka Pires; MELO, Amanda Cristina Figueira Bastos de. Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p. 106-120 106 ARTE, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: O ENSINO DE ARTE CONTEMPORÂNEA SOB UMA PERSPECTIVA MULTICULTURAL ANDRE, Bianka Pires Professora do Programa de Cognição e Linguagem - UENF [email protected] MELO, Amanda Cristina Figueira Bastos de Estudante de mestrado do Programa de Cognição e Linguagem - UENF [email protected] RESUMO Traçando um breve panorama das relações entre o multiculturalismo e o ensino da arte no Brasil, o presente artigo faz uma reflexão sobre a Arte Contemporânea e sua perspectiva multicultural, através da análise dos trabalhos dos artistas brasileiros Vik Muniz e Monica Nador, que dialogam não só com os espaços, mas também com os problemas, com as influências, com a cultura e com as pessoas da sociedade que os cerca. Partindo dos estudos sobre multiculturalismo e uma breve reflexão sobre a relação da arte com a cultura da sociedade que a cerca, pretende-se ressaltar a importância da arte como fonte de estudos multiculturais e a necessidade de lidar com essas questões dentro do âmbito escolar. São comentadas as obras dos dois artistas brasileiros citados, dando ênfase aos aspectos culturais presentes nas obras com o objetivo de mostrar as possibilidades e a importância da abordagem do tema dentro do universo artístico. Palavras-chave: Educação. Multiculturalismo. Arte contemporânea. ABSTRACT Tracing a brief overview of the relationship between multiculturalism and the teaching of art in Brazil, this article is a reflection on contemporary art and its multicultural perspective, by analyzing the work of Brazilian artist Vik Muniz and Monica Nador, that dialogue not only with the spaces, but also the problems with the influences, with the culture and people of the society that surrounds them. Starting from studies on multiculturalism and a brief reflection on the relationship between art and culture of the society that surrounds it, it is intended to emphasize the importance of art as a source of multicultural studies and the need to deal with these issues within the school setting. The works of the two aforementioned Brazilian artists are discussed, emphasizing the cultural aspects in the works in order to show the possibilities and the importance of approaching the subject in the art world. Keywords: Education. Multiculturalism. Contemporary art.

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ANDRE, Bianka Pires; MELO, Amanda Cristina Figueira Bastos de.

Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014,

ISSN 2316-266X, n.3, v. 19, p. 106-120

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ARTE, EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: O ENSINO DE ARTE

CONTEMPORÂNEA SOB UMA PERSPECTIVA MULTICULTURAL

ANDRE, Bianka Pires

Professora do Programa de Cognição e Linguagem - UENF

[email protected]

MELO, Amanda Cristina Figueira Bastos de

Estudante de mestrado do Programa de Cognição e Linguagem - UENF

[email protected]

RESUMO

Traçando um breve panorama das relações entre o multiculturalismo e o ensino da arte no Brasil, o

presente artigo faz uma reflexão sobre a Arte Contemporânea e sua perspectiva multicultural, através da

análise dos trabalhos dos artistas brasileiros Vik Muniz e Monica Nador, que dialogam não só com os

espaços, mas também com os problemas, com as influências, com a cultura e com as pessoas da

sociedade que os cerca. Partindo dos estudos sobre multiculturalismo e uma breve reflexão sobre a

relação da arte com a cultura da sociedade que a cerca, pretende-se ressaltar a importância da arte como

fonte de estudos multiculturais e a necessidade de lidar com essas questões dentro do âmbito escolar.

São comentadas as obras dos dois artistas brasileiros citados, dando ênfase aos aspectos culturais

presentes nas obras com o objetivo de mostrar as possibilidades e a importância da abordagem do tema

dentro do universo artístico.

Palavras-chave: Educação. Multiculturalismo. Arte contemporânea.

ABSTRACT

Tracing a brief overview of the relationship between multiculturalism and the teaching of art in Brazil,

this article is a reflection on contemporary art and its multicultural perspective, by analyzing the work of

Brazilian artist Vik Muniz and Monica Nador, that dialogue not only with the spaces, but also the

problems with the influences, with the culture and people of the society that surrounds them. Starting

from studies on multiculturalism and a brief reflection on the relationship between art and culture of the

society that surrounds it, it is intended to emphasize the importance of art as a source of multicultural

studies and the need to deal with these issues within the school setting. The works of the two

aforementioned Brazilian artists are discussed, emphasizing the cultural aspects in the works in order to

show the possibilities and the importance of approaching the subject in the art world.

Keywords: Education. Multiculturalism. Contemporary art.

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1. O ENSINO DE ARTE NO BRASIL E SUA RELAÇÃO COM A CULTURA

O ensino de Arte no Brasil vem sofrendo muitas mudanças no decorrer dos anos. De

acordo com Martins, Picosque e Guerra (2009), vários desvios vêm comprometendo o ensino

de arte no país, que mostra essa inconstância inclusive no nome da disciplina. Elas destacam

que ainda é comum as aulas de arte serem confundidas com lazer, terapia, descanso das

disciplinas “sérias”, decoração da escola, entre outros. A falta de formação do professor de

Arte, visto que as licenciaturas nessa área são recentes no país, contribuiu para essa visão.

Porém, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB nº9.394),

aprovada em dezembro de 1996, estabelece o ensino de arte como componente curricular

obrigatório nos diversos níveis da educação básica, com o intuito de promover o

desenvolvimento cultural dos alunos. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

Arte, “são características desse novo marco curricular as reivindicações de identificar a área por

arte (e não mais por educação artística) e de incluí-la na estrutura curricular como área com

conteúdos próprios ligados à cultura artística, e não apenas como atividade.”. Os PCN destacam

ainda que o aluno deve desenvolver sua competência estética tanto para produzir trabalhos

pessoais e grupais quanto para que possa, progressivamente, apreciar, desfrutar, valorizar e

julgar os bens artísticos de distintos povos e culturas produzidos ao longo da história e na

contemporaneidade. Entre outros objetivos do ensino de Arte citados nos PCN, podemos

destacar:

- compreender e saber identificar a arte como fato histórico contextualizado

nas diversas culturas, conhecendo respeitando e podendo observar as

produções presentes no entorno,

- buscar e saber organizar informações sobre a arte em contato com artistas,

documentos, acervos nos espaços da escola e fora dela (livros, revistas,

jornais, ilustrações, diapositivos, vídeos, discos, cartazes) e acervos públicos

reconhecendo e compreendendo a variedade dos produtos artísticos e

concepções estéticas presentes na história das diferentes culturas e etnias.

(PCN Arte, 1997)

Observa-se, portanto, que o termo “cultura” aparece com frequência nos documentos

oficiais do ensino de Arte. A arte como manifestação cultural, deve contribuir para o

desenvolvimento cultural do aluno. E a escola, como espaço cultural, deve estar inserida nesse

processo.

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Atualmente a cultura vem sendo entendida como um código simbólico, que possui

dinâmica e coerência interna. O significado original da palavra deriva da palavra latina cultura,

que significa o ato de cultivar o solo. A cultura, como entendemos hoje, é, de acordo com

Santaella (2004) uma metáfora da vida, cuja tendência é crescer, desenvolver-se, proliferar.

Assim, ao encontrar condições favoráveis ao seu desenvolvimento, a cultura floresce. Santaella

diz também que:

“Outra importante metáfora para compreensão da cultura, menos biológica do

que a da vida, é a metáfora da mistura. Se a mistura é o espírito, como dizia

Paul Valéry, e a cultura é a morada do espírito, então cultura é mistura.

Embora se apresente como uma simples brincadeira silogística, aí está

enunciada uma condição fundamental para se entender o que está acontecendo

com a cultura nas sociedades pós-industriais, pós-modernas, sociedades

globalizadas deste início do século.” (SANTAELLA, 2004, p.30)

Chalmers (2005) fala sobre culturas e identidades híbridas, que caracterizam a

contemporaneidade. Além das interferências de outras culturas, devemos considerar o fator

tempo, pois há uma tendência em tratar as culturas como algo sólido, imutável. Em vez de

explorar como uma cultura pode reconverter seu fazer artístico, tende-se a retratar as chamadas

culturas tradicionais como se estivessem fixas, imaculadas num tempo/espaço imaginado.

Chalmers acrescenta ainda que:

“Nos estudos culturais a noção de hibridade é quase antiga, mas na educação

visual de Arte nas escolas, só raramente o aluno/as estudam esse fenômeno, a

não ser quando, talvez, considerem a influência das máscaras africanas em

Picasso ou a relação entre o trabalho de Van Gogh e as gravuras japonesas. As

fronteiras físicas podem ter permanecido intactas, mas as fronteiras culturais

ficam cada vez mais porosas. (...) É importante e crítico que os educadores

procurem compreender o conceito de que as culturas são simultâneas e

diferentes internamente e estão em constante mudanças.” (CHALMERS,

2005, p. 258)

Sem uma concepção clara do que é cultura, sem conteúdos e objetivos definidos, os

professores acabam por ignorar aspectos muito importantes da cultura e da arte de um povo.

Trabalham apenas com a dimensão afetiva da arte. Ignoram que no homem, três dimensões

estão presentes – a afetiva, a cognitiva e a social – e devem ser consideradas no processo de

ensino e aprendizagem. (BARBOSA, 2002)

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Na era da globalização, as questões sobre diversidade cultural se tornam cada vez mais

pertinentes. As relações virtuais entre indivíduos de diferentes culturas são muito comuns nos

dias de hoje devido o acesso a informações em tempo real possibilitado pelos meios de

comunicação, em especial pela Internet. Por isso, termos como “multiculturalismo” estão sendo

discutidos nos estudos mais recentes que envolvem educação, arte e cultura.

2. AS RELAÇÕES DA ARTE COM A SOCIEDADE

“A arte é um motor da sociedade e não, simplesmente seu pálido reflexo”. Catherine Millet

A relação entre a arte e a sociedade é alvo de estudos em diversas áreas do

conhecimento. Segundo com Bay (2006) o enciclopedista Denis Diderot foi o primeiro a

destacar o caráter social da arte, inaugurando esse diálogo sobre a arte e a sociedade. A arte

representa um fator fundador, unificador e agente nas sociedades, desde as mais simples às mais

complexas. Ainda de acordo com Bay, esse fato pode ser constatado ao longo da história, visto

que, não só não houve sociedade sem arte, mas também em cada contexto específico a arte

sempre teve um significado social preponderante.

“O porquê desta presença marcante tem sido objeto de incessantes

investigações sobre a natureza da criação artística, os fatores internos e

externos envolvidos e a função do artista na sociedade. As inúmeras respostas

variam desde a função da arte como substituta da vida, mantenedora de

equilíbrio com o meio, caminho para o alcance da totalidade, anseio de união

da individualidade com o social; passam pela busca da verdade permanente

expressa na arte, de algo que tenha significação transcendente, para além da

simples descrição do real; e alcançam o entendimento de que o homem

necessita da arte, incluindo aí a inerente parcela mito-mágica, para conhecer e

transformar o mundo, ou seja, a arte como imprescindível meio de

conhecimento e transformação.” (BAY, 2006, pág. 4)

As ideias de Karl Marx (1979) sobre arte e sociedade interpretam a arte como reflexo da

realidade social e como uma forma de conhecimento capaz de interagir com ela, com o poder de

modificá-la. Ele acreditava que o modo de produção seria decisivo para a vida social e

intelectual, portanto a arte e a literatura somente poderiam ser estudadas diretamente no

contexto da história, do trabalho e da indústria. Marx acreditava também que a arte, mesmo

condicionada histórica e socialmente poderia mostrar um “momento de humanidade”.

Bay (2006) destaca também os estudos de Freud sobre a arte e a sociedade, afirmando

que podem ser observadas duas vertentes principais na sua abordagem sobre o tema: uma

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centralizada na figura do artista, mostrando que a obre representa uma relação direta com a sua

vida pessoal; e outra que entende a arte conduzida por um processo de simbolização, o mesmo

mecanismo que determina a cultura. Bay diz ainda que:

“Para Freud a arte teria o poder de liberar o artista de suas fantasias,

permitindo-lhe exorcizar os fantasmas interiores, canalizando-os para a obra,

num processo catártico e terapêutico. Desta maneira entendeu que o ponto

inicial de criação era a própria vida do artista, a qual determinaria a temática, o

estilo e toda forma plástica, de tal maneira que a obra poderia ser vista como

um substituto das fantasias geradas pelo seu inconsciente”(Bay, 2006, pag. 7)

Bastide (1970) vai procurar as relações da arte com as instituições sociais, inclusive

encarando-a como uma instituição social. Como sempre houve em uma determinada época um

grupo dominante, a arte do país variará segundo predomine um ou outro grupo. A arte, portanto,

é considerada pelo autor como uma manifestação que caracteriza determinado grupo, assim

como os costumes, a gíria, a vestimenta. Daí esta ligar-se intimamente aos grupos sociais

enquanto meio ou sinal de distinção.

Nota-se nesses estudos, uma preocupação aparente de cunho sociológico sobre a arte:

um jogo de forças entre a predominância ou antecedência de fatores sociais condicionantes na

arte, ou dos individuais, internos, determinantes da obra. Na medida em que os estudos se

aproximam da pós-modernidade esta preocupação vai cedendo lugar à compreensão de que os

dois fatores são indissociáveis e interagem. Que a ligação entre a arte e a sociedade é um

caminho de mão dupla, ou de múltiplas entradas, onde as duas coisas não podem ser pensadas

separadamente.

Canton (2009) chama a atenção ao destacar a importância dessa relação na hora de ler

uma obra de arte:

“Nos anos 60, já dizia o crítico brasileiro Mario Pedrosa que a “arte é o

exercício experimental da liberdade”. Acredito que é uma definição poderosa,

sobretudo se considerarmos que o conceito de liberdade depende de um

contexto para se definir. O que é considerado ato ou pensamento de liberdade

em um determinado momento histórico, pode não ser em outro. Por isso, em

se tratando de arte, é necessário prestar atenção nos sinais do tempo e em seus

significados.” (Canton, 2009, pág.11-12)

A partir dos movimentos modernistas as inter-relações entre a arte e a sociedade vão se

tornando mais complexas e visíveis. Os pintores impressionistas, por exemplo, saíram de seus

ateliês e foram às ruas para pintar as cenas do cotidiano, observando as transformações que a

luz causava nessas imagens. Os expressionistas por sua vez, horrorizados com as atrocidades da

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guerra, retratam nas suas telas o sofrimento e o estado anestésico da sociedade da época. Com o

passar do tempo, os artistas começam a inserir objetos comuns nas pinturas através de colagem,

como fizeram alguns pintores cubistas como Pablo Picasso e Georges Braque.

Na pós-modernidade a relação da arte com a sociedade se torna cada vez mais explícita

e visível, podendo ser observada não só nos temas sociais tratados nos trabalhos, mas também

no material utilizado, no local onde a obra pode ser exposta (espaço público) e através das

pessoas que participam na criação ou na experiência proporcionada pela obra.

Dentro dessa vertente, temos a Pop Art, caracterizada por ser uma arte popular e

efêmera, que se destacou na década de 50. As obras da Pop Art se relacionam com a cultura de

massa, as propaganda e os meios de comunicação em geral. Entre os vários artistas, podemos

citar Andy Wharol (1928-1987), famoso por suas obras com figuras em série de Marilyn

Monroe. Ele questionava o fato de que as pessoas também tinham se tornado um produto a ser

consumido. Sobre a Pop Art, McCarthy afirma que o efeito causado por ela captava o ritmo da

vida contemporânea:

“O efeito é como zapear pelos canais de comunicação ou folhear rapidamente

as páginas de uma revista. Muita informação é dada imediatamente sem

nenhuma narrativa orientadora para ajudar a entendê-la. (...) Muitas

informações divulgadas rapidamente e com interligações sutis, complicavam

o comentário político, que nos anos da arte pop era amplamente entregue à

comunicação verbal, tal como declarações impressas, discursos e textos

engajados (muitos deles endossados pelos artistas pop). Em vez disso, os

artistas se concentravam em questões e imagens específicas altamente

carregadas, como a pena capital e a cadeira elétrica, ou o consumismo e a

marca da Coca-cola, para identificar os sinais externos desses fenômenos

complexos.” (McCARTHY, 2002, pág. 74)

Surgem a partir desse período novas técnicas de criação artística como Assemblage, que

pode ser entendida como uma colagem tridimensional para ser vista às vezes de todos os lados,

se aproximando na natureza tridimensional da escultura; e Ready Made, que teve como

precursor Marcel Duchamp no início do século XX, mas se desenvolveu com maior

expressividade a partir da década de 50. A técnica de Ready Made consiste em trabalhar com

objetos prontos, daí o seu nome (ready = pronto e made = feito), dando a eles novos olhares e

significados. Os objetos utilizados tantos no Assemblage quanto no Ready Made faziam parte

do cotidiano das pessoas comuns, buscando uma aproximação entre a arte e a vida cotidiana.

A relação entre a arte e a sociedade na pós-modernidade também se reflete no desejo

dos artistas contemporâneos em dialogar com os espaços públicos da cidade e encontra no

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grafite um de seus maiores expoentes. Surgindo a partir da década de 80, a ideia do grafite vinha

acompanhada à noção de rebeldia, porém o grafite propõe, acima de tudo, uma experiência de

estética e fluidez, por ser a arte do movimento, que se modifica junto com o dia a dia da cidade.

Ao ser entrevistado por Katia Canton (2009), o arquiteto e urbanista Sérgio Leal, que realiza

uma pesquisa sobre os grafiteiros de São Paulo, comenta que:

“Os artistas grafiteiros buscam lugares reclusos, passagens invisíveis para

torna-los visíveis. (...) Acho que é um protesto belo e também uma maneira

sensível de chamar atenção. (...) Se você tiver um olhar atento, perceberá que

alguns dos desenhos que se veem em um bairro são encontrados em outros

locais da cidade. É a identidade de cada grafiteiro se espalhando e demarcando

territórios. Eu acho que isso faz parte dessa atitude do grafite, eles rodam a

cidade inteira e fazem sua arte visível para o maior número de pessoas

possível.” (CANTON, 2009, pág. 45-46)

As novas técnicas e estilos artísticos desenvolvidos na pós-modernidade dialogam com

a sociedade em todos os seus aspectos. Materiais, espaços, temas, tudo se conecta dentro do

universo artístico. Alguns artistas contemporâneos ainda vão além dessas questões ao lidar

diretamente com as pessoas na hora de criar uma obra. Esses trabalhos surgem a partir da

interação do artista com um determinado grupo de pessoas que se tornam agentes no processo

artístico, como os trabalhos dos artistas Vik Muniz e Mônica Nador.

3. MULTICULTURALISMO NO ENSINO DE ARTE

No Brasil, o ensino da arte tem contemplado pouco as questões relativas à diversidade

étnica e cultural, os diferentes modos de aprendizagem e outras características dos

diversificados grupos culturais que compõem a sociedade e a cultura brasileira. Uma das

primeiras arte-educadoras a mencionar a abordagem multicultural para o ensino das artes

visuais foi Ana Mae Barbosa. No livro A imagem no ensino da arte, publicado em 1991, eixo

fundamental da Proposta Triangular, a autora menciona uma visão multicultural para o ensino

das artes. Segundo Barbosa, a educação em arte:

“(...) deve exercer o princípio democrático de acesso à informação de todas as

classes sociais, propiciando-se na multiculturalidade brasileira uma

aproximação de códigos culturais dos diferentes grupos. (...) a ideia de

reforçar a herança artística e estética dos alunos com base em seu meio

ambiente, se não for bem concluída, pode criar guetos culturais e manter os

grupos amarrados aos códigos de sua própria cultura sem possibilitar

decodificação de outras culturas.”(BARBOSA, 1994, pag. 33)

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A necessidade de se propor um enfoque multicultural na Proposta Triangular já havia sido

enfatizada por Nascimento (1996). O autor propôs um diálogo metodológico entre a Proposta

Triangular e a multiculturalidade no ensino da arte, amparado nos posicionamentos defendidos por

Bugus Fatuyl, no artigo – O ensino da arte nos países do terceiro mundo. Para Fatuyl:

“Não existe arte pela arte, ao contrário do que muitas culturas consideram. A

arte tem uma funcionalidade e um propósito. Ela é dialética e comunicativa

(...). A arte tem muitas linguagens. Como existem muitas culturas, há muitas

formas de arte que devem se relacionar reciprocamente nos programas edu-

cativos nos países de terceiro mundo (...), a arte representa os símbolos de

uma cultura, de um povo ou valores de um grupo e a forma de vida social das

comunidades.” (FATUYL, 1990, p. 159):

Entretanto, os três países que mais se preocuparam com a questão do multiculturalismo

, a partir da década de 60, foram os Estados Unidos, a Inglaterra e o Canadá, movidos pelo

intenso número imigrantes recebidos por esses países.

Ao comentar os estudos de Banks (EUA) e Walkling (ING), Richter (2005) comenta

que, nos referidos estudos, pouca atenção é dada nesses países para a questão social de classes,

considerada por ela como a maior forma de discriminação e injustiça social no Brasil. Ela

destaca ainda que, somente após o fortalecimento do movimento feminista , alguma atenção foi

dada a outros aspectos da multiculturalidade que vão além da questão racial, como as questões

de gênero, preferência sexual, necessidades especiais, entre outros.

Um apecto interessante destacado por Valente (1999) é o caráter ambíguo das relações

interétnicas no nosso país, que se caracteriza por uma realidade movediça, cheia de meios-tons

e contradições. A autora comenta ainda que as discussões multiculturais eclodem com uma

força devastadora e o Brasil pretende ser um exemplo de convivência, de miscigenação, de

mestiçagem, de assimilação e reelaboração de culturas, mas precisa enfrentar a vergonha da

desigualdade e da discriminação existente no país.

Em sua atuação como diretora do MASC/USP e nas atividades desenvolvidas, como

arte-educadora, Ana Mae Barbosa realizou diversas experiências multiculturais, destacando-se

as realizadas no período entre 1987 e 1993, no MAC/USP, denominado Estética das Massas. O

projeto consistia em trazer para o museu pelo menos uma exposição por ano sobre os códigos

estéticos das minorias. Segundo Barbosa, o projeto foi realizado “[...] contra o desejo dos

historiadores tradicionais de arte e curadores da Universidade, mas muito bem aceito pelos

antropólogos e muitos críticos de arte.” (BARBOSA, 1998, p. 81)

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Valorizar os diferentes códigos, a variedade de expressão, o pluralismo de

manifestações culturais, é obrigação do arte-educador competente. A reflexão sobre qual é a

função da Arte-Educação é imprescindível, e essa está diretamente relacionada à concepção

que se tem de Arte. A partir do momento em que se trabalha com o sujeito que lê e aprende,

deve-se pensar maneiras de inseri-los no universo artístico. Isso porque este universo não é

aquele julgado como Arte Maior, mas como um universo plural e original em suas expressões.

São muitas as diferenças existentes no nosso país: questões de gênero, cor, idade, classe

social, religião. Enfim, um pluralismo extenso de culturas, que valem ser contextualizadas e

estudadas como arte e não desconsideradas do currículo. Dessa forma, o conceito de Arte pode

ser diferente de um grupo para outro. Arte relaciona-se à identidade. O valor estético que um

norte-americano dá a sua obra, certamente difere do valor estético dos indígenas, e, nem por

isso, uma produção é superior a outra. Assim, não existe leitura de obra ou aprendizagem

efetiva em Artes, se não houver uma leitura sobre o lugar, o tempo e a história deste leitor ou

aluno.

4. LIXO EXTRAORDINÁRIO E PAREDES PINTURAS: INTER-RELAÇÃO ENTRE

ARTE E VIDA

As relações entre a arte e a vida cotidiana das pessoas se torna muito mais explícita na

pós-modernidade, em especial nos trabalhos desenvolvidos pelos artistas brasileiros

contemporâneos Vik Muniz e Mônica Nador.

Vicente José de Oliveira Muniz, nascido em São Paulo em 1961, mais conhecido

como Vik Muniz, é um artista plástico brasileiro radicado em Nova York, que faz

experimentos com novas mídias e materiais. Suas obras são feitas normalmente de materiais

diversos, como lixo, açúcar, fios, arame, e xarope de chocolate, com o qual produziu uma

recriação da Última Ceia de Leonardo da Vinci. Ele fez ainda duas réplicas detalhadas da Mona

Lisa: uma feita com geleia e outra com manteiga de amendoim.

Vik preenche igualmente seu tempo com pesquisas e trabalhos midiáticos a serviço do

laboratório do MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Em seu currículo constam

exposições na Flórida, em Miami, Montreal, Nova Iorque, México, Canadá, Austrália, e no Rio

de Janeiro. O objetivo maior de Vik Muniz é alcançar também o público que não costuma ir a

galerias de arte, mas que também fica fascinado com sua obra. Esse é o maior reconhecimento

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profissional que o artista poderia desejar; ele fica extasiado ao ver seu trabalho admirado por

aqueles que se encontram à margem do convívio social.

Uma de suas mais importantes séries é “Crianças de Açúcar” (1996) com a qual Vik

Muniz participou da mostra New Photography, de 1997-1998, no MOMA. Essa série retrata

filhos de trabalhadores de plantações de cana no Caribe, mostrando o paradoxo da doçura do

açúcar com o amargor de suas vidas. As obras foram feitas com vários tipos de açúcar, e depois

de fotografada, o açúcar foi colocado em potes rotulados com as fotografias originais e

expostos em diversos museus pelo mundo. Nesse trabalho fica explícita a interação do artista

com a comunidade em questão: além de fotografar as pessoas que vivem no local, ele recria as

fotografias com o mesmo material com o qual aquelas pessoas lidam diariamente.

Dentro dessa mesma perspectiva, Vik Muniz realiza um trabalho no Aterro Sanitário

Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, que em 2010 seria conhecido como o documentário “Lixo

Extraordinário”. O longa já conquistou o prêmio norte-americano de melhor documentário da

International Documentary Association, além de ter angariado a premiação máxima em sua

categoria no Festival de Berlim e receber uma indicação ao Oscar 2011 de melhor

documentário.

O filme enfoca a interação do artista com as fontes de seu trabalho, os coletores

do lixão, os quais serviram de modelos e arrecadaram o material utilizado na composição de

suas imagens. Em troca, Vik empregou dez catadores para organizar as efígies por ele

elaboradas.

Lixo Extraordinário

Pictures of garbage – Marat (Sebastião)

Vik Muniz, 2009

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Ao realizar esse trabalho artístico, Vik Muniz não só chama a atenção para a questão do

acúmulo do lixo e dos problemas sociais daquela comunidade, mas também aproxima essas

pessoas do universo artístico, mudando radicalmente o modo de pensar e de agir das mesmas.

Outra artista que também enfoca essa perspectiva sobre arte e vida é a pintora,

desenhista e gravadora Mônica Nador. Nascida em Ribeirão Preto (SP) em 1955 e formada na

Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado em São Paulo, a artista

se destaca pela produção de grandes pinturas murais, em comunidades carentes, onde passa a

residir. Desenvolve pinturas em fachadas de residências, em trabalho conjunto com seus

moradores, partindo de motivos decorativos.

A artista obtém grande motivação da população, partindo da transformação da realidade

do lugar, e explorando o potencial transformador da arte, como no projeto Paredes Pinturas,

realizado em São José dos Campos, São Paulo.

Mônica Nador afirma que não é possível fazer arte sem levar as estruturas sociais em

consideração. Ela apropria-se dos padrões islâmicos, que para ela representam o choque ou o

espanto do belo e se pôs a aplicá-los de todas as formas por todos os cantos. Seu trabalho inicial

foi na parede de um hospital em Uberlândia, feito individualmente. Depois, pintou um coreto

em praça pública na Bahia com ajuda da comunidade local. Também na Bahia fez um trabalho

de pintura em uma clube em Nilo Peçanha utilizando motivos resgatados do repertório local,

como máscaras e figuras de boi, associadas ao grupo de precursão folclórico da cidade.

Projeto Paredes Pinturas

Jardim Miriam Arte Clube (SP)

Mônica Nador, 2005

No projeto “Paredes Pinturas” a artista trabalhou com a técnica do estêncil a partir de

desenhos criados por pessoas daquela comunidade. A artista busca o reconhecimento e a

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valorização dos locais em que cria seus trabalhos, promovendo cursos técnicos de desenho para

os moradores e criando uma política através da beleza. Em entrevista, Mônica Nador afirma

que:

“Quando fiz o trabalho na Vila Rhodia, que consistia em levar tinta e ensinar a

técnica do desenho (estêncil) para elas pintarem seus lares, várias casas forma

pintadas utilizando o seguinte acordo cromático + motivos: flores vermelhas,

folhas verdes, miolo amarelo sobre fundo branco. Muito óbvio (simples) e

muito eficiente (bonito), pensei em como poderia ter passado despercebida

por mim, “pintora sofisticada” tal combinação. Aí as mulheres me contaram:

“É que nóis pinta pano de prato!”. Pronto: repertório de pintura de pano de

prato. Desde então fiquei com essa vontade de pintar uma parede pano de

prato num fundo branco...” (CANTON, 2009, pág. 42)

Ao trabalhar inseridos na própria comunidade, esses artistas buscam propiciar

experiências estéticas, deixando os limites entre arte e vida, tão bem delimitados nas

“belas-artes”, praticamente invisíveis. Essa aproximação com o cotidiano, característica da arte

contemporânea, é essencial para compreender as novas propostas artísticas atuais, levando a

uma reflexão sobre os valores do dia-a-dia e permitindo rever conceitos e preconceitos sobre a

comunidade na qual estamos inseridos.

5. CONCLUSÕES

A arte e a sociedade sempre estiveram relacionadas. O artista é um sujeito inserido na

sociedade que encontra em suas obras uma maneira de expor suas ideias através das imagens

que cria. Essas imagens sempre refletiram as condições sociais da época, mas de uma maneira

superficial, sendo tratadas apenas como temas.

Na pós-modernidade as coisas acontecem numa frequência e velocidade avassaladora.

As mudanças e problemas sofridos pela sociedade transformaram o modo de ser, de pensar e de

agir das pessoas. É óbvio que essa mudança interfere e sofre interferência dos artistas, até hoje

vistos como a vanguarda de uma época. Para entender a arte contemporânea é necessário

compreender que a arte, assim como todos os outros aspectos da sociedade, também sofre

mudanças.

Vik Muniz afirma que quanto mais perto estamos de algo, mais difícil é enxergá-lo,

fazendo uma comparação à arte ao afirmar que quanto mais perto no nosso tempo mais

dificuldades temos em entender. A arte pede um olhar curioso, livre de pré-conceitos, mas

repleto de atenção. Assim, afim de falar sobre as relações com a sociedade, a arte precisa ser

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repleta de verdade. Precisa conter o espírito do tempo, refletir visão, pensamento, sentimentos

de pessoas, tempos e espaços. Dessa forma pode-se tornar a arte cada vez mais acessível a todas

as pessoas, proporcionando experiências estéticas, conhecimentos e visão de mundo, para um

público cada vez mais crítico e atento às mudanças ao seu redor.

O Ensino de Arte é um campo fértil para as discussões multiculturais, visto que o termo

“cultura” é usado com frequência em todos os documentos que legitimam e oficializam essa

disciplina. Contribuir para o desenvolvimento cultural do aluno é um dos objetivos do ensino de

arte, porém não fica claro como isso deve ser feito.

Fica claro que o ensino de arte é bastante mal interpretado quando comparado com as

disciplinas de cunho mais técnico. A esfera da arte ocupa um lugar distinto das disciplinas

formais do currículo fundamental. Ela habita o espaço da construção do conhecimento estético,

devendo coerentemente, analisar a produção estética existente e simultaneamente permitir uma

produção local, individual e coletiva. Tal produção só pode existir amparada pelo estudo da

produção que já existe e que representa a história e a cultura de diferentes manifestações

artísticas.

Em seu livro “A Imagem no Esino da Arte” (1994) Ana Mae Barbosa ressalta a

importância de se levar em consideração a herança artística e estética dos alunos com base em

seu ambiente. Porém ela adverte que, se não for bem conduzida, pode criar guetos culturais e

manter grupos amarrados aos códigos de sua própria cultura, impossibilitando a decodificação

de outras culturas.

Richter (2003) também fala do multiculturalismo no ensino de arte ao trabalhar com a

cultura e a arte popular. Ela comenta que é importante incluir a arte de outras culturas no

currículo escolar e acrescenta que:

“Um aspecto que considerei dos mais importantes para que a

multiculturalidade fosse tratada de forma positiva na escola foi a mudança e

ampliação do conceito de arte usualmente trabalhado na disciplina Educação

Artística, que passou a incluir a arte de outras culturas, seu contexto, não

sofrendo nenhuma hierarquização em termos de erudito e popular.”

(RICHTER, 2003, p. 87)

Portanto, podemos perceber a variedade de propostas e temas para trabalhar o

multiculturalismo através do ensino de arte no Brasil. Ao utilizar imagens artísticas as

discussões sobre esse tema podem ser enriquecidas, considerando não só as culturas do artista e

as retratadas nas obras, mas também a do próprio leitor que se relaciona com essas imagens.

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A expressão artística pode ser estimulada a partir da análise da expressão do “outro”,

seja ele configurado dentro de uma obra analisada e interpretada, assim como a produção de

arte de uma tribo, dentro de um espaço informal ou até mesmo na produção artística realizada

na sala de aula. Ler uma obra de arte e deter seus códigos de interpretação supõe não só um

conhecimento intelectual, mas uma outra capacidade de ler e interpretar o mundo, através do

contato com diferentes culturas, modos distintos de dar significado estético a sensações e

emoções que a arte provoca.

Sem uma concepção clara do que é arte, sem conteúdos e objetivos definidos, os

professores acabam deixando de lado a questão cultural das obras de arte. Trabalham apenas

com a dimensão afetiva da arte. Ignoram que no homem, três dimensões estão presentes – a

afetiva, a cognitiva e a social – e devem ser consideradas no processo de ensino e

aprendizagem. (BARBOSA, 2002).

Trabalhar com obras de artistas brasileiros contemporâneos possibilita uma

aproximação entre os alunos e a arte na medidade em que os problemas e situações retratadas

estão presentes no dia-a-dia de cada um. É necessário que o aluno desenvolva um olhar crítico

também em relação à própria cultura e, a partir dela, conhecer e interpretar as demais.

Falar de Arte é falar de cultura. Utilizar a perspectiva multicultural na escola, não só é

coerente com as questões contemporâneas como pode auxiliar no desenvolvimento

cultural do aluno e contribuir para uma educação de qualidade no Brasil.

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