arte, atualidade e ensino 2003 tourinho frota

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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO ARTE, ATUALIDADE E ENSINO Daiane Solange Stoeberl da Cunha (Organizadora)

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ARTE, Atualidade e Ensino 2003 Tourinho Frota

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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

ARTE, ATUALIDADE E ENSINODaiane Solange Stoeberl da Cunha

(Organizadora)

PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Dilma Vana RousseffMINISTRO DA EDUCAÇÃO: Aloizio Mercadante

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE / UNICENTROREITOR: Aldo Nelson Bona

VICE-REITOR: Osmar Ambrósio de SouzaPRÓ-REITORA DE ENSINO: Márcia Tembil

CONSELHO EDITORIAL UNICENTROMarcos Ventura Faria (Presidente do COED)

Beatriz Anselmo OlintoCarlos Alberto Marçal Gonzaga

Emerson CarraroOséias de OliveiraFrancisco Morozini

Jeanette Beber de SouzaLuiz Gilberto Bertotti

Maria José de P. CastanhoMárcio R. Santos Fernandes

Marquiana de Freitas Vilas Boas GomesMauricio Rigo

Ruth Rieth LeonhardtSidnei Osmar Jadoski

Marquiana de Freitas Vilas Boas GomesMárcia Tembil

Márcio Fernandes

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTESDIRETOR: Carlos Eduardo SchipanskiVICE-DIRETOR: Adnilson José da Silva

PROJETO GRÁFICO:Juliane Gotlieb - Arte do evento

Equipe Multidisciplinar NEAD - Arte e diagramação do livro

Gráfica Unicentro - 500 exemplares

Catalogação na Publicação

Biblioteca da UNICENTRO, Campus CEDETEG

Fabiano de Queiroz Jucá (CRB 9/1249)

A786 ARTE, atualidade e ensino / organizado por Daiane Solange Stoeberl da

Cunha. – – Guarapuava: Unicentro, 2013.

149 p. : il.ISBN 978-85-7891-142-3

Bibliografia

1. Arte - estudo e ensino. I. Título.

CDD 707

ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

SUMÁRIOAPRESENTAÇÃO ...................................................................................................................................... 5

PREFÁCIO ................................................................................................................................................ 9

SEÇÃO 1 - ARTE E ENSINO .................................................................................................................... 11

ARTES, ATUALIDADE E ENSINO ............................................................................................................. 11

Irene Tourinho

A EDUCAÇÃO DO SENSÍVEL ................................................................................................................... 23

Ana Laura Rolim da Frota

A TOTALIDADE E A APRENDIZAGEM MUSICAL, CONFORME A PEDAGOGIA MUSICAL ATIVA DE JOS WUYTACK ............................................................................................................................................... 29

Luís Bourscheidt

EDUCAÇÃO MUSICAL NA DISCIPLINA DE ARTE .................................................................................... 37

Daiane Solange Stoeberl da Cunha

AMPLIANDO O SENTIDO DA ARTE NA EDUCAÇÃO POR MEIO DA AFETIVIDADE ............................... 53

René Simonato Sant’Ana

Márcia Cristina Cebulski

Helga Loos

A MULTIPLICIDADE DE CAMINHOS, ATRAVESSAMENTOS E SENTIDOS DAS AÇÕES DE DANÇA .......... 73

Lígia Losada Tourinho

SEÇÃO 2 - PROCESSOS CRIATIVOS ......................................................................................................... 87

LIVE-ELECTRONICS ................................................................................................................................. 87

Rael B. Gimenes Toffolo

INSTALAÇÕES E INTERATIVIDADE, PORTA ABERTA AO PÚBLICO ....................................................... 103

Adriana Vaz

ENTRELAÇA, DISTENDE, DIALOGA, REGISTRA .................................................................................... 113

Elisa Abrão

Mizael Luis Vitor

ROSALIND KRAUSS E O EQUIVALENTE VISUAL DA ARTE ABSTRATA DE JACKSON POLLOCK E HELENA WONG .................................................................................................................................................. 121

Clediane Lourenço

A REIMPLANTAÇÃO DA EDUCAÇÃO MUSICAL NO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO: ..................... 129

L.C.Csekö

carlaabreu
Realce
carlaabreu
Realce

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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

APRESENTAÇÃOEste livro é resultado do evento anual promovido pelo Departamento de Arte-

Educação da UNICENTRO- Universidade Estadual do Centro-Oeste, o “Simpósio de Arte-Educação” realizado nos dias 04 a 08 de outubro de 2010, no campus Santa Cruz, em Guarapuava-Pr.

Em sua oitava edição, o evento teve como tema as discussões sobre “Arte, Atualidade e Ensino”, sendo este o foco das palestras, mesas-redondas e comunicações realizadas durante toda a programação.

Com o objetivo de possibilitar aos acadêmicos do curso de Arte-educação/UNICENTRO, aos professores de Arte da região de Guarapuava, aos pesquisadores, artistas e à comunidade em geral a vivência em processos criativos e em arte e ensino, o Simpósio de Arte-educação é um dos principais eventos da área na região e possibilita complementação extracurricular de estudos na área de Arte em contato com pesquisadores do Brasil e do exterior. Neste evento promove-se ainda, a disseminação de conhecimentos científicos em Arte e Ensino e Processos Criativos em Arte e que são apresentados neste livro, efetivando ainda mais a interação entre pesquisadores, estudantes, professores e artistas locais e nacionais. A compilação e publicação destes textos, na forma de livro, sistematiza as ações realizadas no VIII Simpósio de Arte-Educação.

Pelo conteúdo desta obra, é possível compreender a importância da disseminação das discussões e embates teóricos presentes neste evento. As Seções “Arte e Ensino” e “Processo Criativos” trazem duas linhas de pesquisa em Arte e sobre Arte, fundamentais para quaisquer práticas em Arte-Educação. Os autores de cada capítulo, apresentam de forma sistematizada as conferências proferidas no evento, assim, o conhecimento disseminado entre os participantes e ouvintes, agora torna-se acessível àqueles que não foram privilegiados com a presença real de cada autor, suas falas estão vivas nesta obra!

A seção 1 compreende seis capítulos que abordam diferentes aspectos relativos a Arte e Ensino, de forma abrangente as linguagens artísticas são contempladas diante da realidade educacional. Reflexões e análises compõem um conjunto de textos que são norteados pela busca de possibilidades educacionais na contemporaneidade.

No capítulo um apresenta-se o texto “Arte, atualidade e ensino”, palestra de abertura

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do evento realizada por Irene Tourinho, no qual algumas temáticas que representam demandas para pensar a educação são apresentadas juntamente com pistas de reflexão para orientar o fazer docente em artes. A autora suscita a reflexão sobre temáticas que “[...] podem gerar e produzir experiências artísticas que aguçam nossa sensibilidade e nos estimulam para propor formas de estar no mundo, de negociar alternativas de envolvimento pessoal em nossas comunidades de pertencimento e de criar práticas que questionem e perturbem versões injustas e hegemônicas da realidade através da educação, do ensino, e da arte.”

No capítulo dois, Ana Laura Rolim da Frota reflete sobre “A Educação do Sensível”, tema este abordado na programação do evento em forma de palestra e de oficina, apontando para o papel da escola e do educador diante das possibilidades de experimentção e sensibilização do aluno. Partindo da compreensão de que “[...] a arte é um veículo extremamente importante porque ensina a ver, ouvir, tocar, sentir, fruir.”, a autora discorre sobre as linguagens musicais, visuais e corporais e como estas se articulam com os nossos sentidos.

A participação de Luís Bourscheidt em mesa-redonda é descrita no capitulo intitulado “A totalidade e a aprendizagem musical, conforme a pedagogia musical ativa de Jos Wuytack” e relata parte da pesquisa que examina e avalia a aplicabilidade do sistema Orff/Wuytack, enquanto metodologia de ensino musical alicerçada no conceito de totalidade. Partindo de dois pontos de vista, o do próprio sistema e o das crianças, o autor apresenta os desafios e possibilidades da utilização deste método, o que contribui positivamente para discussões contemporâneas sobre a educação musical.

No capitulo quatro Daiane Solange Stoeberl da Cunha aborda a temática “Educação Musical na Disciplina de Arte: perspectivas curriculares paranaenses.” É relatada a pesquisa realizada junto à professores de arte sobre a relação sonoro-visual-corporal em sala de aula. A fundamentação teórica, legal e curricular é complementada pela análise do discurso docente, sendo possível compreender melhor a realidade do ensino da arte no Estado do Paraná.

O capítulo cinco “A Arte, a Afetividade e o Sistema Educacional: ensaio acerca de convergências e divergências nas concepções de desenvolvimento humano” escrito por René Simonato Sant’Ana, Márcia Cristina Cebulski e Helga Loos, mostra o conteúdo abordado na participação destes pesquisadores em uma das mesas-redondas realizadas no Simpósio. Este texto anima o debate sobre o melhor caminho a se traçar para o bom desenvolvimento dos educandos, o humano integral: cognitivo e afetivo. Discute ainda a compreensão da Arte como uma das bases para a construção de uma afetividade ampliada.

“A multiplicidade de caminhos, atravessamentos e sentidos das ações de dança: A arte de educar, a educação através da Arte e a formação do artista na contemporaneidade”, tema da participação da artista e pesquisadora Lígia Losada Tourinho em mesa-redonda é sistematizado e compõe o capítulo seis que aborda a complexidade da compreensão de dança contemporânea, alguns aspectos conceituais, históricos e educacionais. A autora

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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

foca principalmente a possibilidade de dança educação proposta pelo projeto O Jogo Coreográfico em suas vertentes performática e pedagógica.

O capítulo intitulado “Live-Electronics: obra enquanto processo dinâmico e interativo” reflete sobre aspectos relativos ao repertório apresentado pelo compositor e musicólogo Rael B. Gimenes Toffolo em seu concerto inserido na programação do evento. Partindo da compreensão histórica e filosófica de musicologia, para posteriormente tratar a música enquanto fenômeno por meio da apresentação do pensamento fenomenológico e por fim dos aspectos característicos da prática composicional denominada por live-electronics ou Interactive Computer Music e sua relação com a fenomenologia.

A artista visual Adriana Vaz apresenta em seu texto “Instalações e interatividade: porta aberta ao público” o conteúdo de sua fala na mesa-redonda acerca de processos criativos em arte na atualidade. Através da abordagem da Arte Contemporânea, de atos de comunicação e da exposição de vivências, encontros e relatos de experiência e da fundamentação em autores como Bourriaud, Cauquelin e Bourdieu a autora aborda temas relativos à mostra intitulada Instalações e Interatividade realizada por pós-graduando de Artes da UNICENTRO.

No capítulo nove “Entrelaça, distende, dialoga, registra: reflexões sobre dança e tecnologia” escrito por Elisa Abrão e Mizael Luis Vitor, são analisadas as relações da dança com as novas tecnologias e as implicações no corpo que dança diante do uso das novas tecnologias. Esta discussão insere-se na compreensão dos processos criativos na dança contemporânea revelando novos olhares e fazeres.

O último capítulo, e não menos importante, escrito pela arte-educadora Clediane Lourenço reflete sobre “Rosalind Krauss e o ‘equivalente visual’ da arte abstrata de Jackson Pollock e Helena Wong”. A temática das artes visuais é interpretada por meio da análise dos escritos de Rosalind Krauss frente à característica da produção de Jackson Pollock e Helena Wong.

Em anexo ao livro encontra-se um pequeno texto escrito pelo compositor e educador musical Luis Carlos Csekö. O texto apresenta a “Oficina e Linguagem Musical como uma possibilidade de pedagogia para o século 21”, oficina esta realizada de forma condensada no simpósio em questão. Não se constitui em um artigo mas, uma apresentação da Oficina, e os conteúdos abordados nessa atividade, que se repete em múltiplas ofertas, em diferentes ocasiões e eventos a que o autor comparece e que demonstra, de maneira altiva, o pensamento educativo musical do autor.

Convido a você leitor, realizar um mergulho nestes textos, ampliando seu conhecimento e análise sobre questões da arte e do ensino atuais.

Ms. Daiane Solange Stoeberl da Cunha

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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

PREFÁCIO

O conjunto de produções intelectuais aqui reunidas – saberes da arte - trazem intrínsecas as discussões entre ciência, pesquisa, experiência sensível e cognitiva e metodologias, atendendo concretamente às necessidades da formação do profissional que atua com o ensino da arte, estando todas as explanações atreladas às nossas linhas de pesquisas do curso pois articulam processos de ensino e processos criativos.

Os artigos iniciam com as questões de arte e ensino, voltadas para a formação de professores e do currículo articulado com a práxis pedagógica. Especialmente evidencia-se a área de música, legitimada recentemente na realidade educacional, cujos estudos aqui apresentados contemplam a construção do conhecimento nesta área, de forma significativa, nas suas relações entre educação e arte, possibilitando a ampliação de fazeres pedagógicos. Na abordagem de pesquisas em processos criativos, percebe-se que os elementos do fazer, da técnica, da elaboração e da reflexão estruturam-se a partir de um espírito investigativo sistemático que oportuniza a ampliação da sensibilidade e da criatividade.

De uma maneira geral os artigos constituem-se em reflexões acerca da relação entre arte e educação, arte e processos de ensino, resultando num eficiente aparato que subsidiará a docência de educadores no ensino da arte. Ressalta-se, em todas as produções, a relevância dos processos expressivos, vivenciados pelos pesquisadores, como situações autorais em que pode identificar-se enquanto ser no mundo, bem como seres resultantes de sua cultura.

Os diferentes estudos apresentam-se como elementos imprenscindíveis no contexto educacional por sua contribuição na investigação artística, estética, cognitiva, emocional e sobretudo, educacional. Pedagogicamente, através da criatividade, a arte oferece possibilidades diversificadas, enriquecendo o processo educacional. O livro estrutura-se em dois momentos, sendo que o primeiro posiciona os conhecimentos educacionais da atualidade, ao mesmo tempo em que destaca a importância do ensino para a disseminação dos saberes do homem. Na sequência, evidencia os processos criativos.

As discussões balizam-se entre os aspectos epistemológicos, sociológicos, educacionais e artísticos da arte e argumenta-se no pensamento de uma prática crítica e transformadora pautada nas relações multifacetadas do indivíduo, escola, arte e sociedade contemporânea. Entre as diferentes abordagens metodológicas utilizadas, o que se destaca é a

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metodologia dialógica. Como pressuposto na compreensão da Arte e de suas variantes, evidencia a expressão e o pensar criativo dando significatividade aos processos de ensino-aprendizagem, enriquecendo estudos na área, dando uma abrangência a sua apreciação de forma sensível e crítica, desencadeando um pensamento multidimensional, nos seus aspectos críticos e criativos resultando num enriquecedor diálogo entre saberes que subsidiam encaminhamentos a futuras pesquisas e processos criativos e/ou educativos. Percebe-se que a arte realizada no ambiente educativo transforma-se em fundamental desenvolvimento humano, resgatando sua inteireza enquanto ser no mundo, pois dialoga razão e emoção, fantasia e realidade, os autores desta coletânea foram muito felizes na forma com que disseminaram suas experiências em arte através de suas proposições, produções, apropriações artísticas, pois estimulam a autonomia intelectual, a independência e compreensão da contemporaneidade numa consistente construção de exercício estético voltado para uma educação realmente emancipadora.

Profª. Ms. Eglecy do Rocio Lippmann

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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

SEÇÃO 1

ARTE E ENSINO

ARTES, ATUALIDADE E ENSINOIrene Tourinho1

Foi com muito prazer que recebi o convite para participar do VIII Simpósio de Arte Educação promovido pelo Departamento de Arte-Educação da Universidade Estadual do Centro-Oeste, em Guarapuava, Paraná. Prazer e susto, posso dizer. O susto veio com o tema, bastante abrangente para ser tratado apenas numa única fala para abrir o evento. Mas a organização do Simpósio foi convincente acerca da escolha do tema. Daiane Cunha, coordenadora geral e pessoa de muita garra, competência e amabilidade, me persuadiu a cometer o risco de abordá-lo. Agora, passado aquele primeiro susto, encaro este segundo que é traduzir a fala em texto. Muitos de nós sabemos das dificuldades dessa operação. Ao falar, temos a liberdade de buscar, em voz alta, palavras mais adequadas ou atraentes; podemos rechear os pensamentos com parêntesis imaginários que esclarecem ou exemplificam nossas ideias, além de podermos re-dizer coisas e contar com a contribuição gestual, sonora, corporal e visual. Mais que isso, os olhares que nos olham e as expressões que percebemos, ajudam a reforçar alguns pontos estimulando determinadas ênfases e dando vida àquilo que falamos. Porém, o convite para publicar aquelas ideias que compartilhamos no evento também foi irrecusável, o que não significa redução do susto. Pelo contrário. É um susto, outra provocação que enfrento. Assim, minha intenção é tocar em algumas teclas, insinuar algumas temáticas e explicitar preocupações que vieram à tona na caminhada que me levou até a apresentação e participação no evento. Certamente ficarão de fora muitos pensamentos que me ocorreram e foram manifestados durante a fala, mas, principalmente, não incluo várias reflexões que ampliaram, aprofundaram e geraram questionamentos fundamentais para o tema, trazidas pelo público que, sem demonstrar cansaço, permaneceu contribuindo com a discussão muito tempo depois de esgotadas minhas anotações. O caminho que escolhi para abordar o tema começa com uma rápida revisão

1 Irene Tourinho é Professora Titular da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, docente e coordenadora (2009/2013) do Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual – Mestrado/Doutorado, mestre pela Universidade de Iowa, doutora pela Universidade de Wisconsin – Madison (EUA) e pós-doutora pela Universidade de Barcelona, Espanha. Foi professora visitante na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona e na Universidade Ambedkar, em Nova Delhi, Índia.

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sobre algumas questões insistentes da atualidade. Questões insistentes da atualidade nos perturbam, inquietam e instigam. Dizer não ao presente é loucura e futilidade porque o agora não é um inimigo ou uma limitação. É, antes de tudo, um desafio. Atravessado esse primeiro trecho da caminhada, concentro-me em algumas temáticas que representam demandas para pensar a educação e, ao mesmo tempo, apontam para universos de experimentações a partir dos quais diversas propostas artísticas têm derivado. Ao final, levanto algumas ideias que percebo como pistas de reflexão para orientar o fazer docente em artes. Optei por não fazer referências a autores, a não ser quando os cito diretamente. Guardo, assim, um gosto de fala que não se interrompe para dizer quem inspirou a ideia. Porém, está claro, tudo que sei e que escrevo aprendi com alguém, seja diretamente ou através de suas produções. Questões insistentes

Escolhi um recorte de um trabalho de Brower Hatcher, um estadunidense formado em design industrial, como imagem alusiva de questões insistentes que caracterizam a atualidade. Três motivos me incitaram para a escolha desta imagem, sem contar os gracejos que caberiam aqui em relação ao título do trabalho – Profecia dos Antigos2 – e o uso que faço dela para pensar questões insistentes da atualidade. Primeiramente, a imagem evoca um imaginário preenchido com inúmeras possibilidades de conexão, de entrecruzamentos, de interterritorialidades que constroem e afagam os campos de saber e das práticas. É um visual rizomático e, nesse sentido, nos fala da atualidade. Através dessas evocações, somos chamados a pensar o presente a partir de ênfases que recaem sobre a multisensorialidade dos processos que experimentamos, sobre a transdisciplinaridade – ou antidisciplinaridade – que tem impulsionado projetos e demandas artísticas e culturais e, além disso, aberto múltiplos espaços e formas de ver o mundo, compreendê-lo e transformá-lo. Em segundo lugar, a imagem serve para aludir à ideia de agilidade, de pontos de encontro fugazes, efêmeros, transitórios, multidirecionais. A atualidade é sentida, com ferocidade, a partir de seus ritmos acelerados que nos impõem envolvimentos em projetos somente a curto prazo. Estamos quase que impedidos de projetar a longo prazo. Antes de terminar um projeto já estamos envolvidos em outro e cada um parece viver apenas um tempo mínimo, nascendo com data de validade quase vencida. É intensa a sensação de vivermos a ditadura da velocidade, como muitos apontaram. Arrastados de um projeto a outro, de uma demanda a outra, “varejizamos” nossa vida intelectual, emocional e profissional. Não temos tempo para acompanhar o ritmo das informações e inovações e, ainda menos, para avaliá-las. Este ritmo incessante de vida tem sido um lamento constante em diversas profissões, resultando em stress, falta de motivação,

2 Profecia dos Antigos, 1988, Brower Hatcher – Walker Art Center – Minneapolis Sculputre Garden. Imagem disponível em http://www.flickr.com/photos/27316171@N05/page2/ Acesso em: 15 nov 2012.

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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

depressão... A quantidade de informação disponível gera o que já foi denominado de ansiedade da informação, uma doença que nos acomete sem deixar chances de virar o jogo. A oferta suplanta, em muito, nossa capacidade de apreensão. Este caráter efêmero das experiências nos faz viver o instante, mesmo quando tentamos reter as horas. O terceiro motivo de ter escolhido essa imagem para vislumbrar questões insistentes da atualidade diz respeito ao fato de que ela nos permite pensar – juntando a ampliação de possibilidades de agenciamentos e interpretações que a atualidade oferece e estimula, e o caráter transitório que qualifica nossas experiências contemporâneas – na idéia de incertezas, de paradoxos, de contradições que nos assolam cotidianamente. Tais incertezas e contradições se apresentam junto com o surgimento de novas formas de controle e de dominação: atualmente estamos sendo vistos e acompanhados, vigiados, regulados e controlados a todo momento. Essa ideia de incerteza guarda afinidades com o texto do filósofo espanhol José Maria Marina (2004), em Crônicas da Ultramodernidade, que sintetiza de maneira extraordinária os paradoxos que caracterizam a atualidade. Não há necessidade de explicá-los, pois nossa experiência fornece exemplos suficientes para compreendê-los e senti-los na pele: (1) “O mundo se globaliza e se nacionaliza simultâneamente”; (2) “Aumenta a produção de bens, mas diminui o trabalho”; (3) “Vivemos em uma sociedade tecnológica, mas desconfiamos da tecnologia”; (4) “Confiamos parte de nossa liberdade aos políticos, mas desconfiamos deles”; (5) “Não sabemos se estamos progredindo ou retrocedendo”, e (6) “Cremos que o conhecimento é importante, mas são os sentimentos que nos fazem felizes ou desgraçados.” (p. 24-27). Este panorama das muitas questões que nos marcam não esgotam, certamente, os impasses, embates e disputas que enfrentamos cotidianamente. Porém, quero destacar mais uma, já analisada como uma nova forma de escravidão que hoje nos atinge e confronta. A imagem de Hatcher tem menos impacto aqui, apesar de que as tramas que ela constrói podem também aludir a limites e, principalmente, a espaços que nos demarcam. Refiro-me à sensação, esta forte impressão de que ter vale mais do que ser e, mais grave do que isso, a sensação de que aparecer, vale ainda mais do que ter. Assim, não apenas nossas intimidades são invadidas, mas muitos se esforçam para que haja esta invasão: paga-se para aparecer, para revelar as intimidades e para estar exposto, de preferência, em todas as circunstâncias. Um exemplo que li recentemente, ilustra bem a situação atual: quando nos damos conta de que conhecemos melhor a imagem de alguém que nunca vimos, como a de Gisele Bündchen, por exemplo, do que a do nosso próprio vizinho, algo mudou profundamente na nossa relação com o mundo, na nossa vida diária. Algo profundamente complexo alterou nossa existência. Sem querer reforçar a onda quantificadora reinante nas diversas esferas da vida institucional, social e cultural – na qual os números muitas vezes falam mais alto resultando no apagamento de questões qualitativas - aponto algumas estatísticas atuais que se

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entrelaçam com paradoxos e complexidades com os quais convivemos.

Uma pesquisa feita pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas,

denominada Motivos da Evasão Escolar (NERI, 2012) destacou que 40% dos jovens não

estão interessados na escola que temos. Não estão interessados porque se sentem fora dela,

se percebem desconsiderados ali. Ambiente? Conteúdos? Métodos? Recursos? Propostas?

Não há resposta fácil e estas esferas não podem ser separadas. Tendemos a pensar que as

novas tecnologias solucionarão os problemas. Porém, apesar de sabermos que a internet

facilita, e muito, o intercâmbio de conhecimentos e a circulação de ideias, ela não possui

traços menos ambivalentes que qualquer outra inovação tecnológica. Não nos cabe, nesse

sentido, subestimá-la nem supervalorizá-la.

Outros dados também contribuem para refletirmos sobre questões insistentes

que nos atordoam ao mesmo tempo que incitam nossas possibilidades de agir para

romper, para transformar o mundo em que vivemos. Carlos Fuentes (2010) nos apresenta

macroestatísticas mostrando que se, por um lado, onze bilhões de dólares financiam as

necessidades fundamentais do terceiro mundo na área da educação, este montante é o

que os EUA gastam por ano em produtos de beleza. Mais ainda: se treze bilhões de dólares

satisfazem as necessidades fundamentais do terceiro mundo na área da saúde, é isso o que

a Europa gasta por ano com seus sorvetes. Agravando este contexto, abala-nos a informação

de que atualmente, 850 milhões de seres humanos passam fome.

São dados que mostram diversas formas de precariedade cultural, de aberração

social, sintomas de uma globalização discriminatória e de uma emergência disparatada

do capitalismo cultural eletrônico. Entretanto, sem dúvidas, há também esperanças neste

cenário: reconhecemos que ganhos e beneficícios têm sido gerados para nossa vida, para

prolongá-la com mais qualidade. A facilidade na circulação do pensamento, como disse

anteriormente, favorece possibilidades de comunicação e interação – não para todos,

sabemos - sem empecilhos de espaço e tempo e, fundamentalmente, a chance de fraturar

a solidez das nossas convicções. Em razão destas condições, vivemos uma era que não

admite exclusões e, sim, reconfigurações e redirecionamentos de práticas, de ideias e de

perspectivas.

Para enfrentar estas questões insistentes não como ameaças, mas como possíveis

recursos para a nossa atuação docente, uma postura que me agrada muito é a do cientista

Stephen Jay Gould. Ele disse, em algum lugar que não registrei: “[...] não sou um pessimista,

sou mais um otimista trágico”. Assim, talvez possamos nos concentrar em pensar sobre

temas - não sobre conteúdos, criando alternativas para deslocar o conhecimento e investir

na centralidade da cultura como eixo organizador das nossas experiências. Pensar sobre as

temáticas que caracterizam a atualidade é respeitar a fragmentação que configura nossa

existência e que não é disciplinar, mas justamente temática, como nos ensinou Boaventura

de Souza Santos.

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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

zAlgumas temáticas contemporâneas

Colocar-nos diante de temáticas que desenham nosso viver contemporâneo nos ajuda a criar propostas para lidar com questões fundamentais, enfrentando-as e problematizando-as. A produção, circulação e socialização de saberes e práticas culturais depende dessa possibilidade de tematização e problematização, tarefas que são responsabilidades do ensino, da formação, das formas interativas de experimentarmos a nós mesmos, aos outros e ao mundo. Aponto, de maneira breve, quatro dessas temáticas, sem a ambição de me aprofundar em cada uma, mas com o intuito de enriquecer este panorama sobre a atualidade em que nos inserimos. Especialmente, vejo estas temáticas como acionadoras potentes de novos modos de produção artística na educação, eixos que podem privilegiar a imaginação e a criação de uma multiplicidade de projetos e reflexões. Utilizo a barra (/) na indicação de cada temática com o propósito de evidenciar complementaridades, diálogos e afinidades sobre as quais nos cabe refletir, e não com a intenção de apontar binarismos ou antagonismos. (1) globalização/localização: entendemos que essa relação é, acima de tudo, um fenômeno de comunicação, que significa não apenas o domínio da economia de mercado – ou seja, não pode significar apenas globalização do mercado -, mas nos leva a pensar sobre “[...]como reagimos a uma sociedade em formação, genuinamente nova e cosmopolita.” (GIDDENS, 2008, p. 16). A localização nos remete à ideia de pertencimento, não para celebrar um local, uma cultura, mas para evidenciar a ausência de fronteiras entre questões globais e existenciais. É nesse sentido que entendo uma reflexão que li, não sei onde, que diz que “[...] é o fato de um indivíduo pertencer a muitos grupos que o faz livre.” Nossa época interconecta, então, de maneira intensa e veloz, questões globais e disposições pessoais, como também assinalou Giddens (2008). Achei significativo um e-mail que andou circulando com uma definição de globalização bastante concreta, atual, e engraçada até. Diz o seguinte:

Pergunta: Qual é a mais correta definição de Globalização? Resposta: A Morte da Princesa Diana. Pergunta: Por quê? Resposta: Uma princesa inglesa com um namorado egípcio, tem um acidente de carro dentro de um túnel francês, num carro alemão com motor holandês, conduzido por um belga, bêbado de whisky escocês, que era seguido por paparazzis italianos, em motos japonesas. A princesa foi tratada por um médico canadense, que usou medicamentos americanos. E isto é enviado a você por um brasileiro, usando tecnologia americana (Bill Gates) e provavelmente, você está lendo isso em um computador genérico que usa chips feitos em Taiwan e um monitor coreano montado por trabalhadores de Bangladesh, numa fábrica de Singapura, transportado em caminhões conduzidos por indianos, roubados por indonésios, descarregados por pescadores sicilianos, reempacotados por mexicanos e, finalmente, vendido a você por chineses, através de uma conexão paraguaia. Isto é *GLOBALIZAÇÃO!!!*

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O relato demonstra bem o que Lipovetsky e Serroy (2011) denominam como cultura-mundo, uma reconfiguração que evidencia

Não mais as oposições alta cultura/baixa cultura, cultura antropológica/cultura estética, cultura material/cultura ideológica, mas uma constelação planetária em que se cruzam cultura tecnocientífica, cultura de mercado, cultura do indivíduo, cultura midiática, cultura das redes, cultura ecologista: uns tantos polos que constituem as ‘estruturas elementares da cultura-mundo.’ (p.15)

(2) vida cotidiana/vida extra-ordinária: aqui encontramos questões relacionadas à vida do dia a dia, às mudanças que estão ocorrendo na vida íntima das pessoas, no ritmo acelerado de trabalho, na pulverização e justaposição de conhecimentos. Lembramos, ainda, da varejização de nossos fazeres, saberes e amores, das múltiplas identidades e papéis que vão nos constituindo, das obsessões que configuram “[...] uma cultura tendencialmente narcística” (LIPOVESTSKY e SERROY, 2001, p. 48). Ao lado disso, vivemos o sonho e a sedução das grandes estrelas e riquezas, das festas, das celebrações, dos divertimentos, dos espetáculos. Continuamos valorizando os rituais que nos congregam, as quebras de rotinas, as redes sociais abarrotadas de amigos e, também, dos fundamentalismos religiosos, do crescimento e segmentação de crenças... O entretenimento ocupa, assim, um espaço considerável nesta temática. O prazer, aliado à alegria, ao estabelecimento de redes sociais está, cada vez mais, sendo analisado como objeto que produz e discrimina identidades, grupos, sociedades. (3) meio ambiente/tempo e espaço: a questão do aquecimento global, já denominada de enlouquecimento global, cria a necessidade de iniciativas ligadas à urbanização, à arte pública, a projetos coletivos. As transformações nas noções de espaço e tempo que, de maneira drástica, expandiram e reduziram as vivências cotidianas, também instalaram a itinerância como necessidade e valor. Viajar, deslocar-se, fazer turismo passa a representar capital cultural ambicionado por muitos. Ainda assim, o trânsito de pessoas nas suas próprias cidades se vê restrito a diferentes ritmos que caracterizam o dia a dia de cada segmento socioeconômico da população, limitando, para muitos, o acesso e a possibilidade de viver a cidade. As relações tempo-espaço não são as mesmas para qualquer indivíduo e um impacto disso é a necessidade de compreender como a construção social das noções e vivências dessas relações institui mundos e reinventa, constantemente, novas formas de comunicação e novos ambientes sociais. São muitas as questões que nos rodeiam em relação a essa temática e que não cabem nessa fala/texto, desde a dissolução/renovação do meio ambiente privado, familiar, até as transformações geopolíticas e geoeconômicas que criam cicatrizes e, também, ferramentas para nossas vivências. (4) Consumo/desperdício: este último tema que trago para compor este quadro da atualidade e, ao mesmo tempo, de possibilidades produtivas para o ensino de arte é, assim como os outros, bastante complexo. Porém, trazê-lo aqui significa considerar uma esfera poderosa

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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO

de ação e de instituição de identidades que tem não apenas marcado, mas regulado e desorientado os sujeitos. O tema me faz lembrar a síntese proposta pelo trabalho da artista Barbara Kruger que, ironicamente disparava: “Compro, logo existo”. Lipovetsky e Serroy (2011) analisam com profundidade as consequências do que vem sendo chamado de hiperconsumo e declaram que

O enfraquecimento dos controles coletivos, as estimulações hedonistas, a superescolha de consumo, tudo isso contribui para criar um indivíduo frequentemente pouco armado para resistir tanto às solicitações de fora quanto aos impulsos internos. A cultura de livre disposição dos indivíduos no supermercado contemporâneo dos hábitos de vida é também a que vê crescer a tendência ao autodesregulamento. Na sociedade do hiperconsumo, afirmam-se ao mesmo tempo, o princípio do pleno poder sobre a condução de si próprio e as manifestações de dependência e de impotência subjetivas. (LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p. 59)

A relação entre consumo e privação e entre consumo e desperdício também

coloca importantes questões para nossa reflexão. Seus efeitos podem ser sentidos pela

desigualdade decorrente da má distribuição de renda que faz o Brasil figurar na terceira

pior posição entre os países do mundo, ao lado do Equador e abaixo de Uganda, conforme

noticiaram amplamente os jornais, com base em estudo da ONU, de julho de 2010.

Também é importante pensar não apenas no consumo voluntário, fruto de escolhas,

mas, ainda, no consumo imposto: a cada dia, consumimos quase 18.000 imagens somente

percorrendo nossos trajetos cotidianos, rotineiros, que perfazem nossas obrigações e

compromissos diários. Mas, como nos diz Bourriaud (2009), “[...] ao contrário do que se

costuma pensar, não estamos saturados de imagens; estamos submetidos à escassez de

certas imagens, que têm de ser produzidas contra a censura.” (p. 59) Precisamos pensar,

então, nas práticas de consumo acelerado, estimuladas em todas as faixas etárias, e nos

impactos desse consumo que coisifica a felicidade e a alegria, fincados em estereótipos que

materializam o prazer, o poder, a satisfação.

Destaquei estas poucas, mas abrangentes temáticas, não para sugerir que elas sejam

as únicas ou as mais significativas para exprimir as tensões e transformações da atualidade.

Porém, estes são, certamente, temas que podem gerar e produzir experiências artísticas

que aguçam nossa sensibilidade e nos estimulam para propor formas de estar no mundo, de

negociar alternativas de envolvimento pessoal em nossas comunidades de pertencimento e

de criar práticas que questionem e perturbem versões injustas e hegemônicas da realidade

através da educação, do ensino e da arte.

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Que ideias podem orientar nosso fazer docente em artes?

Tenho usado a imagem abaixo para enfatizar o quanto conhecemos sobre este espaço. De tão conhecido, ele às vezes nos satura. Descreveríamos de maneiras semelhantes estes espaços e teríamos lembranças similares sobre o que ocorre nesses lugares.

Imagem – Corredor de escola3

Em muitos lugares do mundo podemos encontrar escolas com esta mesma aparência. Talvez isso possa nos dizer que nossas necessidades, desejos e sonhos são diferentes, mas também guardam proximidades com aqueles de professores que vivem em outros países. O descaso em relação a prédios escolares também é visível em vários lugares. Pensando sobre o que nos une e agrega nesta profissão e mantendo esta imagem na cabeça, aponto uma primeira ideia que oferece pistas para orientar nosso fazer docente em artes. Refiro-me à desconstrução da noção de escola como espaço privilegiado de aprendizagem. Os espaços de aprendizagem se expandiram, perderam limites, derrubaram fronteiras. As escolas, hoje, precisam fazer parcerias, encontrar interlocutores e ampliar suas formas de atuação. É a partir da década de 60 que a escola começa a ser posta em causa como instituição intocável, sublinhando-se a importância do aprender para além da escola e de pensar a educação numa perspectiva social e cultural. Entretanto, apesar de parecer consenso que as paredes das salas de aula e os muros das escolas precisam cair, na prática, muitas escolas estão reestruturando seus horários – diminuindo o tempo de recreio, por exemplo – para manter o aluno mais tempo (seguro?!?) na sala. Discutir questões relativas às condições sociais e culturais que envolvem professores e alunos neste esforço para fortalecer pontes entre experiências internas e externas às escolas pode contribuir para maior efetividade de políticas de compromisso social e parcerias, caso as instituições queiram se ajudar para

3 Fotografia produzida pela autora do capítulo.

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enfrentar os desafios e paradoxos contemporâneos. A ideia de cultura, ou melhor, de culturas, no plural, passa, então, a ser central e deflagradora de nossas ações de ensinar e, certamente, de aprender, pois nesse binômio inseparável, aprender-ensinar, é a aprendizagem que encabeça a ação, é ela que institui, reconstrói e transforma o ensino. Juntamente com a primeira pista de reflexão – a desconstrução da noção de escola como espaço privilegiado de aprender – a cultura afirma-se como alavanca para nos incitar a refletir sobre o ensino de arte. Já sabemos que a escola é, hoje, lugar de aprender, mais que ensinar. Porém, é importante, em relação à cultura, como um princípio determinante, compreender que “Não se pode estabelecer uma hierarquia entre as culturas humanas, pois todas as culturas são epistemológica e antropologicamente equivalentes” (SILVA, 2002, p. 86). Dessa ideia resulta nosso entendimento de que “Não é possível estabelecer nenhum critério transcendente pelo qual uma determinada cultura possa ser julgada superior a outra” (SILVA, 2002, p. 86). A des-hierarquização de fazeres e saberes, a des-fronteirização e a desterritorialização de práticas e reflexões são características da contemporaneidade que a centralidade da cultura enfatiza, chamando-nos para deslocamentos perceptivos e conceituais sobre a natureza do ensino, as funções da escolarização e as possibilidades de abordagem do mundo e da cultura estética que nos rodeia. Sob a perspectiva da cultura aprendemos que saberes e fazeres são circulantes e circulam, sem se fixar em lugar algum. As ideias de que não aprendemos apenas na escola, de que as práticas culturais e sociais ensinam e nos formam e de que não há critérios possíveis para hierarquizar culturas, saberes ou práticas, colocam em pauta outra dimensão que fundamenta e pode orientar nosso fazer docente em artes na atualidade. Refiro-me às questões das identidades. Assim como o conceito de cultura, o conceito de identidade é múltiplo, complexo, mutante. Ambos se referem a construções sociais. Falar de construção de identidades é reconhecer, primeiro, que as identidades não são únicas, são instáveis, vulneráveis e lábeis, sujeitas a escorregões. Identidades vivem mancomunadas com subjetividades, num contexto cultural, rabiscando experiências culturais e sociais que podem, ou não, tornarem-se afetivamente significativas. Subjetividades, identidades, alteridades, contextos, culturas, afetos, significados: essa mistura de interagentes resulta numa porção de vida que conhecemos, porém, cada elo entre esses conceitos deve ser continuamente reconstruído, pesquisado, experimentado. É através dos elos e continuidades que conseguimos dar a estas noções - subjetividades, identidades, alteridades, contextos, culturas, afetos, significados – força para impulsionar propostas de instituir e reconstruir saberes e fazeres estéticos e artísticos na escola. Vale ressaltar, mesmo repetindo, que a identidade é relacional, marcada pela diferença e construída tanto simbólica quanto social e culturalmente. Sintetizando essa ideia podemos falar, com Woodward (2000), que “[...]a identidade não é oposto da diferença: a identidade depende da diferença.” (p. 40) É ainda essa autora que enfatiza:

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“toda identidade [...] depende, para existir, de algo fora dela.” (p. 9) Os espaços descuidados, sujos e quebrados que encontramos em muitas escolas nos oferecem, através de vazamentos e rachaduras tão comuns, metáforas de circunstâncias que nos instituem cultural e socialmente. É uma maneira de pensar sobre esse algo que vaza, que racha, para além de nós, para além do que pensamos que somos – esse algo que nos marca pela ausência e pelas formas híbridas de se fazer presente. Com essa imagem de rachaduras e vazamentos também trago a ideia de diferença, conceito tão importante para pensar as culturas, as identidades, as formas de interpretar o mundo e de ensinar. Ao marcarmos nossas identidades como professores de arte, que outras diferenças podemos obscurecer? Como me diferencio enquanto professora de arte? Penso que, para relacionar arte, ensino e atualidade, talvez precisemos reavivar em nós as histórias que nos formaram e os desejos que nos animam para entender por que assumimos certas identidades e, especificamente, o que nos faz professores de arte e quê significados isso tem para nós hoje. Esse exercício de reconstruir, revisitar nossa formação identitária como profissionais professores de arte visa mudanças, negociações de identidades e transformação. Stuart Hall (2000, p. 109) nos diz que “[...] as identidades têm a ver não tanto com as questões ‘quem nós somos’ ou ‘de onde viemos’, mas muito mais com as questões ‘quem nós podemos nos tornar’, ‘como nós temos sido representados’ e ‘como essa representação afeta a forma como nós podemos representar a nós próprios.” Assim, o que ensinamos e a forma como abordamos objetos e manifestações culturais, em contextos específicos, têm impacto na maneira como produzimos e reagimos a significados e interpretações, na maneira como nos envolvemos com os processos de criação e de transformação das realidades pedagógicas e artísticas. Definir a abordagem de determinados trabalhos, conceitos e temas na prática pedagógica solicita não apenas estar antenado para os entrecruzamentos culturais e processos de construção de identidade que eles podem desencadear. Solicita, também, enxergar estes objetos e manifestações, assim como os diferentes contextos onde eles se encontram, para além de sua materialidade, encontrando, através da experiência, conexões com realidades temáticas que nos formam e inquietam. Isso exige uma capacidade de agregar ao trabalho educativo experiências de vida que possibilitem um sentido de pertencimento, de reconhecimento individual e cultural, social e coletivo, simbólico e afetivo.

Referências

BOURRIAUD, N. Pós-produção: Como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

FUENTES, C. A Odisseia crioula ou o drama da América Latina e as mitologias do Futuro. In: Constantin von Barloewen (Organizador/Entrevistador). Livro dos Saberes: Diálogos com grandes intelectuais de nosso tempo. Osasco, SP: Novo Século, 2010.

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GIDDENS, A. Entrevista a William Waack. Grandes Entrevistas do Milênio: O olhar de grandes pensadores sobre o mundo atual e suas perspectivas. São Paulo: Globo, 2008.

HALL, S. Quem precisa da Identidade? In: SILVA, T. T. (org) Identidade e diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. A cultura-mundo: Resposta a uma sociedade desorientada. (Trad.: Maria Lucia Machado). São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

MARINA, J. A. Cronicas de la ultramodernidad. Barcelona: Anagrama, 2004.

NERI, M. Motivos da Evasão Escolar. Disponível em: http://www.ufgd.edu.br/faed/nefope/publicacoes/pesquisa-motivos-da-evasao-escolar. Acesso em:13 set 2012.

SILVA, T. T. Documentos de identidade: Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, T. T. (org) Identidade e diferença: A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

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A EDUCAÇÃO DO SENSÍVELAna Laura Rolim da Frota4

Para iniciar uma reflexão sobre a Educação do Sensível deve-se antes buscar a significação da palavra sensível. No dicionário Aurélio Século XXI encontra-se, para esse vocábulo, inúmeros significados que se relacionam com as capacidades sensitivas do indivíduo como:

[Do lat. sensibile.]Adj. 2 g. 1. Que sente; dotado de sensibilidade: 2. Que recebe facilmente as sensações externas: 3. Que pode ser percebido pelos sentidos: 4. Que, ao menor contato, se torna dolorido ou faz sofrer: 2 5. Capaz de sentimento em grau incomum: dotado de uma vida afetiva intensa; apto a sentir em profundidade as impressões, fazendo que delas participe toda a sua pessoa; emotivo. 6. Que se deixa impressionar, tocar, comover. 7. Que se ofende ou melindra com facilidade; suscetível, sensitivo, sentido. 8. Claro, evidente, manifesto. [Sin., p. us., nessa acepção: sensivo.] 9. Fisiol. Que é conhecido pela sensibilidade. [Nesta acepção., opõe-se a inteligível.]

Partindo dos significados expostos acima, vamos enfocar nossas reflexões nas impressões humanas, nas percepções corporais, nas emoções e, principalmente, nos sentidos que são a base da educação da sensibilidade. Maurice Merleau-Ponty, filósofo moderno que atuou entre 1942 e 1961, fala da relação do homem com a natureza e com os seus pares, afirmando: “[...]a consciência é percepção, e percepção é consciência” (1999), para ele nosso corpo é o meio através do qual conhecemos o mundo. Assim afirma, ainda

A percepção abre-me o mundo como o cirurgião abre um corpo, percebendo, pela janela que fez órgãos em pleno funcionamento, vistos na sua atividade, vistos de lado. É assim que o sensível me inicia no mundo, como a linguagem me inicia no outro: por lenta justaposição.(MERLEAU-PONTY, 1984, p. 202):

Assim, podemos afirmar que ao perceber as coisas, o corpo nelas se envolve, deixando-se também envolver por elas. Ao experimentarmos o mundo em todas as suas nuances, ele nos deixa marcas que passam a constituir-se em partes significativas de nós.

4 Ana Laura Rolim da Frota é Mestre em Educação pela UFRGS, especialista em Artes Visuais Arte Educação: Ensino da Artes/FEEVALE e licenciada em Educação Artística e Artes Plásticas pela UFRGS, é vinculada ao GEARTE/UFRGS.

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Atuamos e conhecemos no decorrer de nossa vida a partir dos sentidos da visão, audição, tato, gustação e olfato. A nossa primeira experiência do mundo se dá através do olhar de nossa mãe. Começa na ligação do corpo e olhar entre mãe e filho a grande aventura do saber e do conhecer. Como diz Duarte Jr. (2001, p. 120):

[...] há um saber sensível, inelutável, primitivo, fundador de todos os demais conhecimentos, por mais abstratos que estes sejam; um saber direto, corporal, anterior às representações simbólicas que permitem os nossos processos de raciocínio e reflexão.

O viver nos ensina na medida em que nossa sensibilidade e percepção captam as qualidades do real que se apresentam em torno de nós: sons, cores, sabores, texturas e odores. Nosso corpo vai ordenando essas muitas impressões, dispondo-as de forma a construir um sentido primeiro, básico, que nos dota da capacidade significativa de interação com os outros sujeitos e ambiente. O sensível é o que pode ser percebido pelos sentidos, enquanto que o inteligível é o objeto próprio do conhecimento intelectivo. Ambos se completam e permitem, a partir de sua conjunção, a compreensão e atribuição de sentido a tudo que nos cerca. Fazemos aqui uso da expressão ‘saber sensível’, em detrimento de conhecimento sensível, por ser o verbo saber, no nosso entender, mais abrangente do que conhecer. A sabedoria implica uma infinidade de habilidades que se apresentam unidas entre si e ao viver dos sujeitos, estando incorporadas a ele. O sujeito sabe a partir das experiências vividas.

Duarte Jr. (2001, p. 14) traz-nos o significado primeiro da palavra saber:Sendo ainda importante relembrar as acepções mais antigas do saber enquanto verbo, que indicam ‘ter o sabor de’ ou ‘agradar ao paladar’; [...] isto é: o saber carrega um sabor, fala aos sentidos, agrada ao corpo, integrando-se, feito um alimento, à nossa existência.

Como educadores temos por ideal formar um sábio – detentor de um entendimento abrangente e integrado – e não um especialista que detém conhecimentos fracionados e parciais que, na quase totalidade das vezes, não se liga às ações do cotidiano. Como então fazer para formar um sábio? Cabe aqui perguntar que oportunidades a escola propõe para o corpo perceptivo do bebê (aluno)? A escola não pode permitir apenas o desenvolvimento da visão intelectiva, pois correrá o risco de oferecer apenas desafios que trabalhem o sujeito cognitivo. É preciso criar situações em que o olhar e o ouvir, junto com o olfato, o tato e o paladar, possam ser anteparos sensíveis no contato com o mundo. Trata-se aqui, portanto, de provocar a sensibilidade através da cor, promover a exploração da percussão de sons, proporcionar a exploração do corpo no espaço e manipulá-lo prazerosamente, vivenciando-o de forma expressiva. Se partirmos da premissa que a arte é uma experiência sensível em que o nosso corpo perceptivo participa, possibilitar situações de aprendizagem em arte implica pulsar nesse corpo a fascinação pelo mundo e estimular a magia da

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descoberta. Imaginar é também uma forma de saber. De acordo com Mirian Celeste Martins, quando a criança projeta seu pensamento ao manejar a matéria – lápis, tinta, papéis, massinha, roupas, brinquedos, sons e até mesmo o seu próprio corpo – e no contato com ela cria, a imaginação se revela e é capaz de antecipar, antever, pois o ato de imaginar é também ter hipóteses para agir. Ao exercitar o pensamento imaginativo, encontramos soluções inovadoras e ousadas, seja no campo da ciência, seja no campo da arte. Grandes cientistas e artistas como Einstein e Picasso anteviram intrincadas descobertas e criações a partir da imaginação, e só após as registraram sob a forma de enunciado ou produção plástica. Portanto, valorizar o repertório pessoal criativo e imaginativo das crianças como falas, gestos, sons e imagens, respeitando os ritmos individuais nos seus despertares íntimos, são atitudes que não podem ser desconsideradas pelo mestre que trabalha com a arte. O conjunto dessas ações abre uma janela para o imaginário transformando-o em um importante passaporte sensível, tanto no mundo da arte como no mundo humano. No processo de ensinar/aprender, a magia certamente pode ser facilitada pelo ambiente convidativo da sala de aula ou, no caso dos bebês, pelos espaços onde convivem. O educador, como um prestidigitador, seguidamente subordinado às dificuldades do dia a dia, precisa abrir caminhos na busca constante de ações verdadeiramente significativas. O mistério de seu trabalho consiste na trama entre os conteúdos que necessita ensinar e os conhecimentos das crianças – o que elas trazem como bagagem de saber construído em seus lares e nas interações com o meio. É importante que o ensinante de arte projete situações onde possam ser vivenciadas experiências gratificantes e enriquecedoras. Faz-se necessário destacar que é de extrema relevância que as crianças sejam impulsionadas a explorar e comunicar suas idéias, pensamentos e sentimentos. Não podemos desejar que apenas repitam as experiências de outros, ignorando sua própria expressão e sentimentos. Há que se abrir espaço para a escuta, para o diálogo com a criança no seu processo de sentir e criar. É preciso possibilitar momentos para a experimentação, ampliando a percepção que futuramente será o suporte de uma compreensão significativa de si, dos outros e do mundo. Nesse contexto, a arte é um veículo extremamente importante porque ensina a ver, ouvir, tocar, sentir, fruir. Como diz Merleau-Ponty (1975, p. 360-1) sobre o que há de importante na arte:

Que contenha, melhor do que idéias, matrizes de idéias, que nos forneçam emblemas cujo sentido não cessará jamais de se desenvolver, que precisamente por nos instalar em um mundo do qual não temos a chave, nos ensine a ver e nos propicie enfim o pensamento como nenhuma obra analítica o pode fazer, pois que a análise só revela no objeto o que nele já está [...] Nada veríamos se não tivéssemos, em nossos olhos, um meio de surpreender, interrogar e formar configurações de espaço e cor em número indefinido.

A arte tem linguagens que se articulam com os nossos sentidos:• Linguagem musical;• Linguagem visual;

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• Linguagem corporal (a dança e o teatro). A audição é o primeiro sentido que o feto aos dois meses tem. O coração e vibrações internas do corpo da mãe, além das águas que o envolvem, formam, quem sabe, uma sinfonia, em primeiro lugar para a sua pele, depois para seus ouvidos – ainda não inteiramente formados. Nunca mais ele deixará de escutar. A gênese do pensamento musical acontece quando a criança ainda nem aprendeu a falar. É de vital importância para as crianças, mais especificamente para os bebês, o contato com a música. Na audição dos sons, a criança imagina, relaciona e os junta aos silêncios, na sequência espaço-tempo, organizando a prática do pensamento musical. Musicalizar o cotidiano é essencial. O verbo musicalizar na verdade não existe, porém é utilizado por musicistas e professores, que ensinam música para bebês, com o significado de introduzir música na vida das crianças. Muitas vezes as mães musicalizam o cotidiano de seus bebês sem senti-lo. Ao cantar uma cantiga de ninar ou fazer brincadeiras com a voz, as mulheres estão desenvolvendo musicalmente seus filhos.

A voz da mãe, com suas melodias e seus toques, é pura música, ou é aquilo que depois continuaremos para sempre a ouvir na música: uma linguagem onde se percebe o horizonte de um sentido que, no entanto não se discrimina em signos isolados, mas que só intui como uma globalidade em perpétuo recuo, não verbal, intraduzível, mas à sua maneira, transparente. (WISNIK, 1989, p.27).

Mais tarde, quando a música entra em cena, as crianças aprendem rápido, desenvolvem habilidades motoras e expressam estruturas musicais mesmo antes de falar seu nome. Crianças que recebem estímulos musicais adequados – sem excesso ou escassez – aprendem a escrever facilmente, têm maior equilíbrio emocional e mais importante que tudo, são sensíveis e felizes. Sem sombra de dúvida, a criança que brinca com objetos sonoros experimentando-os, não só satisfaz sua curiosidade como alimenta sua sensibilidade. Mirian Celeste Martins afirma (1998, p.101):

Os modos de percepção e expressão por meio de instrumentos musicais ou objetos sonoros se atêm às questões referentes ao som como material bruto, com suas características diferenciais, seus parâmetros. O modo de a criança perceber e se expressar é caracterizado pela ‘imprecisão’. Toca um xilofone, ou mesmo um piano, não se importando com as notas musicais e sua localização, por exemplo. Para a criança importa explorar sons graves e agudos, geralmente em blocos, muito fortes ou bem suaves, curtos ou longos, mas sem preocupação de identificar sons ou ritmos medidos, e sim com o ‘gesto sonoro’, com a própria ação de tocar, assim se expressando.

• Linguagem Visual

No que se refere à linguagem visual, as cores mais do que as formas, atraem o olhar das crianças e as estimulam enquanto muito pequenas. Um ambiente bem iluminado e rico em cores incentiva o prazer de brincar, influenciando no humor e na capacidade de

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perceber. A arte-educadora Susana Rangel Vieira da Cunha diz (2004, p. 43):

A ausência da cor nos priva da mais eficiente dimensão de discriminação qualitativa por ser um modo sensorial de interpretar a luz. [...] a cor torna-se o elo de ligação entre nós e o mundo através do sentir, sendo as formas de expressar este estímulo sensorial o próprio modo de constituir a interpretação do que está fora de nós.

Possibilitar às crianças o encontro com a cor é abrir-lhes uma plenitude de possibilidades criativas, é dar-lhes a chave para expressar suas sensações e sentimentos. Algumas crianças pequenas relacionam a cor com elementos da natureza. O sol é amarelo, a árvore é verde, o céu é azul e assim por diante. Esta busca de correspondência entre a natureza e sua representação são modos de conhecer e diferenciar os elementos que constituem o mundo. No entanto, nem todas as crianças estabelecem esse tipo de relação. Algumas se expressam com tamanha liberdade que usam as cores de forma indiscriminada, pelo simples prazer da experiência. O fato de uma criança preferir usar cores escuras ou o preto, não significa que ela esteja assombrada por sentimentos pouco felizes. O preto é para ela como qualquer outra cor, ela o experimenta e o usa por pura curiosidade ou preferência no momento. No tocante às imagens da arte, colocar as crianças em contato com elas, significa dar espaço para operações que envolvam o agir e o pensar. O pensamento ocorre na ação, na sensação experimentada frente às imagens e na percepção das mesmas, sempre junto com os sentimentos. A criança convive, identifica e reproduz símbolos de seu entorno, porém, ainda não os cria intencionalmente. As sucessivas experiências expressivas vão construindo um repertório pessoal que será de grande significação mais tarde, no processo criativo intencional, nas leituras de arte e mundo.

• Linguagem corporal

O teatro, pelo seu modo de ser, faz aflorar a imaginação, o faz de conta. O encantamento do fazer de conta conduz as crianças a experiências pessoais e coletivas de grande significação, nas quais projetam suas fantasias, desejos e temores. Quando as situações apresentam-se de forma coletiva, propiciam a interação e a socialização. No faz de conta estabelece-se um jogo fictício que envolve a abstração, a qual será importantíssima para a formação de um ser criativo. No jogo, as crianças podem ser o que quiserem, podem exercitar potencialidades, hipóteses e desempenhar papéis que mais tarde serão vitais para o seu interagir no mundo. Incluída também na linguagem corporal temos a dança. Dançar desenvolve o pensamento sinestésico, ou seja, como diz Mirian Celeste (1998, p. 138): “[...]é um pensar em termos de movimento, que se executa como emoção física, impulsionado pelas sensações musculares e articulações do corpo.” A criança que dança se expressa poeticamente

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por meio dos movimentos corporais, conhecendo melhor suas potencialidades físicas, entendendo como funcionam as suas articulações, estabelecendo relação com o espaço ao experimentar-se nele e comunicando-se pelo movimento. Ao evoluir a partir da dança, as crianças desenvolvem a noção do ritmo e vivenciam a alegria de usarem o corpo como forma de expressão. Mover-se corporalmente é muito importante principalmente para os bebês, que estão iniciando suas primeiras experiências físicas no mundo. Enfim, a educação do sensível não contempla um ensino dirigido, rígido e estruturado sobre modelos prontos, mas sim um trabalho centrado no despertar das potencialidades e na preparação de seres para uma efetiva, alegre e significativa interação consigo mesmo e com o seu mundo. Atualmente vivemos uma rotina em que somos cada vez mais entorpecidos pela pressa, falta de tempo, superficialidade das relações e pela racionalização da tecnologia. Assim, idealizar e colocar em execução uma educação voltada para o sensível torna-se uma necessidade a fim de instigar, impulsionar e ampliar os referenciais e potencialidades de nossas crianças no enfrentamento dos desafios da contemporaneidade. Essa tarefa, com certeza, pertence aos educadores e não pode ser iniciada em anos tardios sob pena de não alcançar êxito pleno. Quanto mais cedo cultivarmos a sensibilidade maiores serão os ganhos para os sujeitos. Educar nesse mundo pós-moderno pressupõe despertar e alimentar a sensibilidade das crianças, tornando-as capazes de reconhecer e valorizar as mensagens de seu próprio corpo, utilizando esse saber em sua interação com o mundo, pois como nos diz Fernando Pessoa “O que em mim sente está pensando.”

Referências

DUARTE JR., João Francisco. O sentido dos sentidos. Curitiba: Criar, 2001.

MARTINS, Mirian; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Terezinha Telles. A língua do mundo: Poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

______. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 1984.

______. A dúvida de Cézanne. São Paulo: Abril Cultural, 1975. (Col. Os Pensadores).

MIRANDA, Regina. O movimento expressivo. Rio de Janeiro: Funarte, 1979.

CUNHA, Susana Rangel Vieira da. Cor, som e movimento, Cadernos de Educação Infantil. Porto Alegre: Mediação, 2004.

WISNIK, J. Miguel. O som e o sentido. São Paulo: Cia. Das Letras/Círculo do Livro, 1989.