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XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical Pirenópolis, 04 a 0 de novembro de 2013 Composição coletiva como alternativa para a geração de repertório em aulas de violão em grupo Marcelo Brazil UFBA [email protected] Cristina Tourinho UFBA [email protected] Resumo: Um dos grandes desafios dos professores que atuam em turmas de ensino coletivo de música é a pouca disponibilidade de material adequado para a prática da leitura. Partindo da aplicação prática em sala de aula e amparada pelos educadores musicais da atualidade, a composição coletiva surge como alternativa para a geração de material didático e repertório para apresentações. O relato busca descrever como se deu esse processo em aulas coletivas de violão dentro de um projeto de inclusão sociocultural, destacando o envolvimento afetivo gerado nos alunos refletido em um maior interesse pela leitura musical, pelo aprendizado da técnica e pela performance. Palavras chave: educação musical, ensino coletivo, composição. Introdução O presente relato busca descrever uma alternativa aplicada por Brazil com bastante êxito durante aulas coletivas de violão dirigidas à crianças e jovens em projetos sociais, visando sanar um dos problemas mais recorrentes nesse tipo de atividade: a falta de repertório para a prática de leitura. Muito se deve à ausência de material adequado disponível no mercado e também é bastante comum a dificuldade que muitos professores enfrentam ao tentar apresentar um tipo de repertório que, na visão deles, pode desagradar aos alunos. Diante disso, a composição coletiva surge como uma eficiente alternativa. Quando nos referimos a compor em sala de aula, certamente nos lembramos do relato de Schafer (1991) no qual descreve a sua experiência atuando em turmas de jovens nos anos 60. Diferente da nossa experiência, Schafer se apresentava como um compositor reconhecido, com o intuito de interagir com jovens estudantes de música e conversar, principalmente, sobre a criação da música da época. Apesar de encontrar ecos nas palavras do educador canadense, nossa experiência difere um pouco no que concerne a postura do condutor das atividades. Temos aqui um professor que assume e divide com seus alunos o ϲϯϯ

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Marcelo Brazil

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XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical

Pirenópolis, 04 a 0 de novembro de 2013

Composição coletiva como alternativa para a geração de repertório em aulas de violão em grupo

Marcelo Brazil UFBA

[email protected]

Cristina Tourinho UFBA

[email protected]

Resumo: Um dos grandes desafios dos professores que atuam em turmas de ensino coletivo de música é a pouca disponibilidade de material adequado para a prática da leitura. Partindo da aplicação prática em sala de aula e amparada pelos educadores musicais da atualidade, a composição coletiva surge como alternativa para a geração de material didático e repertório para apresentações. O relato busca descrever como se deu esse processo em aulas coletivas de violão dentro de um projeto de inclusão sociocultural, destacando o envolvimento afetivo gerado nos alunos refletido em um maior interesse pela leitura musical, pelo aprendizado da técnica e pela performance. Palavras chave: educação musical, ensino coletivo, composição.

Introdução

O presente relato busca descrever uma alternativa aplicada por Brazil com bastante

êxito durante aulas coletivas de violão dirigidas à crianças e jovens em projetos sociais,

visando sanar um dos problemas mais recorrentes nesse tipo de atividade: a falta de repertório

para a prática de leitura. Muito se deve à ausência de material adequado disponível no

mercado e também é bastante comum a dificuldade que muitos professores enfrentam ao

tentar apresentar um tipo de repertório que, na visão deles, pode desagradar aos alunos. Diante

disso, a composição coletiva surge como uma eficiente alternativa.

Quando nos referimos a compor em sala de aula, certamente nos lembramos do

relato de Schafer (1991) no qual descreve a sua experiência atuando em turmas de jovens nos

anos 60. Diferente da nossa experiência, Schafer se apresentava como um compositor

reconhecido, com o intuito de interagir com jovens estudantes de música e conversar,

principalmente, sobre a criação da música da época. Apesar de encontrar ecos nas palavras do

educador canadense, nossa experiência difere um pouco no que concerne a postura do

condutor das atividades. Temos aqui um professor que assume e divide com seus alunos o

XXI Congresso Nacional da Associação Brasileira de Educação Musical Ciência, tecnologia e inovação: perspectivas para pesquisa e ações em educação musical

Pirenópolis, 04 a 0 de novembro de 2013

papel de criador musical, papel que surge diante da necessidade de tornar sua aula dinâmica,

produtiva e ainda minimizar outras dificuldades comuns como falta de material didático,

cópias, etc., tão comuns em ambientes de ensino caracterizados como não formais.

Apesar desse distanciamento inicial, os processos realizados e descritos por Schafer

(1991) nos ajudam a compreender o alcance das atividades de criação musical em conjunto

com os alunos, principalmente quando se refere à habilidade criativa dos jovens. (SCHAFER,

1991, p. 59)

Encontramos também na abordagem PONTES de Alda Oliveira (2008) e nas

palavras de Keith Swanwick (2003) um suporte para justificarmos a validade da atividade de

composição da forma como se deu em seu ambiente original e nas possibilidades de sua

aplicação em outros ambientes de ensino/aprendizagem musical. Apesar de não considerar

sua abordagem como um método, Alda Oliveira afirma que:

Ela pode ser aplicada com qualquer método de ensino de música, pois propõe uma postura sobre o ensino que estimula cada professor a expressar ou criar as suas próprias formas de conectar-se com os seus alunos, usando as técnicas e os saberes de que dispõe. Ao adotar a abordagem PONTES como guia para a sua prática, o professor aceita um pressuposto: que todo método de ensino precisa de transições ou costuras didáticas (conexões, explicações, esclarecimentos, exemplos, “empurrões”, “dicas”) que são feitas pelo professor para que os estudantes se aproximem das soluções dos problemas e respondam as questões por si mesmos ou que compreendam e apliquem os assuntos novos através das facilitações feitas pelo professor. (OLIVEIRA, 2008)

Ao compreendermos os seis tópicos que constituem a abordagem proposta por Alda

Oliveira (Positividade, Observação, Naturalidade, Técnica, Expressão e Sensibilidade) é

possível enxergarmos um suporte metodológico para a experiência vivenciada. Já as palavras

de Swanwick (2003) reforçam o caráter musical da atividade quando afirma que a música

deve sempre ser tratada como um discurso, que devemos

trazer a consciência musical do último para o primeiro plano. Quando a música soa, seja lá quem a faça e quão simples ou complexos os recursos e as técnicas sejam, o professor musical está receptivo e alerta, está realmente ouvindo e espera que seus alunos façam o mesmo. (SWANWICK, 2003, p. 57)

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Seus princípios de educação musical (2003, p.56) também nos ajudam a

compreender a validade de atividades onde a simplicidade de pequenas melodias podem se

transformar em produtivas atividades estéticas e musicais.

A experiência que será descrita foi desenvolvida ao longo de dois meses com uma

frequência de duas aulas semanais de uma hora de duração. Os alunos, na sua maioria, não

possuíam instrumento próprio e, em função disso, não praticavam fora do espaço de aula.

O texto dialoga com diversos trabalhos desenvolvidos na área de ensino coletivo, em

especial com Tourinho (2002), Cruvinel (2004), Vieira (2007) e Teixeira (2008). Sobre o

papel do professor, Cruvinel (2004) afirma que:

Primeiramente, acredita-se que o educador musical deve assumir um posicionamento crítico e reflexivo no sentido de intervenção social. Ele deve ter consciência de qual papel desempenha na sociedade e que tipo de ser humano/cidadão pretende formar. Por outro lado, por meio da prática pedagógica aliada a estudos e pesquisas, poderá sistematizar metodologias eficientes para o ensino instrumental coletivo. (CRUVINEL, 2004)

Conhecendo o espaço

Como em boa parte dos espaços destinados ao ensino de música, os recursos

disponíveis eram mínimos. Os instrumentos eram de baixa qualidade, as cadeiras não eram

adequadas, havia pouca disponibilidade de cópias de material didático, a iluminação era

precária. No caso aqui relatado, a sala, além de inadequada, era pequena para o número de

alunos: mal sobrava espaço para colocar as estantes e como não havia janelas para a

circulação de ar, era necessário usar um ar condicionado para amenizar o calor. Assim, a

pequena sala ganhou o apelido de “submarino”, em alusão a um naufrágio russo na época. A

turma era formada por crianças entre 10 e 12 anos. Alguns tocavam poucos acordes, mas a

maioria não sabia tocar violão.

Diante desse quadro, a melhor ferramenta disponível para a condução das aulas era

mesmo a lousa branca e suas canetas coloridas.

Criando melodias

Passadas as atividades iniciais para conhecer o grupo, seus interesses e gostos

musicais, chegou a hora de realizarmos as primeiras atividades de cordas soltas com o

objetivo de conhecerem o instrumento e as questões básicas de postura. Buscando dar uma

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representação gráfica ao que estava sendo executado, a opção foi já utilizar diretamente a

grafia tradicional, na pauta:

Figura 1: Notas das cordas soltas do violão grafadas na pauta.

Fonte: próprio autor.

Com o objetivo de dar um caráter mais musical ao exercício, foi utilizado o recurso

de harmonizar a melodia com acordes simples, o que é bastante comum em aulas coletivas:

Figura 2: Notas das cordas soltas harmonizadas.

Fonte: próprio autor.

A grata surpresa foi o impacto que esta estratégia causou nos alunos, certamente pelo

fato de que a sequência de acordes, tocada com uma levada pop, aproximou o exercício do

universo musical deles, de uma sonoridade que eles conheciam e que, provavelmente,

gostariam de reproduzir. O mesmo recurso está sugerido também por Tourinho e Barreto em

seu livro “Oficina do Violão” (2003) e por Brazil (2012). Tourinho e Barreto sugerem a

utilização da cadência ii – V – I para o acompanhamento dos primeiros exercícios, fartamente

encontrada em diversos gêneros da música popular. Apesar de estarem tocando apenas as

cordas soltas, estavam participando do todo musical que foi criado. O interesse pela leitura

surgiu imediatamente, talvez estimulado pela curiosidade em entender como aquilo que estava

na lousa havia resultado em uma música tão agradável. Passar ao próximo passo foi algo

muito simples e as variações melódicas logo surgiram. Mantidas duas notas iguais

consecutivas para facilitar a execução e evitando o salto entre cordas não consecutivas, as

dissonâncias surgidas no primeiro compasso (sétima maior) e no terceiro (nona maior)

agradaram ainda mais:

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Figura 3: Melodia com notas das cordas soltas harmonizada.

Fonte: próprio autor.

O mais curioso foi a surpresa dos alunos que não podiam acreditar que era possível

criar “uma música tão bonita” de uma forma tão simples. Perguntas como “Nossa, como você

consegue?”, “Como se faz isso? É preciso estudar muito?” surgiram imediatamente. Balizadas

pelo conhecimento das dificuldades técnicas de execução (trocas de dedos e saltos entre

cordas), logo as sugestões dos alunos foram sendo incorporadas ao pequeno exercício, motivo

de grande satisfação, em uma dinâmica que tornou a aula mais interessante e ainda gerou uma

boa expectativa para as aulas seguintes.

O processo de criação de melodias foi incrementado quando os alunos adquiriram o

conhecimento de localização das notas no braço do instrumento. Os acidentes, que

começaram grafados como ocorrentes, foram gradualmente sendo incorporados à armadura de

clave sem que fosse necessária nenhuma explicação teórica aprofundada sobre o assunto. O

interesse pelo aprendizado dos acordes, cifras e levadas de acompanhamento também foi

otimizado, mesmo sabendo ser esse aspecto o principal motivador para a busca por aulas de

violão pelos jovens.

Um outro ensinamento incorporado às melodias harmonizadas possibilitou a execução

dos pequenos exercícios à três partes: a leitura de uma linha grave (baixos) através das cifras.

Mesmo quando existiam acordes invertidos, os alunos não apresentaram qualquer dificuldade

em decifrar e executar as linhas graves após uma breve explicação. As pequenas melodias

criadas em cada aula agora já possuíam um caráter de pequenas peças, sendo tocadas

rapidamente por naipes que sempre se revezavam em cada parte da música.

Criando pequenas peças

Passada a fase onde os alunos adquiriram as habilidades mínimas para uma boa

execução (postura e leitura), cada momento de criação era iniciado com perguntas do tipo

“Que fórmula de compasso vamos utilizar hoje?”, “Teremos alterações na armadura de clave?

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Quais?”, “Começaremos a melodia de qual nota?” ou “Que figuras ou células rítmicas vamos

utilizar?”. Esse momento também poderia ser precedido de alguma explicação sobre um novo

elemento técnico ou de leitura que deveria ser incorporado à “música do dia”.

Nesse processo, ressaltamos a identificação direta com a proposta de Alda Oliveira

(2008) quando descreve as costuras didáticas que o professor deve realizar em sua atividade

pedagógica. Aproveitando as sugestões dos alunos e incorporando-as ao exercício de forma

que resultem em algo que esteja dentro das expectativas de execução e resultado sonoro da

turma, o professor é o responsável pela escrita e pelo acabamento final da peça. Um ótimo

exercício era anotar as sugestões na lousa e pedir para a turma executar sem alterar nada,

buscando a opinião deles sobre o que havia funcionado ou não, dentro das expectativas deles.

Detectados os “problemas”, cada ajuste seguido de uma rápida explicação se tornava um novo

elemento aprendido e imediatamente experimentado. Por exemplo, ao substituir um acorde e

justificar através da concordância de notas entre ele e a melodia, alguns alunos já eram

capazes de melhorar outros trechos com problemas semelhantes. Muito significativo era poder

mostrar que não havia exatamente um “erro” naquela dissonância, apenas ela poderia não ser

desejada naquele momento. As dificuldades de execução da melodia proposta inicialmente

também eram abordadas e discutidas durante esses pequenos ajustes, ampliando o

conhecimento sobre a técnica do instrumento.

Finalizados os ajustes e com todos satisfeitos com o resultado, o momento de escolher

um nome para a música era sempre motivo de expectativa e muitas risadas. Famosas ficaram

as que ganharam nomes como “O cavalo caiu”, “Pepino”, “Solsicha” (baseada nas notas sol e

si) e “Canção do apagão”. Essa última surgiu em um dia em que, ao faltar energia elétrica,

descobrimos que não era possível enxergar absolutamente nada na sala submarino, mesmo

com a porta aberta. A brincadeira foi então reproduzir, literalmente de ouvido, uma melodia

criada pelo professor. Após o retorno da energia, a melodia harmonizada foi grafada e tocada

em diversos outros momentos, sempre recordando o divertido dia do apagão.

Em diversas oportunidades em que essa atividade foi desenvolvida em sala de aula, a

versão considerada como definitiva pela turma surgia de forma muito rápida. O que poderia

ser um problema se transformava em uma oportunidade de lançar desafios, ensinar novos

elementos e isso partindo de algo que já estava tecnicamente resolvido com a versão inicial.

Os resultados dessa prática se mostraram surpreendentes, pois os alunos poderiam chegar ao

final da aula tocando uma peça bastante complexa, o que dificilmente aconteceria em uma

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leitura inicial. O processo de construção vivenciado e experimentado em cada etapa, acabava

propiciando o bom resultado final.

Nesse processo também cabe destacar o potencial de uma ferramenta que está presente

na maioria das salas de aula e que, às vezes, é subutilizada: a lousa. Muitos professores optam

por utilizar métodos impressos ou gastam recursos e tempo com a elaboração de exercícios e

cópias que, dependendo do momento, podem não resultar em uma aula dinâmica e produtiva

musicalmente. O exercício de leitura impresso demanda uma atividade cognitiva individual,

onde não é possível, muitas vezes, detectar o grau de entendimento. No exercício escrito na

lousa, o olhar, a interação entre os estudantes se torna mais evidente, permitindo que o

professor detecte dificuldades de compreensão. O uso da lousa apresenta algumas outras

vantagens: a já citada possibilidade de permitir a alteração de um exercício já executado

(inserção de novos elementos ou mesmo a simplificação de algo que não funcionou), a

possibilidade de uma boa condução da leitura da turma e a detecção mais rápida de alunos que

estão realmente lendo e daqueles que estão com dificuldades, além de aspectos de economia

de recursos financeiros e naturais. Podemos até questionar essas vantagens diante do fato que

grande parte do material criado na lousa acaba sem registro, mas a realidade é que o

aprendizado advindo da atividade realizada é fixado pela prática e o perfil da grande maioria

dos alunos de projetos sociais é de alunos que não praticam fora da sala da aula, por razões

diversas como falta de instrumento e de espaço disponível para estudo. As novas tecnologias

também permitem aos alunos mais interessados e com recursos para praticar em casa,

registrar imagens da lousa com aparelhos celulares. Até aparelhos de baixo custo possuem

esse recurso e, atualmente, a maioria dos alunos possuem celulares.

Exercícios gerando repertório

Percebendo o envolvimento gerado pelas músicas compostas durante as aulas, criar

peças formalmente mais elaboradas e que pudessem ser aproveitadas em apresentações, não

foi uma tarefa muito difícil. O fato de executarem pequenas peças nas quais tiveram

participação no processo de criação gerava uma satisfação muito grande nos alunos.

O processo inverso também ocorreu diversas vezes. Durante o processo de criação de

uma composição ou arranjo para a turma, trechos eram levados para as aulas, grafados na

lousa e executados. As facilidades e dificuldades técnicas, o equilíbrio da sonoridade, o

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interesse ou não dos alunos pela peça, todos esses elementos já eram detectados durante o

processo de criação e editoração da partitura. Isso minimizava as revisões posteriores e

garantia o bom resultado no momento dos ensaios.

Um exemplo de peça que surgiu dos exercícios em sala pode ser visto a seguir. O

ponto de partida foi uma sequência harmônica que servisse para explicar a utilidade dos

acordes invertidos. Após terem tocados os acordes e vivenciado a linha melódica descendente

do baixo, foi sugerida a melodia abaixo:

Figura 4: Melodia harmonizada contendo notas presas.

Fonte: próprio autor.

O objetivo era praticar a utilização os dedos 2 e 3 da mão esquerda (notas lá na

terceira corda e ré na segunda) e o aprendizado do conceito de acidente ocorrente (compasso

2). Os quatro últimos compassos da melodia foram criados após sugerir que eles escolhessem

notas que fizessem parte dos acordes já definidos. Após a prática inicial, o trecho acima foi

executado com acompanhamento em ritmo de baião. Na mesma aula foi incorporada uma

segunda voz, mais aguda, que apresentava um elemento novo para os alunos com mais

agilidade técnica: o glissando.

Figura 5: Segunda voz incorporada à melodia original.

Fonte: próprio autor.

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Iniciando com um arpejo de ré maior, que pode ser executado em diversas regiões do

instrumento, a escrita definia a digitação para criar o efeito de glissando na corda 1, entre os

compassos 2 e 3. Esse pequeno trecho apresentou um bom resultado sonoro e os alunos

gostaram bastante de tocá-lo. Foi registrado e, posteriormente, deu origem a uma pequena

peça que foi incorporada ao repertório do grupo. Na versão final, o trecho acima aparece duas

vezes (partes C e E), com o baixo escrito e acrescido de outra voz superior:

Figura 6: Trecho versão final da peça.

Fonte: próprio autor.

Conclusão

O primeiro efeito importante que esse processo trouxe para a condução das aulas

coletivas de violão foi comprovar que não é verdadeira a afirmação de que os alunos só

gostam de tocar as músicas que eles já conhecem, que trazem da sua vivência, em resumo, as

músicas “da moda”. Muitos professores se rendem ao gosto dos alunos e acabam sem muitas

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saídas depois de um tempo de atividades. Por outro lado, sabemos que apenas impor um

repertório também é um caminho difícil, principalmente em projetos sociais, onde a maioria

dos alunos está mais em busca de uma atividade prazerosa do que de uma formação musical.

O repertório imposto, seja ele qual for, costuma não ser completamente aceito.

No entanto, criar um repertório “em tempo real”, com ou sem a participação dos

alunos, traz um caráter diferente ao repertório. Mesmo sendo uma música desconhecida do

público, traz para os executantes uma vivência, uma história e isso se transforma em um

grande prazer aliado a um melhor resultado musical.

O processo descrito pode se configurar como uma nova possibilidade de geração de

repertório e material didático para aulas coletivas de violão, modalidade bastante presente nos

diversos espaços de ensino de música, além de uma significativa fonte de motivação para os

alunos e professores.

Concluímos com o pensamento de Swanwick (2003) que parece sintetizar esse

processo vivenciado:

Somente quando sons se tornam gestos, e quando esses gestos mudam para formas entrelaçadas, a música pode relacionar e informar os contornos e motivos de nossas experiências prévias de vida. Somente então se torna possível “mapear” a forma simbólica da performance musical sob a forma de sentimentos humanos. (SWANWICK, 2003, p. 56)

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Referências

BARRETO, Robson, TOURINHO, Cristina. Oficina de violão. Salvador: Quarteto, 2003. BRAZIL, Marcelo. Na ponta do dedos: exercícios e repertório para grupos de cordas dedilhadas. São Paulo: Digitexto, 2012. CRUVINEL, Flávia. I ENECIM – Encontro Nacional de Ensino Coletivo de Instrumento Musical: o início de uma trajetória de sucesso. Universidade Federal de Goiás. In: I ENECIM. 2004, Goiás. Anais... p. 30-36 .1 CD-ROM. OLIVEIRA, Alda. Pontes educacionais em música. 2008. Disponível em: <http://aldadejesusoliveira.blogspot.com.br/2010/10/pontes-educacionais-em-musica-apostila.html>. Acesso em: 11 jul. 2013. SCHAFER, R. Murray. O Ouvido pensante. Tradução de Marisa Trench de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da Silva e Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Editora Unesp, 1991. SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. Tradução de Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003. TEIXEIRA, Maurício. Ensino coletivo de violão: diferentes escritas no aprendizado de iniciantes. 2008. 40 p. Monografia (Licenciatura em Educação Artística – Música) – UFRJ, 2008. TOURINHO, Cristina. A motivação e o desempenho escolar na aula de violão em grupo: influência do repertório de interesse do aluno. 2002. 271 p. (Mestrado em Educação Musical) – UFBA, 2002. VIEIRA, Gabriel. Ensino Coletivo de Violão: técnicas de arranjo para o desenvolvimento pedagógico. In: XVI Encontro Anual da ABEM e Congresso Regional de ISME na América Latina. 2007, Goiás. Anais... p. 1-12.