aritméticas em retas e cônicas cap.1

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Aritméticas Em Retas e Cônicas

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    Aritmetica em Retas e

    Co^nicas

    Rodrigo GondimDepartamento de Matematica - UFRPE

    [email protected] Coloquio de Matematica do Nordeste

    Sergipe, 28/02/2011 - 04/03/2011

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    Agradecimentos

    Agradeco aos Deuses e aos Homens, de todas as civilizac~oes, queinventaram, desenvolveram e exploraram os Numeros (Aritmetica) eas Formas (Geometria)

    Agradeco aos mestres Marcos Miguel, Antonio Carlos e FrancescoRusso que, em diferentes momentos, me zeram descobrir e me apai-xonar pela Geometria e pela Aritmetica.

    Agradeco a Marco Mialaret Jr pelo empenho em estudar essestemas e por escrever, junto a mim, a monograa que deu origem aessas notas.

    Agradeco aos amigos Gabriel Guedes, Gersonilo Silva, Hebe Ca-valcanti e Tiago Duque pela leitura, pelas crticas e pelas sugest~oes.

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    Conteudo

    1 Aritmetica em Retas 10

    1.1 Pontos Inteiros em Retas . . . . . . . . . . . . . . . . 11

    1.1.1 O Algoritmo Estendido de Euclides . . . . . . . 13

    1.1.2 Equac~oes Diofantinas Lineares . . . . . . . . . 15

    1.1.3 Areas VS Pontos Inteiros em Regi~oes Poligonais 16

    1.1.4 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

    2 Aritmetica em Co^nicas 24

    2.1 Introduc~ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

    2.2 O Metodo das Tangentes e das Secantes de Fermat . . 25

    2.3 Homogeneizac~ao e Deshomogeneizac~ao: Curvas Proje-tivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

    2.4 O Princpio Local-Global para as Co^nicas . . . . . . . 32

    2.5 Uma Vis~ao Geral sobre a Aritmetica das Co^nicas . . . 33

    2.5.1 Elipses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

    2.5.2 Parabolas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

    2.5.3 Hiperboles . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

    2.6 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

    3 Reticulados no Plano 38

    3.1 Reticulados e seus Domnios Fundamentais . . . . . . 38

    3.2 O Toro Plano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

    3.3 Reticulados Inteiros no Plano . . . . . . . . . . . . . . 44

    3.4 Teorema de Minkowski . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

    3.5 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

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    CONTEUDO 5

    4 Soma de Dois Quadrados 484.1 Introduc~ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 484.2 Pontos Inteiros VS Pontos Racionais em Crculos . . . 494.3 Inteiros de Gauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 514.4 Soma de Dois Quadrados . . . . . . . . . . . . . . . . 524.5 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

    5 Equac~oes de Pell-Fermat 575.1 Introduc~ao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 575.2 Inteiros Quadraticos de Pell-Fermat . . . . . . . . . . 585.3 Soluc~oes da Equac~ao de Pell-Fermat . . . . . . . . . . 605.4 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

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    Introduc~ao

    As primeiras preocupac~oes matematicas do ser humano diziam res-peito aos numeros e as formas. A Aritmetica (do grego & =numero) foi concebida como o estudo dos numeros, em especial dosnumeros inteiros. A geometria (do grego !) (em que ! =terra e = medic~oes, medida ) e o estudo das formas - s~ao casosespeciais as retas, os polgonos e as co^nicas. Vamos tentar explicardo que se trata Aritmetica em Retas e Co^nicas.Ha indcios historicos de que os problemas aritmeticos ocupavamum lugar central entre o conhecimento matematico em varias civi-lizac~oes antigas e medievais. Na India destacamos os matematicosBaudhayana (800 AC), Apastamba (600 AC), Aryabhata e Bhas-kara I (seculo VI), Brahmagupta (seculo VII), Mahaviara (seculo IX)e Bhaskara II (seculo XII). Na Grecia antiga (perodo helenstico):Pitagoras (500 AC), Arquimedes (300 AC), Euclides (300 AC), Di-ofanto (250). Na China Zhou Bi Suan (300 AC) e Ch'in Chiu-Shao. Citamos ainda os matematicos Mulcumanos Ibn al-Haytham(seculos X-XI ), Kamal al-Dim al-Farisi (seculos XIII-XIV). Todosesses matematicos estavam intensamente preocupados com quest~oesaritmeticas e contriburam para o desenvolvimento deste ramo daMatematica. Os principais livros desse perodo s~ao Os Elementosde Euclides (300 AC), Jiuzhang Suanshu \Os nove captulos da ArteMatematica"(autor chine^s desconhecido-300 AC), Aritmetica de Di-ofanto(250) e Brahma Sphuta Siddhanta de Brahmagupta(628) tra-duzido em Arabe(773) e Latin(1123).

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    CONTEUDO 7

    A motivac~ao inicial do estudo da aritmetica estava centrada emproblemas concretos com soluc~oes inteira. Esses problemas caramfamosos por serem (ou parecerem ser) indeterminados. Considere-mos, por simplicidade, o seguinte exemplo:(Problema proposto por Euler) Um grupo de homens e mulheres gas-taram, em uma taverna, 1000 patacas. Cada homem gastou 19 pata-cas e cada mulher 13. Quantos eram os homens e quantas eram asmulheres?

    Nos seculos XVII e XVIII nasce uma nova fase a partir dos tra-balhos de Fermat, Euler, Gauss, Lagrange, Legendre. Gauss, em seumemoravel Disquisitiones Arithmeticae (1801) escreve :The celebrated work of Diophantus, dedicated to the problem of inde-terminateness, contains many results which excite a more than ordi-nary regard for the ingenuity and prociency of the author, because oftheir diculty and the subtle devices he uses, especially if we considerthe few tools that he had at hand for his work... The really profounddiscoveries are due to more recent authors like those men of immortalglory P. de Fermat, L. Euler, L. Lagrange, A. M. Legendre (and afew others).

    Nessa nova fase foi o interesse intrnseco na Aritmetica que im-pulsionou as novas descobertas.De maneira parnasiana, a Aritmetica passa a fazer \Matematica pelaMatematica"e muitos de seus problemas, de enunciado simples e in-trigantes, n~ao te^m conex~ao alguma com quest~oes concretas. Algunsdesses problemas duraram seculos ate serem solucionados. Como, porexemplo o famoso( Ultimo Teorema de Fermat, 1637) E impossvel para um cubo ser es-crito como a soma de dois cubos ou uma quarta pote^ncia ser escritacomo a soma de duas quartas pote^ncias ou, em geral, para qualquernumero que e uma pote^ncia maior que a segunda ser escrito comoa soma de duas pote^ncias com o mesmo expoente (demonstrado porWiles, A. em 1995)

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    8 CONTEUDO

    Nessa perspectiva, n~ao nos propomos fazer contextualizac~oes \ar-ticiais", uma vez que as mesmas parecem ter efeito negativo, comodizia, hiperbolicamente, Maiakoviski em sua auto biograa \Eu mesmo":Meus estudos: Mam~ae e primas de varios graus ensinavam-me. Aaritmetica parecia-me inverossmil. Era preciso calcular peras e mac~asdistribudas a garotos. Contudo, eu sempre recebia e dava sem contar,pois no Caucaso ha frutas a vontade. Foi com gosto que aprendi a ler.

    Observamos que os problemas lineares indeterminados que foramestudados desde a antiguidade, algebricamente, s~ao escritos da formaax + by = c, com a; b; c 2 Z. Outros, mais difceis, mas tambemmilenares s~ao z2 = x2 + y2 (estudados na India, China e Grecia) ex2dy2 = 1 (estudados na India) ou xn+yn = zn (de Fermat). Elespossuem uma caracterstica em comum: todos s~ao \polinomiais"emvarias variaveis.

    Chamamos Equac~ao Diofantina (em homenagem ao matematicoDiofanto de Alexandria) uma equac~ao polinomial (em varias variaveis)com coecientes inteiros e da qual procuramos obter soluc~oes inteiras(ou racionais).

    O nosso enfoque e a ligac~ao entre a Geometria e Aritmetica, assim,para nos, uma Equac~ao Diofantina em duas variaveis representa umacurva no plano. Soluc~oes inteiras (ou racionais) da Equac~ao Diofan-tina correspondem a pontos com coordenadas inteiras (ou racionais)na curva que chamaremos ponto inteiro (ou racional). O casamentoentre a Aritmetica e a Geometria foi muito bem sucedido e Fermat foium dos pioneiros na utilizac~ao de metodos geometricos para resolverEquac~oes Diofantinas.

    Importantes quest~oes aritmeticas de carater qualitativo so foramresolvidas gracas a utilizac~ao de metodos geometricos cada vez maissosticados. Os avancos da Geometria Algebrica, a teoria de Esque-mas e suas aplicac~oes foram os principais responsaveis.

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    CONTEUDO 9

    As principais quest~oes qualitativas que podem ser feitas neste con-texto s~ao:

    (i) Existe^ncia de pontos racionais;

    (ii) Decis~ao entre a nitude ou innitude do conjunto dos pontosracionais;

    (iii) Existe^ncia de pontos inteiros;

    (iv) Decis~ao entre a nitude ou innitude do conjunto dos pontosinteiros.

    No caso das curvas as quest~oes (i), (ii) e (iv) ja foram pratica-mente respondidas para grau menor ou igual a tre^s. No caso geralapenas as quest~oes (ii) e (iv) est~ao solucionadas, mas a matematicaenvolvida e muito avancada. Para citar, o importante teorema de Fal-tings, G. que implica, em particular, que toda curva plana lisa comcoecientes inteiros e grau maior que 3 possui somente um numeronito de pontos racionais (1983).

    Estaremos interessados em tratar alguns problemas aritmeticosclassicos com uma abordagem geometrica elementar. Os problemasespeccos que abordaremos envolvem a procura de soluc~oes inteiras(ou racionais) em equac~oes polinomiais a duas variaveis (com coe-cientes inteiros) de graus um e dois. Geometricamente essas s~ao asRetas e as Co^nicas (da o nome do minicurso, Aritmetica em Retas eCo^nicas).Daremos um tratamento um pouco mais geometrico ao estudo dasretas. No caso das co^nicas, alem de resultados gerais, faremos umestudo detalhado de dois problemas classicos especcos: Inteiros ques~ao Soma de dois Quadrados x2+y2 = n e as equac~oes de Pell-Fermatx2dy2 = 1. Para tratar esses problemas introduziremos a teoria deMinkowski no plano, de maneira auto contida. Daremos refere^nciasque seguem essa linha de raciocnio para aqueles que quiserem darcontinuidade ao estudo da assim chamada Geometria Aritmetica.

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    Captulo 1

    Aritmetica em Retas

    Consideremos os tre^s problemas a seguir, como motivac~ao inicial:

    Exemplo 1.1. Uma crianca arma que suas 1000 bolinhas de gudepuderam ser guardadas algumas em latas grandes com 65 bolinhascada uma e outras em latas menores com 26 bolinhas cada uma, demodo que todas as latas estavam completas. Reita sobre a armac~aoda crianca, procurando descobrir a quantidade de latas grandes e aquantidade de latas pequenas.

    Exemplo 1.2. Um pai, no comeco do ano letivo, teve que comprarlivros e cadernos para seus lhos. Cada livro custou R$50; 00 e cadacaderno R$17; 00. Sabendo que o pai gastou R$570; 00 determine aquantidade de livros e cadernos comprados.

    Exemplo 1.3. Um general decide dividir seu batalh~ao em colunas de31 soldados e percebe que sobram 4 ent~ao tentou dividi-los em colunasde 50 soldados cada, desta vez sobrou um unico soldado. Determine onumero de soldados deste batalh~ao sabendo que tal numero e menorque 1500.

    Os tre^s s~ao problemas similares nos quais os metodos algebricoselementares para resolve^-los, via equac~oes, se depara com um grandeinconveniente:

    UMA EQUAC ~AO, DUAS INCOGNITAS

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    1.1. PONTOS INTEIROS EM RETAS 11

    Esse tipo de problema comumente e dito ser INDETERMINADO.Entretanto, o tipo de incognita implcita nestes problemas e inteira(e positiva)...

    Geometricamente, uma equac~ao linear em duas incognitas repre-senta uma reta no plano, ou seja, todas as soluc~oes de um problemadesses, no conjunto dos numeros reais, correspondem a uma retano plano. Se procuramos soluc~oes inteiras destas equac~oes lineares,ent~ao estamos buscando pontos desta reta que est~ao situados sobre oreticulado inteiro do plano, Z2 R2.

    Problema 1.1. Mostre que o problema do exemplo 1.1 n~ao possuisoluc~ao inteira, ou seja, a crianca n~ao falava a verdade.

    1.1 Pontos Inteiros em Retas

    Considere uma reta ` = f(x; y) 2 R2jbx + cy = ag com coecien-tes inteiros a; b; c 2 Z. Supondo que essa reta possui algum ponto(x0; y0) 2 Z2 com coordenadas inteiras, ent~ao podemos concluir quea mesma possui uma innidade de pontos inteiros.

    Com efeito, se v = (c;b) e um vetor diretor desta reta, ent~aoos pontos (xk; yk) = (x0 + kc; y0 kb) com k 2 Z s~ao pontos intei-ros da reta. O problema consiste em determinar se esses s~ao todosos pontos inteiros da reta. E claro que se mdc(b; c) = d 6= 1, ent~aodevemos ter que dja pois djb e djc implica que djbx0 + cy0 = a. Emoutras palavras, as equac~oes em que d 6 ja n~ao possuem soluc~ao inteira.

    No caso em que dja podemos escrever b = d, c = d e a = d eencontrar uma nova equac~ao (simplicada)

    x+ y =

    que e uma equac~ao da mesma reta ` que possui um ponto inteiro(x0; y0) 2 Z2. Um vetor diretor simplicado para esta reta e w =(;). Redenindo (xk; yk) = (x0 + k; y0 k) em que k 2 Z,conclumos que todos os pontos (xk; yk) s~ao pontos inteiros da reta e

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    12 CAPITULO 1. ARITMETICA EM RETAS

    a verdade e que estes s~ao todos os pontos inteiros da reta `.

    Podemos pensar nesse processo como uma simplicac~ao do vetordiretor inteiro da reta `. Com efeito, o vetor diretor de uma retaesta denido a menos de multiplo escalar (n~ao nulo) e, portanto, amenos de sentido, existe um unico vetor diretor cujas coordenadas s~aointeiros coprimos (supondo a existe^ncia de um vetor diretor inteiro).Tal vetor sera chamado o vetor inteiro irredutvel.

    Proposic~ao 1.2. Seja l = f(x; y) 2 R2jbx + cy = ag uma reta comcoecientes inteiros a; b; c 2 Z2. Suponhamos que a reta possua umponto inteiro (x0; y0) 2 Z2. Seja w = (; ) o vetor diretor inteiroe irredutvel da reta l, ent~ao todos os pontos inteiros da reta s~ao:

    (xk; yk) = (x0 + k; y0 k)

    em que k 2 Z.Demonstrac~ao: E claro que todos esses pontos s~ao pontos intei-ros da reta, pois, a menos de sinal, w = vd em que v = (c;b) ed = mdc(b; c). Logo, bxk+ cyk = bx0+ cy0+ b

    cd c bd = bx0+ cy0 = 0,

    pois (x0; y0) 2 l. So nos resta mostrar que esses s~ao todos os pontosinteiros da reta.Suponhamos, por absurdo, que exista um outro ponto inteiro em l,Q = (x; y) 2 ` \ Z2. Digamos que, no sentido de nossa parame-trizac~ao, esse ponto esteja entre os pontos inteiros Pk e Pk+1. Issoda origem a dois tria^ngulos reta^ngulos semelhantes com hipotenusasobre a reta e catetos nas direc~oes horizontal e vertical.

    Q

    P(k) J I

    P(k+1)

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    1.1. PONTOS INTEIROS EM RETAS 13

    O cateto horizontal do menor tria^ngulo tem comprimento inteiroh < jj e o cateto vertical do menor tria^ngulo tem comprimentointeiro s < jj. Por outro lado, pela proporcionalidade, temos que

    h

    s=jjjj

    e isso e um absurdo pois os valores h, s, jj e jj s~ao todos inteirospositivos e a frac~ao jjjj e irredutvel pois, por hipotese, mdc(; ) = 1.

    Problema 1.3. Encontre uma soluc~ao particular do segundo pro-blema, exemplo 1.2, e use a proposic~ao anterior para encontrar todasas soluc~oes inteiras e positivas do mesmo. (Apos parametrizar voce^deve impor que x > 0 e y > 0.)

    1.1.1 O Algoritmo Estendido de Euclides

    Primeiramente, vamos relembrar o algoritmo de Euclides para o calculode mdc de dois numeros inteiros. Sejam b e c dois numeros inteiros esuponhamos que b c > 0. Dividindo b por c obtemos quociente q eresto r, r < c satisfazendo:

    b = cq + r:

    E facil mostrar que:

    mdc(b; c) = mdc(c; r):

    Mais precisamente, o conjunto dos divisores comuns de b e c coincidecom o conjunto dos divisores comuns de c e r. De fato, se djb e djc,ent~ao djr = b cq e, reciprocamente, se djc e djr, ent~ao djb = cq + r.Se procedermos, iteradamente, com este metodo, como os restos v~aodiminuindo, apos um numero nito de iterac~oes obtemos resto iguala zero e ent~ao o algoritmo para. Quando o resto for igual a zero,obtemos uma relac~ao de divisibilidade ejf neste caso, mdc(e; f) = ee igual ao ultimo divisor obtido.

    Teorema 1.4. Algoritmo de Euclides

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    14 CAPITULO 1. ARITMETICA EM RETAS

    Sejam b > c > 0 dois numeros inteiros. Existe um algoritmoefetivo para encontrar o mdc(b; c) a partir de (um numero nito de)sucessivas divis~oes com resto.

    Demonstrac~ao: Algoritmo

    Sejam r1 = b, r0 = c e facamos as divis~oes sucessivas de rk porrk+1 em que k = 1; 0; :::; n (em que n e o passo em que o resto ezero).

    rk = rk+1qk+1 + rk+2:

    Pelo anteriormente exposto mdc(rk; rrk+1) = mdc(rk+1; rrk+2). O al-goritmo funciona bem pois sempre temos rk > rk+1 e, como todoss~ao n~ao negativos(rk 0), ent~ao rn+1 = 0 para algum n. Nesse casorn1 = rnqn e, portanto, mdc(rn1; rn) = rn.

    Logo,

    mdc(b; c) = ::: = mdc(rk; rk+1) = ::: = mdc(rn1; rn) = rn

    O algoritmo estendido de Euclides e um metodo interativo deobter, para cada um dos restos encontrados no algoritmo de Euclides,uma express~ao do tipo:

    rk = bxk + cyk

    na qual xk e yk s~ao inteiros.O algoritmo estendido de Euclides nos permite demonstrar o se-

    guinte teorema conhecido por Lema de Bezout:

    Teorema 1.5. Algoritmo Estendido de Euclides - Lema deBezout

    Sejam b e c numeros inteiros, b > c > 0, e seja d = mdc(b; c).Ent~ao existem inteiros x e y tais que:

    bx+ cy = d:

    Alem disso, os inteiros x e y podem ser efetivamente calculados apartir de um algoritmo nito.

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    1.1. PONTOS INTEIROS EM RETAS 15

    Demonstrac~ao: Com as mesmas notac~oes estabelecidas no teo-rema anterior, vamos proceder interativamente para determinar xk eyk de modo que bxk + cyk = rk.

    Claramente, se k = 1, ent~ao podemos escolher x1 = 1 ey1 = 0 pois 1:b + 0:c = b. Se k = 0 podemos escolher x0 = 0 ey0 = 1, pois 0:b+ 1:c = c. Agora, suponhamos que k 1 e suponha-mos que ja conhecemos xk2, yk2 tais que bxk2 + cyk2 = rk2 etambem conhecemos xk1 e yk1 tais que bxk1 + cyk1 = rk1.

    Como rk e obtido a partir da divis~ao de rk2 por rk1, temos:

    rk2 = rk1qk1 + rk

    substituindo as express~oes anteriores para rk2 e rk1, obtemos:

    rk = b(xk2 qk1xk1) + c(yk2 qk1yk1):Assim, podemos escolher xk = xk2 qk1xk1 e yk = yk2 qk1yk1.

    O algoritmo vai parar quando rn+1 = 0, e no passo anterior,temos, pelo teorema 1.4, que

    d = mdc(b; c) = rn = bxn + cyn:

    1.1.2 Equac~oes Diofantinas Lineares

    O teorema que exibiremos a seguir responde de uma vez por todasas indagac~oes sobre a aritmetica das retas e sua demonstrac~ao e umaleitura das sec~oes anteriores.

    Teorema 1.6 (Euclides). Sejam a, b e c numeros inteiros e denad = mdc(b; c). Considere a equac~ao diofantina linear:

    bx+ cy = a

    Ent~ao temos:

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    16 CAPITULO 1. ARITMETICA EM RETAS

    1. (i) Se d - a, ent~ao a equac~ao dada n~ao tem soluc~ao inteira;

    2. (ii) Se d j a, ent~ao a equac~ao dada tem innitas soluc~oes intei-ras e, alem disso, o conjunto de pontos inteiros pode ser parame-trizado a partir de um ponto particular. Precisamente, fazendoa = d, b = d e c = d a equac~ao ca da forma:

    x+ y =

    e dada uma soluc~ao particular (x0; y0) nos inteiros, ent~ao todasas outras soluc~oes inteiras da equac~ao s~ao da forma:

    x = x0 + ky = y0 k k 2 Z

    Demonstrac~ao: A primeira parte e trivial. A segunda parte se-gue da proposic~ao 1.2 e do teorema 1.5. De fato, do teorema 1.5conclumos que a reta possui um ponto inteiro (um ponto inteiropode ser determinado pelo algoritmo estendido de Euclides) e, pelaproposic~ao 1.2, sabemos que se uma reta com coecientes inteirospossui um ponto com coordenadas inteiras, ent~ao possui uma inni-dade de pontos inteiros parametrizados a partir do ponto particularcom multiplos inteiros do vetor diretor irredutvel.

    1.1.3 Areas VS Pontos Inteiros em Regi~oes Poli-gonais

    Existem muitas formas de calcular a area de um polgono no plano.Vamos apresentar duas delas: a primeira via determinantes e a se-gunda, sera o teorema de Pick, que fornece uma maneira combinatoriade calcular area de polgonos no plano cujos vertices pertencem ao\reticulado padr~ao" Z2 R2, ou seja, seus vertices possuem coorde-nadas inteiras. A formula de Pick fornece uma relac~ao entre a areade um polgono simples e o numero de pontos inteiros em seu interiore em sua fronteira.

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    1.1. PONTOS INTEIROS EM RETAS 17

    Area de um Paralelogramo

    Um paralelogramo no plano pode ser denido a partir de dois vetoresv; w 2 R2. Seus vertices ser~ao 0, v, w e v + w. Se considerarmosestes vetores como vetores espaciais (com a ultima coordenada nula),estamos fazendo a identicac~ao R2 = f(x; y; z) 2 R3jz = 0g. Agora,podemos usar o produto vetorial do R3 para calcular a area do para-lelogramo, verica-se facilmente que

    v w = det(v; w)k^ = (0; 0; det(v; w)):

    Ou seja, a area de um paralelogramo no plano gerado pelos vetoresv e w e

    A = jjv wjj = j det(v; w)j:

    Nessa notac~ao, det(v; w) e o determinante da matriz quadrada deordem 2 cujas linhas s~ao, respectivamente, as coordenadas de v e w.

    Sejam v 2 Z2 R2, v = (a; b) e d = mdc(a; b). Vamos dar uma in-terpretac~ao geometrica do numero d em termos de area de parelogra-mos no plano. Considere o seguinte conjunto (v) = fdet(v; w)jw 2Z2g, ent~ao temos o seguinte

    Teorema 1.7. Sejam v 2 Z2 R2, v = (a; b), d = mdc(a; b) e(v) = fdet(v; w)jw 2 Z2g. Ent~ao:

    (v) = dZ = fdmjm 2 Zg:

    Ou seja, o mdc entre as coordenadas do vetor v representa a menorarea de um paralelogramo com vertices inteiros tendo v como um doslados.

    Demonstrac~ao: Ora,

    (v) = fdet(v; w)jw 2 Z2g = fax+ byjx; y 2 Zg = dZ

    O resultado segue diretamente do lema de Bezout, 1.5.

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    18 CAPITULO 1. ARITMETICA EM RETAS

    O Teorema de Pick

    O teorema de Pick fornece uma maneira combinatoria de calculara area de um polgono simples com vertices inteiros. A formula dePick envolve o numero de pontos inteiros na fronteira do polgonoe o numero de pontos inteiros no interior do polgono. No presentecontexto a formula de Pick pode ser interpretada como uma formade encontrar o numero de pontos inteiros no interior do polgono.

    Denic~ao 1.8. Um polgono plano e dito ser simples se n~ao pos-suir \furos"e se suas arestas so se intersectarem nos vertices. Umpolgono simples pode ser co^ncavo ou convexo.

    Teorema 1.9. (Pick) Sejam P R2 um polgono simples cujosvertices pertencem a Z2 (pontos do plano com coordenadas inteiras).Dena F o numero de pontos inteiros na fronteira de P (vertices earestas) e I o numero de pontos inteiros no interior de P. Ent~ao aarea do polgono P e

    A(P) = 12F + I 1

    Demonstrac~ao: Dena o numero de Pick de um polgono simplesP com vertices inteiros por:

    Pick(P) = 12F + I 1:

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    1.1. PONTOS INTEIROS EM RETAS 19

    Se dois polgonos simples possuem uma aresta de mesmo moduloe direc~ao, ent~ao podemos obter, a partir deles, um novo polgonoidenticando essa aresta e deletando-a, o polgono assim obtido e oque chamaremos a concatenac~ao dos polgonos iniciais P = P1

    LP2.

    P1

    P2

    Vamos mostrar que o numero de Pick e aditivo por concatenac~ao.Sejam Pi, i = 1; 2 dois polgonos simples com vertices inteiros e comuma aresta de mesmo modulo e direc~ao. E sejam Fi e Ii, respecti-vamente, o numero de pontos inteiros na fronteira e no interior dopolgono Pi, i = 1; 2. Digamos que o segmento comum, na conca-tenac~ao possui k + 2 pontos inteiros.

    O numero de pontos inteiros no interior da concatenac~ao e

    I = I1 + I2 + k

    pois, apos a concatenac~ao, os k vertices (n~ao terminais) da arestadeletada v~ao pertencer ao interior do polgono P = P1 P2.

    O numero de pontos inteiros na fronteira da concatenac~ao e

    F = F1 + F2 2(k + 2) + 2

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    20 CAPITULO 1. ARITMETICA EM RETAS

    pois somando os pontos de fronteira de P1 e P2 e subtraindo duasvezes os pontos inteiros da aresta deletada so faltam os terminais daaresta deletada para completar os pontos inteiros na fronteira de P.

    Calculando o numero de Pick de P, temos:

    Pick(P) = 12(F1+F22(k+2)+2)+I1+I2+k = Pick(P1)+Pick(P2):

    Agora note que todo polgono simples no plano pode ser subdi-vidido em tria^ngulos de modo que o vertice de cada tria^ngulo sejaalgum vertice do polgono. Assim, todo polgono com vertices intei-ros pode ser subdividido em tria^ngulos com vertices inteiros. Peloresultado de aditividade por concatenac~ao, podemos nos reduzir aocaso de tria^ngulos com vertices inteiros para provar o teorema de Pick.

    Todo tria^ngulo com vertices inteiros pode ser inscrito em umreta^ngulo horizontal com vertices inteiros. Assim podemos nos re-duzir aos tria^ngulos reta^ngulos horizontais ou melhor, aos propriosreta^ngulos horizontais.

    Todo tria^ngulo horizontal e formado por concatenac~ao de qua-drados 1 1. Assim, se vericamos a formula de Pick em quadrados1 1, ent~ao vale o teorema de Pick em geral

    Para um quadrado 1 1 temos: A = 1, F = 4, I = 0, e efetiva-mente,

    A = 1 =1

    2:4 + 0 1 = 1

    2F + I 1:

    Observac~ao 1.10. Ver, por exemplo, Lages Lima, E. [9]. A sec~aointitulada Como calcular a area de um polgono se voce^ sabe contar

    Como havamos dito queremos olhar para a formula de Pick deoutra forma:

    I = A 12F + 1

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    1.1. PONTOS INTEIROS EM RETAS 21

    E sabemos que a area pode ser calculada de varias formas. Gos-taramos de terminar essa sec~ao mostrando como calcular F de ma-neira instanta^nea.

    Proposic~ao 1.11. Seja P = A0A1A2:::An1An, com An = A0,um polgono simples no plano com vertices inteiros, isto e, Ai 2 Z.Dena vi =

    !Ai1Ai = (ai; bi) e di = mdc(ai; bi). Ent~ao o numero de

    pontos inteiros na fronteira de P e igual a F =nXi=1

    di.

    Demonstrac~ao: Primeiramente lembramos que, a partir do ar-gumento utilizado na proposic~ao 1.2, um segmento de reta PQ com

    P;Q 2 Z2 tal que v = !PQ = (a; b) com mdc(a; b) = 1 n~ao possuiponto inteiro no seu interior. Ou seja, os unicos pontos inteiros nosegmento PQ s~ao seus extremos, P e Q. Verique na gura 1.1!!!

    Sejam P;Q 2 Z2 R2 e v = !PQ = (a; b) dois vertices consecu-tivos do polgono, ent~ao o numero de pontos inteiros na aresta PQe igual a d + 1 em que d = mdc(a; b). Com efeito, basta dividir osegmento PQ em d segmentos cujo vetor que o representa tenha co-ordenadas inteiros coprimos.

    Para concluir note que cada aresta Ai1Ai do polgono vai possuir,em seu interior(sem contar os vertices), di 1 pontos inteiros. Logoo numero de pontos inteiros na fronteira do polgono sera

    nXi=1

    di n+ n

    n corresponde a 1 para cada aresta e +n corresponde aos verticesdo polgono.

    1.1.4 Problemas

    1. Voce^ possui muitos palitos com 6cm e 7cm de comprimento.Qual o numero mnimo de palitos que voce^ precisa utilizar parafazer uma la de palitos com comprimento total de 2 metros?

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    22 CAPITULO 1. ARITMETICA EM RETAS

    2. (Problema proposto por Mahavira, 850) 5 pilhas de frutas maisduas frutas foram divididas (igualmente) entre 9 viajantes; seispilhas mais quatro foram divididas por 8; quatro pilhas mais 1foram divididas por 7. Determine o menor numero possvel defrutas em cada pilha.

    3. (Problema proposto por Bhaskara 1; Seculo VI) Encontre omenor numero natural que deixa resto 1 quando dividido por2,3,4,5,6 mas e exatamente divisvel por 7.

    4. (Proposto por Euler) Uma pessoa comprou cavalos e bois. Fo-ram pagos 31 escudos por cavalo e 20 escudos por boi e sabe-seque todos os cavalos custaram 7 escudos a mais do que todosos bois.Quantos cavalos e quantos bois foram comprados?

    5. (Problema do seculo XVI) Um total de 41 pessoas entre homens,mulheres e criancas foram a um banquete e juntos gastaram 40patacas. Cada homem pagou 4 patacas, cada mulher 3 patacase cada crianca um terco de pataca. Quantos homens, quantasmulheres e quantas criancas havia no banquete?

    6. Na Russia a moeda se chama rublo. Existem notas de 1, 3e 5 rublos. Mostre que n~ao e possvel pagar 25 rublos comexatamente 10 notas com os valores citados.

    7. Prove que toda quantia inteira maior ou igual a R$4; 00 podeser paga utilizando notas de R$2; 00 e R$5; 00.

    8. Sejam a; b; c 2 Z numeros inteiros positivos e suponha que a bc. Mostre que a equac~ao

    bx+ cy = a

    possui soluc~ao inteira n~ao negativa (m;n) 2 Z, m;n 09. Dado v 2 Z2 R2, v = (a; b), com mdc(a; b) = 1, mostre que

    existe w = (c; d) 2 Z2 R2 tal que o paralelogramo gerado porv e w n~ao possui ponto inteiro em seu interior.

    10. Prove que todo polgono simples com vertices inteiros possuiarea cujo dobro e um numero inteiro.

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    1.1. PONTOS INTEIROS EM RETAS 23

    11. Mostre que um tria^ngulo plano com vertices inteiros tem areamnima A = 12 se, e somente se, o tria^ngulo n~ao possui pontointeiro no seu interior. Mostre que de fato essa e a area mnima.

    12. Mostre que no plano existem tria^ngulos com vertices inteirosde area mnima A = 12 com permetro arbitrariamente grande.

    13. Um agricultor possui um terreno poligonal e deseja plantar pesde milho em seu interior. Suponhamos que, apos uma escolha deeixos coordenados os vertices do polgono e os pes de milho v~aocorresponder a pontos com coordenadas inteiras. Determinaro numero de pes de milho que podem ser plantados supondoque os vertices do polgono s~ao: A = (0; 0; ), B = (8; 0), C =(15; 10), D = (12; 20), E = (10; 15) e F = (0; 10).

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    Captulo 2

    Aritmetica em Co^nicas

    2.1 Introduc~ao

    Uma curva algebrica plana em R2 e dada como o conjunto soluc~aode uma equac~ao polinomial em duas variaveis.

    C = f(x; y) 2 R2 j f(x; y) = 0g

    E consideramos que esse conjunto e n~ao vazio e n~ao consiste de umnumero nito de pontos. Chamamos co^nica a uma curva algebricaplana denida por um polino^mio de grau dois. N~ao estaremos inte-ressados no caso em que o polino^mio seja redutvel, pois, nesse casoseu conjunto de zeros sera um par de retas. E muito conhecido,da geometria analtica basica, que as unicas co^nicas irredutveis s~ao:parabola, hiperbole e elipse.

    As formas cano^nicas, com coecientes inteiros, das co^nicas s~ao asseguintes:

    1. Parabolas

    C = f(x; y) 2 R2 j ax2 + by = 0g

    a; b 2 Z; a 6= 0 e b 6= 0

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    2.2. OMETODODAS TANGENTES E DAS SECANTES DE FERMAT25

    2. Hiperboles

    C = f(x; y) 2 R2 j ax2 by2 = cg

    a; b; c 2 Z; a; b; c > 03. Elipses

    C = f(x; y) 2 R2 j ax2 + by2 = cga; b; c 2 Z; a; b; c > 0

    4. Crculos S~ao elipses especiais para as quais a = b

    C = f(x; y) 2 R2 j x2 + y2 = r2g

    Observac~ao 2.1. Quando estamos interessados no conjunto de pon-tos racionais de uma co^nica, ent~ao podemos efetivamente nos reduzira sua forma cano^nica. De fato, o metodo de diagonalizac~ao de umaforma quadratica funciona sobre qualquer corpo de caracterstica di-ferente de 2.

    Entretanto n~ao e verdade o mesmo sobre os inteiros! Estaremos,de fato, fazendo uma simplicac~ao ao supor uma co^nica na formacano^nica para tratar de quest~oes sobre seu conjunto de pontos intei-ros.

    2.2 O Metodo das Tangentes e das Secan-tes de Fermat

    Nessa Sec~ao vamos apresentar o Metodo das Tangentes e das Secantesde Fermat. Tal metodo foi utilizado por Fermat em co^nicas e cubicas,por motivac~oes aritmeticas. Explicaremos o metodo somente para asco^nicas.

    Podemos sumarizar o Metodo das Secantes e das Tangentes deFermat da seguinte forma:

    Sejam C uma co^nica, P 2 C e ` uma reta que n~ao passa porP = P1. Seja ~` a reta paralela a ` passando por P e C \ ~`= fP1; P2g

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    26 CAPITULO 2. ARITMETICA EM CO^NICAS

    (n~ao necessariamente distintos). Dena, ainda, ~P = TPC \ `. Ent~aoa func~ao:

    : C n fP1; P2g ! ` n f ~PgQ 7! PQ \ ` = R(Q)

    esta bem denida e e inversvel. De fato, para cada Q 2 C nfP1; P2g, a reta PQ n~ao e paralela a ` (a unica paralela a ` passandopor P e P1P2 = ~`). Assim, a intersecc~ao PQ \ ` = R(Q) dene umponto, R(Q).A inversa de e a seguinte func~ao:

    1 : ` n f ~Pg ! C n fP1; P2gR 7! PR \ C = Q(R)

    de fato, para que 1 pudesse ser denida, tivemos que excluir ~P ,caso contrario a reta ~PP seria tangente a C.

    P

    Q

    R(Q)

    R

    Q(R)

    Teorema 2.2. Sejam C 2 R2 uma co^nica com coecientes racionaise P 2 C um ponto racional. Considere ` 2 R2 uma reta com coeci-entes racionais paralela a TPC (n~ao coincidente). Ent~ao a func~ao

    : C n fPg ! `Q 7! PQ \ ` = R(Q)

    esta bem denida, e bijetiva e leva pontos racionais de C em pontosracionais de `.

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    2.2. OMETODODAS TANGENTES E DAS SECANTES DE FERMAT27

    Demonstrac~ao: So nos resta mostrar que pontos racionais s~aolevados em pontos racionais.Para encontrar a intersec~ao de uma reta e uma co^nica devemos re-solver o sistema de equac~oes em duas variaveis consistindo de umaequac~ao linear e uma quadratica. Substituindo y = mx+n, a equac~aoda reta, na equac~ao da co^nica, o sistema ca reduzido a uma equac~aodo segundo grau em uma unica variavel. Digamos que a equac~ao dosegundo grau seja

    ax2 + bx+ c = 0:

    Como a reta e a co^nica possuem coecientes racionais, ent~ao a; b; c 2Q. Sabemos que as razes da equac~ao do segundo grau fornece ab-cissas dos pontos de intersec~ao. Se temos uma raiz racional, ent~ao aoutra raiz sera tambem racional (pois o produto das razes e igual aca , que e racional). Verique!!!

    Corolario 2.3. Seja C R2 uma co^nica com coecientes racionais.Suponhamos que o conjunto dos pontos racionais de C seja n~ao vazio,ent~ao a co^nica C possui uma innidade de pontos racionais. Alemdisso, o conjunto dos pontos racionaqis de C pode ser parametrizadoa partir do conhecimento de um ponto racional de C.

    Demonstrac~ao: Basta utilizar o Metodo das Tangentes e das Se-cantes de Fermat.

    Consideremos, agora dois exemplos: o primeiro fornece uma pa-rametrizac~ao do crculo unitario (sem usar senos e cossenos).

    Exemplo 2.1. Seja C = f(x; y) 2 R2 j x2 + y2 = 1g. Usaremos oponto P0 = (1; 0) e a reta ` = OY = f(0; t)jt 2 Rg para aplicar oMetodo de Fermat:

    : C n fPg ! `Q 7! PQ \ `

    (x; y) 7! (0; yx+1 )

    A parametrizac~ao que queremos e 1 e para encontra-la, bastafazer yx+1 = t ) y = t(x + 1) e lembrar que x2 + y2 = 1. Da segueque (t2 + 1)x2 + (2t2)x + (t2 1) = 0 e como x0 = 1 e uma raiz

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    28 CAPITULO 2. ARITMETICA EM CO^NICAS

    1 x

    yt

    desta equac~ao (correspondente ao ponto P0 = (1; 0)) e o produtodas razes e t

    21t2+1 obtemos para a outra raiz xt =

    1t21+t2 substituindo

    temos yt =2t

    1+t2 . Logo,

    1 : ` ! C n fPgQ 7! PQ \ C

    (0; t) 7! ( 1t21+t2 ; 2t1+t2 )

    Exemplo 2.2. Considere agora o crculo C = f(x; y) 2 R2jx2+ y2 =2g. Um ponto racional nesse crculo e (1; 1). Considere a famliade retas passando por esse ponto: `t : y 1 = t(x 1), se t 2 Q,ent~ao cada uma dessas retas e secante ao crculo em um outro pontoracional Pt. Mostre que todos os outros pontos racionais desse crculos~ao:

    (t2 2t 1t2 + 1

    ;t2 2t+ 1

    t2 + 1):

    Teorema 2.4. Seja C R2 a co^nica de equac~ao ax2 + by2 = c coma; b; c 2 Q. Se P0 = (x0; y0) e um ponto racional de C, ent~ao todosos outros pontos racionais de C s~ao da forma

    (bt2x0 2bty0 ax0

    bt2 + a;bt2y0 2atx0 + ay0

    bt2 + a)

    em que t 2 Q, bt2 + a 6= 0, exceto (x0;y0). Ou seja, o conjunto dospontos racionais de C pode ser parametrizado a partir de P0.

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    2.3. HOMOGENEIZAC ~AO E DESHOMOGENEIZAC ~AO: CURVAS PROJETIVAS29

    Demonstrac~ao: Considere a famlia de retas passando por P0,`t : y y0 = t(x x0). Para cada para^metro racional t 2 Q, a reta`t possui coecientes racionais e, portanto, essa reta sera secante aco^nica C em um outro ponto racional Pt = (xt; yt) (argumento deFermat). Substituindo a equac~ao da reta y = y0 + t(x x0) naequac~ao da co^nica obtemos uma equac~ao do segundo grau:

    (a+ bt2)x2 + (?)x+ x0(bt2x0 2bty0 ax0) = 0

    o produto das razes dessa equac~ao e:

    x0xt =x0(bt

    2x0 2bty0 ax0)a+ bt2

    ;

    da seguem as express~oes de xt e yt.

    Observac~ao 2.5. A partir do teorema acima podemos obter umaparametrizac~ao de qualquer co^nica utilizando, apenas, func~oes raci-onais. O ponto central em nossa abordagem era encontrar soluc~oesracionais, por isso a necessidade de o ponto inicial ser racional. Casoo objetivo seja encontrar uma parametrizac~ao utilizando func~oes raci-onais, ent~ao o ponto inicial pode ser tomado como um ponto qualquer(x0; y0) 2 R2. Observamos ainda que as parabolas s~ao triviais umavez que sua equac~ao fornece imediatamente uma parametrizac~ao dasmesmas.

    2.3 Homogeneizac~ao e Deshomogeneizac~ao:Curvas Projetivas

    Um polino^mio em mais de uma variavel e dito ser homoge^neo se todosos seus mono^mios s~ao de mesmo grau, digamos n. Sua propriedadefundamental e que F (P ) = nF (P ), assim sendo, se 6= 0 ent~ao:F (P ) = 0, F (P ) = 0.

    Suponhamos, agora, que o polino^mio F possua coecientes raci-onais e vamos nos concentrar em procurar soluc~oes racionais. Peloexposto, quando estamos procurando soluc~oes de um polino^mio ho-moge^neo, podemos nos reduzir a procurar soluc~oes que n~ao s~ao multiplos,

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    30 CAPITULO 2. ARITMETICA EM CO^NICAS

    logo, na classe de soluc~oes existe uma unica soluc~ao inteira sem fato-res comuns(a menos de sinal).

    E bastante natural considerar a seguinte relac~ao de equivale^nciaem R3 n f0g: v w , v = w com 6= 0.Denic~ao 2.6. O Plano projetivo P2(R) e denido como o conjuntoquociente do R3 pela relac~ao de equivale^ncia de multiplos n~ao nulos.Se a classe de v = (X;Y; Z) possuir z 6= 0, ent~ao (X;Y; Z) (x; y; 1)caso contrario dizemos que o mesmo representa um ponto no innito,assim

    P2(R) = R2 [ `1em que `1 representa a \reta no innito"(dos pontos no innito) quecorresponde a P1(R).

    Se f(x; y) e um polino^mio em duas variaveis de grau (maximo)n podemos a partir de f obter um polino^mio homoge^neo F (X;Y; Z)fazendo x = XZ e y =

    YZ e cancelando denominadores. Observe

    que como estamos interessados em fazer F (X;Y; Z) = 0 e permitidocancelar denominadores.

    Denic~ao 2.7. Seja f(x; y) um polino^mio em duas variaveis com co-ecientes reais e C R2 a curva associada. O polino^mio homoge^neoF , associado a f e chamado homogeneizac~ao de f e C P2 a curvaprojetiva associada.

    Proposic~ao 2.8. Seja f(x; y) um polino^mio com coecientes racio-nais e F (X;Y; Z) a homogeneizac~ao de f . Existe uma bijec~ao entreas soluc~oes racionais de f e as soluc~oes inteiras, sem fator comum ecom Z 6= 0 de F (a menos de sinal).Demonstrac~ao: Observe que a cada soluc~ao racional em f(x; y) =0 obtemos uma unica soluc~ao em inteiros coprimos de F (X;Y; Z) = 0(a menos de sinal). Basta multiplicar (x; y; 1) pelo mmc das frac~oesirredutveis que determinam x; y.

    Reciprocamente, se F (X;Y; Z) e um polino^mio homoge^neo emtre^s variaveis, podemos a partir de F obter um polino^mio f(x; y)fazendo X = xZ e Y = yZ e cancelando Zn. Observamos que a a

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    2.3. HOMOGENEIZAC ~AO E DESHOMOGENEIZAC ~AO: CURVAS PROJETIVAS31

    cada soluc~ao em inteiros de F (X;Y; Z) = 0, com Z 6= 0, obtemosuma soluc~ao racional de f(x; y) = 0.

    Exemplo 2.3. Ternas Pitagoricas

    Um problema milenar, conhecido por \ternas pitagoricas", con-siste em encontrar soluc~oes em inteiros para a equac~ao de Pitagoras,a2 = b2+c2, isto e, encontrar tria^ngulos reta^ngulos com lados inteiros.Inicialmente vamos considerar o caso em que a, b e c s~ao coprimos, istoe, mdc(a; b; c) = 1 que implica, por sua vez, mdc(a; b) = mdc(a; c) =mdc(b; c) = 1. Para encontrar a soluc~ao geral basta multiplicar porum inteiro arbitrario.

    Dividindo a equac~ao por a2, quando a 6= 0, obtemos ba2+ ca

    2 = 1,isto e, x2 + y2 = 1. Desta feita, procuramos, agora, pontos racio-nais no crculo unitario. Sabemos que todos os pontos racionais nocrculo unitario, exceto (1; 0), podem ser parametrizados da forma( 1t

    2

    1+t2 ;2t

    1+t2 ) conforme visto no exemplo 2.1.

    Suponhamos, agora que t = mn , com mdc(m;n) = 1. Substi-tuindo, obtemos:

    b

    a=

    n2 m2n2 +m2

    ;c

    a=

    2mn

    n2 +m2:

    Como mdc(a; b) = mdc(a; c) = 1, e b e c n~ao podem ser ambosmpares, temos mdc(n2 m2; n2 + m2) = 1 (m;n tem paridadesdistintas) nesse caso

    a = m2 + n2; b = n2 m2; c = 2mn:

    Alguns exemplos de ternas pitagoricas s~ao (3; 4; 5); (5; 12; 13); (8; 15; 17); (7; 24; 25); :::

    Observac~ao 2.9. Poderia tambem ocorrer de m;n serem ambosmpares. Nesse caso mdc(n2 m2; n2 +m2) = 2 e da

    a =m2 + n2

    2; b =

    n2 m22

    ; c = mn:

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    32 CAPITULO 2. ARITMETICA EM CO^NICAS

    Fazendo m+n = 2u e nm = 2v (que e sempre possvel pois a somae a diferenca de dois mpares e sempre par), obtemos

    a = u2 + v2; b = 2uv; c = u2 v2:

    2.4 O Princpio Local-Global para as Co^nicas

    O princpio Local-Global, de Hasse-Minkowski, fornece uma caracte-rizac~ao das formas quadraticas (homoge^neas) com coecientes racio-nais (inteiros) que possuem algum ponto racional (n~ao nulo). Apostal caracterizac~ao e possvel resolver o problema algoritmicamente,isto e, dada uma forma quadratica e possvel, apos um numero nitode passos, descobrir quando a mesma possui algum ponto racional. Aformulac~ao geral do princpio exige a denic~ao de numeros p-adicos en~ao e nosso objetivo. Vamos primeiramente mostrar, com um exem-plo, que existem co^nicas que n~ao possuem pontos racionais e enunciar,posteriormente uma vers~ao do princpio local-global para as co^nicas.

    Analisemos o seguinte exemplo, proximo ao exemplo das ternaspitagoricas. Vamos ver que uma ligeira modicac~ao nos coecientesde uma co^nica pode trazer resultados catastrocos (mas interessan-tes). Nesse caso a co^nica em quest~ao n~ao possui ponto racional.

    Exemplo 2.4. Analisemos o conjunto dos pontos racionais do crculo

    C = f(x; y) 2 R2jx2 + y2 = 3g

    ou equivalentemente, as soluc~oes n~ao nulas, em inteiros, da equac~aohomogeneizada:

    X2 + Y 2 = 3Z2;

    podemos supor que se houver soluc~ao em inteiros mdc(X;Y; Z) = 1.Fazendo a divis~ao euclidiana (com resto) de cada um deles por 3,obtemos 8

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    2.5. UMAVIS ~AOGERAL SOBRE A ARITMETICA DAS CO^NICAS33

    Substituindo na equac~ao original notamos que a2 + b2 3c2 deveser multiplo de 3 mas como a; b; c 2 f0; 1; 2g chegamos a conclus~ao(apos alguns testes) que a = b = 0 e, portanto, X e Y deveriam sermultiplos de 3 mas isso obrigaria que 3Z2 fosse multiplo de 9 e istoso seria possvel se Z fosse tambem multiplo de 3 e isto e um absurdouma vez que supomos que mdc(X;Y; Z) = 1.

    Esta contradic~ao foi proveniente da nossa (falsa) hipotese de existe^nciade alguma soluc~ao em inteiros n~ao nulos de X2 + Y 2 = 3Z2, assimpodemos concluir que tal equac~ao n~ao possui soluc~ao n~ao nula eminteiros e consequentemente, a nossa curva C n~ao possui ponto raci-onal.

    Observac~ao 2.10. A estrategia utilizada para mostrar que a equac~aon~ao possui soluc~ao inteira n~ao nula e chamada Descida Innita deFermat. Essa estrategia e baseada no princpio da Boa Ordenac~ao.A losoa geral da \descida innita de Fermat"e a seguinte: se su-pomos que existem soluc~oes inteiras positivas, podemos escolher umaminimal (em um sentido a determinar) e, a partir desta encontraroutra \menor", ent~ao n~ao existe soluc~ao inteira. No nosso caso aminimalidade dizia respeito a n~ao existir fator comum entre as coor-denadas da soluc~ao.

    Em geral temos o seguinte teorema de Hasse-Minkowski que de-termina quando uma co^nica possui ponto racional.

    Teorema 2.11 (Hasse-Minkowski). Seja C 2 R2 uma co^nica comcoecientes racionais e C P2 a curva projetiva associada (comcoecientes inteiros). Uma condic~ao necessaria e suciente para aexiste^ncia de um ponto racional em C e que a sua equac~ao homoge-neizada possua soluc~ao modulo pe para todo natural primo p e paracada e > 0.

    2.5 Uma Vis~ao Geral sobre a Aritmeticadas Co^nicas

    2.5.1 Elipses

    (i) Existe^ncia de ponto(s) racional(is).

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    34 CAPITULO 2. ARITMETICA EM CO^NICAS

    Pelo Princpio Local-Global para as Co^nicas, Teorema 2.11 oproblema e algortmico. Daremos uma descric~ao completa paraas circunfere^ncias, independente do Teorema de Hasse-Minkowski,no captulo intitulado Soma de Dois Quadrados.

    (ii) Decis~ao entre a nitude ou innitude do conjunto dos pontosracionais.

    Pelo teorema 2.3, se a co^nica C possui um ponto racional, ent~aopossui innitos. Alem disso, se co-nhecemos um deles, ent~ao epossvel parametrizar todos, pelo teorema 2.4.

    (iii) Existe^ncia de ponto(s) inteiro(s)

    Muito difcil, em geral, faremos uma analise detalhada do casodo crculo no captulo intitulado Soma de Dois Quadrados.

    (iv) Decis~ao entre a nitude ou innitude do conjunto dos pontosinteiros.

    Esse conjunto e sempre nito, pela compacidade das elipses.Verique!!!

    2.5.2 Parabolas

    (i) Existe^ncia de ponto(s) racional(is);

    Toda parabola possui uma innidade de pontos racionais.

    (ii) Decis~ao entre a nitude ou innitude do conjunto dos pontosracionais;

    Toda parabola possui uma innidade de pontos racionais.

    (iii) Existe^ncia de ponto(s) inteiro(s);

    Existem parabolas que possuem e outras que n~ao possuem pon-tos inteiros.

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    2.6. PROBLEMAS 35

    (iv) Decis~ao entre a nitude ou innitude do conjunto dos pontosinteiros.

    A analise de exemplos mostrara que n~ao ha um padr~ao geral.

    2.5.3 Hiperboles

    (i) Existe^ncia de ponto(s) racional(is).

    Pelo Princpio Local-Global para as Co^nicas, Teorema 2.11 oproblema e algortmo. Faremos uma analise detalhada de umaclasse especial de Hiperboles denominadas de Pell-Fermat nasec~ao homo^nima.

    (ii) Decis~ao entre a nitude ou innitude do conjunto dos pontosracionais.

    Pelo teorema 2.3, se a co^nica C possui um ponto racional, ent~aopossui innitos. Alem disso, se conhecemos um deles, ent~ao epossvel parametrizar todos, pelo teorema 2.4.

    (iii) Existe^ncia de ponto(s) inteiro(s).

    Muito difcil, em geral, faremos uma analise de um caso classicochamadas Equac~oes de Pell-Fermat no captulo homo^nimo.

    (iv) Decis~ao entre a nitude ou innitude do conjunto dos pontosinteiros.

    A analise de exemplos mostrara que n~ao ha um padr~ao geral,isto e, existem hiperboles que possuem innitos pontos intei-ros e outras que possuem somente um numero nito de pontosinteiros.

    2.6 Problemas

    1. Seja m 2 Z um inteiro positivo. Mostre que as parabolas y2 =mx possuem uma innidade de pontos inteiros.

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    36 CAPITULO 2. ARITMETICA EM CO^NICAS

    2. Mostre que as parabolas a seguir n~ao possuem pontos inteiros

    (a) y2 = 4x+ 2

    (b) y2 = 4x+ 3

    (c) y2 = 3x+ 2

    3. Encontre uma innidade de pontos inteiros nas hiperboles

    (a) x2 3y2 = 1(b) x2 5y2 = 1(c) x2 7y2 = 1

    4. Seja n 2 Z um inteiro positivo. Mostre que a curva1

    x+

    1

    y=

    1

    n

    e uma hiperbole. Mostre que tal hiperbole tem um numeronito de pontos inteiros qualquer que seja n.

    5. Encontre todos os pontos inteiros e positivos da curva

    1

    x+

    1

    y=

    1

    n

    nos casos em que n = p e primo, n = p2 e o quadrado de umprimo e n = pq e o produto de dois primos.

    6. Mostre que se uma co^nica com coecientes racionais possuiruma reta tangente com coecientes racionais, ent~ao o ponto detange^ncia e racional.

    7. Mostre que a equac~ao

    3x2 + y2 = 2z2

    n~ao possui soluc~ao inteira n~ao nula.

    8. Determine todos os pares de inteiros (x; y) tais que

    9xy x2 8y2 = 2005:

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    2.6. PROBLEMAS 37

    9. Mostre que n~ao existem pontos racionais na co^nica x2 + xy +y2 = 2.

    10. Encontre todos os pontos racionais a co^nica x2 + xy + y2 = 1.

    11. Mostre que as soluc~oes inteiras coprimos da equac~ao

    x2 + 2y2 = z2

    s~ao x = (u2 2v2), y = 2uv e z = u2 + 2v2, com u; v inteirosprimos entre si.

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    Captulo 3

    Reticulados no Plano

    3.1 Reticulados e seus Domnios Funda-mentais

    A teoria de reticulados e bem desenvolvida e um leitor com umamaior familiaridade a teoria de grupos (abelianos) apreciara a leiturade Stewart [1]. Nosso objetivo e apresentar a teoria em um caso muitoespecial, reticulados no plano; pois, nesse caso, muitas construc~oes edemonstrac~oes se simplicam. Em particular utilizaremos o mnimopossvel de algebra linear.

    Denic~ao 3.1. Sejam v1; v2 R2 dois vetores n~ao multiplos. Umreticulado (de dimens~ao 2) no plano R2, com conjunto de geradoresos vetores fv1; v2g, consiste do conjunto das combinac~oes (lineares)inteiras desses dois vetores, ou seja

    L = fv 2 R2jv = m1v1 +m2v2; mi 2 Zg:Denic~ao 3.2. Dados, um reticulado L no plano com conjunto degeradores fv1; v2g , o conjunto dos pontos a1v1+ a2v2 2 R2 para posquais 0 a1 < 1 e chamado o domnio fundamental do reticulado Lassociado ao conjunto de geradores fv1; v2g.

    Vamos abrir um pare^nteses para conectar a noc~ao de reticulado ea noc~ao algebrica de grupos. O leitor que n~ao esta familiarizado com

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    3.1. RETICULADOS E SEUS DOMINIOS FUNDAMENTAIS 39

    a noc~ao de grupos pode, simplesmente utilizar a denic~ao acima, ouler um pouco do ape^ndice sobre grupos abelianos. O fato e que sev; w 2 L, ent~ao v = m1v1 + m2v2 e w = n1v1 + n2v2 e, portanto,v+w = (m1+n1)v1+(m2+n2)v2 2 L e v = (m1)v1+(m2)v2 2 Le estas s~ao as condic~oes para que L seja um subgrupo aditivo de R2.

    Entretanto um reticulado no plano L R2 n~ao e qualquer tipode subgrupo. Como conjunto de R2 um reticulado e, sempre, umsubconjunto discreto!!!

    Denic~ao 3.3. Um subconjunto de X R2 e discreto se todos osseus pontos s~ao isolados, isto e, se dado p 2 X, existir > 0 tal queo unico ponto da intersec~ao do disco aberto D(p; ) = fq 2 R2j jjq pjj < g com X for o propio p. Ou seja,

    D(p; ) \X = fpg

    Observac~ao 3.4. Lembramos que os unicos subgrupos discretos dareta real s~ao isomorfos a Z (e todos s~ao reticulados da reta!!!). Defato, seja G R um subgrupo aditivo discreto e seja m o menorelemento positivo de G (tal elemento existe pois G e discreto), ent~aoG = mZ. (Verique os detalhes!)

    Subgrupos de R n~ao discretos s~ao bem mais complicados, porexemplo, Q R e um subgrupo aditivo que e denso!!!Proposic~ao 3.5. Seja G R2 um subgrupo aditivo. Ent~ao s~aoequivalentes:

    1. G e um reticulado;

    2. G R2 e discreto.Demonstrac~ao: Seja G R2 um reticulado com conjunto de ge-radores fv; wg. Vamos mostrar que G e um conjunto discreto. Vamosmostrar que 0 e um ponto isolado e o resultado segue, por translac~ao.Claramente n~ao existe ponto reticulado no conjunto int(D) = fu 2R2ju = v + wg com 0 < < 1 e 0 < < 1. Assim, tome = 12 minfjjvjj; jjwjj; jjv + wjjg. Claro que G \D(0; ) = 0.

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    40 CAPITULO 3. RETICULADOS NO PLANO

    Reciprocamente, seja G R2 um subgrupo aditivo discreto. Paramostrar que G e um reticulado devemos encontrar geradores. Sejav 2 G o vetor n~ao nulo de menor norma. Seja w 2 G o ponto maisproximo da reta ` =< v >= fvj 2 Rg (n~ao contido na reta).Armamos que G =< v;w >= fav + bwja; b 2 Zg. Com efeito,seja u 2 G, e considere os pontos u mw 2 G com m 2 Z. Oponto mais proximo da reta ` deve pertencer a mesma, caso contrarioencontraramos um ponto mais proximo que w. Assim umw = ve = n 2 Z, logo u = mv + nw.

    A partir da proposic~ao acima vemos que e possvel exibir umreticulado intrinsecamente, isto e, sem explicitar um conjunto de ge-radores. Por um lado e mais facil tratar um reticulado quando co-nhecemos um conjunto de geradores, por outro lado, muitas vezes emais facil provar que um dado conjunto e um reticulado observandoque o mesmo e um subgrupo aditivo e discreto do plano R2.

    Exemplo 3.1. Considere o reticulado padr~ao do plano, ou seja,L = Z2 R2. Temos varios possveis conjuntos de geradores paratal reticulado. Por exemplo B1 = f(1; 0); (0; 1)g e um conjunto degeradores para L e B2 = f(2; 1); (1; 1)g tambem e um conjunto degeradores para L (faca um esboco dos reticulados associados a estesconjuntos de geradores e verique que ambos coincidem com Z2). Defato,

    (2; 1) = 2:(1; 0) + 1:(0; 1); (1; 1) = 1:(1; 0) + 1:(0; 1)

    logo o reticulado associado a B2 esta contido no reticulado associ-ado a B1 (combinac~oes inteiras dos vetores de B2 s~ao combinac~oesinteiras dos vetores de B1 pois os proprios vetores de B2 o s~ao) e,reciprocamente

    (1; 0) = 1:(2; 1) 1:(1; 1) (0; 1) = 1:(2; 1) + 2:(1; 1):Ou seja, os reticulados associados s~ao o mesmo e, claramente, talreticulado e Z2 R2.Observac~ao 3.6. A noc~ao de domnio fundamental depende do con-junto de geradores, como mostramos no exemplo anterior. Por outrolado, a area de um domnio fundamental independe do conjunto degeradores. Verique com exemplos explcitos.

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    3.2. O TORO PLANO 41

    Proposic~ao 3.7. Sejam L R2 um reticulado, D e E domniosfundamentais associados, respectivamente, aos conjuntos de gerado-res fv1; v2g e fu1; u2g. Ent~ao as areas dos domnios fundamentaiss~ao iguais,

    A(D) = A(E):

    Demonstrac~ao: Sabemos que existem inteiros a1; a2; b1; b2 2 Ztais que

    u1 = a1v1 + a2v2 u2 = b1v1 + b2v2

    pois u1; u2 pertencem ao reticulado, logo, s~ao combinac~ao inteira dev1; v2 e reciprocamente. Assim, a matriz de mudanca de base M =

    a1 b1a2 b2

    e inversvel e sua inversa N e tambem uma matriz de

    coecientes inteiros(dados pelas coordenadas de v1; v2 escritos comocombinac~ao inteira de u1; u2). Como M:N = I2, det(M):det(N) = 1e como s~ao ambos inteiros, det(M) = 1.

    A area do domnio fundamental E e

    A(E) = j detM j A(D) = A(D):

    3.2 O Toro Plano

    Como vimos na sec~ao anterior, proposic~ao 3.7, a area de um domniofundamental de um reticulado L R2 e um invariante que dependesomente do reticulado e n~ao da escolha de geradores. Nessa sec~aovamos conectar a algebra com a geometria e tratar mais a fundo anoc~ao de area. A noc~ao de area esbarra em dois problemas serios:mensurabilidade e metrica. O primeiro e ja um problema no plano,onde existem conjuntos que n~ao possuem uma area bem denida, porexemplo o conjunto abaixo do graco de uma func~ao n~ao integravel.O segundo e um problema que ca mais evidente quando se pretendedenir area em uma superfcie abstrata, a metrica e o ingredientenecessario para isso. Nessa sec~ao vamos lidar com uma superfcie

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    42 CAPITULO 3. RETICULADOS NO PLANO

    interessante cujo modelo mais conhecido, mergulhado em R3, possuiuma determinada metrica(proveniente da metrica usual do R3) masno nosso caso vamos \exportar"a metrica do plano para \medir"areasnessa superfcie. A superfcie e o TORO e munida da metrica \doplano"e chamada O Toro Plano.

    Denic~ao 3.8. Seja L R2 um reticulado plano. O grupo (de Lie)quociente R2=L e a superfcie que chamaremos o toro plano.

    E claro que, conjuntisticamente, o quociente R2=L pode ser iden-ticado com um domnio fundamental e, a partir desta identicac~aoe que exportamos a metrica do plano ao toro. N~ao e esse o momentopara entrar em detalhes tecnicos (que s~ao muitos) sobre a estruturaalgebro-topologico-geometrica do toro. Vamos mostrar que, comogrupo (de Lie), o toro e isomorfo ao produto de dois crculos. Consi-deramos o crculo S1 R2 como S1 = f(x; y) 2 R2jx2 + y2 = 1g ou,equivalentemente, S1 = fz 2 Cj jzj = 1g. Lembramos que S1 possuiuma estrutura de grupo. Usaremos parametrizac~oes classicas, com aexponencial complexa ou com cossenos e senos no caso real.

    Proposic~ao 3.9. Seja L R2 um reticulado no plano e D R2.Ent~ao o quociente R2=L pode ser identicado com o toro T = S1S1.Mais precisamente existe um isomorsmo de grupos (de Lie) entreeles.

    Demonstrac~ao: Sejam fv1; v2g um sistema de geradores para L.Considere o seguinte homomorsmo de grupos:

    : R2 ! T = S1 S1(a1v1 + a2v2) 7! (e2ia1 ; e2ia2)

    em que

    (e2ia1 ; e2ia2) = (((cos(2a1); sen(2a1)); (cos(2a2); sen(2a2)))

    claramente esse e um hoomomorsmo sobrejetivo (pois utilizamosuma parametrzac~ao do toro) e seu nucleo e L. Logo, pelo teoremado isomorsmo conclumos que

    R2=L = T:

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    3.2. O TORO PLANO 43

    Geometricamente o isomorsmo explicitado no teorema anteriorcorresponde a famosa identicac~ao

    Denic~ao 3.10. Seja X T uma regi~ao no toro T = R2=L associ-ado ao reticulado L R2 e seja D um domnio fundamental para L.Denimos a area desta regi~ao por

    A(X) = A(jD1(X))

    desde que exista A(jD1(X)), que e a area de uma regi~ao no plano(desde que exista a area dessa regi~ao no plano).

    Observac~ao 3.11. Observamos que a denic~ao acima independe deescolha de domnio fundamental e que, em particular, a area total dotoro e igual a area de um domnio fundamental que, pela proposic~ao3.7, independe do domnio fundamental.

    Proposic~ao 3.12. Se Y R2 e limitada e existe A(Y ), e se A((Y )) 6=A(Y ) ent~ao jY n~ao e injetiva.

    Demonstrac~ao: Supondo que jY seja injetiva, Y =SYi, onde

    Yi = Y \ (D + wi) s~ao disjuntos. Fazendo Zi = Yi wi D s~aotambem disjuntos pela injetividade de jY logo:

    A((Y )) = A(([

    Yi)) = A([

    Zi) =X

    A(Zi) =X

    A(Yi) = A(Y ):

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    44 CAPITULO 3. RETICULADOS NO PLANO

    3.3 Reticulados Inteiros no Plano

    Trataremos, agora, um tipo especial de reticulado. Chamaremos dereticulado inteiro no plano um (sub)reticulado L Z2 do reticuladopadr~ao. E interessante notar que se L Z2, ent~ao L e necessaria-mente discreto, portanto, basta que seja um subgrupo aditivo, paraque seja um reticulado no plano.

    O proximo resultado nos sera util para calculos efetivos e relacionaa area de um domnio fundamental de um reticulado inteiro no planoA(D), o numero de elementos do grupo quociente jZ2=Lj e o numerode pontos inteiros em D. Todas as quantidades citadas coincidem!!!

    Proposic~ao 3.13. Dados um reticulado L Z2 e D um domniofundamental. A area de D sera

    A(D) = jZ2=Lj;

    que corresponde ao numero de pontos inteiros em um domnio fun-damental.

    Demonstrac~ao: E claro que jZ2=Lj e igual ao numero de pontosinteiros em um domnio fundamental. Com efeito, se L e um reti-culado e D e um domnio fundamental, ent~ao todo vetor do planopertence a exatamente um conjunto D+w, em que w e um ponto doreticulado.

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    3.4. TEOREMA DE MINKOWSKI 45

    Se mostrarmos que a area de D tambem e igual ao numero depontos inteiros de um domnio fundamental, ent~ao o resultado segue.A demonstrac~ao de que a area do domnio fundamental e igual aonumero de pontos inteiros do domnio fundamental segue imediata-mente do teorema de Pick, teorema 1.9, (verique!).

    3.4 Teorema de Minkowski

    Nessa sec~ao apresentamos o principal resultado tecnico deste mini-curso. A ideia intuitiva associada a este resultado e relativamentesimples e explicaremos agora. Para isso precisaremos de dois concei-tos geometricos:

    Denic~ao 3.14. Um subconjunto do plano X R2 e dito ser con-vexo se dados dois pontos x; y 2 X o segmento de reta unindo essespontos [x; y] = fax+ (1 a)yja 2 [0; 1]g esta completamente contidaem X, isto e, [x; y] X.Observac~ao 3.15. Um polgono no plano e convexo se, e somentese, cada um de seus a^ngulos internos for menor que . S~ao aindaexemplos de subconjuntos convexos do plano o disco, a regi~ao interiorde uma elipse (e tambem o seu fecho),...

    Denic~ao 3.16. Um subconjunto do plano X R2 sera dito sersimetrico (com relac~ao a origem) se para cada x 2 X tivermos x 2X.

    Observac~ao 3.17. Paralelogramos, polgonos regulares e discos (cen-trados na origem) s~ao exemplos triviais de subconjuntos limitadossimetricos e convexos em R2.

    Dado um reticulado no plano L R2 e D um domnio funda-mental (associado a um conjunto de geradores fv1; v2g). O maissimples conjunto convexo e simetrico do plano, associado a L, comarea maxima e sem conter pontos n~ao nulos do reticulado s~ao:

    paralelogramos \semelhantes ao paralelogramo gerado pelos veto-res v1 e v2 "e centrados na origem.

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    46 CAPITULO 3. RETICULADOS NO PLANO

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    E claro que se quisermos nos esquivar dos pontos n~ao nulos do re-ticulado tais paralelogramos devem ter area menor que 4 vezes a areado domnio fundamental. O teorema de Minkowski formaliza essaideia mas n~ao somente para os (intuitivos) paralelogramos semelhan-tes ao domnio fundamental e sim para qualquer conjunto limitadosimetrico e convexo. Precisamente, temos o seguinte:

    Teorema 3.18. Sejam L um reticulado em R2, D um domnio fun-damental para L e X R2, um conjunto limitado, simetrico e con-vexo tal que A(X) > 4A(D). Ent~ao X contem um ponto n~ao nulo deL.

    Demonstrac~ao: Duplicando L, obtem-se um reticulado 2L comdomnio fundamental 2D cuja area e 4A(D). Considerando o tororelativo a tal reticulado:

    T = R2=2L

    Cuja area e A(T ) = A(2D) = 4A(D).

    Logo : R2 ! T , o homomorsmo estrutural n~ao preserva a areade X. Pois:

    A((X)) A(T ) = 4A(D) < A(X):Ent~ao, pela proposic~ao 3.12, jX n~ao e injetiva. Assim, existem x1 6=x2, x1; x2 2 X, tais que:

    (x1) = (x2)

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    3.5. PROBLEMAS 47

    ou equivalentemente, x1 x2 2 2L = Ker().

    Por X ser simetrico tem-se que x2 2 X o que implica que x2 2X;e como X e convexo 12 (x1)+

    12 (x2) 2 X, ou seja, 12 (x1x2) 2 X.

    Portanto:1

    2(x1 x2) 2 L \X:

    Este e um ponto n~ao nulo do reticulado L e que pertence a X.

    3.5 Problemas

    1. Considere os reticulados, dados por um conjunto de geradoresfu; vg:(a) u = (1; 2) e v = (1; 1)

    (b) u = (2; 2) e v = (1; 3)

    (c) u = (1; 2) e v = (1; 1)(d) u = (1; ) e v = (1; )

    2. Prove que o disco D = f(x; y) 2 R2jx2 + y2 r2g e convexo.3. Prove que o quadrado Q = f(x; y) 2 R2j jXj c jyj cg e

    convexo.

    4. Generalizar todas as denic~oes e resultados desse captulo parareticulados em R3. Observamos que tudo pode ser ainda gene-ralizado para o Rn como em [1].

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    Captulo 4

    Soma de DoisQuadrados

    4.1 Introduc~ao

    O teorema dos Dois Quadrados arma que os unicos primos p quepodem ser escritos como soma de dois quadrados de inteiros, p =x2 + y2, com x; y 2 Z s~ao p = 2 e os primos da forma p = 4k +1. Esse teorema, juntamente com outros dois de mesma naturezaforam descobertos por Fermat. Em 1640 Fermat enviou uma cartaa Mersene com o enunciado do teorema, em 1659 ele enviou umacarta a Pierre de Carcavi com um esboco da prova. Em 1754 Eulerfornece uma demonstrac~ao completa do teorema. Euler esteve 40anos de sua vida estudando esses problemas de Fermat sobre primosda forma x2 + ny2.S~ao problemas interessantes tambem o de soma de tre^s quadrados,soma de quatro quadrados e o geral que e conhecido como problemade Waring. Identicar os inteiros que podem ser escritos como umasoma de n quadrados de inteiros.

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    4.2. PONTOS INTEIROS VS PONTOS RACIONAIS EMCIRCULOS49

    4.2 Pontos Inteiros VS Pontos Racionaisem Crculos

    Na sec~ao intitulada Aritmetica em Co^nicas enunciamos um impor-tante Teorema de Hasse-Minkowsky, Teorema 2.11, que dava condic~oesnecessarias e sucientes para que uma co^nica com coecientes raci-onais possua ponto(s) racional(is). Um exemplo que foi analisadoparticularmente foi a co^nica:

    x2 + y2 = 3

    que mostramos n~ao possuir ponto racional. O teorema a seguirmostra que, para esse tipo de equac~oes, e suciente vericar a n~aoexiste^ncia de pontos inteiros (que e muitssimo mais facil!!!) paraconcluir a n~ao existe^ncia de pontos racionais.

    Teorema 4.1. Seja n 2 Z um inteiro positivo, ent~ao n e soma dedois quadrados de racionais se, e somente se, n for soma de doisquadrados de inteiros.

    Demonstrac~ao: Suponhamos que n seja soma de dois quadradosde racionais p21 + p

    22 = n com p1 62 Z ou p2 62 Z. Seja P = (p1; p2)

    o ponto do crculo x2 + y2 = n. Seja M = (m1;m2) 2 Z2 oponto inteiro tal que jmi pij 12 i = 1; 2. A reta ` = MP n~aopode ser tangente ao cculo x2 + y2 = n. Com efeito, se ` fossetangente ao crculo, ent~ao o tria^ngulo OPM seria reta^ngulo em P

    (ponto de tange^ncia). Assim OM2= OP

    2+ PM

    2, e isso e um ab-

    surdo pois OM2 2 Z, OP 2 = p21 + p22 = n 2 Z (por hipotese) e

    0 6= PM2 = jm1 p1j2 + jm2 p2j2 14 + 14 = 12 .

    Logo, a reta PM e secante ao crculo, ambos(a reta e o crculo)possuem coecientes racionais e se intersectam em P ponto racional.Pelo metodo de Fermat, o outro ponto de intersec~ao, Q = (q1; q2) etambem racional.

    Seja d o mmc das frac~oes irredutveis p1; p2 que denem P . Denac = djPM j2 < d,c = d(jm1p1j2+ jm2p2j2) = d[m21+m22+n2(p1m1+p2m2)]2 Z

    (4.1)

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    50 CAPITULO 4. SOMA DE DOIS QUADRADOS

    Vamos mostrar que c elimina os denominadores de q1 e q2. Issoconclui a prova pois, a partir de P obtemos Q e reduzimos os deno-minadores, se procedermos assim, em algum momento encontraremosum ponto inteiro.

    Ora, Q = P + t(M P ) = (p1+ t(m1 p1); p2+ t(m2 p2)) comt 2 Q. Dena v = M P = (m1 p1;m2 p2). Como Q pertenceao crculo de equac~ao x2 + y2 = n, temos que Q Q = n (produtoescalar e indicado por ). Logo:

    n = (P + tv) (P + tv) = P P + 2t(P v) + t2(v v)como P P = n (P e um ponto do crculo), ent~ao 2t(P v)+ t2(v

    v) = 0 e como v v = jjPM jj2 = cd , temos

    t = 2P:vv:v

    = 2p1m1 + p2m2 ncd

    =d(2n 2(p1m1 + p2m2))

    c:

    (4.2)Vamos nalmente mostrar que c elimina os denominadores de q1 eq2. Devemos mostrar que

    cqi = c(pi + t(mi pi)) = cpi + (ct)(mi pi) (4.3)e inteiro.

    Das equac~oes 4.2 e 4.2, temos que

    ct = d(2n2(p1m1+p2m2)) = d(2n+ cdnm21m22) = c+d(nm21m22):

    Substituindo em 4.3 temos

    cqi = cpi+[c+d(nm21m22)](mipi) = cmi+d(nm21m22)(mipi):Claro que esses numeros s~ao inteiros pois c, mi e n s~ao inteiros e delimina os denominadores de p1 e p2.

    O resultado segue, pois, escolhendo P (ponto racional do crculo)de forma que o mmc entre os denominadores de p1 e p2 fosse mnimo,teramos encontrado Q (ponto racional do crculo) cujo mmc dos de-nominadores seria menor.

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    4.3. INTEIROS DE GAUSS 51

    Observac~ao 4.2. Novamente a tecnica de demonstrac~ao desse teo-rema e a \descida innita de Fermat". Essa tecnica e aplicada emvarios problemas aritmeticos.

    4.3 Inteiros de Gauss

    O conjunto Z[i] = fa + bija; b 2 Zg C em que i2 = 1 e cha-mado conjunto dos inteiros gaussianos. Esse conjunto foi estudadopor Gauss (da o nome) e e muito semelhante ao conjunto Z dosnumeros inteiros, tanto do ponto de vista algebrico (propriedades daadic~ao e multiplicac~ao, ...) quanto do ponto de vista aritmetico (al-goritmo de divis~ao, mdc, fatorac~ao... ).

    Para nos, entretanto, sera interessante um unico aspecto de talconjunto, que e derivado das noc~oes de conjugac~ao e norma que exis-tem no corpo dos numeros complexos.

    Denic~ao 4.3. A conjugac~ao em Z[i] e denida da seguinte forma:

    a+ bi = a bi:

    Proposic~ao 4.4. A conjugac~ao em Z[i] satisfaz as seguintes propri-edades:

    (i) z + w = z + w;

    (ii) z:w = z:w;

    (iii) zz 0 e zz 2 Z.Demonstrac~ao: Verique!!!

    A partir da ideia de conjugac~ao e pelo item (iii) da proposic~aoanterior, podemos denir a chamada norma algebrica em Z[i].

    Denic~ao 4.5. Denimos a norma algebrica de um elemento z =a+ bi 2 Z[i] por

    N(z) = zz = a2 + b2 2 Z:

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    52 CAPITULO 4. SOMA DE DOIS QUADRADOS

    Proposic~ao 4.6. Sejam z; w 2 Z[i], ent~ao

    N(zw) = N(z)N(w):

    Ou seja, se m;n 2 Z s~ao dois inteiros positivos que s~ao norma deelementos de Z[i], isto e, se n = N(z) e m = N(w), ent~ao mntambem e norma de algum elemento de Z[i], de fato, mn = N(zw).

    4.4 Soma de Dois Quadrados

    Consideramos agora, para n um natural, a equac~ao

    x2 + y2 = n

    Quando a equac~ao tem soluc~ao natural dizemos que n e soma de doisquadrados. Nosso objetivo e caracterizar os naturais que s~ao somade dois quadrados.

    Lema 4.7. Seja p 1 (mod 4) um numero primo. Ent~ao existeu 2 Z=pZ tal que u2 1 2 Z=pZ.Demonstrac~ao: Pelo pequeno Teorema de Fermat sabemos quetodo elemento de Z=pZ n~ao nulo satisfaz

    ap1 = 1:

    Ora, p = 4k + 1, considere a equac~ao:

    x2k = 1 2 Z=pZ:

    Mostraremos que essa equac~ao possui soluc~ao em Z=pZ e assim oresultado segue, pois, se w e soluc~ao de tal equac~ao, ent~ao u = wk

    satisfaz nosso enunciado, de fato, u2 = w2k = 1 2 Z=pZ.

    Ora, sendo que a4k = 1 para todo a 2 Z=pZ, a 6= 0, temos que aequac~ao

    x4k = 1 2 Z=pZpossui 4k = p 1 soluc~oes. Mas x4k = 1) (x2k 1)(x2k + 1) = 0 eassim temos duas possibilidades: x2k 1 = 0 ou x2k + 1 = 0. Como

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    4.4. SOMA DE DOIS QUADRADOS 53

    Z=pZ e um corpo, ent~ao n~ao pode ocorrer da equac~ao x2k 1 = 0,de grau 2k, possuir 4k soluc~oes. Logo, a equac~ao x2k + 1 = 0 possuialguma soluc~ao e o resultado segue.

    O resultado a seguir possui muitas demonstrac~oes diferentes na li-teratura. A demonstrac~ao que daremos segue de [1] e e bem geometrica,utilizando o teorema de Minkowski.

    Teorema 4.8 (Fermat-Euler). Um primo p > 0 e soma de doisquadrados de inteiros se, e somente se, p = 2 ou p e da forma 4k+1,k 2 Z.Demonstrac~ao: E claro que 2 = 12+12 e soma de dois quadradosde inteiros. Portanto so nos resta provar o resultado para p 6= 2.

    Se p 6= 2 e p 6 1 (mod 4), ent~ao p 3 (mod 4). Suponha queexistam dois inteiros a e b tais que a2+ b2 = p. Fazendo congrue^nciamodulo 4 temos: a2 + b2 3 (mod 4) que e um absurdo (verique!).

    Reciprocamente, se p 1 (mod 4), ent~ao mostraremos que p esoma de dois quadrados de inteiros. Pelo lema 4.7, existe u 2 Z=pZtal que u2 1 2 Z=pZ. Consideremos, agora, o reticulado L =f(a; b) 2 Z2jb = ua 2 Z=pZg. Analisando a aplicac~ao:

    Z2 Z=pZ(x; y) 7! y ux

    nota-se que ker(y) = L e, pelo teorema do Isomorsmo, Z2=L 'Z=pZ. Logo, pela proposic~ao 3.13, a area de um domnio fundamen-tal D, do reticulado L e A(D) = p.

    Considere agora X R2, o disco limitado, simetrico e convexo

    X = f(x; y) 2 R2jx2 + y2 3p2g:

    Como a area de X e r2 = 3p2 > 4p, ent~ao, pelo teorema de Min-kowski, teorema 3.18, existe um ponto 0 6= (a; b) 2 L \X. Ou seja

    0 6= a2 + b2 r2 = 3p2< 2p

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    54 CAPITULO 4. SOMA DE DOIS QUADRADOS

    analisando a2 + b2 modulo p e lembrando que u2 1 (mod p),obtemos:

    a2 + b2 a2 + u2a2 a2 a2 0 (mod p)

    Logo,

    a2 + b2 = p

    Pois p e o unico multiplo n~ao nulo de p e menor que 2p.

    Logo, se p 1 (mod 4), ent~ao p e soma de dois quadrados deinteiros.

    Teorema 4.9. Seja n > 0 um inteiro. Ent~ao n e soma de dois qua-drados de inteiros se, e somente se, n n~ao possui, em sua fatorac~aoem primos, uma pote^ncia de expoente mpar para um primo p 3(mod 4). Ou seja, na fatorac~ao de n podem ocorrer os primos 2 ep 1 (mod 4) com expoente arbitrario, mas os primos da formap 3 (mod 4) devem ocorrer com expoente par.Demonstrac~ao: Suponhamos que

    n = pe11 pe22 :::p

    ekk

    e a fatorac~ao em primos (distintos) de n e suponhamos que todosos primos p 3 (mod 4) que ocorrem na fatorac~ao de n possuemexpoente par. Para cada primo p = 2 ou p 1 (mod 4), p e soma dedois quadrados, pelo teorema 4.8 e, portanto, qualquer pote^ncia detais primos e tambem soma de dois quadrados, pela proposic~ao 4.6.Para os primos que possuem expoente par, ent~ao a propria pote^nciae um quadrado e portanto soma de quadrados (x2 = 02 + x2). Oresultado segue do fato que o produto de inteiros que s~ao soma dedois quadrados e tambem soma de dois quadrados novamente, pelaproposic~ao 4.6.

    Reciprocamente, suponhamos que n = a2 + b2 seja soma de doisquadrados. Suponhamos que n possua algum fator primo, p 3(mod 4), cujo expoente em sua fatorac~ao (em primos distintos) seja

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    \ARC_NE" | 2011/1/22 | 12:31 | page 55 | #55 ii

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    4.5. PROBLEMAS 55

    mpar. Seja d = mdc(a; b). Como d2ja2 + b2 = n e pjn (com mul-tiplicidade mpar), ent~ao pj nd2 = m. Sejam u e v tais que a = du eb = dv, ent~ao u2 + v2 = m, mdc(u; v) = 1 e pjm. Assim, existe umdentre os numeros u e v que e coprimo com p (digamos u) e, portanto,existe w tal que uw 1 (mod p). Como u2 + v2 0 (mod p) temosque (wv)2 1 (mod p). Ora, p 3 (mod 4) logo p 1 = 2q emque q e mpar. Considere a express~ao (wv)2 1 (mod p) tomandopote^ncias com expoente q, obtemos (wv)p1 1 (mod p) (lembra-mos que q e mpar!). Isso e um absurdo, pelo pequeno teorema deFermat.

    4.5 Problemas

    1. Seja p 1 (mod 4) um primo positivo. Mostre que o crculox2 + y2 = p possui um unico ponto inteiro e positivo.

    2. De^ exemplos de numeros inteiros e positivos n para os quais ocrculo x2 + y2 = n possui mais de um ponto inteiro e positivo.

    3. Mostre que para um primo p > 0 s~ao equivalentes:

    (i) Existe u 2 Z tal que u2 2 (mod p)(ii) ...

    4. Mostre que para a classe de primos descrita no problema an-terior s~ao precisamente os primos que podem ser escritos daforma p = x2 + 2y2, com x; y 2 Z. Dica: Imite a demonstrac~aodo teorema 4.8.

    5. Mostre que um inteiro positivo n e soma de tre^s quadradosde inteiros se, e somente se, n e soma de tre^s quadrados deracionais.

    6. Mostre que todo numero inteiro positivo n pode ser escrito comosoma de quatro quadrados de inteiros. Sugest~oes:

    (a) Use a norma dos quartenions para se reduzir ao caso den = p primo.

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    56 CAPITULO 4. SOMA DE DOIS QUADRADOS

    (b) Mostre que a congrue^ncia u2 + v2 + 1 0 (mod p) possuisoluc~ao qualquer que seja p > 0 primo.

    (c) Escolha u; v 2 Z como no item anterior e dena o seguintereticulado: L Z4 denido por L = f(a; b; c; d) 2 Z4jc =au+ bv; d = ub vag

    (d) Utilize o teorema do isomorsmo para concluir que o vo-lume de um domnio fundamental de L e p2

    (e) Utilize o teorema de Minkowski em R4. Lembre-se que ovolume da esfera em R4 e V =

    2r2

    2

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    Captulo 5

    Equac~oes dePell-Fermat

    5.1 Introduc~ao

    Seja d 2 Z um inteiro positivo que n~ao e quadrado. Chamamosequac~ao de Pell-Fermat as equac~oes do tipo

    x2 dy2 = 1

    das quais se procuram soluc~oes inteiras. Tais equac~oes representamhiperboles que mostraremos possuir uma innidade de pontos intei-ros.

    As equac~oes de Pell-Fermat s~ao estudadas ha mile^nios na India ena Grecia. Eles estavam particularmente interessados no caso d = 2uma vez que suas soluc~oes forneciam boas aproximac~oes racionaisde

    p2 ' xy . Baudhayana (800 AC) encontrou os pares (17; 12) e

    (577; 408) que forneciam muito boas aproximac~oes parap2 ' 577408 .

    Arquimedes (300 AC) usou a equac~ao no caso d = 3 e obteve a apro-ximac~ao

    p3 ' 1351780 . Brahmagupta e Bhaskara tambem estudaram

    essas equac~oes utilizando um metodo denominado Chakravala.

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    58 CAPITULO 5. EQUAC ~OES DE PELL-FERMAT

    O nome de Pell, nestas equac~oes, ocorre devido a um erro de Euleratribuindo ao matematico ingle^s John Pell (1610-1685) o estudo damesma. Aparentemente foi Lord Brouncker (1620-1684) o primeiromatematico europeu moderno a estudar as equac~oes de Pell-Fermat.Fermat, em 1657 propo^s o problema geral de resolver tais equac~oesem uma carta a Frenicle. Euler, em 1770 estuda estas equac~oes emseu livro de Algebra utilizando frac~oes contnuas. Lagrange, em 1773demonstra o teorema 5.6. Nosso enfoque sera mais geometrico, emparticular, daremos uma demonstrac~ao via Teorema de Minkowskida proposic~ao chave para mostrar que as equac~oes de Pell-Fermatsempre possuem uma innidade de soluc~oes, Proposic~ao 5.7.

    5.2 Inteiros Quadraticos de Pell-Fermat

    Uma algebra sobre os inteiros (que seja domnio de integridade) e cha-mada um Domnio de Inteiros Quadraticos se A ' Z[X]=(f) em quef e um polino^mio irredutvel de grau 2. Nos estaremos interessadosnum tipo um pouco mais simples e suporemos que f = X2d em qued e um inteiro positivo n~ao quadrado. Pelo teorema do isomorsmotemos que tais conjuntos s~ao da forma

    A ' Z[pd] = fa+ b

    pdja; b 2 Zg C

    tomaremos ent~ao essa descric~ao para os nossos domnios quadraticosde Pell-Fermat.

    Denic~ao 5.1. Um Domnio de Inteiros Quadraticos de Pell-Fermate um conjunto da forma

    Z[pd] = fa+ b

    pdja; b 2 Zg R

    em que d 2 Z e um inteiro positivo n~ao quadrado.Dizer que esse conjunto e um domnio (de integridade) signica

    dizer que o mesmo esta munido de duas operac~oes, adic~ao e multi-plicac~ao, satisfazendo as propriedades usuais (como Z). N~ao exigimosa existe^ncia de inversos multiplicativos em geral, somente a proprie-dade que caracteriza os domnios. Se xy = 0, ent~ao x = 0 ou y = 0.Ha, para esses domnios, uma noc~ao de conjugac~ao muito similar aconjugac~ao complexa.

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    5.2. INTEIROS QUADRATICOS DE PELL-FERMAT 59

    Denic~ao 5.2. Seja z = a + bpd 2 Z[pd], o conjugado de z e

    z = a bpd.A conjugac~ao em Z[

    pd] satisfaz as mesmas propriedades da con-

    jugac~ao complexa, que s~ao

    1. z + w = z + w;

    2. z:w = z:w

    Denic~ao 5.3. A norma algebrica em Z[pd] e denida por:

    N(z) = zz

    logo, se z = a+ bpd, ent~ao N(z) = a2 b2d 2 Z.

    A propriedade fundamental da norma algebrica de Z[pd] e

    N(zw) = N(z)N(w)

    Proposic~ao 5.4. Um elemento z 2 Z[pd] e inversvel se, e somentese, N(z) = 1.Demonstrac~ao: Se z e inversvel, ent~ao existe w 2 Z[pd] tal quezw = 1 e, portanto, N(z)N(w) = 1 como N(z) e N(w) s~ao numerosinteiros, temos que N(z) = 1 (que s~ao os unicos inteiros inversveis).

    Reciprocamente, seN(z) = 1, ent~ao zz = 1 e portanto z(z) =1 donde conclumos que z e inversvel.

    Observac~ao 5.5. Se 2 Z[pd] e inversvel, ent~ao z1 = z pois, nessecaso, N(z) = z:z = 1. Se z 2 Z[pd] e inversvel e N(z) = 1, ent~aoN(z1) = 1, ou seja, se z = x + y

    pd = 1. Ent~ao z1 = z =

    x ypd = 1.Portanto, a partir desta proposic~ao podemos concluir que s~ao

    equivalentes quando d > 0:

    (i) z = a+ bpd > 0 com a; b > 0 e inversvel em Z[

    pd];

    (ii) (a; b) e uma soluc~ao em inteiros positivos da equac~ao x2y2d =1;

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    60 CAPITULO 5. EQUAC ~OES DE PELL-FERMAT

    (iii) z = a+ bpd > 0 com a; b > 0 e N(z) = 1.

    O ponto que nos interessa e que se z = a+ bpd 6= 1, ent~ao, n~ao

    apenas ele, bem como todas as suas pote^ncias d~ao origem a soluc~oesn~ao triviais da equac~ao x2dy2 = 1, pela proposic~ao 4.6. Nesse casoas pote^ncias de z nos fornecem uma innidade de soluc~oes para aequac~ao x2 dy2 = 1 desde que z 6= 1.

    5.3 Soluc~oes da Equac~ao de Pell-Fermat

    Seja d 2 Z um inteiro n~ao quadrado. As equac~oes do tipox2 dy2 = 1

    s~ao chamadas equac~oes de Pell-Fermat. Vamos, agora, utilizar a Te-oria de Minkowski sobre reticulados no plano para mostrar que ashiperboles denidas por uma equac~ao de Pell-Fermat sempre pos-suem uma innidade de pontos inteiros. Chamamos soluc~oes triviais(1; 0). Podemos nos reduzir a procura de soluc~oes positivas, istoe, x > 0 e y > 0 uma vez que todas as outras soluc~oes inteiras s~aoobtidas a partir destas.

    Teorema 5.6. Seja d 2 Z um inteiro positivo n~ao quadrado, ent~aoa equac~ao de Pell-Fermat

    x2 dy2 = 1possui uma innidade de soluc~oes inteiras positivas. Alem disso, se(x1; y1), x1 > 0 e y1 > 0, e a soluc~ao tal que x1 + y1

    pd e mnimo,

    ent~ao todas as outras soluc~oes inteiras positivas da equac~ao de Pell-Fermat s~ao (xn; yn) tal que xn + yn

    pd = (x1 + y1

    pd)n

    De fato, a partir da discuss~ao do m da ultima sec~ao, percebemosque e suciente mostrar que existe uma soluc~ao (a; b) 2 Z2 tal quea + b

    pd > 1. Com efeito, sendo z1 = a + b

    pd 2 Z[pd] denimos

    zk = zk1 . Como z1 > 1, ent~ao todas as suas pote^ncias s~ao distintas e

    alem disso, (a; b) e soluc~ao da equac~ao de Pell-Fermat se, e somentese, N(a + b

    pd) = 1. Nesse caso, n~ao apenas z1 e de norma 1 como

    tambem todas as suas pote^ncias. E assim obtemos um innidade desoluc~oes.

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    5.3. SOLUC ~OES DA EQUAC ~AO DE PELL-FERMAT 61

    Exemplo 5.1. Considere a equac~ao

    x2 2y2 = 1:Uma soluc~ao n~ao trivial e (3; 2) que corresponde ao inversvel z =3+2

    p2 2 Z[p2]. Suas pote^ncias s~ao: z2 = 17+12p2, z3 = 99+70p2,

    z4 = 577 + 408p2, ...

    Esses elementos de Z[d] d~ao origem as seguintes soluc~oes da equac~aode Pell-Fermat:(3;2) (17;12), (99;70), (577;408), ...Pelo teorema de Pell Fermat essas s~ao todas as soluc~oes da equac~ao.

    A proxima proposic~ao sera fundamental para a demonstrac~aodo Teorema de Pell-Fermat e apresentamos aqui uma demonstrac~aogeometrica original. As demonstrac~oes anteriores usavam teoria deaproximac~ao.

    Proposic~ao 5.7. Seja d 2 Z um inteiro positivo n~ao quadrado.Ent~ao existe m > 0 tal que a equac~ao

    x2 dy2 = mpossui uma innidade de soluc~oes inteiras.

    Demonstrac~ao: Considere, primeiramente, o reticulado

    L1 = f(a+ bpd; a b

    pd) 2 R2ja; b 2 Zg:

    Um conjunto de geradores pala L1 e f(1; 1); (pd;pd)g, logo, a area

    de um domnio fundamental de L1 e A = j det((1; 1); (pd;pd))j =

    2pd. Observamos que se (x; y) = (a + b

    pd; a bpd) 2 L1, ent~ao

    xy = a2 db2 = N(a+ bpd). Nosso objetivo, portanto, sera encon-trar elementos cujo produto das coordenadas seja limitado.

    Considere ainda, para cada c > 0 os seguintes conjuntos:

    Hc = f(x; y) 2 R2j jxyj cgQc = f(x; y) 2 R2j jxj

    pc e jyj pcg:

    Claramente o quadrado Qc esta contido na regi~ao hiperbolica Hc,isto e, Qc Hc para todo c > 0. O quadrado Qc e limitado, simetrico

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    62 CAPITULO 5. EQUAC ~OES DE PELL-FERMAT

    x

    y

    e convexo e sua area e A(Qc) = 4c. Se tomarmos c > A = 2pd

    (em que A representa a area de um domnio fundamental de L1),estamos nas hipoteses do Teorema de Minkowski, Teorema 3.18, eassim, conclumos que existe um ponto n~ao nulo do reticulado L1 emQc. Ou seja, existe 1 2 L1 tal que

    0 6= 1 = (a1 + b1pd; a1 b1

    pd) 2 Qc Hc ) ja21 db21j c:

    Podemos supor, por simetria, que a1; b1 > 0. Sejam m = minfja1 +b1pdj; ja1 b1

    pdjg (o menor dos modulos das coordenadas de 1) e

    2 2]0;mq

    dc [ R () 2 < c2 ).

    Considere a transformac~ao linear ortogonal:

    T : R2 ! R2; T (x; y) = (2x; 12 y):Armamos que a aplicac~ao linear T transforma o reticulado L1 numreticulado L2 de mesma area (de um domnio fundamental). Comefeito, a transformac~ao linear e bijetiva, logo a imagem do reticuladoL1 e tambem um reticulado L2. Escolha 2 tal que o reticulado L2n~ao contenha o ponto 1. Novamente, pelo teorema de Minkoswki,3.18, existe um ponto n~ao nulo do reticulado L2 no quadrado Qc,

    0 6= 2 = (a2 + b2pd; a2 b2

    pd) 2 Qc Hc ) ja22 db22j c:

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    5.3. SOLUC ~OES DA EQUAC ~AO DE PELL-FERMAT 63

    Podemos, assim, escolher a2; b2 > 0 tais que ja2b2pdj 6= ja1b1

    pdj.

    Indutivamente, podemos construir uma innidade de elementoszn 2 Z[

    pd] com valores absolutos distintos e com norma algebrica

    limitada. Isso implica na existe^ncia de um inteiro positivo m c talque a equac~ao

    x2 dy2 = mpossui uma innidade de soluc~oes inteiras.

    Prosseguimos, agora, com a demonstrac~ao do teorema 5.6.Demonstrac~ao: do Teorema 5.6

    Primeiramente vamos mostrar a existe^ncia de uma soluc~ao inteirapositiva. Pela proposic~ao 5.7, existe m > 0 tal que a equac~ao

    x2 dy2 = mpossui uma innidade de soluc~oes inteiras. Podemos, portanto, es-colher duas soluc~oes positivas (x1; y1) e (x2; y2) tais que jx1j 6= jx2j,x1 x2 (mod m) e y1 y2 (mod m) (o numero de classes de equi-vale^ncia modulo m e nito ( = m) portanto existem uma classe quecontem uma innidade de elementos).

    Fazendo

    (x1 + y1pd)(x2 y2

    pd) = (x1x2 dy1y2) + (x2y1 x1y2)

    pd (5.1)

    note que x1x2 dy1y2 x21 dy21 0 (mod m) e x1y2 x2y1 x1y1x1y1 0 (mod m) pela nossa escolha de represantes na mesmaclasse de equivale^ncia modulo m. Denotamos x1x2 dy1y2 = mu ex1y2 x2y1 = mv. Substituindo na express~ao 5.1, temos:

    (x1 + y1pd)(x2 y2

    pd) = m(u+ v

    pd)

    tomando conjugados:

    (x1 y1pd)(x2 + y2

    pd) = m(u v

    pd)

    multiplicando:

    m2(u2 dv2) = (x21 y21pd)(x22 y22

    pd) = m2

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    64 CAPITULO 5. EQUAC ~OES DE PELL-FERMAT

    Logo u2 dv2 = 1. E assim mostramos que existe uma soluc~ao eminteiros positivos.

    Para concluir devemos mostrar que todas as soluc~oes em intei-ros positivos s~ao obtidas a partir de pote^ncias da soluc~ao mnima = x1 + y1

    pd (clar