argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido

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Texto contendo resumos e comentários sobre a introdução do tratado de Berkeley, denotando características de sua análise.

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Page 1: Argumentando com Tautologias: Perceber é perceber o sido
Page 2: Argumentando com Tautologias: Perceber é perceber o sido

Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

1 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

INTRODUÇÃO ao tratado sobre os princípios

do conhecimento humano, de Berkeley

PARÁGRAFOS 1 A 16

ARGUMENTANDO COM

TAUTOLOGIAS – PERCEBER É

PERCEBER O SIDO

Harry Edmar Schulz

Texto iniciado em Novembro de 2012

Texto concluido em Dezembro de 2012

Page 3: Argumentando com Tautologias: Perceber é perceber o sido

Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

2 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Nota Explicativa

Este texto contém resumos e comentários dos

primeiros dezesseis parágrafos da Introdução do Tratado

sobre os Princípios do Conhecimento Humano, de George

Berkeley.

A presente elaboração representa um primeiro

ensaio acerca tanto do desenvolvimento dogmático do texto

como de seu entorno genético. O discurso do autor,

apontando para os erros de seus iguais na dificuldade de

entendimento da natureza das coisas (nas palavras do autor

mencionado), apresentando as suas contraposições, mostra

uma personalidade segura de suas idéias ou, pelo menos, da

posição que ocupa para expor suas idéias. Esta situação

surge como potencialmente interessante ao projeto

Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas

exatas.

Os resumos aqui contidos são colocados com o

intuito de deixar mais claros os comentários efetuados.

Esses resumos não são opinativos e constituem uma leitura

dogmática. Vale mencionar que a leitura genética

(histórica) foi feita em conjunção com a leitura dogmática

(filosófica), mas pretendeu-se efetuar as contestações

históricas apenas nos comentários aqui apresentados. Essa

contestação é feita em separado porque crê-se que a

objetividade das áreas exatas pede esse tipo de condução,

considerando o contexto da composição mista adotada

(dogmática e genética).

Adicionalmente, lembra-se aqui que toda leitura

apenas é possível em havendo o objeto a ler (concebido

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

3 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

segundo um questionamento). O objeto lido, por usa vez,

reflete realidades de época. Para a presente leitura este

iniciante está envolto pelas influências de sua própria época

(presente), as quais talvez ele próprio não consiga avaliar

em detalhes. Assim, sempre haverá um valor intrínseco

tanto na obra como na leitura, ainda que uma, ou outra, ou

as duas, se mostrem afetadas pelo seu entorno, porque pelo

menos se terá aprendido algo dessas épocas ou de seus

protagonistas.

Foi perguntado a este iniciante se era lícito

questionar eventuais conclusões de obras relevantes, que se

remetiam a problemas de época.

Esse iniciante respondeu que, até onde entendia,

sendo problemas de época, suas conclusões poderiam ser

conclusões válidas para determinadas condições, mais

prevalentes talvez naquela época. Por outro lado, apenas

questionando é que se poderia avançar para além dos

contornos, ou mesmo compreender a razão de sua

imposição. No sentido entendido pelo iniciante, isto talvez

seria uma tentativa de avançar no conhecimento daquilo

que foi discutido por um ou outro autor, considerando a

base fornecida pelo próprio autor. Interessantemente, o

“avançar do conhecimento” (ainda que não tenha sido

definido o que seja conhecimento) é uma proposta que não

parece ser compreendida, uma vez que se sentiu uma defesa

bastante intensa daquilo que seriam os contornos assumidos

pelos diferentes autores.

Provavelmente os eventuais enganos residem

neste iniciante. Mas vale mencionar: este iniciante se

admite reconhecer seus enganos onde eles se apresentarem,

e evoluir a partir deles.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

4 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Para comparações ou comentários, por favor

entrar em contato com o presente autor, através de

[email protected], ou [email protected].

Harry Edmar Schulz

São Carlos, 25 de Novembro de 2012 Projeto: Humanização como ferramenta de

de aumento de interesse nas exatas

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

5 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Sumário Nota Explicativa...............................................................(2)

Os Prolegômenos Genéticos – Felizmente Apenas

História (ou Equilibrando Geneticismo

e Dogmatismo)..................................................................(7)

1 – Primeiro parágrafo: ...........................................(11)

2 – Segundo parágrafo:.............................................(13)

3 - Terceiro parágrafo:..............................................(15)

4 - Quarto parágrafo.................................................(17)

5 - Quinto parágrafo:................................................(18)

6 – Sexto parágrafo:..................................................(19)

7 – Sétimo parágrafo:................................................(23)

8 – Oitavo parágrafo:................................................(25)

9 – Nono parágrafo:...................................................(27)

Aposto aos primeiro nove parágrafos:.........................(31)

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

6 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

10 – Décimo parágrafo: ..........................................(32)

11 – Décimo-primeiro parágrafo:............................(35)

12 – Décimo-segundo parágrafo:.............................(41)

13 – Décimo-terceiro parágrafo:.............................(44)

14 – Décimo-quarto parágrafo:..............................(47)

15 – Décimo-quinto parágrafo:...............................(51)

16 – Décimo-sexto parágrafo:.................................(53)

Aposto aos parágrafos décimo a décimo-sexto:..........(58)

17 – Nota final:.........................................................(60)

18 - Referência Bibliográfica:.................................(61)

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

7 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Objeto de estudo: Introdu-

ção do Tratado sobre os

Princípios do Conhecimento

Humano.

Autor: George Berkeley.

Os Prolegômenos Genéticos –

Felizmente Apenas História.

(ou Equilibrando Geneticismo e Dogmatismo)

George Berkeley nasceu em 1685. A Europa

vivia o aporte das riquezas do novo mundo. Além mar as

sociedades desse novo mundo estavam experimentando os

horrores dogmáticos de uma “civilização” europeia, que se

apropriava do que via com os direitos auferidos pela

instituição da igreja, soberana sobre todos os reinos. Ou

pela subserviência “devida” ao único Deus, ou pela heresia

por adorar outros Deuses, não havia forma de não se

submeter.

Berkeley lecionou hebraico, grego e teologia,

voltando-se ao estudo da filosofia. Em 1710, portanto aos

25 anos, publicou o texto motivador do presente opúsculo.

Sua frase ser é ser percebido (esse est percipi) ganhou o

mundo. Esta frase se estabeleceu em uma época em que a

discussão acerca da possibilidade de conhecermos o que

nos cerca estava no cerne daquilo que se considerava

relevante para o “conhecimento”. Note-se que se estava em

uma Europa retrógada, violenta, sujeita à vontade de

poucos que se auferiam o direito de julgar a maioria. As

riquezas do novo mundo tinham acabado de permitir a

renascença (assim como as riquezas concentradas na Grécia

e em Roma tinham permitido o “primeiro nascimento”,

termo que me permito usar, devido à semelhança das

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

8 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

situações de exploração do homem pelo homem que

levaram ao “florescimento” do pensamento nessas duas

épocas). Sem parâmetros para relativizar, ou sem vontade

de fato para fazê-lo, esse ambiente é o “tudo” no qual a

Europa se desenvolvia.

Berkeley era ministro da Igreja Anglicana.

Estava, portanto, amparado por uma das vertentes da

instituição da igreja que tinha se estabelecido na Inglaterra

para garantir o poder do monarca local e de uma eventual

linha sucessória do próprio. Em Londres escreveu uma série

de artigos contra os livre-pensadores. Note-se que a

liberdade do pensamento é vista como um direito destinado

a poucos. Havia os que podiam publicar seus pensamentos

e havia os que eram criticados, na época, por representantes

do poder “sacro (?)”, algo que tinha uma conotação ainda

assustadora, considerando as execuções doentias das

décadas precedentes, vinculadas aos tribunais seculares.

Berkeley assumiu uma postura de crítico

religioso. Lançou-se à polêmica religiosa, atribuindo todos

os males de seu país à incredulidade. Vale mencionar que,

no presente texto, estamos colocando o ambiente geral

momentâneo de uma Europa e de uma Inglaterra (ou um

reino unido) em evolução. Entende-se aqui que o ser

humano evolui em suas observações acerca do mundo, e

que opiniões podem ser sujeitas à revisão. Assim, de 1732 a

1734 Berkeley escreveu “O analista: ou um discurso

destinado a um matemático infiel” (título bastante

sugestivo), uma obra na qual o autor critica Newton e o

cálculo diferencial e integral (desenvolvido por Newton e

Leibniz), muito mais porque, limitado por sua própria

opinião, não consegue aceitar um mundo mecanicista. Seus

historiadores lhe são complacentes, e esclarecem que essas

críticas fizeram com que os matemáticos revissem os

fundamentos do cálculo diferencial e integral. Aqui vale

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

9 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

fazer um aposto: as ciências práticas se auto-corrigem (são

corrigidas pelos cientistas que se sucedem). Princípios

físicos ou matemáticos são enunciados e são entendidos

como sujeitos aos contornos do conhecimento daquele

momento, admitindo-se sua evolução (o que, segundo as

observações do presente iniciante, não parece ser uma

postura “eminentemente” filosófica – mas, friso, também

me permito evoluir). Assim, vale lembrar que uma crítica

emitida por algum representante da casta dominante sempre

é vista com cuidado na época em que é emitida, o que pode

levar a comentários de aquiescência, mas não

necessariamente leva a reconduções conceituais de um

conhecimento que se mostra útil e prático. Em suma, com

ou sem Berkeley o cálculo diferencial e integral teria se

imposto, revendo-se e corrigindo-se, de acordo com a

absorção e modificação dos conceitos pelas gerações

sucessivas de cientistas e matemáticos. Tendo criticado

anteriormente outros livre-pensadores, Berkeley gera ainda

o texto “Uma defesa do livre pensamento em matemática”,

o que talvez mostre uma posição arbitrária naquela época e

lugar acerca de quem pode e quem não pode pensar

“livremente”. Seus trabalhos “profundos” em matemática e

na filosofia em geral lhe abriram o espaço para, ainda em

1734, ser nomeado bispo de Cloyne, na Irlanda. Contava

então com 49 anos.

Seus conhecimentos em farmácia (eventualmente

conheci-mentos práticos) fizeram com que, durante a fome

e a epidemia de peste entre 1737 e 1741, Berkeley tenha se

ocupado com os doentes (frisa-se que esta postura é aqui

sinceramente enaltecida, porque o sofrimento humano deve

ser motivo de preocupação por aqueles que governam, ou

lideram, ou simplesmente dominam), tentando curá-los com

água de alcatrão (os métodos, todavia, podem ser

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

10 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

discutíveis, mas sempre estarão refletindo os usos de um

aépoca).

Berkeley faleceu em 1752, aos 67 anos.

No tocante ao desenvolvimento das idéias

humanas relativas à natureza que nos cerca, vale lembrar

que o embate entre os conceitos dogmáticos e os conceitos

práticos possui conotações de domínio e manutenção de

poder. Estabelecer uma verdade como dogma, sem a

necessidade de prova que não seja o próprio entendimento

dos raciocínios que levam ao dogma, é mais útil (sim, útil –

não queiramos ser ingênuos) ao detentor do poder (dogma

segundo a conotação usual de ser considerado um ponto

fundamental e indiscutível de uma crença ou de uma

doutrina). O sistema que aponta esta verdade se sustenta a

si mesmo, não importando o mundo em volta, do qual se

diz que apenas de forma imperfeita conseguimos ter alguma

informação. A perfeição está no sistema! Esta postura é

conveniente para qualquer conceito que permita o alcance

ou a manutenção do poder. Nesse contexto, é interessante

lembrar que a época aqui retratada tinha visto, em 1633,

Galileu ser acusado de suspeito de heresia, uma realidade

que se manteve até 1983, 350 anos depois, quando foi

absolvido. Nessas situações, pensar livremente (de fato)

pode ser perigoso. Felizmente, tudo isso é apenas história.

(Parte das informações aqui apresentadas

encontram-se na Wikipedia, em diferentes verbetes

vinculados a Berkely).

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

11 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

1 – Primeiro Parágrafo:

1 Português - A Filosofia, nada mais sendo que

o estudo da sabedoria e da verdade, pode com razão levar à

expectativa de que aquele que gasta mais tempo e

sofrimento nela deve desfrutar de uma maior tranquilidade

e serenidade da mente, uma maior clareza e evidência de

conhecimentos, e ser menos perturbado com dúvidas e

dificuldades do que outros homens. E assim é, vemos os

iletrados da humanidade que seguem a rodovia do senso

comum, e são regidas pelos ditames da natureza, sendo fácil

e imperturbado para a maior parte. Para eles, nada do que é

familiar aparece inexplicável ou difícil de compreender.

Eles não se queixam de qualquer falta de provas

(necessidade de evidência) em seus sentidos, e estão fora de

todo o perigo de se tornar céticos. Mas assim que nos

afastamos do senso comum e dos sentidos para seguir a luz

de um princípio superior, para raciocinar, meditar e refletir

sobre a natureza das coisas, milhares de escrúpulos

(dúvidas) crescem em nossas mentes a respeito dessas

coisas que antes pareciam totalmente compreendidas.

Preconceitos e erros de sentido (julgamento) de todas as

partes descobrem-se para nossa visão, e, esforçando-nos

para corrigir isso pela razão, estamos insensivelmente

sendo arrastados para paradoxos grosseiros, dificuldades e

inconsistências, que se multiplicam e crescem sobre nós à

medida que avançamos na especulação, até que, tendo

vagado por muitos labirintos intrincados, nós nos

encontramos exatamente onde estávamos, ou, o que é pior,

“sentados” (abandonados) em um ceticismo desesperado

(tradução nossa).

1 Inglês - Philosophy being nothing else but the

study of wisdom and truth, it may with reason be expected

that those who have spent most time and pains in it should

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

12 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

enjoy a greater calm and serenity of mind, a greater

clearness and evidence of knowledge, and be less disturbed

with doubts and difficulties than other men. Yet so it is, we

see the illiterate bulk of mankind that walk the high-road of

plain common sense, and are governed by the dictates of

nature, for the most part easy and undisturbed. To them

nothing that is familiar appears unaccountable or difficult to

comprehend. They complain not of any want of evidence in

their senses, and are out of all danger of becoming Sceptics.

But no sooner do we depart from sense and instinct to

follow the light of a superior principle, to reason, meditate,

and reflect on the nature of things, but a thousand scruples

spring up in our minds concerning those things which

before we seemed fully to comprehend. Prejudices and

errors of sense do from all parts discover themselves to our

view; and, endeavouring to correct these by reason, we are

insensibly drawn into uncouth paradoxes, difficulties, and

inconsistencies, which multiply and grow upon us as we

advance in speculation, till at length, having wandered

through many intricate mazes, we find ourselves just where

we were, or, which is worse, sit down in a forlorn

Scepticism.

HES - Berkeley introduz inicialmente a falsa idéia

de que o estudioso possui mais certeza sobre as coisas do

que os iletrados. Esses últimos dificilmente se vêem em

uma situação de questionamento que os conduziria ao

ceticismo. Mas o estudioso, ao se afastar do senso comum

para raciocinar sobre a natureza das coisas, passa a ter

dúvidas. Os preconceitos e erros acumulam-se, levando a

incongruências, que podem tornar céticos esses letrados.

(Moto do parágrafo: crenças usuais sobre os

estudiosos e dúvidas que neles despontam)

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

13 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Comentário HES – O parágrafo nos coloca diante de

uma descrição de época. Há uma distinção estabelecida

entre o iletrado e o culto, utilizada para expor que o

primeiro não se envolve com ambiguidades “existenciais”,

as quais despontam no segundo. O que é a realidade da

época? A subserviência ao monarca local e a Deus, ou antes

aos seus representantes na Terra. Há a impossibilidade de

um questionamento aberto, o que, evidentemente, cria uma

maioria calada, submissa a uma minoria que dita aquilo que

pode ser dito. Esse retrato de época surge na tão natural

menção aos iletrados. Não se diz aqui que Berkeley os

desconsidera, mas apenas que ele os descreve segundo os

moldes descritos por outros, nessa época. Em outros

termos, Berkeley é a ponte entre o seu texto e a sua época.

2 – Segundo Parágrafo:

2 Português - Supõe-se que a causa disso seja a

obscuridade das coisas, ou as naturais fraquezas e

imperfeições do nosso entendimento. Diz-se: as faculdades

que temos são poucas, e projetadas pela natureza para o

suporte e conforto da vida, e não para penetrar na “essência

interior” e na constituição das coisas. Além disso, sendo a

mente do homem finita, quando trata de coisas que

participam do infinito, não é de admirar que incorra em

absurdos e contradições, dos quais é impossível que ela

venha a libertar-se, sendo da natureza do infinito não ser

compreendido por aquilo que é finito (tradução nossa).

2 Inglês - The cause of this is thought to be the

obscurity of things, or the natural weakness and

imperfection of our understandings. It is said, the faculties

we have are few, and those designed by nature for the

support and comfort of life, and not to penetrate into the

inward essence and constitution of things. Besides, the

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

14 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

mind of man being finite, when it treats of things which

partake of infinity, it is not to be wondered at if it run into

absurdities and contradictions, out of which it is impossible

it should ever extricate itself, it being of the nature of

infinite not to be comprehended by that which is finite.

HES - Berkeley menciona as causas geralmente

apontadas para as nossas incertezas (dúvidas) como estando

na obscuridade das coisas, na imperfeição de nosso

entendimento, na carência de faculdades (as que temos são

vinculadas a nossa sobrevivência e bem estar), não estando

nós constituídos para entender as coisas detalhadamente.

Adicionalmente, somos finitos, o que nos impede de

entender o infinito.

(Moto do parágrafo: usual designação das causas

das dificuldades)

Comentário HES – O autor descreve, neste

parágrafo, a concepção de outros autores (anteriores ou da

própria época) que se ocupavam do entendimento da

natureza das coisas, acerca da causa de nossas dificuldades.

A imperfeição humana, a finitude humana, despontam

como causas na argumentação de terceiros. Mais uma vez

forma-se um pano de fundo, um reflexo de época. Auto

imolar-se, reconhecer-se limitado diante de uma grandeza

infinita ou divina, submeter-se a Deus (ou a seus

representantes) mostrava uma predisposição a aceitar o

domínio daquilo que era considerado divino. Não explicar

utilizando o artifício do “inexplicável divino” é uma forma

de não se comprometer com idéias que possam ser

consideradas, posteriormente, inadequadas ao divino.

Berkeley não defende esse pano de fundo (pelo menos não

neste parágrafo), mas deve-se lembrar que ele representa o

lado dominante. No quadro da época, ele ainda está

escrevendo seus artigos contra os livres-pesadores.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

15 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

3 – Terceiro Parágrafo:

3 Português - Mas, talvez, sejamos demasiado

parciais para conosco mesmos ao colocar a culpa

originalmente em nossas faculdades, e não, ao invés disso,

no mau uso que fazemos delas. É uma coisa difícil de supor

que deduções corretas derivadas de princípios verdadeiros

devam terminar em conseqüências que não possam ser

mantidas ou tornadas consistentes. Nós devemos crer que

Deus tratou mais generosamente os filhos dos homens do

que dar-lhes um forte desejo para aquele conhecimento que

ele teria colocado fora de seu alcance. Isso não seria

coincidente aos habituais métodos indulgentes da

Providência, que, qualquer que sejam os apetites que tenha

implantado nas criaturas, geralmente forneceu-lhes meios

que, se bem usados, não falharão em satisfazê-las. Ao todo,

eu estou inclinado a pensar que a maior parte, se não todas,

dessas dificuldades que até agora divertiu os filósofos, e

bloqueou o caminho para o conhecimento, é inteiramente

devida a nós mesmos - que primeiramente levantamos a

poeira e depois reclamamos que não podemos ver (tradução

nossa).

3 Inglês - But, perhaps, we may be too partial to

ourselves in placing the fault originally in our faculties, and

not rather in the wrong use we make of them. It is a hard

thing to suppose that right deductions from true principles

should ever end in consequences which cannot be

maintained or made consistent. We should believe that God

has dealt more bountifully with the sons of men than to give

them a strong desire for that knowledge which he had

placed quite out of their reach. This were not agreeable to

the wonted indulgent methods of Providence, which,

whatever appetites it may have implanted in the creatures,

doth usually furnish them with such means as, if rightly

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

16 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

made use of, will not fail to satisfy them. Upon the whole, I

am inclined to think that the far greater part, if not all, of

those difficulties which have hitherto amused philosophers,

and blocked up the way to knowledge, are entirely owing to

ourselves- that we have first raised a dust and then

complain we cannot see.

HES - Berkeley lança a idéia de que fazemos mau

uso das nossas faculdades. Não parece correto que boas

deduções levem a inconsistências e que Deus nos daria o

desejo de um conhecimento inalcançável. Isto não é

corroborado pela ação da providência, que permite

satisfazer todos os apetites das criaturas. Nós é que, na

opinião de Berkeley, geramos as dificuldades e não

conseguimos sair delas.

(Moto do parágrafo: dificuldades do conhecimento

causadas por nós mesmos)

Comentário HES – O parágrafo tangencia o sensato.

Em se admitindo a existência de um ser superior, uma

providência, qual seria o sentido de criar expectativas

inatingíveis nos seres inferiores? A sequência é mais

pragmática: criamos idiotices e não sabemos como nos

desvencilhar delas depois. Essa linha de raciocínio é

aprazível ao leitor. Tanto mais aprazível seria se fosse dada

vazão à indicação de mais idiotices subjacentes, nas quais

as espirais de pensamentos se enovelam em questões que se

retroalimentam, gerando um eterno círculo vicioso que

alimenta um imenso número de frases de efeito sem

nenhum sentido que não seja o estético. Mas isso é a

opinião deste iniciante, datada 302 anos após o texto de

Berkeley.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

17 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

4 – Quarto parágrafo:

4 Português - Meu objetivo, portanto, é tentar

descobrir quais são esses Princípios que introduziram toda

essa dúvida e incerteza, esses absurdos e contradições, nas

várias seitas (escolas) da filosofia, de maneira que os

homens mais sábios apontaram nossa ignorância como

incurável, concebendo-a como surgindo da estupidez

natural e limitação de nossas faculdades. E, certamente, é

um trabalho muito merecedor dos nossos sofrimentos, fazer

um inquérito rigoroso sobre os Primeiros Princípios do

Conhecimento Humano, para peneirá-los e examiná-los de

todos os lados, especialmente porque podem haver algumas

razões para suspeitar que esses obstáculos (eventualmente:

liberdades ou abusos) e dificuldades, que permanecem e

embaraçam a mente em sua busca da verdade, não brotam

de qualquer escuridão e complexidade nos objetos, ou de

um defeito natural na compreensão, ou ainda de falsos

Princípios sobre os quais se insistiu, tendo isso podido ser

evitado (tradução nossa).

4 Inglês - My purpose therefore is, to try if I can

discover what those Principles are which have introduced

all that doubtfulness and uncertainty, those absurdities and

contradictions, into the several sects of philosophy;

insomuch that the wisest men have thought our ignorance

incurable, conceiving it to arise from the natural dulness

and limitation of our faculties. And surely it is a work well

deserving our pains to make a strict inquiry concerning the

First Principles of Human Knowledge, to sift and examine

them on all sides, especially since there may be some

grounds to suspect that those lets and difficulties, which

stay and embarrass the mind in its search after truth, do not

spring from any darkness and intricacy in the objects, or

natural defect in the understanding, so much as from false

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

18 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Principles which have been insisted on, and might have

been avoided.

HES - Berkeley coloca o seu objetivo na elaboração

desse texto, que é a busca dos princípios geradores das

dúvidas e absurdo, os quais fizeram com que sábios nos

apontassem como ignorantes incuráveis. O trabalho tem

mérito, considerando que podem haver outras causas para

essas dificuldades, confusões, do que algo complexo nos

próprios objetos, do nosso entendimento defeituoso, além

de princípios falsos que poderiam ter sido evitados.

(Moto do parágrafo: o objetivo de Berkeley é

apresentado, considerando que as causas apontadas

anteriormente podem não ser aquelas que empanam o nosso

entendimento)

Comentário HES – Nesse parágrafo Berkeley

anuncia a que veio. De forma rebuscada, novamente remete

às dificuldades apontadas por autores precedentes,

propondo uma busca de princípios por ele definidos.

5 – Quinto parágrafo:

5 Português - Mesmo parecendo difícil e

desanimadora esta tentativa neste momento, quando eu

considero quantos grandes e extraordinários homens

abraçaram antes de mim tais projetos, ainda assim possuo

alguma esperança - sobre a consideração de que as visões

mais amplas nem sempre são as mais claras, e que aquele

que é míope é obrigado a trazer o objeto para mais perto, e

pode, talvez, por uma pesquisa próxima e estreita, discernir

o que tinha escapado de olhos muito melhores (tradução

nossa).

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

19 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

5 Inglês - How difficult and discouraging soever this

attempt may seem, when I consider how many great and

extraordinary men have gone before me in the like designs,

yet I am not without some hopes- upon the consideration

that the largest views are not always the clearest, and that

he who is short-sighted will be obliged to draw the object

nearer, and may, perhaps, by a close and narrow survey,

discern that which had escaped far better eyes.

HES - Berkeley comenta acerca da dificuldade

eventual da empreitada, colocando-se como uma pessoa

mais limitada frente a pesquisadores anteriores, mas

argumentando que uma visão mais próxima poderá

desvendar algo não visto á distância.

(Moto do parágrafo: é um parágrafo de valorização

dos esforços anteriores – um parágrafo “político” - mas

valorizando a análise detalhada)

Comentário HES – Berkeley ironiza. Ele não é uma

pessoa que, estando amparado por uma instituição

dominante, necessite se colocar abaixo de terceiros. Nesse

caso, o texto pretende divertir o leitor. Mas também é o

retrato de uma época. Berkeley pode fazer isso e será bem

visto. Outros talvez não pudessem.

6 – Sexto parágrafo:

6 Português - Com o intuito de preparar a mente do

leitor para uma mais fácil concepção daquilo que se segue,

é apropriado adiantar algo, a título de introdução, sobre a

natureza e o abuso da linguagem. Mas o desenrolar desta

questão leva-me em alguma medida a antecipar o meu

projeto, denotando o que parece ter tido um papel principal

na geração de intrincadas e perplexas especulações,

Page 21: Argumentando com Tautologias: Perceber é perceber o sido

Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

20 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

ocasionando inúmeros erros e dificuldades em quase todas

as partes do conhecimento. E isto é a opinião de que a

mente tem poder para moldar idéias abstratas ou noções de

coisas. Aquele que não é um perfeito estranho aos escritos e

as disputas dos filósofos deve necessariamente reconhecer

que grande parte deles é escrita em torno de ideias

abstratas. Estas são, de uma maneira muito especial,

pensadas como sendo o objeto das ciências que atendem

pelo nome de Lógica e Metafísica, e de tudo aquilo que

passa sob a noção de uma aprendizagem mais abstrata e

sublime, em tudo aquilo no qual alguém escassamente

encontrará uma questão tratada de tal maneira que não

suponha a sua existência na mente, e que está bem

familiarizado com elas (tradução nossa).

6 Inglês - In order to prepare the mind of the reader

for the easier conceiving what follows, it is proper to

premise somewhat, by way of Introduction, concerning the

nature and abuse of Language. But the unravelling this

matter leads me in some measure to anticipate my design,

by taking notice of what seems to have had a chief part in

rendering speculation intricate and perplexed, and to have

occasioned innumerable errors and difficulties in almost all

parts of knowledge. And that is the opinion that the mind

hath a power of framing abstract ideas or notions of things.

He who is not a perfect stranger to the writings and disputes

of philosophers must needs acknowledge that no small part

of them are spent about abstract ideas. These are in a more

especial manner thought to be the object of those sciences

which go by the name of Logic and Metaphysics, and of all

that which passes under the notion of the most abstracted

and sublime learning, in all which one shall scarce find any

question handled in such a manner as does not suppose

their existence in the mind, and that it is well acquainted

with them.

Page 22: Argumentando com Tautologias: Perceber é perceber o sido

Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

21 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

HES - Berkeley prepara o leitor para aquilo que vai

tratar. Após mencionar os abusos da linguagem, volta-se

para aquilo que pode ser a causa das complexidades, erros,

dificuldades nas diferentes partes do conhecimento, que

seria o fato de a mente poder criar idéias abstratas. Berkeley

comenta que grande parte da literatura em lógica e

metafísica ocorre em torno de idéias abstratas, com a noção

de sublimidade.

(Moto do parágrafo: informar que a capacidade de

mente de gerar idéias abstratas pode ser a raiz do

sproblemas de enetendimento)

Comentário HES – Os abusos da linguagem parece

terem suas causas na capacidade assumida (por outros) de

que a mente possa gerar idéias abstratas. Estamos hoje, em

2012, já há 302 anos de distância temporal deste texto.

Como iniciante nos textos filosóficos, pergunto: avançamos

no conhecimento das coisas da natureza? Como atuante nas

ciências práticas, minha resposta é: sim. Avançamos pouco

a pouco, aprendendo com nossos erros e acertos. Nas

opiniões manifestadas por diferentes pessoas ao longo

desses trezentos e dois anos, podemos encontrar aqueles

que falam de um avanço incremental e aqueles que falam

de mudanças de paradigmas. Há os que defendem que as

questões se formam e geram a base para mudanças e há os

que defendem que conceitos novos surgem quando não há

respostas. Eu acho (portanto é opinião) que todas as formas

de avanço coexistem. Berkeley tinha uma visão limitada

pela época em que viveu. As questões, as curiosidades, as

permissões para a exploração em busca de algum

conhecimento (o que quer que se entendesse por

conhecimento naquela época) estavam condicionadas

àquilo que se sabia ou que se impunha como sabido. Nessa

condição, de sabermos que estamos em meio a um processo

que nos levará a outros conhecimentos práticos, pode-se

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

22 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

perguntar se a linguagem empanou o entendimento acerca

daquilo que conseguimos responder (ainda que, sempre,

aproximadamente). Em termos objetivos, não. Conhecemos

hoje fenômenos naturais como o eletromagnetismo, as

forças nucleares, os eventos quânticos. Berkeley não tinha

informações acerca disso. Nós nos comunicamos em torno

desses conhecimentos e continuamos gerando mais formas

de interagir com o meio físico. Avançamos e utilizamos

conceitos acerca de coisas que não conseguimos ver, mas

que se mostram controláveis, trazendo-nos benefícios.

Sobrevivemos hoje com mais facilidade às mazelas usuais

do que na época de Berkeley. E isso conseguimos através

de diferentes formas de linguagem.

Em termos subjetivos, ou termos filosóficos, a

linguagem empanou o entendimento? Nesse caso, sempre

que se colocou um sistema de busca de verdade como o

sistema que contém a verdade, em detrimento dos demais,

seja o que for a “verdade” que se “prega” nesse sistema,

talvez o entendimento tenha sido prejudicado. Note-se que,

em algum momento da história, que este iniciante não sabe

ainda precisar, houve um rompimento entre a aplicabilidade

do pensamento filosófico e o ato de pensar. De tal forma

isso nos atinge que não raro se ouvem afirmações do tipo:

“quem faz filosofia buscando o sustento não deve fazer

filosofia” (particularmente cruel para o jovem que inicia

seus estudos); ou “quem busca uma profissão não vá fazer

filosofia”, ou ainda “a filosofia não pretende ser útil, ou

aplicada, ou resolver problemas práticos – ela é a essência

da busca da verdade”, ou ainda “ciência é a busca da

verdade – se alguém não tem essa visão de ciência, tem

uma visão muito particular do que ela seja (e errada)”. E a

isso se somam as incongruências que surgem quando se

exemplifica que a ciência é multifacetada, havendo aqueles

que buscam respostas muito específicas para problemas

reais. Em respondendo, por exemplo, que as vacinas e os

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

23 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

antibióticos permitiram superar muito do sofrimento

humano, a resposta dos pretensos filósofos deprecia a visão

utilitarista do conhecimento. No entanto, esses mesmos

filósofos se deixam operar nos hospitais que usam os

antibióticos desenvolvidos por mentes questionadoras, que

de fato atuam em prol de um bem maior. Geralmente são

colocadas questões paradoxais, por esses argumentadores

da filosofia vã, vinculadas à mecânica quântica e exemplos

que indicam que filósofos de diferentes épocas entenderam

esses paradoxos e os “responderam”. Mas quem assim

argumenta provavelmente nunca resolveu um problema

quântico, ou criou um sistema de comunicação

intercontinental, ou mesmo entendeu o seu computador

pessoal como um produto do conhecimento humano

aplicado. Não obstante, quem assim argumenta, usa tudo

isso. Seria mais honesto que ou se calasse em suas opiniões

absurdas em defesa de uma filosofia vã, ou se abstivesse de

usar os recursos gerados pela ciência que resolve problemas

de fato.

Mas isso talvez nos tenha tirado do contexto de

Berkeley. Tendo reconhecido que há problemas de

linguagem quando se discute filosoficamente um sistema

filosófico, volta-se à situação de que Berkeley tinha razões

para propor a sua análise.

7 – Sétimo parágrafo:

7 Português - É aceito de todas as maneiras que as

qualidades ou modos das coisas nunca existem realmente

em si próprios e separados dos demais, mas são misturadas,

como que fundidas juntas, algumas no mesmo objeto. Mas,

é dito, a mente sendo capaz de considerar cada qualidade

isoladamente, ou abstraída das outras qualidades às quais

está unida, pode dessa maneira engendrar para si idéias

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

24 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

abstratas. Por exemplo, a vista observa um objeto extenso,

colorido, e móvel: a mente, resolvendo essa idéia mista ou

composta em suas partes constituintes, simples, e vendo

cada um por si, exclusivo do resto, engendra as idéias

abstratas de extensão, cor e movimento. Não que seja

possível para a cor ou o movimento existirem sem a

extensão, mas apenas que a mente pode moldar a si mesma,

por abstração, a idéia de cor exclusiva da extensão, e do

movimento exclusivo da cor e da extensão (tradução nossa).

7 Inglês - It is agreed on all hands that the qualities

or modes of things do never really exist each of them apart

by itself, and separated from all others, but are mixed, as it

were, and blended together, several in the same object. But,

we are told, the mind being able to consider each quality

singly, or abstracted from those other qualities with which

it is united, does by that means frame to itself abstract

ideas. For example, there is perceived by sight an object

extended, coloured, and moved: this mixed or compound

idea the mind resolving into its simple, constituent parts,

and viewing each by itself, exclusive of the rest, does frame

the abstract ideas of extension, colour, and motion. Not that

it is possible for colour or motion to exist without

extension; but only that the mind can frame to itself by

abstraction the idea of colour exclusive of extension, and of

motion exclusive of both colour and extension.

HES – Berkeley informa que se aceita que as

qualidades das coisas nos surgem misturadas, como que

fundidas em um mesmo objeto. Mas é informado que a

mente pode separá-las. Assim, vendo um objeto extenso,

colorido em movimento, a mente pode abstrair as idéias de

extensão, cor e movimento. Isto é posto como “fato”.

(Moto do parágrafo: exemplo de como a mente

isolaria qualidades existentes em conjunto)

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

25 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Comentário HES – A partir de uma aceitação geral,

que envolve a mistura das “qualidades” nos objetos,

Berkeley comenta que outros consideram que a mente pode

separar essas qualidades.

Este é mais um retrato de época. Vale a pena

avançar nesse retrato? “Qualidades” são hoje vistas como

propriedades ou variáveis físicas. E também as

descrevemos isoladamente.

Nesse caso, vale a pena continuar para verificar

aonde a discussão de Berkeley pretende nos levar. A assim

chamada leitura dogmática pode ser efetuada, mas não

precisamos assumir a postura de que desconhecemos os

conceitos construídos em 302 anos (ainda que sejam, como

todo o conhecimento que geramos, meramente

aproximativo). Mais uma vez Berkeley serve de ligação

entre suas idéias e sua época.

8 – Oitavo parágrafo:

8 Português - Mais uma vez, a mente tendo

observado que nas extensões particulares percebidas pelo

sentido há algo em comum e igual em tudo, e algumas

outras coisas peculiares, como esta ou aquela figura ou

magnitude, que os distingue entre si, ela considera separado

ou separa por si mesma o que é comum, gerando daí uma

idéia mais abstrata de extensão, que não é nem uma linha,

uma superfície, ou um sólido, nem tem qualquer valor ou

magnitude, mas é uma idéia que prescinde inteiramente de

todos estes conceitos. Da mesma forma a mente, deixando

de lado cores particulares percebidas pelo sentido que

distingue uns dos outros, e retendo apenas o que é comum a

todos, faz uma ideia abstrata da cor, que não é nem

vermelho, nem azul, nem branco, nem de qualquer outra

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

26 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

cor determinada. E, da mesma forma, por considerar o

movimento abstraído não só do corpo se movia, mas

igualmente da figura que ele descreve, e de todas as

direções e velocidades particulares, a idéia abstrata de

movimento é engendrada, que também corresponde a todos

os movimentos específicos que podem ser percebido pelos

sentidos. (tradução nossa).

8 Inglês - Again, the mind having observed that in

the particular extensions perceived by sense there is

something common and alike in all, and some other things

peculiar, as this or that figure or magnitude, which

distinguish them one from another; it considers apart or

singles out by itself that which is common, making thereof

a most abstract idea of extension, which is neither line,

surface, nor solid, nor has any figure or magnitude, but is

an idea entirely prescinded from all these. So likewise the

mind, by leaving out of the particular colours perceived by

sense that which distinguishes them one from another, and

retaining that only which is common to all, makes an idea

of colour in abstract which is neither red, nor blue, nor

white, nor any other determinate colour. And, in like

manner, by considering motion abstractedly not only from

the body moved, but likewise from the figure it describes,

and all particular directions and velocities, the abstract idea

of motion is framed; which equally corresponds to all

particular motions whatsoever that may be perceived by

sense.

HES – Berkeley agora discorre como a mente pode,

a partir das observações, abstrair idéias, ou, o que é o

mesmo, gerar idéias abstratas. A extensão, a cor, o

movimento passam a ser essas idéias abstratas, que são

mais gerais e que correspondem a qualquer manifestação

individual. Isto é posto como “processo” sobre um objeto.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

27 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

(Moto do parágrafo: descrição da geração de idéias

abstratas)

Comentário HES – Berkeley descreve uma

sequência de passos para a formação de conceitos. Seus

exemplos são os conceitos de cor, movimento e extensão.

Se esses conceitos foram desenvolvidos segundo esses

passos, é-nos difícil dizer agora. Eventualmente seja

necessário nos reportarmos a estudos feitos com crianças

em diferentes faixas etárias, para localizar os momentos em

que esses conceitos se firmam no ser humano. Nesse caso,

este iniciante não fez a devida procura desses estudos,

faltando-lhe a base para argumentar. Assim, é preciso

admitir a possibilidade levantada por Berkeley, na

descrição daquilo que seus iguais sugerem, como uma

possibilidade de fato.

9 – Nono Parágrafo:

9 Português - E como a mente elabora para si

mesma idéias abstratas de qualidades ou modos, também o

faz, com a mesma precisão ou separação mental, para

alcançar idéias abstratas dos seres mais compostos

(complexos), que incluem várias qualidades coexistentes.

Por exemplo, a mente tendo observado que Pedro, Jaime e

João, se assemelham em determinadas coincidências de

forma e outras qualidades, exclui a idéia complexa ou

composta que tem de Pedro, Jaime e qualquer outro homem

particular, aquilo que é peculiar a cada um, mantendo

apenas o que é comum a todos, e assim elabora uma idéia

abstrata, em que todos os elementos igualmente participam,

“abstraindo inteiramente” e “excluido” todas as

circunstâncias e diferenças que podem determinar uma

existência particular. Desta maneira, é dito que chegamos à

idéia abstrata do homem, ou, se se quiser, da humanidade,

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

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Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

ou da natureza humana; onde, é verdade está incluída a cor,

porque não há homem sem alguma cor, mas então não pode

ser nem branco, nem preto, nem nenhuma cor, porque não

há uma cor especial da qual todos os homens participam.

Assim também está incluída a estatura, mas não sendo nem

a estatura alta, nem a baixa estatura, nem tampouco a

estatura média, mas algo abstraído de todas essas. E assim

ocorre com o resto. Além disso, havendo uma grande

variedade de outras criaturas que participam de algumas

partes, mas não todas, da idéia complexa do homem, a

mente, deixando de fora as partes que são peculiares aos

homens e mantendo somente aquelas que são comuns a

todas as criaturas vivas, elabora a idéia do animal, a qual (a

mente) abstrai não só de todos os homens em particular,

mas também de todos os pássaros, “bestas”, peixes e

insetos. As partes constituintes da idéia abstrata de animal

são o corpo, a vida, o sentido e o movimento espontâneo.

Pelo corpo se entende corpo sem qualquer forma particular

ou figura, não havendo qualquer forma ou figura comum a

todos os animais, nem a cobertura, ou de cabelo, ou penas

ou escamas, etc, nem ainda nu: Cabelos, penas, escamas, e

nudez, são propriedades distintivas de animais em

particular, razão pela qual isto é deixado de fora da idéia

abstrata (de animal). Da mesma forma, o movimento

espontâneo não deve ser nem andar, nem voar, nem

rastejar; é, no entanto, um movimento, mas o que é que o

movimento não é fácil de conceber. (tradução nossa).

9 Inglês - And as the mind frames to itself abstract

ideas of qualities or modes, so does it, by the same

precision or mental separation, attain abstract ideas of the

more compounded beings which include several coexistent

qualities. For example, the mind having observed that Peter,

James, and John resemble each other in certain common

agreements of shape and other qualities, leaves out of the

complex or compounded idea it has of Peter, James, and

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

29 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

any other particular man, that which is peculiar to each,

retaining only what is common to all, and so makes an

abstract idea wherein all the particulars equally partake-

abstracting entirely from and cutting off all those

circumstances and differences which might determine it to

any particular existence. And after this manner it is said we

come by the abstract idea of man, or, if you please,

humanity, or human nature; wherein it is true there is

included colour, because there is no man but has some

colour, but then it can be neither white, nor black, nor any

particular colour, because there is no one particular colour

wherein all men partake. So likewise there is included

stature, but then it is neither tall stature, nor low stature, nor

yet middle stature, but something abstracted from all these.

And so of the rest. Moreover, their being a great variety of

other creatures that partake in some parts, but not all, of the

complex idea of man, the mind, leaving out those parts

which are peculiar to men, and retaining those only which

are common to all the living creatures, frames the idea of

animal, which abstracts not only from all particular men,

but also all birds, beasts, fishes, and insects. The constituent

parts of the abstract idea of animal are body, life, sense, and

spontaneous motion. By body is meant body without any

particular shape or figure, there being no one shape or

figure common to all animals, without covering, either of

hair, or feathers, or scales, &c., nor yet naked: hair,

feathers, scales, and nakedness being the distinguishing

properties of particular animals, and for that reason left out

of the abstract idea. Upon the same account the

spontaneous motion must be neither walking, nor flying,

nor creeping; it is nevertheless a motion, but what that

motion is it is not easy to conceive.

HES – Berkeley explica a transição da idéia abstrata

da qualidade para a idéia abstrata de objetos complexos,

contendo várias qualidades. Se antes um objeto tinha várias

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

30 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

qualidades, agora vários objetos possuem qualidades

comuns e se abstrai uma idéia geral do que seja o objeto.

Sua descrição parte da observação das coisas comuns nos

seres humanos, retirando deles tudo o que viria a ser uma

particularidade pessoal. Com isso se chegaria à idéia

abstrata de ser humano, ou humanidade. Adicionalmente,

retirando dessa idéia abstrata aquilo que a torna um ser

humano, e observando as qualidades de outros seres que

possuem coincidências com o ser humano, atinge-se a idéia

abstrata do animal. Nesse caso o comum seria o corpo, a

vida, os sentidos e o movimento espontâneo, todos

independentes de suas particularidades. Isto é posto como

“processo” sobre vários objetos.

(Moto do parágrafo: generalização da geração de

idéias abstratas, partindo de coisas simples para atingir

coisas complexas)

Comentário HES – Berkeley parte para a descrição

daquilo que seria a geração de um conceito de um objeto.

Note-se que há apenas a descrição, e não a defesa dessa

sequência de passos. Mais uma vez, se esses conceitos

foram desenvolvidos segundo esses passos, é-nos difícil

dizer. Eventualmente seja necessário buscar autores que

tenham estudado isto de forma mais profunda,

cientificamente, testando hipóteses em ambientes de

pesquisa. Mais uma vez este iniciante não fez a devida

procura desses estudos, faltando-lhe a base para

argumentar, seja afirmativamente ou questionando. De

novo, é preciso admitir a possibilidade levantada por

Berkeley, na descrição daquilo que seus iguais sugerem,

como uma possibilidade de fato.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

31 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Aposto aos primeiro nove parágrafos:

O texto pode ser resumido, nisto que talvez

possamos denominar de primeiro movimento, observado

nos nove primeiros parágrafos, em três momentos (está-se

resumindo a leitura dogmática, não os comentários):

1) Há a constatação de que é difícil para a mente

entender a natureza das coisas;

2) O objetivo do texto é colocado como buscando

entender a origem dessa dificuldade, o que leva à descrição

de uma tese inicial (de outros autores), de que a dificuldade

reside na mente gerar abstrações;

3) Descreve-se como a mente estaria gerando

abstrações. Mas aponta-se para a possibilidade de que

fazemos uso errado de nossas faculdades, e isto poderia ser

a causa das dificuldades. Em suma, isso aponta para a

conveniência do tratado. A figura piramidal a seguir visa

ilustrar figurativamente esta sequência de momentos.

Esse tipo de estrutura pictórica é também usado

mais adiante, quando se efetuar o resumo dos parágrafos

décimo a décimo-sexto. Pretende-se, com a sequência das

leituras no presente Projeto, efetuar um esquema mais

geral.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

32 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Figura 1: O movimento do texto nos primeiros nove parágrafos,

conforme descrito no “aposto aos nove primeiros parágrafos” (vide

texto).

10 – Décimo parágrafo:

10 Português - Se os outros têm essa faculdade

maravilhosa de abstrair suas idéias, eles podem falar melhor

(sobre isso): para mim, acho que na verdade tenho uma

faculdade de imaginar, ou de representar a mim mesmo, as

idéias dessas coisas particulares que percebi, e de compô-

las diversamente e de dividí-las. Posso imaginar um homem

com duas cabeças, ou as partes superiores de um homem

unidas ao corpo de um cavalo. Posso considerar a mão, o

olho, o nariz, cada parte por si só ou abstraída (separada) do

resto do corpo. Mas então o que quer que seja a mão ou o

olho que eu imagino, deve ter alguma forma particular e

cor. Da mesma forma a idéia de homem que eu elaboro

para mim mesmo deve ser ou de um branco, ou um negro,

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

33 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

ou um mestiço (mulato), um ereto, ou um corcunda, um

homem alto, ou baixo, ou um homem de tamanho médio.

Eu não posso, por qualquer esforço do pensamento,

conceber a idéia abstrata descrita acima. E me é igualmente

impossível formar a idéia abstrata de um movimento que

seja distinta de um corpo em movimento, que não é nem

rápido nem lento, nem curvilíneo nem retilíneo, e o mesmo

pode ser dito de toda e qualquer outra idéia geral abstrata.

Para ser sincero, eu me considero capaz de abstração

(abstrair) em um sentido, como quando considero algumas

partes ou qualidades particulares separadas de outras, mas

com estas, uma vez que devem estar unidas em algum

objeto, porém sendo possível que umas possam realmente

existir sem as outras. Mas eu nego que seja capaz de

abstrair um de outro, ou conceber separadamente, aquelas

qualidades que é impossível que existam assim separadas,

ou que eu possa elaborar uma noção geral, abstraindo dos

particulares da maneira acima mencionada, as duas últimas

maneiras sendo as acepções apropriadas (adequadas) de

abstração. E há razões para pensar que a maioria dos

homens se identificará com o meu caso. Os homens em

geral, que são simples e analfabetos, nunca pretenderão

abstrair noções. É dito que elas são difíceis e não podem ser

alcançadas sem dores e estudo; podemos, portanto,

razoavelmente concluir que, se é assim, elas estão

“confinadas” (destinadas) apenas aos cultos. (tradução

nossa).

10 Inglês - Whether others have this wonderful

faculty of abstracting their ideas, they best can tell: for

myself, I find indeed I have a faculty of imagining, or

representing to myself, the ideas of those particular things I

have perceived, and of variously compounding and dividing

them. I can imagine a man with two heads, or the upper

parts of a man joined to the body of a horse. I can consider

the hand, the eye, the nose, each by itself abstracted or

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

34 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

separated from the rest of the body. But then whatever hand

or eye I imagine, it must have some particular shape and

colour. Likewise the idea of man that I frame to myself

must be either of a white, or a black, or a tawny, a straight,

or a crooked, a tall, or a low, or a middle-sized man. I

cannot by any effort of thought conceive the abstract idea

above described. And it is equally impossible for me to

form the abstract idea of motion distinct from the body

moving, and which is neither swift nor slow, curvilinear nor

rectilinear; and the like may be said of all other abstract

general ideas whatsoever. To be plain, I own myself able to

abstract in one sense, as when I consider some particular

parts or qualities separated from others, with which, though

they are united in some object, yet it is possible they may

really exist without them. But I deny that I can abstract

from one another, or conceive separately, those qualities

which it is impossible should exist so separated; or that I

can frame a general notion, by abstracting from particulars

in the manner aforesaid- which last are the two proper

acceptations of abstraction. And there are grounds to think

most men will acknowledge themselves to be in my case.

The generality of men which are simple and illiterate never

pretend to abstract notions. It is said they are difficult and

not to be attained without pains and study; we may

therefore reasonably conclude that, if such there be, they

are confined only to the learned.

HES – Neste parágrafo Berkeley se contrapõe à

defesa feita nos parágrafos anteriores, e diz que não possui

esta faculdade de abstração geral, mas possui imaginação

que adiciona e divide. Ainda informa que, ao imaginar, não

consegue imaginar algo que não tenha qualidades. Os

exemplos versam sobre homens e o movimento. Berkeley

assume que pode abstrair qualidades que estão juntas,

considerando que estas possam existir separadamente. Mas

nega poder abstrair uma de outra, nem as idéias gerais das

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

35 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

particulares. E uma vez que os homens simples não tem

intenções de abstrair idéias, isso deve ser uma característica

dos letrados.

(Moto do parágrafo: a abstração colocada como uma

impossibilidade (para Berkeley e para homens simples))

Comentário HES – Berkeley, então, se contrapõe

àquela possibilidade de criar conceitos que descreveu. Ou

seja, aqueles passos não são considerados viáveis por ele.

Note-se que provavelmente é a sequência apresentada que

não é defendida, porque seguramente há o conceito de

humanidade, que foi aventado sem haver necessidade de

grandes explicações, bem como o conceito de animais, de

corpo, enfim, os conceitos gerais. Ainda que critique a

possibilidade da formação do conceito de extensão, assim

como foi descrito, o conceito de extensão existe, e já existia

na época de Berkeley. Como o presente iniciante já

mencionou, a discussão encontra-se em um passado em que

talvez tais questionamentos fossem considerados

relevantes.

11 – Décimo-primeiro parágrafo:

11 Português - Passo a examinar o que pode ser

alegado em defesa da doutrina da abstração, e tentar

descobrir o que leva os homens de especulação a abraçar

uma opinião tão distante do senso comum como esta parece

ser. Houve um filósofo tardiamente e merecidamente

estimado que, sem dúvida, deu-lhe muito suporte, por

parecer que pensava que ter idéias gerais abstratas é o que

mais diferencia, no ponto do entendimento, o homem e o

animal. "Aquele que tem de idéias gerais", disse ele (o

filósofo), "é aquilo que permite uma perfeita distinção entre

o homem e os brutos (os animais), e é uma excelência que

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

36 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

as faculdades dos brutos (ou animais) de maneira nenhuma

atingirá. Pois é evidente que não vemos nenhuma pista de

que façam uso de signos gerais para idéias universais, o que

nos dá razão para imaginar que eles não têm a faculdade de

abstrair, ou fazer ideias gerais, uma vez que não fazem

nenhum uso de palavras ou de quaisquer outros signos

gerais". E algo adiante: "Por isso, eu acho, podemos supor

que é neste quesito que as espécies dos brutos (ou animais)

são diferenciadas dos homens, e é por causa dessa diferença

que eles são totalmente separados, e, finalmente, que ela (a

diferença) aumenta ainda mais essa distância. Pois, se eles

(os animais) têm de fato alguma idéia, e não são meras

máquinas (como alguns gostariam), não podemos negar que

têm alguma razão. Parece-me evidente que eles

demonstram, alguns deles, em certas ocasiões, razão de que

tenham senso, mas é apenas em idéias particulares, assim

como as recebem de seus sentidos. Estes (animais) são os

melhores deles, presos nesses limites estreitos, e não têm

(como eu acho) a faculdade de ampliá-los por qualquer tipo

de abstração"- Ensaio sobre o Entendimento Humano, II. xi.

10 e 11. Eu prontamente concordo com este sábio autor,

que as faculdades dos brutos (animais) de maneira nenhuma

podem atingir a abstração. Mas, então, se disso for feita a

propriedade distintiva deste tipo de animais, temo que uma

grande quantidade daqueles que se passa por homens deve

ser reconsiderada em seu número (dos animais). A razão

atribuída aqui para não termos motivos para pensar que os

brutos (animais) têm idéias abstratas gerais, é que não

observamos neles o uso de palavras ou quaisquer outros

signos gerais, o que é construído sobre a suposição de que o

uso de palavras implica em ter idéias gerais. Da qual

(suposição) resulta que os homens que usam a linguagem

são capazes de abstrair ou generalizar suas idéias. Que este

é o sentido da discussão do autor aparece mais tarde em sua

resposta à questão: "Se todas as coisas que existem são

apenas particulares, como é que chegamos aos termos

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

37 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

gerais?" Sua resposta é: "As palavras se tornam gerais por

terem sido feitas os signos de idéias gerais." - Ensaio sobre

o Entendimento Humano, IV. iii. 6. Mas parece que a

palavra se torna geral ao ser feito o signo, não de uma idéia

abstrata, mas de várias idéias particulares, qualquer das

quais indiferentemente sugerida para a mente. Por exemplo,

quando se diz "a mudança do movimento é proporcional à

força impressa", ou que "tudo o que tem extensão é

divisível", estas proposições deveriam ser entendidas para

movimentos e extensões em geral, e, no entanto, não segue

daí que elas sugiram aos meus pensamentos uma idéia de

movimento sem um corpo que se mova, em qualquer

direção determinada e com velocidade, ou que eu deva

conceber uma idéia abstrata de extensão, que não seja nem

uma linha, uma superfície, nem um sólido, nem grande nem

pequeno, preto, branco, nem vermelho, nem de qualquer

outra cor determinada. Apenas está implícito que qualquer

movimento que eu considere, seja rápido ou lento,

perpendicular, horizontal ou oblíquo, em qualquer objeto

que se aplique, o axioma mentem-se igualmente verdadeiro.

Do mesmo modo que o outro (axioma) da extensão, não

importa se trata de uma superfície, linha, ou um sólido, se

desta ou daquela magnitude ou figura. (tradução nossa).

11 Inglês - I proceed to examine what can be alleged

in defence of the doctrine of abstraction, and try if I can

discover what it is that inclines the men of speculation to

embrace an opinion so remote from common sense as that

seems to be. There has been a late deservedly esteemed

philosopher who, no doubt, has given it very much

countenance, by seeming to think the having abstract

general ideas is what puts the widest difference in point of

understanding betwixt man and beast. "The having of

general ideas," saith he, "is that which puts a perfect

distinction betwixt man and brutes, and is an excellency

which the faculties of brutes do by no means attain unto.

Page 39: Argumentando com Tautologias: Perceber é perceber o sido

Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

38 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

For, it is evident we observe no foot-steps in them of

making use of general signs for universal ideas; from which

we have reason to imagine that they have not the faculty of

abstracting, or making general ideas, since they have no use

of words or any other general signs." And a little after:

"Therefore, I think, we may suppose that it is in this that the

species of brutes are discriminated from men, and it is that

proper difference wherein they are wholly separated, and

which at last widens to so wide a distance. For, if they have

any ideas at all, and are not bare machines (as some would

have them), we cannot deny them to have some reason. It

seems as evident to me that they do, some of them, in

certain instances reason as that they have sense; but it is

only in particular ideas, just as they receive them from their

senses. They are the best of them tied up within those

narrow bounds, and have not (as I think) the faculty to

enlarge them by any kind of abstraction."- Essay on Human

Understanding, II. xi. 10 and 11. I readily agree with this

learned author, that the faculties of brutes can by no means

attain to abstraction. But then if this be made the

distinguishing property of that sort of animals, I fear a great

many of those that pass for men must be reckoned into their

number. The reason that is here assigned why we have no

grounds to think brutes have abstract general ideas is, that

we observe in them no use of words or any other general

signs; which is built on this supposition- that the making

use of words implies the having general ideas. From which

it follows that men who use language are able to abstract or

generalize their ideas. That this is the sense and arguing of

the author will further appear by his answering the question

he in another place puts: "Since all things that exist are only

particulars, how come we by general terms?" His answer is:

"Words become general by being made the signs of general

ideas."- Essay on Human Understanding, IV. iii. 6. But it

seems that a word becomes general by being made the sign,

not of an abstract general idea, but of several particular

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

39 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

ideas, any one of which it indifferently suggests to the

mind. For example, when it is said "the change of motion is

proportional to the impressed force," or that "whatever has

extension is divisible," these propositions are to be

understood of motion and extension in general; and

nevertheless it will not follow that they suggest to my

thoughts an idea of motion without a body moved, or any

determinate direction and velocity, or that I must conceive

an abstract general idea of extension, which is neither line,

surface, nor solid, neither great nor small, black, white, nor

red, nor of any other determinate colour. It is only implied

that whatever particular motion I consider, whether it be

swift or slow, perpendicular, horizontal, or oblique, or in

whatever object, the axiom concerning it holds equally true.

As does the other of every particular extension, it matters

not whether line, surface, or solid, whether of this or that

magnitude or figure.

HES –Berkeley emula uma defesa à doutrina da

abstração, referindo-se a John Locke, no seu Ensaio sobre o

Entendimento Humano. Nas palavras de Locke, a

capacidade de abstração separa o ser humano do animal. Se

os animais têm idéias e não são máquinas, estas são

decorrentes apenas dos sentidos, sem possibilidade de

abstração. Isto é fundamentado no fato de que animais não

fazem uso de palavras, que são gerais por serem os

símbolos das idéias gerais. Berkeley então argumenta que

as palavras são gerais porque são símbolos de muitas idéias

particulares. Seus exemplos de movimento e extensão

voltam-se ao fato de não poder pensar em movimento sem

pensar em algo que se movimenta, ou de uma extensão

desassociada de alguma dimensão. Não obstante, a idéia

geral (axioma) de movimento e de extensão deve existir

independente de um corpo ou de dimensões desse corpo.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

40 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

(Moto do parágrafo: Uso de exemplo conveniente de

um autor anterior, introduzindo a explicação generalista da

palavra para a sua posterior argumentação)

Comentário HES – Berkeley comenta o que não

consegue fazer em termos de abstração. Não podendo

imaginar o movimento sem algo que se movimente,

naturalmente não poderá entender a definição da velocidade

conforme Newton (algo que manifestará e condenará em

1734, imediatamente antes de ser sagrado bispo). Uma onda

sonora, invisível, que se propaga em todas as direções com

a velocidade do som, talvez representasse uma dificuldade

para a sua descrição de movimento. Assim, enquadrado em

sua época, Berkeley critica aqueles que exploram outras

possibilidades. Não se afirma que esses outros estivessem

corretos (provavelmente não estavam), mas não crê este

iniciante que qualquer pretenso filósofo exija de si mesmo a

verdade última e indubitável. Não, muito longe disso, a

filosofia se move pelas crenças, pela fé na própria

capacidade de julgamento daquele que propõe.

Berkeley utiliza o artifício argumentativo que as

afirmações de Locke lhe oferecem. Nesse caso, passando de

uma proposta voltada para os conceitos, utilizará

afirmações que vinculam os conceitos às palavras para

consubstanciar suas posições.

Entretanto, é preciso cuidado: Pode haver uma

busca de generalização utilizando um exemplo particular.

Isso seria contrário àquilo que o próprio Berkeley condena

aqui.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

41 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

12 – Décimo-segundo parágrafo:

12 Português - Ao observar como as idéias se

tornam gerais, podemos melhor julgar como as palavras são

feitas assim (são generalizadas). Enfatizo aqui que não nego

absolutamente haver idéias gerais, mas apenas que existem

idéias abstratas gerais, pois, nas passagens citadas em que

há menção de idéias gerais, é sempre suposto que elas são

formadas pela abstração, seguindo o modo previsto nas

seções 8 e 9. Se quisermos agregar um significado às nossas

palavras, e falar apenas do que podemos conceber, acredito

devermos reconhecer que uma idéia que, considerada em si

mesma, é particular, torna-se geral por impor-se que

represente ou substitua todas as outras idéias particulares do

mesmo tipo. Para tornar isto claro através de um exemplo,

suponhamos que um geômetra demonstre o método de corte

de uma linha em duas partes iguais. Ele desenha, por

exemplo, uma linha preta de uma polegada de

comprimento: esta, que em si mesma é uma linha particular,

mas é, no entanto, no que diz respeito ao seu significado

geral, uma vez que assim é aí usada, uma representação de

todas as linhas particulares; assim a demonstração

demonstra para todas as linhas, ou, em outras palavras, para

uma linha em geral. E, como essa linha particular se torna

geral ao ser um signo, assim o nome de "linha", que é

tomado absolutamente particular, é tornado geral por ser

um signo. Como o primeiro deve sua generalidade não por

ser o sinal de uma linha abstrata ou geral, mas de todas as

linhas específicas que podem eventualmente existir,

também o último deve ser pensado como tendo sua

generalidade derivada da mesma causa, ou seja, das várias

linhas particulares que indiferentemente denota. (tradução

nossa).

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

42 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

12 Inglês - By observing how ideas become general

we may the better judge how words are made so. And here

it is to be noted that I do not deny absolutely there are

general ideas, but only that there are any abstract general

ideas; for, in the passages we have quoted wherein there is

mention of general ideas, it is always supposed that they are

formed by abstraction, after the manner set forth in sections

8 and 9. Now, if we will annex a meaning to our words, and

speak only of what we can conceive, I believe we shall

acknowledge that an idea which, considered in itself, is

particular, becomes general by being made to represent or

stand for all other particular ideas of the same sort. To

make this plain by an example, suppose a geometrician is

demonstrating the method of cutting a line in two equal

parts. He draws, for instance, a black line of an inch in

length: this, which in itself is a particular line, is

nevertheless with regard to its signification general, since,

as it is there used, it represents all particular lines

whatsoever; so that what is demonstrated of it is

demonstrated of all lines, or, in other words, of a line in

general. And, as that particular line becomes general by

being made a sign, so the name "line," which taken

absolutely is particular, by being a sign is made general.

And as the former owes its generality not to its being the

sign of an abstract or general line, but of all particular right

lines that may possibly exist, so the latter must be thought

to derive its generality from the same cause, namely, the

various particular lines which it indifferently denotes.

HES – Berkeley agora passa a contrapor-se

declaradamente à ideía de que hajam idéias abstratas gerais.

As idéias gerais não são abstratas e se formam porque

substitutem todas as idéias particulares similares. Daí expõe

uma metáfora de uma linha dividida em partes iguais. O

exemplo é de uma linha em particular, mas porque é usada

com o sentido de substituir todas as linhas, ela se

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

43 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

generaliza. E isso ocorre também, e do mesmo modo, com a

palavra “linha”.

(Moto do parágrafo: A idéia geral como substituta

de idéias particulares similares. A palavra seguindo o

mesmo preceito)

Comentário HES – Berkeley utiliza de um jogo de

palavras. Não se pode abstrair o geral do particular. Não é

abstraindo de uma idéia as coisas que tornam individual o

indivíduo que se atinge uma idéia abstrata geral, mas

usando uma idéia particular que substitui todas as idéias

particulares similares (of the same sort). Frisa-se, é claro,

que Berkeley está falando de “idéias gerais”, e não de

“idéias abstratas gerais”. Enfim, é uma idéia geral que não é

abstrata. Seria concreta? Seria uma idéia real? Será o início

de sua argumentação para chegar à percepção como ser?

Mas então teria sido preciso explicar com muito mais vagar

o que é “semelhante”. Não será aquilo que desconsidera as

particularidades que tornam o indivíduo individual? Então

não se está desprezando parcelas que tornam diferente?

Porque se se está considerando as diferenças presentes,

então se está utilizando uma palavra para denotar coisas

essencialmente diferentes. Certamente não é isso que

Berkeley está afirmando. Não! São coisas “of the same

sort”, of course! Portanto, coisas em que as diferenças

foram suprimidas, descartadas, abstraídas de antemão.

Apenas Berkeley não quis colocar dessa forma. “Of the

same sort” possui a palavra “same”, que implica uma

operação mental de equalização. Caso contrário, não teria

sido usada (ou teria sido usado algo semelhante, “of the

same sort”). Mas uma operação de equalização, ainda que

implícita no uso da palavra, implica (permitam a repetição)

em desativar diferenças. Berkeley sabia disso (não é

possível não ter sabido) porque estava usando a

argumentação da palavra de Locke no seu caminho para

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

44 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

expor as dificuldades da comunicação (digamos, da

linguagem, em seus termos). O argumento não convence

hoje e é um exercício de retórica. Mas convenceu na época

em que foi exposto. “Ser é ser percebido” teve o seu efeito

entre os filósofos. Se esta fórmula ajudou na construção da

ciência prática, em suas várias vertentes (medicina,

farmácia, física, matemática, direito, etc.), permitindo-nos

viver mais e melhor, é preciso pesquisar mais

profundamente. Mas que o seu impacto estético é forte, não

resta dúvida.

13 – Détimo-terceiro parágrafo:

13 Português - Para dar ao leitor uma visão mais

clara ainda da natureza das idéias abstratas, e os usos aos

quais são tidas como necessárias, vou acrescentar mais uma

passagem do Ensaio sobre o Entendimento Humano, (vii

IV. 9.), que é a seguinte: "idéias abstratas não são tão

óbvias ou fáceis para crianças ou a mentes particulares

ainda não exercitadas. Se elas parecem assim (óbvias) para

homens adultos é só pelo uso constante e familiar que isto

ocorre. Pois, quando refletimos melhor sobre elas, veremos

que as idéias gerais são ficções e invenções da mente, que

carregam dificuldades com elas, e não se oferecem tão

facilmente como somos capazes de imaginar. Por exemplo,

não é necessário certa dor e habilidade para formar a idéia

geral de um triângulo (que ainda não é das mais abstratas,

abrangentes e difíceis); por não poder ser nem

obliquângulo, nem retângulo, nem equilátero, isósceles,

nem escaleno, mas todos e nenhum deles ao mesmo tempo?

Com efeito, é algo imperfeito que não pode existir, uma

idéia em que partes de várias idéias diferentes e

inconsistentes são postas juntas. É verdade que a mente

neste estado imperfeito tem necessidade de tais idéias, e

desloca-se para elas com toda pressa, para a conveniência

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

45 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

de comunicação e da ampliação de conhecimentos, para as

quais é naturalmente muito inclinada. Mas ainda se tem

razão para suspeitar que tais idéias são marcas de nossa

imperfeição. Pelo menos é o suficiente para mostrar que as

idéias mais abstratas e gerais não são aquelas que a mente

primeiro e mais facilmente reconhece, nem como sua

primeira versão do conhecimento". Se alguém tem a

faculdade de elaborar em sua mente a idéia do triângulo

descrita aqui, é vão pretender disputar com ele sobre isso,

nem eu o faria. Tudo o que eu desejo é que o leitor

totalmente e certamente se informe se ele tem essa idéia ou

não. E isso, me parece, não é tarefa difícil de ser executada

por qualquer pessoa. O que é mais fácil do que olhar um

pouco nos próprios pensamentos, e lá tentar observar se

tem, ou pode vir a ter, uma idéia que deve corresponder à

descrição dada aqui da idéia geral do triângulo, que não é

"obliquângula nem retângulo, equilátero, isósceles nem

escalena, mas todos e nenhum deles de uma vez?" (tradução

nossa).

13 Inglês - To give the reader a yet clearer view of

the nature of abstract ideas, and the uses they are thought

necessary to, I shall add one more passage out of the Essay

on Human Understanding, (IV. vii. 9) which is as follows:

"Abstract ideas are not so obvious or easy to children or the

yet unexercised mind as particular ones. If they seem so to

grown men it is only because by constant and familiar use

they are made so. For, when we nicely reflect upon them,

we shall find that general ideas are fictions and

contrivances of the mind, that carry difficulty with them,

and do not so easily offer themselves as we are apt to

imagine. For example, does it not require some pains and

skill to form the general idea of a triangle (which is yet

none of the most abstract, comprehensive, and difficult); for

it must be neither oblique nor rectangle, neither equilateral,

equicrural, nor scalenon, but all and none of these at once?

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

46 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

In effect, it is something imperfect that cannot exist, an idea

wherein some parts of several different and inconsistent

ideas are put together. It is true the mind in this imperfect

state has need of such ideas, and makes all the haste to them

it can, for the conveniency of communication and

enlargement of knowledge, to both which it is naturally

very much inclined. But yet one has reason to suspect such

ideas are marks of our imperfection. At least this is enough

to show that the most abstract and general ideas are not

those that the mind is first and most easily acquainted with,

nor such as its earliest knowledge is conversant about."- If

any man has the faculty of framing in his mind such an idea

of a triangle as is here described, it is in vain to pretend to

dispute him out of it, nor would I go about it. All I desire is

that the reader would fully and certainly inform himself

whether he has such an idea or no. And this, methinks, can

be no hard task for anyone to perform. What more easy

than for anyone to look a little into his own thoughts, and

there try whether he has, or can attain to have, an idea that

shall correspond with the description that is here given of

the general idea of a triangle, which is "neither oblique nor

rectangle, equilateral, equicrural nor scalenon, but all and

none of these at once?"

HES – Berkeley novamente se volta ao texto de

John Locke, que agora defende a dificuldade de gerar idéias

abstratas, sendo isso uma tarefa de homens adultos e não de

crianças. Locke passa então a descrever a geração da idéia

abstrata geral de triângulo, que não deve possuir nenhuma

das qualidades de um triângulo, algo difícil e que mostra

nossa imperfeição. Berkeley então convida o leitor a fazer

esse exercício “incomum”.

(Moto do parágrafo: Descrição de um exemplo de

idéia abstrata geral a ser usado na argumentação seguinte

que a critica)

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

47 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Comentário HES – Após reproduzir um texto de

Locke sobre a concepção de um triângulo genérico,

Berkeley sugere que isso seja impossível. Talvez seja,

conforme consta na descrição de Locke. Mas Berkeley usou

várias vezes a palavra triângulo sabendo que o leitor

entenderia exatamente o conceito subjacente. Isto é, o leitor

não faria as perguntas sobre ângulos ou outras

propriedades. Berkeley usou o conceito para falar

genericamente. E o usou para falar contra a idéia abstrata

geral que a palavra evoca. Ou não será uma idéia abstrata

que evocamos ao mencionar a palavra triângulo em uma

conversa ou narrativa? Estaremos sempre reconfigurando

um triângulo em nossas mentes e, a partir dele, gerando o

conceito? Entretanto, não é o que parece, nessa leitura de

Locke via Berkeley, que Locke tenha dito. No momento

não é possível estabelecer se estamos caminhando junto

com Berkeley, Locke, ou em outra direção. Entretanto, após

o uso da operação de equalização da expressão “of the same

sort” para contestar a operação de desprezar o que é

particular, que são operações essencialmente semelhantes,

este iniciante prefere efetuar leituras mais demoradas antes

de concluir pelo sentido deste parágrafo no que tange às

afirmações de Berkeley sobre Locke. Note-se que a leitura,

de forma geral, é linear. Berkeley usa trechos de Locke para

dar base à sua própria forma de ver a ação mental de

percepção e idealização. O que é dubitável aqui é se os

excertos de Locke utilizados correspondem à idéia geral de

Locke, e nisso é preciso suspender o juízo tanto de Locke

como de Berkeley.

14 – Décimo-quarto parágrafo:

14 Português - Muito foi dito aqui da dificuldade

que as idéias abstratas levam com elas, e das dores e

habilidades necessárias para a formação delas. E todos

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

48 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

concordam que há necessidade de grande esforço e trabalho

mental para emancipar os nossos pensamentos a partir de

objetos particulares e elevá-los a essas especulações

sublimes que são associadas a idéias abstratas. De tudo isso

a conseqüência natural parece ser: que tão difícil coisa

como a formação de idéias abstratas não foi necessária para

a comunicação, que é tão fácil e familiar para todos os tipos

de homens. Mas, dizem, se parecem óbvias e fáceis para

homens adultos, é somente pelo uso constante e familiar

que se tornam óbvias. Agora, eu de bom grado gostaria de

saber em que momento os homens se habilitam a superar

essa dificuldade e a fornecer a si mesmos as necessárias

ferramentas para o discurso. Não pode ser quando estão já

crescidos, porque então parece que não estão conscientes de

qualquer esforço meticuloso. Portanto resta que isto seja de

responsabilidade de sua infância. E, certamente, o grande e

multifacetado trabalho de elaborar noções abstratas será

visto como uma tarefa difícil nesta tenra idade. Não é uma

coisa difícil de imaginar que um par de crianças não possa

tagarelar acerca de seus algodões-doces e chocalhos e do

resto de suas pequenas bugigangas, até que tenham

primeiro unidas as inúmeras inconsistências, e assim

elaborado em suas mentes idéias abstratas gerais, e as

agregado para qualquer nome comum que usam? (tradução

nossa).

14 Inglês - Much is here said of the difficulty that

abstract ideas carry with them, and the pains and skill

requisite to the forming them. And it is on all hands agreed

that there is need of great toil and labour of the mind, to

emancipate our thoughts from particular objects, and raise

them to those sublime speculations that are conversant

about abstract ideas. From all which the natural

consequence should seem to be, that so difficult a thing as

the forming abstract ideas was not necessary for

communication, which is so easy and familiar to all sorts of

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

49 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

men. But, we are told, if they seem obvious and easy to

grown men, it is only because by constant and familiar use

they are made so. Now, I would fain know at what time it is

men are employed in surmounting that difficulty, and

furnishing themselves with those necessary helps for

discourse. It cannot be when they are grown up, for then it

seems they are not conscious of any such painstaking; it

remains therefore to be the business of their childhood. And

surely the great and multiplied labour of framing abstract

notions will be found a hard task for that tender age. Is it

not a hard thing to imagine that a couple of children cannot

prate together of their sugar-plums and rattles and the rest

of their little trinkets, till they have first tacked together

numberless inconsistencies, and so framed in their minds

abstract general ideas, and annexed them to every common

name they make use of?

HES – Aqui Berkeley ironiza sobre a suposta

dificuldade de gerar idéias gerais abstratas, argumentando

que a comunicação com palavras é fácil para qualquer ser

humano, sem ser necessária a formação de idéias abstratas

gerais. Acerca do momento em que o ser humano passa a

poder discursar, Berkeley, considerando a necessidade da

consciência da dificuldade, conclui que isto deve ser tarefa

da infância. Nesse caso, uma conversa entre crianças seria

possível apenas após as idéias abstratas terem sido geradas,

permitindo assim a comunicação entre elas, algo difícil de

imaginar.

(Moto do parágrafo: Contraposição às afirmações de

Locke, a partir de consequências dessas afirmações)

Comentário HES – Berkeley caminha no sentido de

que as palavras são “simples” e que qualquer letrado ou

iletrado as usa sem qualquer dificuldade. Não há esforços

no sentido de formar idéias abstratas gerais antes de usá-las.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

50 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

Este iniciante sem dúvida concorda com Berkeley quanto

ao uso de um conceito sedimentado, autor este que efetuou

estudo tão profundo (parafraseando o seu estilo). Apenas

não ficou claro se Locke de fato supõe que seja necessário

efetuar este esforço em cada momento de uma conversação.

Nas palavras de Berkeley, outros (talvez Locke) afirmam

que o hábito conduz ao uso simples. What the heck! Ainda

que seja algo contestável, é preciso ir mais adiante na

argumentação antes de apontar para a sua incorreção. Ao

mencionar a infância e os trabalhos mentais que as crianças

teriam que executar antes de entabular uma conversação

utilizando idéias gerais abstratas, Berkeley emite uma

opinião. Mas é apenas uma opinião. Não há status de

ciência ou de verdade em seus argumentos. Este iniciante

preferiria antes buscar estudos sobre o aprendizado da

linguagem e da lógica nos humanos, para argumentar sobre

a evolução dos conceitos e do domínio das línguas entre os

humanos. É sabido que há um período de percepção das

palavras e de crescimento intelectual intenso do recém-

nascido. Ele não nasce falando e com as conexões da

realidade já estabelecidas (o que é quente, o que é molhado,

o que é claro, o que é escuro, etc.) Assim, há um período

em que as “respostas” do meio são catalogadas e

processadas, para então se passar à comunicação e interação

(de eterno aprendizado, se me é permitida também uma

opinião) com o meio. E o uso da palavra está sendo

processado nesta tenra fase. Se o adjetivo “abstrato” se

aplica ao resultado do trabalho mental do recém-nascido e

da criança em seus primeiros meses, este iniciante necessita

de mais base para argumentar. Mas também Berkeley a

teria necessitado. No contexto de sua época, entretanto,

essas informações não estavam disponibilizadas como

“conhecimento”, o que nos mostra, reiteradamente, que o

autor é um vínculo entre suas idéias e seu momento

histórico.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

51 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

15 – Décimo-quinto parágrafo:

15 Português - Também não penso que elas sejam

em qualquer medida mais necessárias para a ampliação do

conhecimento do que para a comunicação. Sei tratar-se de

um ponto muito enfatizado, de que todo o conhecimento e

demonstração são acerca de noções universais, com o que

concordo plenamente: mas daí não me parece que essas

noções sejam formadas pela abstração da forma como foi

proposto (pressuposto) – universlidade, tanto quanto eu

possa compreender, não consiste na natureza absoluta,

positiva ou na concepção de qualquer coisa, mas sim na

relação que mantém com os elementos significados ou

representados por elas; em virtude disso é que as coisas,

nomes, ou noções, sendo particulares em sua própria

natureza, são convertidos em universais. Assim, quando eu

demonstrar qualquer proposição sobre triângulos, é de se

supor que eu tenha em vista a idéia universal de um

triângulo, o que não deve ser entendido como se eu pudesse

formar uma idéia de um triângulo que não seja nem

equilátero, nem escaleno, nem isósceles, mas apenas que o

triângulo particular que eu venha a considerar, seja desta ou

daquela espécie, não importa, podendo igualmente

substituir ou representar todos os triângulos retilíneos,

sendo nesse sentido universal. Tudo isso parece muito

simples e não inclui qualquer dificuldade em si mesmo.

15 Inglês - Nor do I think them a whit more needful

for the enlargement of knowledge than for communication.

It is, I know, a point much insisted on, that all knowledge

and demonstration are about universal notions, to which I

fully agree: but then it doth not appear to me that those

notions are formed by abstraction in the manner premised -

universality, so far as I can comprehend, not consisting in

the absolute, positive nature or conception of anything, but

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

52 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

in the relation it bears to the particulars signified or

represented by it; by virtue whereof it is that things, names,

or notions, being in their own nature particular, are

rendered universal. Thus, when I demonstrate any

proposition concerning triangles, it is to be supposed that I

have in view the universal idea of a triangle; which ought

not to be understood as if I could frame an idea of a triangle

which was neither equilateral, nor scalenon, nor equicrural;

but only that the particular triangle I consider, whether of

this or that sort it matters not, doth equally stand for and

represent all rectilinear triangles whatsoever, and is in that

sense universal. All which seems very plain and not to

include any difficulty in it.

HES – Berkeley menciona que idéias gerais são

importantes para o conhecimento e para a comunicação e

confirma a noção de que conceitos são relevantes. Nesse

caso, o conceito universal de triângulo é apresentado com

sua simplicidade, já existente como conceito. A isso já foi

referido no comentário do 13º parágrafo. A simplicidade do

conceito, ou da idéia universal, aqui colocada substituindo a

idéia “abstrata” (ou não?) geral, é enfatizada ao final do

parágrafo.

(Moto do parágrafo: Retomada da descrição do

triângulo sem características de triângulo. Ênfase na

simplicidade de idéias universais)

Comentário HES –. Considerando o dito no

comentário do 13º parágrafo, parece que caminhamos no

mesmo sentido que Berkeley. A leitura de Locke, nos

parágrafos escolhidos por Berkeley, entretanto, não permite

concluir se Locke descreve a formação inicial do conceito,

ou se é necessário efetuarmos as operações continuamente.

A conversão das coisas particulares em universais é

defendida como sendo diferente da abstração anteriormente

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

53 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

descrita (aqui Berkeley evita o uso de “idéia geral” ou de

“idéia abstrata geral” – parece que o termo universal desvia

da questão da abstração). Há, é dito, uma relação entre a

idéia geral e os elementos a que dá significado. Mais uma

vez essa relação está oculta nas palavras usadas. Sim,

porque afinal como essa relação se impõe? Não terá sido

isso o que Locke estava tentando desvendar? (Se conseguiu

ou não é uma outra questão). Apenas dizer que há uma

relação subentende, nesta altura do texto, que essa relação

considera algo comum entre a idéia geral (que não é

abstrata, segundo Berkeley) e o elemento ou o conjunto de

todos os elementos que ela possa representar. Como já foi

comentado anteriormente, isso passa pela palavra “same”,

ou seja, há uma operação de equalização, que Berkeley não

evidencia.

16 – Décimo-sexto parágrafo:

16 Português - Mas aqui se exige explanar: como

podemos saber que qualquer proposição para todos os

triângulos particulares possa ser verdadeira, exceto que

tenhamos primeiro visto demonstrada a idéia abstrata de um

triângulo que também concorda com todos? Por que, se

pode ser demonstrado que uma propriedade concorda com

um triângulo particular, não seguirá daí que igualmente

pertença a qualquer outro triângulo, que em todos os

aspectos não será similar ao primeiro. Por exemplo, tendo

demonstrado que os três ângulos de um triângulo isósceles

retangular igualam dois retos, não posso daí concluir que

esta propriedade concorde com todos os demais triângulos

que não têm nem um ângulo reto nem dois lados iguais.

Parece, portanto, que, para ter certeza de que esta

proposição é uma verdade universal, temos que fazer uma

demonstração especial para cada triângulo particular, o que

é impossível, ou, de uma vez por todas, demonstrá-la para a

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

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idéia abstrata de um triângulo, em que todos os elementos

indiferentemente participam e pela qual todos estão

igualmente representados. Ao que eu respondo, que,

embora a idéia que tenho em vista enquanto faço a

demonstração ser, por exemplo, a de um triângulo isósceles

retangular cujos lados são de um comprimento

determinado, posso, contudo, ter a certeza de que se estende

a todos os demais triângulos retilíneos, de qualquer tipo ou

tamanho. E isso porque nem o ângulo reto, nem a

igualdade, nem determinado comprimento dos lados estão

por fim envolvidos na demonstração. É verdade que o

esquema que tenho em vista inclui todos estes detalhes, mas

não há a menor menção deles na prova da proposição. Não

se disse que os três ângulos são iguais a dois retos porque

um deles é um ângulo reto, ou porque os lados que o

englobam são do mesmo comprimento. Isto mostra

suficientemente que o ângulo reto poderia ter sido oblíquo,

e os lados desiguais, e para todas (as variações) a

demonstração teria se mantido bem. E por isso é que eu

concluo que é verdade para qualquer triângulo obliquângulo

ou escaleno aquilo que demonstrei para um triângulo

retângulo isósceles em particular, e não porque eu

demonstrei a proposição da idéia abstrata de um triângulo.

E aqui se deve reconhecer que um homem pode considerar

uma figura meramente como triangular, sem atentar para as

qualidades particulares dos ângulos, ou relações dos lados.

Até aqui ele pode abstrair, mas isso “nunca” prova que ele

pode gerar uma idéia abstrata geral, inconsistente de um

triângulo. De maneira semelhante, podemos considerar

Pedro tanto como homem, ou como como animal, sem

engendrar a mencionada idéia abstrata de homem ou

animal, na medida em que tudo o que é percebido não é

considerado.

16 Inglês - But here it will be demanded, how we

can know any proposition to be true of all particular

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

55 São Carlos, 2012.

Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

triangles, except we have first seen it demonstrated of the

abstract idea of a triangle which equally agrees to all? For,

because a property may be demonstrated to agree to some

one particular triangle, it will not thence follow that it

equally belongs to any other triangle, which in all respects

is not the same with it. For example, having demonstrated

that the three angles of an isosceles rectangular triangle are

equal to two right ones, I cannot therefore conclude this

affection agrees to all other triangles which have neither a

right angle nor two equal sides. It seems therefore that, to

be certain this proposition is universally true, we must

either make a particular demonstration for every particular

triangle, which is impossible, or once for all demonstrate it

of the abstract idea of a triangle, in which all the particulars

do indifferently partake and by which they are all equally

represented. To which I answer, that, though the idea I have

in view whilst I make the demonstration be, for instance,

that of an isosceles rectangular triangle whose sides are of a

determinate length, I may nevertheless be certain it extends

to all other rectilinear triangles, of what sort or bigness

soever. And that because neither the right angle, nor the

equality, nor determinate length of the sides are at all

concerned in the demonstration. It is true the diagram I

have in view includes all these particulars, but then there is

not the least mention made of them in the proof of the

proposition. It is not said the three angles are equal to two

right ones, because one of them is a right angle, or because

the sides comprehending it are of the same length. Which

sufficiently shows that the right angle might have been

oblique, and the sides unequal, and for all that the

demonstration have held good. And for this reason it is that

I conclude that to be true of any obliquangular or scalenon

which I had demonstrated of a particular right-angled

equicrural triangle, and not because I demonstrated the

proposition of the abstract idea of a triangle And here it

must be acknowledged that a man may consider a figure

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

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merely as triangular, without attending to the particular

qualities of the angles, or relations of the sides. So far he

may abstract; but this will never prove that he can frame an

abstract, general, inconsistent idea of a triangle. In like

manner we may consider Peter so far forth as man, or so far

forth as animal without framing the fore-mentioned abstract

idea, either of man or of animal, inasmuch as all that is

perceived is not considered.

HES – Berkeley abusa do exemplo de Locke do

triângulo, adaptando-o aos seus argumentos. Talvez melhor

seja que o leitor leia o comentário HES seguinte.

(Moto do parágrafo: Mais uma retomada da

descrição do triângulo. Ênfase da não necessidade da

abstração)

Comentário HES – Berkeley parte para defender a

sua proposta, ou o seu ponto de vista contrário à abstração,

utilizando a idéia do triângulo no que tange á soma de seus

ângulos. Esta é uma argumentação que se fundamenta em

uma verdade sob qualquer interpretação. O triângulo plano

tem sua propriedade de seus ângulos somarem em geral.

É uma “tautologia no sentido geométrico”. Se quisermos

particularizar a interpretação como sendo dos triângulos

isósceles, a tautologia valerá. Se for a interpretação dos

escalenos, a tautologia valerá, e assim por diante. Afirmar

isso de um triângulo é afirmar isso sempre. Berkeley faz

então suas afirmações paralelas e associa suas idéias de

abstração às conclusões do triângulo que, nesse aspecto,

sempre serão verdadeiras. Não se trata de uma

demonstração. É um artifício retórico. Nesse caso

específico, é o uso de uma “tautologia” em benefício de

suas afirmações. Do pouco que foi dado a conhecer do texto

de Locke, este autor busca explicar um caminho para a

formação da idéia do triângulo, e não usa as propriedades

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

57 São Carlos, 2012.

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do triângulo para justificar suas idéias. Berkeley sabe de

antemão que a soma dos ângulos de um triângulo igual a

dois ângulos retos (como todos sabemos). Portanto, isso

não é um argumento para qualquer proposição (mas

Berkeley com isso justifica suas idéias). A construção feita

é, de forma simplificada, isto:

Premissa Condicional 1: A pedra cai para cima se os

ângulos de um triângulo somarem dois retos.

Premissa 2: A soma dos ângulos de um triângulo

iguala dois retos.

Conclusão: Portanto a pedra cai para cima.

Poderia ter sido construída uma argumentação sobre

outras propriedades de triângulos, que não são gerais.

Poderia ter sido dito que há triângulos em que o

comprimento de um lado elevado ao quadrado produz como

resultado a soma dos comprimentos dos outros dois lados

elevados ao quadrado. Em que medida isso conduz a uma

idéia geral? Seria essa uma idéia geral “concreta”? Ou isso

exige alguma “abstração”? O termo “universal” resolve

isso? Trata-se apenas de usar ou não a palavra “abstrata”?

Berkeley termina seu parágrafo considerando “na

medida em que tudo o que é percebido não é considerado”.

Parece uma preparação para o seu “ser é ser percebido”.

Entretanto, a percepção do triângulo aqui exemplificada

considerou o “ser” mais geral com suas propriedades já

conhecidas e estabelecidas. Nesse contexto, Berkeley

mostrou que “perceber é perceber o sido”, ou seja, perceber

o que já é, o que já está definido, com suas propriedades

perfeitamente estabelecidas. Melhor teria sido não usar uma

tautologia.

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Berkeley: Argumentando com tautologias: perceber é perceber o sido, Harry Edmar Schulz

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Aposto aos parágrafos décimo a décimo-sexto:

O texto pode ser resumido, nisto que talvez

possamos denominar de segundo movimento, observado

nos parágrafos décimo a décimo-sexto, em três momentos

(está-se resumindo a leitura dogmática, não os

comentários):

1) Negação da abstração, conforme defendida

anteriormente;

2) Introdução de John Locke para exemplificar a

defesa da abstração, com fixação no uso da palavra;

3) Negação do sentido do exemplo de Locke. Tanto

o exemplo da palavra como gerada pelos esforços de

abstração descritos, sendo esta usada pelos mais simples e

pelas crianças, como o exemplo do triângulo.

O texto desses parágrafos termina em tom de

expectativa: qual será o próximo passo na argumentação de

Berkeley? Ele partiu de um pressuposto, de que a mente

tinha dificuldades para o entendimento da natureza das

coisas. Discorreu sobre as convicções de autores

precedentes, para os quais a mente gera abstrações, mas isto

seria uma “ação mental” para os letrados, ficando a plebe

ignara (em maior número) livre dessas necessidades de

abstrações.

Posteriormente Berkeley se coloca de forma

contrária a este ponto de vista, utilizando agora o exemplo

de John Locke, talvez um “abstracionista convicto”,

mostrando que as afirmações de Locke não são verificáveis

na prática (para Berkeley). Isso é apresentado com o

exemplo da palavra para as crianças e para o exemplo da

soma dos ângulos de um triângulo. Entretanto, o texto ainda

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não apresenta a própria idéia de Berkeley. Daí estes

parágrafos terminarem em um tom de expectativa. Isto está

ilustrado na figura 2.

Figura 2: O movimento do texto parágrafos décimo a décimo-sexto,

conforme descrito no “aposto aos parágrafos décimo a décimo-sexto”

(vide texto).

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Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

17 – Nota final:

O texto lido é interessante. A sua continuação

deverá ser efetuada nos estudos subsequentes do Projeto:

Humanização como ferramenta de aumento de interessa nas

exatas.

Em termos de estratégia de ensino, ou de

transmissão de idéias complexas, o que se observa é a

apresentação de uma contestação e, posteriormente, o uso

de passagens de terceiros (que parecem ser particulares, ou

seja, restrita a uma visão do autor original) para construir

uma argumentação em defesa dessa posição contestatória.

Os argumentos, entretanto, são mais opinativos e, quando

deveriam ser fundamentados em uma base diferente,

utilizam-se de omissões (no caso, por não mostrar que há

uma operação de equalização ao utilizar “same”) ou de

construções efetuadas com paralelismo a tautologias (o

exemplo da pedra que cai para cima explica o que foi

entendido da leitura). Para a área de exatas os argumentos

retóricos atrapalham, a menos que de fato se baseiem em

eventos demonstráveis.

De forma geral, o texto emana um “espírito de

época”, tanto pelas menções dos iletrados, como pela

própria descrição do problema abordado. Uma leitura

dogmática foi feita (atestada pelos resumos), mas o

contexto genético foi também explorado, no sentido de

evidenciar que podemos pensar diferente hoje.

Berkeley cunhou a expressão “ser é ser

percebido”. A leitura aqui feita considera aspectos que

sugerem uma posição atingida em que “perceber é perceber

o sido”, algo talvez elementar. Entenda-se esta forma de

colocar as conclusões como a evolução desta leitura que

questiona. Outros poderão concluir diferentemente.

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Projeto:Humanização como ferramenta de aumento de interesse nas exatas

18 – Referência Bibliográfica:

Berkeley, George. A treatise concerning the

principles of human knowledge, p. 3-6. Obtido de http://philosophy.eserver.org/berkeley.html em 20/11/2012.

Imagem da capa:

O retrato de Berkeley foi trabalhado para parecer forjado

em baixo-relevo. Tem-se dois retratos, um percebido de

forma impressionista e outro de forma quase

expressionista. Trata-se de um jogo figurativo das duas

construções vinculadas às leituras efetuadas: ser é ser

percebido, perceber é perceber o sido.