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CAPÍTULO 15 ÁREAS DE MAIOR ESPECIALIZAÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL E IDENTIFICAÇÃO DE SUAS ATUAIS INSTITUIÇÕES LÍDERES Paulo A. Meyer M. Nascimento 1 1 INTRODUÇÃO O Brasil experimentou nas últimas décadas um contínuo e intenso crescimento de sua participação relativa no número de artigos publicados em periódicos indexados internacionalmente. Atribui-se muito desse sucesso a décadas de investimentos de governos federais e estaduais no desenvolvimento de recursos humanos e de infraestruturas de pesquisa (Almeida e Guimarães, 2013; Brito Cruz e Chaimovich, 2010). No entanto, na maioria das áreas de conhecimento, os indicadores de impacto sugerem que os artigos assinados por autores sediados no país são de reduzida visibilidade internacional (Zago, 2011). Ademais, dados de bases bibliométricas internacionais (como ISI/Web of Science ou Scopus) começam a sinalizar, a partir do fim da década de 2000, certo esgotamento do potencial de expansão da produção científica brasileira. Diante desta tendência, é possível que as políticas com foco na formação de uma diversificada e sólida base científica nacional tenham alcançado a maturidade depois de cinco ou seis décadas de esforços, ao menos em termos da quantidade de artigos publicados. Partindo desse pressuposto, este capítulo busca identificar as áreas em que a base científica brasileira está – ou tenha potencial de vir a estar – na fronteira internacional ou próxima dela. Para tanto, utiliza dados do ISI/Web of Science para calcular uma medida de vantagem comparativa revelada, sem antes deixar de mostrar o salto quantitativo das últimas décadas e a tendência recente à estabilização. Daí, analisa um conjunto de indicadores na tentativa de sinalizar se efetivamente o país já é referência global ou seguidor nas áreas em que tem especialização relativa. São analisados particularmente o grau de participação do Brasil nessas áreas, a visibilidade internacional de sua produção, o impacto dos artigos publicados com 1. Técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura (Diset) do Ipea e doutorando em economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). O autor agradece pelos comentários, pelas críticas e pelas sugestões dos pareceristas Lucas Mation e Lenita Maria Turchi. As eventuais inconsistências, os erros e as omissões porventura remanescentes são de inteira responsabilidade do autor.

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CAPÍTULO 15

ÁREAS DE MAIOR ESPECIALIZAÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL E IDENTIFICAÇÃO DE SUAS ATUAIS INSTITUIÇÕES LÍDERES

Paulo A. Meyer M. Nascimento1

1 INTRODUÇÃO

O Brasil experimentou nas últimas décadas um contínuo e intenso crescimento de sua participação relativa no número de artigos publicados em periódicos indexados internacionalmente. Atribui-se muito desse sucesso a décadas de investimentos de governos federais e estaduais no desenvolvimento de recursos humanos e de infraestruturas de pesquisa (Almeida e Guimarães, 2013; Brito Cruz e Chaimovich, 2010). No entanto, na maioria das áreas de conhecimento, os indicadores de impacto sugerem que os artigos assinados por autores sediados no país são de reduzida visibilidade internacional (Zago, 2011). Ademais, dados de bases bibliométricas internacionais (como ISI/Web of Science ou Scopus) começam a sinalizar, a partir do fim da década de 2000, certo esgotamento do potencial de expansão da produção científica brasileira.

Diante desta tendência, é possível que as políticas com foco na formação de uma diversificada e sólida base científica nacional tenham alcançado a maturidade depois de cinco ou seis décadas de esforços, ao menos em termos da quantidade de artigos publicados.

Partindo desse pressuposto, este capítulo busca identificar as áreas em que a base científica brasileira está – ou tenha potencial de vir a estar – na fronteira internacional ou próxima dela. Para tanto, utiliza dados do ISI/Web of Science para calcular uma medida de vantagem comparativa revelada, sem antes deixar de mostrar o salto quantitativo das últimas décadas e a tendência recente à estabilização. Daí, analisa um conjunto de indicadores na tentativa de sinalizar se efetivamente o país já é referência global ou seguidor nas áreas em que tem especialização relativa. São analisados particularmente o grau de participação do Brasil nessas áreas, a visibilidade internacional de sua produção, o impacto dos artigos publicados com

1. Técnico de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura (Diset) do Ipea e doutorando em economia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). O autor agradece pelos comentários, pelas críticas e pelas sugestões dos pareceristas Lucas Mation e Lenita Maria Turchi. As eventuais inconsistências, os erros e as omissões porventura remanescentes são de inteira responsabilidade do autor.

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pesquisadores de outros países e o desempenho das instituições nacionais mais produtivas comparativamente a potenciais benchmarks globais. Busca-se, com isso, fornecer instrumentos objetivos para a identificação de possíveis áreas estratégicas nacionais em termos de competências científicas.

Dentro de tal perspectiva, este capítulo está organizado em sete seções, sendo a primeira esta introdução. A seção 2 traz algumas considerações acerca dos limites e das possibilidades da base de dados utilizada. A seção 3 reporta dados que traçam uma evolução da produção científica brasileira nas últimas décadas. A seção 4 apresenta um indicador de vantagens comparativas reveladas que, aplicado aos dados de produção científica levantados, sinaliza as áreas de maior especialização científica do Brasil. As seções 5 e 6 fazem uma análise, a partir de indicadores objetivos, do desempenho do país e das suas principais instituições em comparação com potenciais benchmarks globais, nas áreas de maior especialização científica do Brasil. A seção 7 traz as considerações finais.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A FONTE DE DADOS

Para proceder à presente análise da produção científica brasileira, recorreu-se à base da Thomson Reuters (ISI) Web of Science. Trata-se de uma plataforma disponível para assinantes do portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Nela é possível prospectar informações sobre os artigos publicados em mais de 7 mil periódicos, cada um dos quais associado a pelo menos uma entre mais de 150 disciplinas. Estas, por sua vez, são reunidas em cinco categorias de áreas de pesquisa: artes e humanidades; ciências da vida e biomedicina; ciências físicas; ciências sociais; e tecnologia. São analisadas neste capítulo as disciplinas classificadas nas três categorias mais relacionadas ao desenvolvimento tecnológico: ciências da vida e biomedicina, ciências físicas e tecnologia.

Ressalte-se que, embora tenha a vantagem de permitir tanto comparações internacionais em nível agregado quanto análises bibliométricas de campos de estudo específicos (Hollanders e Soete, 2010), bases como a Web of Science (e também sua principal concorrente, a Scopus) são vistas por alguns com reservas. A principal razão é o seu potencial viés anglo-saxão na definição dos periódicos a serem indexados (Archibugi e Coco, 2004), deixando muitas vezes de fora periódicos locais que podem ser canais importantes de difusão de novos conhecimentos relevantes a países em desenvolvimento (Brito Cruz e Chaimovich, 2010). De todo modo, artigos científicos indexados internacionalmente são a parte mais visível da produção científica capaz de influenciar globalmente os rumos da ciência (Archibugi e Coco, 2004).2

2. Esforços existem para desenvolver sistemas de indexação que privilegiem periódicos editados em países em desenvolvimento. Um exemplo disso é a Scielo. Recorrer a bases como a Scielo, contudo, significa passar a desconsiderar os periódicos editados nos países desenvolvidos. Além disso, a própria Scielo já está incorporada ao Web of Science.

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As buscas são feitas diretamente no portal Web of Science. Alguns resultados podem ser posteriormente extraídos do portal em determinados formatos de arquivo. Este é o caso dos dados referentes, por exemplo, ao ano das publicações, ao nome dos periódicos, às disciplinas a que estão associadas, às agências finan-ciadoras e aos autores do estudo (nome do autor, organização a que está afiliado e país do seu endereço de correspondência). O portal fornece informação limitada, contudo, quanto ao número de citações por artigo. Apesar de ser um dado essencial para estudos bibliométricos, o número de citações só é fornecido em relatórios que o portal gera automaticamente para buscas que resultem em, no máximo, 10 mil observações.3 Isto é uma limitação de relevo, tendo em vista que em buscas por disciplinas e por países seja comum ultrapassar esse limite, mesmo quando é restringida a busca para um único ano de publicação.

Para este trabalho foram feitas buscas avançadas no Web of Science Core Collection (principal base de artigos publicados disponível no portal). A atualização do portal é permanente, sendo artigos e periódicos constantemente incorporados, inclusive de anos passados. Os dados apresentados neste trabalho referem-se à atualização informada pelo portal até 7 de novembro de 2014. As buscas foram feitas inicialmente por ano de publicação e posteriormente refinadas, a depender do dado a ser reportado, por área de pesquisa, instituição de afiliação dos autores e país do endereço de correspondência por eles informado na publicação. Na terminologia do portal, são esses respectivamente os campos de year published (PY), research area (SU), organization-enhanced (OG) e country (CU).

Com essas quatro variáveis de refinamento, foram levantados os dados necessários para gerar os indicadores relacionados à participação relativa e à vantagem comparativa revelada. Já o indicador de número de artigos por milhão de habitantes (seção 3) demandou recorrer adicionalmente a dados divulgados pelo Banco Mundial sobre população. Por fim, o índice H (seção 5) é calculado automaticamente pelo portal Web of Science, quando o número de observações não ultrapassa 10 mil e o portal consegue gerar relatórios de citações.

3 OS AVANÇOS DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA NAS ÚLTIMAS DÉCADAS

A expressiva escalada da produção científica brasileira nas últimas décadas é fato já disseminado em diversas publicações e relatórios de organismos internacionais (Almeida e Guimarães, 2013; Brito Cruz e Chaimovich, 2010; Helene e Ribeiro, 2011; King, 2009; Leite, Mugnaini e Leta, 2011; Regalado, 2010). Os dados

3. A Thomson Reuters permite acesso mais amplo a dados sobre citações apenas por meio de outras ferramentas que oferece, em especial o Essential Science Indicators (ESI) e o Incites. Essas ferramentas, contudo, requerem assinaturas à parte e não estavam disponíveis para a elaboração deste trabalho. Além disso, seu ambiente on-line não é perfeitamente compatível com a ferramenta do Web of Science. As buscas são geradas em um formato diferente, sendo que no caso do ESI há o agravante de ser diferente a classificação disponível das áreas de pesquisa.

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apresentados no gráfico 1 mostram que o crescimento da participação brasileira, embora pareça desacelerar a partir do final da década de 2000, propiciou uma mudança de patamar da produção científica no Brasil.

GRÁFICO 1Número de artigos por milhão de habitantes (Brasil e mundo) e participação na produção científica mundial (Brasil) – 1991 a 2013

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2002

Participação de artigos brasileiros na produção científica mundial (%)

Brasil – número artigos por milhão de habitantes

Mundo – número de artigos por milhão de habitantes

Fonte: ISI/Web of Science e World Development Indicators. Elaboração do autor.

Como se vê no gráfico 1, a partir de 2010 a relação de artigos publicados por milhão de habitantes é maior no Brasil do que a mesma relação calculada com dados globais. Isto significa que os pesquisadores sediados no país conseguem atualmente publicar proporcionalmente mais artigos em periódicos internacionais do que o fazem seus pares espalhados pelo mundo. No início da década de 1990, esse indicador era mais do que quatro vezes superior para o resto do mundo do que para o Brasil. Passadas duas décadas de catching up, a ciência brasileira passa a exibir produtividade, medida em número de artigos por milhão de habitantes, mais elevada que a média global. Não por acaso, entre 1991 e 2013 a participação nacional na produção científica internacional saiu de pouco menos de 0,7% para quase 3%.

Esse crescimento mostra-se relativamente homogêneo durante a década de 1990 entre os três grandes campos de conhecimento aqui tomados para análise, mas a partir dos anos 2000 é o campo das ciências da vida e biomedicina que impulsiona o crescimento da produção científica nacional. Tal cenário é ilustrado pelo gráfico 2.

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GRÁFICO 2Participação na produção científica mundial, por campo do conhecimento do ISI/Web of Science – Brasil (1991 a 2013)

0

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0,01

0,015

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Ciências da vida e biomedicina Ciências físicas Tecnologia

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2010

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2012

2013

Fonte: ISI/Web of Science. Elaboração do autor.

Percebe-se no gráfico 2 um salto conjunto e quase que paralelo dos três campos de co-nhecimento entre meados da década de 1990 e princípios da década de 2000. Esse movimento reflete-se no formato exponencial que se vê na curva do gráfico 1 nos períodos 1993-1994 e 2002-2003. A partir daí uma nova tendência exponencial se verifica na curva do gráfico 1, desta vez puxada, como se pode perceber com a observação do gráfico 2, pelo campo das ciências da vida e biomedicina. O segundo salto exponencial do gráfico 1 mantém-se até aproximadamente 2008. Nesse mesmo ano, o gráfico 2 mostra que a participação do Brasil nas áreas de ciências da vida e biomedicina reduz seu crescimento – e uma tendência à estabilização se verifica a partir de 2011. A participação nas áreas de ciências físicas e de tecnologia ainda cresce durante os anos 2000, porém indicando uma tendência de estabi-lidade, quando os dados são analisados em conjunto com os referentes à década de 1990.

É possível, pois, que a base científica brasileira esteja alcançando uma estabili-dade em termos de participação na produção mundial de artigos científicos. Pode ser que isto seja reflexo de certa maturidade das comunidades científicas estabelecidas no país, e que, daqui para a frente, mantendo tudo o mais constante, sejam cada vez menores as possibilidades de avanços substanciais da base científica nacional em termos de participação do país na produção científica mundial.

Esse possível amadurecimento em termos de participação relativa, entretanto, não veio acompanhado de visibilidade na mesma magnitude. Zago (2011) destaca que, embora a pesquisa brasileira tenha tido um progresso quantitativo significativo nas últimas décadas, o progresso qualitativo foi menos expressivo e seu impacto

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internacional ainda é reduzido, prosseguindo distante de países líderes. Com efeito, a posição relativa do Brasil desce vários degraus quando são considerados apenas os artigos mais citados. Esse cenário repete-se mesmo quando o recorte recai sobre a área de ciências da vida e biomedicina, na qual o boom de artigos brasileiros foi mais intenso na última década. O gráfico 3 ilustra isso.

GRÁFICO 3Posição relativa dos 25 países de maior participação relativa antes e depois de serem considerados apenas os 5 mil artigos mais citados (1991 a 2013)3A – Todas as áreas

Estados Unidos

Japão

Alemanha

China

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Itália

Espanha

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Rússia

Austrália

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Holanda

Brasil

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Polônia

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1991

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Posição relativa quando são considerados todos os artigos publicados entre 1991 e 2013 e indexados no Web of Science

3B – Apenas artigos publicados na área de ciências da vida e biomedicina

Estados Unidos

Japão

AlemanhaInglaterra

FrançaCanadá

China

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Austrália

Espanha

Holanda

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Índia

Suiça

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Turquia

Bélgica

DinamarcaEscócia

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Polônia

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Rússia

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051015202530

Posição relativa quando são considerados todos os artigos relacionados a ciências da vida e biomedicina publicados

entre 1991 e 2013 e indexados no Web of Science

Posi

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Fonte: ISI/Web of Science. Elaboração do autor.

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Os gráficos 3A e 3B mostram que a base científica brasileira torna-se menos relevante quando o ranqueamento passa a ser feito levando em conta apenas os 5 mil artigos mais citados no período de 1991 a 2013. Isto ocorre tanto quando são considerados todos os artigos indexados no Web of Science, como quando são analisados apenas os artigos classificados em áreas de ciências da vida e biomedicina. No primeiro caso (gráfico 3A), o Brasil sai da 15a para a 24a posição; no segundo (gráfico 3B), sai da 12a para a 21a .

Pode-se fazer uma interpretação conjunta dos gráficos 1, 2 e 3 que delineie, em termos gerais, a base científica nacional. Tendo ganhado escala nos últimos vinte anos, ela deixou de ser pouco expressiva em termos de publicação de artigos científicos indexados internacionalmente para consolidar o Brasil como um país de porte médio nesse quesito. Os ganhos de escala ocorreram em todas as áreas, mas na última década foram substan-cialmente mais expressivos na área de ciências da vida e biomedicina. No entanto, o salto quantitativo não foi acompanhado por um progresso qualitativo na mesma magnitude. A pesquisa brasileira ainda tem, de modo geral, reduzida visibilidade internacional.

Novos saltos quantitativos e progressos qualitativos exigirão uma mudança nos pa-drões de organização e de gestão da produção científica e tecnológica (Zago, 2011). Nessa ótica, o estágio seguinte passaria por políticas de otimização da infraestrutura científica instalada, fomentando redes de visibilidade internacional e, para além da produção de artigos, incentivando o desenvolvimento de novos produtos, processos e tecnologias. Por essa ótica, a identificação de especializações científicas nacionais pode contribuir para a definição de possíveis “áreas estratégicas” em futuras políticas de ciência e tecnologia.

4 ÁREAS DE ALTÍSSIMA E DE ALTA ESPECIALIZAÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL ENTRE 2009 E 2013

O índice de especialização científica utilizado neste trabalho será a medida de vantagem comparativa revelada (VCR)4 proposta por Lattimore e Revesz (1996) e utilizada por Chaves e Póvoa (2009) e por Nascimento (2012). Essa medida é dada por:

Em que:

A = número de artigos;i = país;N = totalidade de países;j = área;J = totalidade de áreas.

4. Scientific Revealed Comparative Advantagem (SRCA).

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A medida de VCR remete à especialização científica sob duas perspectivas: i) participação de um país no total de artigos de uma área de pesquisa em relação à par-ticipação deste mesmo país no total global de artigos de todas as áreas; e ii) participação de um país na publicação de artigos de uma determinada área de pesquisa em relação à parcela que o conjunto de artigos publicados naquela área representa do total de artigos indexados em todas as áreas. Se apresentar valor acima de 1, revelará uma vantagem comparativa do país i na área j, sendo tanto maior essa vantagem quanto maior for o valor que assume a medida. VCR igual a 1 significa que a quantidade de artigos da área j publicada por pesquisadores do país i segue o padrão médio global. Valores abaixo de 1 sinalizam que a base científica nacional não é especializada naquela área.

Remete-se neste trabalho o parâmetro J (totalidade de áreas) às áreas de um mesmo campo do conhecimento. Assim, a medida de VCR de uma área terá como parâmetro J as 75 áreas das ciências da vida e biomedicina ou as dezessete áreas das ciências físicas ou as 21 relacionadas à tecnologia, a depender do campo do conhecimento em que esteja classificada a área i. Recomenda-se que essa mesma estratégia seja adotada em análises com outras agregações de campo do conhecimento – por exemplo, quando classificando as áreas de acordo com a tabela do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O objetivo com isto é reduzir eventuais distorções decorrentes da possibilidade de que algumas áreas historicamente disponham de mais veículos indexados, contenham comunidades científicas mais numerosas e/ou apresentem maior propensão a publicar por parte dos pesquisadores nela atuantes – ensejando, por conseguinte, maior quantidade de artigos publicados. Evidentemente que esse risco não é eliminado pelos agrupamentos feitos na base do ISI/Web of Science, especialmente no tão amplo e heterogêneo campo das ciências da vida e biomedicina. Sem a pretensão de eliminá-las, o que se busca é reduzir as distorções decorrentes da natureza heterogênea das diversas áreas de pesquisa, melhorando a qualidade do indicador de especialização.

Países com infraestrutura científica ampla e bem desenvolvida costumam apre-sentar baixos índices médios de especialização relativa, indicando que sua produção científica é bem distribuída entre as diversas áreas (Chaves e Póvoa, 2009). Dados de 2008 apresentados por Chaves e Póvoa (2009) já indicavam que o Brasil possui um perfil misto de especialização científica, por não exibir concentração em áreas homogê-neas – quando muito, um viés para o setor de saúde. Os dados levantados para este trabalho indicam que esse viés para o setor de saúde tem-se intensificado bastante e que já é possível dizer que a produção científica brasileira tem certa especialização em áreas do campo de ciências da vida e biomedicina – porquanto o Web of Science agrega nesse campo um conjunto bastante heterogêneo de áreas. Os gráficos 4A e 4B mostram o VCR do Brasil e dos cinco países que mais publicam artigos científicos.5 No gráfico 4A, o VCR refere-se ao período de 1991 a 2013; no 4B, de 2009 a 2013.

5. No quinquênio 2009-2013, os cinco países que mais publicaram artigos científicos foram, pela ordem: Estados Unidos, China, Alemanha, Japão e Inglaterra.

Áreas de Maior Especialização Científica do Brasil e Identificação de suas Atuais Instituições Líderes

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GRÁFICO 4VCR do Brasil e dos cinco países que mais publicam artigos científicos no mundo

4A – VCR para o período de 1991 a 2013

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Ciências da vida e biomedicina Ciências físicas Tecnologia

4B – VCR para o período de 2009 a 2013

00,25

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0,75

1

1,25

1,5Brasil

Estados Unidos

Inglaterra

Alemanha

Japão

China

Ciências da vida e biomedicina Ciências físicas Tecnologia

Fonte: ISI/Web of Science. Elaboração do autor.

Os índices VCR expostos nos gráficos 4A e 4B mostram que no Brasil e na China é mais notória a especialização em um ou dois campos do conhecimento (no caso do Brasil, ciências da vida e biomedicina; no da China, tanto ciências físicas quanto tecnologia). Já os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão e a Inglaterra têm perfis mais mistos, com um leve viés da base científica norte-americana para o campo de ciências da vida e biomedicina. Note-se que o viés brasileiro para esse campo tem se intensificado nos últimos anos, refletindo no gráfico 4 a evolução apresentada no gráfico 2.

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De todo modo, quando abrimos esses três campos nas suas mais de 150 áreas, em apenas cinco delas o Brasil teria altíssima ou alta especialização, reforçando que a base científica do país é diversificada. Isto pode refletir uma bem-sucedida política de longo prazo, mas a pulverização das infraestruturas disponíveis e o baixo nível de especialização das instituições de pesquisa limitam novos ganhos de escala e sua capacidade de desenvolver pesquisas de fronteira em alguma área do conhecimento. Barata et al. (2014) destacam que em quase todas as instituições brasileiras que fazem pesquisa (majoritariamente as universidades) há grupos atuando em praticamente todos os campos do conhecimento, e que as diversas comunidades científicas apresentam capacidade instalada similar. Este padrão possivelmente reflete o baixo nível de especialização das instituições de pesquisa brasileiras. Tal característica pode repercutir negativamente sobre a produtividade e a visi-bilidade das próprias comunidades científicas do país (Barata et al., 2014; Leahey, 2007).

A identificação de áreas científicas em que o país tenha competências estabe-lecidas e potencial de liderança global poderá gerar insumos para políticas focadas no desenvolvimento ou no fortalecimento de redes de colaboração envolvendo pesquisadores nacionais dessas áreas.

As tabelas 1, 2 e 3 exibem as medidas de VCR no quinquênio 2009-2013 para cada uma das áreas que o ISI/Web of Science distribui por três campos do conhecimento.

TABELA 1VCR para as áreas do campo das ciências da vida e biomedicina – Brasil (2009 a 2013)

Ciências da vida e biomedicina

VCR Ciências da vida e biomedicina VCR Ciências da vida e biomedicina VCR

Medicina tropical 5,08 Pesca 0,99 Neurociência e neurologia 0,62

Parasitologia 3,54 Psiquiatria 0,99 Bioquímica e biologia molecular 0,61

Odontologia, cirurgia oral e medicina

3,44 Oftalmologia 0,98 Ortopedia 0,61

Agricultura 3,14 Saúde pública, ambiental e ocupacional 0,95 Medicina geral e interna 0,60

Ciências veterinárias 2,57 Genética e hereditariedade 0,94 Virologia 0,60

Silvicultura 2,54 Sistema respiratório 0,90 Reabilitação 0,60

Enfermagem 2,43 Fisiologia 0,90 Antropologia 0,58

Entomologia 2,35 Farmacologia e farmácia 0,87 Biologia do desenvolvimento 0,57

Micologia 2,23 Ciência comportamental 0,87 Pediatria 0,56

Zoologia 2,18 Biologia evolucionária 0,86 Anestesiologia 0,55

Anatomia e morfologia 2,13 Otorrinolaringologia 0,85 Biologia celular 0,48

Biodiversidade e conservação 2,04 Endocrinologia e metabolismo 0,84 Biofísica 0,47

Outros tópicos de ciências biomé-dicas da vida

1,99 Microbiologia 0,78 Hematologia 0,42

Ciências das plantas 1,57 Paleontologia 0,78 Alergia 0,40

Ciências do esporte 1,48 Imunologia 0,77 Medicina legal 0,39

Medicina integrativa e com-plementar

1,39 Transplante 0,76Radiologia, medicina nuclear e imagiologia médica

0,32

Biologia reprodutiva 1,35Biotecnologia e microbiologia aplicada

0,70 Gastroenterologia e hepatologia 0,32

(Continua)

Áreas de Maior Especialização Científica do Brasil e Identificação de suas Atuais Instituições Líderes

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Ciências da vida e biomedicina

VCR Ciências da vida e biomedicina VCR Ciências da vida e biomedicina VCR

Nutrição e dietética 1,27 Tecnologia laboratorial médica 0,70 Abuso de substâncias químicas 0,30

Cirurgia 1,25 Ciências ambientais e ecologia 0,70 Biologia matemática e computacional 0,30

Ciência e tecnologia dos alimentos

1,22 Medicina de pesquisa e experimental 0,69 Oncologia 0,29

Dermatologia 1,14 Geriatria e gerontologia 0,67 Informática médica 0,25

Doenças contagiosas 1,12 Urologia e nefrologia 0,65 Ciências e serviços da saúde 0,24

Toxicologia 1,12 Obstetrícia e ginecologia 0,65 Ética médica 0,24

Reumatologia 1,02 Patologia 0,65 Medicina de urgência 0,10

Biologia marinha e de água doce

1,02 Sistema cardiovascular e cardiologia 0,64

Fonte: ISI/Web of Science. Elaboração do autor.Obs.: 1. Serão analisadas neste trabalho as produções das áreas de cada grupo cujo SRCA tenha sido maior do que 1.

Considerar SCRA>3 como muito alto; entre 2 e 3 como alto; entre 1 e 2 como médio. Não incluir na análise final áreas muito amplas e que possam ser base para outras áreas (marcadas com *).

2. A área de medicina intensiva não apresentou resultados para a busca referente ao período de 2009 a 2013.3. Em cinza, áreas com VCR>1,5, parâmetro utilizado por Chaves e Póvoa (2009) para indicar maior especialização.

TABELA 2VCR para as áreas do campo das ciências físicas – Brasil (2009 a 2013)

Ciências físicas VCR

Mineração e processamento mineral 1,80

Astronomia e astrofísica 1,56

Mineralogia 1,28

Geografia física 1,18

Recursos hídricos 1,11

Física 1,03

Geologia 1,03

Oceanografia 1,02

Ciência dos polímeros 1,02

Matemática 1,01

Química 0,97

Termodinâmica 0,94

Eletroquímica 0,91

Meteorologia e ciências atmosféricas 0,86

Geoquímica e geofísica 0,80

Cristalografia 0,70

Óptica 0,68

Fonte: ISI/Web of Science. Elaboração do autor.Obs.: 1. Serão analisadas neste trabalho as produções das áreas de cada grupo cujo SRCA tenha sido maior do que 1.

Considerar SCRA>3 como muito alto; entre 2 e 3 como alto; entre 1 e 2 como médio. Não incluir na análise final áreas muito amplas e que possam ser base para outras áreas (marcadas com *).

2. A área de medicina intensiva não apresentou resultados para a busca referente ao período de 2009 a 2013.3. Em cinza, áreas com VCR>1,5, parâmetro utilizado por Chaves e Póvoa (2009) para indicar maior especialização.

(Continuação)

Sistemas Setoriais de Inovação e Infraestrutura de Pesquisa no Brasil628 |

TABELA 3VCR para as áreas do campo de tecnologias – Brasil (2009 a 2013)

Tecnologia VCR

Microscopia 3,49

Sensoriamento remoto 1,68

Espectroscopia 1,35

Pesquisa de operações e ciência do gerenciamento 1,32

Energia e combustíveis 1,15

Tecnologia e ciência nuclear 1,13

Ciência da Computação 1,09

Outros tópicos de ciência e tecnologia 1,03

Engenharia 1,01

Mecânica 0,99

Acústica 0,97

Ciência dos materiais 0,93

Metalurgia e engenharia metalúrgica 0,89

Automação e sistemas de controle 0,88

Tecnologia de construção e edificações 0,84

Instrumentos e instrumentação 0,83

Ciências de imagem e tecnologia fotográfica 0,82

Ciência da informação e biblioteconomia 0,57

Telecomunicações 0,53

Robótica 0,47

Transporte 0,42

Fonte: ISI/Web of Science. Elaboração do autor.Obs.: 1. Serão analisadas neste trabalho as produções das áreas de cada grupo cujo SRCA tenha sido maior do que 1.

Considerar SCRA>3 como muito alto; entre 2 e 3 como alto; entre 1 e 2 como médio. Não incluir na análise final áreas muito amplas e que possam ser base para outras áreas (marcadas com *).

2. A área de medicina intensiva não apresentou resultados para a busca referente ao período de 2009 a 2013.3. Em cinza, áreas com VCR>1,5, parâmetro utilizado por Chaves e Póvoa (2009) para indicar maior especialização.

Chaves e Póvoa (2009) centram suas análises nas áreas com VCR acima de 1,5, estabelecendo esse valor como parâmetro para definir as áreas de maior especialização. Utiliza-se neste trabalho esse mesmo patamar para filtrar as áreas com maiores níveis de especialização científica. Como se pode perceber, nas tabelas de 1 a 3, são, ao todo, dezoito áreas que apresentam VCR acima de 1,5: quatorze no campo das ciências da vida e biomedicina, duas em ciências físicas e duas em tecnologia.

Áreas de Maior Especialização Científica do Brasil e Identificação de suas Atuais Instituições Líderes

| 629

Propõem-se segmentar esse conjunto de dezoito áreas em três diferentes patamares.6 No primeiro patamar, estaria a área de medicina tropical, cujo VCR de 5,08 é muito superior ao de qualquer outra área. Esta seria, portanto, a área de altíssima especialização científica do Brasil. Em segundo, as áreas com VCR acima de 3, que seriam as de alta especialização. Por fim, as áreas com VCR entre 1,5 e 3 seriam as de média-alta especialização. O quadro 1 faz essa segmentação.

QUADRO 1Áreas de pesquisa do ISI/Web of Science em que o Brasil apresenta altíssimo, alto ou médio alto nível de especialização científica no quinquênio (2009-2013)

Nível de especialização científica Áreas de pesquisa

Altíssimo (VCR≥5) Medicina tropical

Alto (3≤VCR<5)

ParasitologiaMicroscopiaOdontologia, cirurgia e saúde oralAgricultura

Médio-alto (1,5≤VCR<3)

Ciências veterináriasSilviculturaEnfermagemEntomologiaMicologiaZoologiaAnatomia e morfologiaBiodiversidade e conservaçãoOutros tópicos de ciências biomédicas da vidaMineração e processamento mineralSensoriamento remotoCiências das plantasAstronomia e astrofísica

Elaboração do autor, a partir de valores de VCR calculados com dados do ISI/Web of Science. Obs.: Dentro de cada nível de especialização científica, as áreas de pesquisa foram enumeradas por ordem decrescente do

valor de VCR que apresentaram.

Nas duas próximas seções serão apresentados os indicadores adicionais para as áreas de altíssimo e de alto nível de especialização científica. O objetivo será:

• analisar o grau de participação do Brasil nessas áreas e a visibilidade internacional de sua produção;

• mapear as instituições que se colocam como líderes nacionais nessas áreas; e

• identificar benchmarks globais.

6. Segmentação essa totalmente ad hoc e meramente sugestiva.

Sistemas Setoriais de Inovação e Infraestrutura de Pesquisa no Brasil630 |

5 DESEMPENHO RELATIVO DO BRASIL NAS ÁREAS EM QUE APRESENTA ALTA OU ALTÍSSIMA ESPECIALIZAÇÃO CIENTÍFICA

Para analisar o desempenho relativo do Brasil nas áreas em que a medida de VCR indica altíssima ou alta especialização científica do país, foi considerado um conjunto de cinco indicadores. Tomaram-se para análise os artigos publicados no período compreendido entre 2009 e 2013. O intervalo de cinco anos estabelecido comporta concentrar o estudo, ao mesmo tempo, em bases científicas já consolidadas e em capacitações científicas atuais.

O primeiro deles é a parcela dos artigos publicados, medida em porcentagem, em que ao menos um dos autores informava endereço para correspondência no Brasil. Esse indicador expressa o quanto se concentra no Brasil a produção mundial na área. O segundo indicador é a posição relativa do país em termos de número de artigos publicados na área. Reforça a informação acerca do quão relevante player é o país em termos quantitativos na área. O terceiro indicador remete à presença de instituições nacionais entre as líderes globais, ao destacar quantas figuram entre as cinco que mais publicaram no mundo no período em análise.

Os dois indicadores seguintes informam, respectivamente, sobre o impacto da produção nacional e da produção da instituição que mais publicou no mundo no mesmo período. A ideia de colocar essas duas perspectivas é permitir analisar se a produção nacional na área tem visibilidade mundial ou se está muito aquém do impacto de quem aparece na fronteira.

O impacto das publicações nacionais e da instituição líder é medido, neste ponto da análise, pelo fator H (H-index), indicador bibliométrico bastante difundido desde sua divulgação inicial em Hirsch (2005). O fator H é calculado com base na lista de publicações enumeradas pela ferramenta de busca do próprio portal ISI/Web of Science. Estas publicações são ranqueadas em ordem decrescente de acordo com o número de citações recebidas por cada uma, e a partir disso o fator é calculado. O valor de H é igual ao número de n artigos presentes na lista que tenham sido citados n ou mais vezes no período observado. A título de exemplo, um fator H igual a 20 equivale a dizer que, entre os artigos considerados, vinte deles foram citados vinte ou mais vezes. Trata-se de um indicador sensível ao tamanho da amostra considerada, mas por isso mesmo torna-se útil como instrumento de comparação entre a produção, no mesmo período e para a mesma área, de dois ou mais pesquisadores, instituições ou países. Se, por um lado, conjuntos mais numerosos de artigos potencialmente exibirão valores mais altos para o fator H, por outro, conjuntos numerosos que exibem baixos valores têm baixa visibilidade e reduzido impacto na produção científica da área. O fator H é, portanto, um bom indicador sintético quando se deseja colocar em perspectiva ao mesmo tempo quantidade e qualidade da produção.

Áreas de Maior Especialização Científica do Brasil e Identificação de suas Atuais Instituições Líderes

| 631

A tabela 4 reporta os indicadores selecionados, enumerando as cinco áreas em que o Brasil dispõe de maior especialização científica em ordem decrescente das medidas de VCR relatadas anteriormente nas tabelas de 1 a 3.

TABELA 4Indicadores de desempenho para as cinco áreas de altíssima ou de alta especialização científica do Brasil

Área

Indicadores de desempenho

Participação em artigos da área

(em %)

Posição do Brasil na área (em termos

quantitativos)

H-index da produção nacional

no período

H-index da instituição que mais publicou mo mundo

no período

Número de instituições nacionais entre as cinco que mais publicaram no

mundo no período

Medicina tropical 18,9 2o 31 26 2

Parasitologia 13,2 2o 33 27 2

Microscopia 5,7 6o 8 17 1

Odontologia, cirurgia oral e medicina

12,9 2o 36 28 3

Agricultura 11,7 2o 35 46 2

Fonte: ISI/Web of Science. Elaboração do autor.

Percebe-se, pela observação da tabela 4, que o Brasil realmente coloca-se como relevante player global em quatro das cinco áreas de maior especialização: medicina tropical, parasitologia, odontologia, cirurgia e saúde oral, e agricultura.

Nessas áreas, o país é o segundo maior produtor de ciência e concentra elevada parcela da produção mundial (em medicina tropical chega a ter pesquisadores envolvidos em quase um quinto dos artigos publicados). Ademais, em cada uma delas há ao menos duas instituições nacionais entre as cinco que mais publicaram (na área de odontologia, cirurgia e saúde oral são três).

Além de extensa, a produção brasileira tem grande visibilidade nessas áreas. Nas três mais diretamente relacionadas à saúde, o fator H do conjunto de artigos publicados por pesquisadores sediados no Brasil supera o da instituição que mais publicou no período. Embora na área de agricultura isto não chegue a acontecer, o fator H de 35 exibido pela produção nacional é alto para os padrões da área.

Os indicadores sugerem, pois, que a base científica nacional seja de fato referência global nessas quatro áreas do conhecimento. Isto justificaria contínuos investimentos em infraestruturas que atendam a pesquisas nessas áreas, particular-mente se for possível identificar tópicos de fronteira que poderiam ensejar novos produtos, processos e tecnologias com potencial inserção em mercados globais. Estudos que estão sendo conduzidos no Ipea sobre as infraestruturas de pesquisa dos sistemas setoriais de inovação poderão ajudar a mapear e caracterizar a

Sistemas Setoriais de Inovação e Infraestrutura de Pesquisa no Brasil632 |

infraestrutura existente nessas áreas em que o Brasil mostra posicionamento na fronteira ou próximo dela. Isto contribuiria para a otimização da capacidade instalada, indicando com mais rigor onde os futuros investimentos deveriam concentrar-se.

Já a área de microscopia, a despeito de figurar como de alto nível de especialização relativa no Brasil, mostra-se distante da instituição de fronteira no quesito impacto. Dada a baixa visibilidade internacional de sua relativa-mente ampla produção, caberiam políticas específicas de inserção da base científica nacional em redes globais que estejam mais próximas da fronteira na área. Além disso, o mapeamento das infraestruturas disponíveis para pesquisa e desenvolvimento (P&D) em microscopia no país poderia ser útil para reestruturá-las, de maneira a aproximá-las do que existe na área em países e instituições de fronteira.

6 AS INSTITUIÇÕES LÍDERES NAS ÁREAS DE MAIOR ESPECIALIZAÇÃO CIENTÍFICA DO BRASIL

Interessa também mapear as instituições brasileiras que mais se destacam na produção de artigos nas cinco áreas de maior especialização relativa do Brasil, bem como identificar possíveis benchmarks internacionais. Neste ponto, além de enumerar instituições, vale reportar quanto concentram da produção nacional (no caso das principais instituições brasileiras) e mundial (no caso da instituição identificada como benchmark), a dimensão da visibilidade internacional de seus artigos, a sua inserção em redes globais e a qualidade dessa inserção.

A identificação das cinco principais instituições brasileiras e da que seria um potencial benchmark internacional é feita em termos de quantidade de artigos publicados na área. O indicador de impacto passa a ser o número de citações por artigo publicado, por ser menos sensível ao tamanho da amostra de artigos do que o fator H. Por fim, a quantidade de artigos em coautoria com pesquisadores sediados em outros países e o número médio de citações a desses artigos darão um contorno ao tamanho e à qualidade da inserção dessas instituições em redes internacionais. Seguem na análise artigos publicados entre 2009 e 2013.

A tabela 5 reporta quais são essas instituições e o resultado de seus indicadores.

Áreas de Maior Especialização Científica do Brasil e Identificação de suas Atuais Instituições Líderes

| 633

TABE

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Sistemas Setoriais de Inovação e Infraestrutura de Pesquisa no Brasil634 |

As instituições brasileiras são benchmarks internacionais em três das cinco áreas. Pelos critérios adotados neste trabalho, a Fiocruz seria atualmente a principal referência global em medicina tropical e em parasitologia, enquanto a USP seria na área de odontologia, cirurgia e saúde oral. Essas instituições puxam para cima os indicadores de impacto e de inserção em redes globais da base científica nacional. Nas três áreas, as cinco instituições que mais publicaram entre 2009 e 2013 loca-lizam-se na região Sudeste e respondem por mais de 60% da produção nacional.

Na área de agricultura a concentração das publicações é menor, cabendo às cinco principais instituições brasileiras pouco mais da metade dos artigos publicados no período por pesquisadores sediados no país. O benchmark internacional não mais é uma instituição brasileira, e sim o United States Department of Agriculture (USDA). Nota-se que a visibilidade internacional dos artigos publicados por pesqui-sadores do USDA é quase três vezes maior do que a das cinco principais instituições do Brasil na área. Além disso, a instituição norte-americana envolve-se quase que duas vezes mais em artigos realizados em colaboração com pesquisadores de outros países. Os artigos com coautoria internacional costumam ter maior visibilidade. Ainda que possa haver razões para que a produção científica brasileira da área de agricultura fosse majoritariamente orientada para questões internas, seu avanço no futuro decerto passa por aproximar-se de redes de pesquisa internacionais, até mesmo para disseminar os bem-sucedidos casos que a P&D nacional (liderada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa) obteve na área nas últimas décadas.

Mais uma vez, a despeito de o país revelar vantagem comparativa na área de microscopia, os indicadores sugerem que, atualmente, tais vantagens limitam-se a uma perspectiva quantitativa. Os indicadores de impacto e de inserção em redes globais mostram-se reduzidos e muito aquém do desempenho exibido pela instituição identificada como benchmark da área, o United States Department of Energy. Este cenário reforça a necessidade de políticas ainda focadas no fortalecimento das capacitações científicas em microscopia, em paralelo à otimização de suas infraestruturas de pesquisa. Trata-se de uma área de pesquisa bem concentrada em poucas instituições (as cinco brasileiras que mais publicam concentram mais de dois terços da produção nacional, e todas as cinco localizam-se na mesma região do país), o que talvez facilite a aplicação de políticas destinadas a qualificar a sua base científica.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de ganhar escala sucessivamente nas últimas décadas, a base científica brasileira deixou de ser pouco expressiva em termos de publicação de artigos científicos indexados internacionalmente para consolidar o Brasil como um país de porte

Áreas de Maior Especialização Científica do Brasil e Identificação de suas Atuais Instituições Líderes

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médio nesse quesito. Os ganhos de escala ocorreram em todas as áreas, mas na década de 2000 foram substancialmente mais expressivos nas áreas de ciências da vida e biomedicina. O salto quantitativo não foi acompanhado por um progresso qualitativo na mesma magnitude. A pesquisa brasileira ainda tem, de modo geral, reduzida visibilidade internacional.

O salto quantitativo costuma ser atribuído a um conjunto de fatores insti-tucionais complementares que se desenvolveram ao longo de décadas no Brasil. Destaquem-se o financiamento por meio de agências federais e estaduais, a inten-sificação da formação em nível de pós-graduação e os sistemas meritocráticos de avaliação desse nível de ensino. No entanto, a partir de 2008, os dados do Web of Science parecem apontar um esgotamento do potencial de expansão quantitativa da base científica nacional. A curva exponencial que caracterizava o crescimento da participação brasileira na produção mundial de artigos científicos parece ter encontrado inflexão naquele ano e os resultados aferidos até 2013 indicam que a participação brasileira caminha para se estabilizar perto dos 3%.

Diante desta tendência, este trabalho levantou a hipótese de que as políticas com foco na formação de uma diversificada e sólida base científica nacional tenham alcançado, depois de cinco ou seis décadas de esforços, a maturidade, ao menos em termos da quantidade de artigos publicados. Daí então apresentou uma medida de vantagem comparativa revelada, com o intuito de identificar as áreas em que a base científica brasileira encontra-se na fronteira, próxima dela ou tenha potencial para estar lá. Em seguida, apresentou um conjunto de indicadores que permitem averiguar o grau de participação do país nessas áreas e a visibilidade internacional de sua produção, bem como mapear as instituições que se colocam como líderes nacionais nessas áreas e identificar potenciais benchmarks globais.

Espera-se, com os indicadores apresentados ao longo deste capítulo, haver oferecido ferramentas objetivas para mapear possíveis “áreas estratégicas” em que possam ser focalizadas futuras políticas de ciência e tecnologia. A identificação de especializações relativas da base científica nacional contribui para revelar áreas em que o país tenha competências estabelecidas e potencial de liderança global. Adicionalmente, o levantamento do Ipea sobre as infraestruturas de pesquisa poderá identificar os pesquisadores e os laboratórios sediados no Brasil capazes de integrar eventuais redes de colaboração internacional fomentadas por políticas públicas e capitaneadas internamente pelas instituições ora apontadas como líderes nacionais nas áreas de conhecimento nas quais o país tem maior especialização científica.

Sistemas Setoriais de Inovação e Infraestrutura de Pesquisa no Brasil636 |

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