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1 Área temática: Gestão de Pessoas O Imaginário na Relação de Mentoria: uma Visão Antropológica das Organizações. AUTORAS DENISE CLEMENTINO DE SOUZA NG/CAA/UFPE [email protected] SONIA MARIA RODRIGUES CALADO DIAS Faculdade Boa Viagem [email protected] Resumo Este artigo tem como objetivo entender o imaginário na relação de mentoria nas organizações. A teoria do imaginário advém da antropologia, o que possibilitou uma forma diferenciada de entender o contexto organizacional. Para Durand (2002) o imaginário é o conjunto de imagens e relações de imagens que constituem o pensamento do homo sapiens, aparecendo como o grande denominador fundamental na qual se vêm encontrar todas as criações do pensamento humano. O fenômeno mentoria pode ser entendido como o apoio técnico e psicossocial dado por um indivíduo a outro em sua carreira (NOE, 1988). Investigou-se o fenômeno mentoria a partir da teoria do imaginário numa empresa do segmento de transportes usando como método a mitocrítica, o que possibilitou uma forma diferenciada de entender o contexto organizacional. Os resultados do estudo apontam que o regime diurno está presente nas organizações, mas que o regime noturno, através da figura do mentor, também pode ser encontrado no mundo empresarial. De modo geral, este estudo contribuiu para o entendimento do fenômeno mentoria e imaginário organizacional, uma vez que possibilitou aprofundar o conhecimento sobre o imaginário na relação de mentoria no caso pesquisado. Palavras-chave: Mentoria. Imaginário. Mitocrítica. The Imaginary in the Mentoring Relationship: An Anthropological Look at Organizations. Abstract The aim of this article is to understand the imaginary in the mentoring relationship in organizations. The theory of the imaginary comes from anthropology, which enables a different way of understanding the organizational context. According to Durand (2002), the imaginary is the combination of images and relationships between images that constitutes human thought, appearing as the great common denominator from which springs all creations of human thought. The mentoring phenomenon can be understood as the technical and psycho-social support given by one individual to another over the course of his or her career (NOE, 1988). We investigated the mentoring phenomenon through the theory of the imaginary in a transportation company, using the mythocritic method, which allowed for a different way of understanding the organizational context. The results of this study indicate that the diurnal routine exists in organizations. The nocturnal routine, in and through the figure of the mentor, can also be found in the business world. In general, this study contributes to a better understanding of the mentoring phenomenon and of the organizational

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Área temática: Gestão de Pessoas

O Imaginário na Relação de Mentoria: uma Visão Antropológica das Organizações. AUTORAS DENISE CLEMENTINO DE SOUZA NG/CAA/UFPE [email protected] SONIA MARIA RODRIGUES CALADO DIAS Faculdade Boa Viagem [email protected] Resumo Este artigo tem como objetivo entender o imaginário na relação de mentoria nas organizações. A teoria do imaginário advém da antropologia, o que possibilitou uma forma diferenciada de entender o contexto organizacional. Para Durand (2002) o imaginário é o conjunto de imagens e relações de imagens que constituem o pensamento do homo sapiens, aparecendo como o grande denominador fundamental na qual se vêm encontrar todas as criações do pensamento humano. O fenômeno mentoria pode ser entendido como o apoio técnico e psicossocial dado por um indivíduo a outro em sua carreira (NOE, 1988). Investigou-se o fenômeno mentoria a partir da teoria do imaginário numa empresa do segmento de transportes usando como método a mitocrítica, o que possibilitou uma forma diferenciada de entender o contexto organizacional. Os resultados do estudo apontam que o regime diurno está presente nas organizações, mas que o regime noturno, através da figura do mentor, também pode ser encontrado no mundo empresarial. De modo geral, este estudo contribuiu para o entendimento do fenômeno mentoria e imaginário organizacional, uma vez que possibilitou aprofundar o conhecimento sobre o imaginário na relação de mentoria no caso pesquisado. Palavras-chave: Mentoria. Imaginário. Mitocrítica.

The Imaginary in the Mentoring Relationship: An Anthropological Look at Organizations.

Abstract The aim of this article is to understand the imaginary in the mentoring relationship in organizations. The theory of the imaginary comes from anthropology, which enables a different way of understanding the organizational context. According to Durand (2002), the imaginary is the combination of images and relationships between images that constitutes human thought, appearing as the great common denominator from which springs all creations of human thought. The mentoring phenomenon can be understood as the technical and psycho-social support given by one individual to another over the course of his or her career (NOE, 1988). We investigated the mentoring phenomenon through the theory of the imaginary in a transportation company, using the mythocritic method, which allowed for a different way of understanding the organizational context. The results of this study indicate that the diurnal routine exists in organizations. The nocturnal routine, in and through the figure of the mentor, can also be found in the business world. In general, this study contributes to a better understanding of the mentoring phenomenon and of the organizational

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imaginary, since it made possible a deeper understanding of the imaginary in the mentoring relationship that was examined in the case.

Keywords: Mentoring, Imaginary, Mythocritic.

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1. Introdução

A idéia de fazer uma leitura da relação de mentoria a partir da noção de imaginário de Gilbert Durand parece nova. Ao dar sentido ao mundo o homem cria significados, o que está relacionado ao ato de imaginar e implica em entrar no plano simbólico (ROCHA PITTA, 2005). O símbolo é entendido como expressão do imaginário que, através de uma dinâmica própria, o “trajeto antropológico”, transforma arquétipos em símbolos. Estes arquétipos, segundo Jung, são expressões das emoções mais profundas do ser humano. Assim têm-se os arquétipos da grande mãe, do sábio, do herói, o mediador, entre outros, que estão presentes em todas as culturas. O que varia, é o significado atribuído a estes arquétipos. O símbolo seria então a maneira de expressar o imaginário (ROCHA PITTA, 2001).

Para Durand (2002 p.18) o imaginário é o conjunto de imagens e relações de imagens que constituem o pensamento do homo sapiens, aparecendo como o grande denominador fundamental na qual se vêm encontrar todas as criações do pensamento humano. O imaginário é esta encruzilhada antropológica que permite esclarecer um aspecto de uma determinada ciência humana por um outro aspecto de uma outra.

A relação de mentoria, do inglês mentoring, envolve a atividade de ensino, na qual o mentor exerce o papel de professor, ao investir seu tempo no fornecimento de instruções e informações ao mentorado, e a atividade de suporte psicossocial, ao agir como conselheiro e exercer influência na vida pessoal do mentorado (Zey, 1991).

Tradicionalmente o mentorado, aquele que recebe apoio na carreira, descreve seu mentor, aquele que dá o apoio na carreira, como alguém excepcional, mais velho, mais experiente e com nível hierárquico mais alto na organização. Em muitas atividades, como orientador- orientando, médico- residente etc., a relação de mentoria faz parte do processo de aprendizagem. É essa aproximação e o trabalho lado a lado com um sênior, que ajuda e instrui o mentorado por um determinado período de tempo (JANASZ et al, 2003).

Ao longo da vida uma pessoa pode ter mais de um mentor, o que parece proporcionar uma maior amplitude no recebimento das funções da mentoria. Forças como mudanças rápidas na tecnologia, na estrutura organizacional e na dinâmica global do mercado, têm transformado a mentoria em um processo que extrapola a assistência de um único mentor. Além de que à medida que os conhecimentos vão mudando, fica difícil para um mentor individualmente processar todo o conhecimento requerido pelo mentorado (JANASZ et al, 2003), fazendo-se necessário o apoio de uma rede de desenvolvedores.

A rede de desenvolvedores pode ser entendida como o conjunto de relações interpessoais dos indivíduos, embora não façam parte dela todos os indivíduos com quem o mentorado se comunicou sobre seu desenvolvimento. Refere-se, especificamente, aos que têm uma relação consistente, a qual em um ponto particular do tempo foi importante para o desenvolvimento da carreira do mentorado (BAUGH; SCANDURA 1999; RAGINS; COTTON, 1999; WHITELY; COETSIER, 1993 apud HIGGINS; KRAM, 2001).

Assim, o fenômeno da mentoria parece ter relação com a teoria do imaginário na medida em que ao redor da imagem do mentor existe um simbolismo que permite questionar: como é o imaginário na relação entre mentor e mentorado em uma organização?

Buscando responder essa pergunta texto está dividido em cinco seções: imaginário e organizações; uma noção de mentoria; metodologia; discussão e resultados; e considerações finais. 2 Imaginário e Organizações

Para a antropologia o homem é um ser cultural. A cultura existe a partir da construção de um significado, estabelece as relações entre as pessoas, entre homem e mulher, quem manda e quem obedece etc. A cultura é organizada a partir da noção de espaço e tempo e pode

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ser entendida a partir do mito que é seu relato fundante. É a participação no mesmo sistema simbólico que mantêm as pessoas unidas. O homem modifica seu corpo para se culturalizar e dizer que não é somente fruto da natureza. As intervenções no corpo são comuns nas diferentes culturas e são representadas de diversas formas como pequenos sapatos para modificar os pés nas mulheres chinesas, tatuagens nas tribos urbanas e não-urbanas, anéis para alongar o pescoço em tribos na África, dentre outras (ROCHA PITTA, 2005). Nas organizações também há essa tentativa de se diferenciar, os uniformes ou estilo de roupa usada refletem a cultura da empresa. Foram criadas, inclusive, as expressões “Vestir a camisa da empresa” e “Tatuar a marca da empresa”. Nas empresas mais formais de consultoria, por exemplo, há uma tendência a seus funcionários se vestirem com terno, no caso dos homens, ou taier, no caso das mulheres, nas informais o jeans pode ser usado. Essa diferença também parece refletir na hierarquia e relações de poder nas indústrias na medida em que os seus operários vestem fardas, mas os executivos não.

Para o antropólogo Tylor (1871 apud LARAIA, 1997) a cultura é o “complexo total de conhecimento, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Na perspectiva antropológica a dimensão simbólica é concebida como capaz de integrar todos os aspectos da prática social. Laraia (1997) destaca, ainda, que a cultura é uma lente através da qual o homem vê o mundo e que a participação do indivíduo na sua cultura é sempre limitada, pois nenhuma pessoa é capaz de participar de todos os elementos de uma cultura.

No campo organizacional os estudos sobre cultura se intensificaram a partir dos anos 80, com a publicação de diversos estudos acadêmicos. A cultura organizacional é uma característica baseada em pressuposições institucionalizadas, que se transforma ao longo do tempo, à medida em que a organização sofre adaptação ao ambiente e integração interna (SCHEIN, 1984). Fleury (1989) propõe que a “cultura organizacional é concebida como um conjunto de valores e pressupostos básicos expressos em elementos simbólicos, que, em sua capacidade de ordenar, atribuir significados, construir a identidade organizacional, tanto agem como elemento de comunicação e consenso, como ocultam e instrumentalizam as relações de dominação”.

Como se pode observar nas noções de cultura acima, tanto no âmbito da sociedade quanto no âmbito empresarial, a dimensão simbólica está presente. Essa dimensão pode ser melhor compreendida a partir da perspectiva das estruturas antropológicas do imaginário.

Criada por Gilbert Durand em 1960, são três as estruturas antropológicas do imaginário: heróica, mística e sintética, as quais são separadas em imagens diurnas e noturnas. As estruturas são protocolos normativos das representações imaginárias agrupadas em torno de scheme de origem. Desse scheme só se tem acesso ao símbolo. O scheme é uma representação dinâmica e afetiva da imagem. É uma abstração que se transforma, sendo afetiva porque entra na dimensão da emoção (DURAND, 1993).

Essas estruturas retornam a noção de arquétipo de Jung, a qual seria uma imagem universal e contínua, o ponto de junção entre o imaginário e os processos racionais. No arquétipo há uma visão de mundo e organização da sociedade. A substantificação do arquétipo, ou sua imagem concreta, seria o símbolo. Todo símbolo tem várias dimensões significativas e sempre está em aberto, surge da emoção é reinterpretado todo o tempo e contém em si uma dinâmica, modificando quem o vê e o percebe. Difere do signo, pois este só tem um significado e é resultado de uma convenção (DURAND, 1993).

Durand (1993) também ressalta a noção de mito, relato fundante da cultura. É um relato que põe em ação os cenários e personagens surreais, a ação se passa num tempo fora do tempo e implica em fé. Baseada em Eliade, Vierne (1993) complementa ainda a noção de mito como sendo uma narrativa, inicialmente oral (continuando a ser oral em certos lugares preservados do mundo), que mais tarde foi fixada pelos escritos e que apresentam um número

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mais ou menos importante de variações. O mito narra uma estória, que comporta, no seu desenrolar, elementos não naturais, mágicos e absurdos do ponto de vista da lógica e da vivência quotidiana. Estes elementos, que os etnólogos chamam de mitemas e podem ser tanto acontecimentos quanto cenários, personagens (humanas, divinas, animais, vegetais ou híbridos de toda a espécie), cuja significação deve ser procurada no seu valor simbólico. As narrativas míticas não são fantasias ou ilusões mentirosas. O mito procura resolver uma questão essencial e existencial para o homem, questão que a lógica binária não pode resolver.

Durand (2002) considera que os símbolos convergem em torno de temas centrais e formam constelações, ou aglomerações, de imagens. Essas constelações de imagens são estruturadas por isomorfismos convergentes, ou seja, variações sobre um mesmo tema. Para tanto Durand (2002) embasa seu raciocínio na reflexologia de Betcherev (1933), que diz que existem três reflexos dominantes: posição, deglutição e copulação. O primeiro reflexo, posição, está relacionado à tentativa do ser humano em ficar em pé a partir do momento em que se mexe pela primeira vez; o segundo reflexo, deglutição, diz respeito ao fato de todos nascerem já deglutindo; e o terceiro reflexo, copulação, está relacionado à renovação. Esses reflexos não têm relação de causa e efeito e têm a ver com as representações simbólicas.

O primeiro reflexo, que remete à posição ereta, por exemplo, tem relação com o que Durand (2002) chama de imagem diurna e diz respeito a uma visão de mundo em que as diferenças são vistas como oposições. Nessa visão o mundo é dicotômico e criam-se divisões opostas, o bem é o oposto do mal, o feminino é o oposto do masculino etc. Para tanto é preciso conseguir visualizar bem e categorizar as imagens, tentar distinguir o “diferente”, por isso foi utilizada a metáfora diurna para sua denominação. Essa visão corrobora a valorização da razão e do masculino, caracteriza as estruturas heróicas do imaginário, o arquétipo do herói, do justiceiro e do guerreiro. Vale ressaltar que, nesse contexto, herói é quem luta, não necessariamente quem ganha. Junto com o arquétipo do herói vão convergir os símbolos, por exemplo, armas, e o cenário, por exemplo, cavalo, floresta.

O segundo reflexo, deglutição, tem relação com as imagens noturnas e com as estruturas místicas do imaginário. Nesse contexto as diferenças são vistas como complementares, formando um mundo de paz e tranqüilidade. A ação que se desenvolve não é a luta, mas o uso da reflexão, prevalecendo a valorização da natureza e a interioridade. Em detrimento do herói, são valorizadas a mãe protetora, a mulher, a fertilização e a harmonia. Essas imagens noturnas correspondem à estrutura mística do imaginário.

O terceiro reflexo, copulação, também está relacionado às imagens noturnas e com as estruturas sintéticas do imaginário. Remete ao ritmo, à renovação da vida e ao tempo cíclico. Nessa perspectiva nada morre e tudo se renova, sendo valorizada a imagem do mediador, ou sábio e do diálogo.

Essas imagens ajudam a perceber qual é a dinâmica subjacente da cultura, o que é o interesse de Durand (2002). A partir destas imagens o autor ressalta a noção do trajeto antropológico, que é o incessante intercâmbio que existe no imaginário entre as pulsões individuais e as intimações do meio cósmico e social. Essa noção está representada conforme se pode observar na Figura 01 (2) – Trajeto antropológico. Segundo Durand (2002) em todas as culturas estão presentes as três estruturas do imaginário, heróica, sintética e mística, mas com forças diferentes. Essas estruturas são respostas às angústias humanas diante da morte e da passagem inevitável do tempo. Como solução o homem pode pegar as armas e destruir a morte; construir um local harmonioso onde reine a paz, deixando a morte do lado de fora; ou considerar o tempo cíclico, numa perspectiva de que nada morre e tudo se renova. Os pólos se opõem e da tensão entre os pólos da estrutura do imaginário é que nasce a dinâmica social. Se houver a polarização de uma estrutura no trajeto antropológico a sociedade de torna patológica e morre. O vetor T representa a cultura ocidental e pode oscilar segundo a ação dos indivíduos.

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Figura 01 (2) – Trajeto antropológico

Baseado em Durand (2002); Rocha Pitta (2005). Relacionado à imagem estão o regime diurno e noturno. O regime diurno da imagem

pode ser definido como o regime da antítese (DURAND, 2002, p.67). Corresponde a uma visão de mundo na qual a diferença é considerada oposição, prevalecendo a visão dicotômica, o arquétipo do herói, o scheme de luta e o símbolo de ascensão. Daí a idéia de que o espírito, o sagrado etc. ficam em cima. Existindo práticas de ascensão aos céus, à pureza e ao poder, por exemplo. Há uma constelação de imagens soberanas, bem como a noção de gigantismo, como é o caso do culto ao crânio.

Esse regime faz referencias aos símbolos teriomórficos, nictomórficos e catamórficos. Os símbolos teriomórficos estão relacionados com a terra e os animais. Dentro do imaginário os animais são desanimalizados representado símbolos que não têm a ver com sua vida e podem agregar valorizações tanto negativas, com os répteis, ratos etc. quanto positivas como a pomba, o cordeiros ou animais domésticos em geral. Os símbolos nictomórficos são ligados à angústia da obscuridade. Essa obscuridade parece causar angústia na medida em que não se pode ver o que ameaça. Os símbolos catamórficos estão relacionados à queda, primeira experiência dolorosa na infância. Vem ligada a dor, ao medo, ao castigo, como a queda moral, decadência etc.

Já o regime noturno do imaginário está constantemente sob o signo da conversão e do eufemismo (DURAND, 2002 p. 198). O primeiro grupo de símbolos constitui uma inversão do valor afetivo atribuído às faces do tempo e uma representação do destino e da morte. O segundo grupo de símbolos está embasado na procura e descoberta de um fator de constância na fluidez temporal e esforça-se a por sintetizar as aspirações da transcendência ao além e as intuições imanentes das mudanças pelas quais passam um ser.

Nessa perspectiva há a noção de tempo positivo, cujo objetivo é estabelecer o diálogo com a morte. Não se luta com uma arma, mas tenta-se estabelecer um diálogo entre o tempo e a morte. Assim, surgem os símbolos cíclicos, que têm uma fase ascendente e outra descendente, não existindo um fim, tampouco a morte. Como representação desse tempo cíclico pode-se destacar a lua e suas fases e a figura do andrógeno, com a valorização do masculino e feminino igualmente. São característicos do tempo cíclico os rituais de iniciação, como os de passagem entre a adolescência e a fase adulta e os sacrifícios, pois o ser humano acredita que o ciclo só se completa se houver sacrifício.

3 Uma Noção de Mentoria

O fenômeno mentoria é o apoio técnico e psicossocial dado por um indivíduo a outro em sua carreira (NOE, 1988). O mentor proporciona suporte na área pessoal e profissional.

São as funções de carreira e pscicossociais que diferenciam a mentoria de outros tipos de relacionamentos. As funções de carreira incluem patrocínio, exposição e visibilidade, coaching, proteção e tarefas desafiadoras. Essas funções ajudam no aprendizado do

H M S

H - Estrutura heróica S - Estrutura sintética M - Estrutura mística T - Trajeto antropológico em análise

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mentorado e em seu desenvolvimento dentro da organização. Já as funções pscicossociais incluem modelagem de papéis, aceitação e confirmação, aconselhamento e amizade. Em geral, as funções pscicossociais são possíveis porque pressupõem confiança e intimidade entre mentor e mentorado (KRAM, 1983).

Em uma organização, enquanto as funções de carreira agregam vantagem no crescimento hierárquico do indivíduo, as pscicossociais afetam os sujeitos de forma pessoal. Entretanto ambas ajudam o mentorado a enfrentar as mudanças nos estágios da sua carreira e da sua vida (KRAM, 1983).

Essas funções sofrem influência da necessidade do mentorado, da percepção do mentor sobre a necessidade do mentorado e da habilidade e motivação do mentor em satisfazer as necessidades do mentorado. As funções de desenvolvimento de carreira impactam na promoção, compensação, socialização e aspirações do mentorado. Já as funções psicossociais envolvem facilitação da socialização do mentorado na organização, senso de competência e eficácia no papel profissional, além de terem impacto na satisfação no trabalho, estresse no trabalho, comprometimento, rotatividade etc. (RAGINS, 1997).

Nesta mesma visão, Carr (1999, apud Salgues et al, 2004) ressalta que o mentor pode desempenhar vários papéis, como ajuda na tomada de decisão na carreira, estímulo e apoio na realização de tarefas e no equilíbrio pessoal e profissional, sendo um catalisador do crescimento e ajudando no desenvolvimento de autoconfiança e de comportamentos positivos.

Zey (1991) complementa que as funções de mentoria podem ser organizadas numa hierarquia, de acordo com a contribuição que cada uma traz para o desenvolvimento gerencial do mentorado.

No primeiro nível, o mentor exerce o papel de professor, investindo seu tempo em ensinar ao mentorado seu trabalho, transmitindo conhecimentos e habilidades necessárias para a realização das atividades de sua responsabilidade, além de fornecer informações sobre tendências de mercado. O sucesso da relação, neste nível, depende da habilidade do mentorado em aprender. O mentor transfere informações sobre auto-apresentação do mentorado e aspectos da vida da organização como política, finanças e personalidades dos gestores, algumas dessas informações podem inclusive ser confidenciais. O mentor também apóia o mentorado mostrando o cenário dos possíveis trajetos de carreira, dentro e fora da organização, o que envolve um redirecionamento das escolhas do mentorado para áreas mais próximas de suas habilidades.

O segundo nível da mentoria, suporte pessoal, tem um foco mais diretivo e motivacional e inclui atividades como suporte psicossociais, na qual o mentor ajuda o mentorado a superar as pressões e tensões que acompanham as transições de posições de responsabilidade; construção da autoconfiança, tanto atitudinais quanto comportamentais, fazendo com que o mentorado consiga adquirir senso de confiança e assuma responsabilidades; e assistência sobre a vida pessoal, quando ajuda o mentorado com relação a pressões familiares, dilemas pessoais e conflitos que interfiram no desempenho do trabalho.

O terceiro nível é o da intervenção organizacional, inclui atividades de proteção, na qual o mentor dá suporte ambiental e intervem pelo mentorado em conflitos e situações que o ponha em perigo; marketing do mentorado, salientando suas qualidades para os gestores da organização, ajudando o mentorado a ganhar visibilidade e melhorar a interface em encontros dentro e fora da empresa; e acesso a recursos, quando o mentor utiliza sua posição para tornar disponível ao mentorado, recursos financeiros ou materiais, fontes e linhas de comunicação que não estariam disponíveis para um membro Júnior. Neste nível o mentor pode usar, inclusive, sua reputação para interceder pelo mentorado.

No quarto e último nível, promoção direta e indireta ou patrocínio, o mentor recomenda o mentorado para novas posições na organização, é necessário um maior comprometimento do mentor para que o mentorado obtenha mais benefícios. As atividades

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diretas podem envolver aumento de cargo, expansão da função e ajuste de fatores políticos; já as atividades indiretas incluem facilitar a participação do mentorado em programas de treinamentos internos da empresa, ajuda à admissão em programas gerenciais e ajuda ao mentorado na obtenção de prestígio.

O processo de mentoria nas organizações pode ser de dois tipos: formal ou informal. O primeiro é apoiado, pela organização e geralmente desenvolvido por designação ou seleção de mentores. O segundo, informal, não é conduzido pela empresa, mas nasce espontaneamente entre pessoas, com interesses similares (CHAO et al, 1992). Tanto a mentoria formal quanto a informal oferecem benefícios e o mentorado deve considerar ambos os processos (NOE, 1988).

Dentre os benefícios do processo de mentoria pode-se destacar o suporte que abrange o senso de identidade e competência interpessoal do mentorado (JANASZ et al, 2003), desenvolvimento de conhecimento e desenvolvimento na carreira (ZEY, 1988), identidade profissional clara e bem definida, senso de competência (KRAM, 1983), desenvolvimento dos profissionais, troca de conhecimento e auxílio no processo de empowerment (SOUZA et al, 2003). O mentor também tem benefícios com a relação, como rejuvenescimento da carreira, despertar para a criatividade, energia e satisfação, novos conhecimentos, reconhecimento pelo desenvolvimento de talentos, aprendizagem social e emocional, feedback e suporte do mentorado (JANASZ et al, 2003).

4. Metodologia

Como forma de apreender o trajeto antropológico Durand (1992) propõe dois caminhos, a mitocrítica e a mitanálise. Para este estudo foi utilizada a mitocrítica que é um método de crítica que centra o processo compreensivo sobre o relato mítico inerente ao significado de todo relato. Considera que as estruturas, história ou meio sócio-histórico, assim como o aparelho psíquico, são indissociáveis e fundam o conjunto compreensivo ou significativo do relato estudado. A mitocrítica evidencia, num autor, numa obra de uma época ou num conjunto de dados, os mitos diretores e suas transformações significativas. Ela mostra que cada modelo cultural tem certa espessura mítica onde se combinam e se afrontam mitos diferentes (ROCHA PITTA, 2001).

Neste trabalho, a mitocrítica foi realizada no campo empresarial, mais especificamente na rede de mentoria do sócio-presidente do Rapidão Cometa, empresa do líder no segmento de transporte. A partir das entrevistas com a rede de mentores e mentorados do sócio-presidente, totalizando 15 pessoas, foram levantados os temas, verificando se havia repetição e redundância das imagens. Posteriormente, identificou-se a freqüência desses temas e imagens, separando também o relato em mitemas. E finalmente, aprofundou-se as especificidades e o significado dos temas redundantes, mostrando a presença dos símbolos e dos arquétipos neles contidos. Também foram analisados artigos publicados sobre a empresa e documentos institucionais (site e manuais).

A empresa em questão, Rapidão Cometa, é líder na área de transportes das regiões Norte e Nordeste e vice-líder no mercado nacional, atende mais de 7 mil clientes, em mais de 4 mil localidades, em 16 estados do Brasil. Em virtude de acordo operacional com a empresa norte-americana FedEx, ela atua também em mais de 210 países no mundo. Sob o ponto de vista interno, possui cerca de 3 mil funcionários, uma frota de mais de 700 veículos e movimenta cerca de 450 mil toneladas de carga por ano (HAECKEL, 2004; RAPIDÃO COMETA, 2007).

Américo nasceu e cresceu no bairro de Beberibe, na cidade do Recife; fez o curso ginasial e o científico no Colégio Estadual Beberibe. Ainda em Recife, iniciou o curso de graduação em Economia na Universidade Católica de Pernambuco, tendo, porém, concluído o curso referido em São Paulo (PEREIRA, 2005).

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Hoje, Américo Pereira é um executivo de destaque na sociedade empresarial pernambucana e nacional. Recebeu diversos prêmios da área de transporte, inclusive a Medalha do Transportador, concedida pela Confederação Nacional dos Transportes – CNT (ABML, 2003). O executivo atua como conselheiro da Associação Nacional dos Transportadores e, ainda, como vice-presidente da Associação Criança Cidadã, uma associação beneficente na cidade do Recife. Foram entrevistadas 15 pessoas, das 18 citadas por Américo Pereira como sendo da sua rede de mentoria, incluindo neste número o próprio executivo. Dentre as 15 pessoas, 11 são executivos do Rapidão Cometa e 02 são ex-executivos da empresa, 01 é Deputado Estadual e 01 é executivo proprietário de outra empresa. Quanto ao gênero, 12 são homens e 03 são mulheres. A idade média é de 46,1 anos, sendo que o mais novo do grupo tem 32 anos e o de maior idade 65 anos. Dos que trabalham no Rapidão Cometa, todos tem 05 anos ou mais na empresa. Com referência ao grau de instrução formal dos entrevistados todos têm formação superior, distribuída em: economia, administração, engenharia de processos, direito, teologia, ciências contábeis ou pedagogia. Em se tratando da relação com Américo, 04 dos executivos foram citados por ele como sendo seus mentores e 10 como sendo seus mentorados. 5. Discussão e Resultados

Foram identificadas, no caso estudado, a relação de mentoria, pois os profissionais entrevistados exerciam tanto as funções de carreira quanto as psicossociais. De modo geral, as relações de mentoria não se limitaram aos muros da organização e se transformaram em amizade. Contudo, mesmo em algumas amizades que se mostraram estritamente profissionais, o mentor também apóia o mentorado em questões pessoais.

Verificou-se que os executivos exercem papel de mentor informal na organização e fora dela e que, apesar da empresa não ter um programa formal de mentoria, esta é uma prática arraigada na sua cultura. No entanto, a empresa tem alguns programas formais de desenvolvimento que incentivam o crescimento dos profissionais e os ajudam a criar laços que podem no futuro se transformar em relações de mentoria.

Nas organizações de um modo geral, o regime diurno parece estar presente no que se refere a questão de gênero. Pois, na medida em que a cultura ocidental adota uma estrutura patriarcal baseada na valorização da imagem do homem é razoável esperar que as empresas também construam suas culturas baseadas em realidades, percepções e valores essencialmente masculinos. Como ilustram as imagens de campo de batalha, time de futebol, família, propriedade particular etc. projetadas pelas organizações para seu entorno. Desse modelo masculino surge um rol de atributos que um gestor deve desenvolver como senso de missão, agressividade competitiva, senso de apropriação e de aproveitamento das oportunidades, frieza, calculismo, impessoalidade, rigor no controle, desconfiança compulsória, egoísmo, capacidade de sobrepor os fins aos meios etc. A valorização desses atributos parece estar relacionada com a valorização da imagem diurna do imaginário, na qual existe uma visão de mundo em que as diferenças são vistas como oposições e que o masculino deve sobressair em relação ao feminino nas organizações. Esse aspecto parece ter levado as mulheres a se masculinizarem para conseguirem ocupar cargos de gestão nas empresas (LIMA, 1997).

Apesar das diferenças nas características pessoais entre homens, geralmente tidos como objetivos, racionais, inflexíveis etc., e mulheres, geralmente vistas como flexíveis, cooperativistas, adaptáveis, de fácil comunicação etc., em se tratando do modelo de gestão organizacional entre os dois gêneros há mais semelhança do que dessemelhanças (AMORIM; FREITAS, 2003).

No caso estudado verificou-se a dificuldade das executivas em se inserirem nesse contexto, sendo importante a ajuda de seu mentor, conforme a fala abaixo:

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[...] E meu [ex] diretor tinha um tratamento diferenciado comigo e com outro par, acho que porque sou mulher ele me achava incapaz, me colocava para baixo [...]. Eu sempre conversava com [meu Mentor], ele tinha raiva porque eu tava tendo um tratamento que nunca tive. Ele [Mentor] me colocava em viagem para clientes quando ele ia, o que as pessoas não faziam, na medida do possível ele fazia [...]. Tudo que as outras pessoas não fizeram ele fez, dentro do possível, porque ele era o presidente e não tinha muito tempo. [Executiva 08]

A distribuição do espaço nas organizações também é feita de forma a representar essa imagem masculina, colocando as salas dos chefes em posições estratégicas, assegurando um espaço necessário para evidenciar o potencial de mando sobre os membros da equipe. A distribuição dos móveis, equipamentos e demais componentes físicos do ambiente obedece a modelos masculinos de representação e simbolismo, forçando a masculinização do espaço ao confundir a imagem do líder com a de um homem, levando as mulheres a assimilarem o estilo agressivo e competitivo dos homens (LIMA, 1997). Na empresa estudada, as salas dos executivos ficavam no andar mais alto da empresa, eram as mais espaçosas e ficavam no local com vista melhor privilegiada.

Também está presente uma constelação de imagens soberanas, bem como a noção de gigantismo. Esse ultimo representado pela figura do chefe, por exemplo, ou pelo culto ao crânio que ressalta a imagem do “cabeça” da organização. O gigantismo também pode ser observado nas frases escritas nos sites das empresas de modo geral, bem como do caso em análise. Quando se referem a seu historio ou parte institucional, geralmente, o discurso declarado tenta mostrar e trazer em si a grandiosidade da organização, conforme se pode observar abaixo:

A vocação para a liderança de mercado sempre acompanhou o Rapidão Cometa em todas as etapas da sua história [RAPIDÃO COMETA, 2007].

Esse gigantismo também está presente na relação de mentoria, na medida em que o mentorado percebe seu mentor como alguém com espírito de cidadania e colaboração, seriedade, capacidade de influenciar pessoas, disciplina, ponderação, serenidade, seriedade, competência, dedicação, profissionalismo, inteligência, capacidade empreendedora e conhecedor da natureza humana. Conforme pode ser observado nos relatos abaixo, nos quais também fica notória a admiração do mentorado pelo seu mentor.

Ele sempre foi assim arrojado, olhando sempre para o horizonte, sempre lá na frente, como grande empreendedor que ele era e é [Executivo 04].

Assim como as sociedades, as empresas também têm seus mitos que em sua maioria

são instituídos em torno de seu fundador. Um aspecto que parece corroborar com o mito do fundador, é o fato dos entrevistados também vêem o presidente, fundador da empresa, como sendo um gigante, alguém visionário, ousado e heróico.

Desde novo ele já tinha a visão que não queria ser empregado. [Executivo 13] Ele teve a ousadia de pensar grande; ele teve a ousadia de assumir o compromisso de pegar [comprar] uma empresa que, teoricamente, estava falida e transformar essa empresa falida num complexo de transportes que

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hoje atua no setor rodoviário e no setor aéreo e que tem um nome hoje no mercado. [Executivo 13]

Verificou-se que o mentor parece ser alguém que ajuda a manter o mentorado longe da

morte, evitando a demissão, direcionando seu mentorado para que ascenda na empresa e mantenha o foco na sua carreira; e longe da queda, o que na organização poderia ser representado pelo fracasso em obter resultados esperados. Por exemplo, alguns mentores recomendaram o mentorado para novas posições na organização, ajustavam fatores políticos, ajudaram à admissão em programas gerenciais e o ajudaram na obtenção de prestígio. Segundo entrevistas, a grande maioria dos profissionais mentorados, que fazem parte do Rapidão Cometa, iniciou sua carreira em cargos de nível operacional, na estrutura organizacional e atualmente ocupam cargos de nível estratégico, de acordo com a fala dos mentores abaixo:

Eu tenho na empresa algumas pessoas que eu ajudei na promoção delas. Algumas pessoas, não foram poucas, não só contratei como eu ajudei na promoção [...] eu tinha o faro muito apurado para saber, aquele cara serve para aquela função e dava certo. [Executivo 07] Temos exemplos de pessoas que começaram como estagiários e hoje são diretores, acho que conseguimos criar um ambiente de formação de carreira [Executiva 08].

Em conformidade com essa visão está a política de gestão de pessoas, em especial o

plano de carreira. Por trás dessa idéia está a noção de que para crescer profissionalmente o sujeito tem que galgar cargos mais altos na hierarquia, como se pode observar no testemunho abaixo. Grande parte dessas políticas também são ações manipuladoras, pois servem para aculturar o funcionário, fazendo com que ele se adapte aos objetivos e estratégias da organização.

Comecei no cargo mais baixo da parte operacional, que é o cargo de auxiliar operacional, aí trabalhei na matriz, fui analista de tráfego, lá passei por diversas áreas até assumir a gerência da filial Maceió [...]. [Executivo 09]

A própria estrutura organizacional, também remete à idéia de ascensão, pois na

medida em que se sobe na hierarquia se ocupa uma caixa mais alta no organograma. Além disso, “os cabeças”, executivos da organização, se encontram no topo da estrutura. Como se pode observar na Figura 02 (4) – Organograma Parcial do Rapidão Cometa, a seguir. Nessa figura, entende-se como: presidência, Pres; vice-presidência, Vice-Pres; diretoria, Dir; diretoria regional, DR; e gerência nacional, GN. Os níveis hierárquicos da empresa, na matriz, são divididos da seguinte forma: presidente, vice-presidente, diretor, gerente nacional, gerente de área, supervisor, encarregado ou líder, analista, assistente e auxiliar.

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Figura 02 (4) – Organograma Parcial do Rapidão Cometa Fonte: Baseado em Documento Institucional

As organizações também são vistas como um campo de batalha, na qual os

profissionais têm que se manter atualizados, falar dois ou três idiomas, conhecer os mais novos softwares do mercado, fazer cursos e mais cursos de especialização etc. para se manter na empresa e crescer na hierarquia. Nessa perspectiva o profissional tem que lutar para se tornar um herói e ganhar um brasão que pode ser afixado no peito, com dizeres do tipo: “o melhor funcionário do mês”, “destaque da semana”, como nas empresas de fast-food, por exemplo, do contrário lhe resta o baque da demissão.

A imagem noturna do mediador e do sábio também parece estar presente na organização, através da figura do mentor, pois este é comumente visto pelo seu mentorado como alguém que serve de guia, que aconselha (KRAM, 1983), que é competente, facilita a integração do profissional na empresa (SOUZA, 2003) e é mais experiente (SOUZA, 2006). Como se pode verificar no testemunho a seguir:

Ele acreditou em mim, me mostrou coisas diferenciadas, me puxou pela mão [Executivo 15]. Com certeza [ter tido mentores me ajudou] porque se você tem um farol com uma luz boa, você tende a ter um vôo distinto. E na minha vida eu tive a sorte de ter pessoas em quem eu me espelhasse, que eu via como influências positivas. [Executivo 09] [Ele] me dava muitos conselhos [...], me orientava muito [Executivo 01]. [Meu mentor, Executivo 01] costumava dizer que eu era um incendiário, quando entrei aqui, que eu queria resolver as coisas logo no tapa, na porrada, queria resolver logo para não perder tempo, nem dinheiro. Com o jeito dele, hoje ele chega e diz, puxa vida você é um Mahatma Gandi, ele mudou muito

Pres

Vice-Pres

Dir Dir Dir Dir Dir Dir Dir DR

DR

DR

GN

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meus conceitos [...]. Ele me fez ver diferente, me fez ver que com toda essa parte consensual, de bastidores a gente consegue muita coisa [Executivo 15]. Aqui encontrei um outro mentor, que dentre todos os diretores, proprietários e presidentes de empresas, eu não tinha conhecido nada igual a [Executivo 01], reputo-o hoje como um dos maiores profissionais que eu já conheci. Um dos maiores líderes que eu já vi, uma das pessoas mais humildes que eu já conheci na minha vida chama-se [Executivo 01] [...]. Eu diria que ele ainda é um grande mentor. [Executivo 15]

O sacrifício parece ser algo valorizado na empresa estudada, como para o ser humano

na sociedade de modo geral. A própria história profissional dele é um exemplo, de alguém que assume uma empresa falida e [...] depois a transforma numa das maiores empresas do país, para quem o conhece, sabe que à custa de grandes sacrifícios pessoais e familiares, grande parte desse êxito é porque uma das características dele é que ele é extremamente dependente de uma base familiar [...]. A tranqüilidade dentro da estrutura familiar, que ele zela e se dedica [...] de forma brilhante, ele é um pai exemplar [...] não há como dissociar o sucesso dele ao zelo e manutenção da estabilidade da família [...]. [Executivo 03]

Ele era um apoio muito mais moral do que financeiro. [...] Dão força para você nunca desistir. Lutar por uma causa. Isso eles me incentivaram muito, eles me mostraram muito isso, que quando você quer alcançar aquilo, você tem que ser determinado, as coisas para acontecerem não são fáceis, se você não treinar [...]. Enfrentar os obstáculos [...]. [Executivo 04]

Como se pôde observar o imaginário está presente na organização estudada, além de

outras coisas, através da figura do mentor. Uma vez discutido e apresentado os achados da pesquisa, na próxima seção serão apresentadas às considerações finais. 6. Considerações Finais

O objetivo deste artigo foi entender como é o imaginário na relação entre mentor e mentorado em uma organização.

Na empresa estudada o regime diurno parece estar presente no que se refere à questão de gênero, pois havia uma tendência das mulheres executivas se masculinizarem para conquistar seu espaço na empresa, já que era a imagem masculina que deveria ser valorizada em detrimento da feminina.

A noção de gigantismo também pôde ser observada no caso estudado, através do discurso da grandiosidade da empresa e do seu mito de fundação. Esse gigantismo também pareceu presente na relação de mentoria na medida em que o mentorado percebe seu mentor como alguém grandioso.

O mentor ajuda o mentorado a se manter longe da morte, da queda etc. na medida em que o apóia e serve de guia na sua carreira e vida. O mito do herói estava presente na batalha pela atualização profissional.

Verificou-se que a estrutura organizacional remete à idéia de ascensão, pois no organograma quando vão crescendo na hierarquia as pessoas vão ocupando uma caixa mais alta na estrutura, além da valorização da imagem do “cabeça” da organização.

O regime noturno também estava representado pela figura do mediador e sábio incorporada pelo mentor.

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Alguns autores defendem que quando a empresa formaliza a imagem do mentor através de um programa formal esta pode ter objetivos organizacionais que vão contra os individuais. De modo geral porque por trás de grande parte das políticas organizacionais parece estar presente o objetivo manipulador de doutrinação e aculturação dos funcionários. Contudo, segundo Durand (2004), um mito por ele mesmo não é nem bom, nem mal. É a utilização totalitária a qual se faz dele que pode ser perigosa.

De modo geral, este estudo contribuiu para o entendimento do fenômeno mentoria e imaginário organizacional, na realidade brasileira. Uma vez que possibilitou aprofundar o conhecimento sobre o imaginário na relação de mentoria no caso pesquisado. Referencias ABML – Associação Brasileira de Movimentação Logística. Notícias. História Vivida. O sucesso do Rapidão Cometa. Ano 02, Número 13, Dezembro de 2003. Disponível em: <http://www.abml.org.br/noticias/13_02_122003.pdf> Acesso em: 15/12/2004. AMORIM, T. N. G. F., FREITAS, T. S. “Terninho e gravata...” Opção ou obrigação para as executivas? In: Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós- Graduação em Administração - ENANPAD. 25., 2003, Atibaia-SP. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD, 2003. CD-ROM. BETCHEREV, W. General principles of human reflexology. Londres, 1933. CHAO, G. T.; WALZ P. M.; GARDNER, P. D. Formal and informal mentorships: a comparison on mentoring functions and contrast with nonmentored counterparts. Personnel Psychology. v. 45, p. 619-636, 1992. DURAND, G. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução a arquetipologia geral. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. DURAND, G. A imaginação simbólica. 6 ed. Lisboa: Edições 70, 1993. DURAND, G. O retorno do mito: introdução à mitologia. Revista FAMECOS, n. 23. Abril, 2004. FLEURY, M. T. L.; FISCHER, R. M. (Org). Cultura e poder nas organizações. São Paulo: Atlas, 1989. HAECKEL. F. Sucesso: o que eles pensam. 119 personalidades, que fazem Pernambuco, contam suas experiências. Recife: Ed. do Autor, 2004. JANASZ, Suzanne C.; SULLIVAN, Sherry E.; WHITING, Wicki. Mentor networks and career success: lessons for turbulent times. Academy of Management Executive. v. 17, n.4, 2003. JOSEFOWITZ, N. Is this where I was going? In: Mentoring for Organizations using Springboard. (Training Manual). Seldman & Associates, 1995. KRAM, K. E. Phases of mentor relationship. Academy of Management Journal. v. 26, p. 608-665, 1983. LARAIA, R. B. Cultura, um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. LIMA, A. F. Mulheres e organizações masculinizadas: em busca de um espaço organizacional propício à harmônica entre homens e mulheres. In: Encontro da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração - EnAgrad. VIII. 1997. Rio de Janeiro e Niterói - RJ Anais... Rio de Janeiro. Agrad. 1997. NOE, R. A. An investigation of the determinants of successful assigned mentoring relationship. Personnel Psychology. v. 41, p. 457-479, 1988. PEREIRA, A. C. Meus 40 anos de Rapidão Cometa. Carta. Recife: 2005. Trabalho não publicado. RAGINS, B. R. Diversified mentoring relationship in organization: a power perspective. Academy of Management Review. v. 22, n.2, p.482-521, 1997.

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