archetekton: algumas considerações a respeito do trabalho do arquiteto na grécia antiga

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 115.03 ano 10, dez. 2009 Archetekton: algumas considerações em torno dos trabalhadores da arquitetura na Grécia antiga (1) Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima 1. Introdução “Ao empregar um termo grego para exprimir uma coisa grega, quero dar a  entender que essa coisa se contempla, não com os olhos do homem moderno, mas sim com os do homem grego.” (Werner Jaeger. Paidéia) Há um fato na História das artes que já é bastante divulgado: temos, em relação à  produção artística da Grécia Antiga, um conhecimento apenas deriva tivo e muitas veze s indireto. Isto é, muito do que conhecemos e apreciamos como "arte grega” é, na realidade, cópias romanas de originais gregos que se perderam. Este processo de conhecimento indireto ocorre com a escultura e, principalmente, com a pint ura, da qual  pouco ou qu ase nada ter ia resistido ao tempo. No entanto, se estas asserções são corretas, há que se refletir com mais minúcia um domínio específico da produção de imagens: a arquitetura. Ora, há, em toda a Grécia continental, e mesmo na chamada Magna Grécia, vários exemplares de obras arquitetônicas    e, principalmente, templos    que nos proporcionam um conhecimento direto, isto é, um conhecimento que, neste caso, não necessita da mediação da cultura romana. Mesmo o estado de ruínas destas construções remanescentes, e que lhes empresta seguramente o aspecto de um objeto que perdeu a sua feição de completude, não é suficientemente importante para impedir um certo grau de conhecimento e de experiência sensível. Além disto, há descrições de exemplares arquitetônicos realizadas por viajantes que estiveram no mundo grego, as quais podem ser comparadas com as construções ainda existentes, e, através deste método, "completa-se" com as imagens evocadas pelos textos os objetos arquitetônicos. Assim, não estaríamos longe da verdade se afirmássemos que possuímos um conhecimen to mais seguro da arquitetura grega do que da sua escultura e,  principalmente, da sua pintura. Este fato, no entanto, foi muitas vezes eclipsado pelo simples motivo de que o mundo grego não nos legou nenhum documento tão completo e tão espetacular quanto o  De  Architectura Libro Decem, do arquiteto romano Vitrúvio, escrito, provavelmente, em 27 ou 16 a.C (2) (3). Porém, mesmo que se trate de um texto escrito por um arquiteto romano, pode-se estudar e conhecer, através deste documento, parte do pensamento e da  prática arquitetônica gregas; e, nov amente neste ca so, estamos fa dados a conh ecer a arquitetura grega a partir da cultura romana... Destarte, assim como no caso da escultura e da pintura, estaríamos expostos a um conhecimento apena s indireto. É possível, no entanto, seguir um outro caminho, uma vez que alguns filósofos e aedos escreveram sobre a prática arquitetônica e sobre o estatuto social do arquiteto no mundo grego. Não vamos encontrar, certamente, um texto que poderia ser compreendido como uma

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Autor: Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima

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  • 115.03 ano 10, dez. 2009

    Archetekton: algumas consideraes em torno dos trabalhadores da arquitetura na Grcia antiga (1)

    Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima

    1. Introduo

    Ao empregar um termo grego para exprimir uma coisa grega, quero dar a entender que essa coisa se contempla, no com os olhos do homem moderno, mas sim com os do

    homem grego. (Werner Jaeger. Paidia)

    H um fato na Histria das artes que j bastante divulgado: temos, em relao

    produo artstica da Grcia Antiga, um conhecimento apenas derivativo e muitas vezes

    indireto. Isto , muito do que conhecemos e apreciamos como "arte grega , na realidade, cpias romanas de originais gregos que se perderam. Este processo de

    conhecimento indireto ocorre com a escultura e, principalmente, com a pintura, da qual

    pouco ou quase nada teria resistido ao tempo. No entanto, se estas asseres so

    corretas, h que se refletir com mais mincia um domnio especfico da produo de

    imagens: a arquitetura. Ora, h, em toda a Grcia continental, e mesmo na chamada

    Magna Grcia, vrios exemplares de obras arquitetnicas e, principalmente, templos que nos proporcionam um conhecimento direto, isto , um conhecimento que, neste

    caso, no necessita da mediao da cultura romana. Mesmo o estado de runas destas

    construes remanescentes, e que lhes empresta seguramente o aspecto de um objeto

    que perdeu a sua feio de completude, no suficientemente importante para impedir

    um certo grau de conhecimento e de experincia sensvel. Alm disto, h descries de

    exemplares arquitetnicos realizadas por viajantes que estiveram no mundo grego, as

    quais podem ser comparadas com as construes ainda existentes, e, atravs deste

    mtodo, "completa-se" com as imagens evocadas pelos textos os objetos arquitetnicos.

    Assim, no estaramos longe da verdade se afirmssemos que possumos um

    conhecimento mais seguro da arquitetura grega do que da sua escultura e,

    principalmente, da sua pintura.

    Este fato, no entanto, foi muitas vezes eclipsado pelo simples motivo de que o mundo

    grego no nos legou nenhum documento to completo e to espetacular quanto o De

    Architectura Libro Decem, do arquiteto romano Vitrvio, escrito, provavelmente, em 27

    ou 16 a.C (2) (3). Porm, mesmo que se trate de um texto escrito por um arquiteto

    romano, pode-se estudar e conhecer, atravs deste documento, parte do pensamento e da

    prtica arquitetnica gregas; e, novamente neste caso, estamos fadados a conhecer a

    arquitetura grega a partir da cultura romana... Destarte, assim como no caso da escultura

    e da pintura, estaramos expostos a um conhecimento apenas indireto. possvel, no

    entanto, seguir um outro caminho, uma vez que alguns filsofos e aedos escreveram

    sobre a prtica arquitetnica e sobre o estatuto social do arquiteto no mundo grego. No

    vamos encontrar, certamente, um texto que poderia ser compreendido como uma

  • espcie de "tratado de arquitetura avant la lettre" com todo o anacronismo que esta viso implica como normalmente o texto vitruviano o . Os filsofos, por exemplo, apenas abordaram o tema por razes expositivas e no interior dos seus sistemas de

    pensamento (4). No escreveram sobre o ofcio de arquitetura simplesmente porque isto

    no seria culturalmente possvel, uma vez que a prtica arquitetnica era considerada,

    como explicaremos nas prximas pginas, uma tchne, e, a este ttulo, no seria julgada

    um objeto da filosofia:

    "Da teoria tcnica prtica dos ofcios, os aspectos de estagnao acentuam-se ainda

    mais. Os artesos no nos deixaram, acerca de seu trabalho, testemunhos diretos. Mas

    os escritores da Antigidade so concordes em reconhecer aqui o tipo de atividade

    rotineira. A tchne artesanal no um verdadeiro saber. O arteso no tem inteligncia

    de seu mtodo, no compreende o que faz". (5)

    Pode-se depreender, das asseres do estudioso francs, duas conseqncias diretas: a

    arquitetura somente poderia existir e ser pensada como uma "prtica profissional", isto

    , como ofcio; e este mesmo ofcio era uma atividade artesanal, um trabalho manual

    que, certamente, dependia de uma teoria, mas que se realizava, verdadeiramente, na

    produo de um objeto sensvel. No existia no mundo grego ao menos no mundo grego arcaico e clssico uma esfera de pensamento que tomasse a multiplicidade do sensvel como um tema possvel ou digno de importncia para a filosofia. Explicando-

    nos em outros termos: no h, na Grcia Antiga, algo que poderia vir a ser

    compreendido como "fruio esttica", e, sem este conceito, no h "arte" no sentido

    moderno assim como no h "esttica", como um campo privilegiado para o estudo da arte (6). O termo esttica, ainda que as suas razes mais profundas estejam fincadas em solo grego refiro-me, naturalmente, etimologia da palavra, aisthesis , no pode ser aplicado Grcia Antiga sem o risco de se cometer um evidente anacronismo.

    Pintura e escultura ou bem serviam como ornamento, ou bem eram realizadas por razes

    votivas possuam, ento, uma funo utilitria bastante precisa. E, naturalmente, os objetos arquitetnicos no eram compreendidos de outra forma.

    Procuraremos, nas pginas a seguir, estabelecer uma esfera de conceitualizao que

    privilegie o surgimento da compreenso histrica de um trabalhador especfico e da sua

    prtica, assim como o seu estatuto no interior de uma dada sociedade. Utilizaremos,

    para tanto, trs textos de dois filsofos: tica a Nicmano e Metafsica, de Aristteles, e

    Poltico, de Plato; alm da Odissia, epopia atribuda a Homero. Tratar-se-, como o

    leitor j ter percebido, de uma "leitura interessada", na medida em o sistema filosfico

    de Plato e de Aristteles sero expostos apenas quando iluminarem a questo da

    prtica do archetekton. Recorrer-se-, igualmente, a textos de pesquisadores que j

    refletiram diretamente esta questo ou que, de alguma forma, a assimilaram ao seu

    discurso. Neste sentido, os textos supracitados sero considerados mais como

    documentos de carter histrico do que como textos filosficos ou obras literrias.

    Tentaremos, na medida em que este processo for possvel, interpret-los luz desta

    inquietante questo: quem era o archetekton, isto , quem era o trabalhador responsvel,

    na Grcia Antiga, pelo papel que, nas sociedades modernas e contemporneas, cabe ao

    arquiteto?

    2. A Grcia arcaica: aedos

  • Inicialmente, como o ato preliminar de um mtodo, convm indagar pela gnese da

    palavra arquiteto, isto , archetekton. Como verbete de dicionrio este termo significa

    "arquiteto, construtor de uma obra e engenheiro naval" (7). Isto , um profissional

    encarregado da direo de atividades realizadas em pedra e em madeira materiais de construo extremamente comuns e usuais na Antigidade, principalmente no que se

    refere a edificaes de grande porte destinadas s classes dirigentes. Neste sentido, o

    archetekton diferencia-se de um simples tekton porque em seu ttulo l-se a palavra

    archi, que significa, justamente, mestre ou chefe. Existem, ao menos, duas

    conseqncias interessantes desta breve genealogia: o termo archi coloca este

    profissional acima dos demais trabalhadores envolvidos nos processos construtivos,

    uma vez que ele ordenaria mais do que obedeceria, e que "faria fazer" mais do que

    concretamente "faria"; outra conseqncia no menos clara: h uma superposio

    entre o artfice que trabalha com a madeira e aquele que trabalha com a pedra. Isto

    suscita, como conseqncia do prprio pensamento, uma outra questo: esta

    superposio estaria apenas no termo, ou realmente no haveria diferentes artfices para

    o trabalho dos dois diferentes materiais? Mas a resposta para esta questo no ser

    pertinente se no for instaurado um campo de pensamento que trate o processo

    diacronicamente; isto equivale a perguntar como esta possvel superposio se deu

    historicamente no mundo grego. Estabeleceremos, na tentativa de responder estas

    questes, uma clivagem: trataremos diferentemente a Grcia Arcaica a Grcia cantada pelos aedos, tal como o prprio Homero e a Grcia Clssica, a qual tomamos contato, neste artigo, atravs da obra filosfica de Plato e Aristteles.

    Seguindo, ento, esta clivagem, iniciaremos o nosso percurso pensando o ofcio do

    archetekton desde as indicaes que podemos encontrar na Odissia, canto XVII,

    indicaes que foram valiosas para a observao de Vidal-Naquet (8):

    Com efeito, quem iria procurar um hspede a mais se ele no fizesse parte dos artesos (demiourgi)ou se no fosse adivinho, curandeiro ou carpinteiro (tekton)ou ainda aedo

    divinamente inspirado, cujos cantos nos encantam.

    Essas so as pessoas que vamos buscar pela terra infinita.

    Ningum iria convidar um mendigo para piorar a sua situao.

    Essa a resposta de Eumeu a uma acusao realizada pelo pretendente Antnoo, de ter

    introduzido um mendigo no palcio. No entanto, tratava-se do prprio Ulisses

    disfarado de mendigo... Este fato interessante porque nos remete ao estatuto social de

    que gozavam na Grcia Arcaica algumas profisses. extremamente significativo que

    diferentes ofcios sejam listados e compreendidos desde o mesmo registro: artesos, isto

    , os demiurgos, alm dos adivinhos, curandeiros, carpinteiros e aedos... No parece

    haver diferentes gradaes nem alguma espcie de hierarquia entre eles, e, sendo todos

    trabalhadores da tchne, isto , capazes de dominar a natureza atravs de astcia e

    habilidades variadas, porm precisas, todos, em princpio, se equivalem socialmente. O

    prprio Ulisses, ainda que no fosse nem um arteso nem um carpinteiro, fabricou ele

    mesmo o leito de Penlope (9). A este respeito escreveu Vernant:

    Em Homero, o termo tchne aplica-se habilidade dos demiourgi, metalrgicos e carpinteiros, e a certas tarefas femininas que requerem experincia e destreza, como a

    tecelagem. Mas ele designa tambm as magias de Hefesto e os sortilgios de Proteu.

    Entre a eficincia tcnica e a prtica mgica, a diferena no ainda ntida. (10)

  • Pode-se concluir, ento, que as atividades, na Grcia Arcaica, de forjar uma lanadeira

    ou de construir uma casa no apenas se equivaliam como no seriam considerados

    socialmente inferiores, como normalmente se supe (11). Ora, no apenas no havia

    ainda um domnio especfico de reflexo sobre a tchne, como tambm no deveria

    existir uma clivagem ntida entre o archetekton e o tekton. O termo utilizado na

    Odissia, tekton, e que foi traduzido por carpinteiro, indica uma atividade ligada a um

    material especfico, a madeira e, como a etimologia da palavra ensina igualmente pedra, mas no indica a produo de um objeto especfico: poderia ser uma arma, assim

    como um leito ou um navio, e, igualmente, uma casa. A oposio existente no trecho

    citado no est localizada no interior de uma dada atividade, mas entre o trabalhador e

    aquele que, no possuindo nenhum tipo de habilidade especfica, est reduzido

    condio, socialmente inferior, de mendigo. Assim, a frase de Rgis Debray dita acerca

    do fabricante de imagens da Grcia, segundo a qual, "(...), o fabricante de imagens

    vtima do desprezo que pesa sobre todos os trabalhadores manuais" (12), deve ser vista,

    no mnimo, com muitas ressalvas. Em Homero observa-se que aquele que no exerce

    nenhuma ocupao que desprezado, e o trabalhador, seja ele matemtico, demiurgo

    ou tekton, goza certamente de um certo prestgio social.

    Porm, importante que se diga que, em relao Grcia Arcaica, ainda no estamos

    refletindo o archetekton, mas o tekton a epopia de Homero, assim como a tragdia de squilo, indica apenas o tipo de atividade exercida, mas no deixa perceber ou entrever

    nenhuma distino importante em termos de diviso social ou tcnica do trabalho. Se

    supuser a existncia de um profissional encarregado da direo dos trabalhos parece

    razovel e mesmo lgico, , no entanto, uma reflexo de carter apenas especulativo,

    uma vez que os textos em questo no a autorizam. Deve-se avanar alguns sculos para

    que a arquitetura, esta tchne especfica, se clive em uma maior especializao.

    3. A Grcia clssica: filsofos

    H, nos escritos que nos legaram os filsofos clssicos, inmeras consideraes sobre

    os profissionais da arquitetura no se trata, como j afirmamos na introduo deste texto, de registros detalhados sobre a atividade tcnica da construo, os quais

    envolveriam, necessariamente, a descrio de regras construtivas assim como de uma

    tipologia arquitetnica estaremos diante de asseres que, se por um lado apenas tangenciam a questo, por outro lado permitem-nos ao menos conhecer o estatuto social

    de que gozavam tanto o archetekton quanto o tekton na Grcia Clssica.

    Comearemos o nosso estudo por Plato, principalmente porque o seu pensamento

    apresenta uma relao um pouco ambgua com as imagens alguns estudiosos, como o esteta francs Raymond Bayer, defendem o "carter esttico" deste pensamento: "Plato

    no escreveu uma esttica propriamente dita, mas a sua metafsica toda ela uma

    esttica" (13). Naturalmente, o autor francs no est afirmando que o filsofo grego

    pensava a partir de consideraes estticas que poderiam vir a ser compreendidas no

    sentido moderno, isto , como uma espcie de "cincia do belo". No entanto, certo que

    a teoria platnica a que nos referimos possibilita, em um certo nvel, uma aproximao

    esttica, uma vez que supe uma intuio, ainda que intelectual, a respeito das Idias.

    H uma posio no menos importante para o tema que estamos desenvolvendo, j que

    nos remete a uma interpretao quase cannica dele. Trata-se dos que afirmam que o

    fabricante de imagens seria, no pensamento platnico, desprezado, ou, ao menos,

    menosprezado, porque faria, sempre, a "cpia da cpia", isto , a cpia daquilo que, por

  • sua vez, j seria uma cpia da Idia. Neste sentido, uma pintura ou uma escultura

    apresentariam menos verdade do que o prprio objeto representado. Estas asseres

    encontram-se sintetizadas neste admirvel trecho de A Repblica: "Temos razo em

    criticar o poeta, pois, em relao verdade, ele faz obras to vis quanto o pintor" (14)

    (15). Se esta teoria, usualmente compreendida como "anti-esttica", encontra-se nos

    escritos do prprio Plato, necessrio, no entanto, relativiz-la, ou ao menos, pens-la

    a partir do ofcio do archetekton. A partir destas consideraes preliminares pode-se

    refletir a profisso de arquiteto na Grcia Clssica tal como alguns escritos platnicos

    determinam.

    No dilogo Poltico pode-se ler algumas asseres sobre a funo do archetekton:

    ESTRANGEIRO: A seguinte: lembras-te de que falvamos da arte do clculo... SCRATES, O JOVEM:

    Sim. ESTRANGEIRO:

    Pois toda ela faz parte, creio eu, das cincias tericas. SCRATES, O JOVEM:

    Nem poderia ser de outro modo. ESTRANGEIRO:

    Bem, o clculo, que nos d a conhecer a diferena entre os nmeros, ter ainda outra funo alm daquela de julgar as diferenas?

    SCRATES, O JOVEM:

    Que teria ele mais a fazer? ESTRANGEIRO:

    Nenhum arquiteto (archetekton)trabalha como operrio, mas apenas dirige os operrios.

    SCRATES, O JOVEM:

    certo. ESTRANGEIRO:

    A sua contribuio um conhecimento, e no uma colaborao manual. SCRATES, O JOVEM:

    Sim. ESTRANGEIRO:

    Seria certo ento dizer que ele participa da cincia terica? SCRATES, O JOVEM:

    Perfeitamente. ESTRANGEIRO:

    Ele, no entanto, uma vez traado o plano, no deve considerar-se livre e abandonar a tarefa como o faria o calculista. Ao que creio, cabe-lhe ainda indicar a cada um dos

    operrios tudo quanto lhes compete fazer at que tenham terminado todo o trabalho.

    SCRATES, O JOVEM:

    certo. ESTRANGEIRO:

    Assim, pois, todas estas cincias so tericas, incluindo as que participam da arte do clculo, mas os dois gneros que elas formam diferem; pois um deles, em seus clculos,

    apenas julga, e outro, alm de julgar, tambm dirige.

    SCRATES, O JOVEM:

    Parece que sim. (16)

  • Este trecho do dilogo platnico tem importantes conseqncias para o conhecimento

    das funes desempenhadas pelo archetekton. A primeira destas conseqncias uma

    determinao mais precisa do seu papel social no interior do ofcio. Como se pode

    perceber, no estamos mais diante da indistino entre archetekton e tekton da Grcia

    Arcaica, tal como se pde depreender da leitura da epopia homrica , trata-se, ao contrrio, de uma ntida diviso: de um lado temos o operrio, o tekton, responsvel

    pelos trabalhos manuais, e de outro lado h o trabalhador que no executa

    concretamente as atividades, mas as elabora intelectualmente e as dirige. Aqui j surge

    claramente uma ntida diviso entre aquele que executa as tarefas e aquele que dirige o

    processo. A segunda conseqncia apresenta, igualmente, repercusses importantes;

    ora, tratando-se das atividades realizadas pelo archetekton, trata-se, por conseguinte, da

    formao requerida para o desempenho satisfatrio do ofcio. So partes integrantes da

    tchne especfica do archetekton, segundo o texto platnico, o traado dos planos e a

    direo das obras, e ambas so compreendidas como conhecimento e cincia teortica, e

    no como um mero trabalho manual (17).

    No estamos diante, contudo, de um inventrio de habilidades e disciplinas to

    detalhado e exaustivo como aquele encontrado no escrito de Vitrvio, mas j possvel

    perceber com certo nvel de certeza que por volta do sculo IV a. C. j existia no mundo

    grego um trabalhador encarregado de realizar um esquema grfico suscetvel de

    antecipar, em um certo nvel, a obra construda e, igualmente, de zelar pela sua

    execuo. E, como se pode depreender da leitura do texto platnico, temos certeza ao

    menos de uma disciplina que seria de suma importncia na formao do archetekton: a

    matemtica. Conhece-se suficientemente como era determinante a participao desta

    disciplina no pensamento platnico, mas, neste caso, vai-se alm do simples clculo: de

    um lado temos a matemtica como cincia teortica, responsvel por "despertar o

    pensamento do homem" (18); e, de outro lado, h a sua utilidade prtica, que no caso do

    archetekton seria o de fundamentar o "traado dos planos". Porm, certamente a

    matemtica no era a nica disciplina formadora do archetekton: no seria, com certeza,

    uma mera especulao se afirmssemos que seria necessrio conhecer a trajetria do

    sol, e as estaes do ano, para construir uma residncia adequada em termos de

    "conforto trmico". Estamos, aqui, nos referindo a esta dimenso da arquitetura

    justamente porque temos, em Xenofonte, uma afirmao atribuda a Scrates bastante

    precisa neste sentido:

    Ainda se referindo construo, Scrates deu uma lio de que como deveriam ser

    construdas as casas para que fossem ao mesmo tempo belas e teis. Eis como ele tratou

    a questo:

    "Quando algum deseja construir uma casa, ele no deve planej-la de forma tal que

    esta seja to agradvel para viver e to til quanto possvel?"

    E isto estando admitido, ele perguntou:

    "E no deveria ser a casa fresca no vero e quente no inverno?"

    E quando se concordou igualmente com este princpio:

    "No inverno, uma vez que as casas estejam voltadas para o sul, no penetram os raios de

    sol no prtico? E, no vero, os raios de sol no se dirigem acima das nossas cabeas e

  • do telhado, deixando-nos na sombra? Se, ainda, este for o melhor arranjo possvel,

    deve-se construir as casas de forma tal que o lado sul tenha o telhado mais alto para

    receber o sol de inverno e o lado norte mais baixo para maior proteo contra os ventos

    frios? Em resumo, a casa que seja um bom abrigo em todas as estaes e um depsito

    seguro para os pertences do proprietrio , ao mesmo tempo, a mais bela e agradvel.

    Pinturas e ornamentos no acrescentariam em nada a esta casa". (19)

    Os argumentos socrticos vo, certamente, no sentido da kalokagatia, mas, para que a

    dimenso do "conforto trmico" fosse abordada de forma to clara por Scrates, seria

    preciso que j existisse socialmente como uma espcie de expectativa em relao

    atividade do archetekton. bem pouco provvel que o mestre de Plato estivesse

    criando uma inesperada exigncia construtiva ao associar a beleza de um objeto

    arquitetnico sua estrita utilidade. Destarte, j possumos alguns dos componentes

    provveis da formao do archetekton: o clculo, a geometria (uma vez que um plano

    deveria ser traado) e a "clmata". (20)

    Mas estes no so, certamente, os nicos conhecimentos requeridos ao archetekton; em

    um outro trecho de Memorveis, Scrates interpela o jovem Eutidemo, que passava por

    possuir uma vasta biblioteca, com livros de poesia, tratados de medicina e de

    matemtica, alm de escritos de arquitetura. Em certo momento da conversa, o mestre

    de Plato pergunta pela finalidade de possuir tantas obras: "Mas talvez voc deseje ser

    arquiteto? Neste caso necessrio possuir, como no campo da medicina, muitos

    conhecimentos" (21). O termo do original grego, gnmonikou, traduzido por ns a partir

    da verso em lngua inglesa como "possuir muitos conhecimentos" (22), poderia ser

    traduzido, igualmente, por "estar apto para emitir juzos". Isto significa que o

    archetekton deveria ter tido contato, na sua prpria formao, com muitas e variadas

    disciplinas. No entanto, no h como elenc-las na sua totalidade sem correr o risco de

    realizar uma especulao muito frgil.

    Estas frases de Scrates, assim como as de Plato, evidenciam um ponto de extrema

    importncia: j estamos diante de do binmio "projeto e canteiro de obras", atividades

    realizadas por trabalhadores que, ao longo de muitos sculos, foram compreendidos

    diferentemente pelas inmeras sociedades que atingiram um certo nvel de sofisticao

    construtiva. Seja um artfice bizantino como Antmio de Tralles (23), seja um annimo

    maistre masson do gtico francs, ou um clebre ourives italiano como Brunelleschi

    (24), o desenho e a superviso dos trabalhos sempre acompanharam este ofcio. E se

    retornarmos a frase de Debray, citada no captulo anterior, a qual indica a baixa

    considerao social de que gozariam os fabricantes de imagem na Grcia Antiga,

    veremos que ela no se aplica Grcia Clssica, assim como j no se aplicava sem as

    devidas ressalvas Grcia Arcaica.

    Porm, foi analisado apenas um texto, e talvez estejamos incorrendo em uma

    simplificao, uma vez que um nico documento no material suficiente para

    conformar uma histria. Destarte, assim como havamos antecipado na introduo deste

    trabalho, recorreremos a um trecho da obra do Estagirita na tentativa de estabelecer uma

    viso um pouco mais panormica do ofcio do archetekton. O trecho abaixo foi retirado

    da obra tica a Nicmano:

    Na classe do varivel incluem-se coisas produzidas tanto quanto coisas praticadas. H

    uma diferena entre produzir e agir (quanto natureza de ambos, consideramos como

  • assente o que temos dito mesmo fora de nossa escola); de sorte que a capacidade

    raciocinada de agir difere da capacidade raciocinada de produzir. Da, tambm, o no se

    inclurem uma na outra, porque nem agir produzir, nem produzir agir.

    Ora, como arquitetura uma arte (tchne), sendo essencialmente uma capacidade

    raciocinada de produzir, e nem existe arte alguma que no seja uma capacidade desta

    espcie, nem capacidade desta espcie que no seja uma arte, segue-se que a arte

    idntica a uma capacidade de produzir que envolve o reto raciocnio (25).

    H importantes consideraes neste trecho para o tema de que tratamos, e h uma

    espcie de questo principal que perpassa e determina todas as outras: a oposio

    indicada por Aristteles entre ao (prxis) e produo (poisis). Ora, se a arquitetura

    no uma prxis tampouco se conforma como uma poisis tout court... O ofcio do

    archetekton, ao contrrio daquele praticado pelo tekton, suscetvel de ser ensinado,

    uma vez que envolve o "reto raciocnio", como nos ensina Fernando Puentes: "Por este

    motivo o arquiteto, por exemplo, considerado mais sbio do que o pedreiro, pois ele

    conhece a razo (lgos) e a causa (aiton) do que ser construdo, enquanto o pedreiro

    sabe apenas como executar a construo propriamente dita, mas isso ele o sabe apenas

    por costume (thos)" (1998, p. 131). No mundo grego clssico, como o trecho

    supracitado indica, a pura experincia no pode ser objeto da cincia, e o trabalho

    baseado na simples observao e na repetio no goza do mesmo prestgio daquele que

    se baseia no estudo e conhecimento das causas. H uma outra obra na qual Aristteles

    trata da questo do ofcio do archetekton, a Metafsica, a qual, de certa maneira, refora

    e amplia as concluses exposta acima:

    Por isso consideramos os que tm a direo (archetekton) nas diferentes artes (tchne)

    mais dignos de honra e possuidores de maior conhecimento e mais sbios do que os

    trabalhadores manuais (cheirotechns), na medida em que aqueles conhecem as causas

    das coisas que so feitas; ao contrrio, os trabalhadores manuais agem, mas sem saber

    que o fazem, assim como agem alguns dos seres inanimados, por exemplo, como o fogo

    queima: cada um desses seres inanimados age por certo impulso natural, enquanto os

    trabalhadores manuais agem por hbito. Por isso consideramos os primeiros mais

    sbios, no porque capazes de fazer, mas porque possuidores de um saber conceitual e

    por conhecerem as causas (26).

    Nas frases acima se percebe que o archetekton "mais sbio" que o tekton justamente

    porque a sua tchne um "saber conceitual", e no exatamente porque seja "capaz de

    fazer"... Se a sua habilidade consistisse somente na realizao material, isto , na posis,

    no se diferenciaria muito do trabalhador manual no entanto, no seria uma mera especulao se afirmssemos que o ato de "traar o plano" e "dirigir o trabalho" no so

    ocupaes manuais que possam ser compreendidas como poisis, mas fazem parte de

    um domnio que pode ser sistematizado como conhecimento e, a este ttulo, ensinado. E

    se certo que uma obra arquitetnica de uma certa sofisticao pressupe a existncia

    tanto de um "plano" como de uma "direo", igualmente seguro que no so

    exatamente trabalhos "intelectuais" como a soluo de um problema lgico ou

    matemtico o seria. O que determina a diferena e marca mesmo uma distino social

    entre o archetekton e o tekton no a realizao potica, mas a diferena no interior

    mesmo do trabalho, na medida em que de um lado colocado o conhecimento teortico

    e, do outro lado, dispem-se o hbito e a tradio.

  • Posto esta questo, mister que analisemos os objetos produzidos pelo ofcio do

    archetekton; j havamos salientado, na introduo deste texto, a ambigidade e a

    dicotomia presentes no termo archetekton, o qual indica uma tchne ligada tanto ao

    trabalho em madeira quanto ao trabalho em pedra. Esta ambigidade reforada em

    algumas tradues de textos gregos, nas quais tanto o termo archetekton quanto tekton

    so traduzidos por carpinteiro. Esta escolha tradutiva pode provocar o sentimento no

    leitor hodierno de que no havia nenhuma distino social nem nenhuma diviso tcnica

    na prtica arquitetnica, porm, j conhecemos os inmeros significados que o termo

    "carpinteiro" pode ocultar... Faz-se necessrio, ento, refletir se o mesmo archetekton

    realizava tanto trabalhos em madeira como em pedra, sem nenhuma espcie distino,

    ou se havia algum tipo de especializao. No uma pergunta que possa ser respondida

    exaustivamente, uma vez que os textos no so exatamente precisos. Mas sabemos que

    o ofcio do archetekton era relativamente vasto, principalmente se comparado com as

    funes atuais do arquiteto: arquitetura e urbanismo, construo de navios, engenhos de

    guerra, decoraes e maquinarias teatrais (27) (28). Ou seja, se realizarmos uma "leitura

    moderna", ainda que incorrendo em um evidente anacronismo, perceberemos que o

    termo archetekton subsume, simultaneamente, o imenso campo de atuao da

    Engenharia no que se refere ao clculo e superviso do canteiro de obras e o da Arquitetura e Urbanismo como o projeto de prdios e de cidades e a direo (hoje utilizaramos, preferencialmente, o termo "coordenao") dos trabalhos. No entanto,

    necessrio perceber que o archetekton no nem um Engenheiro Civil nem de um

    Arquiteto e Urbanista no sentido moderno, e nem se trata de uma fuso entre ambos os

    profissionais. O archetekton , naturalmente, um outro "profissional", nascido de uma

    civilizao que apresenta, como toda civilizao, as suas idiossincrasias e

    especificidades.

    Mas a questo foi apenas parcialmente respondida, posto que h uma pergunta que

    ainda guarda o seu poder de inquietao: todos os profissionais da archetekton

    realizavam todas as atividades elencadas ou havia uma seleo e escolha consoante as

    oportunidades de trabalho e os diferentes locais? E isto equivale a perguntar se esta

    tchne comportava divises e especificidades. H, felizmente, um texto bastante

    esclarecedor a este respeito, atribudo a Xenofonte:

    "Nas pequenas cidades, o mesmo operrio (technai) produz leitos, portas, charruas,

    mesas; s vezes, constri mesmo casas (...). Mas, nas grandes cidades, em que cada um

    encontra muitos compradores, suficiente uma s profisso para alimentar um homem.

    s vezes, mesmo, no se tem necessidade de uma profisso completa: um fabrica o

    calado para homens; outro, calado para senhoras. Um corta, outro costura

    simplesmente o sapato, um s corta as roupas, outro ajusta as diferentes peas". (29)

    (30)

    Mesmo que o termo empregado pelo discpulo de Scrates tenha sido genrico,

    marcando apenas um trabalhador da tchne e no exatamente um tekton e muito menos

    um archetekton, no estaramos apenas especulando se afirmssemos que o archetekton

    no existiria nos termos descritos por Plato e Aristteles seno em certas cidades as maiores, mais prsperas e mais populosas do mundo grego. Assim, tomando as asseres de Xenofonte para melhor refletir a prtica do archetekton, poder-se-ia

    afirmar que as atividades elencadas por Vernant eram exercidas, nas cidades menores,

    por uns poucos trabalhadores da tchne; e, nas cidades maiores, estas atividades seriam

    exercidas por "profissionais especializados" glosando a traduo brasileira do texto

  • francs, dir-se-ia que exerceriam a sua profisso de maneira "incompleta". Isto significa

    que, talvez o termo da incerteza se impe uma vez que, de fato, o nosso conhecimento sobre este ofcio apenas fragmentrio houvesse trabalhadores que se dedicassem to somente construo de residncias e de outros prdios, ao passo que outros se

    dedicariam esta atividade acrescida da construo de navios, de engenhos de guerra,

    etc. Esta diviso do trabalho seria determinada pelo nmero de habitantes de uma polis,

    e no por uma questo de regulamentao da "profisso", que, como conhecido, no

    existia no mundo grego:

    "Uma observao de histria social permite precisar estes pontos: na poca clssica, no

    se encontra nenhuma forma de organizao religiosa da profisso. No h intermedirio

    entre o arteso e a cidade: nem corporao, nem confraria. O fato contribui para colocar

    a "profisso" sob uma luz inteiramente racional: ela vista em sua funo econmica e

    poltica". (31) (32)

    Feitas estas consideraes, e guisa de sntese, poder-se-ia afirmar que no tarefa fcil

    descrever e precisar o estatuto social de um trabalhador e o papel que este ocupa no

    interior da sua tchne e mesmo esta ltima difcil de ser compreendida na sua totalidade, uma vez que lanar uma luz moderna sobre a questo seria cometer um

    evidente anacronismo. Isto significa que no podemos pensar o ofcio do archetekton

    desde o ofcio do arquiteto moderno, por mais tentador que isto seja (e torna-se ainda

    mais tentador porque o lxico do termo parece autorizar...). Toda sociedade afastada do

    universo cultural do pesquisador, seja a partir de uma perspectiva histrica, seja a partir

    de uma perspectiva geogrfica, seja como no caso deste trabalho tanto histrica quanto geograficamente, deve ser estudada a partir das especificidades culturais que a

    determinam. Neste caso, o nico mtodo possvel uma hermenutica cuidadosa dos

    textos produzidos na poca e no espao em questo.

    No entanto, nem este mtodo poderia colocar o pesquisador fora do alcance de

    anacronismos e de interpretaes imprecisas ou mesmo francamente errneas. O

    nmero escasso de documentos escritos que tratem o tema, e a prpria condio

    "marginal" do tema no interior dos documentos, fazem com que a trama na qual a

    narrativa histrica urdida apresente-se, muitas vezes, como um conjunto de fios

    entrelaados cuja ordem de difcil percepo. Mas o "ordenamento dos fios" no pode

    ser feito desde o exterior, deve ser realizado, ao contrrio, a partir dos prprios

    documentos, como o ofcio de uma tecel que domine perfeitamente a sua tchne.

    notas

    1

    Este artigo foi publicado em: Interpretar Arquitetura, volume 8, 2007, p. 12.

    2

    TUFFANI, Eduardo. Estudos vitruvianos. So Paulo, HVF Representaes, 1993, p. 23.

    3

    Os fabricantes de imagens escreveram, certamente, sobre o seu ofcio, como nos

    assevera o pensador francs Rgis Debray: "Pelos fins do perodo clssico, no sculo III

    Ac, praticantes da escultura, como Xencrates e Antgono, codificavam, por escrito, a

    respectiva profisso, como j tinha sido feita por Ictino, arquiteto do Partenon". Ver:

  • DEBRAY, Rgis. Vida e morte da imagem: uma breve histria do olhar no Ocidente.

    Petrpolis, Vozes, 1989, p. 175.

    4

    A este respeito o pensador francs Rgis Debray afirmou com fina ironia: "Em ltimo

    caso, pode-se jantar ou conversar com esse pessoal (pintores, escultores e arquitetos),

    mas no consagrar-lhes um livro ou prefaci-los". Ver: DEBRAY, Rgis. Op. cit., p.

    177.

    5

    VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos. Traduo: Haiganuch

    Sarian. 2 edio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2002, p. 374.

    6

    Sobre esta questo escreveu Panofsky: "Com efeito, a partir do momento em que Plato

    avalia o valor das produes da escultura e da pintura em funo do conceito de um

    conhecimento verdadeiro, isto , de uma conformidade com a Idia conceito que lhes fundamentalmente alheio , uma esttica das artes plsticas no pode encontrar em seu sistema filosfico a ttulo de domnio especfico do esprito (alis, somente no sculo

    XVIII ir se instaurar uma separao, fundada em princpios, entre a esfera da esttica e

    as da teortica e da tica) (...)". Ver: PANOFSKY, Irwin. Idia: a evoluo do conceito

    de belo. 2 edio. Traduo: Paulo Neves. So Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 8.

    7

    Ver: YARZA, Florencio I. Sebastin. Dicionario Griego-Espanl. Barcelona, Rmon

    Sopena, 1954; e PEREIRA, Isidro S. J. Dicionrio Grego-Portugus e Portugus-

    Grego. 5 edio, Porto, Apostolado da Imprensa, 1976.

    8

    VIDAL-NAQUET, Pierre. O mundo de Homero. Traduo: Jnatas Batista Neto. So

    Paulo, Companhia das Letras, 2002.

    9

    Idem, Ibidem, p. 106.

    10

    VERNANT, Jean-Pierre. Op. cit., 2002, p. 357.

    11

    Na tragdia de squilo, Prometeu, Vernant observou a mesma questo: "Por outro lado,

    no se encontram traos na tragdia de qualquer reserva em relao ao tcnico.

    Nenhuma oposio se marca entre cincia pura e as artes da utilidade: na lista de seus

    benefcios, Prometeu coloca no mesmo plano a cincia dos nmeros, a arte de domar os

    cavalos e a explorao das minas". Ver: VERNANT, Jean-Pierre. Op. cit., 2002, p. 321.

    12

    DEBRAY, Rgis. Op. cit., p. 172.

    13

    BAYER, Raymond. 1979, p. 37.

  • 14

    PLATO. Repblica. 605a

    15

    Esta interpretao que nomeamos de "cannica" pode ser lida em Panofsky: "Plato,

    que conferiu ao sentido e ao valor metafsico da Beleza fundamentos universais, e cuja

    teoria das Idias adquiriu para a esttica das artes plsticas uma significao cada vez

    maior, no foi capaz, no entanto, de julgar equanimemente estas mesmas artes plsticas"

    (PANOFSKY, Irwin. Op. cit., 2000, p. 7). Jaeger, porm, analisando esta questo luz

    da paidia, determina-a de maneira mais matizada: "Encontramo-nos aqui numa

    viragem da histria da paidia grega. A luta trava-se em nome da verdade contra a

    aparncia. Recorda-se de passagem que a poesia imitativa devia ser desterrada do

    Estado ideal que se pretende fundar. E como nunca nem em parte alguma, talvez, se

    poder vir a realizar o Estado ideal, como Plato acaba de declarar, o repdio da poesia

    no significa tanto o seu afastamento violento do Homem, como uma delimitao ntida

    da influncia espiritual para quantos aderirem s concluses de Plato" (JAEGER,

    Werner. Paidia: a formao do homem grego. Traduo: Artur M. Parreira. 3 edio,

    So Paulo, Martins Fontes, 1994, p. 982). A questo da paidia, se determina a

    inferioridade social dos produtores de imagens em relao aos filsofos, produtores do

    verdadeiro conhecimento, coloca, no entanto, os poetas ao lado destes ltimos: "Sem

    dvida, os verdadeiros representantes da paidia no so os artistas mudos escultores, pintores, arquitetos , mas os poetas e msicos, os filsofos, os retricos e os oradores, quer dizer, os homens de Estado" (Idem, Ibidem, p. 18).

    16

    259 e

    17

    Comentando partes da obra platnica Raimundo Arajo afirma: "O arquiteto possui

    elementos de saber terico, capacidade de "construo especulativa" que podem ser

    transmitidos por um ensinamento de carter lgico, isto , como um movimento

    articulado do lgos (discurso, razo) diferente da aprendizagem prtica que no precisa

    necessariamente de teoria mas das repeties de aes. No primeiro, o tipo de

    aprendizagem capacita o aprendiz a dominar os fundamentos do saber, da a expresso

    "saber terico" ou "epistmico"; no segundo, h uma repetio de comandos por

    desconhecimento dos fundamentos. O architkton em sua atividade de construo

    apia-se em uma tchne que , de algum modo teortica, isto , que se apresenta sob a

    forma de uma teoria mais ou menos sistemtica". Ver: ARAJO, Raimundo. O solo histrico da noo de techne e a reflexo de Plato na Repblica. In: Techn. So Paulo, EDUC, Palas Athena, 1998, p. 95.

    18

    JAEGER, Werner. Op. cit., p. 897.

    19

    Xenofonte. Mem., III, 8, 8-10. A nossa traduo para o Portugus foi realizada a partir

    da traduo de lngua inglesa. O texto em Ingls, assim como o original grego, pode ser

    consultado no site: . Para a traduo em Portugus pode-se

    consultar: XENOFONTE. Ditos e feitos memorveis de Scrates. Traduo: Jaime

  • Bruna; Lbero Rangel de Andrade; Gilda Maria Reale Strazynski. 5 edio, So Paulo,

    Nova Cultural, 1991. Esta edio, no entanto, no apresenta o texto na ntegra.

    20

    Tomamos o termo emprestado a Vitrvio: " necessrio que conhea a cincia da

    medicina por causa das alteraes no firmamento que os gregos denominam clmata

    (...)". Em nota da edio brasileira lemos a explicao do termo: "diferentes inclinaes

    do sol; da o termo climas". Ver: POLIO, Marco Vitrvio. Da arquitetura. 2 ed.

    Traduo: Marco Aurlio Lagonegro. So Paulo, Hucitec, Annablume, 2000, p. 52.

    21

    Mem., IV, 2, 8-10. Ver nota 17.

    22

    Na traduo inglesa temos: "One needs a well-stored mind for that too". Na traduo da

    edio brasileira l-se: "A arquitetura tambm exige instruo".

    23

    IDRISI, apud PEDRERO-SNCHEZ, Maria Guadalupe. Histria da Idade Mdia textos e testemunhas. So Paulo, Unesp, 2000, p. 55.

    24

    ARGAN, Giulio Carlo. Clssico anticlssico: o Renascimento de Brunelleschi a

    Bruegel. Traduo: Lorenzo Mamm. So Paulo, Companhia das Letras, 1999.

    25

    livro VI, 4, 2-6

    26

    981 b

    27

    Em Atenas, uma das significaes do termo archetekton "administrador de teatro".

    Ver: PEREIRA, Isidro S. J. Op. cit., 1976, p. 85.

    28

    VERNANT, Jean-Pierre. Op. cit., p. 361.

    29

    XENOFONTE, Ciropdia. VIII, 2, Apud: VERNANT, Jean-Pierre. Op. cit., 2002, p.

    342.

    30

    Ver nota 17.

    31

    VERNANT, Jean-Pierre. Op. cit., p. 336.

    32

    Jaeger, no entanto, discordaria desta assero, ao menos no que se refere aos mdicos:

  • "O 'juramento' hipocrtico, que deviam prestar os que queriam ingressar na agremiao,

    continha entre outras a obrigao solene de guardar o segredo da doutrina. Era,

    geralmente, de pais e filhos que ela se transmitia, uma vez que estes podiam suceder

    queles no exerccio da profisso. As pessoas estranhas, ao serem aceitas como

    discpulos, eram equiparadas aos filhos. Em troca, obrigavam-se a transmitir

    gratuitamente a arte mdica aos filhos que o seu mestre deixasse morrer. Outro trao

    muito tpico era tambm o de os discpulos se casarem, tal como os aprendizes, dentro

    da corporao" (2000, p. 1011, destaque nosso).

    referncias bibliogrficas

    ARISTTELES. tica Nicmano. Coleo: Os Pensadores, volume II, Traduo:

    Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. So Paulo, Nova Cultural, 1991.

    ARISTTELES. Metafsica. Traduo: Givanni Reale. So Paulo, Loyola, 2002.

    LIMA, Adson C. Bozzi R. Arquitetura: a historicidade de um conceito. In: Interpretar Arquitetura. volume 4, n. 7, jul. 2004. Disponvel em:

    PLATO. Poltico. Coleo: Os Pensadores, volume III, Traduo: Jorge Paleikat e

    Joo Cruz Costa. So Paulo, Abril Cultural, 1972.

    PLATO. A Repblica. Traduo: Albertino Pinheiro. 6 edio. So Paulo, Atena,

    1956.

    PUENTES, Fernando Rey. A tchne in Aristteles. In: Techn, So Paulo, EDUC, Palas Athena, 1998.

    XENOPHON. Cyropaedia. Disponvel em: . Acessado em

    21/01/2005.

    XENOPHON. Memorabilia. Disponvel em: . Acessado em

    24/01/2005.

    sobre o autor

    Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima, arquiteto e urbanista, Mestre em Estudos

    Literrios pela Universidade Federal do Esprito Santo, Doutorando em Arquitetura e

    Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo,

    Autor do livro Arquitessitura ? trs ensaios transitando entre a filosofia, a literatura e

    arquitetura. Professor Assistente da Universidade Estadual de Maring, Departamento

    de Arquitetura e Urbanismo