araujo e calmon abcp2012 acf

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Área Temática: Estado e políticas públicas POLÍTICA AMBIENTAL NO BRASIL NO PERÍODO 1991-2011: UM ESTUDO COMPARADO DAS AGENDAS VERDE E MARROM SUELY MARA VAZ GUIMARÃES DE ARAÚJO Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Centro de Estudos Avançados de Governo e Administração Pública (Ceag/UnB) [email protected] PAULO CARLOS DU PIN CALMON Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) Centro de Estudos Avançados de Governo e Administração Pública (Ceag/UnB) [email protected]

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Trabalho sobre políticas públicas com base no modelo teórico Coalizão de Defesa.

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  • rea Temtica: Estado e polticas pblicas

    POLTICA AMBIENTAL NO BRASIL NO PERODO 1991-2011: UM ESTUDO COMPARADO DAS

    AGENDAS VERDE E MARROM

    SUELY MARA VAZ GUIMARES DE ARAJO Instituto de Cincia Poltica da Universidade de Braslia (UnB)

    Centro de Estudos Avanados de Governo e Administrao Pblica (Ceag/UnB)

    [email protected]

    PAULO CARLOS DU PIN CALMON Instituto de Cincia Poltica da Universidade de Braslia (UnB)

    Centro de Estudos Avanados de Governo e Administrao Pblica (Ceag/UnB)

    [email protected]

  • 1

    Resumo O trabalho aborda os principais processos decisrios da poltica ambiental que tiveram como arena o Congresso Nacional entre 1991-2011 e seus resultados. A proposta comparar os processos de mudana institucional relativos agenda verde e chamada agenda marrom. A principal base terica o Advocacy Coalition Framework (ACF), modelo que foca os processos decisrios a partir da competio e coordenao entre grupos de atores dotados de conjuntos distintos de ideias e recursos, inserindo as relaes desses atores em quadros institucionais e contextos poltico-sociais. A nfase est no sistema de crenas dos diferentes grupos de atores, e suas repercusses, sem prejuzo da anlise de outras variveis envolvidas nas decises em polticas pblicas.

    Palavras-chave: poltica ambiental; coalizes de defesa; polticas pblicas.

    1 Introduo

    Em leitura tradicional, a diviso natural entre aliados e oponentes no

    subsistema de atores da poltica nacional de biodiversidade e florestas

    colocaria, de um lado, os ambientalistas, incluindo algumas agncias estatais

    (Ministrio do Meio Ambiente e organizaes a ele vinculadas, e rgos

    ambientais estaduais e municipais), organizaes no-governamentais e

    algumas entidades de pesquisa, e, de outro, os representantes do setor

    produtivo. Estudos sobre o processo de elaborao da Lei do Sistema Nacional

    de Unidades de Conservao (MERCADANTE, 2001, p. 190-231; SANTILLI,

    2005, p. 103-135, 2007, p. 137-142) apontavam deficincias nessa diviso,

    uma vez que os conflitos entre os prprios ambientalistas, derivados de vises

    diferenciadas sobre a poltica ambiental, ou seja, de sistemas de crenas

    distintos, tiveram peso relevante nos impasses verificados nesse processo

    decisrio.

    A anlise dos processos legislativos relacionados agenda verde no

    perodo 1992-2006 com base no Advocacy Coalition Framework (ACF),

    realizada pelos autores em pesquisa anterior, comprovou que o quadro de

    aliados e oponentes no subsistema , realmente, mais complexo do que aponta

    a perspectiva tradicional, envolvendo quatro coalizes de defesa: os

    tecnocratas esclarecidos, os socioambientalistas, os desenvolvimentistas

    modernos e os desenvolvimentistas tradicionais. Mostrou tambm que os

    diferentes sistemas de crenas dos atores, conformadores dos quatro

    grupamentos, constituem fator importante para explicar a falta de agilidade de o

    subsistema de atores envolvidos nos processos decisrios nesse campo de

  • 2

    polticas pblicas gerar outputs, com destaque para a legislao nacional

    produzida (ARAJO, 2007; ARAJO; CALMON, 2010). As divergncias nesse

    sentido tambm explicariam alguns problemas existentes na execuo das leis.

    A pesquisa aqui apresentada, ainda em curso, procura responder a

    seguinte pergunta: como os processos de mudana da base regulatria das

    agendas verde e marrom da poltica ambiental no Brasil diferenciam-se em

    termos de dinmica e resultados?

    Considera-se que poltica ambiental pode ser dividida em duas agendas

    principais, a agenda verde, que abrange a proteo da flora e da fauna e a

    conservao da biodiversidade, e a agenda marrom, que engloba o controle da

    poluio e dos impactos decorrentes da implantao de empreendimentos de

    infraestrutura e desenvolvimento socioeconmico nos assentamentos humanos

    (BRASIL, 2001, p. 30; STREN, 2001, p. 330-331; ALLEN, 2002, p. 17). A

    expresso agenda marrom pode ser adotada como incluindo tambm outros

    problemas relacionados direta ou indiretamente gesto urbana, como a

    questo habitacional. Opta-se na pesquisa, contudo, pelo emprego de um

    conceito mais restrito, centrado na poltica ambiental, para viabilizar a

    comparao com a agenda verde1.

    Na pesquisa sobre a agenda verde, foram analisados processos de

    tomada de deciso, ocorridos no Congresso Nacional, relativos a cinco

    subtemas da poltica ambiental: unidades de conservao; proteo da Mata

    Atlntica; gesto das florestas pblicas; acesso aos recursos genticos e ao

    conhecimento tradicional associado; e controle do desflorestamento. Na

    agenda marrom, esto selecionados quatro subtemas, que renem as

    principais discusses nesse mbito ocorridas no Congresso Nacional no

    perodo 1991-2011: resduos slidos; saneamento bsico; gesto ambiental

    urbana; e controle da poluio por veculos automotores. Na interface das duas

    agendas, as mudanas climticas constituiro tambm um subtema2. Cabe

    explicar que, no perodo estudado, no ocorreram processos legislativos

    relevantes no Congresso Nacional referentes ao subtema poluio industrial,

    1 Mais recentemente, passou-se a tratar de forma diferenciada tambm a agenda azul, referente gesto dos recursos hdricos. Ela trabalhada na pesquisa apenas no que diz respeito poluio hdrica, que se coloca na sobreposio com a agenda marrom. 2 H outros assuntos passveis de serem abordados no campo comum entre as duas agendas, como os crimes ambientais, mas essa opo alargaria demais a abrangncia da pesquisa.

  • 3

    elemento relevante da agenda marrom. Por isso, no trabalho o assunto

    analisado incluso nas questes das reas contaminadas (subtema resduos

    slidos) e da poluio hdrica (subtema saneamento bsico), e no subtema

    mudanas climticas.

    O corte temporal da pesquisa o perodo 1991-20113. O marco inicial foi

    fixado para abranger os debates parlamentares sobre a conferncia Rio-92. O

    termo final, que impe complementao da pesquisa sobre a agenda verde, foi

    estabelecido tendo em vista computar duas dcadas.

    A pesquisa est sendo realizada novamente luz do ACF. So

    trabalhados empiricamente os pressupostos do pressupostos bsicos que, em

    nossa viso, distinguem o ACF de outros modelos de anlise de polticas

    pblicas: um nmero restrito de coalizes de defesa conformar o subsistema

    de polticas pblicas (pressuposto das coalizes), o que no implica um

    nmero reduzido de atores; os conflitos entre esses grupos encontram-se

    colocados em determinado contexto social, poltico, econmico, histrico e

    setorial (pressuposto do conflito inserido); e as crenas dos atores so

    endgenas e dinmicas e variam de forma estruturada a partir desses conflitos

    (pressuposto do aprendizado socialmente induzido).

    Na sequncia, apresentam-se uma sntese do ACF, os principais

    resultados de sua aplicao na agenda verde, o recorte metodolgico da

    comparao entre as agendas verde e marrom, e os resultados alcanados at

    agora nesse esforo, incluindo o rastreamento de processo relativo lei dos

    resduos slidos.

    2 O Advocacy Coalition Framework

    O ACF foi desenvolvido por Sabatier e Jenkins-Smith com trs intuitos

    bsicos iniciais: (i) proporcionar uma alternativa para o modelo de anlise de

    polticas pblicas em estgios, que carecia de robustez conceitual para

    formulao de hipteses causais; (ii) formular um modelo sistmico para

    anlise de polticas pblicas que sintetizasse algumas das principais

    3 Na pesquisa anterior, adotou-se como marco inicial o ano de 1992. Foi verificado, contudo, que discusses parlamentares importantes sobre os temas em tela na Rio-92 aconteceram em 1991, o que justifica ajuste nesse sentido. Registre-se que h possibilidade de extenso do termo final para 2012.

  • 4

    contribuies dos modelos de estudo de implementao top-down e bottom-up;

    e (iii) analisar a influncia das informaes tcnicas nas polticas pblicas.

    O enquadramento terico pressupe a existncia de indivduos com

    racionalidade limitada e que adotam um sistema de crenas como heurstica

    para simplificar, selecionar e filtrar informaes. Essa heurstica estabelece

    limitaes nas suas decises, criando vieses e distores nas negociaes

    relativas s polticas pblicas.

    Alm da percepo sobre a importncia geral do sistema de crenas, o

    ACF foi proposto com base em cinco premissas: (i) o papel central

    desempenhado pelas informaes cientficas e tcnicas nas diferentes fases

    das polticas pblicas; (ii) o reconhecimento de que mudanas importantes no

    mbito das polticas pblicas somente podem ser compreendidas em perodos

    de dez anos ou mais; (iii) o entendimento de que o subsistema de polticas

    pblicas, assim entendido conjunto de atores individuais ou coletivos, de

    organizaes pblicas e privadas, que esto ativamente preocupados com

    determinada questo de poltica pblica e que regularmente tentam influenciar

    as decises nesse domnio, deve ser considerado como unidade bsica de

    anlise; (iv) a assuno de que nos subsistemas de polticas pblicas

    participam um amplo conjunto de atores, incluindo no apenas membros dos

    Poderes Executivo e Legislativo, mas tambm atores governamentais

    pertencentes a outros nveis de governo, assim como consultores, cientistas,

    intelectuais, membros da mdia e outros formadores de opinio; e (v) a

    perspectiva de que polticas pblicas e programas governamentais podem ser

    mais bem compreendidos como representaes dos sistemas de crenas dos

    stakeholders diretamente envolvidos (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1999,

    p. 118-120).

    O ACF prope que um sistema de crenas pode ser representado na

    forma de uma estrutura cognitiva muito prxima sugerida por Lakatos (1998)

    na sua tentativa de estabelecer uma reconstruo racional da histria da

    cincia por meio da anlise da evoluo dos chamados programas de

    pesquisa cientfica.

    Para Lakatos, o ncleo central de um programa de pesquisa cientfica

    formado por um conjunto de proposies infalsificveis, mediante uma deciso

  • 5

    metodolgica dos seus protagonistas. Qualquer anomalia encontrada nesse

    ncleo central deve ser atribuda a alguma outra parte do programa de

    pesquisa. Outros elementos que comporiam a estrutura proposta por Lakatos

    seriam a heurstica positiva, um conjunto de recomendaes claras sobre como

    formular hipteses compatveis com as proposies do ncleo central, e uma

    heurstica negativa, um conjunto de proibies na formulao de teorias

    auxiliares e hipteses. Da combinao da ao dessas heursticas surgiria um

    conjunto de hipteses auxiliares, que formaria um cinto protetor para o ncleo

    central e comporia a base para avaliar a progressividade do programa de

    pesquisa na proposio de solues plausveis para problemas importantes.

    Assim como os programas de pesquisa lakatosianos, Sabatier e Jenkins-

    Smith apontam que o sistema de crenas teria um ncleo central (deep core),

    marcado por um conjunto de proposies irrefutveis de natureza normativa e

    bastante estveis ao longo do tempo. Esse ncleo central seria comum a vrios

    subsistemas de polticas pblicas e, portanto, orientaria a atuao de coalizes

    de defesa em diferentes reas.

    Alm disso, o sistema de crenas seria composto pelo ncleo de

    polticas pblicas (policy core), representando a aplicao das crenas do

    ncleo central a um determinado conjunto de temas. As crenas que formam

    esse componente so em geral restritas a um subsistema de polticas pblicas

    e caracterizam, por exemplo, proposies relativas natureza dos problemas

    existentes, sua gravidade, sua urgncia e as possveis causas e solues. So

    essas crenas que mantm uma coalizo unida e mobilizada, que lhe conferem

    identidade. Um terceiro componente do sistema de crenas seriam as

    chamadas crenas secundrias ou aspectos instrumentais, com maior

    suscetibilidade a mudanas, assim como as teorias auxiliares lakatosianas.

    Na Figura 01, apresenta-se o diagrama do ACF na sua verso mais

    recente.

    O processo de mudana nas polticas pblicas preconizado por Sabatier

    e Jenkins-Smith ocorreria por meio de diferentes mecanismos. O primeiro

    estaria nas mudanas induzidas por transformaes relevantes no ambiente

    externo do subsistema de polticas pblicas. Mudanas de significado nesse

    campo seriam capazes de alterar as crenas que compem o ncleo de

    polticas pblicas. O segundo mecanismo de mudana seria relativo ao

  • 6

    aprendizado poltico, que designa alteraes duradouras de pensamento ou de

    intenes comportamentais que resultam da experincia na dinmica de

    debate e conflito entre as coalizes, bem como de novas informaes externas.

    Essas mudanas ocorreriam especialmente nos mbito das crenas

    secundrias, caracterizando mudanas de estratgias ou de preferncias

    relacionadas a instrumentos determinados. A preocupao com o aprendizado

    poltico nasce junto com o ACF e tem inspirao assumida no political learning

    de Heclo (1974).

    Figura 01 Diagrama do ACF Fonte: Sabatier e Weible (2007, p. 202); Weible, Sabatier e McQueen (2009, p. 123).

    SUBSISTEMA DE POLTICAS PBLICAS

    Estruturas

    de oportunidade

    das coalizes

    (longo prazo)

    1. Grau de consenso necessrio

    para mudana substancial

    2. Abertura do sistema poltico

    Policy brokers

    agentes negociadores

    COALIZO A crenas polticas recursos

    COALIZO B crenas polticas recursos

    Parmetros relativamente estveis do sistema

    1. Atributos

    bsicos da rea do problema 2. Distribuio bsica de

    recursos naturais 3. Valores

    socioculturais fundamentais e estrutura social 4. Estrutura constitucional bsica (regras)

    Eventos externos

    1. Mudanas nas condies

    socioeconmicas 2. Mudanas na opinio pblica 3. Mudanas nas

    coalizes governamentais 4. Decises polticas e impactos de

    outros subsistemas

    Limitaes e recursos dos atores do subsistema (curto prazo)

    Estratgia B1

    Instrumentos Decises de autoridades

    governamentais

    Regras institucionais, alocao de recursos e indicaes

    Policy outputs

    Impactos das polticas pblicas

    Estratgia A1

    Instrumentos

  • 7

    Dois outros mecanismos de mudana foram mais recentemente

    sugeridos por Sabatier e Weible (2007, p. 204-207): (i) choques internos,

    decorrentes do impacto de eventos inerentes a um subsistema especfico; e (ii)

    acordos e alianas em situaes crticas envolvendo duas ou mais coalizes,

    viabilizados pela existncia de liderana efetiva, regras de deciso que

    demandam amplo consenso, disperso de recursos para financiar atividades e

    arenas estruturadas para formao de consenso, entre outros fatores.

    O modelo no assume sistemas consensuais de policymaking, ou

    dominados por elites estveis de cunho transversal (JOHN, 1998, p. 169). Ele

    trabalha simultaneamente com relaes de conflito (sobretudo intercoalizes) e

    consenso (sobretudo intracoalizes). Entende-se que o processo de resoluo

    de conflitos entre coalizes geralmente complexo, j que os atores de

    diferentes coalizes percebem o mundo por meio de lentes distintas.

    Mediadores, ou policy brokers, atuam no sentido de se chegar a acordos

    razoveis que reduzam a intensidade de conflito entre as coalizes. Eles atuam

    na intermediao de atores em conflito com o objetivo de viabilizar que o

    processo decisrio chegue a termo. Esses atores podem ser integrantes ou

    no dos grupos em embate, mas aplicaes empricas pem em relevo o

    trabalho nessa linha de membros moderados das coalizes (SABATIER;

    JENKINS-SMITH, 1999, p. 122 e 155). Em relao a essa mediao, a noo

    de liderana poltica parece importar.

    3 Os resultados na agenda verde

    Como j exposto, na pesquisa sobre a agenda verde, foram identificadas

    quatro coalizes de defesa atuando. Em cada uma delas, participam uma

    grande variedade de atores, agentes governamentais inclusive. Na fase mais

    recente ento analisada (2003-2006), verificou-se o domnio da coalizo

    socioambientalista. As principais crenas dessas quatro coalizes esto

    sintetizadas no Quadro 01.

    No processo de construo da Lei do Sistema Nacional de Unidades de

    Conservao Snuc (1992-2000), os preservacionistas (que na classificao

    trabalhada na pesquisa integram os tecnocratas esclarecidos) e os

    socioambientalistas estiveram na linha de frente. Nesse caso especfico, como

  • 8

    anteriormente referido, os entraves principais ao output poltico estiveram nas

    divergncias entre os ambientalistas. Os conflitos disseram respeito, entre

    outros pontos, s Unidades de Conservao (UCs) a serem priorizadas, ao

    grau de preocupao com os direitos das populaes humanas residentes nas

    reas protegidas ou em seu entorno e abertura, ou no, a processos

    democrticos de tomada de deciso na criao e gesto das UCs.

    SUBSISTEMA DA AGENDA VERDE: PRINCIPAIS CRENAS

    Tecnocratas esclarecidos

    Socioambientalistas Desenvolvimentistas modernos

    Desenvolvimentistas tradicionais

    prioridade para a preservao dos recursos naturais defesa de um Estado caracterizado mais por sua atuao vigorosa do que por seus aspectos democrticos prioridade para o conhecimento tcnico-cientfico tendncia ao entendimento de que as decises governamentais devem estar centralizadas na Unio nfase nos instrumentos regulatrios prioridade para as unidades de conservao de proteo integral

    foco na conciliao entre uso sustentvel e preservao nfase nos processos democrticos e participativos das decises estatais valorizao do saber tradicional e dos aspectos culturais defesa enftica dos direitos das populaes tradicionais defesa da atuao integrada dos diferentes nveis de governo valorizao dos diferentes tipos de instrumentos de poltica ambiental prioridade para as unidades de conservao de uso sustentvel preocupao elevada com as peculiaridades regionais e locais.

    foco no uso sustentvel dos recursos naturais defesa de um Estado mnimo prioridade para o conhecimento tcnico-cientfico (algumas vezes em conjunto com o saber tradicional e os aspectos culturais) defesa da descentralizao ponderada das decises governamentais (a centralizao na Unio necessria em algumas decises importantes sobre instrumentos econmicos) valorizao enftica dos instrumentos econmicos de poltica ambiental prioridade para as unidades de conservao de uso sustentvel defesa da ampla participao do setor privado na soluo dos problemas ambientais

    viso sobre os recursos naturais que tende ao utilitarismo puro defesa de um Estado com presena marcante (no fomento s iniciativas privadas voltadas ao crescimento econmico) valorizao dos aspectos culturais (ou, em certas manifestaes extremadas, desconsiderao do conhecimento como valor) defesa da descentralizao para estados e municpios das decises relacionadas poltica de biodiversidade e florestas (com a Unio concentrando decises no campo econmico) oposio aos instrumentos de poltica ambiental e s unidades de conservao

    Quadro 1 Agenda verde e coalizes de defesa: principais crenas Fonte: dados da pesquisa.

  • 9

    Constatou-se que os choques entre os ambientalistas disseram respeito

    a divergncias entre coalizes. O que ocorreu no foram conflitos internos

    numa coalizo ambientalista nica, com atores divergindo sobre aspectos

    instrumentais ou em situao de congruncia nas crenas e relao

    organizacional competitiva, prevista por Fenger e Klok (2001).

    No vagaroso processo de elaborao da Lei da Mata Atlntica (1992-

    2006), os ambientalistas, tecnocratas esclarecidos ou socioambientalistas,

    colocaram-se em um dos polos da disputa e os desenvolvimentistas

    tradicionais de outro. Esse processo foi to longo, que as organizaes no-

    governamentais moldaram estruturas especializadas para seu

    acompanhamento. A histria da Rede Mata Atlntica confunde-se com o

    trmite desse processo legislativo.

    O conflito nesse caso caracterizou-se por regionalismo: demandas no

    sentido de atenuao da rigidez na proteo dos remanescentes florestais

    foram colocadas notadamente por representantes do setor produtivo dos

    estados da regio sul do pas. O debate que gerou maior polmica disse

    respeito a inserir as matas de araucria, ou no, na caracterizao legal do

    bioma Mata Atlntica4. O acordo final para a aprovao da lei foi construdo

    com a incluso no texto de instrumentos econmicos, preocupao especial

    dos desenvolvimentistas modernos assumida pelos partcipes das discusses,

    mas parte das normas com esse contedo foi objeto de veto presidencial.

    Cabe dizer que vetos em normas com subsdios e outros mecanismos

    econmicos no campo da poltica ambiental tm sido frequentes. O

    aprendizado poltico na direo de complementao das ferramentas

    tradicionais de comando e controle parece estar configurado em parcela das

    organizaes da sociedade civil e do setor empresarial, e mesmo dos

    parlamentares, mas no na rea econmica do Poder Executivo.

    Nesse processo legislativo, as lutas entre as organizaes

    ambientalistas que marcaram o Snuc no estiveram presentes. Em relao a

    um bioma com um grau de devastao como a Mata Atlntica, os

    ambientalistas pendem todos, logicamente com alguma variao de grau, para

    o preservacionismo.

    4 Do ponto de vista tcnico, as matas de araucria fazem parte do bioma Mata Atlntica. As discusses disseram respeito s repercusses de isso ser ficar sacramentado em lei.

  • 10

    O processo de construo da Lei de Gesto das Florestas Pblicas

    (2002-2006) teve duas fases: na primeira, um projeto do Poder Executivo

    destinado a disciplinar as concesses florestais iniciativa privada em

    Florestas Nacionais (Flonas), um dos tipos de UCs de uso sustentvel, gerou

    polmica e sequer foi submetido votao no Legislativo; na segunda, projeto

    encaminhado sob a administrao Marina Silva no MMA adotou proposta bem

    mais abrangente, prevendo concesses no apenas em Flonas, mas em

    qualquer floresta de domnio pblico, e foi aprovado.

    Para a aprovao da lei, ocorreu uma aproximao entre os

    socioambientalistas e os desenvolvimentistas modernos. Pelas informaes

    presentes nos documentos analisados, o pacto que uniu em armas [...] atores

    improvveis como o Greenpeace e os madeireiros do Par (ANGELO, 2005)

    foi firmado com uma parte do empresariado que j incorpora, ao menos no

    discurso, preocupaes ambientais de algum relevo.

    Avalia-se que tais preocupaes vo alm de um exerccio de retrica,

    inclusive porque, para o madeireiro que trabalha na legalidade, com

    certificao ambiental e outros controles, a proposta de manuteno de uma

    parte considervel da Amaznia sob o regime de manejo florestal sustentvel

    apresenta interesse econmico evidente, se comparada com as alternativas de

    preservao total, de um lado, ou de substituio da floresta por uso alternativo

    do solo, de outro. H vantagem econmica, tambm, associada ao prprio fato

    de nas concesses florestais no ser necessrio despender recursos para a

    aquisio das terras a serem exploradas.

    Pelos resultados do estudo, h algumas organizaes no-

    governamentais ambientalistas que se inserem na coalizo dos

    desenvolvimentistas modernos, em razo do foco direcionado a uso

    sustentvel e instrumentos de mercado. O pacto para a aprovao da Lei de

    Gesto das Florestas Pblicas envolveu tambm essas entidades e no parece

    to inesperado como apontaram matrias veiculadas poca pela imprensa.

    No se acredita que a unio entre socioambientalistas e

    desenvolvimentistas modernos para a aprovao da Lei de Gesto das

    Florestas Pblicas possa ser entendida como a formao de uma coalizo de

    convenincia de curto prazo. complicado falar em acertos desse tipo em

    relao a regras legais que tratam de contratos de concesso florestal com

  • 11

    vigncia de at quarenta anos. A explicao de um acordo negociado em

    situao particularmente crtica (SABATIER; WEIBLE, 2007, p. 206-207),

    gerado a partir da dinmica de debate e conflito entre as coalizes, parece

    mais razovel.

    Resta alguma dvida sobre as razes que levaram as organizaes no-

    governamentais socioambientalistas a apoiar um texto que priorizava as

    concesses florestais iniciativa privada. Uma explicao possvel pode estar

    no prprio sistema de crenas dos socioambientalistas, que inclui a nfase nos

    processos democrticos e participativos das decises estatais, mais do que

    propriamente em seus resultados. Como essas entidades acompanharam

    ativamente toda a elaborao da proposta antes mesmo do envio ao

    Congresso Nacional, elas podem ter-se sentido compromissadas com o

    processo poltico. O vnculo direto com a ento Ministra do Meio Ambiente,

    Marina Silva, certamente tambm teve peso.

    No processo relativo s normas que regulam o acesso aos recursos

    genticos e conhecimento tradicional associado (1995 at hoje), que ainda no

    pode ser considerado finalizado, uma vez que as regras em vigor so fruto de

    medida provisria5, verificou-se atuao dos tecnocratas esclarecidos, na

    defesa de um controle centralizado na Unio, dos socioambientalistas, na

    defesa enftica dos direitos dos detentores dos conhecimentos tradicionais, e

    dos desenvolvimentistas modernos, demandando regras que no obstaculizem

    os investimentos em cincia e tecnologia. Nesse caso, so posturas que

    retratam diferentes nfases, no chegando a se configurar posies totalmente

    excludentes. Na verdade, pela complexidade e novidade associadas a esse

    assunto, os atores por vezes mostram posicionamentos pouco definidos quanto

    s polticas pblicas a serem adotadas. Isso tambm acontece em algumas

    negociaes internacionais referentes Conveno sobre Diversidade

    Biolgica (CDB).

    Est caracterizada aproximao entre os tecnocratas esclarecidos e os

    socioambientalistas nos debates relativos a reformulaes no Cdigo Florestal

    (1996 at hoje, considerando que h medida provisria pendente de deciso

    5 Medida Provisria (MPV) n 2.186-16/2001. As medidas provisrias anteriores Emenda Constitucional n 32/2001 valem como se lei fossem, sem necessidade de reedio, at que o Congresso Nacional se manifeste definitivamente sobre elas. o caso da MP n 2.186-16/2001, que trata do acesso aos recursos genticos e ao conhecimento tradicional associado.

  • 12

    final pelo Congresso6), com os ambientalistas colocando-se como grupo contra

    propostas geradas pelos desenvolvimentistas tradicionais. H, contudo,

    registros de dissidncias internas aos ambientalistas, com algumas

    organizaes no-governamentais lutando pela preservao das normas

    florestais sem qualquer flexibilizao na direo das demandas do setor

    produtivo, e outras admitindo negociar ajustes na lei de 1965.

    No processo, vrias entidades socioambientalistas assumiram postura

    bastante reativa a alteraes na lei ento em vigor, que seria mais esperada

    dos tecnocratas esclarecidos. Em parte, essa radicalizao dos ambientalistas

    veio do fato de as demandas dos ruralistas, em grande parte, visarem a

    assegurar anistia a produtores que nunca se preocuparam em observar as

    normas ambientais. Exigncias do Conselho Monetrio Nacional no sentido de

    que os proprietrios rurais comprovem regularidade ambiental, estabelecidas

    em 2008, estavam impedindo a concesso de crdito aos agropecuaristas

    (ARAJO, 2011, p. 216). Outro elemento que levou radicalizao foi o

    posicionamento assumido pelo relator do processo na Cmara de oposio

    explcita a algumas entidades ambientalistas relevantes, que em seu entender

    representariam interesses internacionais (REBELO, 2010, p. 9, 12, 19 e segs.).

    O principal relator desse processo atuou como um anti-policy broker.

    Pelo exposto, v-se que, em cada um dos processos legislativos

    estudados na agenda verde, h um jogo peculiar de foras entre os atores

    envolvidos e, tambm, entre as coalizes de defesa estudadas pelo ACF.

    4 A aplicao em perspectiva comparada

    4.1 Aspectos metodolgicos e operacionais

    Por indicaes reunidas na pesquisa anterior, sabe-se que, mesmo que

    na agenda marrom venham a ser confirmadas coalizes com caractersticas

    similares s identificadas na agenda verde, e que possam receber idnticas

    denominaes tecnocratas esclarecidos, socioambientalistas,

    desenvolvimentistas modernos e desenvolvimentistas tradicionais , h atores

    importantes que atuam em apenas uma dessas agendas. Alm disso, as

    6 MPV n 571/2012.

  • 13

    diferenas institucionais e organizacionais entre as duas agendas apontam

    para dois subsistemas diferenciados que se interpenetram.

    O olhar na pesquisa em curso comparando as agendas verde e marrom

    est direcionado para a formulao das bases regulatrias das polticas

    pblicas nesse campo. Assim, os processos de mudana institucional

    constituem o objeto da pesquisa. Considera-se essa opo plenamente

    condizente com a previso do ACF de que instituies formais so produto da

    competio entre coalizes (SABATIER, 1993, p. 29).

    A pesquisa atual vai alm da maior parte dos estudos que adotam o

    ACF, ao abranger no apenas a identificao e a anlise dos grupos, assim

    consideradas as coalizes de defesa, e seus respectivos sistemas de crenas,

    mas tambm as condies externas que influenciam a interao dos atores nos

    processos decisrios, bem como a influncia desses atores e suas estratgias.

    Mais importante, a perspectiva comparada de dois subsistemas nacionais inter-

    relacionados constitui uma inovao na forma de aplicar o modelo.

    So abordadas com especial relevo as mudanas ocorridas (ou no) na

    legislao no longo prazo. A leitura de que as mudanas na poltica pblica

    so as principais variveis dependentes no ACF, como expresso por seus

    autores (SABATIER-JENKINS-SMITH, 1999, p. 152), no obstante serem

    pouco valorizadas nos trabalhos que empregam o modelo. Nesse sentido,

    retornando ao bero do ACF, h preocupao particular em compreender o

    papel do aprendizado poltico, notadamente o derivado do relacionamento

    entre os atores, nas mudanas institucionais.

    So trabalhados essencialmente atores coletivos, sem prejuzo da

    anlise de atores individuais com atuao de relevo nos processos legislativos

    estudados, como parlamentares, ministros de Estado e outros. Essa opo no

    difere da grande maioria dos trabalhos que aplicam o ACF e a mesma feita

    na pesquisa prvia sobre a agenda verde. Registre-se que no so estudados

    os subsistemas da agenda verde e marrom de forma ampla, mas sim os seus

    integrantes que atuam no Congresso Nacional.

    O ACF internaliza seis hipteses referentes s coalizes de defesa, duas

    hipteses sobre mudanas nas polticas pblicas e cinco hipteses relativas ao

  • 14

    aprendizado poltico (SABATIER; JENKINS-SMTH, 1999, p. 124-145) 7. Nesse

    conjunto, foi destacada uma para teste na pesquisa, relativa ao aprendizado

    poltico8 9:

    Hiptese n 01 da pesquisa (Hiptese de Aprendizado n 5 do ACF) Mesmo quando a acumulao de informao tcnica no altera a viso da coalizo oposta, ela pode ter importantes impactos na poltica pblica ao menos no curto prazo pela alterao das vises dos policy brokers [ou outros importantes agentes governamentais].

    No estudo sobre a agenda verde, foram reunidas indicaes da

    ocorrncia de aprendizado poltico. Foi tambm verificada a atuao de policy

    brokers, apesar de sua identificao no integrar ento o escopo da pesquisa

    (ARAJO, 2007, p. 238). Acredita-se que na agenda marrom h processos

    legislativos no perodo 1991-2011 em que a verificao da hiptese acima

    transcrita poder ser realizada de forma consistente. Como exemplo, pode-se

    citar o vagaroso e complexo processo de elaborao da lei dos resduos

    slidos, sintetizado mais adiante.

    Pretende-se trabalhar hiptese de mudana que conecta modificao de

    crenas e mudana na legislao, com a seguinte formulao:

    Hiptese n 02 da pesquisa (nova) As mudanas institucionais formais que requeiram ajustes na legislao demandam para sua efetivao no apenas alterao das vises de atores que integram o subsistema, mas tambm apoio de atores de outros subsistemas ou da opinio pblica.

    certo que o diagrama do ACF reproduzido na Figura 01 prev a

    influncia dos fatores externos em toda a dinmica do subsistema. A questo

    que o ACF trata essas situaes como excepcionalidades que impulsionam

    exatamente a alterao nas crenas. Avalia-se que o modelo no d o devido

    destaque aos processos e mecanismos que ligam a modificao de crenas

    mediante aprendizado poltico e a formalizao da mudana institucional.

    7 Para verso em portugus dessas hipteses, ver Arajo (2007, p. 332). Na ltima publicao ajustando o modelo (SABATIER; WEIBLE, 2007), as hipteses do ACF no foram nem atualizadas, nem abordadas com centralidade. Sabatier e associados podem estar optando por um caminho metodologicamente mais flexvel. 8 No original: Even when the accumulation of technical information does not change the views of the opposing coalition, it can have important impacts on policy at least in the short term by altering the views of policy brokers or other important government officials (SABATIER; JENKINS-SMITH, 1999, p. 145). 9 A parte destacada ao final foi suprimida na lista de hipteses consolidadas apresentada em Sabatier e Weible (2007) e Weible, Sabatier e McQueen (2009). Havia realmente uma pequena impropriedade na redao, j que os policy brokers no so necessariamente agentes governamentais.

  • 15

    Quando a mudana refere-se a elementos de relevo da poltica pblica em

    questo, muitas vezes ser necessria a edio de normas legais ou

    regulamentares. A formulao dessas normas, por sua vez, envolver atores

    integrantes de outros subsistemas e requerer uma conjuntura poltica que a

    viabilize. Isso s no ocorre no caso de normas exclusivamente operacionais,

    internas da administrao, como portarias e, por isso mesmo, esto limitadas a

    aspectos instrumentais de pequeno significado.

    Cabe destacar que no se expe aqui uma leitura simplista no sentido

    de que uma lei impe o aceite pelo menos da maioria dos parlamentares do

    respectivo nvel de governo, que em grande parte no integraro o subsistema

    em foco. Assume-se que os debates que envolvem a construo de uma lei e

    tambm de regulamentos, no mundo contemporneo, tm a participao dos

    atores do respectivo subsistema, especializados, como elemento crucial, como

    previsto no ACF.

    A questo que no basta para esse tipo de mudana que os atores do

    subsistema cheguem a um acordo, ou que a coalizo dominante no subsistema

    consiga impor unilateralmente sua posio junto aos agentes governamentais

    daquela rea de polticas pblicas. Integrantes de outros subsistemas, como o

    que diz respeito poltica econmica, ou a opinio pblica, necessitam pactuar

    expressa ou tacitamente a mudana institucional de contedo mais

    significativo, mediante apoio deciso do Legislativo, se est em jogo uma lei,

    do Executivo, no caso de um decreto, ou mesmo de ente colegiado que tenha

    competncia normativa, se a matria puder ser disciplinada via resoluo. Em

    outras palavras, h conexo necessria com o lado externo do subsistema nas

    decises referentes a mudanas institucionais de maior impacto que requeiram

    ajustes na legislao, como mostrado no diagrama da Figura 02.

    O subsistema sozinho no garante decises que demandem inovao

    ou modificao em termos de legislao. A deciso nesse sentido configura ato

    complexo que envolve outros atos, internos e externos ao subsistema, que se

    inter-relacionam10. O esprito da hiptese aqui apresentada aproxima-se da

    10 Alm disso, necessita estar configurada oportunidade para que a mudana seja formalizada, em situaes como as janelas temporrias previstas por Kingdon (1995). Como a oportunidade poltica parece condio necessria a toda e qualquer aprovao de lei, optou-se por no mencion-la na hiptese.

  • 16

    preocupao de Jones e Jenkins-Smith (2009) de que seja assegurada maior

    ateno mudana trans-subsistema e ao papel da opinio pblica.

    Figura 02 Coalizes de defesa e processo decisrio de legislao Fonte: elaborao dos autores

    Acreditamos que, na atualidade, so verificados dois vetores com

    sentidos de certa forma opostos. A crescente complexidade dos problemas e

    suas potenciais solues fora, ao mesmo tempo, especializao no mbito

    dos subsistemas de polticas pblicas e esmaecimento de seus limites

    mediante integrao dos diferentes subsistemas. Se os diferentes sistemas e

    subsistemas da sociedade esto progressivamente autnomos (DRYZEK;

    DUNLEAVY, 2009, p. 141), paradoxalmente tambm esto mais interligados.

    Coloca-se aqui em xeque, em suma, o grau de autonomia do subsistema

    previsto no ACF11. Note-se que o diagrama elaborado por Sabatier e seus

    parceiros, reproduzido na Figura 01, traz insertas no prprio subsistema as

    decises sobre o tema de polticas pblicas em foco. Entende-se que isso

    ocorrer essencialmente no que diz respeito a aspectos instrumentais dos

    sistemas de crenas, que possam ser trabalhados sem alterao ou

    complementao do quadro normativo em vigor. Mudanas institucionais

    11 Considera-se que a Hiptese n 02 da pesquisa preenche o requisito da refutabilidade. Se for verificado, mediante o rastreamento minucioso dos processos legislativos, que alguma das leis em foco foi aprovada com texto negociado apenas por atores integrantes do subsistema, incluindo os parlamentares assim qualificados, e que no se verificou presso da opinio pblica, a hiptese seria refutada.

    DECISO INTERNA AO SUBSISTEMA

    deciso

    subsistema

    FATORES EXTERNOS

    INTERAO ENTRE AS COALIZES

    APRENDIZADO POLTICO NO SUBSISTEMA (OU IMPOSIO DA COALIZO DOMINANTE)

    LEGISLAO

    DECISO EXTERNA AO SUBSISTEMA

  • 17

    formais relacionadas a crenas do ncleo poltico e do ncleo duro tendero a

    impor ajustes no quadro normativo, especialmente nos pases onde a tradio

    jurdica no seja o common law.

    Em face do desenho comparado da pesquisa, faz-se tambm relevante

    analisar postulados que externem diretamente as diferenas entre as agendas

    verde e marrom no que se refere ao relacionamento entre os atores e

    dinmica das mudanas que ocorrem na legislao de aplicao nacional.

    Sero trabalhadas as seguintes hipteses, especficas para a poltica ambiental

    no pas:

    Hiptese n 03 da pesquisa (de aplicao especfica) O conjunto de atores que atua nos processos relativos base regulatria da poltica ambiental no Brasil relativa agenda verde apresenta relaes mais estveis em termos de alinhamento de aliados e oponentes ao longo do tempo do que o conjunto de atores que atua na agenda marrom. Hiptese n 04 da pesquisa (de aplicao especfica) Nos temas insertos na agenda verde da poltica ambiental no Brasil, as mudanas nas leis federais ocorrem de forma mais incremental do que nos temas da agenda marrom.

    A Unio historicamente concentra atribuies legiferantes na poltica de

    biodiversidade e florestas. Provavelmente em decorrncia disso, a quantidade

    de normas ambientais de cunho nacional referentes agenda verde maior do

    que as que dizem respeito agenda marrom. As normas na agenda verde

    tambm so mais antigas e consolidadas. Alm disso, os prprios textos legais

    nessa rea concentraram muitas prerrogativas administrativas na esfera federal

    de governo, por sinal um dos temas de polmica nos debates sobre a nova lei

    florestal.

    Nesse quadro, os atores que, direta ou indiretamente, participam dos

    processos decisrios relativos a leis federais na agenda verde tendem a formar

    uma rede mais ampla e com relaes mais estveis em termos de alinhamento

    de aliados e oponentes ao longo do tempo, e a trabalhar mais com ajustes

    incrementais nas normas.

    Essa leitura condiz com a viso do ACF de que as coalizes tendem a

    se estabilizar e a limitar as mudanas a aspectos instrumentais, e com o

    incrementalismo na viso de Lindblom (1959, 1979). Mesmo que as alteraes

    produzidas sejam consideradas de relevo, elas em regra sero feitas com base

    em atos normativos preexistentes.

  • 18

    Na agenda marrom, a legislao de cunho nacional mais recente e

    escassa. O controle da poluio e da degradao ambiental e a gesto

    ambiental urbana so assuntos que nasceram descentralizados na poltica

    ambiental no Brasil. Os atores envolvidos nos processos relativos a leis

    federais nesse campo tendem a ter menor interao ao longo do tempo e as

    mudanas a ocorrer mais raramente. Por outro lado, quando os processos

    legislativos chegam a termo, trazem inovaes de vulto.

    Deve ser explicado que, seguindo orientao dos prprios autores do

    ACF, que recomendam a anlise do contedo de documentos pblicos na

    aplicao do modelo (JENKINS-SMITH; SABATIER, 1993b, p. 237-256), a

    principal base de dados da pesquisa em curso est nos documentos

    produzidos no Congresso Nacional, entre 1991 e 2011. Como no trabalho

    anterior, dada ateno especial s notas taquigrficas de audincias pblicas

    em que participam variados tipos de atores externos ao Legislativo, sem

    desconsiderar a documentao referente aos processos propriamente ditos,

    como textos de projetos de lei, substitutivos e pareceres produzidos.

    A anlise concretizada mediante a concepo e aplicao de cdigo

    de anlise documental baseado especialmente na estrutura tripartite de

    crenas do ACF. Aps a aprovao do cdigo de anlise documental por

    juzes, realiza-se a codificao dos documentos que constituem a base de

    dados da pesquisa, ou seja, a ao de relacionar trechos do texto nos quais os

    atores expem suas posies s categorias previamente definidas12.

    4.2 Avanos e primeiros resultados

    No estudo proposto, faz-se necessrio buscar um ncleo comum das

    crenas da agenda marrom com as crenas adotadas na agenda verde, para

    viabilizar controle na comparao conforme preconizam George e Benett

    (2004, p. 151-179). Na verdade, por decorrncia da opo pela abordagem

    comparada, impe-se que a operacionalizao da pesquisa emprica sobre a

    agenda marrom replique os procedimentos usados no trabalho sobre a agenda

    verde, pelo menos em relao identificao das coalizes e suas crenas.

    12 Para a organizao dos dados e registro do processo de codificao e de seus resultados, utiliza-se o software de apoio anlise qualitativa NVIVO9.

  • 19

    Nos trs cdigos de anlise documental formulados respectivamente

    para o estudo das agendas verde13 e marrom e, na interface, da legislao

    sobre mudanas climticas, em relao s crenas do deep core so

    trabalhados os mesmos elementos: viso sobre a relao homem-natureza;

    viso sobre a relao entre recursos ambientais e justia distributiva; viso

    essencial sobre os recursos naturais; viso sobre o conhecimento; viso sobre

    a interveno do Estado no meio socioeconmico; viso sobre a relao entre

    governo e democracia; e viso sobre o valor das polticas pblicas. No policy

    core, h elementos que se aplicam aos trs subsistemas, e elementos prprios

    de cada um, como mostrado no Quadro 0214.

    Traz-se aqui a sntese dos resultados do rastreamento j realizado em

    processo relevante e complexo inserto na agenda marrom, que gerou a lei

    dos resduos slidos15.

    O longo processo legislativo que gerou essa lei (1989-2010) iniciou com

    uma proposta do Senado Federal direcionada exclusivamente aos resduos

    hospitalares. Encaminhado Cmara dos Deputados em 1991, ao longo dos

    anos foram apensadas a ele mais de 150 proposies legislativas. Esses

    projetos de lei dispunham sobre questes variadas atinentes gesto dos

    resduos, desde as mais abrangentes, com propostas de uma poltica nacional,

    at as especficas sobre pilhas e baterias, pneus usados, embalagens,

    reciclagem, importao de resduos e outros assuntos. Entre os tpicos que

    geraram polmica, destacam-se a responsabilidade ps-consumo do setor

    produtivo, a possibilidade ou no de importao de resduos, especialmente

    pneumticos usados, e a incinerao, mas houve uma extensa lista de outros

    assuntos debatidos.

    13 O cdigo de anlise documental da agenda verde sofreu alguns ajustes em relao ao usado na pesquisa anterior, tendo em vista alcanar robustez na comparao. 14 Os cdigos de anlise documental aprovados pelos juzes podem ser acessados na ntegra em: https://docs.google.com/document/d/1onmpFyJmjb0o3UhCEadBxH9KqV_OH048_t1r9jGEa8k/edit; https://docs.google.com/document/d/1_UuM8Ts_qMGGR2lhhpRtvEFQai9KwQW7zzhZk_jgF7I/edit; https://docs.google.com/document/d/1vDh_bg3PJnpY3U8aWUsLbeRXGjzPKsH_LxeaC5TUqmk/edit. 15 Lei n 12.305/2010.

  • 20

    Elementos dos cdigos de anlise documental: policy core

    AGENDA VERDE

    AGENDA MARROM

    CLIMA

    Atribuies dos nveis de governo em poltica ambiental sim sim sim Tipos prioritrios de instrumentos de poltica ambiental sim sim sim Participao do setor privado na soluo dos problemas ambientais

    Controle do desmatamento sim sim sim Relao entre direito de propriedade e direito de uso do imvel sim sim no Peculiaridades regionais e locais sim sim sim Atuao dos rgos colegiados com participao de representantes da sociedade civil

    sim sim sim

    Causas da biopirataria sim no no Acesso aos recursos genticos sim no no Criao de Unidades de Conservao sim no sim Direitos das populaes tradicionais e proteo ambiental sim no no Presena humana em Unidades de Conservao sim no no Destinao prioritria das florestas pblicas no integrantes de Unidades de Conservao de Proteo Integral

    sim no no

    Licenciamento ambiental do parcelamento, uso e ocupao de reas urbanas

    no sim no

    Planejamento urbano no sim no Plano Diretor municipal e meio ambiente no sim no Regularizao fundiria urbana e meio ambiente no sim no Provimento dos servios de saneamento bsico no sim no Responsabilidade ps-consumo de produtos embalagens no sim no Participao dos catadores na gesto dos resduos slidos urbanos

    no sim no

    Contaminao de reas urbanas e rurais no sim no Controle da poluio por veculos automotores no sim sim Validade da teoria de que as emisses humanas de gases de efeito estufa causam aquecimento global

    no no sim

    Clareza das tendncias climticas atuais no no sim Ameaa oferecida pelas mudanas climticas no no sim Natureza das respostas aos problemas climticos em termos de polticas pblicas

    no no sim

    Obrigaes dos pases industrializados versus pases em desenvolvimento em relao s respostas aos problemas climticos

    no no sim

    Quadro 02 Elementos dos cdigos de anlise documental: policy core Elaborao dos autores

    O texto da primeira proposta ampla voltada Poltica Nacional dos

    Resduos Slidos, datada de 199216, dispunha sobre programas

    governamentais, objetivos, fundamentos e instrumentos da poltica nacional e

    contemplava regras gerais para as etapas de coleta e transporte, reciclagem

    em sentido lato, tratamento e disposio final, bem como disposies

    especficas sobre os resduos perigosos, entre elas a proibio de sua

    importao, e, dando resposta ao projeto inicial do Senado, os resduos de

    servios de sade. No obstante os avanos presentes em seu contedo, a

    proposio trazia uma viso segmentada em etapas da gesto dos resduos

    16 Projeto de Lei (PL) n 3.333/1992, de autoria do ex-deputado Fabio Feldmann, conhecido ambientalista.

  • 21

    slidos, que foi ultrapassada com o passar dos anos. Outros projetos

    apensados tambm trouxeram propostas gerais para a poltica nacional nessa

    rea.

    Com o tempo, discusses sobre a responsabilidade ps-consumo do

    setor produtivo comearam a ganhar fora nesse processo. Pela lgica da

    responsabilidade ps-consumo, os fabricantes de produtos e embalagens

    devem se responsabilizar pelo ciclo integral daquilo que colocam no mercado e

    seus efeitos sobre o meio ambiente. Concretamente, o fabricante passa a

    responder pelo recolhimento de determinados produtos e embalagens aps o

    uso pelo consumidor e pela destinao ambientalmente correta do que

    recolher.

    Por muitos anos, os representantes do setor empresarial externaram

    fortes restries insero expressa em lei da responsabilidade ps-

    consumo17. Pelas anlises realizadas at agora, essas posies no podem

    ser associadas de forma simplista aos desenvolvimentistas tradicionais.

    Participaram das discusses ao longo de duas dcadas desse processo

    um extenso nmero de agentes governamentais, entidades ambientalistas e,

    principalmente, representantes do setor empresarial. Nos documentos sobre o

    trmite legislativo, foram identificados registros de posicionamentos oriundos

    de mais de cem atores, a maior parte atores coletivos.

    H diferenas relevantes entre os vrios representantes do setor

    industrial que se manifestaram nesse processo. Esto presentes algumas

    organizaes que j incorporam em graus variados a preocupao com a

    proteo ambiental, pelo menos em seu discurso tornado pblico perante o

    Congresso Nacional. Mesmo organizaes como a poderosa Confederao

    Nacional da Indstria (CNI) e a Federao das Indstrias do Estado de So

    Paulo (Fiesp), que inicialmente se posicionaram fortemente contra a incluso

    em lei nacional das normas relativas responsabilidade ps-consumo, no

    chegam a ter a mesma posio reativa ao controle ambiental por parte do

    17 Havia um precedente em lei aplicando a responsabilidade ps-consumo ao recolhimento de embalagens usadas de agrotxicos no plano nacional, em vigor desde a Lei n 9.974/2000, e resolues do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) sobre pilhas e baterias, e pneumticos usados. A eficcia dessas resolues do Conama, contudo, deixava bastante a desejar.

  • 22

    poder pblico das entidades representativas dos grandes produtores rurais,

    constatada na pesquisa sobre a agenda verde.

    Algumas entidades representativas do setor empresarial nesse processo

    esto visivelmente inclusas nos desenvolvimentistas modernos, com defesa

    dos instrumentos econmicos de poltica ambiental, da autorregulao do setor

    produtivo e da ampla participao do setor privado na soluo dos problemas

    ambientais. O melhor exemplo est no Cempre, organizao sem fins

    lucrativos, financiada pelos industriais, que atua com reciclagem, ou melhor,

    com a insero social de catadores de lixo. A leitura dessa organizao sobre a

    responsabilidade ps-consumo inclui necessariamente a participao dos

    catadores no retorno das embalagens usadas ao processo produtivo18.

    Deve ser mencionado que, durante boa parte dos debates no processo

    de construo da lei dos resduos slidos, ganhou destaque a participao de

    lideranas do Frum Nacional Lixo e Cidadania, que integra organizaes

    governamentais e no-governamentais e apresenta atuao marcada por forte

    componente social. Criado em 1998 com o apoio do Fundo das Naes Unidas

    para a Infncia (Unicef), teve ateno especial para a erradicao do trabalho

    de crianas nos chamados lixes e hoje possui equivalentes nas esferas

    estadual e municipal. No texto da lei aprovada, as vrias referncias aos

    catadores de materiais reutilizveis e reciclveis podem ser lidas em parte

    como resposta s suas demandas e, tambm, como elemento do discurso dos

    socioambientalistas.

    Tambm aqui no se pode ter uma leitura simplista. O movimento dos

    catadores (nele inclusas tambm as entidades da sociedade civil que os

    apoiam) apresenta diferenas internas de relevo. Mencione-se que, se a

    priorizao da soluo dos problemas sociais dos catadores aparece como

    preocupao nica, sem que haja qualquer conexo com a questo ambiental,

    resta descaracterizada a insero no grupo dos socioambientalistas. Nessa

    situao com cores apenas sociais, a insero mais consistente estaria no

    grupo dos sociourbanistas. Esse grupo, que no existe nos processos

    decisrios afetos agenda verde, est sendo delineado nos achados na

    18 Numa aplicao extremada dessa posio, pode haver distores que no devem passar despercebidas. A responsabilidade social assumida pelo setor empresarial mediante incentivos s cooperativas de catadores e outras aes nessa linha no pode ser usada para o descumprimento das demandas legais quanto responsabilidade ps-consumo.

  • 23

    agenda marrom, especialmente quando o tema em pauta a questo

    ambiental urbana em contraponto com situaes de excluso social, como as

    favelas e outras ocupaes irregulares situadas em reas ambientalmente

    protegidas.

    Outra especificidade na agenda marrom, em especial no que toca

    gesto dos resduos slidos, que os tecnocratas esclarecidos surgem com

    menos nitidez no processo de debate da legislao. Uma parte dos

    posicionamentos dos rgos governamentais externados durante o processo

    de discusso da lei dos resduos slidos, contudo, mantm-se na defesa da

    centralizao de poder na esfera federal19 e dos instrumentos regulatrios de

    poltica ambiental. A lgica de funcionamento do MMA e de alguns dos rgos

    a ele vinculados, moldada para a agenda verde, pelo menos em alguns

    aspectos, estende-se para aes dirigidas agenda marrom.

    Como anteriormente comentado, o setor empresarial, durante muitos

    anos, manifestou posicionamento contrrio aprovao dessa lei. Na fase final

    dos debates, o discurso nesse sentido foi alterado, notando-se que a alterao

    de postura pode ter sido influenciada no apenas pela interao entre os

    atores, mas tambm por presses do comrcio internacional em termos de

    processos produtivos ambientalmente mais corretos. Mudanas de significado

    em polticas pblicas raramente tero apenas uma explicao.

    Durante a maior parte do trmite do processo, os textos intermedirios

    que foram produzidos no processo como alternativas para a futura lei

    procuravam contemplar regras especficas para cada categoria de resduo. O

    consenso comeou a ser construdo quando foram efetivados ajustes no

    sentido de uma abordagem mais generalista, focando os planos de resduos e

    a gesto integrada dos diversos tipos de resduos slidos.

    Os atores envolvidos nas discusses passaram com o tempo a alterar

    suas posies iniciais e a assimilar novas ideias. A elaborao das normas

    sobre a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos,

    incluindo os sistemas de logstica reversa, o exemplo mais evidente desse

    19 Os dispositivos do Decreto n 7.404/2010 relativos regulamentao da logstica reversa trazem centralizao no MMA do controle dos acordos setoriais que no parece ter suficiente respaldo na lei dos resduos (ARAJO; JURAS, 2010, p. 234), e podem ser considerados como um reflexo desse posicionamento.

  • 24

    aprendizado (ARAJO; JURAS, 2011), mas a opo pelo realce do papel dos

    planos de gesto integrada tambm pode ser entendida nessa perspectiva.

    Cabe destacar que o conceito da responsabilidade compartilhada pelo

    ciclo de vida dos produtos um constructo novo trazido pela lei dos resduos

    slidos. A partir dele, entende-se que as obrigaes nesse sentido no se

    esgotam na responsabilidade ps-consumo do setor produtivo, e englobam

    fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, assim como os

    consumidores e os titulares dos servios pblicos de limpeza urbana e de

    manejo dos resduos slidos. Essa opo dilui encargos se considerada uma

    opo aos moldes da legislao alem20, que centraliza as responsabilidades

    nesse sentido nos fabricantes. Assim, o texto aprovado, no obstante sua

    relevncia, no reflete a opo mais rgida do ponto de vista ambientalista.

    Fruto de negociao dos diferentes atores pblicos e privados envolvidos nos

    debates, a responsabilidade compartilhada pode ser vista como a pactuao

    possvel no pas, que implicou reconstruo de preferncias e reorientaes de

    posicionamento dos diferentes grupos e, nessa tica, pode ser qualificada

    como aprendizado na forma trabalhada no ACF.

    Fator no menos importante para que a discusso sobre a Poltica

    Nacional de Resduos Slidos chegasse a bom termo foi o engajamento do

    Poder Executivo no processo, a partir do encaminhamento de um projeto

    prprio em 2007. Apesar de o texto da lei aprovada ser bem diferente da

    proposta original do governo, esse engajamento constituiu mudana importante

    de postura, pois at ento a posio no governo tendia a ser a de que no

    havia necessidade de lei nacional sobre esse assunto. Entende-se que se tem

    nesse ponto outro exemplo do aprendizado poltico construdo a partir da

    interao entre os atores envolvidos nos processos decisrios afetos a essa

    rea de polticas pblicas. Por fim, outro avano envolvendo reposicionamento

    do Executivo federal est na aceitao da formalizao de regras mais

    explcitas sobre a gesto dos resduos perigosos, incluindo a assuno de

    tarefas de coordenao por essa esfera da administrao pblica.

    20 Lei alem para a promoo da gesto integrada do ciclo fechado de resduos slidos (Gesetz zur Frderung der Kreislaufwirtschaft und Sicherung der umweltvertrglichen Beseitigung von Abfllen).

  • 25

    5 Consideraes finais

    Avalia-se que a perspectiva do ACF de que os sistemas de crenas

    polticas dos atores (entendidas como englobando valores, ideias e interesses

    explicitados) tm efeitos importantes nos processos de pactuao e

    competio referentes s deliberaes nas polticas pblicas traz elementos

    robustos para a compreenso da dinmica dos processos decisrios e de seus

    resultados. Verifica-se que os conflitos relacionados a essas crenas

    contribuem para a dificuldade de os subsistemas envolvidos enfrentarem a

    contento alguns dos problemas a eles apresentados, e concretizarem

    mudanas. Por outro lado, constata-se que as relaes de coordenao e

    conflito entre os diferentes grupos de atores, organizados informalmente na

    forma das coalizes de defesa, esto na base de processos de aprendizado

    direcionado s polticas pblicas.

    A inteno na pesquisa em andamento com base no ACF avanar

    significativamente em relao ao trabalho elaborado sobre a agenda verde, que

    se calcou na anlise dos grupamentos de atores e suas crenas. Sem prejuzo

    do estudo dos sistemas de crenas, faz-se agora o estudo comparado dos

    processos de mudana institucional nas agendas verde e marrom com o

    detalhamento de todos os componentes do ACF, o rastreamento dos

    processos legislativos selecionados e a anlise das relaes que os principais

    atores coletivos envolvidos nesses processos mantm entre si. Acredita-se que

    as duas agendas tm especificidades importantes em termos das crenas e do

    comportamento dos atores, da dinmica dos processos decisrios e de seus

    resultados.

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