aragão, alexandre dos santos - a concepção pos-positivista do princípio da legalidade

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  • 5/14/2018 Arago, Alexandre dos Santos - A concepo pos-positivista do princpio da legalidade

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    patamar identico ao de uma norma inoportuna, que impede a gestae financeirasaudavel do Brasil. E a tese da ingovernabilidade que paira como ameaca a concre-tizacao constitucional desde sua promulgacao'". A c\asse dirigente brasileira secomporta como se a Constituicao pudesse, e devesse, ser afastada para a concreti-za~lio de seus objetivos de governo, e nao que 0 exercfcio do governo devesse estarsubsumido as normas constitucionais. A ideia de Supremacia da Constituicao naoencontra guarida na cultura tecnico-burocrat ica brasile ira. E imperioso levar aoSupremo Tribunal Federal esta materia, pois cabe a ele a guarda da Constituicao,embora dela todos sejamos interpretes.

    21 Sobre este ussun to sugere-se a lei turu de rneu texto A Constituiciio Ecoruimica brasileira emseus 15 anos. In : Const itucional izando Direitos - 15Anos da Cons tl tuici io Bras ilei ra de 1988 ,Rl, Renovar, 2003. Fernando Facury Scaff (org.), pags 259304.

    A CONCEP

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    competencia. Privi legia-se, por tanto, a existencia de habil itacao formal parao exercfcio de competencia para a realizacao de determinados fins.3. A Administracao s6 pode emitir os atos que se esteiem em norma legal,nao apenas habili tadora, mas prede terminante do conte iido dos a tos a serempraticados,4. Em urn plus em relacao a visao anterio r, a Administracao Publ ica ternque estar apoiada em norma legal que esgote 0 conteiido dos atos a seremtornados, que tambern deve deterrninar (nao apenas facult ar) a sua prat ica .Por esta visao, todas as cornpetencias da Adrninistracao Publica so poder iarnser vinculadas.

    A primeira visao e inviavel por igualar a l iberdade de atuacao da AdrninistracaoPublica aquela dos indivfduos, e, no choque entre estas duas liberdades, a esfera deautonomia dos indivfduos se veri a , em razao da imperatividade dos atos da Admi-nist racao Publica , reduzida a l irni tes aquern daqueles que devem decorrer do Estadode Di rei to - que resguarda os indi vfduos contra a vontade unil ateral das autoridadesadministrati vas.

    A quarta tambern seria inviavel, mas por razoes opostas, jaque impediriaqualquer esfera de apreciacao propria da Admini st racao Publ ica em urn Estado socialde Direito, que possui rmiltiplas e complex as atribuicoes, a serem exercidas em urncontexto de grande dinamismo.

    A discussao fica, portanto, entre as duas opcoes intermediarias, que veem 0princ fpio da legal idade como imposit ivo de uma re lacao de conformidade da Admi-nistracao Publica com a lei.

    Pela terceira, a Adrninistracao Publica pretensamente nao cnana direitos eobr igacoes, que ja estar iam previamente estabelecidos pela lei , mas apenas detalharia,ainda que com certa margem de discricionariedade, a maneira com deveriam serimplementados.

    Pela segunda concepcao, ao reves, bastaria a existencia de leis autorizativas daatuacao administra tiva, que, sem chegar a prede terminar 0 conteiido dos dire itos eobrigacoes, facultam a Adrninistracao Publica tomar uma entre varias medidaspossiveis (ex.: "Tomar todas as medidas necessarias para alcancar os objetivos x, ye z"),

    Odele MEDAUAR,3 uma das poucas administra tivistas brasil ei ras que trata daessencial doutr ina de EISENMANN, preleciona: "0 ter cei ro signi ficado - somentesao permitidos atos cujo conteiido seja conforme a uma hipotese abstrata fixadaexplicitamente por norma legislativa -, traduz uma concepcao rfgida do princfpioda legalidade e corresponde a ide ia de Admini st raeao somente executora da le i; hoje

    3 MEDAUAR, Odete. Direito Administrative Moderno, Ed. RT. 7" edicao, Sao Paulo, 2003, p.137.

    nao mais se pode conceber que a Adrninistracao tenha so este encargo." Esse signi-ficado do princ fpio da lega lidade nfio predomina na rna iori a da at ividade adminis-trativa, embora no exercfcio do poder vinculado possa haver decisoes sirnilares aatos concret izadores de hipoteses normativas abstratas." 0 segundo s ignificado ex-prime a exigencia de que a Adrninistracao tenha habilitacao legal para adotar atose medidas; desse modo, a Adrninistracao podera just ifi car cada uma de suas dec isoespor uma disposicao legal; exige-se base legal no exercfcio dos seus poderes. Esta ea formula mais consentanea a maior par te das atividades da Adrninistracao brasi leira,prevalecendo de modo geral. No entanto, 0 signif icado contern gradacoes : a habil i-la~ao legal , por vezes, e somente norma de cornpe tencia , iS10 e, norma que atr ibuipoderes p~ra adotar determinadas medidas, ficando a autoridade com certa margemde escolha no tocante a substancia da medida: par vezes, a base legal expressa urnvinculo estrito do conteudo do ato ao conteudo da norma au as hip6teses af arrola-das."

    Tomando par pa radigma as qua tro possfvei s concepcoes da legal idade colacio-nadas por EINSENMANN, podemos afirmar que GUIDO ZANOBINI6 critica avisao de que a Adrninistracao Publica constitui urn poder apenas .. e xecutive" , jaque a ela nao compete simplesmente "executar e implementar a norma jurfdica, massim, 0 que e profundamente diverso, sat is fazer os interesses colet ivos".?

    4 Em outr a obra , a Professora Odete MEDAUAR rninudencia a sun pos icao: "Essa cono tacaodecorre da ideia da Administraciio como executoru da lei, que predominou no seculo XIX eprinclpios do seculo XX. Hoje essa ideia vern scndo questionada, ante as atr ibuicoes atuais do PoderExecut ivo e da Administ raci io e sobretudo porque a funcdo adrninist ra tiva talvez nunca tenha selimitado a executur a lei ou a executar a lei de oflcio. Embora norteada pelo Princfpio da Legulidade,a funfi:1ioadministrativa nao tern 0 fim unico de executar a lei, desempenhaudo arnplo rol deatividades que propiciarn services, bens, utilidades, dif icilmente 'enquadraveis ' na rubrica 'execu-C; ioda lei" (MEDAUAR, Odete . A Processualidade 110 Direito Administrativo, Ed. RT, Slio Paulo,1993, p. 53)5 .. A seguranca jur tdica da previsibilidade aplicativa das normas, perrnitindo alrncjar como idealde sistema administrative urna postura decisoria siolgfstico-subsuntiva das normas, encontra-se hojecornpletarnente ul trapassada pela flexibi lidade do con teudo da legul idade". ( ... ) Em vez disso ,assiste-se a uma progressiva indeterrninacao e abertura densificadora da normutividude a favor daAdministr a~ao Publ ica que, por sua esta via, adqui re urn crcscente ativisrno na revelacao e cons-truC;iiodas solucoes concretas e regularnentares, conferindo-se urna inerente maleabilidade 1' 1 lega-lidade adrninistrutiva que vive tempos de erosao do seu habitual e repetido papel puramentevinculativo da atuacao administrativa. ( . .. ) as alicerces polfticos do principio da legalidade adrni-nistrativa revelam que, ao inves da interpretacao tradicional dos postulados f ilosof icos liberais, avon tade do poder execut ivo nunca e total mente alheia ao conteudo configurative dessa mesrnalegalidade: a ideia de uma generics natureza heterovinculativa da legalidnde face ao poder executivee urn mi lo" (OTERO, Paulo. Legalidade e Administ raci io Publica - 0 sentido da vinculaciioadministrativa a juridictdade, Ed. Alrnedina. Coirnbra, 2003, pp. 162,894 e 1.101. grifarnos).6 ZANOBINI, Guido. L'Auivu Amminist rat iva e fa Legge, in Scritti Var; di Diritto Pubblico,Ed. Giuffre . Mi lano , 1955 , pp . 203 a 218.7 "Para Hegel, a funcfio do Monurca na aplicucao da lei seria sornente a de por 0 pingo no "i'."Todavia, em todos os f ilosofos n iio se contes ta a quest iio de como se deve prcenchcr 0 abisrnoent re a lei necessariarnente gera l, que deve 'dorn inar' . e as necessarias decisocs nas si tuacdes

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    Tambern cr itica a que seria a primeira acepcao referida por EINSENMANN,que para ele peca pelo excesso da reacao contra a visao meramente executiva daAdrninistracao Publica. Para Guido ZANOBINI nao se pode conceber que a Admi-nistracfio Publica, a exemplo dos particulares, possa fazer tudo 0 que nao estejavedado em lei, ja que para eles a lei e uma vontade exogena, ao passo que para aAdrninistracao e uma vontade interna ao Estado do qual faz parte, 0 que geraria umain iquidade na relacao entre os particulares e a Administracao Publica/Estado, sujei-tando aqueles tota l mente a vontade desta.

    Para os particulares, afirma ZANOBINI, como a lei a eles e externa, se deve,em respeito as suas liberdades, permitir tudo 0 que pOl' elas nao e mediata ouimediatamente restringido. Ja a Administracao, sendo 0proprio Estado na persecucaodos seus fins, s6 pode fazer 0que a lei permite, seja vinculada ou discricionariamente:a lei - 0 proprio Estado - pode determinar a Adrninistracao tanto os fins a seremalcancados e tarnbern os meios para persegui-los, como pode estabelecer apenasaqueles, deixando para a Adrn in istracao - nao mera executora - a escolha dosmeios."E nesta perspectiva que Guido ZANOBINI afirma, em expressao tao citada peladoutrina brasileira, as vezes sem a citacao da fonte e sem 0 aprofundamento que elademanda, que" 0 indivfduo pode fazer tudo 0 que nao Ihe e expressamente vetado,ao passo que a Adrninistracao pode fazer apenas 0 que a lei expressamente Iheconsente.""Jose Manuel SERVULO CORREIA10 deduz da distincao de Charles EISEN-MANN as seguintes concepcoes do Principio da LegaJidade: (a) nao-contrariedade(compatibilidade, preferencia da lei ou legalidade-limite), ou seja, a exigencia de aa9ao administrativa nao poder entrar em contradicao com uma lei, apesar de naonecessariamente haver de nela ter urn esteio; e (b) conformidade (reserva de lei oulegal idade-fundamento), que, alern da nao-contradicao, exige que a Adrninistracao

    concretas. Ni lo se pode desconhecer que se t ra ta de algo mais do que uma simples apl icacao da lei .Tra ta-se do estabelecimento de normas sob 0 Direito Constitucional e de atos relacionados comuma situaciio concreta. Ambas coisas exigem que sejam adotadas decisoes obrigator ias para outros.Assim, com a simples formula de que nlio devern ser os hornens que dorninam, mas sirn us leisabstratas e irnpessoais, nao se resolveu nada" (LARENZ, Karl. Derecho Justo, trad. LUISDiez-Pi-caw, Ed. Civitas, Madrid, 1985, pp. 153/4) . Ve-se, assim, 0 carater meramente mltico de uma estritav in c ul ac ao d a A dm in i st ra ca o Publica 11lei.8 ZANOBINI, Guido. L'Attivita Amministrativa e fa Legge, in Scr itti Vari di Dir it to Pubblico,Ed. Giuffre, Milano, 1955, p. 215.' } ZANOBINI , Guido . L'Attivita Aniministrativa e la Legge, in Scr itti Vari di Dir it to Pubblico,Ed. Giuffre, Milano, 1955, pp. 206/7. E nesta esteira que afirma que toda atuacao da AdministracaoPUblica e sernpre relevante para 0 Direito, ja que e sempre desenvolvida com base em algumahabilitacao legal, 0 que e de grande importf incia para a afirma9iio do controle jur isdicional de todosos atos da Adrninistracao Publica, inclusive dos discr icionarios, em que a Adrninistraciio possuicerta margem de apreciacao,10 CORREIA, Jose Manuel Servu lo . Legalidade e Autonomiej Contratual nos Contratos Adminis-trativos, Livrariu Almedina, Coirnbra, 1987, pp. 58-63 e 309-312.

    atue com respaldo em alguma lei, de forma que os seus atos sempre consistam dealguma forma na aplicacao de preceitos legais (ou, natural mente, constitucionais),

    Esta "conformidade" subdivide-se, podendo reduzir-se a (b. J) mera legalidadeformal, pela qual" basta a existencia de normas que t en ha rn p or objectivo regular aproducao jurfdica do acto, atribuindo poderes para a sua emissao", na o sendonecessaria a (b.2) legalidade material, por forca da qual a lei ja predetermina parteou todo 0 conteudo dos atos a serem prat icados pela Adrninistracao Publica . I I

    Entre nos, FERNANDO VERNALHA GUIMARAES12 aborda a materia commaestria: "A partir de urn nucleo mfnimo e irredutfvel de densidade normative-legal,a var iacao de intensificacao que exsurge quanta a densidade de n o rr n ac a o j u rf d ic ade conformacao acaba pOI' implicar 0 surgimento de urn ro l quase in ter rninr ive l defeietoes da legalidade de conformacao.

    Na classe das relacoes de conformidade e possfvel - na esteira de terminologiaproposta por Lorenza CARLASSARE, adotada por Ruy MANCHETE e SERVULOCORREIA - estabelecer uma dicotomia entre legalidade formal e legalidade subs-tancial ou material, referindo a primeira como a fixacao de lima base mfnima delegaJidade para 0 exercfcio de at ividade administrativa, consistente na regulacaonormativo-legal da producao jurfdica do ato, na atribuicao de poderes para suaernissao. Alude a legalidade substancial a exigencia de e st at ui ca o n o rr na ti va docontet ido do ato ; Se, no ambi to da conformidade formal , a norma jurfdica habil itantese esgota em fornecer uma conforrnacao da producao jurfd ica do ato, na conformacaomaterial, 0 estatuto normativo, ao conformar a disciplina propr ia do ato, assim 0fara segundo LImagraduacao especffica de conformacao, cujo grau de conforrnacaovariara conforme a 'densidade-abertura'."

    Todavia, se deve advertir que a Jegalidade formal jamais vai ser apenas formal,ja que a lei habi li tadora da Administraci io Publ ica ou, em ultima hipotese, ate mesmoo ordenamento jurid ico em seu conjunto , sempre condicionarao de algurna maneirao conteudo dos atos a serem erni tidos pela Adrninist racao Piiblica.U

    II CORREIA. Jose Manuel Servulo. Legalidade e Autollomia Contratual nos Contratos Adminis-trativos, Livraria Almedina, Coirnbra, 1987, pp . 58 a 60. Tambem anali sundo a nomencla tu ra deCharles EISENMANN. Juan Igartua SALAVERRfA observu que a compatibilidade e a conformi-dade sao distintas porque 0 significado desta e a de deduzibilidade (nao apenas cornpatibilidade)da lei (SALAVERRIA, luan Igartua, Principio de Lcgulidud, Conceptos Indeterminados y Discre-cionalidad Administrativa, in Revista Espaiiola de Derecho Administrativo - REDA, 1996, vol,92, versao CD-ROM). Toduvia, segundo 0 autor , esta deduzibilidade poderia advir de dois momen-tos argumentativos diferentes: com a lei prevendo a hipotese de incidencia e a consequencia jurfdicaque deve se segu ir 1 1 sua realizacao concretu: ou com u lei prevendo tins e rncios para alcanca-los(s ilogismo prat ico). No pr imeiro caso, da lei s o pode advir uma alternutiva para a AdministracaoPUblica , ao passo que no segundo, casu h aj a r na is de urn meio possive l para alcancar 0 tim, hUopcoes para 0 aplicador da lei, eclodindo, ussim, 0 que costurnurnos charnar de discricionariedadeadmi nistrati va.12 GUIMARAES, Fernando Vernalha, Altem"iio Unilateral do Contrato Administrativo, Ed. Ma-lheiros, Suo Paulo, 2003, p. 250.13 CORREIA, lose Manuel Servulo. Legalidade e Autonomia Contratual nos Contrutos Adniinis-trativos, Livraria Almedina, Coirnbru, 1987, pp. 311 e 312 .

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    CHARLES EISENMANN, com cuja opiniao anufmos, sustenta que nao hi comoser aplicado 0 criterio da legalidade substancia l em uma versao ext rema (de maximadensidade norrnativa das leis) porque pressupoe que apenas a lei cria direitos eobrigacoes, esquecendo que, na verdade, todo e qualquer regulamento possuira emdeterminada medida, sob pena da sua inutilidade, algum papel criativo em relacaoa lei; posicao que e contestada por Jose Manuel SERVULO CORREIA, para quema assertiva levaria ao fim da diferenca entre regulamentos de execucao e inde-pendentes, ji que inexistiriam aqueles. Para Jose Manuel SERVULO CORREIA 0regulamento de execucao e, entao, aquele que, a inda que com alguma possib ilidadecriativa, tern uma relacao de derivacao logica da lei, propiciando que a lei sejaapl icada de forma segura e uniforme.!"

    Devemos, ao anali sar a Legalidade Adrninis trativa, nos desvestir de uma seriede mitos oitocenti stas , a te porque, apesar de a ideia de liberdade dos revolucionariosfranceses ser fortemente ancorada na legalidade, logo apos a Revolucao Francesavigia apenas a legalidade em seu aspecto de mera nao-contrariedade, ideia quecomecou a ser combatida por nao estar de acordo com 0 Estado de Direito.!'

    Partindo-se da pi rarnide norrnat iva de KELSEN, consta tamos, por urn lado, quetodo ato da Adrninistracao Publica esta apoiado em urn ato superior - geralmenteuma lei -, mas tambern que, por Dutro lado, "toda concrecao de normas gerais,tad a passagem de um grau superior para um grau inferior da ordem jurfdica, implicapreencher urn vazio, respeitando os l irni tes t racados pelas norm as de grau superior.Coma a concreciio das disposicoes inferiores nunca pode ser completamente previstapela norma superior, existe urn espaco criativo, que, conforme a postura kelseniana,po de e deve ser integrada nao so pelo administrador publico, como tambem pelojuiz. Considera que ambas as funcoes nao estao completamente determinadas pelalegislacao, ji que existe uma margem mais ou menos ampla de apreciacao, mas estaIiberdade nao e nunca absoluta e, ao contrario, sempre pressupoe uma norma pre-via" .16

    E por isto que entendernos que todo 0 regulamento e, simultaneamente, emmaior ou em menor grau, executivo e criativo. Com efeito, como adverte CarloSALTELLI, "mesmo os regulamentos independentes nao tern fundamento distintodaquele dos out ros regulamentos, ( . .. ) vez que servem, como os outros regularnentos,

    14 CORREIA, Jose Manuel Servulo. Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Adminis-trativos, Livraria Alrnedina , Coimbra , 1987, pp . 60 e 61. Alguns autores equ ivalem a legalidadeformal a reserva relativa e legalidade material a reserva absoluta, mas na verdude as duas especiesde reserve se encontram no ambito da legalidade mater ial, sendo relativa quando 0 conteudo estiverapenas parcialmente predefinido, e absoluta quando a lei descrever na Integra os atos a serememitidos pela Administracao Publica.15 SEsiN, Domingo J. Administracion Publlca. Actividad Reglada, Discrecional e Tecnica, Ed.Depalma, Buenos Aires, 1994, pp. 1-11.16 SEsfN, Domingo J . Admlnistracion Publica. Actividad Reglada, Discrecional e Tecnica, Ed.Depalma, Buenos Aires, 1994 , pp . 04 e 05 , gri famos. Ass im, demonst ruda fica a inv iabi lidade dese adotar uma visao rfgida da lcgalidade, pela qual a Adrninistracao Publica s6 poderia fazer aquiloque a lei previamente a autorize, em outra s palavras, nao ha como a lei predetenninar todos oselementos dos atos administrativos, 0 que, na pratica, nuncu foi na pratica possivel ao Legislador.

    it execucao de uma lei : particularmente daquelas le is que at ribuem a Adrninistracaourn determinado poder, mesmo que sem disciplina-lo sequel' em suas linhas gerais.Nos regulamentos de execucao, a maior parte das normas concernentes a umadeterminada materia ja se encontra disc ipl inada na le i, de mane ira que regulamentonao tern outra finalidade alem de acrescentar novas disposicoes, e a materia perm a-nece regulada principal mente pela lei e subsidiariamente pelo regulamento; nosregulamentos independentes, ao reves, a parte pr incipal da disciplina da materia eassumida pelo regulamento dada a exiguidade da norma legisla tiva" .17

    A grande questiio da materia do poder regulamentar da Administracdo Publicaniio e propriamente a de se determinar a sua extensiio deste, mas sim definir quale a den:idade normativa minima que a sua base legal deve ter para que sejaconsentanea com 0 Estado Democrdtico de Direito e com a natureza subordinadado poder regularnentar.

    Equivocos na identif icacao do ponto essencial das divergencies sao faci lmentenotados quando sao tecidas cnt icas aos regulamentos que sao oriundos de at ribuicoesem termos largos de poderes norrnativos a Adrninistracao Publica, 0 que, segundoafirmam,. gerariarn inconstitucionais regulamentos aut6nomos ou delegacoes de po-deres legisla tivos. Mas estas crfticas sao dirigidas na maioria das vezes diretamenteaos regulamentos, nao a sua base normat iva . Ora, se 0 regulamento e inconstitucionale porque 0 teria sido , outrossim, a lei que at ribufra poderes demasiadamente amp losit Administracao Publica. E mais, se olvida que atacar 0 regulamento, mantendo aatribuicao de poderes norrnativos, gerara situacoes de desigualdade, uma vez que 0regulamento homogeneiza 0 comportamento discric ionario dos diversos agentes daAdministracao Publica. Em outras palavras, mesmo na perspectiva destes autoresmais tradicionalistas, caso se mantenha a lei de conteudo aberto, mas se vede aAdministracao a edicao de normas gerais e abstratas, as seus agentes aplicarao a leicom imensa l iberdade, caso a caso, 0que s6 acarretara maior diferencas de tratamentoe inseguranca entre os cidadaos.P: 19

    17 SAL TELLI, Carlo. Potere Esecutivo e Norme Giuridiche, Mantellate, Rorna, 1926. pp. 103/4.18 Integramos, assim, a corrente I iderada pOl'GNEIST, CAMMEO. SANTI ROMANO e RANEL-tarn, para os quais "poder r egu lamenrar ter iam as orgaos da Adrn inist rucao Publica na medida~m que a lei lhes atr ibuisse poder discr icionario para a prossecucilo em concreto de deterrninadosmteresses publicos. Esses orgiios poderiarn dispor por via geral e abstraia (por via regulumentar,em suma) quando a lei lhes houver atribuido a faculdade de proceder discricionariarnente, comactos individuals e concretos , dent ro dos l imites legais . Quem POSSU! faculdades discriciomirias,segundo tal doutr ina, tem faculdades regulamentares: a Adrninistracao poderia auto-vincular a suacompetencia discricionaria e proceder, dar em diante, ni io de acordo com a sua apreciacao de cadacaso concreto , com us exigencias do seu conhecimento especf fico, mas sirn de harmonia com asnonnas que precedentemente a s i p ropria se houvesse fixado" (cf. QUEIRO, Afonso. Teoria dosRegulamenlOs, in Revista de Direito e de Estudos Socials, L iv ra ri a A lm ed in a, Coimbra, jan-mar11986, pp . 09 e 10).19 Para .u~a analise das vantagcns da discr icionuriedadc ser exercida atruves de atos regularnen-tares, principalmente para a segurun~a jur idica e previsibilidade das a

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    De nossa parte, a lei nao precisa preestabelecer os elementos das relacoesjurfdicas a serem formadas, au, em outras palavras, nao e necessario que ela tenhaque chegar a fixar os direitos e obrigacoes. que teriam, segundo afirma a doutrinamais tradicional-l ibe ral, apenas a forma do seu mero exercfc io definida peJos regu-lamentos de , .mera" execucao.P Integramos a corrente daqueles para quem basta ahab ili tacao lega l dos poderes da Adrnini st racao Publica, sem que a lei precise ent rarna materi a, a ser regulada peJa Adrninistracao Publica. Ha entre a lei e 0 regulamentouma relacao de "heterointegracao'' entre a lei e as regularnentos dela decorrentes,com importantes re flexes inclusive" no plano da interpre tacao das fontes, conside -rando a funcao integradora conferida pela lei a s fontes secundarias na di sc ipl ina dasrelacoes econornicas". 21

    Nao seria suficiente, contudo, apenas a previsao legal da competencia da Ad-ministracao Publica editar norrnas sobre determinado ass unto. Mister se faz que alei estabeleca tarnbem princfpios, f inal idades, polft icas piibl icas ou standards+ quepropiciem 0 controle do regulamento (intelligible principles doctrine), ja que aatribuicao de poder normativo sem que se estabelecam alguns para metros para 0 seuexercfc io nao se coadunaria com 0 Estado Democra tico de Di rei to, que pressupoe apossibi lidade de cont role de todos os atos esta tai s.

    Apesar de nao encampa-Ia explicitamente, Lufs Roberto BARROSO ve, comefeito, a "tendencia" em se adrnitir que 0 Legislador conceda amplos poderesnormativos a Adrninistracao Publica, desde que "ofereca parametres adequados esuf icientes para a atuacao normativa't.P

    20 Para urn entendimento mais trudicional do Princfpio da Legalidade, lirnitando os regularnentosadministrativos apenus aqueles que ser iarn de "mera execucao" . a que, ao nosso ver , e de existenciairnpossfvcl, ver 0 indispensavel texto de DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Limites da FuncdoReguladora das Agencias diante do Principia da Legaiidade, in Direito Regulatorio (coord, MariaSylvia Zanella Di Pie tro ), Ed. Forum. Belo Horizontc, 2003 , pp. 27 a 60.21 COCOZZA, Francesco. Profili di Diritto Costituzionale applicato all 'Edconomia, Volume I( lncidenza del Rapport! Economic! sult'Organizzazione del Potere Politico e sul Sistema dele Fontidel Dirino), C. Giappichclli Editore, Torino, 1999, p. 177.22 "0 standard juridico constitui uma rnaneira de solucao de conflitos de interesses na qual 0apl icador du le i ado tu di re tivas como nor rnas de conduta, que lhe permitcrn resolver 0 caso comsentido dejustica considerundo os fatores econcmicos, socials e ate mesmo moruis cxistentes dentroda norma legal e de princfpios de aplicacao f l extve l . H u nele uma boa dose de empirisrno epragrnatismo. A equidade quase sempre cstu neste tipo de decisilo, e a eficiencia sera muior quantomaior for a f l ex ib il i da de i n st it uc io n n l" (BIELSA. Rafael. Merodologia Juridlca, Librerfu y EditorialCas te llvf, San ta Fe, 1961, pp . 509 e 510). Como observa Francesco MANGANARO, "n iio se t ra tade desvalo rizur a papel da lei , mas de reconsiderur a sua funcao em um ordenarnento p lura li sta, Sea rapida evolucao social ja era um motive para prefcrir uma legishuriio furta de principios estandards, PO f mais for tes r azoes. um ordenamento em que hu um efctivo pluralisrno requer um aformulacfio legislativa de tal genero (MANGANARO, Francesco. Principia di Legalilii e Sempli-ficazione dell 'AI I i v i le l Anuninistrativa: iprofili critici e principi ricostruttivi, Edizioni ScicntificheI taliane, Napoli. 2000, p. 171).23 BARROSO, Luis Roberto. Apontamentos sobre 0 Principia da Legalidade (Delegacoes legis-lativas, poder regulamentar e reparticiio constitucional das competencias legislativas ) , in Ternesde Direito Constitucional, Ed. Renovar , Rio de Janeiro. 2001, p. 187. Esta tendencia e verificada

    Note-se que nos Estados Unidos da America do Norte , onde tarnbern hav ia forteseto r doutrinario e jurisprudenc ial no sent ido de que as leis com ta l (baixa) densidadenormativa se riam inconst ituc iona is por const itufrem delegacoes de poderes legisla -tivos, a Suprema Corte , apesa r de ainda haver reacoes de alguns autores e de algumasCortes estaduais, acabou se firmando, como expoe John H. REESE, no senti do deque "0que e proibido e a transferencia de poderes ilirnitados. Normalmente, taltransferenc ia limi tada advern da linguagem util izada na lei autorizando a Adrninis-traao a editar norm as apropriadas para cumprir as fina!idades assinaladas na lei. Arransferencia de poderes normativos tambern pode estar implfcita na linguagemlegis lativa, ainda que nao haja atr ibuicao normativa expressa" .24 Willi am F. FUNKexplica: "0 Congresso legisla e a Administracao executa as leis; para que a Admi-nistracao execute as leis, estas leis devem conter urn princfpio claro (intelligibleprinciple) para guia r a Adrnin istracao, j a que, do contra rio, a Adrninistracao estar iaJegislando por conta propr ia" .1 5

    Recentemente , a Suprema Corte teve a oportunidade de rea firmar a sua posicaono caso Whitman v.American Trucking Associations Inc.. em que , apesar da posicaoadotada pelo Tribunal Federal ad quem pela inconstitucionalidade da lei atr ibutivade largos poderes normat ivos a agenc ia admini st rativa, conside rou constitucionaldisposicao legal que atr ibuiu poder normativo para" estabelecer padroes de qualidadedo ar, cuja obse rvanc ia seja necessa ria pa ra proteger a saude publica".

    A Corte Federal recorrida havia decidido que a lei nao continha urn "intelligibleprinciple" porque dela nao se poderiam deduzir as quantidades de poluentes queseriam aceitaveis, A Suprema Corte, contudo, entendeu, com base em diversosprecedentes analogos, que do termo "sa iide publica" decorri a urn princ ipio suficien-temente claro (" 'public health' provided a sufficiently intel ligible principle ").26

    Tarnbem na Iralia se exige que a lei atributiva do poder regulamentar contenhaos respectivos "principios e criterios diretivos"?"; ao pas so que na Alemanha "0

    ate mesmo no Direito Privado , vejamos: "Propugna-se, na dout rina , 0 estabelecimento de umacodificaciio estruturada em princfpios, standards ou rnesmo par clausulas gera is . Defende-se aadOCiiode um sistema abcrto ou movel ( .. .) . E certo que esta orientucao outorga ,10 juiz urna funCiiobern mais relevante que a visao classica Ihe atr ibui, Pussu ele a poder preencher a norma, dando-lhemaior concrecao" (ANDRDADE, Fabio Siebeneichler de. Da Codificaciio: cronica de 11 m conceito,Ed, Livraria do Advogado, Par te Alegre. 1997, pp. 15617).24 REESE, John H. Administ ra tive UIW - Pr inciples and Pract ice, Westpublishing Co., SaintPaul, Minnesota. 1995, p. 53, grifo do autor .2S FUNK, Will iam F. Administrative Practice & Procedure, 2"edicao , West Gro lp, 200 I, p . 522.26 Isto niio quer dizer que a Suprema Corte sempre acate a utribuiciio legislativa de poderesnormativos. Nos CllSOS Panama Refining Co. v .Ryan e no Schechter Poultry Corp. v. United Stalesa Suprema Corte considerou u atr ibuicao de poderes regularnentares inconstitucional, respectiva-mente, por niio haver lirnitacoes 11discrecao presidencial e por conferir uma "discricionuriedadesem Iimites" .27 ROMANO, Alberto. Relazione eli Sintesi, in Amminist raz ione e Legal ita - Fonti Normat iv i eOrdinamenti (Atti del Convegno, Macerata, 21 e 22 lTIuggioI999) . Giufrre Editore, Milano. 2000,p. lOS.

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    Tribunal Constitucional Federal. conjuntamente com a doutrina, criou a figura daBestimmheitsgebot, au seja, a exigencia de uma dete rminabil idade, que a lei auto ri-za tiva do poder regulamenta r deve sati sf aze r pa ra evi tar le is excessivamente gene-ricas au que transfiram ao Executive uma cornpetencia normativa sem limites doponto de vista finalfstico (uma "carta-branca"), sendo que, atualmente, a doutrinae cada vez mais propensa a entender suficiente que 0 'escopo' possa se r inferidotambem da interpretacao do contexto jurfdico no qual a lei de autorizacao e emana-da" . 2 1 1

    Sob 0 mesmo prisma, se afirma tambem na doutrina nacional-? que a que naopode ocorrer e .. a disciplina normati va produzida pela lei ser tao surnaria que suacomplernentacao possa conduz ir a urn resultado qualquer. Preocupada com a proli -feracao de leis de ba ixfssirna densidade normativa, a dou trina construiu 0 conceitode conteudo essencial (contenu essentiel, weserulichkeitstheoriei. Tais lei s devemexpressar, na li~ao de GARCiA DE ENTERRfA. uma diretiva legislati va precisa,sem supor uma cessao formal ou em branco d~ poder normativo'" .

    A nossa posicao e a de que, inclusive a luz do art. 84, IV. CF, os regularnen toseditados com base em habitacoes genericas de poder normative poderiam ser con-siderados regulamentos autonornos, j a que, apesar de (como qua lquer a te jundico ,em certa escala) c ria rern d irei to, tambern sao regula rnentos de execucao, ill casu deexecucao da habitacao legal e dos standards genericos que a condicionam. 1 3 , claroque a definicao de que standards propiciam 0 controle nao e uma questao facil, queso pode ser dirirnida em relacao a cada habitacao legal especffica, no conjunto dalei na qual esta contida e, ate mesrno, no conjunto do ordenamento jurfdico.

    No mesmo sentido propugnado, 0 Superior Tribunal de Justica - STJ30 lavrouacordao no qual a Ministro Humberto Gomes de Barros afirrnou a possibilidade daAdrnini stracao Publ ica , para alcancar as fina lidades genericas da disciplina da ma-teria, mas sem qualquer autorizacao legal especffica, restringir a liberdade dos"postos de gasolina" adquirirem combustfveis, A irnportancia do acordao e que eurn dos poucos exemplos em que a nos sa jurisprudencia foi alern de questoesatinentes ao caso concreto, tratando do umago doutrinario e te6rico da materia, ouseja, do que deve ser entendido como" execucao de lei". Vejarnos:

    " A Const ituicao Federal, em seu art. 170, prece itua que a ordem econ6micae fundada na valorizacao do t raba lho humane e na livre inic iat iva , tendo porfinalidade assegurar a todos a existencia digna, conforme os princ fpios queenunc ia. No seu alt. 174 ponti fica que , como agente no rmat ive , e reguladorda atividade economica, 0 Estado exercera, na forma da lei. as funcoes de

    28 ROMANO, Maria Chiara. Principio di Legalita e Regolamenti in Germania, in Arnministrazionee Legalita - Fonti Norrnativi e Ordinamenti (Alii del Convegllo, Macerata, 21 e 22 maggio 1999) ,Guffre Editore, Milano. 2000. p. 226.29 PESSOA, Robertonio Santos. Administraciio e Regulaciio, Ed. Forensc, Rio de Janeiro, 2003,p.145.30 MS4.578 DF (grifos nossos).

    fiscalizacao, incent ivo e planejamento. Desses disposit ivos result a cla ro queo estado pode atuar como agente regulador das atividades economicas emgeral, sobretudo das que cuidam as empresas que atuam em urn setor abso-lutamente estrategico, daf Ihe ser lfcito est ipular precos que devern ser porelas praticados. Montado nes tes argumentos , n ao tenho diivida em afirmarque 0 senhor Ministro dispoe de autoridade para impedir que 0 granelistavenda combustfvel ao varejista ligado a bandeira que nao e a sua. Comoregis trei acima, controlar a execuciio de determinada norma e fazer comque ela se desenvolva em busca dos fins sociais para a qual a regra [oiconcebida. Os prece itos que di sc ipl inam a distribuicao de combust fvei s t ernco~o finalidade fazer com que os usuaries de tais produtos recebam, comse!!ourancra e facilidade, produtos de boa qualidade. Isto ocorre, porque, aexibicao do logotipo de rnarca famosa traduz a afirmacao de que no localse vende daquela marca. Ora, se 0 posto negocia produtos cuja origem naocorresponda a sua bandeira, ele estara enganando 0 fregues (...) . Quando 0f regues e i ludido, a dis tr ibuicao de cornbus tfvel nao estara correspondendoaos fins sociais que orientam as norrnas disciplinadoras da distribuicao decombustfveis" .

    o Supremo Tribunal Federal - STF em diversas ocasioes tam bern ja fixou aJegitimidade da atribuicao de poder normativo atraves de standards e finalidadesgenericas estabelecidas em lei. Em recente decisao Iiminar em Acrao Direta deInconstitucionalidade (ADIN n 1.668/DF, Relator Minis tro Marco Aurelio), 0 STFconsiderou constitucional a habilitacao normativa efetuada pelos incisos IV e X doart. 19 da Lei Geral de Telecomunicacoes - LGT em favor da ANATEL, desdeque esta subordine-se aos p rece ito s legais e regulamen tares pertinentes. No RecursoExtraordinario n 76.629/RS, 0 Ministro Al iomar Baleeiro a firmou que "se 0 legis-lador quer os fins, concede os meios. ( ... ) Se a L. 4.862 expressamente autorizasseo regulamento a estabelecer condicoes out ras, ale rn das que ela estatuir, a f niio seriadelegaciio proibida de atribuicoes, mas flexibilidade na fixacao de standards juri-dicos de carater tecnico, a que se refe re Stati " (grifa rnos).

    Na doutrina nacional, tambern Miguel REALE observa que" se h a algo quecaracteriza a Ciencia do Direito de nossos dias e a opcao pelos modelos juridicosabertos, os quais deixam amplo campo de decisao a cargo dos jufzes e adrninistra-dores como aplicadores ou aplicadores das leis, por se reconhecer que a cornplexi-dade e dinamicidade do mundo conternporaneo nao comporta uma legislacao cerrada,na qual tudo ja se encontre previsto e disciplinado, nern jufzes desprovidos departicipacrao criadora" .31

    1 3 , assi rn, que, tomando por re ferenc ia a nomenclatura de Jose Manue l SERVU-LO CORREIA, nao adotarnos, nem uma legalidade meramente formal, que naofornece pautas de controle da substancia dos atos, nem uma legaJidade substancialde excessiva densidade norrnativa, que exige que a lei estabeleca pelo menos parte

    31 REALE, Miguel. Questoes de Direito Publico, Ed. Saruiva, 1997, pp. 7617.

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    do contei ido dos a tos a serem expedidos, 0 que rnui ta s vezes nao e cornpatfvel coma dinamica da atividade administrativa, principalmente quando lida com subsistemassociais de especial desenvolvimento e mutabilidade nos nossos tempos, como aeconomia e a c iencia .32

    Propugnamos, portanto, por uma superacao da separacao rfgida entre as duasversoes extremas de conformidade legal, sustentando que 0 mfnimo de densidadenormat iva que as le is devem possui r pa ra a tribuir poderes a Adrninistracao Publicaconsi st e em habil it acoes no rmativas calcadas em princ fpios e valores,

    A isto poderiam ser dados varies nomes: legalidade formal axiol6gica, legali-dade material leve ou, 0 que preferimos, simplesmente legalidade principiologica,no sentido de que as atribuicoes de poderes pela lei devem, por sucintas que sejam,ser pelo menos conexas com pr incfp ios que possib ili tem 0 seu controle; princfpiosaqui considerados em seu sentido amplo, abrangendo final idades , polit icas piibl icas ,standards, etc.33 Trata-se, portanto, de uma visao neo-positivista do Principio daLegalidade-" resultado de um sistema constitucional tendencialmente principialista.V

    32 GIANNINI observa que 0 Princfpio da Legalidade em sua concepcao inicial determinava quetodo ate da Administracao Publica. em todos seus elementos, devessern estar previstos em lei, mas"esta concepcao rfgida do principio da legaJidade correspondia a concepcao do poder administrativecomo poder execut ive e . portanro , administ racao como execucao . Ja que desta maneira as adrn i-nistra~oes publicus nao ter iam como funcionar , foram encontradas duas valvulas, na discr iciona-r iedade, e em alguns atos adrninistrativos a serem udotados somente em situacoes extraordinarias,que eram os regulamentos de necessidude (ordinanze di necessita)" (GIANNINI, Massimo Severo.Diritto Amministrattvo, Vol . 1 ,3 ' edicao, Ed. Giuf fre , Mi lano, 1993, p. 88).33 "E preferivel uma legislacao de princfpios gerais e standards, do que uma legislaciio fe itu deregra s, cujos conteudos tendem a ficar obsoletos em urn lapso de tempo sempre cada vez rnaisbreve. Em outras palavras, e diffcil calocar dentro de normas de conteiido determinado uma realidadesocial em contfnua evolucao. ( ... ) Se sabe que urn excesso de regras eo melhor modo de de ixar aAdministracao de se subtrair a sua observf incia, j6.que a burocracia, diunte de muitus regras, acabaf icando substancialmente l ivr e para apl icar a interp re tacao que cansidere mais adequada ao casoconcreto. Uma desregulamentacao da atividade administrativa nao serve para resolver 0 problema,quando 0 que se deve e reconsiderar 0 papel da norma (e do jurista) em urn ordenamento emcontinua evolucao. A consequencia irnprescindfvel e a necessidade de '" uma revisao do papelconstitucional da Administracao e do proprio Princfpio da legalldade' , que a doutr ina e chamada aelaborar, em urn momento em que ja esta em fase avancadu a trunsicao normativa para umaAdministracao por objetivos, que exalta 0 papel da eficiencia da a~ao administrativa" (MANGA-NARO, Francesco. Principlo di Legaliti: e Sempllficazione dell 'Attivita Amministrativa: iprofilicritici e prfncipi ricostruttivi, Edizioni Scientifiche I taliane, Napoli, 2000, p. 165).34 ALMIRO DO COUTO E SILVA bern coloca 0 neo-positivisrno de uma forma que os valores,ent ilo reclamados apenas pelos jusnatu ra li stas, suo t ra tados como partes integrantes (e das maisreJevantes) do proprio ordenamento jur idico positive: . .Os valores estao dentro do pr6prio ordena-mento jurfdico, sob a forma de princfpios embutidos na Constituicao, de maneiru explfcita oui rnpl fc ita. Essu corrente de pensamento, que se alast rou pelo mundo, rcvigorou os princfpiosconstitucionuis ja identif icados, descobrindo-lhes novos aspectos. e acrescentou ao rol conhecidomuitos outros. Os princfpios adquiriram, desse modo, no Direito moderno, especialrnente 0DireitoPublico, urn vigor que nunca tinha rn possufdo, notadamente na configuracao da coerencia dosistema. As outras normus sao sernpre a eles necessariamente reconduzidas e suo eles que orientama sua apl icacao" (COUTO e SILVA. Almiro . Os Ind lv lduos e 0 Estado na realizaciio de Tarefas

    Com efei to, evoluiu-se para se considera r a Adrninist racao Publica vinculadanso apenas a lei, mas a todo um bloco de JegaJidade, que incorpora os vaJores,princ fpios e obje tivos jurfdieos maiores da sociedade, com diversas Consti tuicoes(por exemplo, a ale rna e a espanhola) passando a submeter a Administracao Publ icaexpressamente a "lei e ao Direito" , 0 que tarnbern se infere impl ici tamente da nossaConstituic;ao e expressamente da Lei do Processo Administrativo Federal (art. 2,Paragrafo unico, I). A esta formulacao da-se 0 nome de Princfpio da Ju ridicidadeou da lega lidade em sen tido amplo.l"

    Note-se que esta formulacao e uma mao de via dupla: serve tanto para restringira a\ao da Administracao Publica nao apenas pela lei, mas tambern pel o s valores eprincfpios consti tucionai s, como para permi ti r a sua atuacao quando, mesmo dianteda ausencia de lei infra-constitucional especffica, os valores da Constituicao (leiconst itucional) irnpuserem a sua atuacao.'?

    Note -se que 0 Princfpio da LegaJidade, do ponto de vista do Direito Privadosofreu identi ca , mas sirnet rica, evolucao: hoje nao mais se concebe que , na ausenciade lei proibit iva, possa 0 particular fazer 0 que quiser, ainda que contrar iando val orese princfpios constitucionais. A aC;aodo particular e , portanto, diretarnente restringida,nao s6 pe la le i, como tarnbern pelos p rincipios constitucionais."

    Publicas, in Diretto Administrative e Constitucional - Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba,vol. 2, Ed. Ma lheiros, Suo Paulo, 1997, p. 97). Por estas razoes, prefirirnos 0 termo "neo" a"pos-pos it ivi smo": a inda se t ra ta de pos it ivi srno , essencia l para a di ferenciucao do Direi to dosdemais subsisternas sociais, mas urn positivisrno calcado em principios (capazes, 0que e essencial,de dialogar com valores meta- jurldicos) , nao em regras jurfdicas. Nao estamos, natural mente, nosreferindo a chumada "Escola Neo-positivista" ou da logica positivista, de Malburgo, do infcio doseculo XX, nern, tampouco, adotando 0 positivisrno historico, Na verdade, estarnos realrnente maispr6ximos de alguns dos que passarurn a se denominar de "pos-positivistas" (verbi grata, BARRO-SO, LUISRoberto. Fundamentos Teoricos e Filosoficos do novo Direito Constitucional Brasiieiro:p6s-modernidade, teoria critica e pos-positivismo, in A Nova Interpretacao Constitucional, org.Luf s Roberto Barroso , Ed . Renovar, Rio de Janeiro, 2003, pp . 1 a 49) , apenas crendo que, f ace uirnportancia dada u positivacao de valores meta- jurfdicos, poder-se- ia entender como urn poucomais upropriada a denorninacao de . .neo-positivismo". Feita esta observacao terrninologica, man-temos, contudo, a nomenclatura de" pos-positivismo" por ja se encontrar consagrada e por tarnbernref letir as ideias que se pretende expresser .3S OTERO. Puulo, Legalidade e Administractio Publica - 0 sentido da vinculafao administrativaII Juridicidade, Ed. Almedina , Coimbra , 2003 , p. 168.36 SEsfN, Domingo 1 . Administracion Publica. Actividad Reglada, Discrecional e Tecnica, Ed.Depalma, Buenos Aires, 1994, p. 08.37 "Es tamos dian te de urn Direi to mais duct il e flex ivel ante a variedade dos casos, e, por tanto,mais justo, Nesta logica, os conteiidos e nao asformas, a cornpreensao do significado concreto, dastensoes materiai s p roprius das s ituacoes da v ida , adqu irem forca frente u ext rema dureza dasinf lexlveis ' leis ', cuja abstruc;uo e distancia da realidade encastelava 0 direito no conceitualisrnodas velhas pandectas de costas para a justica" (PALOMBELLA, Gianluigi. Filosofia del DerechoMOderna y Contemportinea, Ed. Tecnos, Madrid, 1999, p. 265).38 "0 principio da legalidade esui previsto na Constituicao Federal, no artigo 5, II, que dispce:'Ninguem sera obr igado a fazer ou deixar de fuzer a lguma coisa senao em virtude de lei '. 0 queparece, a primeira vista, ser a rnais relevante distincao entre 0 di re ito publ ico e 0 direito privado

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    Karl LARENZ adverte que 0 fato de a lei raramente preestabelecer 0 conteudodas decisoes concretas a serem tomadas nao pode levar a ideia de ausencia devinculacao a l ei e existencia de tota lliberdade dec isoria (0 fato de a vinculacao naopoder ser vista de maneira est rita , nao quer dizer que nao exi sta qualquer vinculacao).Esta vinculacao deve, outrossim, ser cumprida com urn a1cance maior, relacionadocom os objetivos e valores visados peJa lei e pela Constituicao, .. atraves de urnprocesso metodicamente consciente" .39

    Na verdade deve haver uma re lat ivizacao da definicao de certa s competenciesadministrativas como discricionarias ou vinculadas, ja que esta definicao s6 podeser feita em cada caso concreto: 0 exercicio de de terminada cornpetencia em tesediscri cionaria pode, diante das especi ficidades de dado caso concreto, dete rminar aAdrn inistr acao Publica apenas uma at itude juridicamen te correta/razoavel; e, inver-samente, 0 exerc ic io concreto de de terminada cornpetencia que em tese e vinculadapode, face as especi ficidades do caso, ge rar dive rsas a ti tudes razoave is/jurrdicas quepossam ser adotadas pela Administracao Publica , e, in extremis, podem ate determi-nar 0 afastamento da lei naquele caso concreto em razao de a sua aplicacao ali -e apenas ali, ja que do contrario a lei seria inconstitucional - revelar-se contrariaaos valores maiores da Constituicao e do Direito.

    Nesta senda, 0 Tribunal Supremo Espanhol, se pronunciou no sentido de que.. a firmar que a a tividade da Adrninistracao Publica e vinculada apenas quando 0 atoesta regulado par uma lei au regulamento, equivale a cair em urn puro formalismojurfdico e desconhecer que, a margem destas norrnalizacoes forrnais, a acao daAdministracao se rege por fins te leol6gicos inescusavei s e por princ fpios indest ru-tfve is que regram sua conduta com tanto au mais v igor que as di sposicoes legais."40

    Colocada esta, portanto, a concepcao que entendemos ser a vigente no Estadocontemporaneo do Princfpio da Legalidade e do poder normat ivo da AdministracaoPublica, que, por urn lado, nao limita os regulamentos a mera especificacao depreceitos que ja dev ern estar previamente fix ados em lei, e, por outro, nao os limitaou potencializa apenas pela Lei que estiverem regulamentando, mas sim pelo orde-namento jurfdico h iera rquicamente superior como urn todo.

    consubstancia-se, na verda de, em uma regra tanto para as relacoes entre 0 Estado e os particulatesquanta nas relacoes jurfdicas intersubjetivas, entre par ticulates. 0 que 0 principio constitucionalesta a garantir nao e 0 antigo" re ino da l iberdade" mas, s im 0 Estado Democratico de Direito, quese opoe ao Estado de Polfcia, ou do Arbftrio. No Estado Dernocratico de Direito, 0 poder do Estadoesta limi tado pelo Dire ito; mas nfio so: 0 poder da vontade do part icular, em suas re lacoes comoutros particulares, tambern 0 esta, Limita-o niio apenas a eventual norma imperativa, contlda nasleis ordindrias, mas, sobretudo, os principios constitucionais de solidariedade social e dignidadehumana que se espraiam por todo 0 ordenamento civil, infra-constitucional. Evidentemente,permanecem espacos abertos de liberdade, mas esta Iiberdade (autonomia) e consent ida e ja nl ioserve mais a def inir 0 sistema de direito privado" (MORAES, Maria Celina Bodin. Constituiciio eDireito Civil: tendencias, in Revista Direito, Estado e Sociedade, PUCRJ, vol. 15, grifarnos).39 LARENZ, Karl. Derecho Justo, t rad. Lu is Diez-Picuzo, Ed. Civ itas, Madrid, 1985 , pp . 168 a171.40 SEsfN, Domingo 1. Administracion Publica. Actividad Reglada, Discrecional e Tecnica, Ed.Depalma, Buenos Aires, 1994, p. 10 .

    ABSOLVI