aquisição de terras por estrangeiros: um retorno aos dossiês

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Artigo do professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP) publicado na revista "Agrária", São Paulo, No. 12, pp. 3-113, 2010Resumo: Este texto aborda a questão da aquisição de terras por estrangeiros nos últimos 50 anos no Brasil. Inicia-se pela análise do escândalo sobre a venda de terras para pessoas físicas e jurídicas estrangeiras na segunda metade da década de 1960, quando mais de 28 milhões de hectares foram transacionados, na maioria das vezes, de forma ilícita. Destaca o Relatório Velloso sobre este escândalo e a ações da ditadura militar para continuar garantindo a aquisição de terras pelos estrangeiros enquanto tentava mostrar um lado nacionalista à sociedade brasileira. Estes fatos são relatados como uma tragédia na história do país.Também é discutida a atual questão sobre a aquisição de terras por estrangeiros sob a forma de uma farsa na história recente do Brasil. Primeiro devido à pouca expressão territorial que os estrangeiros possuem no país. Segundo porque a farsa, transformada em factóide, visou retirar do centro do debate político a questão da reforma agrária e tentar encobrir a opção pela contra-reforma agrária no segundo mandato do governo Luiz Inácio Lula da Silva e depois com Dilma Rousseff. E, por fim, discutem-se as questões sobre a terra no capitalismo rentista mundializado no Brasil.

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AGRRIA, So Paulo, No. 12, pp. 3-113, 2010

A QUESTO DA AQUISIO DE TERRAS POR ESTRANGEIROS NO BRASIL - um retorno aos dossis LA CUESTIN DE LA ADQUISICIN DE TIERRAS POR EXTRANGEIROS EN EL BRASIL - el regreso a los dossiers THE QUESTION OF LANDS ACQUISITION BY FOREIGNERS IN BRAZIL a return to the dossiers Ariovaldo Umbelino de Oliveira Professor Titular Geografia Agrria - FFLCH - USP [email protected] Ursula, minha filha1"Abordar navios mercantes Invadir, pilhar, tomar o que nosso Pirataria nas ondas do rdio Havia alguma coisa errada com o rei. Preparar a nossa invaso E fazer justia com as prprias mos Dinamitar um paiol de bobagens."2

Resumo: Este texto aborda a questo da aquisio de terras por estrangeiros nos ltimos 50 anos no Brasil. Inicia-se pela anlise do escndalo sobre a venda de terras para pessoas fsicas e jurdicas estrangeiras na segunda metade da dcada de 1960, quando mais de 28 milhes de hectares foram transacionados, na maioria das vezes, de forma ilcita. Destaca o Relatrio Velloso sobre este escndalo e a aes da ditadura militar para continuar garantindo a aquisio de terras pelos estrangeiros enquanto tentava mostrar um lado nacionalista sociedade brasileira. Estes fatos so relatados como uma tragdia na histria do pas. Tambm discutida a atual questo sobre a aquisio de terras por estrangeiros sob a forma de uma farsa na histria recente do Brasil. Primeiro devido pouca expresso territorial que os estrangeiros possuem no pas. Segundo porque a farsa, transformada em factide, visou retirar do centro do debate poltico a questo da reforma agrria e tentar encobrir a opo pela contra-reforma agrria no segundo mandato do governo Luiz Incio Lula da Silva e depois com Dilma Rousseff. E, por fim, discutem-se as questes sobre a terra no capitalismo rentista mundializado no Brasil. Palavras-chave: Terras de Estrangeiros, Reforma Agrria, Contra-reforma agrria, Grilagem de Terras, Capitalismo Rentista.

Dois motivos levam-me a dedicar esse texto para Ursula, minha filha. Primeiro, porque comprei para ela um dia na dcada de 80, o LP do RPM (que temos at hoje) com suas msicas irreverentes, entre elas Radio Pirata. Inclusive, ela s pde ouvir o lado "B", porque o lado "A" vinha riscado pela censura da ditadura militar, pois, l estavam as msicas proibidas: Revolues por minuto e Alvorada voraz. A capa do LP trazia escrito: "Proibida a radiodifuso e execuo pblica da msica: Revolues por minuto." Segundo, porque me ajudou a resolver o uso das noes em lngua inglesa sobre o tema do texto. 2 RICARDO, P. & SCHIAVON: 1984, Rdio Pirata, RPM, LP "RPM - Radio Pirata ao vivo", Epic/CBS, Rio de Janeiro. 1

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Resumen: Este trabajo aborda la cuestin de la adquisicin de tierras por extranjeros en los ltimos 50 aos en Brasil. Comienza examinando el escndalo por la venda de tierras a particulares y empresas extranjeras en la segunda mitad de los aos 1960, cuando ms de 28 millones de hectreas fueron negociados en la mayora de los casos de manera ilegal. Destaca el Informe Velloso sobre el escndalo y las acciones de la dictadura militar para seguir garantizando la adquisicin de tierras por extranjeros mientras trat de mostrar un lado nacionalista a la sociedad brasilea. Estos hechos se presentan como una tragedia en la historia del pas. Tambin se analiza la actual cuestin de la adquisicin de tierras por extranjeros en la forma de una farsa en la historia reciente de Brasil. En primer lugar, por la poca expresin territorial que los extranjeros tienen en el pas. En segundo lugar, porque la farsa es convertida en factoide, destinado a retirar del centro del debate poltico el tema de la reforma agraria y tratar de encubrir la opcin por la contrarreforma agraria en el segundo mandato del gobierno Luiz Incio Lula da Silva y de Dilma Rousseff. Finalmente, se discuten los temas de la tierra en el capitalismo rentista globalizado, en el Brasil. Palabras clave: tierras extranjeras, la reforma agraria, contrarreforma agraria, el acaparamiento de tierras, capitalismo rentista. Abstract: This paper addresses the issue of land acquisition by foreigners in the last 50 years in Brazil. It begins by examining the scandal over the sale of lands to foreign individuals and companies in the second half of the 1960s, when more than 28 million hectares were transacted, in most cases, illegally. The Vellosos Report highlights the scandal and actions of the military dictatorship to ensuring the acquisition of lands by foreigners. Meanwhile, the government tried to show a nationalist side to Brazilian society. These facts are shown as a tragedy in Brazilian history. It is also discussed the current question of lands acquisition by foreigners as a farce in Brazilian recent history. Firstly, because of the little territorial expression those foreigners possess in this country. Second, the farce turned into a phony news item and aimed to remove the issue of agrarian reform of the center of political debate, trying to cover up the option of the agrarian contra-reform in the Luiz Incio Lula da Silvas second term and then Dilma Rousseff. Finally, we discuss the issues of land in the globalized rent seeking capitalism in Brazil. Keywords: lands of foreigners, agrarian reform, agrarian contra-reform, land grabbing, rent seeking capitalism

Introduo Marx iniciou uma de suas importantes obras no Sculo XIX, com o seguinte pensamento "Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importncia na histria do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragdia, a segunda como farsa." (MARX, 2011: 176) Este tambm, o mote principal deste texto. No Brasil, h vrios temas que aparecem ao longo de sua histria contempornea como verdadeiros "factides", como eles so denominados pela mdia. Eles vo e voltam aos noticirios

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cotidianamente, criando a iluso de que so, de fato, verdadeiros, perigosos ou indesejveis. Eles no o so, porm so trabalhados ideologicamente para parecerem que so verdades incontestes que esto prximas de se realizarem. Muitas vezes, tratamse de tpicas ideologias que so veiculadas para criarem um embate abstrato entre posies polticas nacionalistas ou falsamente nacionalistas e aquelas internacionalistas, entreguistas ou no. A principal delas sobre a internacionalizao da Amaznia. Desde o incio do Sculo XX, as classes dominantes, particularmente os ruralistas, e os militares "deliciam-se" e "deliciam" parte da sociedade brasileira com esse debate. Muitos livros e textos j foram escritos, embates realizados nas universidades e fora delas. Ou seja, consumiram-se tempo e esforos para discutir uma questo que na realidade, de fato, nunca existiu. Certamente, muitos se lembraram da ideologia dos "Grandes Lagos Amaznicos" do Instituto Hudson do Mr. Hermann Kahn, na poca da ditadura militar. Naqueles duros anos, isso levou, inclusive, criao da CNDDA (Comisso Nacional de Defesa e pelo Desenvolvimento da Amaznia) liderada pelo gegrafo Orlando Valverde e muitos militares nacionalistas da reserva. Na realidade, jamais o governo militar de ento teve a inteno de implantar aquele projeto, mas, deixou-o rolar na mdia como se de fato ele fosse acontecer. Foi uma comoo nacional, debates, textos, jornais, revistas, muito papel e esforos consumidos, mas, enquanto isso, a ditadura implantou o PIN - Programa de Integrao Nacional, abrindo a Amaznia aos interesses do capital nacional e mundial. O Projeto Jari do multimilionrio Daniel K. Ludwing foi implantado no vale do rio Jari na divisa do Par e do Amap com seus mais de 4,6 milhes de hectares divididos em dois imveis registrados no Cadastro do INCRA como Jari Florestal e Agropecuria Ltda com 2.918.829 hectares e Cia Florestal Monte Dourado com 1.682.227 hectares. Em Almerim no Par, o National Bulk Carriers obtinha do governo militar 1.250.000 hectares e a Georgia Pacific conseguia 400.000 hectares em Portel e Melgao tambm no Par. (OLIVEIRA, 1987; OLIVEIRA 1988, OLIVEIRA, 1997) Inclusive, a rede Globo veiculou na poca o programa "Amaral Neto, o reprter", que de forma pica mostrava os feitos da ditadura na Amaznia como se fizessem a defesa da ptria. Dessa forma, enquanto os governos militares e a mdia informavam ao pas que defendiam a Amaznia contra os interesses externos, internacionalizaram integralmente a economia

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brasileira e, logo, a Amaznia, sem precisar entregar um pedao do pas, como diria Armando Corra da Silva (1985), a um outro pas imperialista, qualquer que fosse ele.3 Agora, em pleno Sculo XXI, o governo do Partido dos Trabalhadores - PT, resolveu reinventar "factides" para divertirem a esquerda e, principalmente, os movimentos scio-territoriais e sindicais. A meu juzo, dois so os novos "factides": a mudana dos ndices de produtividades para definir a improdutividade ou no dos imveis rurais pelo INCRA, e, a ltima e grande "jogada ideolgica", ou seja, aquisio de terras por estrangeiros no Brasil. Sobre o primeiro, penso que no necessrio lembrar, sobretudo, os companheiros e, de uns tempos para c, os "novos camaradas", que jamais o governo vai alterar os ndices de produtividades, mas, sempre nas reunies com os movimentos sociais e sindicais diro que vo alter-los. Alis, essa "histria da carochinha" j voltou outra vez no governo atual do PT, sob a beno da "ideologia do cientificismo" da Embrapa. Mas, o segundo "factide", foi retirado do ba em uma ao conjunta MDA/INCRA, exatamente, por quem, na poca tinha a obrigao legal e funcional de fazer cumprir a legislao em vigor e encaminhar justia aqueles que no h cumpriam, ou seja, o ex-presidente do INCRA Rolf Hackbart. Foi ele prprio que se incumbiu de noticiar ao pas o "novo perigo internacional" aos pseudos e aos verdadeiros nacionalistas de ltima hora: aquisio de terras por estrangeiros no Brasil. Curiosamente, a segunda vez que essa notcia vem a pblico, pois, a primeira vez foi em plena ditadura militar do final da dcada de 60, quando de fato, os rgos pblicos e os grileiros de terras pblicas estavam vendendo a grupos estrangeiros, terras brasileiras em um total apurado de mais de 28 milhes de hectares, e, a maioria delas na Amaznia. exatamente sobre essas duas histrias, uma verdadeira e a outra fabricada que esse texto tratar, pois, a memria neste pas sempre, propositalmente esquecida. 1. O escndalo da aquisio de terras por estrangeiros nos anos 60 do Sculo XX, pela ditadura militar - a verdade. No demais continuar lembrando que o final da dcada de 50 e incio da dcada de 60, foram marcados pelo processo de organizao/reivindicao dos camponeses, sobretudo nordestinos, no pas. Esse processo gerou a criao das Ligas Nos livros "Amaznia: monoplio, expropriao e conflitos", 1987, "Integrar para no entregar Polticas Pblicas e Amaznia", 1988, e na tese de livre docncia "A Amaznia norte-matogrossense: grilagem, corrupo e violncia", 1997, tratei exaustivamente dessa questo.3

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Camponesas, cuja luta pela terra e contra a explorao do trabalho no campo marcou de forma exemplar sua histria. Como consequncia da ampliao da luta pelas Ligas Camponesas, o governo Joo Goulart criou a SUPRA - Superintendncia da Poltica Agrria, rgo do governo federal responsvel pela implantao de uma poltica de reforma agrria. Inclusive, como escrevi, (OLIVEIRA, 1997: 67/8) antes de sua deposio pelos militares, Joo Goulart havia encaminhado ao Congresso um projeto de lei que alterava o artigo da Constituio que previa indenizao prvia em dinheiro para as desapropriaes, passando a mesma a ser feita em ttulos da dvida pblica. O projeto previa tambm, a desapropriao das terras situadas s margens das rodovias e dos audes pblicos federais, ou seja, o governo procurava orientar-se pelo princpio de que "o uso da propriedade est condicionado ao bem-estar social, no sendo a ningum lcito manter a terra improdutiva por fora do direito de propriedade".(BANDEIRA, 1977: 164/5) Como se sabe, o golpe militar de 1964 abortou o projeto de reforma agrria de Joo Goulart, caou literalmente as lideranas que militavam nas Ligas Camponesas e reprimiu o movimento. Mas, contraditoriamente, foi o Marechal Castelo Branco que assinou a lei que criou o Estatuto da Terra - Lei n. 4.504, de 30/11/64. Como tambm escrevi, foi o prprio Ministro do Planejamento do ento governo militar, Roberto Campos, quem garantira aos congressistas latifundirios que a lei era para ser aprovada, mas no para ser colocada em prtica. A histria dos 20 anos de governos militares mostrou que tudo no passou de mais uma farsa histrica, pois apenas em 1985, que o governo federal da "Nova Repblica" de Sarney, elaborou o 1 Plano Nacional da Reforma Agrria - instrumento definidor da poltica de implementao da reforma agrria. (OLIVEIRA, 1997: 68) Entretanto, com a lei do Estatuto da Terra, o governo militar extinguiu a SUPRA e criou dois rgos para implantar a reforma agrria que no foi feita: o Instituto Brasileiro de Reforma Agrria (IBRA) e Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrrio (INDA). 1.1. A CPI da aquisio de terras por estrangeiros e o Relatrio Velloso Entre 1964 e 1970, o IBRA e o INDA viveram um processo intenso de corrupo, grilagens e venda de terras para estrangeiros, que terminou na constituio, pelo Congresso Nacional, em 1968, de uma Comisso Parlamentar de Inqurito para apurar as denncias veiculadas pela imprensa. Da CPI nasceu o relatrio - Relatrio

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Velloso, e a comprovao do envolvimento de inmeros brasileiros particulares e funcionrios do IBRA e de cartrios pblicos, na grande falcatrua da aquisio de terras por estrangeiros, sobretudo na Amaznia:

"No momento ainda muito difcil precisar-se, com exatido, as reas mais atingidas pelo problema que est sendo estudado. Todos os dados obtidos at agora devem ser considerados apenas como dados parciais e muito tempo ainda se necessitar de trabalho paciente e meticuloso, para que se possa ter uma idia precisa da profundidade do problema. O trabalho se torna mais difcil pela evoluo constante dos fatos, pois muitas reas em nome de brasileiros j esto com negociaes entabuladas para serem transferidas para propriedade de grupos estrangeiros e, em muitos casos, reas j compradas por grupos estrangeiros ainda so mantidas em nome de seus antigos proprietrios e posseiros, com o evidente propsito de evitar a constatao de seus verdadeiros donos. Ainda so poucos, no momento, os dados obtidos, principalmente os relativos aos estados de Mato Grosso e Acre e territrios de Rondnia, Roraima e Amap, mas, apesar disto, as informaes j obtidas formam um quadro geral que preocupa bastante. Assim podemos apresentar, ressaltando uma vez mais ser apenas um levantamento parcial, as seguintes reas j ocupadas ou em vias de ocupao por grupos estrangeiros: a) Estado de Gois: em So Joo da Aliana um grupo belga adquiriu 36.014 hectares; em Araguana um proprietrio no-identificado possui 23.368 hectares; em Tocantinpolis, o grupo Universal Overseas Holding diz ter comprado 504.700 hectares e a Cia. Agropastoril gua Azul outros 4.459 hectares; em Filadlfia, Chan Tun Jan adquiriu 48.400 hectares; em Uruau, John Mauger possui 113.105 hectares; em Piac, Henri Fuller comprou 38.720 hectares, a World Land Co. outros 72.600 hectares e outro grupo no-identificado 24.200 hectares; em Peixe, John Mauger adquiriu rea ainda ignorada; o Mr. Stanley Amos Selig comprou 3.918 hectares em Paraso, outros 24.648 hectares em Niquelndia, em Paran 12.100 hectares e em Ponte Alta do Norte 1.305.000 hectares. Neste estado, no momento, j se pode apresentar 3,5% de seu territrio em mos de pessoas, ou grupos estrangeiros, devendo-se ressaltar que, no municpio de Ponte Alta do Norte, toda a sua rea, 1.305.000 hectares, est em poder de Stanley Amos Selig, que vendeu nos EUA um total de 1.390.438 hectares em lotes nesse municpio, maior portanto que a prpria rea do mesmo. b) - Estado do Maranho: o Sr. Joo Incio adquiriu em Mono 534.336 hectares, em Turiau 406.074 hectares, em Carutapera duas reas sendo uma de 696.900 hectares e outra de 150.000 hectares. Neste estado ainda no foi conseguida nenhuma apreenso de documentos que comprovassem a venda destas reas a estrangeiros, apesar do proprietrio, Joo Incio, grileiro j anteriormente mencionado, ser um dos principais intermedirios em grandes vendas a grupos de outras naes. c) - Estado do Amazonas: l tambm, o Sr. Joo Incio, diz possuir em Barcelos 418.280 hectares, em Ilha Grande 77.440 hectares, em Nhamund 96.800 hectares, em Borba 239.040 hectares, em Manaus

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778.800 hectares; em Novo Aripuan 195.570 hectares, em Maus 29.040 hectares e em Itacoatiara 4.530 hectares. conveniente ser ressaltado que pelo menos as terras em poder de Joo Incio, nos municpios de Borba e Manaus, foram adquiridas do Estado como terras devolutas, em flagrante choque com a Constituio do Brasil, pois as referidas reas ultrapassam 1.000.000 hectares. d) - Estado do Par: o Sr. Joo Incio diz ter adquirido em Altamira 1.015.860 hectares, em So Flix 3.602.072 hectares, em Vizeu 390.040 hectares, em Paragominas 191.164 hectares, e em Conceio do Araguaia outros 257.004 hectares. Ainda nesse estado em Paragominas, John Davies afirma ter comprado 52.272 hectares; em Almerim, o grupo National Bulk Carriers adquiriu 1.250.000 hectares; em Tom-Au, a Jamic comprou 25.800 hectares; em Portel e Melgao a Georgia Pacific tem 400.000 hectares; em Melgao, Robert Richard Morrow possui 40.658 hectares; em Portel, Curralinho, Breves, Anapu, Anajs, e em Bagre, Robin Hollie Mac Glow teria adquirido 400.000 hectares; em Aar, Jacob Klauss tem rea ignorada; em Itaituba, Arruda Pinto diz ter 300.000 hectares; em Curralinho, Gork Stinson tem 8.344 hectares, Ed Kay Properties tem 1.659 hectares e Missio Bay outros 632 hectares; e em Portel, Hartzel Vinhard tem 576 hectares. Deixa de ser includa a relao de propriedades negociadas pelo grupo Nadyr Helou que no momento so objeto de investigaes. Tambm conveniente ressaltar que a maioria das terras em poder do grupo Joo Incio, que perfazem um total de mais de 5.000.000 hectares, muitas delas foram adquiridas por requisio ao Estado, como terras devolutas, o que fere frontalmente o disposto na Constituio do Brasil. e) - Estado da Bahia: neste estado, como j exposto anteriormente, as regies atingidas so os municpios de Cocos, Correntina, So Desidrio, Bom Jesus da Lapa e Formosa do Rio Preto. Perfazem estas terras um total de 5.600.000 hectares, distribudas em 53 fazendas, sendo portanto a rea atingida superior a 10% da rea do estado. f) - Estado de Mato Grosso: apesar das poucas informaes obtidas at agora, devem ser grandes as reas em poder de 50 grupos estrangeiros, j que possivelmente nesse estado, na dcada de 50, iniciou-se o processo de vendas de vulto a grupos externos. As poucas informaes relacionadas neste relatrio j do um total superior a 2.000.000 hectares, sabendo-se que muitos outros no esto ainda relacionados, inclusive o j citado Stanley Amos Selig, que tambm possui terras no municpio mato-grossense de Barra do Garas. g) - Territrio de Roraima: o Mr. James Bryan Choate tem 232.915 hectares: James Wilmer Crews no Rio Tacutu possui rea ignorada e Joo Incio no Pico da Neblina, tambm teria rea ignorada. h) - Outros dados: grande o volume de informaes existentes nos diversos depoimentos prestados, bem como obtidas por esta CPI e pela Comisso de Investigao do Ministrio da Justia, necessitando ainda serem devidamente apuradas para posterior confirmao. Podese acrescentar a estes dados a existncia da venda de grandes reas de terras no municpio de Aveiro, estado do Par, territrio de Rondnia, na regio de explorao de cassiterita e territrio do Amap, principalmente na regio da Boca do Amazonas. No momento, j

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existe apurada a venda de cerca de 20 milhes de hectares a pessoas ou grupos estrangeiros, distribudos pelos diversos estados e municpios mencionados e que, como facilmente se poder constatar, excetuando-se as terras alienadas no estado da Bahia, as demais, em quase sua totalidade, encontram-se dentro da Regio Amaznica." (GARRIDO FILHA, 1980: 84/7)

Conforme pode-se observar pelo que foi possvel apurar pela CPI, mais de 20 milhes de hectares de terras brasileiras, a maioria na Amaznia (mais de 15 milhes de hectares), estavam transacionados com grupos estrangeiros. Para ser mais realista, uma superfcie superior a ocupada por muitos estados brasileiros, estava em poder de estrangeiros. Esse processo lesivo aos interesses nacionais, pde acontecer em funo do uso de expedientes criminosos, que por si s poderiam vir a convencer a justia do pas anulao das concesses. Isto pode ser observado pelas concluses do Relatrio Velloso na averiguao dos mtodos e processos de aquisio de terras:

", uma constante, na aquisio de terras por estrangeiros, a presena do elemento nacional como intermedirio. Talvez uma das poucas excees seja o Sr. Robin Hollic Mac Glow, cidado americano, que intensamente se dedica, no Par, atividade de compra de vastas reas para posteriormente vend-las a compatriotas seus, com grande margem de lucro. Pelas observaes podemos agrupar os processos de aquisio de terras em trs tipos diferentes: a) - Compra a antigos proprietrios ou posseiros: neste processo um intermedirio entra em contato com o proprietrio ou posseiro de determinado lugar, de interesse de um grupo, e prope a compra do mesmo. De um modo geral, o proprietrio ou posseiro, sem recursos para explorar suas terras, com dificuldades em obter financiamentos e premido pelos impostos, principalmente os do IBRA, aceita com prazer a proposta, sempre feita com dinheiro vista. Este processo repetido com todos os elementos da zona visada, que assim passa a ser propriedade de um grupo estrangeiro, apesar de muitas vezes, enquanto interessar, as terras ainda serem mantidas em nome dos antigos proprietrios, o que dificulta em muito o levantamento de reas do territrio nacional em mo de estrangeiros. b) - Requisio de terras devolutas aos governos estaduais: neste processo o elemento nacional intermedirio, geralmente com a conivncia de funcionrios dos Departamentos de Terras estaduais, requer em nome de pessoas, verdadeiras ou fictcias, individualmente, um grande nmero de lotes, cada um dentro das limitaes constitucionais de modo a cobrir toda a zona cobiada. Aps a obteno dos ttulos definitivos, de acordo com o interesse, ou no, do comprador, os ttulos individuais passam, por meio de compra simulada, para o nome da pessoa ou grupo, nacional ou estrangeiro, interessado na compra daquela regio. Com isto que se explica como vastas regies de terras devolutas estaduais, apesar das limitaes

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constitucionais, passam de um momento para outro a se constituir em enormes latifndios em mos de pessoas ou grupos nacionais ou estrangeiros. Este processo foi usado em larga escala no estado de Mato Grosso, na dcada de 50, e foi usado, conforme demonstrado em informaes colhidas por esta CPI, nos estados do Par e Amazonas, o que explica grandes extenses desses estados em poder do grileiro Joo Incio, requeridas como terras devolutas. c) - Grilagem: por intermdio deste processo todos os tipos de fraude so aplicados, desde escrituras falsificadas, aparentando documentos antigos, at ttulos definitivos de compra de terras devolutas, tambm falsos. Por intermdio desse processo o cidado norte-americano Stanley Amos Selig conseguiu a posse de todo o municpio de Ponte Alta do Norte, em Gois, e, por intermdio desse mesmo processo o seu intermedirio, Joo Incio, j tinha sob seu controle vastas extenses, em toda a Amaznia, prontas para serem transferidas para grupos nacionais ou estrangeiros. Dentro da 'grilagem', verifica-se que, com o aproveitamento do que dispe o Cdigo Civil Brasileiro, que permite em seu artigo 134, pargrafo 2, o uso da escritura particular para transaes at NCr$ 10,00, sistematicamente do esse valor simblico a todas as transaes feitas, fugindo assim da escritura pblica, e assim, de um modo geral, comeando os 'grilos', isto , atravs de um instrumento particular de compra e venda. uma constante nas operaes desse tipo a venda de terras, sempre pelo total de NCr$ 10,00, e sempre por intermdio de um instrumento particular, que posteriormente registrado em um cartrio, j mancomunado para isto. Nesse processo de 'grilagem', conforme verificado por esta CPI em sua viagem a Porto Nacional, at o roubo de documentos antigos de velhas igrejas foi feito, sendo o papel em branco de livros de registros paroquiais roubado para ser utilizado na confeco de escrituras, em tudo semelhantes feitas no sculo passado. A tcnica usada na fraude e no crime, por maus brasileiros, pode ser considerada quase perfeita e valendo-se dela que muitos grupos estrangeiros esto hoje de posse de vastas extenses do territrio brasileiro." (GARRIDO FILHA, 1980: 87/9) (grifo meu)

Agora, passados muitos anos, pode-se concluir que no se tratava de uma ao de "maus brasileiros" como o relatrio demonstrou, mas sim, de uma bem montada estratgia de permitir aos grupos internacionais e nacionais o acesso s riquezas naturais da regio amaznica e do Brasil em geral. Essa estratgia fazia parte da poltica posta em prtica pelos governos militares que passaram a comandar e planejar este processo A prova inequvoca deste, aparece evidenciada na estratgia que os grandes grupos econmicos nacionais e internacionais passaram a utilizar no Brasil da ditadura militar para conseguir vantagens e favores: incluir em cargos de suas diretorias altas patentes militares. Foi o caso de um dos maiores proprietrios estrangeiros da Amaznia Projeto Jari - que teve o Major Heitor de Aquino Ferreira, que tantos cargos ocupou nos

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vrios governos militares, como apontou SAUTCHUK et alli, em seu livro Projeto Jari - A invaso americana, como diretor da empresa. Assim, os governos militares procuravam encobrir a real inteno de seus planos com relao internacionalizao da economia brasileira. Por trs de uma falsa bandeira "nacionalista", foram entregando os recursos naturais do pas, e a Amaznia era parte substantiva desse processo. (OLIVEIRA, 1997:69/73) 1.2. O envolvimento do governo militar e a represso Como tambm escrevi (OLIVEIRA, 1988), o jornal Folha de So Paulo, forneceu os indcios, para se entender este processo de envolvimento de rgos e pessoas do governo militar nestes casos:

"A questo da aquisio de terras por estrangeiros, principalmente norte-americanos, muito divulgada e debatida na imprensa, no ano passado, ser melhor compreendida atravs da amarrao de uma srie de fatos esparsos, mas que esto interligados por um fio comumente invisvel. Tudo se resume no seguinte. Grupos imobilirios norteamericanos, juntamente com scios e testas-de-ferro brasileiros, adquiriram ou grilaram, isto , legalizaram com ttulo falso, imensas extenses de terras no Brasil, principalmente nos estados de Gois, Par e Amazonas. O grupo que se tornou mais conhecido pelo noticirio dos jornais e pela desenvoltura do seu responsvel o de Stanley Amos Selig, e de Ben Selig, associados ao hngaro Arpad Szuecs e ao brasileiro Joo Incio ... O Juiz Ansio Rocha Brito, de Porto Nacional, alertou a polcia para o fato de Joo Incio ter colocado um elemento de sua confiana no cartrio do 1 Ofcio Civil da cidade, em conivncia com a escriv Maria Teresa Barreira Cavalcante. Esse elemento, o jovem Wilson Dias da Rocha, foi detido em Campinas, em novembro do ano passado, juntamente com um cofre contendo toda a documentao de Joo Incio, que trabalhava, tambm, para vrios outros grupos norte-americanos. A polcia federal buscava Joo Incio, mas este conseguiu evadir-se. At hoje, a polcia nada divulgou a respeito da documentao apreendida, que envolve mapas assinalados por cdigos secretos, e at certides de nascimento e casamento assinadas em branco. Outro cartrio implicado nas negociaes o do 5 Oficio de Goinia. At o momento, foram anotados os seguintes nomes de firmas que promovem, irregularmente, a venda de terras no exterior: Selig Brothers Real Estate Company, Colonizadora Norte-Mato Grosso Ltda., Comercial United Ltda., Imobiliria Ney Mendes Fonseca, Investment Corporation of America Inc., Imobiliria e Colonizadora Agrcola de Braslia Ltda., Colonizao Terras 'Alvorada,' So Paulo-Paran Ltda., Colonizadora Noroeste Mato-Grossense, Imobiliria, Santa Cruz Ltda., Jack W. Nunnally e Bahia Stampede."(FOLHA DE SO PAULO - SUPLEMENTO ESPECIAL, 05/05/1968:63/4)

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A matria do jornal, em seguida, apontou e alinhavou uma srie de fatos de modo a confirmar o envolvimento governamental com o acontecido, pois a rea mais procurada pelos norte-americanos era exatamente aquela que fora objeto de levantamentos efetuados, em 1964, por uma equipe do "Bureau of Reclamation", rgo do Departamento do Interior dos EUA, por solicitao da USAID e da CIVAT Comisso Interestadual dos Vales do Araguaia e Tocantins. Ou seja, os norteamericanos contavam com material aerofotogramtrico para decidirem a escolha da rea a ser ocupada, documentos estes existentes no seio dos rgos de segurana nacional, secretos para os brasileiros, mas abertos para todos os norte-americanos nos Estados Unidos. Um outro aspecto grave dessa questo, refere-se utilizao de fotografias areas e levantamentos aerofotogramtricos realizados pela USAF- a Fora Area dos EUA - de acordo com permisso dada pelo marechal Castelo Branco. Afirmava-se que tanto os planejadores hudsonianos, como os grileiros do ento Norte de Gois, atual estado do Tocantins, e de outros pontos da Amaznia, tiveram acesso queles documentos. Alm da permisso para os levantamentos, os norte-americanos contavam com os avies U-2 e com os satlites artificiais. Inclusive, fotografias da USAF foram encontradas na documentao apreendida na casa do grileiro Joo Incio, scio de Stanley Selig e de Arpad Szuecs, em Campinas. Como pode se verificar, comeava aparecer parte da real inteno do governo militar instalado em 1964, pois, vinha a pblico a autorizao fornecida pelo Marechal Castelo Branco USAF para proceder ao levantamento aerofotogramtrico do pas em 1965. O comando deste levantamento coube ao Major Martins Stewart que, baseado em So Paulo, contava com 10 avies Lockheed Hercules e 60 aviadores. (MOREL, 1984:70) Alis, o prprio Relatrio Velloso deixou registrado o envolvimento no episdio do ento embaixador brasileiro em Washington, Vasco Leito da Cunha, envolvido na denncia feita pelo Sr. Mac Glow, da Georgia Pacific, outro latifndio na Amaznia brasileira (400.000 ha):

"Segundo o Sr. Mac Glow, em seu depoimento prestado em Belm perante a Comisso de Investigao do Ministrio da Justia, e na presena do relator desta CPI, esta diferena foi constatada em virtude

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de ter a Georgia Pacific, em fins de 1966 ou comeo de 1967, obtido, por intermdio do embaixador do Brasil em Washington, cpias do levantamento aerofotogramtrico feito pela Fora Area norteamericana, em cumprimento ao acordo entre o Brasil e os Estados Unidos ... De acordo com informaes colhidas junto ao Servio Geogrfico do Exrcito, que controla este tipo de atividades no territrio nacional, a regio foi levantada pelo Servio Aerofotogramtrico da Cruzeiro do Sul, por contrato com o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegveis, tendo a Companhia de Madeiras e Laminados (Georgia Pacific) comprado uma coleo, num total de 532 fotos."(GARRIDO FILHA, 1980:80/1)

Dessa forma, o Congresso Nacional, no ano de 1968, foi sacudido com grande nmero de denncias, e o governo militar, atravs de mais um ato de fora (Ato Institucional n 5), no final do ano (13/12/68), fechou-o por tempo indeterminado, suspendeu garantias constitucionais e individuais, efetuou cassaes, etc. O "bode expiatrio" para o endurecimento do regime foi, nada mais nada menos, do que o autor do pedido da CPI para apurar aquisio de terras por estrangeiros, o deputado federal Mrcio Moreira Alves. Comeava, neste episdio uma das piores fases da histria do Brasil, debaixo de regimes militares violentamente repressivos. (OLIVEIRA, 1997:79/81) 2. A legislao federal sobre aquisio de terras por estrangeiros 2.1. A "legalizao" do escndalo pelos governos militares Como tambm escrevi, (OLIVEIRA, 1997) o resultado das investigaes sobre as irregularidades apontadas pelo Relatrio Velloso no foram adiante; ao contrrio, produziu-se novamente a farsa de fazer a lei para moralizar, deixando porm, a brecha para ratificar as irregularidades, tornando-as "legalizadas", ou, na pior das hipteses, legalizveis. O processo desfechado em termos legais, de fato, dura at hoje. O que significa dizer que a legislao abriu possibilidades para, mesmo nos dias atuais, grandes latifndios serem transferidos para as mos de grupos internacionais. Veja-se o percurso e a trajetria dessas leis. Em 3 de junho de 1968, veio a pblico o parecer do Relatrio Velloso. O deputado federal, Major Haroldo Velloso, eleito pela Arena, representava o controle militar na apurao dos acontecimentos. Sua posio poltica diante dos novos rumos da economia brasileira, baseava-se no fato de que "o capital estrangeiro era benfico ao desenvolvimento nacional"; entretanto, seu relatrio teve que revelar ao pas o escndalo da venda de mais de 20 milhes de hectares de terras a estrangeiros, a maioria

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delas na Amaznia, "a ponto de identificar uma suposta tentativa de constituio de um cordo de propriedades, isolando a regio do resto do pas". (SAUTCHUK ett alli, 1979:78) No segundo semestre de 1968, o Congresso Nacional negou a autorizao para que o Supremo Tribunal Federal processasse o deputado federal Mrcio Moreira Alves a razo evocada foi "ofensa grave honra e dignidade das Foras Armadas". Na realidade, o deputado havia pedido, em discurso de cinco minutos no Congresso e que havia passado desapercebido, inclusive, pela imprensa, o boicote da populao aos desfiles de 7 de setembro daquele ano. Em 13 de dezembro de 1968, o General Costa e Silva assinou o Ato Institucional n 5, na realidade, afirma-se hoje, que o texto do ato j estava pronto desde julho de 1968. (MOREIRA ALVES, 1985:130) Na data de 30 de Janeiro de 1969, o General Costa e Silva, com base no Al-5, assinou o Ato Complementar n 454, onde ficava expresso que aquisio de propriedade rural no territrio nacional s poderia ser feita por brasileiro ou por estrangeiro residente no pas. Entendia-se por estrangeiro residente no pas aquele que possusse permanncia definitiva. Este Ato Complementar foi regulamentado pelo Decreto-Lei n 494 de 10 de maro de 19695, que definia parmetros e critrios para o acesso terra por estrangeiros, alm de proibir a doao, posse ou venda de terras pertencentes Unio ou aos estados. Ficava, inclusive o governo com instrumento legal para desapropriar terras rurais em poder de pessoas estrangeiras. Outra vez, ocorria a adoo de procedimentos legais com aparncia "nacionalista", mas que, no fundo, revelavam e guardavam intenes, de fato, de no interferir no processo de entrada e apropriao dos recursos naturais do pas pelo capital estrangeiro. Tudo indica, que estes atos visavam, antes de tudo, agradar e incorporar a chamada "faco nacionalista" das Foras Armadas ao processo de "endurecimento" da ditadura militar. Isto pode ser verificado, em primeiro lugar, pelo fato de que a lei no tinha qualquer carter retroativo. O que vale dizer, s passava a ter efeito legal a partir daquela data. E, em segundo lugar, a ditadura militar, em 10 de outubro de 1969, no mesmo ano portanto, do Ato Complementar n 45 (30/01/69) e do decreto-lei n 494 (10/3/69), simplesmente exclua das disposies do Decreto-Lei n 494 "as aquisies de reas rurais necessrias execuo de empreendimentos industriais considerados de 4 5

Ver em anexo a ntegra do Ato Complementar n 45, de 30 de janeiro de 1969. Ver em anexo a ntegra do Decreto-Lei n 494, de 10 de Maro de 1969.

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interesse para a economia nacional, cujos projetos tenham sido aprovados pelos rgos competentes" (Artigo 1, Decreto-Lei n. 11.924 de 10/10/69). Estava, portanto, aberta a possibilidade para que os projetos agropecurios e industriais da SUDAM, de propriedade de estrangeiros, por exemplo, ficassem fora dos novos requisitos da lei, o que quer dizer que poderiam controlar as reas rurais que quisessem no pas, desde que demonstrassem que eram necessrias ao desenvolvimento dos seus projetos. O Projeto Jari, de Mr. Daniel Ludwig, por exemplo, com seus mais de 5 milhes de hectares de terras, estava "salvo" da nova legislao. Assim, atrs das medidas supostamente "nacionalistas", vinham medidas que procuravam garantir a continuidade do entreguismo das riquezas naturais do pas. Era a economia brasileira internacionalizando-se, e os governos militares brasileiros constituindo-se em peas fundamentais nesse processo. Retornando a seqncia das leis, em 1971, em pleno governo do General Mdici e com o Congresso Nacional castrado e ordeiro (majoritariamente Arena, poca em que era o "maior partido poltico do Ocidente"), a ditadura militar aprovou a Lei n 5.709 7/10/716, que passava a regular aquisio de imvel rural por estrangeiro residente no pas ou pessoa jurdica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil. A Lei n 5.709/71 consagrava, portanto, todas as restries e aberturas para o capital estrangeiro chegar propriedade da terra no Brasil, alm daquelas formas famosas de associao com brasileiros "testas-de-ferro" ou "laranjas" como so denominados na atualidade. E mais, ampliava as possibilidades de regularizao das fraudes cometidas antes do Decreto-Lei de 10/03/69. Isto era possvel porque a lei, ao contrrio do Ato Complementar e do Decreto-Lei, permitia inclusive que, se os estrangeiros tivessem adquirido terras antes de 1969, teriam um prazo para regularizlas. Mais do que isto, permitia ao presidente da Repblica, atravs de decreto, autorizar aquisio de terras por estrangeiros alm dos limites fixados em lei, desde que fosse julgada prioritria face aos planos de desenvolvimento do pas. Enfim, a empresa ou a pessoa fsica estrangeira, pela lei, passou a poder adquirir at 10% das terras de um municpio. Ou, se quisesse, podia seguir o "conselho" do exministro da Agricultura, Alysson Paulinelli, que quando ministro, em uma reunio com empresrios estrangeiros em Salzburg, na ustria, aconselhava estes grupos a burlarem a legislao brasileira, dizendo: "Basta pegar dois municpios vizinhos, comprar 10% de 6

Ver em anexo a ntegra da Lei n 5.709, de 7 de outubro de 1971.

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um e 10% de outro". (SAUTCHUK et alli, 1979:77.) Este procedimento na Amaznia significava adquirir nos municpios paraenses de Altamira (16.075.499 hectares) e So Flix do Xingu (8.424.842 hectares) nada mais nada menos de 2.450.000 hectares, ou seja, uma rea maior do que o estado de Sergipe. Enfim, de certo modo, "legalizava-se o escndalo", pois, como j foi afirmado, um dos escndalos era o Projeto Jari do Mr. Daniel Ludwig, cuja vinda para o Brasil originou-se de um convite feito pelo Marechal Castelo Branco: "Pode vir, Mr. Ludwig. O Brasil agora um pas seguro." (SAUTCHUK et alli, 1979:13) Ficava, portanto, definido pelos militares que os estrangeiros poderiam apropriar-se legalmente de 25% do territrio brasileiro. Ou seja, poderiam adquirir 212.871.914,9 de hectares dos 851.487.659,9 hectares que o pas possui. Alis, esta lei s foi regulamentada em 26 de setembro de 1974 pelo Decreto n 74.965 j no governo do General Geisel, quando o pas j se preparava para uma nova fase "ps-milagre". Entretanto, bom que se reafirme, que o adiamento da regulamentao da lei s surgiu para que muitos escndalos fossem "legalizados" s custas dos "homens das multinacionais" no Planalto. Um bom exemplo destes homens, como j afirmado anteriormente, foi o Major Heitor de Aquino Ferreira, que trabalhou para o grupo Ludwig no Brasil, de 1970 a 72, sendo apresentado nos documentos da empresa Jari Florestal e Agropecuria Ltda como "acionista". Foi este mesmo major que foi trabalhar em 1972 na Petrobras, com o General Geisel, passando em 1974, a fazer parte do governo, e, foi secretrio particular do presidente da Repblica, no governo do General Figueiredo, em 1979. O pas tinha vivido o episdio do "falso milagre", quer dizer, de um arrocho salarial dos mais profundo da histria, aliado maior expanso das multinacionais em territrio brasileiro, e tudo era euforia aparente. Tudo indica, que o nico "punido" nesse escndalo da aquisio de terras por estrangeiros foi o "bode expiatrio" chamado Mr. Stanley Amos Selig, que terminou assassinado no estado americano de Indiana por um dos compradores que enganara (SAUTCHUK et alli, 1979:78) e, cujas terras, segundo informaes do cartrio de Ponte Alta do Norte/GO (atual Ponte Alta do Tocantins/TO, foram passveis de processos de anulao em 1976, por deciso da justia. (OLIVEIRA, 1997:81/5)7

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Ver em anexo a ntegra do Decreto n 74.965, de 26 de Novembro de 1974.

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2.2. A legislao atual sobre aquisio de terras por estrangeiros A Lei n 5.709 (7/10/71) o diploma legal em vigor no pas, relativo aquisio de terras por estrangeiros. Essa lei, como se viu, limitou aquisio de terras por estrangeiros em 50 mdulos fiscais (o tamanho de um mdulo varia de acordo com o municpio, sendo que o menor tem 5 hectares e o maior 110 hectares). Indicou tambm que a soma de imveis rurais por estrangeiros no pode ultrapassar a quarta parte da superfcie de um municpio e, uma mesma nacionalidade tem limitada o acesso terra em 10% da rea de um municpio. Segundo o INCRA, a essa lei junta-se a legislao relativa pessoa jurdica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, elaborado em pleno neoliberalismo privatista e de expanso dos investimentos internacionais no Brasil, do governo Fernando Henrique Cardoso. Foi o perodo conhecido como da remoo de todos os eventuais preceitos legais que permitisse a livre circulao do capital mundial. Assim, embora o INCRA fosse at 1995, responsvel pelo controle da aquisio de terras por estrangeiros no Brasil, a Emenda Constitucional N 06 que revogou o artigo 171 da Constituio Federal de 19888, o qual permitia distino entre pessoa jurdica de capital nacional e de capital estrangeiro, alterou a compreenso em vigor. Ou seja, passou-se ao entendimento de que o pargrafo 1. do artigo 1. da Lei n. 5.709/71, que permitia esse controle, havia sido revogado. Essa compreenso derivou do entendimento sobre pessoa jurdica brasileira emanado do Parecer n GQ-181 de 17 de dezembro de 1998 que reexaminou o Parecer n AGU/LA-04/94, da Consultoria Geral da Unio (CGU), voltado para a orientao quanto aquisio de imveis rurais por estrangeiro. O Parecer definiu que o entendimento deveria ser o seguinte: pessoa jurdica brasileira cujo capital societrio, mesmo que participe pessoa estrangeira, com qualquer percentual, seja fsica ou jurdica, no necessita requerer autorizao para adquirir imveis rurais no territrio nacional. Esse parecer vigorou at 2010, quando foi substitudo pelo Parecer CGU/AGU N 01/2008-RVJ/10, que passou a requer o controle pelo INCRA das terras adquiridas por estrangeiros. Art. 171. So consideradas: I - empresa brasileira a constituda sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administrao no Pas; II - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em carter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas fsicas domiciliadas e residentes no Pas ou de entidades de direito pblico interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exerccio, de fato e de direito, do poder decisrio para gerir suas atividades. 8

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Neste perodo de vigncia da lei, o nmero de imveis rurais de estrangeiros caiu de 43.406 em 1972 para 23.967 em 1992, e, a rea ocupada tambm caiu de 7,161 milhes de hectares em 1972 para 2,615 milhes em 1992. Com a modificao gerada nos anos 90, o nmero de imveis de estrangeiros aumentou chegando em 2007, a 33.219 ocupando rea de 3,833 milhes de hectares. Em 2009, o nmero de imveis era de 34.371 e a rea de 4,348 milhes de hectares. Assim, na atualidade, os instrumentos legais que regem aquisio de terras por estrangeiros so: Lei 5.709/71; Decreto 74.695/74; Lei 6.634/79; Decreto 85.064/80; Constituio Federal de 1988 o artigo 170, I, II e II, e os artigos 172 e 190; Lei 10.267/01; Decreto 4.449/02 e Decreto 5.570/05. Essa legislao determina que os Cartrios de Registro de Imveis tenham um cadastro especial, atravs de livro auxiliar, relativos aquisio de imveis rurais por pessoas estrangeiras fsicas e jurdicas e, alm disso, tm que informar o INCRA trimestralmente informaes realizadas como manda a Lei 5709/71. Ficam tambm os cartrios obrigados pela Lei 10.267/01, a informar o INCRA, mensalmente os servios de registros de imveis, as modificaes ocorridas nas matrculas imobilirias decorrentes de: mudana de titularidade, parcelamento, desmembramento, loteamento, remembramento, retificao de rea, reserva legal e particular do patrimnio natural e outras limitaes e restries de carter ambiental. Dessa forma, o INCRA tem o seguinte procedimento padro quanto aos requisitos necessrios para aquisio ou arrendamento de terras por estrangeiros: a) residir no Brasil (se pessoa fsica: carteira de identidade de estrangeiro e se jurdica: autorizao para funcionar no Pas); b) imvel registrado no Cartrio de Registro de Imveis e cadastrado no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR); c) se imvel em rea de Segurana Nacional ter o assentimento prvio do Conselho Nacional de Defesa; d) rea igual ou inferior a 03 Mdulos de Explorao Indefinida MEI9 no precisa de autorizao do INCRA. Exceto, sendo a segunda aquisio ou imvel em rea de segurana nacional; O Mdulo de Explorao Indefinida - MEI unidade de medida, expressa em hectares, definida para cada imvel rural inexplorado ou com explorao no definida, em funo da Zona Tpica de Mdulo do Municpio de situao do imvel. Varia de 05 a 100 ha. A Zona Tpica de Mdulo: so regies delimitadas pelo INCRA, com caractersticas ecolgicas e econmicas homogneas, baseada na diviso9

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e) rea rural pertencente pessoa fsica ou jurdica estrangeira no pode ultrapassar 1/4 da rea do municpio onde o imvel se situe; f) pessoas da mesma nacionalidade no podero ser proprietrias, em cada municpio de mais de 40% do limite fixado, que de 1/4 da rea do municpio; g) rea de 03 a 50 mdulos de explorao indefinida (MEI) requer autorizao do INCRA; h) no pode exceder a 50 mdulos de explorao indefinida (MEI) (rea contnua ou no); i) imvel no superior a 03 mdulos de explorao indefinida (MEI) no depende de autorizao ou licena, exceto se segunda aquisio ou rea de segurana nacional; j) No se aplica a transmisso causa mortis; e k) assentimento do Conselho de Segurana Nacional (rea de segurana nacional/ faixa de fronteira 150 km), sendo nula de pleno direito e sujeita responsveis a responder civil e criminalmente. As restries quantitativas segundo o artigo 3 da Lei 5709/71, artigo 7 2 do Decreto 74965/74 e Constituio Federal de 1988 artigo 49, XVII, esto na Tabela 1 a seguir.

Tabela 1a) At 03 MEI b) 03 at 20 MEI c) Mais de 20 MEI d) Acima de 50 MEI (pessoa fsica) e) Acima de 100 MEI (pessoa jurdica) a) Aquisio Livre (exceo segurana nacional ou segunda aquisio) b) Autorizao, sem projeto c)Autorizao e projeto de explorao d) Autorizao Especial do Congresso Nacional e) Autorizao Especial do Congresso Nacional

microrregional do IBGE, considerando as influncias demogrficas econmicas de grandes centros urbanos.

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3. rea ocupada por imveis de estrangeiros no pas, segundo o INCRA Os dados divulgados pelo INCRA sobre a rea ocupada por imveis de estrangeiros no Brasil tem sido diferente segundo a fonte da divulgao. Fato curioso que esse rgo nunca divulgou em seu site os nmeros oficiais referentes a terras de estrangeiros, eles sempre saram somente na mdia, oferecidos, via de regra pelo seu expresidente. Dessa forma, em 08 de junho de 2008, o jornal Folha de So Paulo, informava que os dados consolidados em dezembro de 2007, indicavam a existncia de 33.219 imveis de estrangeiros ocupando rea de 3,834 milhes de hectares. Cabe ressaltar tambm, que segundo a distribuio regional a Amaznia Legal ficou com 35,4% da rea ocupada por esses imveis; a regio Norte 14,0%; Nordeste 13,8%; Centro-Oeste 37,2%; Sudeste 23,1%; e Sul 11,9%. Sua distribuio pelas unidades da Federao est retratada na Tabela 02. Entretanto, em entrevista ao jornal O Estado de So Paulo de 06/03/2008, o expresidente do INCRA, informou que havia sob o poder dos estrangeiros 33.228 imveis ocupando uma rea total de 5,6 milhes de hectares. Por sua vez, em 27/09/2008, o mesmo jornal O Estado de So Paulo, divulgou os seguintes dados relativos s terras de estrangeiros: 34.591 imveis e 4.038.885,9 hectares de rea ocupada. Segundo esses dados divulgados em agosto de 2008 pelo INCRA, a distribuio regional ficou da seguinte forma: a Amaznia Legal com 34,6% da rea ocupada por estrangeiros; fora da Amaznia Legal ficaram 65,4% da rea dos imveis, por sua vez, a regio Norte ficou com 13,0%; Nordeste 13,8%; Centro-Oeste 38,0%; Sudeste 23,4%; e Sul 11,7%. Esses ltimos dados divulgados mostram que os estrangeiros esto ocupando um percentual de apenas 0,5% do territrio brasileiro. Inclusive, nos estados onde esse percentual maior, ele representa 2,2% no estado de So Paulo, 1,7% no Rio de Janeiro, 1,5% no Paran e 1,3% no Mato Grosso do Sul. Os demais estados tem percentual inferior a 1%. Na Amaznia Legal esse percentual de 0,3%, ou seja, os estrangeiros possuem 1.396.514 hectares dos 508.866.844 hectares que formam esta regio brasileira. A distribuio pelas unidades da Federao esto na Tabela 03. Esses dados so fundamentais, para mostrar que o "novo escndalo" da aquisio de terras por estrangeiros adquire uma caracterstica de farsa a encobrir outros fatos polticos pelo governo do PT entre os quais esto a contra-reforma agrria em marcha, particularmente na Amaznia Legal, e a retirada da agenda poltica do pas

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da reforma agrria como poltica pblica de promoo do desenvolvimento econmico e social. Assim, o caminho destrinchar esse novo factide do governo petista para no fazer a reforma agrria e, ao contrrio, passar a fazer a contra-reforma agrria atravs das Medidas Provisrias 422 e 458. Tabela 02 BRASIL - TERRAS DE ESTRANGEIROSimveis rea ocupada (ha) BRASIL 33.219 3.834.510,7 MT 1.377 754.705,4 SP 11.424 504.742,8 MS 749 423.148,1 BA 2008 361.316,8 MG 2.261 299.993,2 PR 5.316 299.622,9 GO 787 243.205,7 PA 1.168 231.860,0 AM 313 116.264,7 TO 187 107.237,0 RS 2.005 105.158,8 RJ 1.992 69.397,1 MA 184 64.672,0 SC 1.265 49.896,2 RO 172 37.243,8 CE 371 27.823,5 PI 75 24.619,3 RR 61 24.619,3 AC 31 14.071,0 ES 295 13.680,2 AL 101 13.424,1 RN 146 13.208,3 PE 383 12.510,3 PB 252 8.043,4 AP 16 6.428,0 DF 198 3.876,9 SE 82 3.741,9 Fonte: INCRA, Folha de So Paulo, 08/06/2008,.p. A4

A questo da aquisio de terras por estrangeiros no Brasil - um retorno aos dossis, pp. 3-113. Tabela 3 BRASIL - TERRAS DE ESTRANGEIROSimveis rea ocupada (ha) MT 1.394 807.445,3 SP 12.312 544.491,5 MS 789 472.691,6 BA 2.139 380.125,9 MG 2.333 312.226,1 PR 5.382 306.724,1 GO 846 251.778,0 PA 1.146 235.750,5 AM 309 105.296,0 TO 183 104.475,4 RS 2.026 114.283,3 RJ 2.154 75.395,1 MA 178 65.099,9 SC 1.287 52.006,6 RO 130 34.647,5 CE 388 31.523,8 PI 81 33.080,0 RR 59 23.747,4 AC 26 13.624,0 ES 309 13.990,1 AL 103 13.624,0 RN 115 16.378,3 PE 350 8.448,0 PB 252 7.468,0 AP 16 6.428,0 DF 204 4.554,8 SE 80 3.313,0 BRASIL 34.591 4.038.616,2 Fonte: INCRA, Jornal Estado de So Paulo, 27/08/2008, p.A20

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4. O atual "novo escndalo" de aquisio de terras por estrangeiros 4.1. A elevao dos preos das terras no pas, a crise mundial dos alimentos de 2008, e, na contra-mo da histria, o segundo governo de Luiz Incio faz a opo pela contra-reforma agrria A crise dos alimentos de 2008 e sua consequncia, a elevao dos preos das terras no pas ocorreu, particularmente, at o ms de setembro. Vrios jornais incumbiram-se de noticiar o fato. Por exemplo, o jornal Valor Econmico noticiou em janeiro daquele ano que os preos das terras para gro voltavam a subir. A razo principal do aumento era que estes estavam sendo

"impulsionados pela recuperao das cotaes das commodities no mercado internacional ... O movimento de recuperao dos preos de terras teve incio no segundo semestre de 2006 e se intensificou durante todo o ano passado. O ltimo levantamento, realizado entre novembro e dezembro de 2007, mostra valorizao mdia no pas de 17,83% em relao aos ltimos 12 meses. No Brasil, as cotaes mdias passaram de R$3.276 por hectare para R$3.860."(VALOR ECONMICO, 17/01/2008:B13)

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O jornal Folha de So Paulo em fevereiro do mesmo ano, informava tambm, na seo "Terra em Transe", que investidores estrangeiros da Austrlia, EUA e da Argentina estavam aplicando no Brasil na aquisio de terras. A reportagem, inclusive, indicava o exemplo de duas empresas com "lastro" em terra que tinham feito captao no mercado acionrio das Bolsas de Valores e que estavam investindo em vrias regies do Brasil:"o mesmo diagnstico move duas empresas que participam do Novo Mercado da Bolsa de Valores de So Paulo. A demanda mundial por alimentos e biocombustveis tende a se manter slida -- mesmo que os EUA entrem em recesso -- puxada pelos emergentes asiticos e pelo crescimento russo. Desde o IPO (oferta inicial de aes) em junho do ano passado, a SLC Agrcola investiu R$ 88 milhes em quatro propriedades rurais, diz Laurence Gomes, diretor financeiro e de relaes com investidores. O grupo, com sede em Porto Alegre (RS), tem 165 mil hectares em nove fazendas, com gesto padronizada, em cinco Estados - GO, MS, MT, BA e MA. O foco est na produo de soja, milho e algodo. 'Desenvolvemos novas unidades, sempre com diversificao geogrfica para minimizar riscos climticos', diz Gomes. A empresa conta com departamento voltado para a busca e a avaliao de terras. A BrasilAgro surgiu em 2005 para explorar oportunidades no mercado imobilirio agrcola brasileiro, diz Ivan Alves da Cunha, principal executivo da companhia. No ano passado, a empresa investiu R$ 155 milhes na aquisio de cinco fazendas. Ao todo, o grupo dispe de 143.683 hectares em oito propriedades, espalhadas por seis estados - MG, GO, MS, MT, BA, PI. De toda a rea, 125 mil esto cultivados com gros, algodo, cana e pastagens ... Os acionistas fundadores da BrasilAgro so a Cresud, a Tarpon e Cape Town. A Cresud est h 20 anos nesse ramo na Argentina, onde explora por volta de 600 mil hectares. A Tarpon Investimentos uma empresa de administrao de recursos independente. A Cape Town pertence a Elie Horn, presidente da Cyrela Brazil Realty, que atua no ramo imobilirio."(FOLHA DE SO PAULO, 10/02/2008:B3)

O artigo inclusive, mostrou que a elevao do preo do hectare em termos da mdia nacional havia passado de R$ 3.139,00 o hectare em janeiro/fevereiro de 2005 para R$ 3.276,00 em janeiro/fevereiro de 2007, e, elevou-se novamente para R$ 3.860,00 em novembro/dezembro de 2007. Ainda segundo o jornal:

"a produo em alta e inteno de plantio recorde para a safra 2007/2008 fizeram com que o preo da terra alcanasse valor recorde nominal em termos mdios no pas. Segundo pesquisa do Instituto FNP, consultoria privada especializada em agronegcio, ao longo de 2007, a valorizao chegou a 17,83%, ganho real (acima da inflao) de 9,6% no ano ... Para 2008, apesar da turbulncia nos mercados internacionais, que poderiam prejudicar investimentos, a perspectiva de nova alta, com os negcios ainda aquecidos. Os motivos, segundo especialistas, so: o preo dos gros tende a se manter firme, a

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pecuria ensaia recuperao e os biocombustveis tm espao garantido pela frota flex, em que pese no haver a euforia de outros tempos na cana-de-acar. 'Os fundamentos melhoraram', diz Jacqueline Bierhals, responsvel pela pesquisa de terras do Instituto FNP. Tomando um perodo mais amplo para anlise, de trs anos, o Estado de So Paulo registra as maiores valorizaes absolutas no valor do hectare. As regies de Araraquara, Bauru, Piracicaba, Ribeiro Preto e Pirassununga tiveram o valor do hectare duplicado em alguns casos em reas para o cultivo da cana."( FOLHA DE SO PAULO, 10/02/2008:B1)

Dessa forma, diante esse cenrio os fundos de investimento, incluindo estrangeiros, voltaram-se para o mercado de terras:

"as regies preferidas so as consideradas de fronteira, em Mato Grosso, no oeste baiano e no chamado 'Mapito' -- Maranho, Piau e Tocantins. A preferncia se reflete nos nmeros. Um hectare de terra agrcola que valia R$ 4.482 em Lus Eduardo Magalhes, no cerrado baiano, no comeo de 2007, passou a R$ 7.000 depois de um ano. No cerrado de Balsas (MA), o preo passou da faixa de R$ 485/R$ 890 para R$ 1.300/R$ 1.430 em igual perodo. Em Alta Floresta (MT), a terra de soja evoluiu de R$ 1.360 a R$ 2.000. A valorizao da terra um dos fatores que influenciam indiretamente o desmatamento no limite da fronteira agrcola. A formao das lavouras o terceiro captulo de uma histria que sempre tem o primeiro ato com a explorao das madeiras. A segunda parte vem com a formao de pastos para a pecuria. O terceiro o cultivo de gros ou de plantaes perenes. 'A minha empresa no recomenda comprar terra na Amaznia, onde a lei obriga a preservao de 80% da propriedade', diz Alcides de Moura Torres Junior, diretor da Scot Consultoria. 'O nus jurdico no compensa', afirma. A regio de desmatamento no propicia nem um acompanhamento de um mercado formal. 'H muita invaso, 'grilagem', no h como medir', diz Jacqueline Bierhals, da FNP. O mximo que existe a explorao legalizada de seringueiras, para extrair o ltex, e de palma, para obter leo."( FOLHA DE SO PAULO, 10/02/2008:B1) (grifo meu)

Assim, a mdia econmica mostrava sociedade brasileira, portanto, que o rentismo capitalista dos proprietrios de terra estava em marcha altista. E, a razo econmica fundante estava na crise da produo de alimentos que o mundo passava a viver em decorrncias das polticas neoliberais da dcada de 90. Mas, antes de entrar no atual "novo escndalo" de aquisio de terras por estrangeiros, preciso lembrar que o ano de 2008 foi exemplar na revelao ao mundo na elevao dos preos das commodities, em particular, do aumento dos alimentos bsicos da populao mundial: trigo, milho e arroz. Estes trs alimentos representam a produo mundial de mais de 2 bilhes de toneladas produzidas, portanto, muito mais

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que os apenas 200 milhes da produo de soja. Alis, a soja s tem importncia para o agronegcio no Brasil e na Argentina, pois nem mesmo nos Estados Unidos tem a importncia que recebe no Brasil. A elevao dos preos dos alimentos indicava tambm, pela FAO, o aumento do nmero de pessoas no mundo que passavam fome. Este nmero chegou a um bilho de pessoas. Naquele mesmo ano, o jornal Folha de So Paulo, em sua pgina Tendncias e Debates publicou um texto meu (OLIVEIRA, 2008:3) onde afirmei que a crise dos alimentos tinha relao entre a expanso dos agrocombustveis e a produo de alimentos e, ressaltei que dois processos monopolistas comandavam e comandam a produo agrcola mundial. De um lado estava e est a territorializao dos monoplios que atuam simultaneamente, no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produo agropecuria, o exemplo era e o setor sucroalcooleiro, ou sucroenergtico como eles esto autodenominando-se na atualidade. De outro lado, estava e est a monopolizao do territrio desenvolvido pelas empresas de comercializao e/ou processamento industrial da produo agropecuria, que sem produzir absolutamente nada no campo, controlava e controla atravs de mecanismos de sujeio, camponeses e capitalistas produtores do campo. Estas empresas monopolistas do setor de gros, atuavam e atuam como players no mercado futuro das bolsas de mercadorias do mundo, e, muitas vezes tm tambm, o controle igualmente monopolista da produo dos agrotxicos e dos fertilizantes. A crise, portanto, tinha dois fundamentos. O primeiro, de reflexo mais limitado, referia-se na poca, alta dos preos internacionais do petrleo e conseqente elevao dos custos dos fertilizantes e agrotxicos. O segundo era conseqncia do aumento do consumo, mas no do consumo direto como alimento como queria fazer crer o governo brasileiro, mas sim, decorria da opo norte-americana da produo do etanol a partir do milho. Este caminho levou reduo dos estoques internacionais deste cereal, e com ele elevao de seus preos e dos demais gros: o trigo, o arroz e a soja. Assim, a soluo norte-americana contra o aquecimento global tornou-se o paraso dos ganhos fceis dos players dos monoplios internacionais que nada produzem, mas sujeitam produtores e consumidores sua lgica de acumulao. Certamente, no h caminho de volta para a crise, pois, no caso norte-americano os solos disponveis para o cultivo so disputados entre trigo, milho e soja. O avano de um reflete inevitavelmente no recuo dos outros, por isso a crtica radical de Jean Ziegler da ONU: etanol: crime contra a humanidade.

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Era pois, no interior desta crise que o agronegcio do agrocombustvel brasileiro tentava pegar carona no futuro, fundado na reproduo do passado. E mais, o governo estava a pavimentar-lhe o caminho. Por isso, a questo dos agrocombustveis e a produo de alimentos rebateram diretamente no campo brasileiro. A rea plantada de cana na safra de 2007, chegara perto de 7 milhes de hectares e, em So Paulo onde se concentra mais de 50% deste total, ela j ocupava quase a totalidade dos solos mais frteis existentes. Em meio a esta expanso dos agrocombustveis, uma pergunta se fazia necessria: quais haviam sido as conseqncias para a produo de alimentos no Brasil da expanso da cultura da cana nos ltimos quinze anos? Os dados do IBGE entre 1990 e 2006 revelavam a reduo da produo dos alimentos imposta pela expanso da rea plantada de cana-de-acar que cresceu neste perodo mais de 2,7 milhes de hectares. Tomando-se os municpios que tiveram a expanso de mais de 500 hectares de cana no perodo, verificava-se que neles ocorrera a reduo de 261 mil hectares de feijo e 340 mil de arroz. Nesta rea reduzida poder-seia produzir 400 mil toneladas de feijo, ou seja, 12% da produo nacional e, um milho de toneladas de arroz equivalente a 9% do total do pas. Alm, disso reduziram-se nestes municpios a produo de 460 milhes de litros de leite e mais de 4,5 milhes de cabeas de gado bovino. Assim, os dois principais setores a pressionar o crescimento da aquisio de terras por estrangeiros eram muito mais, o sucroenergtico e o de celulose e madeira plantada, ou seja, onde ocorre a territorializao dos monoplios. O primeiro setor, em funo da compra de empresas nacionais (usinas e destilarias) pelas multinacionais que tinham em seus ativos muita terra, alm, do crescimento da demanda de etanol motivada pela ampliao da frota de carros flex. E, o segundo porque tinha planos de expanso e necessitava de plantar mais reas com silvicultura. J onde se d a monopolizao do territrio, particularmente, no setor de gros, o crescimento embora contenha tambm, a presena de estrangeiros, se faz muito mais por segmentos da burguesia brasileira e do campesinato tecnificado, ambos em aliana subordinada com as empresas mundiais. importante destacar que embora a expanso esteja mais concentrada em So Paulo, ela j est acontecendo tambm, no Paran, Mato Grosso do Sul, Tringulo Mineiro, Gois e Mato Grosso. E, tambm nestes estados, ela est reduzindo a rea de produo de alimentos agrcolas e desloca a pecuria na direo da Amaznia onde responsvel

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consequentemente, pelo desmatamento. Por isso, a expanso dos agrocombustveis continuar a gerar a reduo da produo de alimentos. Assim, no demais lembrar que a produo dos trs alimentos bsicos no pas, arroz, feijo e mandioca, tambm no crescem desde os anos noventa, e mais, o Brasil tornou-se o maior pas importador de trigo do mundo. Portanto, o caminho para a sada da crise e da construo de uma poltica de soberania alimentar continuava e continua sendo a realizao de uma reforma agrria ampla, geral e massiva. Entretanto, na contra-mo da histria, o governo do PT no segundo mandato do governo de Luiz Incio agiu como no passado Collor/Itamar e FHC, ou seja, terminado o II PNRA, sem que sequer a metade das metas das 540 mil famlias assentadas fosse atingida, o governo no elaborou o III PNRA. Assim, o segundo mandato comeava revelar sua real inteno: iniciar a contra-reforma agrria. Ou seja, era a banda podre dos funcionrios do INCRA, fazendo valer sua inteno de "vender" as terras pblicas da reforma agrria para os grileiros das mesmas. Dessa forma, a contra-reforma agrria do segundo mandato de Luiz Incio, consagrou a regularizao fundiria como poltica mestre do governo. A parte dos funcionrios corruptos em aliana com os grileiros finalmente, estavam vencendo a luta pela reforma agrria. esta a questo que est por traz da divulgao da notcia da aquisio de terras por estrangeiros no Brasil pelo prprio ex-presidente do INCRA Rolf Hackbart. Ela visou levar os movimentos socioterritoriais e sindicais a se envolverem com o debate, deixando no esquecimento a reforma agrria e passando inclusive, por consequncia, apoiar a regularizao fundiria e o Programa Terra Legal, o instrumento principal da contra-reforma agrria. por isso, que em termos de luta poltica quase nada foi feito contra as Medidas Provisrias 422 e 458, alm de uma carta aberta ao Presidente da Repblica e ao Congresso Nacional solicitando a revogao imediata da Medida Provisria 422. preciso deixar claro em termos mundiais, que no estou aqui afirmando que no haja movimentos de capitais na direo de aquisio de terras no mundo capitalista neste perodo histrico, estou apenas insistindo que ele no diferente do que ocorreu no Sculo XX. Portanto, essa questo no especfica e nem vem marcada por peculiaridades especficas deste incio de Sculo XXI. Alis, no Brasil como demonstrei anteriormente, a questo no tem a importncia que se quer dar a ela, e isso que procuro mostrar com este texto.

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4.2. O "escndalo" da aquisio de terras por estrangeiros fabricado pelo INCRA Como afirmei anteriormente, o ano de 2008 iniciou-se sob dois signos: a crise mundial de alimentos e a expanso dos agrocombustveis. Mas, a estes dois signos juntou-se no Brasil, a no elaborao pelo segundo governo de Luiz Incio do III Plano Nacional de Reforma Agrria, inclusive sem nenhuma cobrana dos movimentos socioterritoriais e sindicais e da maior parte da intelectualidade de esquerda do pas, e, a preparao do cenrio conformista da contra-reforma agrria advindo das Medidas Provisrias 422 e 458. possvel que a estes dois outros signos somem-se outros que a investigao acadmica cuidadosa no conseguiu ainda detectar. Vou apresentar aqui o cenrio no qual se deu o ponta p inicial da difuso do que estou chamando de "novo escndalo" da aquisio de terras por estrangeiros no Brasil "fabricado" pelo ex-presidente do INCRA Rolf Hackbart, e, como foi uma pretensa pea teatral de mau gosto, ser apresentado em vrios atos.

ATO 1 - As cortinas so abertas: a esquerda em movimento, a entrevista de Joo Pedro Stedile TV Estado. A TV Estado (www.estadao.com.br) fez uma entrevista com Joo Pedro Stedile liderana nacional do MST no dia 21/02/2008. Nesta entrevista, segundo o jornal O Estado de So Paulo,

"o lder do MST Joo Pedro Stedile disse que, enquanto os sem-terra so tratados como fora-da-Iei, o capital internacional tem liberdade para adquirir extensas reas em zonas restritas aos brasileiros. 'A Stora Enso comprou 86 mil hectares em rea de fronteira no Rio Grande do Sul, de mais de 400 propriedades, expulsando pequenos e mdios agricultores para impor a monocultura do eucalipto, que predadora do meio ambiente', afirmou Stedile. E fez uma conclamao ao Exrcito. 'Ateno militares nacionalistas, nos ajudem a expulsar os finlandeses da fronteira.' O discurso de Stedile foi uma referncia Lei da Faixa de Fronteiras, que exige a aprovao prvia do Conselho de Defesa Nacional para aquisio de terras feita por estrangeiros em qualquer lugar situado at o limite de 150 quilmetros para dentro do territrio nacional, a partir da linha divisria com outros pases."(O ESTADO DE SO PAULO, 04/03/2008:A10)

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ATO 2 - No centro do palco o capital estrangeiro: o no aceite dos registros das terras da Stora Enso no Rio Grande do Sul pelo INCRA O jornal O Estado de So Paulo noticiou na seo Questo Fundiria no dia 04/03/2008, matria relativa a problemas, que a multinacional sueco-finlandesa Stora Enso estava enfrentando com o INCRA. O rgo no estava aceitando os registros das compras de suas terras exatamente na faixa de fronteira no Rio Grande do Sul. O ttulo da matria era "Compra de terras por mlti no RS reabre debate sobre fronteiras". Ou seja, a reportagem visava abrir o debate sobre a legislao especfica sobre a terra na faixa de fronteira, que vem sendo tentada vrios anos, pois l est uma parte das terras pblicas devolutas apropriadas privadamente de forma ilegal. O texto comeava assim:

"um projeto da multinacional sueco-finlandesa Stora Enso, que quer adquirir 120 mil hectares de terras para plantar eucaliptos em 11 municpios do sudoeste do Rio Grande do Sul ... A Stora Enso anunciou no fim de 2005 a inteno de formar uma base florestal no Rio Grande do Sul para abastecer de matria-prima futura fbrica de celulose - um investimento inicial de US$ 250 milhes que pode criar 1.600 empregos diretos e indiretos ao fim do primeiro ciclo florestal, de sete anos, fora os da indstria, que exigir investimentos de mais US$1 bilho." (O ESTADO DE SO PAULO, 04/03/2008:A10)

Entretanto, a invs de cumprir a legislao brasileira sobre aquisio de terras por estrangeiros e sobre a legislao especfica referente aquisio de terras da faixa de fronteira, a empresa dirigida por executivos brasileiros props simplesmente a burla da lei, alegando a existncia de "um vazio jurdico" sobre a questo. Eis as afirmaes dos dirigentes da empresa segundo o jornal:

"quando comeou a atuar no Pas, a Stora Enso constituiu uma subsidiria, a Derflin Agropecuria Ltda., que adquiria as terras, mas tinha dificuldades para registr-Ias nos cartrios. Os processos de aquisio eram encaminhados ao Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), para instru-Ios e repass-Ios ao Conselho de Defesa Nacional. Como a anlise chega a levar dois anos, a compra ficou num vazio jurdico (SIC) ... A soluo (SIC) encontrada pela multinacional foi abrir uma empresa transitria, a Azenglever Agropecuria Ltda., em nome de seus executivos brasileiros Otvio Pontes e Joo Borges, para a qual a titularidade das terras foi transferida. Quando todas as aquisies estiverem aprovadas pelo Conselho de Defesa Nacional, a Azenglever ser incorporada pela Derflin. Por solicitao de setores contrariados com o projeto, o repasse dos imveis para a Derflin gerou pelo menos trs

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investigaes - uma do Ministrio Pblico Federal, outra da Polcia Federal e uma terceira da Corregedoria Geral do Tribunal de Justia que, por solicitao do INCRA, est averiguando se os cartrios burlaram a legislao ao aceitar registros em nome da Azenglever. Nenhuma delas chegou concluso at o fim de fevereiro." (O ESTADO DE SO PAULO, 04/03/2008:A10)

Mas, o que mais incrvel, a afirmao do vice-presidente da Stora Enso para a Amrica Latina, Otvio Pontes como um verdadeiro ru confesso cometendo um crime contra a legislao brasileira. A matria do jornal segue informando que

"o INCRA se ope sistematicamente ao negcio - o que o leva a acreditar em razes polticas: 'Cumprimos as exigncias, mas o projeto no anda.' A criao de uma segunda empresa para o registro de terras foi a alternativa (SIC) encontrada pela Stora Enso para vencer a resistncia do INCRA: 'Falam que usamos laranjas, mas tivemos que usar esse recurso para continuar trabalhando no meio de tanta insegurana jurdica'." (O ESTADO DE SO PAULO, 04/03/2008:A10)

Mas, ao contrrio da opinio de Joo Pedro Stedile sobre o caso, a matria traz informaes de que alguns polticos do Rio Grande do Sul esto agindo no s contra a lei, mas tambm, a favor da aquisio de terras por estrangeiros na prpria faixa de fronteira:

"o suplente de deputado Matteo Chiarelli (DEM-RS) apresentou um projeto que reduz a faixa de fronteira para 50 quilmetros nos Estados do Sul. O titular, Nelson Proena (PPS-RS), voltou ao cargo no incio deste ano e trabalha pela aprovao da mudana. O senador Srgio Zambiasi (PTB-RS) conseguiu aprovar na Comisso de Constituio de Justia do Senado, no dia 21 de janeiro, proposta da emenda constitucional que reduz a faixa para 50 quilmetros do Chu (RS) at a divisa de Mato Grosso do Sul com Mato Grosso. A proposta deve seguir para o plenrio e depois para a Cmara. Zambiasi nega ter agido para proteger os interesses da Stora Enso. 'Eu nem conheo esse caso', afirmou, justificando ter apresentado o projeto porque da Comisso do Mercosul e por perceber que a legislao atrapalha planos de desenvolvimento e recepo de investimentos de 197 dos 496 municpios gachos." (O ESTADO DE SO PAULO, 04/03/2008:A10) (grifo meu)

No dia seguinte, 05/03/2008, o presidente do INCRA Rolf Hackbart afirmou que compra de terras na fronteira pela Stora Enso era ilegal. E, inclusive, salientou que instalao da indstria de papel da multinacional em territrio gacho afrontava a legislao brasileira. Assim, o jornal O Estado de So Paulo veiculou a notcia:

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"em entrevista ao Estado, o presidente do instituto, Rolf Hackbart, disse na tera-feira, 4, que a instalao de uma nova indstria de papel em territrio gacho, prxima fronteira com o Uruguai, afronta a legislao brasileira. Hackbart negou as acusaes de perseguio poltica, feitas por executivos da Stora Enso. O entrave, disse ele, est relacionado compra de 110 mil hectares de terras para reflorestamento com eucalipto - matria-prima da futura indstria, que teria um investimento inicial de US$ 250 milhes (cerca de R$ 425 milhes). 'O ponto mais importante da discusso a soberania, o controle sobre o territrio', disse Hackbart, referindo-se Lei de Faixa de Fronteiras, que impede a compra de terras por estrangeiros nessa rea. 'O INCRA segue o que determina a lei.'"(O ESTADO DE SO PAULO, 05/03/2008:A8) (grifo meu)

A matria trouxe tambm, entrevista com o superintendente do INCRA do Rio Grande do Sul, que revelou tambm a mentira do dirigente da multinacional em relao aos documentos dos imveis, revelando que eles cobriam apenas 17 mil hectares:

"em Porto Alegre, o superintendente regional do INCRA, Mozar Dietrich, tambm negou qualquer tipo de perseguio empresa, que desde 2005 tenta sem sucesso levar adiante o projeto da indstria. 'Embora os procuradores do INCRA tenham alertado sobre a ilegalidade da compra de terras por estrangeiros em faixa de fronteira, a empresa comeou a comprar fazendas e a plantar eucaliptos', afirmou o superintendente. 'Acusam-nos de atraso na anlise dos processos de compra de terras, mas na prtica ocorre o contrrio', disse. 'Dos 46 mil hectares que j adquiriu, a empresa s entregou os documentos de 17 mil.' Dietrich categrico: com a legislao em vigor impossvel a aprovao da compra de terra." "(O ESTADO DE SO PAULO, 05/03/2008:A8) (grifo meu)

ATO 3 - O movimento scio-territorial entra em cena: as mulheres da Via Campesina ocuparam rea da Stora Enso no Rio Grande do Sul Na mesma madrugada do dia 04/03/2008, o mesmo dia da divulgao pelo jornal O Estado de So Paulo deu a notcia relativa s ilegalidades praticadas pela multinacional Stora Enso no Rio Grande do Sul, o Movimento das Mulheres da Via Campesina, como parte da jornada de lutas pela soberania alimentar e contra o agronegcio e as monoculturas do eucalipto, soja e cana-de-acar programada para a semana da comemorao do Dia Internacional da Mulher (8 de maro), ocuparam a Fazenda Tarum, em Rosrio do Sul, no sudoeste do Rio Grande do Sul. A ao foi realizada em

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"protesto contra o plantio de eucaliptos que a multinacional suecofinlandesa est promovendo na propriedade rural de 2,1 mil hectares. A Via Campesina tambm est protestando contra os projetos que tramitam na Cmara Federal e no Senado para reduzir a faixa de fronteira, de 150 quilmetros para 50 quilmetros, o que facilitaria aquisio de terras por estrangeiros na regio." (O ESTADO DE SO PAULO, 05/03/2008:A8)

Na mesma tarde do dia 04/03, a Brigada Militar do Rio Grande do Sul usando de violncia e prises, retirou as mulheres da fazenda. Tambm, em protesto a esta violncia, os integrantes da Via Campesina bloquearam oito trechos de rodovias gachas no dia seguinte. ATO 4 - A "Ilha da Fantasia" rouba a cena: a audincia pblica da Comisso de Agricultura do Senado Federal sobre aquisio de terras por estrangeiros Tambm no dia 04/03/2008, o mesmo da ao do Movimento das Mulheres da Via Campesina que ocuparam a fazenda Tarum em Rosrio do Sul- RS, o expresidente do INCRA Rolf Hackbart fez um depoimento na Comisso de Agricultura do Senado Federal para abordar a questo da aquisio de terras por estrangeiros no Brasil. Segundo reportagem do jornal O Estado de So Paulo, ele afirmou que"a procura de terras brasileiras por estrangeiros, sejam pessoas fsicas ou jurdicas, est crescendo de maneira acentuada em diversas partes do Pas e sem nenhum controle. A demanda seria impulsionada pela busca de reas para a produo de cana-de-acar, pela valorizao das commodities agrcolas e tambm para investimentos. 'Os grandes fundos de penso do exterior tendem a investir cada vez mais em imveis rurais brasileiros', afirmou Hackkbart ... Depois de descrever esse cenrio, ele defendeu a adoo urgente de medidas destinadas a restringir as vendas. 'No se trata de xenofobia. O ponto central a proteo da soberania nacional.' Ainda de acordo com Hackbart, a Advocacia-Geral da Unio (AGU) deve anunciar brevemente medidas que limitaro os negcios com estrangeiros." (O ESTADO DE SO PAULO, 06/03/2008:A10) (grifo meu)

Outro depoimento na audincia pblica foi feito pelo consultor-geral da AGU, Ronaldo Cesar Arajo:"segundo o consultor, a instituio prepara, a pedido do INCRA e de outros rgos do governo, parecer sobre o assunto. A tendncia, anunciou, ampliar o controle sobre as vendas a estrangeiros. O novo parecer, segundo Arajo, deve frear os negcios feitos por empresas brasileiras com capital internacional, o maior grupo comprador. Os outros so formados por empresas exclusivamente estrangeiras, com

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sede no exterior, que ainda enfrentam restries; e pelas "laranjas" empresas aparentemente brasileiras, mas com capital de fora do Pas. At 1997, todas as empresas com dinheiro estrangeiro enfrentavam pesadas restries advindas da Lei 5.709, de 1971. A partir de 150 hectares, por exemplo, o comprador estrangeiro tinha de pedir autorizao especial s autoridades federais. Os cartrios de registro de imveis deviam comunicar s autoridades qualquer negcio com estrangeiros. Naquele ano, porm, o ento advogado-geral da Unio, Geraldo Quinto, divulgou um parecer, baseado na Constituio de 1988, segundo o qual no se devia fazer distino entre empresa brasileira e empresa brasileira com capital estrangeiro." (O ESTADO DE SO PAULO, 06/03/2008:A10) (grifo meu)

Ainda segundo o jornal, Rolf Hackbart teria afirmado que desde o parecer de Geraldo Quinto da AGU, "as autoridades comearam a perder o controle sobre as vendas. 'No sabemos quanto de nossas terras esto em mos de estrangeiros', disse." (O ESTADO DE SO PAULO, 06/03/2008:A10) Ainda segundo a reportagem, "o cadastro do INCRA - que no est atualizado e montado com base em declaraes dos proprietrios - existem 33.228 imveis registrados em nome de estrangeiros, 0,64% do total cadastrado. So 5,6 milhes de hectares -- o equivalente a 0,97% do conjunto. A maior fatia -- 3,1 milhes de hectares -- est na Amaznia Legal." (O ESTADO DE SO PAULO, 06/03/2008:A10) No mesmo dia, um arquivo da apresentao feita no depoimento na Comisso de Agricultura por Rolf Rackbart veiculado nas listas de Emails na Internet, sob o ttulo: Amaznia Legal - Aquisio de Imveis Rurais por Estrangeiros. ATO 5 - A verdade no centro do espetculo: a legalizao da grilagem de terra na Amaznia Legal, ou o governo de Luiz Incio elabora a Medida Provisria 422 A grilagem das terras pblicas da Amaznia sempre veio alimentada pelas polticas pblicas dos diferentes governos nos ltimos cinqenta anos. Primeiro foi a Marcha para o Oeste de Getlio Vargas. Depois, os incentivos fiscais da SUDAM, da ditadura militar formulados pelo ento ministro Delfim Neto. E por ltimo, FHC e Luiz Incio, e a aliana com a bancada ruralista no Congresso e as prorrogaes infindveis de suas dvidas que nunca so ou sero pagas. Mas, qual foi a mudana na estratgia de ao do agronegcio na apropriao privada das terras pblicas da Amaznia? O uso da grilagem foi sendo sofisticado. Agora, no mais necessrio envelhecer os documentos com a ajuda dos grilos. Trs novos recursos passaram a ser

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utilizados. Primeiro, no mais necessrio os insetos - grilos - para envelhec-los como no passado, basta usar-se o forno de micro-ondas. Segundo, foi a estratgia de tentar regularizar as terras atravs de laranjas, via falsas procuraes. Foi o perodo que denominei de grilagem legalizada durante os governos militares. Ou seja, o grileiro interessado entrava com o pedido de compra da rea. O mximo que podia adquirir, entre 1946 e 1967, era de 10.000 hectares. Depois esta rea foi reduzida entre 1967 e 1988, para 3.000 hectares e, aps 1988, para 2.500 hectares. A denncia deste expediente gerou inmeras Comisses Parlamentares de Inquritos, cuja nica conseqncia, foi a introduo nos Atos das Disposies Constitucionais Transitrias da Constituio de 1988 do artigo 51 onde est prevista a reviso por Comisso Mista do Congresso Nacional de todas as doaes, vendas e concesses de terras pblicas com rea superior a trs mil hectares, realizadas no perodo de 1 de janeiro de 1962 a 31 de dezembro de 1987. Entretanto, at hoje o Congresso nada fez para providenciar esta reviso. Terceiro, com a Nova Repblica, veio o I Plano Nacional de Reforma Agrria e a nova Constituio. A partir da, o destino das terras pblicas, insisto devolutas ou no, porque segundo o Supremo, devolutas so todas as terras pblicas no discriminadas, passou a ser regido pelo artigo 188 da Constituio: A destinao de terras pblicas e devolutas ser compatibilizada com a poltica agrcola e com o plano nacional de reforma agrria. Mesmo assim, h nos protocolos do INCRA das diferentes superintendncias da Amaznia Legal, pedidos para comprar todas as terras pblicas arrecadadas e discriminadas. Trata-se como diria Leonel Brizola, de um verdadeiro crime lesa Ptria. Como a Constituio de 1988, manda compatibilizar a destinao das terras pblicas com o plano nacional de reforma agrria, uma nova estratgia passou a ser montada para continuar favorecendo os grileiros do agronegcio. Uma parte dos funcionrios do INCRA, particularmente os que cuidam do Cadastro, e que sempre estiveram envolvidos em corrupo, acusados de venda de terras pblicas na Amaznia, passaram a oferecer e reservar as terras pblicas para os grileiros e indicar o caminho legal para obt-las. Portanto, quem est realizando a grilagem legalizada a banda podre dos prprios funcionrios corruptos do INCRA e dos rgos estaduais de terra. A denncia destes fatos, j levou a Polcia Federal a fazer a Operao Faroeste no Par e mandar para a priso altos funcionrios do INCRA, como o ex-

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AGRRIA, So Paulo, No. 12, 2010

OLIVEIRA, A. U.

superintendente Jos Roberto de Oliveira Faro, atual deputado federal e autor do PL 2289/07 que pretende ser a nova lei sobre aquisio de terras por estrangeiros, que ser tratado em outra parte deste texto. Tambm, o Ministrio Pblico moveu ao para cancelar os assentamentos da reforma agrria laranja da regional de Santarm. O motivo sempre o mesmo: a tentativa de oficializar a grilagem das terras pblicas. Vrias outras operaes da Polcia Federal foram realizadas levando superintendentes e diretores do INCRA para a priso, tais como: Lacraia em Barra do Garas/MT; Pluma em So Flix do Araguaia/MT; Dupla Face em Cuiab; TM e Sade no Par; Donatrio no Maranho; Orcrim ESA, Dinizia II e Terra Limpa em Rondnia; Terra Nostra no Tocantins; Cristal Negro em Gois; Areal em Pernambuco; Navalha em Alagoas; Tellus no Mato Grosso do Sul e, a ltima foi em So Paulo, a Operao Desfalque.10 A sociedade brasileira precisa saber que o INCRA, desde os governos militares, arrecadou e/ou discriminou, um total de 105.803.350 hectares distribudos pelos Estados na Amaznia Legal. Deste total, o INCRA at o ano de 2003, durante a elaborao do II PNRA do governo Luiz Incio, tinha destinado um total de 37.979.540 hectares, e, possua ainda sem destinao 67.823.810 hectares. Estas terras pblicas do INCRA estavam assim distribudas: Rondnia 4.907.824 ha; Acre 6.291.734 ha; Amazonas 20.962.020 ha; Roraima 9.208.315 ha; Par 17.934.669 ha; Amap 0; Tocantins 1.031.876 ha; Mato Grosso 5.756.448 ha; e Maranho 1.730.924 ha. O que mais espantoso de tudo, que todas estas terras esto cercadas e apropriadas privadamente. Os funcionrios corruptos do INCRA venderam praticamente quase todo este patrimnio pblico, e, esto junto como os governos do PT, propondo solues jurdicas para legalizar o crime cometido. Foi por isso, que no final do ano de 2005, conseguiram colocar no meio da famosa Medida Provisria do Bem (Lei n 11.196 de 21/11/2005) o artigo 118, que passou a permitir a regularizao das terras na Amaznia Legal at 500 hectares, quando o artigo 191 da Constituio autoriza a posse apenas at 50 hectares. Alis, no custa lembrar que a Lei n 6.383 de 07/12/76 dos militares, que dispe sobre o processo discriminatrio de terras devolutas da Unio, autoriza legitimao de rea de posse de apenas 100 hectares. Outro instrumento legal elaborado foi a Instruo Normativa n 32 de 17/05/2006 do INCRA, que fixou os procedimentos legais para que o crime de uma parte da grilagem das terras pblicas pudesse comear a ser legalizado. 10

http://www7.dpf.gov.br/DCS/operacoes/indexop.html - Acessado em 27/07/2011, s 23:03hs.

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Se no bastasse este ato do governo Luiz Incio, afrontando as conquistas da Constituio Federal de 1988, em 11 de junho de 2007, o INCRA baixou a Instruo Normativa n 41, publicada no DOU em 18/06/2007. Esta nova norma simplesmente estabeleceu "critrios e procedimentos administrativos referentes alienao de terras pblicas em reas acima de 500 hectares limitadas a 15 (quinze) mdulos fiscais mediante concorrncia pblica. Como o maior mdulo fiscal na Amaznia de 100 hectares, a rea mxima ser de 1.500 hectares. Esta Instruo Normativa era simplesmente uma afronta aos princpios constitucionais e, particularmente, tudo o que o Partido dos Trabalhadores pregou antes de sua chegada a presidncia da Repbli