negros estrangeiros (pp101-51)

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Manuela Carneiro da Cunha Negros, estrangeiros os escravos libertos e sua volta a Africa IP 1985 r i Brasileiros em Lagos A partir da deeada de 1830. li\;)ertosafricanos e crioulos, vindos do Brasil, com~am a se instalar na costa ocidental da Africa, e em particular oa ebamada "costa dos escravos", se. guidos pelos libertos cubanos. Pouca depois, nos aDOS 40 (0 primeiro contingente chegau em 1839), tern inicio 0 mavi- mento de retomodos safCS. Os saros cram iorubas escravizados que haviam side resgatados pele Esquadrao britanica quando ja estavam a caminbo do Novo Mundo. e haviam side acolhi- dos em Serra Leaa, estabelecimento fundado por abolicionis- tas ingleses em fins do secule XVIII e convertido em colonia brita-aica a partir de 1808. Serra Leaa loi urn centro missio- DariO anglicano e metodista importante, e as saccs, sub me- tidos a influencia missionAria, vol1am para a costa iorubana fortemente anglicizados (J. Peterson, 1969; J. H. Kopytoff, 1965). Origem etnica dos brasUeiros de Lagos Qual a origem ultima dos retomados? A malaria era da regia.o que hoje se chama ioruba, denominal;ilo que por ana. cronismo se usa as vezes para 0 seculo XIX. As fontes brasileiras ate agora cOllhecidas dao poucas in. formal;iks sobre a origem precisa dos escravos. As estatisticas e censos nilo discriminavam os que compunham a catcgoria \ I' !

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Page 1: Negros Estrangeiros (Pp101-51)

Manuela Carneiro da Cunha

Negros,estrangeirosos escravos libertose sua volta a Africa

IP1985

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Brasileiros em Lagos

A partir da deeada de 1830. li\;)ertosafricanos e crioulos,vindos do Brasil, com~am a se instalar na costa ocidental daAfrica, e em particular oa ebamada "costa dos escravos", se.guidos pelos libertos cubanos. Pouca depois, nos aDOS 40 (0primeiro contingente chegau em 1839), tern inicio 0 mavi-mento de retomodos safCS. Os saros cram iorubas escravizadosque haviam side resgatados pele Esquadrao britanica quandoja estavam a caminbo do Novo Mundo. e haviam side acolhi-dos em Serra Leaa, estabelecimento fundado por abolicionis-tas ingleses em fins do secule XVIII e convertido em coloniabrita-aica a partir de 1808. Serra Leaa loi urn centro missio-DariO anglicano e metodista importante, e as saccs, sub me-tidos a influencia missionAria, vol1am para a costa iorubanafortemente anglicizados (J. Peterson, 1969; J. H. Kopytoff,1965).

Origem etnica dos brasUeiros de Lagos

Qual a origem ultima dos retomados? A malaria era daregia.o que hoje se chama ioruba, denominal;ilo que por ana.cronismo se usa as vezes para 0 seculo XIX.

As fontes brasileiras ate agora cOllhecidas dao poucas in.formal;iks sobre a origem precisa dos escravos. As estatisticase censos nilo discriminavam os que compunham a catcgoria

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IOJtreGROS. ESTRANGEIROS!, .

lacio da C()lonia. Destes llbertos, por sua vel., a grande maw-ria era deakus. isto e, a que boje chamamas de iorub~:1 eram7114, akust contra 1231 ibos, 1075 fons, 657 aucas ...

Koelle ao interrogar seus informantes, escoIhidos paraexemplifica'r os vArios gropos lingiiisticos, pedia que Ihe des-sem uma avaliaclo do numero de membros do mesmo. grup~em Serra Leaa. Os mais nurnerosos parecem ser o.sva~os ml-lhares de iorubis (entenda-se ° termo no seu sent1d~ Oltocen-tista. como habitantes ou originarios de Oyo);..Se.~I~_~-~_e_.osegoas, os ijeds, yagbas'_~0fIl:'~~e._~kitis:~!:I~~a,.._~~~_~ouc.?~_01iiS{20)~onaosl30);ifes (6), igalas (I~), um nllDlero desco.nhecido de ijebus e uns parcos itsek~.s e awo:os (Koelle,1854). A presen~a destas mesmas subd1VlsOe~etmcas dos ?a-gas, iorubis, ijexa.s, egbas, ijebus .- e menclOnada por NmaRodrigues no fun do s6cula na Bahia. Quanta a Braz do Ama-ral, cita as "yorublls, egblls, gegis au e~ns, ~.ahomeya?os.tapas (nupes), yebus (ijebu), yeasasou. YJesas .(lJe~as).. m~n.asou agouins(agtle), baussas, fanti, kromanos, hlams ~ ~~rnlms,benisn, sj6s(ij6s1), hekiri(ekiti?), gallin.has, ~chant1s ,aU:rnde etnias de procedencia diversa da Afnca OCldental. Mas osrom numerosos oa Bahia seriam os iorubas e os egbas (BrazdoAmaral,1915:667").,, "

imaioria, corno era de se esperar, provinha das ci~ades-estados mais aletadas pelas guerras que assolaram as cldadesdo interior.

Vale a pena aqui urn pequeno excurso so?re as circuns-tancias da escraviza<;:ll.oe a revisll.ode urn artl~o sobre 0 as-sunto, que me parece particularmente .tenden~lOso. Trata-sede uro artigoja antigo, de P. E. H. Ha~,.pubbcad~ em 1965na revistaAirica, e que tenta fazer estatlstlcas a partrr dos 179informantes de Koelle. Em particu~ar •.0 aut.o~ computa queda totalidade dos recaptives, 1/3 tena sIdo ongmalmente cap-turado na guerra, 1/3 raptado por outras tribos ou n;embrosda mesma tribo e 1/3 vendido por parentes ou supenores, as

"(1) 0 tennoaku outlkoo deriu du sluda~~s iorubas, que usua1mente come'

i' ~ •. mpoHuapalaVfa. •. " •." (2) Benjamin Pini. "Annul! R~port for Sierra ~lIe 184S " Pu lam~n •.••ry"Papers (l549).XXXJV (C. 1126l. ,)04.5, I,lp ••d Ph, Curtm e J. Vallm1ll., 1964. 207-

208.

MANUELA CARNEIRO DA CUNHA102

"africano". usada por oposh;io a "criaulo". que se relena aosnascidos no Brasil. Os inventmos, os contratas de compra evenda que por vezes indicam a origem dos escravos. restrin.gem.se em geral i indic~io do porto-Mercado naAfrica. Parao Golfo de Benim, que nos interessa, a dc:nominal;io genericados escravo~__e:ra a. categoria "mina" ..."Naga", por sua vez,cobria Da Bahia qua.se todos as que hoje seriam ehamadosiorubAs (ver, por exemplo, a lista estabelecida pOt Pierre Ver-ger, 1968: 67355., a partir do Livro de Tutelas e Inventinos daVila de SAoFrancisco do Conde, 1737-1841).

.. As listas de "africanos livres" do Rio de Janeiro, dos ua-

(

- vios negreir?s ~pr;endidos. ja Da co~ta brasileira, embora pro-curassem dlsCnmtnar a ongem etniea tambem se restringem,para a A.!rica Ocidental. Astres categorias Cabo Verde, CaIa-

--._b.~!,~Mma(vide M. Karasch, 1972: 72h\Restam, portanto, -'_ ..'os testemunhos dos viajantes,-aIgu'iis"muito detalhados, e so-bretudo as estudos com base na hist6ria oral, feitos oa viradadeste scScu10:pense especialmente em Nina Rodrigues e Brazdo~Amaral, que pesquisaram DaBahia.

Sem d6.vida, a fonte mais precisa sobre a origem dos es-cravos que vieram da Africa Ocidental para 0 Brasil ~ 0 estudoque se propuoha ser sobretudo ling(iistico. feito pe10 rev.Koelle, urn missionmo anglicano da Church Missionary So.ciety, e publicado em 1854. Em 1848, Koelle eotrevistou 179libertos na capital de Serra Leoa, Freetown. Era at que 0 es-quaddo britanico que patrulhava a CQstapara controlar 0 tra-fico trma para ju1gamento os navios oegreiros apresados eestabelecia os escravos assim liberados. A popu1acao de liber- ,tos estabelecidos em Freetown, os chamados recaptives, seria, c): ~J

portanto, urna amostragem representativa da totalidade dos,e~.ravos 1evados nessa epoca da Africa Ocidental para ~

1/ s~;supondo-se, 0 que e razoavel, que 0 apresamento de DaVIOSnegreiros fosse aleat6rio.Os informantes de Koelle estavamtOO05estabelecidos em Serra Leoa havia pelo menos 10 anos,au seja, sua liberta~lo datma de antes de 1840. De modogeral, haviam chegado a Freetown ap6s 1820.

Em 1848, urn censo em Serra Leoa acusava 4S()(x) habi-'tantes, dos quais 18190 moravam na 'capita!. Da popula~aototal de 4S000, 20 619 eram escravos libertos pelo esquadraobritanico e 19624 eram descendentes seus. Os libertos e seusdescendentes formavam, portanto, a grande maioria da popu-

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10< MANUEI..A CARNEIRO DA CUNHA MEGROS. ESTRANGEIROS \05

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lOCUS para pagar alguma dlvida e as vezes. ap6s urn processojudicial. como criminosos.

Islo seria apenas rna utilizacio de estatisticas. se nAa su-gerisse tamb~m urn quadro erroneo da origem dos escravos.Por we creio que 0 artigo merece uma atencAo critica deta-thada. Primeiro, quanta a validade cia amostragem. Escreviacima que a populacao de libertos de Serra Leoa era prova~velmente tima amostragem representativa da popuiacio de es-cravos que aportou ao Brasil vinda da Africa Ocidental oarnesma epoca, ja que se compunha de navios negreiros apre-sados pelos ingleses. No cntanto, as 179 informantes de Koellenae cram uma amostragem dessa populac;a.o, no sentido deque naa cram aleatoriamente escolhidos: Koelle queria entre-vistar pelo menos urn falaDte de cada gropo lingOistico. As-sim, grupos muito numerosos em Serra Leoa e gropos pou-quissimo representados apareciam na amostnigem, indepen-dentemente de sua importancia numerica na colonia. Qual-quer estatistica, portanto, com base nestes 179 informantes,nao pede ser extrapolada ~ populacao escraviz.ada como urntodo. Ora, os escravos vendidos por superiores ou parentes oucomo criminosos 56 chegam a constituir 1/3 dos informantespela forma em que loram selecionados. Sao, scm duvida, asrcpresentantes dos grupos lingiiisticos menos numerosos, istoe, aqueles que DaDhaviam sofrido uma guerra, que innamesta categoria. Mas, no conjunto dos escravos, ela deve ter sidominima. Eram, digamos assim, os escravos excepcionals.)Uma comprova~ao se encontrajustamente no caso dos gruposlinguisticos ioruba e igala: dos 18 entrevistados, apenas qua~trD nao loram apresados na guerra ou por rapto; denes, doisforam escravizados ap6s julgamento por adulMrio, perten-cendo ambos a grupos minimamente representados; urn eraitsekiri, outro era igaia, quando haYia apenas tres itsekiris e13 igalas em Serra Leoa (Koelle, 1854: 5ss.); 0 terceiro foi ven-

(3) Yeja-se; nto estou. uegUldo a possibilidade, atestada, alas, de e!>cr.vid~opor proceuo judicial ou pot dhida de membros da famW•. Estou, 11m, ponoo emdlirida a sua estenslo. AI (!Iridal eram resoIridas mais freqOentemeote mediante pe_nhon, de membros dll f.rtIU~, em gen.! crian~as. Esles est.&nm em sit1Ja~io de es-crU'os domesliro:s pari loopS os deitos. au seja, ficavam na cidadc de origem, masnloenmpawveiSdeseremvendid~ ~ , ,0-~

".. ,/, P' ;;fiF:: ~ G"- ~,iiff~

dido trai.;oeiramente por um suposto amigo,4 e era u~ ~ostres aworos de Serra Leoa; 0 quarto, enfim, e este e a umcaexc~a.o, era membro de uma grande etnia, os iorubas (deOyo) e havia sido vendido por urn chefe de guerra porque ha-via recusado dar-the sua espOS3. .

Tambem sujeitos a ressalvas sao os certes que Hair f~zpara distinguir suas categorias. Se par urn lado agrupa abusj-vamentc raptos por estrangeiros e por me~b:o~ do mesm()gropo - 0 que e totalmente diferente - dlshngue, ao con-trano. guerra de rap to. Ora, os raptos, sab~damente, eram .3

fonna endemica de hostilidade, que eclodl3 de forma malSorganizada nas chamadas expedi~Oes de guerra. Geralmente,aqueles eram 0 preludio a estas, como no caso da guerra deOwu dol811 e 1821(5. Johnson,1921:207). L'

Mencionemos, ainda, sobre as etnias mais escrav!za.das ~nc:ssa epoca, que nem todos entravaJ? ~o comercio atlantica, '"' '\l:'embora os iorubb comerciassem pnnclpalmente com ~s ne- ¥greiros europeus e brasileiros, levando seus escravos d~ret~- £mente ~ costa e vendendo-os seja no antigo porto de AJuda, .~seja n~ortos de Badagri e Lagos (c. W. Newbury, 1961:20=22). Mas havia urn tiafico mucu~m~no pa~a a Afnca o~Norte que competia com 0 tr~fico atlanhco.:. fOIele que absor- 1vell parte dos escravos aprislonados nas Jlha~. No. e.ntanto,mesmo os fulanis mandaram parte dos kanuns apnslOnadosua guerra santa de 1804~1830para a costa atlantica (Ph. Cur-

("'l Urn dos cuos ma..isp.lpitantes de vcoda ~ trai<;lo ~ 0 epulldio d•. hisl6ri ••_ talve"t romanceado pdo itaLiano Scab, - da mais prbspera comerdln.te de esru-VO$torubb do skulo XIX, • lamou Madame Ttuubu. Esta. urna ~nljgOlescuu,."'d ~al --, ..•- ""--_.de Abeokuta teria ~do com 0 hlho do r<:l.Como esle acna • .,....O= ••.•vwu,. ,." E'

estorvuse, teriJ. acabado por vende-Io 1trail;lo a urn nev.re,l,robrul e,"!"Q. ~ co,::.oScala ec:ml.&esse episbdio: •. bela e p~rfida Tinubu, com leU bel paK dl OCChlnen ,c:onytnceu ieU indolcnte marido a acompanhar .tl! a ~ta. par distr~lO. urn lote deescr.V05 que Iriam vender; a caminho, Tinubu la seduzmdo os gueITellOSda «colta. estUll othos _ 0 funoso par de olhos ocgr05 - promctiam.-lhel, reconta Seal~, ulle-riores deUcias: ehegados 1heir.-mar, comeo;;aramas uegoc~Cles com 0 ne~U"o bra.meiro Os escr.VO$jovens e robuslos foram 0 primeiro lote, e 0 pre<;o lot &ee.rtadoapbs barganhll Que ~ brindasse ao acerto, propOs TUlUbu, e 0 rei de Owu bnndoucom 0 oegrei~. Lote .p6s lote comprado e a cada ~cgodo Iec:h~do Tinub~ ~ro--punha urn trago ~ .guat(\eote de cana. Ate que, velldu:lo0 de.rradclro lol~, 0 ultunobrinde derrubou 0 rei. (jue rolou pelo chio. ~nte 0 o1har atomto do negrelJ"o. a belaTioubu pOs 0 pt sobre °corpo do marido e pergunlou: - "quanta me dio por est •.)'«'__1". E feliusim que 0 rei de Owu acordou, ji em alto-mar rooeado dos e5CU.VOSque •.cabav, de vender. (G. Scala, 1662).

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,NEGRQS, ESTRANGEIROS 107

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tin e J. Vansma, 1964: 190-191). Assim. a preponderancia decertas etnias no Brasil dependia tambem do circuito do co-mercia - atlantica au trans-samco - de que participavamos contendores.

o percurso DaO era necessariamente direto. Quando, em1836. 0 futuro bispo Crowther e embarcado por negreiro por-tugues de lagos, com destino ao Brasil, nurn navia que 0 es-quadrao britanico interceptaria pouco depois, ji havia ete mu-dado de senhor aita vezes em 15 anos. Capturado em 1821pelos mu~ulmanos durante a guerra, em sua cidade de Osha-gun, levado a Isehi, com prado at por uma daomeana islamicaque 0 levarapara 0 Daome, vendido depois tres veres seguidasate seT comprado por mercador de Lagos que 0 guardou du-rante alguns meses, foi finalmente vendido a negreiros portu-gueses de Lagos, que a embarcaram ao cabo de quatro meses(CMS CAlI07912, Samuel Crowther a Rev. W. Jowell, Fou.rahBay, 22.2.1837: 1-2,J'llutLJ •.Pelersolr,1969:-17S-,<:j-. -""

Seji como for, 0 que resulta de tudo isso e que a grande \maioria dos escravos iorubAs, e. portanto, e de se crer, dosque, alforriados, voltaram a Africa, provinha das cidades-es-tados do interior. A preponderancia de iorubAs (de Oyo) e deegbas explica-se pela rulna do imperio de Oyo no rim dosecul0XVIII e eome~o do sCeuio XIX (vcr, par exemplo, dentre aextensa literatura, R. Law, 1977) e pelo fortalecimento do im-perio do Daome, no inicio do seculo XIX, que passou a predar aeidade de Abeokuta, capital dos egbas, para se abastecer deescravos destinados (1. A. Akinjogbin, 1967). As raz6es dagrande quantidade de mu~ulmanos ji foram comentadas nocapitulo I, e prcndem-se possivelmente aos seus levantes nascidades iorubanas e Asperseguic6es movidas contra eles pe10stradicionalistas (T. G. O. Gbamadosi. 1978: 11 e n. 90). Assi-nalemos, par fim, que membros de outras etnias que nl0 ioru-banas tambem se instalatam em Lagos. Na hist6ria das fami.lias brasileiras de Lagos h! referencias frequentes a ascen- ,dentes Dupes, a baribas, a au~As,a bornus.r ~~

Retomados em Lagos

(.. Enquanto as saros se concentram em Badagri, Abeokuta'\ Lago" 0' bra,ileiro, liberto, espa1ham.,e mai, amplamenle

pela costa. Estabelecern-se em Ague, Anecho, Ajuda, Cotonu,Porto Novo, Badagri e Lagos, todos a essas alturas portos decomercio de escravos. Alguns voltam para as cidades do inte-rior de que eram originarios, reencontram suas linhagens emndem.se de novo Da populacao africana. Rastros deles saoencontrados mais tarde pelos mission.lrios cat6licos que, nadecada de SO, comecam a penetrar no interior.

A maior parte, porem, estabelece-se na costa. Por urnlado, como veremos, era na costa que surgiam as melharesoportunidades de comercio. Par outro lado, penetrar no inte-rior era expor-se a ser novamente escravizado: os brasileirosiorubas e bomus de Ajuda estavam conscientes disso. Se seaventurassem a voltar, sedam escravizados pelos fons dao-meanos que-dominavam a regiao (F. E. Forbes, 1851). Masmesmo os portos, sobretudo Ajudi, sob 0 controle do pode-roso reino do Daome, nao ofereciam seguran~a. Em 1856, Ii-bertos da Bahia contrataram com urn capitao uma viagem ateLagos. Em vez disso, foram desembarcados em Ajuda. Despo-jades de seus pertences e a pretexto de que eram originarios deAbeokuta, a cida:de inimiga par excelencia dos daomeanos,enviados ao rei de Daome, que matou os adultos e escravizouas crian~as (Campbell, 2 jan. 1856, PRO, FO 84/1002, apudP. Verger, 1968: 614).

Em fins de 1851, os ingleses bombardeiam Lagos e res-tauram Akitoye no trono, com a promessa de que fara cessar 0

trafico negreiro, e exilam seu rival, 0 rei Kosoko. Instalam urnconsulado que durara dez anos. Em 1861, novamente com 0

apoio da Marinha, 0 governo britanico for~a 0 rei Docemo,filhe de Akitoye, a vender-lhe a ilha e estabelece em Lagosuma colonia (ver, par exemplo, R. Smith, 1978). Badagri,Palma e Leckie, todos os tres portes de laguna, sao poucedepois anexados Acolonia (C. Newbury, 53-54).

Lagos toma~se assim, a partir de 1851, urn porto seguropara os libertos. Uma c6pia de urn contrato que subsistiumestra as condi~5es em que era leito esse retorno. 0 contrato,passado no Rio de Janeiro, estipula que os 63 libertos (he-mens, mulheres e crian~as) fretam por 800 libras esterlinas,pagas adiantadas, 0 brigue ing1es Robert, que os levara ate aBahia, 1Afieando duas semanas, seguindo depois para urnporto segura do Golfo do Benim. A destina~lle exata sera deci.dida na Bahia, mas nao podera ser senAo Badagri ou Lagos. 0

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politicos junto Asrealezas Iocais, fornecedoras de cscravos (vcrK. Polanyi, 1966). 0 primeiro ChachA de Souza (FranciscoFelix de Souza) no comec;o do seculo XIX, e alguns de seusnumerosos descendentes. operando em Ajurli (P_ Verger,1966: 460-467 et passim, e P. Verger, 1953), Domingos JoseMartinez, a partir de 1830, e ate cerca de 1860,operando pri-meiro em Lagos, com apoio do rei Akitoye e posteriormenteem Porto Nov? (D. A. Ross, 1965), os irmaos Jambo em Bada-gri, ap6s terem sido expulsos de Lagos, Coram os mais noto-rios. Em Lagos, varios negreiros brasileiros, menos opulentos,rodeavam, par volta de 1850, 0 rei Kosoko - ele proprio umgrande negociante de escravos - e seguiram-no no seu exiliom Epe, em 1851.

Os' libertos retornados do Brasil. sem alcanl;arem talvezas grandes fortunas dos outros negreiros, entravam no entantocom vigor nesse ramo do comercio. Em 1850, muitos Iibertosdo Brasil comerciam em escravas, em Ajuda (F. E. Forbes,1851). Quinze anos mais tarde. quando 0 trafica esta nos seusestertores finais, ha em Ajuda dez iibertos brasileiros nego-ciantes de escravos. para cerea de 18 negreiros brasileiros Ii. Ivres e cinco porrugueses. Dentre os libertos, apenas urn, Pc- ~.dro Cogio (Pedro Pinto da Silveira) havia sido urn negreiro deprimeiraimportancia(R. F. Burton. 1864, e C. W. Newbury, )1961:38.--= 1

A partir do fim da decada de 1830, 0 azeite-de-dendecpmec;a a ser negociado, e sua importancia vai se avolumando. -l

Apalmeira do dende e nativa em uma Caha muito proxima daregiao costeira do Golfo do Bcnim, em uma regiao que eonta :"\com extenso sistema de rios e de lagunas que facilitam a es-coamento do produto. 0 azeite.de-dende, como outros 61eosvegetais. esteve em grande demanda nos paiscs industriais daEuropae particuiarmente na Inglaterra, desde cerea de 1830~. _Era usado como lubrificante e combustivel industrial e na fa-bricac;Aodas velas d~ estearina. Por volta de 1850, os prec;osdo dende eonheceram seu apogeu, mas catram de 25% em SOaDOS. A partir dos anos 60, a uso do petr61eo e de seus deri-vadas torna-se preponderante, e 0 pre-;o do azeite-de-dendecai. Seu uso no fabrico do sabAo, uma industria em grandeexpansAo no ultimo quartel do seculo XIX. consenta-lhe aber-to urn mercado importante. embora seu preeo continue avii-tado.

Ate 1850, 0 comercio em toda a costa dos escravos con-sistia essencialmente oa importac;ao do fumo e aguardente ena exporta~Ao de escravos. Alguns brasileiros, brancos du mu-latos dominaram esse neg6cio particularmente lucrativo, masque ~xigia capital de giro importante, atem de s6lidos apoios

capitlo compromete-se a fornecer carne seca, feijl0 preto, fa-rinha de mandioca e Agua potavel em ral;6es dimas preesta-belecidas. A comida serA preparada pelos passageiros em lu-gar e com Ienha fomecidos peto capiUo (D. P. Kidder e J. C.Fletcher, 1857, Apendice: 59?).

Em 1854, 23 Iibertos iorubis saem de Havana a caminhoda Africa, e seu navia toea em Southampton. Entrevistadospcla Anti.Slavery Society, declaram como um s6 homem ques~o origina-rios de Lagos (0 que e c1aramente impassivel, jaque Lagos sempre roi urn entreposto comercial onde os escra-vas s6 passavam em transito) e que desejam se estabeleeernessa cidade (The Anti-Slavery Society Reporter, vol. 2, Lon-dres, 1854: 234-239, apud J. Perez de la Riva, 1976: 15055.). Aessa altu~. portanto, 0 renome de La~.Ldo.

../0 rei Akitoye e, depois dele, seu filho Docemo, cobravamum pesado imposto de dez sacos de cauris a cada familia quedesembarcava em Lagos, vinda do Brasil ou de Cuba. A inter-venc;Aodo consul ingles fe-los abandonar essa pratica porvoltade 1857 (P. Verger, 1966: 615), e Lagos tornou.se ainda maisatraente para os libertos. ~

gos havia sido originalmente uma cidadezinha de agri-cuItores e pescadores, vassala do Benim. Era a lIniea saIdapara 0 mar do sistema de lagunas que se estendia desde Co-tonu ate 0 -delta do Niger (A. Mabogunje, 1961: 12): nessaslagunas desembocavam varios rios irnportantes, que passavampe1as principais ddades iorubanas do interior. Lagos era, por-tanto urn ponto de e~coamen1Q~strategico do coroercio daco~~-stas vantagens incontestes predominavam sabre seu

. c1iiTiainsalubrC:1~ solo infertil areia e man ue: sua vulne---raDilidade a enchentes (S. Brown 1964: 3 ,e Lagos tornou~seno s!culo XIX, urn emp6rio de escravos e pnmelra troper-

tancla ..\ ~__=r'--- o comercio com 0 Brasil

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110 MANUELA CARNEIRO DA CUNHA NEGROS,ESTRA.NGEIROS >II

Enquanto decala 0 usa industrial do azeite.de.dende,cutro derivado dessa palmeira passava a sec largamente utili.zado: era 0 61eodo car~o do den de, extraido da amendoa dococo, e nlo do pericarpo, como 0 a.zcitc. Usado tamb6m nosabia, 0 61eodo caroca do dende foi sobretudo aproveitado Da

Alemanha, a partir dos anos 70, para 0 fabrico de margarina.Usava.se tambem 0 residua para a cacao de gado CA.G. Hop-kins 964: 16ss., 83.87).

Os lucros do cometclo de escravos cram, apesar dos altosprecos dos 61eosem 1840 e 1850, muito maiores do que 0 docomercio apelidado DB epoca de "inocente". 0 comercio deazeite-de.dende. Avaliou.seem 500 a 10000/0 as lucros reais donegreiro da costa african a (a partir de dados em C. W. New-bu ,1961:38 n.3 '

ao e, pois, de admirarque 0 comercio de az.eite-de-dende~getasse enquanto durou a trafi~g:-Por vol a e , urn

(5) 0 depolmento de um nei"'lro dianle do Select Committee on The SI.veTrade (Puiiamenlary P.pers 1&47-1848, yol. XXIl, i "32" u.) eli um' propo~lomuito m.lor .ind&: os e$<;r'VOlno perlodo de 1838.13-48 eompuv.m-se n' co'u d.Afrk. por um' qu.nli. que I. de 3. 8libru. 'Cndo 5 Iibru urn. mMi. r.wlvel, eer.m vcndidos n. eost&bruileira por urn' mMl. de 70 Iibru_ D.dcx m.iI ruls uo'omeci~ pclo e~nsul britlnko n' Bahi., com p~os n&Bahi. em lomo de -48Librupor homem e 4S libru p.r. mulhe~s (Porter a Palrnerston, Bahia. 31 de:/:. 1850,P.rli.mentary P.pers 1851, yol. LVI, P.n II, p. 46S1.

C.1eul.-'C que, • p'rlir de 1830, &$ eondi~llcs do, navies negreiros pior.r.mmuilo; • usas .!turu. 0 trilieo .cim. do Equ.ador estlv. proibido e IK n.vios. sujei.tos. c'ptlJr. pel. etqu.dr. brit1nic.\. Os fl&viosncgrciros que i.m 1 COila do Benimdimlnul.m suu provis.6es e 'au. potivcl par. did.n;.r JCUIpr0p6sltos e .ument&-v.m .0 miximo 0 eanes.mento do cscr'VDl. A morta1id.de de cscr.vos n. tr.veuiateri. nctt& ipoc. 'ument.do par. 24"" (Puli.mentaty P.pen 1847-1&48, XXII.A~ndicc, p, "65).

A e'ptura de navicx ncgn:ir'05 fuia lmedl.tamente ,ubir 01 p~OI, enquantomuit& oluta 01 lu.I. biliu (depoimCQ,toCOlll&DdaDtcHoan:, 1.6.18-48, p.r1lamen-tary P'pers 1847.1848, XXV, e J. C, We:shrt'ooda Palmenton, Rio de Jl.Ildro, 17 fcy.1848, PuUa.meol&ty P.pen 18017:.1848,XXII, p. 675). EucI mcc.nitmOl campen,,-Yam alobalnlente as perdas &CUf'CLt.dupelo aprnionamell.to dos fl&rias, 0 qutl COA.rmna q\U: l)$ lucros wilm cl&ordcm do 700"', nla fO&5em&I tuu &l1&.D.dcl1riusabre tlICravOle 0 p~o de tra.n.sportO.AI'tuu &If• .odeauw tr&m &lt1uirau, de15". $Obrequ&lquer c.r.port~lo pari. Costa d'Alrica (F. G. M&rtin.s, 1851, Falla doPresldenle da. Provincia da Bahla, p. 31). Pu •• lm~lo, UPIdado de 1&48re-sistra que 0 """gameoto de qu.atro emb~6r4 (duu aa1du e dUal bruildru) DOvakw de "7:049$900 rcJldeu 16:175$970, au aeja,.eerea de 3-4"" de dircitoJ pqoJ (M.Malalhles, 1&48,Fl11ado President( da PfOYIncLad&Bahia).

A rlqueu ~ lIe~iro" II' Afrka. OOPIOno BrUu, era l.bu.lou. No Rio deJl.Ilel.ro, um .oegrein'! pub1leamenle I'CCOQbcceuum lucro de "rca de 150.000 librueslerl!n.u par. 0 .110de 18« (Hesketh e Grill. Rio de Janeiro, 21 mu. 1845, n~ 10,FO Confidential PrinrJ, n~316).

\

lobby de negociantes e abolicionistas ingleses passa a pressio-DalseU govemopara que ap6ie 0 comercio Uinocente", forean.do os potentados locais a assinarem tratados em que se compro-rnetem a renunciar ao trafico de escravos e a promover 0 cul-tivo e 0 comercio de dende. Essa politica sofre varios percal-COS, como a malfadada expedi~~o do Niger em 1841, que suobiu a confluSncia dos rios Benue e Niger para fun dar uma fa.unda.modelo e pregar as virtudes da produ~a.o agricola parao Mercado e na qual morreram, provavelmente de malaria,quase todos os expedicion~rios europells-U-.G.a.l.luhc.r. 1950,e C. C. Ifemesia, 19621JSej; como for, a interven~iio em La-

O'S'rnrtafii'S'nte umdos resultados dessa politica, que preco-nizava a substitui~lio do comercio dos escravos pelo de dendc,na cren~a de que se impediria urn colapso da economia local,abrir-se-iam novos mercados para os produtos industriais e sefariam fluir os 61eos industriais para a costa e dai para a in-dustria europeia. Oessa maneira seriam satisfeitas, de uma s6vez.,os industriais, os comerciantes e os antiescravistas brita~_nieos.

Iguns reis e chefes africanos entraram no novo comer.cio: 0 rei do Daome, Guez.o, comeeou em 1841 a empregarescravos em plantal;Oes de dende. J.i se observou, a esse pro-pasito, que paradoxalmente a produc;lio de dendc aumentou ademanda intema de escravos (A. G. Hopkins, 1968. e C. Fyfe,1974: 47),. Os negreiros brasileiros, ap6s uma relutancia ini-cial, acabaram por incorporar 0 comercio de azeite-de-dendeas suas atividades. entendendo.se como "complementar" aode escravos.' Alguns tornam-se ate produtores, promovendoplant~Oes em suas propriedades rurais. Mas a grosso de suasatividades ainda e 0 comercio de escravos (A. Laffite, 1864:71; D. Ross, 1965:81.82)",. • -

if1850, passa no Brasil a lei Euzebio de Queiroz., queextingue 0 trMico para qualquer latitude. Passa sob forte coa-

(6) M~mo Itm LaIOS, ,ubmetida que cr. dcsde IllS! an controle ingles, osproprietirios do lenu '" podl&m rccornr I trabalbo escr.vo, poli. como rcconhec:i.oc6nsul, "Nenbum n.tivo livre &luIU.SC.t par. tr.b&lb.r nl IjTicultura" (C.mpbellaCluendoD, 18ln, 1856, FO &4/1002). Na relllid.de, at! a cri~lo, no lim do, .nosSO, do "Ubcr.ted African Yard", constitutdo de cscravos for.gidos do interior queb~v&lll a Iibcrdade elll Lagos, nlo uittb, tr •.bllho uuJariado 00 proletor.do.

(7) Nas C&J1Ucnmerdais do "Aifaiale" pubUcadu por Verier, II primclurncn~loao envio de lUite-de-dendC dat.1.de 1846(P. Verger. 1953; 69),

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111 MANUELA CARNEIRO DA CUNHA NEGROS, ESTRANGE!ROS II)

~iio inglesa (L. Betllell, 1970). Palmerston tinha a conviccaode que era preciso, para acabar com 0 trafico. suprimir aomesmo tempo as mercados que exportavam e as que importa-yam escravos. Niio e, pais, por acaso que a lei de 1850 precedede pouco a intervencao britanica em Lagos.

Com a cessaciio do trMico para 0 Brasil. em 1850. muitesnegreiros van Afalenda. 0 tcalico para Cuba e para as estadossulistas americanos, que perdura ate as aDOS 60. ainda cr-mite breves esperancas de prosperidadifem ora as america.

-rrQSiirOmovam urn comerclo mteiramente controlado por elese que passa ao largo des intermediarios ja estabelecidos (D.Ross. 1965). A decada de 60 assiste a derrocada final do co-mercia ne feiro.

m Lagos, desde 0 inicio de 1852, cessara 0 comercionegreiro. Pensou-se no Brasil que era chegado 0 fim do corner-cio tOllt COllrt com a Africa, pois "fieando no que e !icito (estecomercio) reduz-se a muito pouea coisa ...•• (F. G. Martins,1851, Falla do Presidente da Provincia da Bahia: 36). 0 presi-dente da provincia da Bahia pede a redu~Aoda pesada taxa de150/0 que reeaia sobre os produtos exportados para a Costad' Africa para tentar salvaguardar urn resto de exporta~~s,(F. G. Martins, 1850: 49, e 1851, Falla do Presidente da Pro-vincia da Bahia, p. 31.)

Na rea I a e, 0 comercio nilo cessa. 0 fumo baiano e aaguardente de eana tern urn mercado solidamente estabele-cido na Costa. As estatistieas eontidas nas "FaUas do Presi.dente da Provincia da Bahia" nem sempre fornecem numerose1aros. Em alguns aDOS,e dificil avaliar as exporta~Oes porquealem da rubrica "Costa d'Africa" para a qual hi exportac;O<:ssignifieativas da Bahia, tambem figurarn as possessO<:single-sas em geral.

uan 0 s ImportaC;Oesoa Bahia provindas da "AfricaNegricia", rubrica que exclUl as possessOes portuguesas oaAfrica, as "Fallas" dAo algumas indica~Oes ('o'erTabela 4); asimportac;Oes provem principalmente da GrA-Bretanha, que eresponsavel por rnais de 60% do total. Vern a seguir. em posi-c;Oesmais ou menos equivalentes, a Franc;a, Portugal, e ascidades hanseaticas. Em urn terceiro grupo, os EUA, Rio da

"""Prata, Estados Sardos e Estados Austriacos. Nos melhoresanos, as importac;Oes da Africa situam.se neste tereeiro grupo,que inc1ui a BeIgica, Espanha, Holanda, Dinamarca, Suecia e

\

Ii.'"IiII:,

\.

Noruega. Na decada de 1850, as importa~(jes da Africa si-tuam-se por volta de 1,4010 do total, decaindo nas decadasseguintes.

•.•.•._~ -~'-~I._H ,_. "''''<h. Po-r.nI'g.-n<h"'- -_ ... imt>on.r60.d. . _.__..r6e.~..lh.u~~-~-- '.AI~N~~ : deG"-B",,"nhe

185Hi2 liIS:047fM " 14.01:14,202$811 1,4",

00."".., 2lllI:114tIDro " I 1J.1!l:l7:","56ll 1.4", ".I,..••. lQ,aw- 11~ 12.036:1S.2I!o01l 1.1,. , Q',•...•. n."""" .' 12_t;11HI97~7 2.4,. ".,- 2111:11041548 " I 1J.•''Il,42!>f<:8S 1.2" ".,...., al:VNDI '" ,,~~X1f;W9U35 " 11I_t.zJ;:J7&t092 ! 1,5" •••,..... :121:-.&25 .' 111.2117,~7UOl-2 1.1'l4o •••,...., 151:1nf425 " 17.171:2ll2$Q7 0.'" •••m, 165:711Ml$ " 11.221;002$<015 0.'" •••1112.13 1l:8:USl110 '" 22.13J,217t\oolJ O,~,. •••

Aos pOlleOS,portanto. depois do fim do trafico, reestru.turou-se 0 comereio entre Lagos e 0 Brasil, destin ado a durarainda uns quarenta e poueos anos. Foi urn comercio marginal,sem duvida, curioso em muitos aspectos, e ate hoje POllCOestudado.

Para sc ter uma idt':ia do volume das transac;oes entre La-gos e a Brasil, usaremos as eifras dadas pela serie dos BlueBooks, publicac(jes afieiais da Colonia. Notoriamente duvido-sas, por serem "baseadas em rendas alfandegarias anotadaspar repartic;iX:s sabidamente poueo confiaveis e ainda assim56 nos partos oficiais", alem de usarem metodos ecletieospara calcular as valores envolvidos (C. Newbury, 1969: 76),estas cifnts tern pelo menos a merito de dar uma idt':ia dasquantias.

Embora significativas, estas quantias represcntavam, em1880, apenas 5,5% do comereio-total de Lagos, decrescendoprogressivamente ate ehcgar a menos de 1% apos 1891 (A. G.Hopkins, 1964: 34).

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'14 MANUELA CARNEIRO DA CUl'ffiA

TABELA 5

NEGROS. ESTkANGEJROS

lmporta~

Jmport/J~6"s ~ Lagos ExpcJm~ deUgDsAnos vindu do Brasil paraD 8,w

1£' 1£'

1851 00 000' -1869 29526 94381870 36 026 37621811 17135 '4 179IBn 19249 -11m " 727 104751818 31 436 134491819 28746 20 2181800 31 500 '" 579188' Z1 177 14 8S61882 16810 "'W1883 16719 60831664 16818 139671685 19 2:l6 107641886 17761 64541688 9483 62371689 10569 •• 3161904 2775 507

III Est. cif'a, muito improv:tvel. II " tinica que nAo provem dos BIIHlBoob, II lim do livro do aventureiro II futuro c6nsul sardo Scala, que chegoudBGenova etra. da Bahia, em 1852IG. Scala, 1862: 1981.Fonte: 81utl8ook$ for LBgOS Colony.

TABELA6

Imporrap665 Gri-Sr"UrtM AJerrJIJnM Fr8n~ BnsilproviMhsde (£, 1£ I 1£' 1£1

1869 290.622 34,183 25.163 29,526Media de'8n.1886 282,996 113,840 "',256 23,697

Font,,: Blue Books for bgo.s Co/Oftl/.

,Na decada de 1877 a 1886, 0 Brasil figurava. no entanto,

em 'terCeiro lugar nas importacOes feitas por Lagos, distanteda Grl~Bretanha e da Alemanha. mas a {rente da Fran~a.cujo comercio se concentrou no Senegal.

As importaCOes vindas do Brasil concentraram-se durantealgum tempo nas mercadorias tradicionais (aguardente efumo) e alguns texteis. Mas tanto a fumo quanto sobretudo aaguardente perderam rapidamente terreno (ver Tabela 7). AAlemanha {oiaumentando regularmente a parte que Ihe cabiano fornecimento de aguardente. que ela tinha eondi~<x:s deofereeer harata. Em 1902. 0 Brasil exportou para Lagos ape-nas 6389 galOu de aguardente. au seja, eerea de 100;0 do queexportav. em 1869 (63857 gal1>es)(C. A. Birtwistle. 1906,"Report on the Trade for the Colony of the Colony of Lagosfor the Year 1905". e Blue Books. 1869). Enquanto isso, aInglaterra ultrapassava 0 Brasil 00 {ornecimento do fumo. apartir dos aoos 80. e aparentemente fe-to baixar de pre~o. em1869, apesar de mais caro 0 tabaeo brasileiro ainda e 0 maiseonsumido.' Aparentemente, 0 fwno de rolo da Bahia conser-vou durante muito tempo a preferencia tradicional de que go-lava desde a epoca do trafico (P. Verger, 1966). ---.

Quanto aos artigos de algodAo, en quanta em 1869 0 Bra.sil ainda exportava alguns tecidos para Lagos, em 1888 essecomercio praticamente desaparece. Alguns tecidos eram pro.vavelmente feitos na Bahia, que desde 1849, pelo menos. jatinha duas fibricas de tecidos grossos e em 1874 contava comsete ufibricas de tecer" (C. Machado, 1874. Falla do Presi-dente da Provincia da Bahia: 222-225, e 1. A. F. Henriques,1 l1a do Presidente da Pro' cia da Bahia, 131: 135).

guns outros artigos, talS como a carne-seca e urn certo IP-de sapato ou alpargata, que tinha grande popularidade, eram

ortados exc1usivamente do Brasil (Lago~Standard, 27.8.1902). -

(8) A aJeg~1o de que 0 rum norte.americano e 0 tabaeo da. ViTginia teriamsuplaata.do. pot volta.de 1850. os produlos bruileiros (G. Brooks, 1970: 258) pa.re«-me problelllitia. pais os EUA, Oall dkadas seguintes. nlo tern urn com~n~iosignifi-.:.ti"o dc:ucs produlos com Lagos.

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116 MANUElA CARNEIRO DA CUNHA lIo'EGROS, ESTRANGEIROS 117

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Embora 0 grosso das importac3es brasileira para Lagosconsistisse de aguardente e tabaco, aparece sempre grandevariedade de artigos em pequenas quantidades. Correspondiaa uma porcentagem do total das importa~6es. que ia de 10%em 1869 •• 60'1, em 1880 e 3S'lo em 1888 (Blue Boob). A lislade importa~s para 1888da uma ideia da variedade dessesprodutos.

TABELA8lmportacoos para lagos do Brasil em 1888

Produtos Ouantidades Vaiorl!.l

Cervejas 4 duzias 2Conts. de colar 17kg 17Matoriais de constru-;Ao lkg 3Carruagens 2 9Produloa qulmicos 8 remlldios ]kg 12Charutos '75S0 12'Rel6gios 'kg 7Tecidosde~lgodao 5kg 6Cutelaria lkg 1Lou", 11 kg ,.M"""" 6 •Anno. 7 ,Arrnarinhos . 18 kg 51Fenagens 15 kg ZJMaquinllOo 8 28Instrumentos musicals 1 kg (sic) 1Umpadas. lintas, mAquinas, etc. l1kg 3Perfumes 12 kg ,Piche e alcatrAo lkg ,Po••••• 6kg SMantimentos 10 kg 1.004Aguardente de cana 25 S37 galoos 2.314Uvros. artigos de papelaria. etc. 2 ,~\lC8r mascavo 15kg 19Tabaco 303 328 libras 6.148Rou"" 11 kg 34V",hos B3 gal6es 26

Fonte: Blue Book for Lsgos Colony. 188fl.

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118 MANUELA CARNEIRO DA CUNHA !'lEGROS, ESTRAfliGEI ROS 1I9•

mobilia, lou~a. talheres e ate carruagens. Em 1898 ainda, urncomerciante hrasileiro em Lagos anunciava, ao lado de vmascarroagens europeias, uma carruagem brasileira (lAgos Stan'dard. 13.4.1698). As comidas, carne do sert!e e hacalhau so~bretudo, serviam para urna culinaria dita brasiIeira, que de-pais s..:popularizou em lagos, oode os brasiIeiros cram vistascomo uma burguesia requintada. Este sucesso da arquiteturae da culinaria brasileira (ver Marianna Carneiro da Cunha,1985) permitiu provavelmente uma ampliac~o do mercadopara produtos brasileiros.

Exporta~es

o Brasil, a partir do tim do tnUico, passou a importarmenos do que exportava para Lagos. Mas as suas importa~scram de natureza peculiar. Apesar de ser urn comercio ultra-marino, seguia padr6es semelhantes aos do comercio intra-africano, tal como 0 que Lagos mantinha com a Costa do Mar-lim erra leoa e 0 Niger.

o Bras! tmportava uma quantidade de azeite-de-dende,diminuta em relac;lo aos paises industriais, que 0 usavamcomo lubrificante e combustivel, mas grande demais para 0usa que dele se fazia na cozinha baiana. A lalta de maioresinformac;;Oes,pode-se supor que servia de lastro para os naviosque retornavam da Africa e que seria eventualmente reexpor-tado.

Mas 0 Bra.sil era tambem 0 maior importador de umavasta gama de produtos, oode predominavam as nozes de colae as panos da Costa, mas onde liguravam tam bern 0 sabIa daCosta, cabac;as, palhas da Costa

s panos a os a, eCI os em teares. manuais nas dda •.des do interior da atuatNigeria, eram exportados desde pelomenos 0 fim do seculo XVIII para a Bahia (L. Vilhena, 1969(1802): 59). Eram muito apredados na Bahia, como aliis noresto da Africa Oeidental, durante todo 0 sCeuio XIX' (1. We-

(9) A u~io de PI.JIOScia Costa, WlDente •. partir de ueQS.,en em 1&57 enovamente em 1859, da ordcm de 50000; $CSCIconwse.m 0:IiOOU05 porto! de embu-que, IICrWn 130000 (Campbell, uaGS, 1: fev. 1MB; FO 84/1061, e Report by ConsulBrand on the Trade of Lagos for the Year 1859, PRO, Qmfid.mliaJ Pri,,1J 3261).

,i

I

TABELA9~Gesd8l.aoosparao Brasilnoanode 1889

Produtos Quantidade$ Va/od!l

Conus de coIar - 1c._ - B6Tecidos de algodJo - '0Panos da Costa - HJ6Armannhos - 4Nozes de cola - 1.107Azeite-de-dend6 55503 2.842Mantimantos - 42Manteiga de cantil - 2fl3•• hIo - 318Palha otJ fibt"a - 97

Font"; B/ue Book, 1889.

therell, 1860: 72). Figuram nos testamentos de eseravos tiber-tos, entre as bens mais preciosos, 1.0 lado da prataria e as irna-gens de talha (M. I. Cortes de Oliveira, 1979: passim). Em1888, os panos da Costa sobrepujavam a azeite-de-dende nasexportac;Oespara 0 Brasil (f. 3.367 contra f. 2.600)(Blue Book,1888, os panos da Costa sobrepujavam 0 azeite-de-dendS nasda regilo iorubi e auc;i ... s10 vendidos facilmente aos africa-nos no Brasil, dada a sua durabilidade e provave1rnente, tam-bern, dadas as rerniniscencias que evocam de sua pUrla .....(Campbell a Clarendon, FO 84/1031).

Na verdade, as importac;;Oesda Bahia eram motivadas porvalores etnicos e religiosos, estes. sustentando, alias, aqueles.A religia.o dos orixis foi urn sustenta.eulo poderoso da iden-tidade primeiro nago, depois afrieana, no Brasil. Pareeeriaque 010 houve, senlo em ultimo C3S0, substituic;10 dos ingre-dientes rituals dos cultos por equivalentes brasileiros. PeI0contrmo. os objetos africanos, desde os rnais seeulares, pelasua mera origem parecem ter adquirido urna virtude que osqualificava para 0 colto (ver, por exemplo, Beatm G. Dantas,1982).

Dos dais lades ,do Atlantico, valores etnieos - africanosau brasilerros - abriram novos mereados. Urn exempla par-

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110 MANUELA CARNEIRO DA CUNHA !'fEGROS. ESTRANGEIROS 121

ticulannente ilustrativo e 0 da culinana. A cozioba ioruba naBahia acabou substituindo pelo leite de coco a semente deegusi africana. que tinha de ser importada. 0 leite de coco foi,portanto. urn substitute. No cntanta, os brasileiros de Lagosinsistiam no seu usa para os pratos baianos, 0 que aponta umavel mais para a arbitrariedade des valores etnicos, e para suafun~10 primaria, que e a expressao da diferenca.

o comercio "inocente".-----_ ..-

r--0 comercio com 0 Brasil p6s-1850 parece ter-se acoma.dado nos moldesjA preparados pele tratico negreiro, a sombrado qual havia leita seus primeiros passos. E 0 que se de-preende, por exempl0, das carUs de urn negociante brasileirode Ajudi, escrita em dais penodos. antes e depois do flm doI tnllito. e publicadas por Verger (l953); as negociantes consig-

! narn earregamentos a bordo de veleiros,ou eventualmente asI fretam. A earga e entregue a urn ou varios correspondent~sr eomerciais na Bahia, que se enearregam de a vender, e aposI reterem sua eomissilo remetem 0 produto. geralmente em

fumo e aguardente. Se par alguma conjuntura particular 0mereado africano se eneontra saturado destas mereadonas, aremessa podeni ser feita em moeda, on~as mexieanas, do.brlles amerieanos, d61ares espanh6is, que 56 serlo retiradosde eirculal;io em Lagos em 1880. r _

Este Clrculto camp eoeo-qUe permite os maiores lueros,pois se beneficia das exporta~s e <las importacOts. Mas ne-cessita de urn capital de giro importante_ Isto se explica ape-nas em parte pela necessidade de arear com as flutua<;Oesdomercado internacional para as produtos africanos; talvez maisdecisivo e a extenso sistema de crectito que tradicionaImentevigorava na Costa desde a epoca do tranco negreiro (C. W.Newbury. 1972). Na ausenda de qualquerinstituil;lo bancmae diante da pequena disponibilidade de capital na regilo,eompetia aos grandes negociantes nao s6 manterern estoquesimportantes, mas financia-Ios sabre longos prazos aos seusvarejistas ressarcindo-se s6 quando estes acabassem de ven-der as m;rcadorias ou voltassern com as produtos do interior(A. Hopkins, 1964: 48-49).

(I

I

Do lado baiano. tambem nao ha intennediacao algumade bancos. 0 credito e a confian<;a pessoal sao a base do sis-tema. 0 correspondente comercial oa Bahia tera de honrar astetras promiss6rias passadas pela negcciante que compra partede carregamentos de navias que aportam na Africa (c. New-bury, 1972: 84), prover a parte da familia que esta em Sal-vador. as filhos que la v~o sc educar ou casar, as velhas maesque ficaram. T~ni de comprar e enviar artigos de uso pessoal.Par seu lado, 0 negcciante na Africa serve de corretor na com-praprimeiro deescravos. depois de azeite-de-dende e panos daCosta. por cllcomenda da Bahia (P. Verger, 1953: passim).

Ate 0 fim da decada de 80, a preferencia em Lagos erapor urn sistema de aviamento e de escambo no qual circuJavamuito POllCO dinheiro. 0 prCl;ooferecido pelos grandes nego-ciantcs pelos produtos de exportaCa.o era menor se fosse pagoem dinheiro, pois contava.se com 0 lucro tambem nas merca-donas. AMm disso, havia uma falta cronica de moeda (A.Hopkins. 1964: 54). A moeda tradicional era 0 cauri. umaconcha imporlada da India e da Africa Oriental, que, por seupequeno valor unilArio, tinha a vantagemde permitir peque-nas transacOes. 40, cauris formavam uma corda; SO cordas,uma cab~a; 10 cabCl;as, uma saca. 0 cambia fia decada de 50era tal que duas cabecas de cauris correspondiam a urn d6larespanhol au POllCO mais de 8 shillings ingleses, decaindo rapi-damente ao longo das decadas seguintes. Em quarcnta anos(1850.1890) 0 cauri desvalorizou-se em 901110(W. H. Clarke,1972 (1854-58): 268: S. Johnson, 1921: 118: A. Hopkins,1964: 170-178). Se favorecia a intensa atividade comercial dospequenos mercados regionais, em compensacao, a cauri erainadequado para grandes quantias: para carregar uma somade cinco d6lares, que na deeada de SOera equivalente a umasaca de cauris, era necessario urn homem (W. H. Clarke,1972: 268); 20 sacas ou 100 d61ares espanh6is pesavam umatonelada (A. Hopkins. '1964: 172). Para con tar gran des quan-tias de cauos levavam-se varios was. As moedas estrangeiras e

\ em particular 0 peso ou d6lar espanhol. moeda de prata intro.\ duzida desde 0 tim do seeulo XVII pelos negreiros, serviam

para as transac6es maiores, e tinham a vantagem adicionalsobre a cauri de terem circulaCao internacional.

Em 1880. 0 governo britanico decidiu desmonetizar todasas moedas estrangeiras em circula~aa, estabelecendo a libra

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122 MANUElA CARNEIRO DA CUNHA NEGROS. ESTRANGEIROS I2J

Nav;os NaviosBnvsndo $Bindo

An., emL.gos Tone/aDem deL.gos Tonelagemvindos para

do 8rbsil o Brasil

1869 13 2756 3 3971870 17 2872" 3 53B1871 10 1 96ll 3 441

Fontfl; B/ufl Books, 1869. 1870. 1871.

TABELA 10

se comparando 80 cornercio de exportaCao de panos da Costae importa.cio de Dazes de cola feito com Serra Leoa, mas en-vo1vendocifras muito menores (ver A. Hopkins, 1964: 39). Oscontatos comerciais dos brasileiros de Lagos com a Bahia fa-ram cuidadosamente mantidos, e os Degociantes faziarn fre-qDeotemeote a travessia do Atlantico ,lara reatid.10. Muitasvezes usavam-se puentes que haviarn licado na Bahia comoagentes comerciais. Candido da Rocha, uma das grandes for-tunas de Lagos no fim do secu10 passado, vinha regularmentecada dais ou tres aDOSa Bahia, e seu tio, que morava oa Ba.hia, ia ve-Io em Lagos (entrevista de Angelica Thomas e deAlexandre M. da Rocha a Marianno C. da Cunha, Lagos, fev.1975). Nina Rodrigues menciona visitas desses negociantes aBahia no lim do seculo (N. Rodrigues, 1976).

Todo 0 comercio com 0 Brasil, que envoIvia tambem Per-ambuco e 0 Rio de Janeiro, era feito atraves do porto de Sal-

vador. Muitos dos navios de maior ealado que vinham da Ba-hia para lagos oao voltavam diretamente para Salvador maslevavam carregamentos de az.eite-de-dende para outros portos.o que se explica, visto que as importacOes do Brasil para La-gos sobrepujavarn as exportac6es. 0 Davia Maria Helena, porexemplo, vindo da Bahia, ap6s. aportar em Ajuda, chega aLagos a 28 de setembro de 1863 e volta a 4 de outubro para aBahia. Volta a Lagos a 11 de novemhro de 1864 e segue a 28de dezembro para Londres (The Anglo.African, 10.10.1863,12.11.1864,31.12.1864). Quanto ao azeite-de.dende que iapara a Bahia, possivelmente seria, como vimos, em parte reex-portado. Esse sistema fica patentc no nu~ero de navios queazern 0 percurso.

E.verdade que os numeros acima nao refletem com exa-tidlio 0 volume do comercio, ja que outros portos, como Aju-

~I,

ingiesa como moeda uniea em suas col&nias da Africa Oci-dental (A. G. Hopkins. 1964: 18655.). As moodas brasileiras,sobretudo os patacOes de prata e alguns soberanos de ouroque tamb~m tinham curso em Lagos, foram resgatadas e reti-radas de circulacilo. 0 peculio que os libertos traziam era,com efeita, composto tanto de d6lares espanh6is ou pesosquanto de mooda brasileira (The Lagos Times. 10.11.1880).Urn dos resultados, alcm do caos inicial. foi orecrudescimcntodo problema da falta de moedas na Calania. Na verdade, aspesos continuaram em circula~ao durante cerea de dez anos,desaparecendo em seguida, senda os brasileiros os ultimos ausa-los (Denton a Ripon. 7 jun. 1983. CO 147/90. e Carter aRipon, 1 mar. 1894, CO 147/94. apud A. Hopkins. 1964:190).

.- Ate 1887. quando foi eriada urna caua economica afidaI,n!o havia bancos em Lagos. Os bancos comerciais so se im-plantaram realmente na deeada de 90. Ate 0 tim do seculo,

r

portanto, cram as grandes negociantes que emprestavam di-nherro ajuTOsaltissimos (A. G. Hopkins, 1964: 199ss.). Havia,mas aparentemente funcionava mais a wve1 dos mercados re-gionais, a tradicional instituic30 de credito sem juras, 0 e.susu

\

(W. Bascom, 1952), especie de cons6rcio em que se reuniamas economias e sorteava-se quem disporia sucessivamente dodinheiro.

As grandes casas exportadoras abasteciam-se de duasmaneiras distintas: atraves de representantes que compravamnos mercados da laguna e atraves de uma rede independentede intermediarios africanos. Existiam tambem, desde 0 tempodos negreiros, as "donos de barracio" (barracoon era 0 termoingles, derivado do portugues) que compravam dos pequenoscomerciantes, annazenavam e preparavam 0 produto paracxport~30. Esses ba"acooners cram o~ agentes das firmas erecebiam freqfi.entemente adiantamentos em bens manufatu-rados - e oeste caso confundiam.se com os representantes -ou cram corretores independentes. Os pequcnos cornerciantesvendiam tambem diretamente As grandes furnas. Estu ti-nham seja suas matrizes seja corretores nos mercados ingleses,e seus contatos comerciais oa Europa davam.llie vantagemsabre os exportadores africanos (A. Hopkins, 1964: 61ss.).Essa vantagem se invertia a favor dos africanos no comerciocom 0 Brasil, que foi ~sim atipico dentro do padr30 geral, 56

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'24 MANlJEI..A CARNEJRO DA CUNHA NEGROS, ESTRANGEIROS

da. Porto Novo e Badagrl, serviam como entrepostos paraencaminhar 0 nuxa do com~Tciopara Lagos, e cram ocasio-nalmente preferidos por diferen~as tarifmas.10 Mas as "Fa]-las des Presidentes da Provincia da Bahia" forneeem cifrassemelhantes, que dizem respeito, porem, a Costa d' Africacomo urn todD.

Os brasileiros de Lagos conseguiram. portanto. controlarem grande parte 0fomercio com a Bahia. 0 mais bem-suce~dido entre os grandes negociantes loi Manoc! Joaquim deSant' Anna, que operava em Lagos e em Porto Novo. Sant'Anna possula urn vapor na laguna (Lagos Time3, 26.7.1882, eA. Hopkins, 1964: 56) e urn navia a vapor, 0 SS Olinda, em.pregado no comercio do Niger (The EAgle and lAgos en'tic.10.7.1886 e 13.11.1886). Mas sobretudo, Saut'Anna possuianavios a vela que faziam a linha Lagos-Salvador (A. Hopkins,1964: 2ss.). Tetia sido 0 ultimo a manter essa ligaclio de modoregular (Lagos Srandord, 17.4.1895e 19.2.1896). HI. lambemuma menl;Aocuriosa a urn grupo de descendenles de aCricanosno Brasil que teriarn comprado 0 palacho AUianl;a para co-

TABELA 11

-"An<>, EmbBIClJ~ ptOcedlJnres EtnblJrc.~~s com

da AfriclJ destillO~ Atrica

"'67 13 23

'''''' • 15

''''0 • 21

''''' 9 ,.1892 3

Fonte; Falin dos Prtlsidentes dl1 ProvfncNJJ d# Bahill, "Ouadro das embarClJ-r;Oes su;eitas a visita da Pollda •. :'.

(JO) Em 1864, e IUliI tarde em 1813, 0 lO"emadol" de ueos tenta scm hitoevitar ° de$oembuque de rnera.doriu till Porto NO\'O,oode os fr&JlCCSC$Il10 tobrl'wam lmPOSlcK (Glover Plpen ~ I, Gmer ao Duque de Newcastle. Ug05. 9.7.1863; BII4" Boo•., 1873: lW. Para tanto. CQDOeCIetarifas ~uzl.das 15 mercadoriu"em tr&nlito~ de Lagos PUI Porto Ncrto , faz...Jer • ~u.~. lIuc cdstia Dll'iUD', no5 a.rredor'C5dcsta cidade (Glovu. Cardwell. 2.5.1665; Bfu,. Book, 1864:27). ApCI'Udas mc1J1om;COD~ do porto de Lap , da sua loc~1o pririle-eiad&pan. ocomUdo eom 0 i.Dterior,06 altollilmpostm mtiD&dos I JusteDW tod&I

.dministr~1o brit1nica na ColOniaaNi1=DtaWlmas l.m~. Com 0 bioquelo ~CO$l&daomt&D', em l877, as im~ C'tDtr&lizam'Uem 1.qOl, temporana-meDk. 56 com a partkip~lo da Africa, ap6s. Cc:Jnfctinc:iade BcrIim, ~ que OJ m-glesn C'OOUfU",me!",tiumtnu coatrolu 0 cora&rio d& rerl10 ionIbL

merciar com a Africa (Lagos Standard. 19.2.1896). Outrosnegociantes, como loaquim Branco e Walter Siffre, eventual-mente fretavam navios (Lagos Standard, 19.2.1896 e A. Hop-kins, 1964: 36). Mas a maioria dos que negociavam com 0

Brasil faziam-no em proporc;Oes mais modestas, consignandoalgumas mercadorias a seus correspondentes na Bahia.

Encontcamos em Oshogbo. com 0 sr. Cosmos Anthonio(5.5.1975), cartas comerciais do lim do seculo passado que es.clarecem os mecanisrnos desse comercio. Uma comercianlebrasileira, de origem ijexa, estabelecida em Lagos, FelicidadeMaria de Sant'Anna, consigna a urn certo Luciano Chrispimda Silva, na Bahia, as seguintes mercadorias: sab~o da Costa,nozes de cola, panos da Costa, cuias e laguidibas (ciotos decontas dedicados ao orid. Nana Buruku e a seu filho Oba-luaye). 0 consignatario paga 0 frete, os "direHos e despacho"(que slio exorbitantes) e as despesas de desembarque. retirauma comissAo de 5% e compra com isso fumo, que pretenderemeter A.sua correspondente. A primeira rernessa de Lagosdata de fins de 1895, 0 patacho chega a Salvador em abril de1896 e 0 consignatano presta centas de sua venda em julho de1897. Dois anos depois ainda n~o conseguiu man dar 0 furnapara Lagos por nlio conseguir lransporte: 0 navio em que deviaseguir a mercadoria aeha-se abarrotade; na verdade, toda asua carga estava consignada a um grande negociante brasi.leiro de Lagos, Walter P. Siffre (Lagos Standard. 4.12.1895).

Documento 1

eoota de venda dos generos abaixo anotados que de Lagos meconsignou a Snr!' Felicidade M!' Sanl' Anna pelo patachoBrazo Allian~a entrado em 5 de abril de 1896.

\ 1 Banica sablo pezdo90 };:°s 1,800 162.000I 1 Barril df> 4Okos 1,800 72.000,, 1 Caixlo 4500 koUas mou:ho 3,000 135,000;

\ 24 pannas 9.000 216.00030 euias 2,500 105.000I 10 dis 2,500 25.000

I

I 5 d.s 1,800 9.000724.000,

45 fias laguidibas 36.000I Total 760,000

i

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126 MANUElA CARNEIRO DA CUNHA NEGROS. ESTRANGEIROS 127

Vapoles e veleilos

Os documentos acima apontam para 0 problema crucialdo com~rcio de Lagos para 0 Brasil: 0 transporte. A Gr~.Bre-

Cc" Obc"Luciano C. da Silva II

(Vide IIC-dmUc n.aplginl 5C:gumte.)

574,908184,000

47,500486,48038,0004,000

Bahia, 15 de Julho de 1899.

Documcnto2

AdcduzirFreteecmbarqucDireito e despachoMa Comisslo5~oCanel.s

Par Allian~.S~ Fcliddade de S. AnnaLagosCaraSnr~

Bahia, 24 dcjulbo de 1897

Luciano C. d&Silva(assinatur.)

Tenho 0 que <levia embarcar remettendo-lhe 12 doze barrilcom fumo(arcos de ferro) parem ala foi posslvel em virtude dodicto nuio achar-se abarroLado scm poder reccbcr mais carga;o que deu dever' pennaneeer 20,72 dois mil e setenta e doisbarrizpromptos marcados ... em casa do Snr. Nilo (1) seguindo&.hivlo diversos passageiros que querendo our de verdade hlode confirmar 0 que acabo dc expressar.lhc. Scm mais por ora;sou com estima de Vm~.

(Vide f&c.dmilc Ila p'ginllnlerior.J

(11) NI~dadc. CSA nagel'll de 1889 do patacho AUianr;a loi utrernlmcnledr&mJ.b, Tcndo sido declll'&dI. quatenlcDI I bordo por suspeitl de Icbre &man:la,os pusagciros tiveram de deinr 0 nario. abandon Indo a bordo todos os KUS per-fences (Llp Stwlturd, 12.7.1899,30.8.1899, EntrevisLa de Sebastilo Nieholu.4.2.75, Pierre Verier, 1968). -

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MANUEL\. CARNEIRO DA CUNHA NEGROS, ESTRANGEIROS 129

i

i!

taoha, e depois dela, a Alemanha e a Franc;a comecaram adesenvolver, a partir dos anos 1850, linhas de vapores quetiveram importancia consideravel no desenvolrimento do co.mercio, pois pennitiam urn transporte mais nipido e mais ba-rato. Peto ultimo quartet do sCculo XIX, 5/6 da carga eratransportada por vapores (A. G. Hopkins, 1973: 149).

Em 1883, a National African Company Ltd., de Londres,experimenta oferecer seus servicos para frete e passageiroscom destino a Bahia e dati a outros portos brasileiros (LagosObserver, 22.11.1883). Em 1888, dA-se nova tentativa (LagosObserver, 24.3.1888), ja scm duvida em resposta a iniciativado govemador Moloney, que queria promover a imigrac;Ao deagricultores do Brasil. Moloney encorajou 0 estabeleeimentode uma'linha regular de vaporesligando Lagos a Bahia. Ap6sduas viagens em 1890 e 1891 e pesadas perdas, a experienciafoi abandonada. 0 nuxo de libertos com que Moloney eontavanlo haria vindo: a aboliCio da escravidao no Brasil, em 1888,eneontrou jA poucos africanos (as liltimos haviam entrada em1850) nlo necessariamente desejosos de irem para a Africa.Os que foram olio queriam ser agricultores. As passagens,alem disso, cram caras, e 0 goyemo britanico recusou-se asubsidiar a linha de vapores. Sem esse subsidio, a companhianao quis levu a experiencia adiante (A. G. Hopkins, 1964:37.39; P. Verger, 1968: 622ss.). as veleiros continuarama assegurar 0 transporte, levando de urn a tres meses numpercurso que os vapores faziam em duas semanas. Essa de.mora afctava os produtos pereciveis e n~o barateava 0 fretede forma suficientepara que a aguardente brasileira, que com.petia diretamente com a inglesa e sobretudo com a alema,obtivesse uma vantagem significativa (A. C. Moloney, 1889:270-271).

Em 1886, quando a Inglaterra implanta a comunicac;liotelegrAfica de Lagos com a Europa, conecta a linha com a"Eastern aod Brazilian Companies" (The Lagos Observer,1.5.1886, The Eagle and Lagos Critic, 11 e 25.9.1886), atravesdo cabo submarino brasileiro (Blue Book, 1886: 87.88). Semdlivida esta iniciativa tambem e frute da predi1ec;~oque 0 go-vernador Moloney mostrava pelos brasileiros. Mas nem as Ii.nhas telegrhficas nem as tentativas de se estabelecer a linha devapores evitam a lenta extinc~o dos lat;os comerciais com 0Brasil.

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Joaquim DevodCBranco, um&d&sgrudes fortuoas de Lagos.(Foto: FunDia Branco,)

Na rea1idade, 0 fracasso des vapores foi conseqQencia e010causa das limit~~s dessecomercio. Mas foramseu ca.rAter marginal e atfpico e a diversidade dos produtos cnvolvi-des que pennitiram aos "brasiJeiros" de Lagos se apropriaremcom 5UceSSOdeste comercio, scm terem de competir direta-mente com as grandes finnas europeias que dominavam la-gos.

a significativo que, em 1897, houvesse ainda, ao lado decinco dep6sitos de firmas de exportac10 e importaCl0 eura-peias, aita dep6sitos pertencentes a brasileiros: s6 loaquim F.Branco possuia tres, Fernandez & Co., P. F. Gomes, WalterP. Siffre e I.A. Campos, associado a urn saro, J. O. George,possuiam os.outros (Government Gazette, janeiro de 1897 e3.2.1898), No entantc, a firma Lopes & Co., em que se ha-viam associado Joaquim M. de Carvalho, Bernardo Lopes e

depois Joaquim F. D. Branco, fundada em 1864 e que tentollenttar no comercio europeu, desaparece rapidamentc: nessemercado era dificil competir com as grandes firmas ellropeias(The Anglo-Ajrican, 12.11.1864, 14.1.1865, 21.1.1865, 22.9. &.65).

Enquanto 0 controle do cicio comercial com a Europa erapraticamente reservado as firmas inglesas, hamburguesas e,ate certa epoca, francesas, 0 neg6cio de importaf;Oes era rnaisacessivel em geral aos negociantes africanos. Que podiam en-comendar bens manufaturados as firrnas inglesas. Mas, assimmesmo, par falta de capital, poucos foram as que se estabe-leceram como grandes negociantes de importac30 (A. Hop-kins, 1964: 64-71, ee. W. Newbury, 1972: 86-87), Entre eles.no entanto, predominavam os saros e os brasileiros.

Se a parte internacional deste comercio mudou leota-mente ap6s 0 fim do trafico, tal oao se podia direr do setorinterno. A produf;lo do den de podia ser feita em pequena es-cala, e tinha de ser concentrada atraves de passagem sucessivapar mercados. Haria tres tipos de mercados peri6dicos, alemdo rnercado diArio, para produtos agrieolas para consumo:urn a nivel provincial, em geral de quatro em Quatro dias,autro a nivel interestadual, em 'que pessoas de diferentes d-dades-estado vinham, em geral de aito em oito dias, outro,enfim, nos centros que serviam de tenninais para as earavanas(A. Mabogunje, 1968: 80-81). Uma vasta rede de intennedia-rios teve de se estabeleeer, para pennitir a coneentracAo e atransporte de um produto que era, contrariamente ao queacontecia com as escravos, produzido Quase domesticamente edisperso par uma vasta area. 0 sistema de eredito, em que osnegociantes eonfiavam bens manufaturados importados aoscomerciantes menores, na expectativa de serem ressarcidosem azeite-de-dende, permitia urn ingresso faeil oeste comer-cio, mas a situ~ao de dependencia que 3earretava difieil-mente pennitia aos intermedi!rios uma grande ascensAo eeo-no ie.(A. Hopkins.1964: 48-53).

SeJa como for, as brasileiros mais pobres entraram nessecamercio como intermediArios, Recebiam das finnas euTO-p6ias ou dos negociantes em ataeado suas mercadorias a ere-dito (ver, par exemplo. Tickel a Glover, 4 nov. 1871, GloverPapers M~o 4). Os brasileiros e os saros dispunham paratanto de uma carta mestra: a de poderem reivindicar suas on-

NEGROS. ES'ffiANGEJROS

MANUELA CARNEIRO DA CUNHA130

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Em 1887,0 goyernador de Lagos, Moloney, escreve umacarta a urn jamal, vituperando conIra a hipertrofia das ativi-dades comerciais. Queixa-se, com a abundancia deestalisticasque e a marca registrada de sua gestao, de que, entre 1871 e1881, os agricultores de Lagos tinham diminuido, de menosde 50/0 para apenas 3,750/0 da popul3.f;io_ Enquanto isso, oscomerciantes - e nesle tenno se abarcam grandes negocian.tes, comercianles, representantes, empregados cometciais _haviam passado de 9,66% da populaf;30 em 1871 para nadamenos que 30,5% em 1881. Nesse mesmo penodo, a popu-I~ao da cidade de Lagos leria aumentado de 25518 para37452 habilantes. Na verdade. proteslaya Moloney, os ho-mens, que' cram tradicionalmente agricultores, estavam to-mando ocupaf;Oesfemioinas, ou seja, 0 mercado.

Com eleho, se se considerasse somente a populaf;ao mas-culina, de 20% de comerciantes em 1871 havia-se chegado a57OJo dez anos mais tarde (Moloney ao jomal The Eagle andlAgos en'tic, SupJemento, julho 1887).

Os brasileiros, como todos os outros, comerciavam. Masnotabilizaram-se tambem como artesaos e, em menor grau,como agricultores. Desde a deeada de 1850, as brasileiros esaros abriam fazendas em Ebute.Metta, em frente a Lagos, ecomprayam escravos para cultivA.las (Campbell a Clarendon,18 jan. 1858, FO 84/1002, The Lagos Observer, 21 e 28.1.1888). Foi asSlm desenvolvida a cuItura da mandioca e do mi-lbo, produtos que se acrescentaram ao inhame na dieta doslagosianos. Na decada de 60, a governador Glover fez variasdoa~Oesde terras para cultivo (ver Apendice 3). Mas com 0

Artesiios, agricultores, funciooarios

Na d6cada seguinle, a penetraf;30 da ferrovia e a inter-veof;io britinica DO interior, ambas acompanhadas da insta .~io das firmas da costa nas cidades interioranas. reduzem 0

esp~o em que operavam os inlennediarios africanos autano-mos. Ao escambo, jA desde a deeada anterior, sucedera 0 usodo dinheiro, que se generalizara aos ~ucos. As co:tdicOes, notim do secuJo.ja nao sao propicias para os comercianles inde.pendentes que au desaparecem, ou tornam-se agenles no inte-rior das frrmas europeias.

NEGlms. ESiRANGEIROS

1

;I.j,I,

I

MANUElA CARNEIRO DA. CUNHA13'

gens liItimas nas cidades do interior e reatarem lig~Oes fami..ares e polfticas, duas dimensOes que estavam. aliAs, imbri-

cadas. como vcremos. Afumando sua idcntidade de egbas.ijeds. aodos ... acenando com beneficios poUticos, eles conse-guiram muitas vaes acesso direto aos mercados do interior,revolutionaodo 0 sistema uadicional em que os cemos inter-mediarios serviam imperativamente de mereados (C. New-bury, 1969: 76). Desde a epoca do consulado. os brasileiros,os saros e alguns Ulagosianos nativos" conseguiram monopo-liz.ar a posiCl0 de intermedianos. $uscitando em 1855 os pro-testos dos egbas. que reelamavam por nlo tcrem acesso diretoaos negociantes europeus (Alake a Campbell. 11 jul. 1855,ineluida in CampbeU a Ganndon, 30 ago. 1855, FO 84/976).Quando os missionArios protestantes de Abeokuta tenlaramromper esse monop6lio e ncgociar diretamente. loi a vez dosintermediirios sacos e brasileiros de protestarem (Campbell aGanndon, 28 maio 1855, FO 84/976).

Com a uGuJ1de Depresslo" que atingiu a Inglaterra em1873 e que se arrastou at~ ao tim do seculo. a industria side-rurgica praticamente estagnou~ Era eIa a principal consumi.dora do azeite-de.dendS, e 0 p~o do &zeiter que vinha bai.undo devagar desde a ~poca Aurea dos aDOS1850, caiu destavez de forma dramalica. Os Iucros das firmas europeias quecomerciavam em Lagos reduziram-se nos anos 80 e chegarama desaparecer. Para compensar as perdas. vmos meios foramlentados ..As firmas europeias passaram a importar wgos depior quaHdade, enquanlo os comercianles aduUeravam as be.bidas alc06licas. Em_t~'posta a rnAgualidade dos bens impQr.-tadas, estabeleeCU~se a pratica generalizada de aduiterar 0

liZeite-de-dende lA. G. Hopkins, 1964: 93.94, e 1968). Aindaem resposla a crise, os comerciantes do inlerior procuraramnegociar sem intermediArios com as casas exportadoras deLagos, 0 que afelou diretamente os comercianles de Lagos.Alem disso, as cidades-estado do inlerior fechavam freqOen.temenle as rolas comerciais e os mercados. Para reabri-Ios,impunham suas pr6prias condicres, abaixando os p~ dosmanufaturados e aumentando os do azeile.de-dende e do ca-rOl;Ode dende. Sem margem de mauobra enlre os negociantesda cosla e os comerciantes do interior, os comercianles de la-gos foram os mais duramente atingidos pela crise dos auos 80(A. G. Hopkins, 1964: 95.96).

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1>' MAI'illELA CARNEIRO DA CUNHA NEGROS. ESTRANGEIROS

fun da escravidao oa Colonia, a agricultura decaiu (The Anglo-African, 18.7.1863). Durante toda a dkada da 1870, Lagosera compJetamente dependente de seus vizinhos. Abeolruta eIjehu principa1mente. para seu abastecimento. subsistindoapenas pequenas plantae6es de mandioca e milho em Ebute-Merta e Apapa. A crise comercial dos anos 80 e 0 fecbamcotodas rotas comerciais do interior suscitaram problemas de su-primento de viveres em Lagos. Alguns comerciantes reinvesti-fam seu capital oa agricultura nessa ~poca (The Lagos Obser-ver, 16.3.1882), mas a penuria de mio-dc-abra perdunlva(The Eagle and Lagos Critic, 23.5.1885). Subsistiram as pc-quenos shios: em 1884. os brasileiros de Ebutc.Metta, cultiva-dares. atravessavam a laguna de canoa para vender scus pro.dutos no mereado de Lagos (Pagnon a Planque. Lagos, 25 jan.1884, SMA 17372. Rubrica 14/80202). Na verdade. a agri-cuitura (como 0 artesanato) era uma ocup~!o alternativa ecomplementar .10 com~rcio. Cada vez que as guerras au dis.sensOesentre Lagos e a interior fechavam as rotas comerciais- e isso era freqQ.ente - a agricultura recebia urn novo 1m-peto (Freeman a Cardwell, 4 jut. 1864, Blue Book lor LagosColony, 1863: 42).

o governador Moloney tinha grandes projetos para osbrasHeiros, projetos que as destinavam essencialmente A agri-cuitura. Nos saros, ele depositava poucas esperan~as; se nemem Serra Leoa e1es se haviam fixado no campo, nas aldeiasque 0 governo britinico Ihes havia atribuldo, e tinham ao con-trario acorrido para Freetown se estabelecer como comercian-tes ... Alem disso, nos anos 80, os saros ja. estavam, em Lagos,preenchendo os postos da administra.cllo briti.nica e das fir.mas europeias, valendo-se do seu manejo do ingles. Certa-mente n!o eram candidatos A agricultura. Restavam as brasi-lerros.

Moloney, que adm~trou Lagos de 1877 at~ 1884 e pos-terionnente, ja como governador, de 1886 a 1891, chegara emurna epoca dificil. 0 com~rcio, como vimos, soma uma reces-sllo importante, basicamentc pela queda nos p~s interna-cionais dos derivados do <!ende e pelo problema de abasteci-mento nesses produtos devido 1 guerra que opunha os ibadansaos ekitis e seus respectivos aliados e cortava a nuxo comer.cial. As estradas eram frequentemente fechadas pe10s belige-rantes. e 0 comercio interrompido.

II,

Ir

Para 0 novo governador, a crise economica expunha demOdo parente a debilidade de urn sistema baseado pratica.mente na monocultura c sujeito A instabilidade politica de ci-dadcs interioranas independentes entre si, belicosas, e sobreas quais 0 govemo mgles nilo tinha controle. Com cfeito, acolOnia de Lagos, proclamada em 1861, o!o tinha jurisdi.;aosabre as outras cidades iorubis, e 0 Colonial Office ainda semostrava re1utante em abandonar sua politica de nllo-inter-ven.;ilo no interior, relutincia que na decada seguinte estariaesquecida.

Para remediar essa extrema vulnerabilidade cornercial,Moloney, por um lado, propunha a diversific8(ao dos produ-tos de export~!o, por outro, tcntava eonseguir, com os meiosda epoca, uma paz no interior que abrisse os caminhos docomercio e deixasse flurr a produ~ilo. Foi assim que nasceu aEsta.e!o Botanica de Lagos, em 1887, menina dos olhos dogovernador, com mudas de cafe, de cacau e em 1890 de algo-dlo cgipcio.u Moloney tambem pesquisou anores nativasprodutoras de borracha e madeiras de lei. Mas a inseguraocado interior fez com que 0 boom da borracha s6 explodisse ap6sa conquista da Nigeria na deeada de 90.13 Juotamente com aes~10 botanica, Moloney queria treinar africanos no cultivodas novas esp&:ies, e e aqui que eIe se dirigiu especificamenteaos brasileiros. Mats ou menos implicitamente, avaHava a ex-periencia da escravidao no eito - a que os saros haviam esca-pado - como qualificando os brasileiros para sercm eampo-neses. No discurso que fez a comunidade brasileira durante osfestejos. que esta organizou pela aboli~30 da escravatura noBrasil, Moloney exerteu-os a estender a prosperidade comer-cialcem que haviam beneficiadoo Brasil! sua terra natal. Rei-terou a impertincia da cria~30 de urn campesinato com pro-priedade da terra para a qual a vinda para Lagos dos recem-libertos do Brasil seria essencial. por serem estes agricultores eartes10s qualificados. Continuariam assirn sendo os brasilei-cos, advogava ele, "centros admiraveis de difudo entre os seus

(12) 0 aJ.a:od1oP. haria sido cultin.do em Abeokuta pel05 u.rO$. (:Om0 apoiodcII5mjssion'rb angli ••••nos (J. B. Webster. 196)} e Lagos uportan a.Igod1a regulu.IDCDtc.Mu 0 alaodloegipcio puecia ser de melhorqua.lidade.

(13) O.OmoWJiI1975:668-669).

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". MANUELA CARNEIRO DA CUNHA

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NEGltOS. ESTPANGEIROS l.H

conterraneos menus d~erlvolvidos. de esclarcdmento e deagricuJtura". E Moloney, que desde 1887 :io~empenhava emconseguir urna Iinha regular de vaporcs entre Lagos C0 Brasil,pedia a todos que ehamas!iem de volta as africanos do Brasit,prometendo.lhes as mudas da Esta,ao Botanica e 0 apoio dogoverno(A. Moloney. Address 0 the Brazilian Community, 28out. 1888. Anti-Slavery Society Archi,'es G2).

Os comerciantes brasileiros. interessados na linha regu-lar de vapores, na.o contestaVo:Lm as grandes possibilidades deimigracao do Brasil com que Moloney se iludia (ver entrevistade Molol1t=ycom a comunidade brasileira. Lagos Weekly Ti.mes, 16.8.1890). Mas, como vimos aeima, a iniciativa nAo vin-gou. Vieram relativamente poueos brasileiros: na primeiraviagem do vapor Biafra, 110 passageiros, na segunda, 73 (La-gos Weekly Times, 11.10.1890,8.11.1890,11.4.1891). E. de-ce~10 ultima, os brasileiros que imigraram nl0 foram para aagnrullura (A. G. Hopkins. 1964: 38).

Na realidade, os brasileiros se orgulhavam antes de seremarteslos: pedreiros, mestres-de-ohras, mareeneiros, carpintei.ros, aifaiates, ourives, barbeiros-drurgiOes, como no Brasil_As mulheres brasileiras eram conhecidas como costureiras equituteiras. Grandes nomes s10 lembrados de mestres-de-obras, como 0 de Lazaro Borges da Silva, que trabalhou naigreja Holy Cross, inidada em 1879, ou de marceneiros comoBalthaz.ar dos Reis, que ganhou uma medalha de bronze naExposi~ao Colonial de 1886 com uma mesa marchetada (TheLagos Observer, 1 e 5.1.1887; A. Laotan, 1961). Mas e semduvida na arquitetura que os brasileiros vio alcan~ar maiorreputa~ao: a Mesquita da Sbitta Bey, por exemplo, e obra debrasileiro, assim como a Mesquita central de Lagus, Os sabra-dos do bairro brasileiro de Lagos, que atestam a fortuna deseus donas, sen;.r3o de modelo para 0 resto da regiiio ioruha(ver Marianno C. da Cunha. 1985).

A tradi~ao do artesanato manteve-se nas familias hrasi-leiras. Mesmo os filhos de faroUias ab<\Stac1as, que. a partir decornecos deste seculo, iam estudar na Europa direito ou medi-dna, aprendiam, dizem, tambem um oUcic manual (entre-vista do juiz Francisco Eugenio Pereira com Marianna Car-neiro da Cunha, nov. 1975). Mas sAo, sem d6vida, as Dovascarreiras, de funcionarios, cweiros e as profissOes liberaisque serao realmente exercidas e alrairao as novas geraJ;Oes.

Em 1896, sabre CiS 100 j~r:ados br"sileiro): que figuram nas lis.tas {lficiais da Coloilia, n.i 2~ clx'n.erciant~:i, 21 carpinteiros,to pedre:roi> e m.c:;trcs~cl';-Qbras. hlJ.$ ]7 sao cmprcgados decomerc:o (GoN!nU--,kr;! G<;~t!:(e,27.11.1896: 4tb$~" Os il:"do-llanOS publkos, qu::: t!~o ap~:••.xem lIas lis~gsdo juri, sii.o 26 aDtodo (BliJe Book for Lagos Colony. 1897). Eram. na maioriit,Who!> de ricas ~omerc:a!1te5 qilE haviam reccbido iHna i:du-cal;:ia inglesa.

Lugar poHtico

Os retornado.i enY01vCfcm.sc e viram.se envolvidos emuma politica complexa. Lagos e, em menor escaJa, os outro~portos eomandavam 0 eomercia transat1antico. Mas para suasobrevivencia dependiam das cidades~estado do interior, Quecontrolavam as rotas comerciais (em particular Abeokuta eliebu-Ode) e produziam as materias-primas de exportal;30. Ademanda por esses produtos aumentou as necessidades dema~de-obra no interior e fomeceu urn estimulo adicional asguerras que opunbam os estados do interior, ja que eram asguerras que forneciam escravos para a lavoura. Contraditoria-mente, a necessidade de mobi1iza~ao de todos os homens paraa guerra exigia uma interdi~i1o rigorosa do comercio ('o'er, porexemplo, S. A. Biobaku, 1957), e as guerrasestancavam assimo nuxo do eomercio.

A partir de 1851, os ingleses controlavam Lagos, primeiroatraves de urn consulado e, a partir de 1861, pela aquisi~ao dailha imposta 80 rei Docemo e irnplantando urn estatuto colo-nial. Somente na ultima deeada do sceulo XIX c que 0 poderbritanico se estendera pelo interior, atraves de urn prate to-rado. A politica de Lagos tinba portanto, a partir da Oletadedo seculo, duas facetas: uma puramente interior, centradanas rela~Oes entre os diversos segmentos da cornunidade deorigem estrangeira como urn todo e as autoridades indigenasda ddade, e autra muitissimo mac. intrincada, que dizia res-peito a totalidade da rede de comerdo com 0 interior da regiaoe envolvia de fonna diferendada as diversas comunidades deLagos. .

Naestrita a'rena de Lagos, os brasileiros e os saros apoia-ram-se nos ingleses para manterem desde logo sua indepen-

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dencia em rel~lo is autoridades locais. Os saros cram, paratodos os cfeitos. suditos britinicos, mas OS brasiJeiros campar-tilhavam com des a mesma posiclo na estrotura pol1tica ~ ade serem urn. comunidade africana ocidentaJizante - e bene-ficiaram'sc dos mesmos privil~gios. Em 1855. 0 c6nsul inglesCampbell institui assim urn tribunal co .Cl e cu anos, 0 ommittec of Uberated Africans", paraarbitrar disputas comerciais intemas ou mesmo envolvendo"cdomadas" e "indigenas". Neste easo, parem. se a decislo!osse contest.da. a palavra final competi. ao rei de Lagos

r (Campbell a Clarendon, Lagos, 2.8.1855, Encl. FO 84/976, e1. Kopytoff, 1965: 100.101). Apesar desta e de algumas oulrasressalvas, 0 tribunal feria frontalmentc as prerrogativas tradi.donais do rei e uma de suas lontes de remus e de poder. Em1857. 0 consul ingles ainda 0 compeliu a abandonar a taxaque cobrava sobee 0 desembarque dos imigrantes brasileirosem Lagos (R. Smith, 1978: BO).Os abagbo", ou "chef •• deguerra". encarregados da defesa da cidade, ressentiram essasafrantas: em 1&56,protestam contra a arrogancia desses re.tornados queji haviam passado por suu mlos como escravos,c anunciam sua inteo(:lo de expulsi.los (Campbell a Oaren-don, Lagos, 26.3.1856. FO 84/1002). Mas. apesar de umasconspiraCOesnesse sentido. as autoridades tradicionais 01.0 ti-nham mais pader para tanto: no mAximo expulsam paraAjuda, mas com a aprovacla do cOnsul ingles, jovens brasi.Ideas que teimavam em andae annados de facas e fazendoarroacas (Campbell a Clarendon, Lagos. 2.3.18S8, FO 8411061).

___ A localizaClo dos brasileiros em Lagos manifesta a. inde-pcnc1tncia que se &!TOgavam. Os braslleiros insta1aram.se DO

centro da Uba, a sudeste da cidade tradicional, sepacadosdesta. por mangues e por uma lag08, enquanto os saros ocu-pavam a ponta oddental da Uba. Tool. a costa sudoeste, aMarina, foi ocupada pelos entrepostos das companhias de co-mercia, pelas missOes protestantes e row tarde pela adminis-trac10 inglesa. Esses teITtnos eram doados verbalmente oupor eserito pelo rei de Lagos (I. Kopytoff. 1965: 84) - que noeolanto, pelo sistema tradicional, 010 tinha poder para tanto- ou pelos ide,jos, uma classe de cheCestidos como descenden.tes dos primeiros habitantes de Lagos e detentores de direitossobre as terras. Era a eles que cabia conceder terra a estran-

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seiros, mediante urn pequeno tributo anual (P. Cole, 1975:17.18).

Scja como Cor, durante todo 0 periodo consular, os retor.nados ma.rcaram distincia em rel~Io as autoridades tradi.aonais de Lagos. Se se valeram do apoio britinico, isso nlosignifica que tivessem investido em bloco suas lealdades poli-tieu com os ingleses. Na verdade, as op~OespoUticas dos bra-sileiros eram comandadas pela politica das cidades do interiore par interesses clientelisticos em Lagos. Assim, haYia umaCorteCa~lo brasileira pr6-inglesa, da qual Calia parte Anto-nio Martins, urn dos negreiros rnais ricos do periodo consular,seohor de mais de 200 eseravos, virias concubinas e diversoscavalos (Campbell a aarendon, Lagos, 30.7.1853, FO 84/920) mas havia tambem uma tac~lo brasileira pro-Docemo, 0reI de Lagos (Campbell a aarendon, Lagos, 12.2.1856 e 29.11.1856. F084/976). ,

Os alinhamentos politicos seguem de perto as interessescomercials, e de Corma mais precisa as Contes de abasted.mento, enquanto as conflitos re"etem treqiientemente rivali.dades comercials. Os comerciantes africanos, que dependiamdas grandes flCtn3S curop~ias para compra a cr~dito de bensmanulaturados, 1endiam a enddssar, embora cventualmentescm muita convi~lo. as peti~6es e manifestos dos seus lome.cedores (por excmplo, End. Campbell a Clarendon, Lagos,28.5.IBSS FO 84/976).

Mas esses comerciantes-intennediarios dependiam deforma igualmente essencial do abastecimcnto de produtos dointerior. e as possibilidades de abastecimento estavam intima-mente ligadas a conexOes lamiliares e etnicas. Os eghas deLagos comerciariam com Abeokuta, os ijeds com lIesha.Esses lacos, que lhes davam uma nitida vantagem sobre seusconcorrcntes europeus e os tornavam indispend.veis, crammantidos Acusta de um envolvimento ativo na poUtica das d.clades do interior. Em 1855, as egbas de Lagos (brasileiros esaros) manduam municOes para defender Abeokuta de urnaaque daomeano (J. Kopytoff, 1965: 111). Os ijeds fonna-ram desde os tempos consulares (ver Anti-Slavery Society Pa-pers, 02, Ekitiparapo Society a Carter, Lagos, 21.1.1892) acelebre Sociedade Ekitlparapo, que perdurou at~ 0 tim do se-culo XIX e apoiou a cidade de Ilesha e seus aliados ekitis du~rante sua guerra contra Ibadan (5. A. Aklntoye, 1971: 80.82).

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As cidades do interior necessitavam para a sua sobrevivenciadas annas e muni~Oes de queseus aliados Da costa cram osunicos a poderem prover. A1~mdisso. precisavam de influen.cia politicajunto ao governa de LagoS.HI A associ~n.o politicaentre as cidades do interior e os gropos ~tnicos em Lagos era,portanto, vital para ambas as partes: nem sempre era bernvista pelos ingleses, que aeusavam os retomados de Lagos defomentarem guerras no interior. IS A influencia real dos retor-oados era e e dificil de avaliar, mas seus bons oficios foramrequisitados peto governador Moloney. para negociarem 0 fimdas hostilidades entre ijexas e ibadans (ver, por exempl0, en-trevista de Moloney com as ijexas de Lagos, 4.10.1890, Ene!.in n? 41,. Moloney a Knutsford, Lagos, 29.10.1890, CO879/33).

Mais delieada era a participa.;30 direta Da politica in-tema das cidades. As cidades temiam a ingerencia desses emi.grados ocidentalizantes, e ljebu.Ode recusava qualquer in.Uuencia aos lagosianos de origem ijebu (P. Cole, 1975: 60-61)'.Em Abeokuta, comerciantes saros e brasileiros de origem egbaja haviam instituido em 1860, i semelhan~a de Lagos, umaassocia~io que regia seus interesses comerciais, i margem,porta.to, d, estrotu" t"dicio.,l (1. Kopytofl.1965:102).Mas interferencia direta era coisa totalmente diferente. Umaprimeira experiencia foi a de Abeokuta, oode urn sarn, de ori-gem egba, George W. Johnson, fu.ndou em 1865 0 Egba Uni-ted Board of ManagementJ 0 EUBM, do qual se tomou secre-tario e no qual integrou .vanoo chefes _tradicionais. 0 EUBMteve grande influencia Da poUtica egba ate 1871, mas acabous~obrando Duma disputa sucess6ria (S. O. Biobaku, 1957, eJ. Kopytoff, 1965). Em Ilesha, 0 envolvimento direto da Eki-tiparapo Society de Lagos nas hostilidades com Ibadan culmi-

(1.) As ino:lin~~s de alguns 1l0000ruadora ent f.vor de unt dO'Scontel1doresproem Wlr freqlknumentc Impuladas • esses lobbiu. Glover, por eumpl0, que teYeum. politic. pro-lbadan e portanto II1tieliba. tcri. iido lnfluendado par ,.triO'Sarosibadans, fuoooniriO$ da .drninistr~10 britiJ:l1ca (J. Kopytoff, 1965: 205.206. e P.Cole. 1975: 60).

(15) £ signific.tivo que um. ASiOC~ Cometdal AJricana, fundada em La.80Sem 1863 com ~ c brasUeiros, que profeul nI" tomar pulido entre IS difenn-te5 cidadcs em &\lefT', e ale um mediadores par. Abeokuta e Ib.dan. tinha umavid, e1emera de ll.penu dois .nos (17Ie Ang/o.African, Supplement, 3.10.1863, 28.10.1865).

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nou com a elei~io, em 1895, de urn saro ijexa, Frederick Haas-trup, que subiu ao trona da cidade sob 0 nome de Ajimoko l.A Sociedade Ekitiparapo congregava muitos brasileiros. EntreeIes. dois - Meffre e Abe - foram figuras de primeira impor-tincia, Meffre como intermediano pedindo a protel;ao inglesapara os confederados contra Ibadan, e Abe se alinhando entreaqueles que maiS temiam a interfereDcia britanica (1. Peel,

:-90>10-papel politico dos retornados no interior nao foi;\portanto, univoco: seus gostos ocidentalizantes nao os torna- ,ram ipso facto pr6-ingleses. Na realidade, procuravam am.pliar seu poder apoiados no prestigio que acumulavam nosdois p610s do espal;O em que transitavam: seu prestigio emLagos e sua influencia nas cidades de origem eram intima-mente tigados e re!orcavam-se mutuamente.

....... 0 desaparecimento desse hiato em qu~ se moviam, pro-vacado pela penetral;ao britanica nas cidades do interior nadeeada de 90, solapou as bases de sua inftuS-nda, que repou-savam em seu papel de intermediarios.11> Datam dessa epocavarias inova~Oesagrlcolas, 0 inicio da cultura do cacau (e atecerto ponto do cafe) foi promovido ern Ondo, I1esha, Abeo-kuta e Ijebu por comunidades aristas e mais especificamentepor cornerciantes saros afetados pela crise cornercial de Lagos(S. S. Beny, 1968; J. Peel, 1983) enquanto a Ekitiparapo So.ciety, ao se dissolver, transformou-se em uma (efemera) Com.panhia Industrial de borracha (lAgos Standard, 24.4.1895).Gropos de lagosianos faziam valer suas origens etnicas e so.bretudo seus prestimos acumulados, e conseguiram das auto-ridades tradicionais doal;Oes de glebas para os novos cultivos(ver, por exemplo, para Ondo, Lagos Standard, 11.3.1903. eS. S. Beny, 1967: 51). Mantinha-se assim 0 padrao de umaassociac;30, guardadas certas distancias, com a estrutura depoder local. Mas a grande influencia politica dos retornadosDunca mais seria recuperada.

A alian~a com os missionarios, tanto protestantes quantacat6licos, tampouco era inquestionave1. Em Abeokuta, as

(16) No D'om~, percebe.se urn procisw sernelhante. Os bnuileiros (no DaQ.m6nllo bi JU"OJ)~pllm os esp~Oli de mllflobr. que exislem entre ° poder lranch.antes d. oonqui~l ••.eo relno do Daoml, ..,bretudo em Porto Novo (vcr 1. M. Turner.I?7S: 270 m~~.231.195).

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missionArios. que contavam com OS retomados para serem apoota de lan~a de uma converslo As religiOes c aos modosocidentais, sentiram-se. &0 contrArio, muitas vezes usa"dospelos seus fi~is(quando DW antagonizados) em beneficia pro-prio.

A polltica dos Uretomados" em Lagos. saros e brasileiros.s6 pode, portanto, sec entendida Aluz da situ~ de toda aregilo iorub!. da qual Lagos era apenas 0 porto de camercio.Era uma politica independente e contradit6ria aO mesmotempo. A contradiclo era inereote A.posic1o dessa comuni-dade de mereadores que a partir dos anos 80 clamavam. porurn Iado. por uma intervenc10 britinica no interior que pu-sesse fim i.s'hostilidades e restabelecesse 0 nuxo do camerao.mas que, de outro lado, mantinha lealdades e compromissoscom uma das fa~Oes envolvidas na guerra e defendiam suaautonomia. £ essa poUtica de mercadores que explica 0 apoioincondicional e a~ a inci~lo 1 intervenclo britinica na fC-gila iarub! veiculada pelos jornais de Lagos. tOO05pecteo.centes a comerciantes saros, os mesmos que vociferavam, DO

entanto, contra as uagressOes inglesas ou francesas" em cursono resto da .Africae at6 em outras regi6es da atual Nig~ria (F.Omu. 1978: 1200,,),

o estreitamento do esp~o poUtico nos anos 90 ted. s&iaspercuss6es nas o~ e alinhamentos dessa burguesia de

brasiIeiros e saros. Na mesma epoca, como vimos, as fJ.mlaseurop~ias com~am a estabe1eccr filiais diretamente nas cida-des do interior, seguindo a penetrat;lo da ferroviaY No ser-vi~o publico como nas igrejas. urn racismo crescente rebaixaos Uretomados" a postas subaltemos e mal pagos (Lagos Stan-dard. 26.11.1902). Nio se verlo mais, como anteriormente, .superintendentes de Policia, dos Corrdos, fiscais de impastose procuradores eta Coroa nem muito menos bispos negras. Aospoucos. todos esses cargos serlo assumidos por brancos. Aca-bou a ~poca de ouro des retomados: nem no com&cio nem napolitica, poderlto recuperar a preemineneia de que gozaram.

(17) 0 Proce$S(Ipo.- que pus.&ftm 01 ntomados DJ.oc Isolado: tem pU&Ielosquue todol os p&1ses&.1rica.a.o-oddeataisIUbmetidoi ao coloa.Whmo eu.ropcu. A for.~Iode uma bUCiUeslaeoruen:W africana ocldentallu.ute e sua conseqQeate liqft1.~Io DOperiodo impaWi5ta lonm bem dcscritol, para 0 CUDsencaalCs. pol' SAmirAJaiu (1971).

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Suas ultimas esperan.;as de serem administradores nas cida.des do interior ap6s a penetra~lo britaniea esvaem-se quandoo Colonial Office, sempre cioso de conter as despesas, prefecegovernar ateaves dos reis e das autoridades Jocais.

A comunldade bl'asUeira: oPcOes cuJturais

r A comunidade brasileira de Lagos pareee ter.se organi-I zadoem torno dos sellS ugrandes homens", negociantes ricos,

em geral atacadistas, com quem se abasteciam e de quem de-pendiam as famllias mais pobres: vasta rede de c1ientela, cojosentido de unidade era sempre enfatizado.

Urna moral austera. puritana mesmo, ~ a imagem quepassou des velhos patriarcas brasileiros: a eduea~10 dosjovensera severa, com castigos corporais, e isso, a seus pr6priosothos, era motivo de distin.;!o dentre os demais. Exigia.seautodisciplina, respeito aos mais vellios, pratica da religilo,aprendizado de urn olicio, observancia de horArios .

Havia forte press30 para que os brasiIeiros casassem den-tro da comunidade. A poligamip., no entanto, era corrente, eos casamentos instAveis, mesmo apbs 0 nascimento de vAriosf1lhos. Uma grande mobilidade pelas cidades da laguna erafrequente, sobretudo najuventude, por razOes de comercio auporque os artes30s enim requisitados em diversos lugares. To-dos os brasiIeiros pertenciam a associa~(")esde ajuda mutua,em geral sob invoca~!o religiosa. mas em tudo seme1hantes as~gbeiorubh, por sua vez, semelhantes as irmandades religio-su. A egbe "Aor do Oia" e a "Aurora Relief Society" eram asmais oonhecidas no sb:ulo XIX. Pertencia-se a vanas associa-.;&s e esperava"se delas ajuda em ocasi(")esprecisas: casamen-tos c sobretudo enterros figuravam em primeiro plano. Pelapompa do enterro media-se a importancia do homem: todasas associa~Oes a que urn homem pertencia deviam seguir 0funeral e ajudar nas despesas da cerimonia. As associa~Oes deajuda mutua parecem ter sido os verdadeiros instrumentos dasolidarledade dos brasiIeiros. Urn homem rico podia eventual-mente recusar urn empr~stimo, a irmandade ou a egbe, n30.

As associacOes foram-se tomando, com a ampliaclo dasdiferencas intemas Acomunidade, urn instrurnento de medid!e de sanello do sucesso: na "St. Joseph's Society", que os pa-

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.« MANUELA. CARNEIRO DA CUNHA NEGROS. ESTRANGEIROS '"dres sUSpeilavam fosse urna sociedade secreta de tipo ogbon;ou ma~nica. s6 entravam homens ricos. Apesar disso, a ideo-logia da unidade da comunidade brasileira manteve.se contraventos e mads. As hist6rias de vida cstio repletas de casos deabuso de confian~a. de tutores que ficam com 0 dinheiro dospupilos. de falsos pareotes que embolsam as economias dosrecem-chegados. Mas as mesmos que contam seus desapanla.mentos pessoais enfatiz.am tambem a confratemizac30 geea1dos brasUeiros, manifestada por excelencia no piquenique doBanlim e na Festa de Nossa Senhora dos Prazeres. Esquecemsua experiencia pessow para fabular sobee ados outros: ti.pIca, nesse sentido, e a hist6ria do resgate de Pa Callisto desua segunda cseravidla. Callisto, que havia voltado da Bahia,roi para I1esha exercer sua profisslo decarpinteiro. Capturadona guerra pelos ibadans, loi novamente escravizado. Seu filho(entrevista Jolo Oguntola Callisto com Marianno Carneiro daCunha, 17.6.1975) eoota que 0 marido da innl de Pa CaUistocomprou dois escravos em Ilesha e mandou-os como resgate

Tumulo de PI. Callisto em I1e5~a.(Foto; Manuela C. da Cunha.)

de seu cunhado. A mesma hist6ria pocem, contada em Lagos.menciona que Pa Callisto, ap6s sete aDOSde escravid~o, loiresgatado pelos brasileiros de Lagos, que, ao saberem final.

ente de seu paradeiro, reuniram fundos para salva.lo.A dificuldade daqueles que foram do Brasil em se adap.

tarem em Lagos e sempre mcncionada: quase todas as entre-vistas lembram uma mae, uma avo, urn tio delinhando de sau-dades do Brasil e eventualmente empreendendo a viagem devolta. "Que terra excomungada", diz.iam de Lagos. 0 Brasil,ao centririo, era uma terra paradisiaca, oode todos eram ale-gres, os senhores benevolentes, a fartura grande.

A origem da comunidade, baseada Da experiencia com-partilhada da escravidlo, era metamorfoseada num mito deher6is civilizadores. Os brasileiros se percebiam como locos deluz.ese de progresso. "A escravidlo". diz.iam, "civilizara a re-gilo". Mas 010 era a escravidlo, sobre a qual muitas vezes sesilenciava, que era pensada como 0 elo da comunidade, e sima Brasil como urn todo. Os brasileiros, de certa forma, se con-sideravam como uma etnia do mesmo tipo que as etnias daregillo. Etnia com uma origem especifica, a brasileira, uffill;lingua pr6pria, 0 portugues. roupa ocidental, cozinha, fest as ,cuhos religiosos singulares. .

A eultura arvorada pelos brasileiros tinha assUn fun~t>esimportantes. Os brasileiros destacaram.se na "vida cultural esocial" da col3nia pelo seu gosto pelo tcatro. pelo canto e peladan~a. Em 1880, a "Companhia Dramatica Brasileira" pro- \move no Phoenix Hall de Lagos apresenta,.Oes em honra doquinquag6simo quinto aniversario de D. Pedro II; em 1882,~ pelo aniversario da rainha Vit6ria. 0 program a inclui pe.quenas com~dias, dramas, caotigas e numeros de violla e deviolino. 0 grande sucesso que obh~m fa.la repctir a apresenta.~lo (The Lagos Times, 8.12.1880; The Lagos Observer, 16.3.1882; 4.5.1882; 18.5.1882; The Lagos Times, 24.5.1882). Va-rias sociedades de elite, a mais conhecida era a "Aurora So- /ciety", organizavam bailes. Alguns brasileiros tinham cavalosde corrida e freqOentavam, at6 os anos 80, 0 Palacio do Go-vemador.

Se e5Sas diversoes elegantes diz.iam sobretudo respeito aosmais abaslados, outras, ao contrario, congregavam todos osbrasileiros, e eram centradas em festas religiosas. As "Care-tas", como no Maranhlo (••.er L. Camara Cascudo. 1972. s.••..

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,.. MANUEL\. CARNElRO DJ.. CUNHA NEGROS. ESTRANGEIROS ,",,

"""'las), salam na PAscoa (A. Laotan, 1961: 158) e eventual.meate para certas festas: para celebrar, por exemplo, 0 jubi.leu cia rainha Vit6ria (Th. L4go.s Observ." 18.6.1887). EramocasiAode grandes brigas com os saros do bairro de 010-wogbowo, e os hrasileiros tinham fama de serem grandes bri-gOes.

Na vespera cia Epifania. como Da Bahia (M. Querino,1938: 254-255) safa a Burrinha: personagens mascarados _urn boi. urn burro, uma ema - que dan~avam ate de manh3-zinba (lAgos Standard. 8.1.1896). No dia seguinte, era a testado Bonfim. Nossa Seobor do Bonfim, que, em Lagos. tornoo-se Nossa Senhora do Bonfun: mudan~a de sexo sobre a qualGilberto Freyre (1959: 278-279) especulou loogamente. A festanilo parece ter mantido a associa~lo com as "'guas de Oxal'"que tern na Bahia desde pelo menos 1870 (R. Bastide, 1945:211): era celebrada com um grande piquenique numa 'a-zend•• n. ilh. de l~oyi (A. Laotan, 1943: 8; P. Verger, 1968:619)."

o Natal era ocasilo de grandes banquetes: "comia-seNaW". e parecc que se 0 "bebia tambemu (~quer a Planque,Porto Novo, 2.1.1869, SMA Rom., Entry 499, Rubrica 12/802(0). A procisslo de Corpus Christi percorria 0 bairro bra-sileiro, parando em Campos Square. diantc da casa do nego-dante 1030 Angelo Campos, onde a esperava urn altar deco-rado (1.tJgo$ Weekly Record. 19.6.1909). A novena da Imacu-lada Concei~30, a festa do RosArio, todas essas testas pontua-vam 0 anD e marcavam 0 espa~ que os brasiIeiros se reser.v,vam.

Alguns pratos eram especia1mente preparados para essasocasi6es: 0 feijlo de leite era comido na Pascoa, por exemplo.As brasileiras ficaram conhecidas em Lagos POf venderemgrode, mingau, munguw, pirlo de caranguejo. pratos quena Bahia sio tidos por africanos e que, em Lagos, efam apa-nigio dos brasUeiros.

Ha, portanto. duas dimensOes na cultura dos brasileiros,uma diz respeito 1.comunidade como um todD; cutra, erdo, e

(18) A fC5t.1P&m:e. DO ea.tI.lllQ, ter lido IUSOci&da • a.I(\I.m oub"o aalto. Pas-$.I.Ya-1C.1KIi~~&D.do (frente "lmagem de Noua Senhora dos Pruues 011NouaSenhon. cia AbWia, 'USpcit.l1"UI 01 padres) e dormi .••sc:till "baDas felw pu .•.•ocasilo.

mais especifica da burguesia comerciante que se formou, efrancamente ligada aos valores ocidentais: ~ dela paradoxal-mente que vai sair a primeira contesta~30 politica, urn proto-nadonalismo que se manifesta sobretudo em uma revalori-za~lo das tradi~6es iorubanas.

Mencionei acima 0 "fechamento" do tim do seculo: 0 co-mercio estagnado desde os anos 80, a penetra~lio britinica nointerior na deeada de 90,0 racismo nas fun~6es publicas e nasigrejas configuram uma crise geral. A burguesia de Lagos,que se havia preparado para suceder aos ingleses, cuja admi-nistraclio esperavam fosse apenas transit6ria seote-se aban-donada e scm perspectivas.

£ nesse contexto que se desenvolve urn movimento de re-vislo c:ultural (ver A. Ajayi. 1961). Pela .primeira vez, edita-seem Lagos urn jomal bilingiie ingles-ioruba. 0 [we [rohin £ko,fundado por urn saro, Andrews Thomas, em 1888 (F. Omu,1978: 108). A lingua ioruba, antes desprezada e que nlio eraensinada nas escolas, oode 0 ingles era obrigat6rio desde1882, passa a ser valorizada. Criam.se grupos de estudo. defolclore e titeratura iomba-. Em 1897, 0 pastor saro SamuelJohnson termina sua Historia dOl [orubas. t nessa epoca quea "Aurora Relief Society" promove danc;as tradicionais como

Os irmlos Alakija, advogados brasileiros. (FOIO: Pierre Verger, da ColCl;lloFamilia Alakija.)

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14' MANUELA CARNEIRO DA CUNH •••. NEGaos. ESTRANGEJROS 149

Familia brasileira. (Foto: Societe de$ Missions Africaines.)

cspetaculo no intermezzo de urn baile (Lagos Standard, 2.5.1900).

Dois outros telJlas importantes nessa campanha naciona.lista sao as raupas e os names. Uma campanha de imprensaridiculariza 0 uso de roupas ocidentais e de sobrenomes "es-trangeiros". Os sobrenomes dos saros derivam, em gerat, dosgrandes abolicionistas ingleses do inicio do seculo. ou de mis-sionfuios. Os dos brasileiros, como se sabe, cram muitas vezesos nomes dos antigos senhores. A campanha nlio foi urn su.cesso absoluto, mas teve repercussAo, significativarnente, emcertas (amilias importantes. Urn ramo da familia Assump~30toma nessa epoca 0 sohrenome Alakija.19

Louren~o Cardoso, antigo rrofessor, negociante.leiloeiro.em epoca de dificuldades financeiras, muda 0 sobrenome paraAlade e comel;a urna carreira poHtica no National Congress of

{I9} A mudan,a de sobrenome~ tinha urn evidenle caratcr ~imb6Iico. ja quenan ui~(iitm s"llrenomcs eDlreos iorub.h. '

British West Africa (Deniga, 1921). Aqueles que se compra-ziam em serem ehamados "negros beancos" passam a consi-derar em 1898 que "urn ingles negro e urn absurdo, tanto naInglaterra quanto Dn Africa" (Lagos Standard, apud F. Ornu,1978: 110 •

Toda essa valorizac~o da cultura ioruba pareee ter i= as-sado ao largo dos brasileiros mais modestos, que preservamseus sohrenomes, seu gosto pela carne do sertaa e mantem aquanto podem seus conhecimentos de portuguet

Estrangeiros

o paradoxa da condir;ao de estrangeiros arvorada pelosretornados em sua pr6pria regiao de origem e que, sendo elesas agentes da ligacao com 0 sistema mundial, tivessem estabe.lecido para 0 comercio com 0 Brasil, que conseguiram mono-polizar urn tipo de erganizac;i\o tradicional na Africa Odden-tal, a ~de comercial fundada em urn grupe ttnieo. Todo Q

trUico continental trans-saarico havia-se organizado em tornade caravanas e de redes de 'gl"Upasetnieos muc;ulmanas -entre as quais os diulas e as all';as silo os mais n~t~rios - ins-talados em cidades ao longo das rotas comerClalS (ver, parexemplo, Meillassoux, 1971). Uma das condi~l>esde tais orga-niza~6es. implantadas atraves da dispersao de urn gropo ct-nico, de urna "diaspora", para usar 0 termo de Abner Cohen(l969). e que seus membros se rnantenharn - em sua culturae em sua reprodu~ao social - a boa disti'incia da sociedadehospedeira. £ essa distancia que, par urn lado. permite ao co-merciante nao se fundir em sociedades regidas por prestacOes,dadivas au redistribuiCOCs que circulam pelos eanais familia-res ou elientelisticos e, por outro lado, identificar-se com ou-tros esuangeiros ao longo da mesma rede comercial.

:s sociedades tradicionais tern, em cantrapartida. papeisreservados para esses estrangeiros, cujo Iugar e assim parteintegrante de sua estrutu.ra social. A di~tancia soc!al do es-trangeiro e, portanto, soclalmente prescnta. A altendade queexibe pretende marcar de forma explicita qu~, s~ e1e esta ~asociedade, ele nao e da sociedade. 0 estrangelro e aquele. dlZSinimeI, que "chega hoje e fica amanha, 0 vagabundo paten-

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.150 MANUEU CARNEIRO DA CUNHA NEGROS,ES~GEIROS \5\

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condicOes a que tern de obedecer:. no minimo, os sinais devemestar disponiveis ,- ou seja.' oio estarcm seudo usados porQUtrosgropes - e se articUlarem, se conlraporem, aos sinais.j! em usO- ou scja, serem gramaticais (ver M. C. da Cunha,1977). Tentaref mostrar no pr6ximo capitulo que a religiaocat6lica foi 0 foco .principal: 0 sinal por excelencia da identi.dade brasileira em:La~os, que para tanto a reservou ciurnen.tamente para si ..

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cial, que, por mais que 010 parta. a.iDdatem a liberdade de irou de lieu" (G. Simmel, 1950 (1908». e ossa potencialidadecia partida e 010 a partida real, essa acintosa indiferen~ is'

. rela~ intemd eta sociedade. encobrindo ~ padroni- /zadas com a socie.4!-c1co-Quc..com;troem0 papet do es~eiro:

".---Assim, a posiC30 dos brasileiros 010 era apenas uma op.10do gropo: era uma fonna de ajustamcnto Asodedade boo.

pedeira e exige, portanto. para ser inteligivel. que se a analiseDO seu contexto. contexto que mclu1a agora um numcro maior

, de personagens e urna a1tera~10 profunda do sistema de poder.A manutenclo de uma identidade separada 010 se deve sim.plesmente a saudade da Bahia ou a um desejo unilateral dedistanciamento, mas a conveniencia de se pceservar uma dis-tin~io.

As distinC6es cram, oomo vimos, de vArios tiP05. Em umnIvel, era-se hrcui/eiro, DOUtTO era-sc. juntamcnte com os sa.cos, relomado, noutro ainda era-se egba retomado, ije.XIzre-

. tornado ... Essas divecsas ideotidades cram operativas em de-terminados conteXtos. Eram essas distin~ que pennitiam aa~lo pol1tica e 0 com~rcio.

Fundir.se na popula~~o local, abolir distinclaS, era umaopta.o possivel, a myel individual: certamente. muitos a segui-ram e ola faziam, portanto. mais parte da comunidade brasi.leira. Se esta perdia membros. tinha tamMm meios de ad-quiri-los: a incorpora~io de escravos, 0 casamento, as adocOesforam mecanismos dessa absor~~o, que tinha. no entanto, defieu patente atraves de sinais culturais.,

E dificiJ saber hoje como fundonavam os mecanismos dedeclsIo .e controle em urn sistema de com6rcio a distincia,scm institui~Oes bancmas, asseote no crMito e na coofiancapessoal. A hist6ria de Marcus Vera.Cruz, que recupera seudinheiro quando seu tutor infiel est! no leito da marte, momaa podere os limites de uma moralidade. Apesar disso, pode-scsupor que 'era sobre a prcsun~io de honestidade, baseada nareUglo e numa austera disciplina, que se fundava a confian~anecessiria ao sistema. Aqui, novamente, a aistencia de sin .que explicitassem a adeslo ao gropo e As suas nonnas eraessencial.

Tudo isto por6m ainda olo diz nada sobre a forma parti.colar que assumiram esses sin.us. Ha, no cntanta, algumas