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GRANDES JULGAMENTOS DO STF (2011-Atual)

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GRANDES JULGAMENTOS DO

STF (2011-Atual)

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GRANDES JULGAMENTOS DO STF (2011-Atual)

2 GRANDES JULGAMENTOS DO STF (2011-ATUAL) | CONJUR.COM.BR

SUMÁRIO

RETROSPECTIVA 2011 3

STF FOI PERMEÁVEL À OPINIÃO PÚBLICA, SEM SER SUBSERVIENTE 3

RETROSPECTIVA 2012 9

STF ENTRE SEUS PAPÉIS CONTRAMAJORITÁRIO E REPRESENTATIVO 9

RETROSPECTIVA 2013 20

AS RUAS, A OPINIÃO PÚBLICA, A CONSTITUIÇÃO E O SUPREMO 20

RETROSPECTIVA 2013 24

OS 11 JULGAMENTOS QUE MARCARAM O ANO DO SUPREMO 24

RETROSPECTIVA 2014 30

ANO TROUXE MUDANÇAS E AMADURECIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 30

RETROSPECTIVA 2014 35

OS 10 JULGAMENTOS MAIS IMPORTANTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NESTE ANO 35

REFERÊNCIAS 39

Organização: Profa. Marina de Neiva Borba

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RETROSPECTIVA 2011

STF foi permeável à opinião pública, sem ser subserviente

3 de janeiro de 2012, 8h41

Por Luís Roberto Barroso e Eduardo Mendonça

Introdução�

A presente retrospectiva encontra-se dividida em três capítulos. No capítulo I, faz-se uma reflexão doutrinária acerca do papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no cenário institucional brasileiro contemporâneo. No capítulo II, faz-se breve menção às duas novas nomeações feitas para a Corte ao longo de 2011 pela presidente Dilma Roussef: dos ministros Luiz Fux e Rosa Weber. Por fim, no capítulo III, faz-se um levantamento de dez decisões emblemáticas da Corte, cada uma delas acompanhada de um comentário sumário.

I. O Supremo Tribunal Federal, representativo e contramajoritário�Um comentário sobre o ano do Supremo Tribunal Federal precisa dividir sua atenção em, pelo

menos, dois aspectos. O primeiro, e mais óbvio, diz respeito ao conteúdo das principais decisões, tema que merecerá um tópico específico. O segundo aspecto, mais sutil, tem a ver com a postura da Corte perante as demais instituições e a sociedade em geral. O Supremo, de forma mais visível do que os demais órgãos constitucionais, molda continuamente o seu próprio desenho institucional, contendo a si mesmo ou expandindo o alcance e a relevância de suas intervenções. Isso acontece, em parte, pelo fato de ser o próprio Tribunal que delimita concretamente suas competências, ao mesmo tempo em que estabelece os limites em que os demais poderes exercem as suas. Da mesma forma, o caráter abrangente e a textura aberta da Constituição de 1988 potencializam a judicialização de quase todos os temas centrais da política e das relações sociais, colocando o STF na permanente iminência de ser provocado a dar a última palavra sobre quase tudo.

O cenário descrito acima tem permitido ou mesmo conduzido o STF a assumir um papel de destaque na vida nacional, reproduzindo tendência que se tem verificado na quase generalidade dos Estados democráticos. Tal circunstância gera automaticamente um debate acerca da legitimidade da jurisdição constitucional. Em rigor, a maior visibilidade do STF traz ao grande público a discussão, tradicional na academia, acerca da chamada dificuldade contramajoritária, que se origina da competência, atribuída aos juízes, para declarar a nulidade de atos produzidos por agentes eleitos, e até mesmo para determinar a linha de ação que eles deverão adotar em determinadas matérias. A cada vez que o STF decide um tema controverso, renovam-se tanto as críticas quanto os elogios. As primeiras afirmando que a Corte estaria ocupando um espaço tipicamente político. Os segundos defendendo o acerto das decisões individualmente consideradas ou, cada vez com maior frequência, a própria atuação do STF como agente decisório mais equilibrado do que os demais e, por vezes, até mesmo mais afinado com a vontade popular.

A presente retrospectiva não é a sede adequada para investigar em profundidade esse fenômeno, que é verdadeiramente complexo. O próprio conceito de vontade popular pressupõe uma série de idealizações e apresenta nuances diversas, ainda mais quando estejam ausentes mecanismos formais de exteriorização (como são as eleições). De toda forma, o objetivo é lançar duas ideias que poderão fomentar o debate e que deverão ser tomadas em conta quando da análise das decisões[1]. Em primeiro lugar, a questão contramajoritária deve ser colocada em perspectiva. Nesse ponto, nem sequer é necessário – embora fosse possível – questionar a suposta congruência permanente entre a vontade de representantes e representados. Mais importante do que isso é constatar que juízes e tribunais exercem uma modalidade de poder que, em alguma medida, também é representativo.

Com efeito, o processo judicial permite que os cidadãos e grupos sociais submetam questões e deduzam seus pontos de vista no espaço público. Em alguns casos – sobretudo quando se trate de segmentos não representados ou que sofram rejeição nos ambientes de decisão majoritária –, a judicialização acaba sendo o canal de discussão mais acessível. Adicionalmente, o dever de fundamentar as decisões faz com que o Judiciário estabeleça um diálogo direto e explícito com a sociedade, que deve ser baseado em argumentos colhidos na ordem jurídica e justificados racionalmente. Isso não garante aceitação universal e certamente não afasta o risco de equívocos e distorções, mas facilita o controle. Mais do que isso, a lógica da decisão judicial incorpora plenamente a premissa de que todo destinatário de uma decisão estatal tem o direito a ser informado das razões que lhe servem de fundamento e a questionar sua consistência, racionalidade e legitimidade. Isso não é pouco em um momento histórico marcado pelo triunfo da ideia de democracia e do discurso dos direitos fundamentais, ao menos na condição de dogmas teóricos.

Naturalmente, a transparência e o dever de fundamentar seriam de pouca valia caso houvesse um descompasso exagerado e inconciliável entre a ideologia dominante nos tribunais e o sentimento social.

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Chega-se, com isso, à segunda ideia que se pretende apresentar. O Judiciário deve ser permeável à opinião pública, o que não significa que deva ser subserviente. O diálogo de que se falou não pode se converter em um monólogo à moda de sermão, em que magistrados iluminados revelam ao povo a verdade do Direito. Por outro lado, tampouco se espera que eles decidam pensando nas manchetes do dia seguinte ou reagindo às do dia anterior, o que os transformaria em oficiais de justiça das redações de jornal. O que se tem, portanto, é um equilíbrio delicado e dinâmico, em que se alternam momentos de ativismo e contenção, bem como momentos de alinhamento e desalinhamento com a vontade majoritária.

No Brasil, a ascensão institucional do Poder Judiciário, e especialmente do Supremo Tribunal Federal, não podem ser compreendidas adequadamente sem essa perspectiva. Em algumas matérias, notadamente nas questões relacionadas à concretização dos direitos sociais e à modernização das instituições políticas, o STF tem atendido anseios sociais antigos, inclusive alguns que jamais tiveram condição de se articular formalmente. Nessa linha, seria possível citar a decisão que declarou a inconstitucionalidade do nepotismo, ou ainda a decisão que pôs fim à troca oportunista de partidos políticos por parte dos parlamentares eleitos, logo após as eleições. Em ambos os casos, especialmente no primeiro, a percepção social foi majoritariamente positiva e passou pela ideia de que o Tribunal estaria solucionando questões que se encontravam obstruídas na agenda política.

No campo dos direitos sociais, em particular, é possível dizer que a Corte tem se posicionado à esquerda das instâncias representativas. Após inúmeras decisões relacionadas ao direito de cada indivíduo a exigir tratamentos médicos do Poder Público, o STF começa a sinalizar que está disposto a estender seu controle também a outros tipos de políticas públicas. Um dos julgados de 2011 que serão objeto de comentário assentou o dever estatal de fornecer creche acessível para as crianças com menos de cinco anos de idade, sob pena de multa diária. Outra decisão, também comentada, reconheceu a mora do Congresso Nacional na regulamentação do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço e anunciou que formularia um regime jurídico temporário para permitir a fruição do direito. Antes mesmo da divulgação de tal regime, o legislador, com os representantes das classes empresariais às portas, se mobilizou para editar a lei esperada há mais de vinte anos.

Por outro lado, o STF teve a firmeza necessária para, em diversos momentos, atuar de forma genuinamente contramajoritária, e isso em questões de grande repercussão. Foi o caso da decisão histórica que reconheceu as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, em que a Corte se posicionou de maneira enfática a favor da tese que desagradava cerca de metade da população brasileira, em diferentes graus de intensidade. E mais ainda no julgamento em que se decidiu pela inaplicabilidade da chamada Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010 por conta da anterioridade eleitoral prevista no art. 16 da Constituição. Mesmo no polêmico caso Cesare Battisti, o Tribunal não cedeu ao apelo do senso comum, que questionava a conveniência política de o Brasil contrariar os interesses da Itália em questão relativa a um nacional daquele país.

No apagar das luzes de 2011, o ministro Marco Aurélio concedeu medida cautelar na ADI 4.638, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), suspendendo dispositivos da Resolução 135, de 2011, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O processo aguardava julgamento desde setembro e, não tendo sido chamado até o início do recesso, o relator valeu-se da faculdade do pronunciamento liminar monocrático, a ser submetido ao plenário quando da volta da Corte, em fevereiro. Em sua parte mais relevante, a medida cautelar sustenta que a competência do CNJ, em âmbito disciplinar, é subsidiária, vale dizer: ela não é autônoma e não deve antepor-se ao exercício do poder correcional pelo Tribunal ao qual o magistrado esteja subordinado. Tal posição encontra precedentes no próprio STF (decisões monocráticas do ministro Celso de Mello, em relação ao CNJ, e do ministro Sepúlveda Pertence, em relação ao Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP) e tem o apoio de autores que escreveram sobre o tema[2].

A posição do ministro Marco Aurélio foi coerente com a visão crítica que alimenta em relação ao CNJ desde a primeira hora, bem como com uma judicatura que não hesita em ser contramajoritária. A questão, todavia, viu-se envolta em um turbilhão político, especialmente após o embate verbal verificado entre o presidente do STF e do CNJ, de um lado, e a corregedora Nacional de Justiça, de outro. A partir daí, a opinião pública e inúmeras entidades da sociedade civil passaram a defender a competência ampliada do CNJ. As entidades representativas da magistratura, por sua vez, opuseram-se vigorosamente à atuação do CNJ. Criou-se uma dualidade transparência versus corporativismo que não é capaz de contemplar todas as sutilezas envolvidas na questão. De todo modo, como não é incomum acontecer, o debate público trouxe novas luzes e nuances à questão. Por ocasião do início do recesso, especulava-se uma solução intermediária: a regra seria a da subsidiariedade, admitindo-se, por exceção, a atuação direta do CNJ, em hipóteses a serem especificadas.

A despeito das muitas diferenças entre esses casos – e também da opinião que cada leitor formule acerca do mérito de cada decisão –, um ponto que os aproxima é o fato de o STF ter assumido o ônus de frustrar expectativas majoritárias para fazer valer a visão da Corte acerca da Constituição e suas exigências. É justamente para isso que se justifica a existência de um Tribunal Constitucional, que deve satisfações a todos, mas não deferência às maiorias. O ano de 2011 acrescentou novos e significativos capítulos a esse diálogo permanente entre o Supremo Tribunal Federal e a sociedade brasileira. A crítica faz parte do jogo, mas o saldo atual parece amplamente positivo.

II. As mudanças na composição da Corte�Em 2011, dois novos ministros passaram a integrar o Supremo Tribunal Federal. Em sua primeira nomeação para a Corte, a presidente Dilma Roussef indicou Luiz Fux para suceder o ministro Eros Grau, que se aposentara no final do ano anterior. A indicação do ministro Fux foi amplamente celebrada pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral. Acadêmico de prestígio e juiz de carreira – vindo de uma década de excelentes serviços prestados no Superior Tribunal de Justiça, o ministro Luiz Fux chegou à Corte com a missão de desempatar a controvérsia relativa à aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa e permitir que o Tribunal deliberasse com composição completa acerca de temas igualmente polêmicos, como o regime jurídico das uniões homoafetivas e o cumprimento da decisão presidencial acerca da extradição do italiano Cesare Battisti. Em ambos os casos, e nos que se seguiram, o novo ministro demonstrou ser a pessoa certa no lugar certo.

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Com a aposentadoria da ministra Ellen Gracie, a presidente Dilma indicou Rosa Weber para se tornar a terceira ministra na história do Supremo Tribunal Federal, e a primeira proveniente da magistratura de carreira. Em 1976, foi aprovada em concurso público para o cargo de juíza do Trabalho, o qual exerceria até 1991, quando foi promovida, por merecimento, ao cargo de juíza togada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, do qual foi presidente no biênio 2001-2003. Em 2006, foi nomeada ministra do Tribunal Superior do Trabalho, cargo que ocupava quando da sua indicação ao STF. Admirada e estimada por seus colegas de Tribunal por sua seriedade e compromisso humanístico, a indicação da ministra Rosa Weber foi saudada por entidades representativas da magistratura e da sociedade civil como um passo importante para a manutenção do perfil garantista que tem se desenhado na Corte.

III. Dez decisões mais marcantes de 2011��

O presente tópico não se destina a sumariar todas as decisões relevantes do Supremo Tribunal Federal em 2011, o que sequer seria viável. Seria possível citar muitas outras, como a que tratou da possibilidade de a lei fixar balizas objetivas para a fixação anual do salário mínimo via decreto, tema que envolve tanto o princípio da legalidade quanto o risco de que a medida seja uma forma de o legislador amenizar o seu próprio ônus político na matéria, ao menos em caráter temporário. Ou ainda o acórdão que impediu o aumento imediato do IPI sobre os carros importados, rejeitando a validade de supostas razões de Estado como fundamento apto para se superar limites constitucionais expressos ao poder de tributar. Melhor parar com os exemplos enquanto ainda é tempo. A seleção a seguir é ilustrativa e se destina a colocar em evidência o papel de destaque desempenhado pela Corte no ano.

1. Reconhecimento jurídico das uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, em igualdade de condições em relação às uniões heterossexuais (ADPF 132/RJ e ADIn 4.277/DF, Rel. Min. Carlos Britto)��

Em ambas as ações, ajuizadas respectivamente pelo governador do estado do Rio de Janeiro e pelo procurador-geral da República, o STF atribuiu interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do Código Civil, que regulamenta a união estável entre o homem e a mulher. Como se sabe, a mesma referência básica é encontrada no art. 226, § 3º da Constituição, que impõe ao Estado o dever de reconhecer a tais uniões informais o status de família, sem prejuízo de facilitar sua conversão em casamento. Os opositores do reconhecimento invocavam justamente a literalidade dessas previsões, sobretudo do dispositivo constitucional. Em decisão unânime, o STF afastou o suposto óbice e estendeu expressamente o regime jurídico da união estável às uniões entre duas pessoas do mesmo gênero, atendidos os requisitos da união heterossexual.

O precedente é histórico em todas as direções que se queira contemplar, sobretudo pela altivez com que o STF assumiu o seu papel contramajoritário para proteger os direitos fundamentais de um segmento da população que, a despeito de sua progressiva emancipação social, ainda não conseguiu superar os gargalos do sistema político. Segundo o entendimento adotado enfaticamente pelo STF, a exclusão baseada na orientação sexual seria incompatível com o direito à busca da felicidade, com o princípio da igualdade, com a proibição do preconceito, com a cláusula geral de liberdade – da qual decorre a proteção à autonomia privada – e com a própria dignidade da pessoa humana, que impede o Estado de negar as individualidades e de impor determinada visão do que seja a vida boa.

Merece destaque, igualmente, a afirmação de que a Constituição deve ser interpretada em seu conjunto, com a qual se afastou a leitura reducionista do art. 226, § 3º. Embora trate da forma mais tradicional de união, o dispositivo não contém vedação a que outros tipos de família sejam reconhecidos. Por fim, também é digna de nota a postura interpretativa do STF, que construiu a necessidade de reconhecimento das uniões entre pessoas de mesmo gênero a partir da aplicação direta de princípios constitucionais. O ponto foi destacado por diversos ministros, sobretudo pelo ministro Gilmar Mendes, que saudou o precedente como a superação definitiva da teoria do legislador negativo.

2. Constitucionalidade das passeatas e manifestações públicas favoráveis à descriminalização do consumo de drogas (ADPF 187/DF, Rel. Min. Celso de Mello; e ADIn 4.274/DF, Rel. Min. Carlos Britto)��

Em dois julgamentos unânimes, o STF resolveu a controvérsia a respeito da constitucionalidade das chamadas “marchas da maconha”. A prática, reproduzida em diversos estados da Federação, vinha sendo objeto de numerosas decisões judiciais em sentidos opostos, ora liberando, ora proibindo a realização das passeatas. Em termos concretos, o Tribunal deu interpretação conforme a Constituição ao art. 287 do Código Penal, que tipifica o delito de apologia ao crime, bem como ao art. 33, § 2º, da Lei 11.343/2006 (Lei dos Tóxicos), que criminaliza a conduta de “induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga”. A Corte entendeu que a discussão a respeito da conveniência de se modificar a legislação sobre o consumo de drogas é protegida pela liberdade de expressão, afastando-se a tese de que esse tipo de discurso poderia ser enquadrado como incitação ou indução ao consumo.

Ambas as decisões – que, em rigor, se complementam – estão alinhadas com a tendência do STF de conceder proteção especialmente ampla à liberdade de expressão e seus consectários, inclusive por se considerar que tais liberdades exercem um papel constitutivo no regime democrático. A despeito da polêmica que envolve a matéria de fundo, a questão jurídica não era especialmente complexa: o discurso que defende a mudança da legislação não deve ser confundido com eventuais manifestações que incitem o respectivo descumprimento. O raciocínio vale para a legislação penal, como valeria para eventual proposta de reduzir ou aumentar a carga tributária, que não equivale a um suposto estímulo à sonegação. Cumpre notar, porém, que alguns ministros mencionaram, em obiter dicta, a possibilidade de se cogitar, em casos extremos, da proibição do mero discurso em favor da mudança legislativa, e.g. na hipótese de se pretender defender a legalização da pedofilia[3]. A ressalva é justificada, inclusive, pela impropriedade e inconveniência de se fixar, a priori e em termos absolutos, uma eventual preferência da liberdade de expressão sobre todos os demais direitos fundamentais que possam estar envolvidos em situações como essa.

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GRANDES JULGAMENTOS DO STF (2011-Atual)

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3. Estipulação, em sede de mandado de injunção, de um regime temporário para o exercício do direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço (MI 943/DF [e outros], Rel. Min. Gilmar Mendes)�

Cuidavam-se de quatro mandados de injunção a respeito da mesma questão: o direito ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, cuja lei de regulamentação, prevista no art. 7º, XXI, da Constituição, ainda não havia sido editada pelo Congresso Nacional. Após reconhecer a existência de omissão inconstitucional do Poder Legislativo, os Ministros decidiram pela necessidade de que a Corte estabelecesse um regime temporário a fim de permitir, desde logo, a fruição do direito. No entanto, dada a inexistência, na ordem jurídica interna, de um parâmetro próximo que pudesse ser tomado como referencial, a Corte optou por suspender o julgamento e estudar a matéria em maior detalhe. Alguns ministros chegaram a mencionar exemplos do Direito comparado, recomendações da Organização Internacional do Trabalho ou ainda outros parâmetros que poderiam ser adotados. Antes mesmo de o julgamento ser retomado, porém, o Congresso Nacional aprovou uma lei acerca da matéria, de modo que provavelmente será reconhecida a perda de objeto nas quatro ações.

O precedente chama a atenção por duas questões teóricas de enorme relevância. Em primeiro lugar, confirma e aprofunda a jurisprudência do STF em matéria de mandado de injunção, na medida em que a Corte havia se comprometido a instituir um regime normativo temporário a partir de aportes doutrinários, de atos internacionais e do Direito comparado. Nesse sentido, estar-se-ia diante do um caso ainda mais ostensivo de criação judicial do Direito, superando, nesse aspecto, os precedentes anteriores, nos quais se mostrara possível buscar algum parâmetro mais ou menos próximo na própria ordem jurídica interna. O comentário é feito a título de constatação, e não de crítica, uma vez que a intervenção judicial estaria sendo feita para superar os efeitos de uma omissão inconstitucional de muitos anos, que tornava inviável o exercício pleno de um direito constitucional. Em segundo lugar, o diálogo institucional que se instaurou por conta da decisão não poderia ser mais explícito (e acelerado). Menos de quatro meses após a decisão – e antes que o STF tivesse a chance de concluir o julgamento e explicitar o regime aplicável – viria a ser editada a Lei 12.506/2011, que regulamentou o dispositivo constitucional e estabeleceu o tempo máximo de noventa dias para o aviso prévio.

4. Aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010, de novo e ainda (RE 633.711, Rel. Min. Gilmar Mendes; RE 631.102/PA, Rel. Min. Joaquim Barbosa)��

O tema da ficha limpa foi objeto da retrospectiva de 2010, entra na de 2011 e provavelmente estará na de 2012. O ano passado terminou com a decisão provisória de se manter a decisão do TSE, no sentido de se considerar aplicável a Lei Complementar 135, de 2010, já nas eleições realizadas naquele ano. No começo de 2011, em seu primeiro momento decisivo na Corte, o ministro Luiz Fux votou pela impossibilidade de aplicação imediata, dada a incidência da regra de anterioridade eleitoral prevista no art. 16 da Constituição. Ao fim e ao cabo, parece ter prevalecido a solução que resguarda em maior medida a estabilidade do sistema eleitoral, o que não retira o inquestionável mérito da Lei, aplicável às eleições futuras. Iniciou-se, então, uma complexa dança de cadeiras, a fim de assegurar a posse dos candidatos eleitos que haviam sido tidos por inelegíveis por conta da aplicação imediata da Lei. Adicionalmente, a Corte iniciou o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade e de duas ações declaratórias de constitucionalidade em que se discute a validade das hipóteses de inelegibilidade introduzidas pelo diploma. Após dois votos pela constitucionalidade da lei, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

A Lei da Ficha Limpa fornece um exemplo expressivo do protagonismo político assumido pelo Supremo Tribunal Federal, por vezes de forma involuntária ou inevitável. Dado o surgimento de uma controvérsia objetiva a respeito da aplicação da anterioridade eleitoral à hipótese, não havia como o Tribunal deixar de prover uma resposta. E, qualquer que fosse ela, um dos lados da disputa acusaria a Corte de politização. Um comentário final: entre os pleitos que se iniciaram com a decisão final do STF – de candidatos eleitos que haviam sido preteridos –, um deles ganhou destaque e repercussão adicional. Trata-se do caso de Jader Barbalho, cujo pedido já havia sido julgado em definitivo antes do voto de desempate proferido pelo ministro Luiz Fux. Diante da mudança no provimento final, o candidato pediu a retificação do seu caso, o que levou a um novo empate na Corte. Cinco ministros votaram contra – alegando que o julgamento já estaria concluído –, ao passo que outros cinco votaram pela necessidade de se afastar a contradição, de efeitos tão drásticos. Essa segunda linha acabou prevalecendo por voto qualificado do Presidente da Corte, baseado em previsão expressa do Regimento Interno, introduzida pela Emenda Regimental 35/2009[4].

5. Abrangência dos plebiscitos realizados como etapa prévia à modificação do quadro de estados e municípios da Federação (ADIn 2.659/DF, Rel. Min. Dias Toffoli)��

Em mais uma mudança de jurisprudência, tomada por decisão unânime, o STF adotou o entendimento de que os plebiscitos prévios à modificação do quadro de estados e municípios da Federação deverão consultar todos os eleitores das áreas afetadas, sejam aquelas que irão se desmembrar, sejam aquelas que irão sofrer redução em seu território original. Segundo o Tribunal, esse é o sentido adequado do termo população diretamente interessada, referido no art. 18, § 3º, da Constituição, que trata da modificação no conjunto de estados. No caso dos municípios, a Emenda Constitucional 15 /1996 já havia explicitado a necessidade de consulta aos habitantes de ambas as partes, modificando § 4º do mesmo artigo para se referir às populações dos municípios envolvidos. Embora essa alteração tenha sido comentada e se tenha destacado a necessidade de uniformizar o procedimento aplicável a ambas as situações, a Corte frisou que o entendimento adotado corresponde à interpretação constitucionalmente adequada do sistema constitucional em seu conjunto, e não o resultado de mero preciosismo linguístico.

Em essência, o STF destacou que os fundamentos subjacentes à exigência de consulta determinariam a sua abrangência, sendo necessário ouvir os eleitores de todas as áreas afetadas, de forma direta, pela alteração territorial. Como é natural, isso inclui também os habitantes de estados ou municípios que venham a perder determinada fração de seus territórios, sobretudo em razão dos impactos econômicos desse tipo de alteração. Nesse ponto, a Corte rejeitou o argumento de que haveria um suposto direito fundamental à emancipação – um similar doméstico do direito à autodeterminação dos povos –, o qual seria decorrente do princípio democrático e da soberania popular. Com efeito, no âmbito do Estado único organizado sob a forma federativa, é apenas natural que a consulta seja mais abrangente e leve em consideração também os habitantes das áreas remanescentes. Nessa linha, aliás, vale registro a posição do ministro Marco Aurélio, que – incorporando argumentação do professor Dalmo Dallari

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–, sustentou a necessidade de consulta a toda população nacional, dados os impactos financeiros da eventual criação de novos estados, sobretudo no que concerne à repartição de receitas. A par de envolver questão teórica de especial importância, a decisão acabou ganhando um colorido adicional em razão dos plebiscitos que seriam realizados a respeito da proposta de desmembramento do Estado do Pará, os quais, ao que tudo indica, teriam tido um desfecho diferente caso tivesse sido mantida a jurisprudência anterior.

6. Direito à nomeação dos candidatos aprovados em concurso público (RE 598.099/MS, Rel. Min. Gilmar Mendes)��

Nesse precedente, o STF confirmou a orientação adotada pelo STJ no sentido de se considerar que os candidatos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação, desde que haja obtido classificação dentro do número de vagas previsto em edital e que exista a previsão orçamentária correspondente. A decisão – que se alinha com votos vencidos e manifestações anteriores do ministro Marco Aurélio e da ministra Cármen Lúcia – modificou a jurisprudência tradicional do próprio STF, que qualificava a pretensão dos candidatos aprovados como mera expectativa de direito, exercendo controle tão-somente nos casos de preterição na ordem de nomeações. O Tribunal ressalvou, porém, a possibilidade de situações excepcionais em que um fato superveniente ao edital, grave e imprevisível, justifique a não-nomeação.

A decisão merece destaque pela releitura da discricionariedade administrativa e da própria ideia de supremacia do interesse público, que não se confunde com a prevalência indiscriminada de eventuais razões de Estado. Em rigor, a avaliação da conveniência das contratações deve ser realizada no momento em que se decide pela abertura do concurso público e especificação das vagas disponíveis. A partir daí, o normal é que se proteja a confiança legítima que os candidatos terão depositado na Administração Pública. Nessa mesma linha, o Tribunal destacou que mesmo as hipóteses excepcionais, que poderão impedir a nomeação, deverão ser devidamente motivadas.

7. Caso Cesare Battisti (Reclamação 11.243/Itália, Rel. Min. Gilmar Mendes, Rel. p/ o acórdão Min. Luiz Fux)��

O último capítulo do caso Cesare Battisti foi decidido na Reclamação 11.243, em que a República Italiana questionou a decisão do presidente da República de não conceder a extradição do ex-ativista. Segundo a Itália, a decisão do Poder Executivo teria extrapolado os limites fixados pelo acórdão do STF, que havia autorizado a extradição e determinado que o presidente observasse os termos do tratado firmado entre os dois países. A partir dessa premissa, o Estado requerente pedia ao STF para declarar a nulidade do ato do presidente. Ao final, prevaleceu a tese contrária, sustentada pela defesa do extraditando e endossada pelo procurador-geral da República, no sentido de se considerar que o mérito da decisão presidencial seria insuscetível de reavaliação por parte do STF. Destacou-se, igualmente, o fato de que a concessão ou negativa de extradição constitui ato de soberania, que não poderia ser questionado por Estado estrangeiro perante as instâncias judiciais internas.

Colocado em perspectiva, o precedente merece destaque ao menos por duas razões interligadas. Em primeiro lugar, confirmou-se o entendimento de que a decisão do STF em matéria de extradição é de natureza autorizativa, tendo por objetivo impedir a entrega do indivíduo nos casos em que a providência seja incompatível com a Constituição ou com as leis brasileiras, notadamente quando haja risco aos direitos fundamentais do extraditando. Autorizada a extradição, a decisão final caberá ao presidente da República, que poderá levar em conta as circunstâncias concretas do caso e eventuais obrigações decorrentes do sistema internacional de proteção aos direitos humanos, que recomenda a denegação dos pedidos extradicionais sempre que haja qualquer risco de agravamento indevido da situação pessoal do extraditando. Em segundo lugar, a decisão final do STF representa um marco – consciente e declarado – de autocontenção, na medida em que a Corte se absteve de exercer controle sobre um ato de elevada densidade política, que buscava fundamento em dispositivos de textura especialmente aberta contidos na Constituição e em diversos tratados de que o Brasil é signatário.

8. Relativização da coisa julgada para se permitir o prosseguimento de nova ação de investigação de paternidade (RE 363.8889/DF, Rel. Min. Dias Toffoli)��

Tratava-se de recurso extraordinário interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que, confirmando decisão do juiz singular, determinara a extinção de ação de investigação de paternidade em razão da existência de coisa julgada. Inicialmente, a questão havia sido discutida em ação proposta em 1989, que terminara com uma decisão de improcedência do pedido de reconhecimento fundamentado na falta de provas da paternidade. À época, a defesa do então menor de idade havia requisitado a realização do exame de DNA, que não foi realizado por falta de recursos da parte – beneficiária da justiça gratuita – e pela recusa do Estado em custear o procedimento. Posteriormente, a jurisprudência se encaminhou no sentido de ser obrigatório o custeio do exame por parte do Poder Público, orientação que viria a ser cristalizada em lei do Distrito Federal. Todas essas circunstâncias foram sopesadas pelo STF, que determinou, por maioria de sete votos a dois, que a ação tivesse seguimento.

O debate acerca da chamada relativização da coisa julgada está cada vez mais maduro e mais próximo do Supremo Tribunal Federal. Dada a complexidade da matéria, a Corte tem evitado pronunciamentos categóricos, cuidado que foi observado também no precedente de que se trata por meio da delimitação rigorosa da situação fática sob análise. A despeito disso, uma premissa central foi estabelecida claramente: o STF admitiu a possibilidade de se relativizar a coisa julgada por meio da aplicação da técnica da ponderação de normas constitucionais. No caso concreto, entendeu-se que o direito à identidade assumiria precedência sobre a regra da coisa julgada. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, que destacaram o status constitucional da coisa julgada e o fato de que a ação rescisória – respeitado o prazo legal – já seria uma forma de conciliação razoável entre os valores em jogo. Por fim, merece destaque um interessante debate teórico que se instaurou acerca da pertinência de se invocar o princípio da dignidade da pessoa humana na hipótese, linha que foi seguida por boa parte dos ministros, especialmente no voto-vista do ministro Luix Fux. O Ministro Dias Toffoli, porém, chamou a atenção para a banalização do referido princípio, cujo uso deveria ser reservado para os casos em que não seja possível o emprego de fundamento mais próximo e específico. Ainda que se possa discutir a sua aplicação ao caso de que se tratava – dada a conexão íntima entre a dignidade humana e os direitos da personalidade – a advertência é certamente válida no plano teórico.

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GRANDES JULGAMENTOS DO STF (2011-Atual)

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9. Dever do Poder Público de fornecer atendimento em creche e pré-escola localizada próximo ao domicílio da criança ou do trabalho de seus pais (AgRg no AI em Recurso Extraordinário 639.337/SP, Rel. Min. Celso de Mello)��

Tratava-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, confirmando a sentença de primeiro grau, assentara o dever estatal – sobretudo dos municípios – de fornecer atendimento a crianças menores de cinco anos em creche ou pré-escola, em local acessível aos pais, sob pena de multa diária. Invocando outros precedentes da Corte em sentido semelhante, a 2ª Turma do STF confirmou decisão monocrática do ministro Celso de Mello, em que se negava seguimento ao recurso e se afirmava, de forma enfática, o dever do Poder Público na matéria, bem como a legitimidade da intervenção judicial em caso de descumprimento.

O destaque especial desse precedente fica por conta do denso voto proferido pelo ministro Celso de Mello, que discorre de forma analítica acerca do controle judicial de políticas públicas. O entendimento por ele manifestado, e acolhido de forma unânime pela 2ª Turma, é no sentido de ser plenamente legítima a determinação judicial nos casos em que seja possível identificar um dever estatal específico decorrente da Constituição ou das leis, sobretudo quando esteja em causa o chamado mínimo existencial. Nessas condições, seria imprópria a invocação de argumentos como o da reserva do possível ou ainda o relacionado à suposta intromissão indevida do Poder Judiciário em questões políticas. Com efeito, embora o princípio da separação dos Poderes confira aos agentes políticos a competência para formatar as políticas públicas – o que envolve ampla margem de discricionariedade legítima –, não se pode cogitar de uma suposta liberdade de conformação para descumprir decisões já estabelecidas na própria Constituição ou que dela decorram de forma direta.

10. Constitucionalidade do Exame de Ordem aplicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (RE 603.583/RS, Rel. Min. Marco Aurélio)��

O recurso extraordinário em questão foi interposto por um bacharel que pleiteava o direito de se inscrever na OAB e exercer a advocacia sem ter de se submeter ao Exame de Ordem. A impugnação tinha como argumento central a alegação de ofensa ao princípio da liberdade de profissão, previsto no art. 5º, XIII. Segundo esse raciocínio, a exigência de aprovação em uma prova não poderia ser considerada uma forma de qualificação, termo utilizado pelo dispositivo constitucional na parte em que se refere à imposição de condições ao exercício profissional. Inicialmente distribuído para julgamento pela 1ª Turma, a matéria foi objeto de parecer do subprocurador-geral da República Rodrigo Janot, que opinou pela inconstitucionalidade do Exame de Ordem, incorporando e desenvolvendo o argumento de violação à liberdade de profissão. No entanto, a matéria acabou deslocada para julgamento em Plenário, ocasião em que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, manifestou-se pela validade da exigência, entendimento que acabou prevalecendo por decisão unânime.

O caso se destaca pela relevância da questão prática em discussão e também pela sistematização que foi dada ao princípio da liberdade de profissão. Com efeito, o STF reiterou o entendimento, já delineado em outros precedentes, de que a liberdade de escolha profissional somente é passível de restrição nos casos em que isso seja necessário para proteger ou promover relevante interesse público. Nesses termos, eventuais medidas restritivas devem passar no teste da razoabilidade ou proporcionalidade, considerados os seus três elementos. No caso concreto, entendeu-se que o Exame de Ordem passa no teste da adequação, uma vez que a Constituição admite a imposição de restrições relacionadas à qualificação profissional, que deve poder ser aferida. Além disso, o exame atenderia igualmente ao requisito da necessidade, na medida em que não se cogita de outra medida, destinada ao mesmo fim, que seja manifestamente menos restritiva. Por fim, a Corte entendeu que o Exame de Ordem não violaria a proporcionalidade em sentido estrito, já que a restrição – temporária – que dele decorre seria amplamente justificada pela necessidade de se tutelar o acesso à justiça e os demais direitos, inclusive de natureza fundamental, que são afetados pelo exercício deficiente da advocacia.

[1] As idéias desenvolvidas no presente tópico retomam discussões e assumem premissas desenvolvidas pelos autores nos seguintes artigos: Luis Roberto Barroso, Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo, Revista de Direito do Estado nº 16, 2009, p. 3 (versão eletrônica disponível em: http://webbib.no-ip.org:81/consulta/revista/revista96_completa_001.pdf); e Eduardo Mendonça, A Constitucionalização da política: entre o inevitável e o excessivo, Revista da Faculdade de Direito da UERJ, vol. 1, nº 18, 2010. Versão eletrônica disponível em: http://www.revistadireito.uerj.br/artigos/Aconstitucionalizacaodapoliticaentreoinevitaveleoexcessivo.pdf

[2] V., por exemplo, Flávio Dino, Hugo Melo Filho, Leonardo A. de Andrade Barbosa e Nicolao Dino, Reforma do Judiciário: comentários à emenda nº 45/2004, 2005, p. 108-9: “O CNJ não elide a competência disciplinar e correicional dos Tribunais, de modo que estes poderão ser instados pelo próprio CNJ a apurar os fatos – reservando-se este para uma intervenção posterior, caso a seu juízo seja necessária. (...) Ou seja, o CNJ não pode ter a pretensão de transformar-se em um ‘Big Brother’, dando conta do que se passa em milhares de unidades jurisdicionais em todo o território nacional, investigando juízes e serventuários. Deve, ao contrário, reservar-se um papel subsidiário e complementar em relação aos Tribunais, atuando sobretudo quando constatada a ineficácia dos mecanismos ordinários de administração e repressão”.

[3] Outro exemplo possível seria a defesa dos discursos de ódio, que inclusive já foi objeto de importante precedente do STF, no caso Ellwanger (HC 82.424, DJ 19 mar. 2004, Rel. originário Min. Moreira Alves, Rel. p/ o acórdão Min. Mauricio Corrêa).

[4] Ainda que se concorde com o desfecho desse caso concreto, vale uma ressalva acerca da constitucionalidade da inovação regimental. Sem prejuízo da necessidade de haver um mecanismo de superação de impasses, o voto de qualidade – que constitui verdadeiro voto duplo – não parece ser a melhor solução, uma vez que enfraquece a própria lógica da decisão colegiada, dando origem a uma maioria ficta. O deficit de legitimidade do voto de qualidade já havia sido reconhecido, de certa forma, pelo próprio Ministro Cezar Peluso, na ocasião em que se recusou a desempatar o julgamento de 2010, no qual se manteve, provisoriamente, a aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa. Por suas implicações sobre a concretização do devido processo legal, a matéria parece justificar uma reflexão mais cuidadosa por parte da comunidade jurídica e, sobretudo, do próprio Supremo Tribunal Federal, inclusive em razão da possibilidade de o modelo vir a ser copiado em diversos tribunais.

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RETROSPECTIVA 2012

STF entre seus papéis contramajoritário e representativo

3 de janeiro de 2013, 8h39

Por Eduardo Mendonça e Luís Roberto Barroso

Luzes da ribalta “Vidas que se acabam a sorrir Luzes que se apagam, nada mais É sonhar em vão tentar aos outros iludir Se o que se foi pra nós Não voltará jamais Para que chorar o que passou Lamentar perdidas ilusões Se o ideal que sempre nos acalentou Renascerá em outros corações”. Charles Chaplin (Versos em português: Antônio de Almeida e João de Barro)[1]

Introdução

O título da música lembrada na abertura dessa resenha ilustra o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo de 2012, quando esteve no centro do palco dos acontecimentos nacionais, sob luzes intensas e grande atenção da plateia. Os versos se aplicam aos diversos atores que participaram do enredo da Ação Penal 470. Quando o trem da história mudou de trilho e passou veloz, idealistas e oportunistas foram atropelados em um acidente coletivo e de grandes proporções. Ainda não é possível olhar para o episódio com distanciamento crítico e perspectiva. Mas não se pode falar do ano de 2012 sem uma reflexão sobre o mais longo e complexo julgamento da história do Tribunal.

A presente retrospectiva é dividida em três partes, cada uma delas de certa forma autônoma em relação às demais. Na primeira parte, faz-se uma breve reflexão teórica sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal em 2012, acrescida de um registro fático sobre as mudanças na composição e na presidência da Corte. A segunda parte contém o levantamento, em dez itens, das decisões mais emblemáticas proferidas pelo STF em 2012, cada uma delas acompanhada de um breve comentário. O ano foi bastante atípico, tendo sido assinalado pelo julgamento da ação penal referida acima, também conhecida como processo do “Mensalão”. Por fim, na terceira parte, faz-se uma reflexão sobre o futuro do STF e da jurisdição constitucional, com uma análise envolvendo questões político-institucionais, de agenda e de funcionamento da Corte.

Parte I

Afinal, quem fala em nome do povo?

I. O STF, a soberania popular e a opinião pública

O constitucionalismo democrático foi a ideologia vitoriosa do século XX em boa parte do mundo, derrotando diversos projetos alternativos e autoritários que com ele concorreram. Tal arranjo institucional é produto da fusão de duas ideias que tiveram trajetórias históricas diversas, mas que se conjugaram para produzir o modelo ideal contemporâneo. Democracia significa soberania popular, governo do povo, vontade da maioria. Constitucionalismo, por sua vez, traduz a ideia de poder limitado e respeito aos direitos fundamentais, abrigados, como regra geral, em uma Constituição escrita. Na concepção tradicional, a soberania popular é encarnada pelos agentes públicos eleitos, vale dizer: o presidente da República e os membros do Poder Legislativo. Por outro lado, a proteção da Constituição — isto é, do Estado de direito e dos direitos fundamentais — é atribuída ao Poder Judiciário, em cuja cúpula, no Brasil, se encontra o Supremo Tribunal Federal.

Daí a dualidade, igualmente tradicional, que estabelecia uma distinção rígida entre Política e Direito. Nessa ótica, tribunais eram independentes e preservados da política por mecanismos diversos (autonomia financeira e garantias da magistratura, dentre outros). Por outro lado, não interferiam em questões políticas. Para bem e para mal, esse tempo ficou para trás. Ao longo dos últimos anos, todas as resenhas sobre o STF elaboradas e publicadas aqui nesse mesmo espaço debateram o fenômeno crescente da judicialização da vida, revelador do fato de que inúmeras questões de grande repercussão moral, econômica e social passaram a ter sua instância final decisória no Poder Judiciário e, com frequência, no Supremo Tribunal Federal. Em tom crítico, na academia ou no Parlamento, muitos atores reeditaram o comentário de Carl Schmidt, contrário à ideia de criação de tribunais constitucionais, que falava dos riscos de judicialização da política e de politização da justiça. Ao contrário de Hans Kelsen, que os defendia. Não é o caso de reeditar esse debate, já feito nas resenhas anteriores e em textos doutrinários dos próprios autores da presente resenha[2].

O que cabe destacar aqui, por sua relevância para compreensão da atuação do STF este ano, é que a Corte desempenha, claramente, dois papéis

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distintos e aparentemente contrapostos. O primeiro papel é apelidado, na teoria constitucional, de contramajoritário: em nome da Constituição, da proteção das regras do jogo democrático e dos direitos fundamentais, cabe a ela a atribuição de declarar a inconstitucionalidade de leis (i.e., de decisões majoritárias tomadas pelo Congresso) e de atos do Poder Executivo (cujo chefe foi eleito pela maioria absoluta dos cidadãos). Vale dizer: agentes públicos não eleitos, como juízes e ministros do STF, podem sobrepor a sua razão à dos tradicionais representantes da política majoritária. Daí o termo contramajoritário. O segundo papel, menos debatido na teoria constitucional[3], foi por nós destacado na resenha do ano passado e referido como representativo[4]. Trata-se, como o nome sugere, do atendimento, pelo Tribunal, de demandas sociais e de anseios políticos que não foram satisfeitos a tempo e a hora pelo Congresso Nacional.

Pois bem: circunstâncias diversas têm colocado ênfase no papel representativo do Supremo Tribunal Federal. Apesar de se tratar de uma questão pouco teorizada, o fato é que um olhar reconstrutivo sobre a jurisprudência e a própria postura da Corte permite concluir que ela tem desenvolvido, de forma crescente, uma nítida percepção de si mesma como representante da soberania popular. Mais precisamente, como representante de decisões soberanas materializadas na Constituição Federal e difundidas por meio de um sentimento constitucional que, venturosamente, se irradiou pela sociedade como um todo. Tal realidade é perceptível na frequência com que as normas da Constituição são invocadas nos mais diversos ambientes. Do debate parlamentar às ações de consumo. Das passeatas gays às respostas da comunidade religiosa, ambas expressamente baseadas na mesma liberdade de expressão.

E se a Constituição ganhou as ruas, era apenas uma questão de tempo para que as ruas terminassem batendo à porta do STF, órgão encarregado de dar a última palavra nas questões constitucionais. Em um país dotado de uma Constituição abrangente, de um Tribunal Constitucional prestigiado e de múltiplos legitimados para provocá-lo, a jurisdição constitucional acaba sendo acionada por todos os lados. Pelo estudante que julga injusto perder sua vaga na universidade para um aluno beneficiário das cotas e pelas mulheres que sofrem o drama existencial de uma gravidez de feto anencefálico. Pelos que querem ter o direito de defender a descriminalização das drogas leves ou negar a ocorrência do holocausto, mas também pelos que consideram inconstitucional esse tipo de discurso.

Não raramente, a jurisdição constitucional é deflagrada pelos próprios agentes políticos, embora estejam entre os principais críticos da judicialização: seja pela minoria parlamentar que considera ter sido privada do devido processo legislativo, seja pelo governador de estado a quem não parece legítimo poder ser convocado para depor em CPI. Todos esperam que o STF faça valer o direito constitucional, que não deve ficar à disposição dos detentores momentâneos do poder. E com isso permitem que o Supremo Tribunal Federal processe esse conjunto de questões políticas na linguagem da Constituição e dos direitos fundamentais. Como há vencedores e vencidos nessas contendas, não é possível agradar a todos nem muito menos aspirar à unanimidade. Quem ganha, geralmente elogia a interpretação adequada da Constituição. Quem perde, lastima a invasão do espaço da política pela jurisdição. Tem sido assim desde sempre, em toda parte, dos Estados Unidos à África do Sul.

A permeabilidade do Judiciário à sociedade não é em si negativa. Pelo contrário. Não é ruim que os juízes, antes de decidirem, olhem pela janela de seus gabinetes e levem em conta a realidade e o sentimento social. Em grande medida, é essa a principal utilidade das audiências públicas que têm sido conduzidas, com maior freqüência, pelo STF[5]. Os magistrados, assim como as pessoas em geral, não são seres desenraizados, imunes ao processo social de formação das opiniões individuais. O que não se poderia aceitar é a conversão do Judiciário em mais um canal da política majoritária, subserviente à opinião pública ou pautado pelas pressões da mídia. Ausente essa relação de subordinação, o alinhamento eventual com a vontade popular dominante é uma circunstância feliz e, em última instância, aumenta o capital político de que a Corte dispõe para poder se impor, de forma contramajoritária, nos momentos em que isso seja necessário.

Este ponto é de extrema relevância: todo poder político, em um ambiente democrático, é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. A autoridade para fazer valer a Constituição, como qualquer autoridade que não repouse na força, depende da confiança dos cidadãos. Mas há sutilezas aqui. Muitas vezes, a decisão correta e justa não é a mais popular. E o populismo judicial é tão ruim quanto qualquer outro. É assim, alternando momentos de ativismo e de autocontenção, que a jurisdição constitucional tem se consolidado em todas as democracias maduras como instrumento de mediação das forças políticas e de proteção dos direitos fundamentais[6].

Esta relação do STF com a imprensa, com a opinião pública (o que quer que ela de fato signifique) e com a voz das ruas esteve particularmente em questão no julgamento da Ação Penal 470. O caso será objeto de comentário específico logo adiante. A verdade é que jamais houve um julgamento sob clamor público tão intenso, assim como sob mobilização tão implacável dos meios de comunicação. E é fora de dúvida que o STF aceitou e apreciou o papel de atender à demanda social pela condenação de certas práticas atávicas, que não devem ser aceitas como traço inerente ao sistema político brasileiro ou à identidade nacional. Desempenhou, assim, o papel representativo de agente da mudança. É inegável, todavia, que a superação de linhas jurisprudenciais anteriores, a dureza das penas e o tom por vezes panfletário de alguns votos surpreenderam boa parte da comunidade jurídica[7].

Do ponto de vista técnico, é impossível não exaltar o desempenho de alguns atores do processo. Em primeiro lugar, deve-se registrar a competência com que a denúncia foi construída e, posteriormente, sustentada. Por igual, na tribuna de defesa, brilharam alguns dos melhores advogados criminais do país. De outra parte, foi impressionante o trabalho do relator, ministro Joaquim Barbosa. Dominando amplamente os aspectos fáticos e jurídicos do processo, tornou imensamente difícil a divergência. Por fim, ao realizar, em alguma medida, um contraponto à posição do relator, o revisor, ministro Enrique Ricardo Lewandowski, enfrentou com bravura e fidalguia a incompreensão geral. Aqui cabe um comentário a mais.

A visibilidade pública, a cobrança da mídia e as paixões da plateia criaram, na sociedade, um ambiente mais próprio à catarse do que à compreensão objetiva dos fatos. Divergências maiores ou menores quanto à prova e suas implicações jurídicas eram tratadas pelo público com a exaltação das torcidas futebolísticas. De lado a lado. Esse misto de incompreensão e intolerância levou a episódios de incivilidade como o que foi vivido pelo ministro Lewandowski em uma seção eleitoral em São Paulo. O mesmo ministro, aliás, que havia recebido inúmeras manifestações de

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apoio popular por seu papel de destaque na condução das Eleições de 2010 e no julgamento que confirmou a validade da Lei da Ficha Limpa. A lição é inequívoca: o reconhecimento popular pode ser efêmero e mutável, e o bom juiz não pode e não deve agir para obtê-lo.

Em ambos os casos, o ministro Lewandowski teve a coragem moral de votar segundo sua consciência jurídica, sendo coerente com suas reiteradas decisões em matéria penal e eleitoral, respectivamente. Essa mesma coragem e compromisso com a dignidade da própria função foram observados, por exemplo, na questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Aurélio a respeito da possibilidade de se aplicar a regra da continuidade delitiva a parte das condenações, bem como na decisão do ministro Joaquim Barbosa, já como presidente da Corte, que negou o pedido de prisão dos condenados antes do trânsito em julgado, remetendo à jurisprudência garantista do STF na matéria. Em nenhum desses exemplos prevaleceu “a voz das ruas”. É possível concordar ou discordar de cada uma dessas posições, pelos mais variados motivos, como é próprio nos regimes democráticos. Mas já não se pode explicar a democracia brasileira sem abrir um capítulo para a contribuição do Supremo Tribunal Federal como instância de reflexão institucional sobre os temas mais importantes para o país.

Cabe agora responder à pergunta que dá título a esta primeira parte da Resenha de 2012: “Afinal, quem fala em nome do povo?”. Em uma democracia, todo poder é representativo, vale dizer, é exercido em nome e no interesse do povo, e deve contas à sociedade. Sendo assim, os três Poderes da República devem falar em nome e no interesse do povo, cada um dentro da sua missão institucional. Interpretar a Constituição e aplicar a lei penal são papéis do Judiciário e, em última instância, do Supremo Tribunal Federal. É o que diz a própria Constituição, expressão máxima da soberania popular. A frase, reproduzida por Ruy Barbosa e banalizada nos dias que correm, de que o Tribunal Constitucional tem o direito de errar por último constitui uma alegoria verdadeira em qualquer Estado constitucional e democrático.

II. As mudanças na composição da Corte

Em 2012, dois ministros afastaram-se do STF por aposentadoria, ambos logo após o exercício da Presidência. O primeiro foi o ministro Cezar Peluso, que deixou uma marca de rigor técnico e, especialmente nas matérias que lhe falavam ao coração, defesa apaixonada de seus pontos de vista. Magistrado de carreira e com ampla experiência na dinâmica dos colegiados, exerceu no STF uma liderança natural[8]. Para a vaga por ele deixada, a presidenta Dilma Roussef indicou o ministro Teori Albino Zavascki, então membro destacado do Superior Tribunal de Justiça. Respeitado como jurista e como magistrado, sua indicação foi saudada pelos mais diferentes setores da sociedade.

O segundo a deixar a Corte foi o ministro Carlos Ayres Britto. De formação e estilo singulares, soube exercer uma liderança notável à sua maneira. Demonstrando que é possível conciliar a leveza que lhe é própria com eficiência e energia, conduziu o STF no julgamento mais complexo de sua história, ao menos sob o ponto de vista procedimental. E também em outros casos memoráveis, como aquele em que se afirmou a constitucionalidade da política de cotas. Ao mesmo tempo, deixou para a Corte um legado relevante de racionalização da sua própria atividade, no que se inclui a redução das pautas das Sessões Plenárias a projeções realistas e um começo de reflexão institucional acerca do instituto da repercussão geral, antes que chegue à completa disfuncionalidade. Tudo sem mencionar o fato de ser uma pessoa adorável.

Ao deixar a Corte, passou a Presidência ao ministro Joaquim Barbosa, recém saído da relatoria da Ação Penal 470. É impossível fugir ao registro, tantas vezes repetido, de que se trata do primeiro negro a presidir o Tribunal mais importante do país. De formação técnica sólida, aguerrido na defesa de suas posições e extremamente sério, seu exemplo há de contribuir para que essa característica fenotípica, afinal irrelevante, deixe mesmo de fazer diferença para as próximas gerações de brasileiros.

Parte II

Dez questões emblemáticas decididas em 2012

I. Critério de seleção

O presente tópico não tem a pretensão de sumariar todas as decisões significativas do ano, que foram muitas, a despeito dos mais de quatro meses em que o STF esteve concentrado na Ação Penal 470. A seleção a seguir enuncia julgados que se destacaram por seu alcance prático ou por sua relevância teórica, servindo para ilustrar as diferentes facetas do protagonismo exercido pela Corte.

1. Julgamento criminal do chamado Mensalão (Ação Penal 470/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, aguardando publicação)�Um resumo das discussões jurídicas travadas no âmbito da Ação Penal 470 teria, inevitavelmente, dezenas de páginas. Sem prejuízo disso, alguns comentários parecem desde logo possíveis e pertinentes. O primeiro deles é que chega a ser curioso que o caso de maior repercussão na história do STF não tenha envolvido, em seu cerne, a discussão de uma questão constitucional. Ainda assim, temas constitucionais importantes surgiram nas laterais do processo, como a questão da perda automática dos mandatos parlamentares em razão de condenação criminal. Para além dessas questões pontuais, o conjunto da obra tem reflexos constitucionais relevantes. Tal como já foi referido, parece muito nítido que o STF aproveitou a oportunidade para condenar toda uma forma de se fazer política, amplamente praticada no Brasil. Ao proceder assim, o Tribunal acabou transcendendo a discussão puramente penal e tocando em um ponto sensível do arranjo institucional brasileiro.

Quem estava no caminho dessa mudança de percepção foi atropelado, e por isso é compreensível que os condenados se sintam, não sem alguma amargura, como os apanhados da vez, condenados a assumirem sozinhos a conta acumulada de todo um sistema. Por isso mesmo, aliás, é razoável supor que a mudança ficará incompleta caso não se aproveite a ocasião para levar a cabo uma reforma política abrangente, que desça à raiz do problema. Ainda assim, e sem entrar no mérito das condenações individuais, é fato inegável que o Supremo verbalizou e concretizou um desejo social difuso pela extensão do sistema penal aos desvios ocorridos na política e à criminalidade econômica.

É cedo para dizer se isso se refletirá em um endurecimento geral do STF em matéria penal. Outras decisões de 2012 contrariam essa suposta tendência, que não parece dominante na Corte e tampouco representaria avanço. A repressão penal não é algo que deva ser objeto de euforia

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popular e certamente não deve deixar de ser encarada com a ultima ratio. Para quem queira ver o tema por esse ângulo, o melhor subproduto da Ação Penal 470 não foi o recrudescimento da repressão, e sim a diminuição do caráter seletivo — dura com os marginalizados, mansa com os ricos e poderosos — de que ela ainda se reveste no Brasil.

2. Constitucionalidade da antecipação do parto de fetos anencefálicos. Descaracterização do crime de aborto (ADPF 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, aguardando publicação)�Retomando julgamento iniciado em 2004, o STF considerou que as gestantes têm o direito de optar pela antecipação do parto nos casos em que o feto sofra de anencefalia, malformação congênita que consiste na ausência dos hemisférios cerebrais e pode ser detectada, com segurança, por meio de ultrassonografia. Seguindo o voto do relator, ministro Marco Aurélio, a maioria dos ministros entendeu que a hipótese não pode ser subsumida ao tipo penal do aborto, seja pela consideração de que esse tipo pressupõe a possibilidade do nascimento com vida (cerebral), seja por meio da interpretação dos dispositivos pertinentes a luz da Constituição. Ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski — que sustentou o argumento de que a Corte estaria indevidamente criando normas, potencialmente aplicáveis a diversas outras hipóteses de malformação —, e Cezar Peluso, que externou uma divergência enfática a partir do ponto de vista de que se deveria proteger a vida e a dignidade humana do feto, em quaisquer condições.

A despeito das variações na fundamentação, todos os ministros que compuseram a maioria destacaram que o direito à antecipação do parto decorre diretamente de um conjunto de preceitos fundamentais, com destaque para a dignidade da pessoa humana. Nesses termos, afastaram a alegação de que a Corte estaria se imiscuindo no espaço reservado às instâncias políticas para modificar a legislação penal vigente. Diante da existência de consenso científico quanto à segurança do diagnóstico e à inviabilidade de vida na hipótese, entendeu-se que seria um ato de violência estatal obrigar as mulheres a levarem adiante a gestação inviável, impondo-lhes determinado padrão ético ou religioso que não é obrigatório à luz da Constituição. De forma correlata — como é próprio em matérias caracterizadas por desacordos morais razoáveis —, ficou plenamente resguardado o direito das gestantes que desejarem manter a gravidez até o final, seguindo seus próprios sentimentos ou convicções. Embora instados por via de memorial e na sustentação oral a encamparem o argumento mais abrangente da liberdade reprodutiva das mulheres, a maioria dos ministros optou por uma tese mais minimalista[9].

3. Constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e sua aplicabilidade a fatos anteriores (ADCs 29/DF e 30/DF, ADIn 4.578/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 29 jun. 2012)�Após assentar a inaplicabilidade da chamada Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010, coube ao STF, em 2012, analisar a constitucionalidade material das novas disposições e decidir se fatos anteriores à edição do texto legal poderiam gerar inelegibilidades. Quanto ao primeiro aspecto, os debates mais acirrados disseram respeito à previsão de que a inelegibilidade pode se instalar ainda antes do trânsito em julgado da condenação, bastando que haja decisão proferida por órgão colegiado. A regra acabou sendo mantida, por decisão majoritária, sob o argumento central de que a matéria não seria penal e que a opção legislativa teria sido razoável. No segundo ponto, por apertada maioria, prevaleceu o entendimento de que a elegibilidade deve ser aferida no momento do registro da candidatura, sendo possível que fatos anteriores sejam levados em consideração sem que se caracterize retroação indevida. Ficaram vencidos os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cesar Peluzo, que consideravam inconstitucional a atribuição de novos efeitos negativos a eventos pretéritos.

Já é o terceiro ano consecutivo em que temas relacionados à Lei da Ficha Limpa figuram na retrospectiva das decisões mais relevantes. Dessa vez, cuidava-se de avaliar a essência do novo regime idealizado pelo legislador, constituída pela possibilidade de se abrir mão do trânsito em julgado para a imposição da inelegibilidade. A confirmação de sua constitucionalidade e, mais ainda, a prevalência do entendimento mais restritivo na controvertida questão intertemporal anteciparam uma nítida pretensão do STF de contribuir para a modificação da forma como se faz política no Brasil. Essa tendência viria a atingir seu ápice no julgamento da Ação Penal 470, já comentada, mas motivou a crítica — sobretudo interna, dos ministros que compuseram a minoria — de que a Corte estaria flexibilizando sua tradição garantista para atender ao clamor popular.

4. Constitucionalidade da instituição de cotas em universidades públicas (ADPF 186/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, aguardando publicação) e do Prouni (ADIn 3.330/DF, Rel. Min. Carlos Britto, aguardando publicação)�Em dois dos julgamentos mais significativos de 2012, o STF confirmou a constitucionalidade da instituição de cotas para ingresso nas universidades públicas e também do Prouni — Programa Universidade para Todos. No primeiro caso, a decisão foi unânime e a Corte considerou que, em linha de princípio, são admissíveis tanto as cotas socioeconômicas quanto as cotas puramente raciais, bem como eventuais combinações de ambas. Restou igualmente decidido que a medida pode ser instituída pelo legislador ou pelas próprias universidades, no exercício da autonomia que lhes é conferida pelo artigo 207 da Constituição[10]. No que concerne ao Prouni, as principais discussões gravitavam em torno de possíveis vícios na medida provisória originária, posteriormente convertida em lei, bem como em alegada violação à exigência de lei complementar para a concessão de isenções fiscais.

A chamada democracia racial brasileira é um mito que não resiste a um lance de olhos em qualquer das estatísticas relevantes[11]. Ao confirmar a validade do sistema de cotas, o STF permitiu que as instâncias políticas e a comunidade universitária instituam um regime jurídico diferenciado para promover um ambiente acadêmico mais plural e minimizar uma desigualdade enraizada, por vezes refletida na própria autopercepção dos desfavorecidos. Como é natural, critérios e percentuais devem ser verificados caso a caso, mas parece ter ficado clara a tendência de se prestigiar as opções políticas que venham a ser realizadas, desde que minimamente razoáveis. No caso da UNB, que constituiu o objeto do julgamento, cuidava-se de uma cota de 20% das vagas, reservadas para alunos negros e, em proporção mínima, de origem indígena. Previa-se, igualmente, um prazo de dez anos para a manutenção do programa, ponto que não chegou a ser considerado determinante.

O julgamento em que se declarou a constitucionalidade do Prouni, ocorrido dias depois, beneficiou-se parcialmente de algumas das premissas assentadas no precedente relativo às cotas, notadamente no que concerne à validade da criação de desequiparações jurídicas em função das desigualdades de fato existentes. De forma mais concreta e específica, a Corte superou o argumento de que a medida provisória originária teria sido editada sem relevância e urgência, bem como a alegação de que teria ingressado em seara reservada à lei complementar, por resultar na concessão de isenções fiscais. Ficou vencido, em ambos os pontos, o ministro Marco Aurélio. Merece destaque, igualmente, o voto-vista do ministro

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Joaquim Barbosa, que descaracterizou a ocorrência de ofensa à autonomia universitária — tendo em vista que a adesão ao Programa é facultativa — e também ao princípio da livre-iniciativa, a partir da consideração de que a oferta de educação pode estar sujeita a uma regulação mais próxima do Estado, ainda mais quando se cuida de mecanismo de adesão voluntária e destinado a preencher vagas que antes ficavam ociosas.

5. Constitucionalidade da chamada Lei Maria da Penha, com a ressalva da regra que condicionava a ação penal à representação da vítima (ADC 19/DF e ADIn 4.424/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, aguardando publicação)�A ação declaratória de constitucionalidade foi proposta pelo presidente Luís Inácio da Silva, tendo em vista a existência de divergência jurisprudencial acerca da validade da Lei 11.340/2006, que instituiu regras diferenciadas para a tramitação de inquéritos policiais e ações penais relacionadas à violência doméstica contra mulheres. De forma particular, discutia-se a determinação de que os crimes em questão não estariam submetidos à Lei 9.099/98, tanto em razão de se afastar a competência dos juizados especiais criminais quanto pela inaplicabilidade de suas demais regras, mais flexíveis no geral. Posteriormente foi ajuizada também uma ação direta de inconstitucionalidade, agora pelo procurador-geral da República, na qual se buscava ver declarada a invalidade dos artigos 12, I e 16 da mesma lei. Tais dispositivos, em determinadas hipóteses e nos termos da legislação penal convencional, condicionavam a ação penal à representação da vítima.

Em ambos os casos, o STF adotou a interpretação que considerou mais protetiva às mulheres, destacando expressamente a importância da Lei Maria da Penha como ação afirmativa destinada a coibir a prática da violência domestica. Sob essa premissa, a Corte deu provimento à ação declaratória de constitucionalidade, por decisão unânime, entendendo que a criação de um regime diferenciado para esse tipo de crime seria perfeitamente compatível com o princípio da igualdade, tendo em vista a existência de uma grave desigualdade material a ser compensada. Na ação direta de inconstitucionalidade, a maioria dos ministros optou por conferir interpretação conforme aos dispositivos questionados para o fim de estabelecer que, nos crimes de que se trata, a ação penal será sempre incondicionada. Nas relações domésticas, sobretudo nas camadas mais humildes da população, não é raro que a dependência econômica estimule a complacência e conduza à impunidade reiterada. Ficou vencido, nesse ponto, o ministro Cezar Peluso, que entendeu pela razoabilidade da opção legislativa e ponderou que a autonomia da mulher deveria ser respeitada em nome da dignidade da pessoa humana.

6. Competência originária do CNJ, concorrente com as dos tribunais, para o julgamento de processos administrativos disciplinares contra magistrados (ADIn 4.638/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, aguardando publicação)�Nessa ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, eram questionados inúmeros dispositivos da Resolução 135/2011, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre o processo administrativo disciplinar contra os magistrados, desenvolvido perante aquele órgão. O ponto mais controvertido dizia respeito à competência concorrente do CNJ para julgar processos de forma originária, dispensando-se manifestação prévia do tribunal de origem. A matéria já havia sido comentada na retrospectiva de 2011, ano que terminara com uma decisão liminar do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido de considerar que a competência do CNJ seria subsidiária. A liminar foi levada ao Plenário para referendo logo na volta do recesso judiciário e deu origem ao primeiro caso marcante do ano de 2012.

No final, por seis votos contra cinco, prevaleceu o entendimento contrário ao do relator, afirmando-se a competência originária do CNJ, plena e incondicionada, para efetuar a apuração de infrações disciplinares de magistrados. Nessa mesma linha, rejeitou-se a solução alternativa de admitir o exercício de competência originária mediante fundamentação específica, na qual seriam declinadas as razões que tornariam a apuração no tribunal de origem inadequada e/ou justificariam a atuação direta do CNJ. A maioria superou as alegações de que o sistema seria ofensivo à autonomia dos tribunais e padeceria da falta de um critério uniforme para a determinação da competência, além de potencializar o risco de sobrecarga do CNJ. De certa forma, a decisão parece ter refletido o momento de afirmação institucional do órgão e o esforço que tem sido desenvolvido para aumentar a transparência do Poder Judiciário[12]. Por isso mesmo, não se deve descartar a hipótese de, passada essa primeira fase, o próprio aumento da demanda vir a exigir critérios mais rígidos para definir a competência do CNJ.

7. Controle sobre os concursos para as carreiras da Magistratura e do Ministério Público, exercido pelo CNJ e pelo CNMP (MS 31.372/DF, Rel. Joaquim Barbosa, decisão monocrática publicada em 15 jun. 2012; e MS 30.822/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 26 jun. 2012)�No exercício de suas competências de supervisão administrativa, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público têm prestado uma contribuição inestimável na padronização e racionalização dos concursos para as respectivas carreiras. Essa atividade tem sido exercida tanto em caráter normativo-prospectivo — e aqui o exemplo mais emblemático é a Resolução 75/2009, do CNJ, que disciplina os concursos da Magistratura — quanto por meio do controle de irregularidades ocorridas em concreto. No ano de 2012, dois desses casos merecem especial destaque. No primeiro, o CNJ suspendeu e posteriormente reconheceu a nulidade parcial da etapa de provas orais no concurso para juiz estadual de São Paulo, por conta de uma série de irregularidades. No segundo, o CNMP anulou a etapa da prova psicotécnica em concurso para a carreira do Ministério Público no estado de Rondônia, em razão da falta de critérios objetivos.

No caso de São Paulo, a questão central levada ao CNJ envolvia a possibilidade de realização de entrevistas reservadas após as provas orais propriamente ditas, sem gravação de áudio ou qualquer outro tipo de registro formal. Diante desse e de outros indícios de irregularidades, o relator do processo no CNJ determinou a suspensão do concurso, que foi mantida pelo colegiado e também por decisão monocrática do ministro Joaquim Barbosa, negando liminar requerida em mandado de segurança impetrado pelo TJ-SP. Ao final, por ampla maioria de votos, o CNJ reconheceu a nulidade parcial da etapa de provas orais, determinando que fossem refeitas para os candidatos inicialmente reprovados. Do ponto de vista institucional, o maior legado terá sido o banimento definitivo das entrevistas reservadas e de tudo que elas representam[13].

No caso de Rondônia, e amparado no mesmo conjunto de idéias centrais, o CNMP declarou a invalidade de exame psicotécnico desprovido de critérios minimamente objetivos, divulgados previamente. A decisão foi confirmada pela 2ª Turma do STF, em acórdão relatado pelo ministro Ricardo Lewandowski. Dentre outros fundamentos, a Corte destacou que a falta de parâmetros impede a compreensão por parte dos próprios candidatos, bem como o acesso adequado à Justiça. Ambos os precedentes vêm ao encontro da tendência, identificada pelo ministro Carlos Britto,

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de se intensificar o controle sobre eventuais excessos de subjetividade nos concursos públicos em geral e, de forma particular, no âmbito das carreiras jurídicas.

8. Controle do processo legislativo e da atuação do Poder Legislativo de forma geral, a partir das exigências constitucionais (ADIn 4.029/DF, Rel. Min. Luiz Fux; MS 31.689/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão monocrática publicada em 22 nov. 2012; MS 31.816/DF, Rel. Min. Luiz Fux, decisão monocrática publicada em 19 dez. 2012)�Por razões variadas, o ano de 2012 ficou marcado por um conjunto de decisões do STF relacionadas a exigências constitucionais incidentes sobre a atuação do legislador. Embora parte da mídia tenha identificado uma guerra entre Poderes, parece possível observar o fenômeno sob um viés construtivo. Com efeito, a Corte não alterou substancialmente a sua tradição de deferência às escolhas das Casas Legislativas, de conteúdo material, que guardem relação com a sua dinâmica interna. Nessa linha, o STF absteve-se de exercer um controle intenso sobre os atos que levaram à cassação do senador Demóstenes Torres, limitando-se a monitorar as questões procedimentais que lhe foram submetidas. Por outro lado, o Tribunal avançou no controle do devido processo legislativo, inclusive no que diz respeito à observância regular das exigências regimentais.

Em um dos casos mais singulares do ano, ao menos sob o ponto de vista da teoria constitucional, o STF declarou incidentalmente a inconstitucionalidade da Resolução 01/2002, do Congresso Nacional, que dispunha sobre a tramitação de medidas provisórias e, de forma específica, sobre a Comissão Mista incumbida de sobre elas emitir parecer prévio[14]. Nos termos da referida Resolução, o parecer poderia ser dispensado em determinadas situações, de forma a facilitar o cumprimento do prazo constitucional de apreciação das MPs. Fugindo à ortodoxia e privilegiando a eficácia de sua própria decisão, a Corte conferiu efeitos erga omnes e vinculantes à declaração incidental, o que levou à constatação de que centenas de medidas provisórias teriam sido apreciadas de forma inconstitucional. Diante disso e em prestígio à segurança jurídica, a maioria dos ministros optou pela modulação dos efeitos temporais da decisão, preservando as MPs já convertidas em lei e aquelas então em tramitação.

Além do caso relatado acima, outras duas decisões monocráticas merecem referência, ambas em mandado de segurança e dotadas de natureza cautelar. A primeira foi proferida pelo ministro Marco Aurélio no MS 31.689/DF, conferindo respaldo à tese de que os governadores de estado não podem ser compelidos a comparecerem a CPIs instauradas no âmbito do Poder Legislativo federal, seja na condição de indiciados ou de testemunhas. O principal fundamento foi a aparência de violação à autonomia federativa conferida aos estados-membros. Com efeito, a pretensão de submeter o chefe do Poder Executivo estadual a uma convocação obrigatória do legislador federal parece baseada na premissa equivocada de que a relação entre o ente central e os entes locais seria baseada em hierarquia formal, e não na divisão de atribuições efetuada pela própria Constituição.

A segunda decisão foi proferida pelo ministro Luiz Fux no MS 31.816/DF, já no apagar das luzes de 2012 e em meio à acirrada disputa política relacionada à distribuição dos royalties e participações especiais da exploração de petróleo. A discussão girava em torno da pretensão do Congresso Nacional de apreciar, em regime formal de urgência, os vetos parciais apostos pela presidenta da República ao Projeto de Lei 2.565/2011, que viria a se converter na Lei 12.734/2012. O ministro Fux acolheu a tese de que os vetos devem ser votados na ordem cronológica de recebimento das mensagens presidenciais, tendo em vista a regra decorrente do artigo 66, §§ 4º e 6º, da Constituição, que estipula o prazo de quinze dias para apreciação da matéria sob pena de trancamento da pauta legislativa[15]. Nessas condições, o veto mais recente somente poderia ser avaliado após a votação dos anteriores, que vêm se acumulando há mais de uma década e já ultrapassam a casa dos três mil.

Como fundamento adicional — e aqui revisitando a jurisprudência tradicional do STF, que costuma ser refratária ao exame de questões regimentais — a decisão buscou fundamento na violação casuística de disposições do Regimento Comum do Congresso Nacional, relativas à tramitação dos vetos. Embora tenha incidido sobre um contexto de peculiar tensão política, a decisão chamou atenção para a necessária regularidade do processo legislativo e para o estado de omissão inconstitucional permanente em que se transformou a apreciação dos vetos presidenciais. Superado o primeiro impacto, algumas vozes no Poder Legislativo já parecem reconhecer a necessidade de se levar a sério a revisão efetiva dos vetos, tal como determina a Constituição.

9. Um começo de reflexão sobre a eficácia da lei orçamentária anual (ADIn 4.663/RO, Rel. Min. Luiz Fux, decisão monocrática publicada em 1º fev. 2012. Julgamento colegiado interrompido por pedido de vista)�Em um ano em que o Plenário teve parte considerável de seu tempo destinada à Ação Penal 470, algumas decisões monocráticas trataram de temas especialmente relevantes. Umas delas, proferida pelo ministro Luiz Fux, iniciou uma necessária reflexão sobre a eficácia do orçamento público, questionando o entendimento convencional de que este seria meramente autorizativo. A hipótese versava sobre dispositivo de lei orçamentária estadual que pretendia tornar obrigatória a execução de dotações instituídas por emendas parlamentares. Ao afastar tal pretensão — que importaria o reconhecimento de créditos orçamentários de primeira e de segunda categorias —, a decisão destacou que todas as dotações, sem exceção, deveriam ser consideradas vinculantes a priori, admitindo-se a sua superação por ato administrativo motivado. Nesses termos, a decisão estabeleceu que essa forma de vinculação mínima decorreria diretamente do princípio da legalidade orçamentária e do sistema constitucional em seu conjunto[16].

Posteriormente, ao iniciar-se o julgamento colegiado, esse entendimento foi igualmente adotado pelo ministro Marco Aurélio. Na sequência, o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Ambos os votos proferidos até aqui reconhecem que as decisões orçamentárias constituem uma etapa imprescindível do processo de elaboração e execução das políticas públicas. Trata-se do momento de quantificar prioridades e escolhas trágicas, repartindo os recursos sempre insuficientes para atender simultaneamente a todas as necessidades sociais. Nesse contexto, parece razoável que o ato administrativo que supera previsão orçamentária, aprovada por lei, deva ser motivado, o que ajudaria a transformar o orçamento em um espaço efetivo de decisão democrática, passível de controle político e social. A retomada do julgamento, possivelmente em 2013, deve render debates intensos.

10. A interação entre fato e norma e a construção do direito constitucional in concreto (MS 28.700/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, aguardando

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publicação; e RE 637.485/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, aguardando publicação)�Um dos subprodutos da consolidação da jurisdição constitucional no Brasil é o nítido refinamento dos métodos interpretativos e das técnicas de decisão, na doutrina e na jurisprudência. Uma das percepções sutis que se tornaram mais comuns na prática do STF é o reconhecimento de que situações peculiares podem exigir soluções igualmente singulares, construídas sob medida à luz da específica interação entre os fatos relevantes e o sistema constitucional em seu conjunto. Esse conjunto de ideias já levou o STF a reconhecer a inconstitucionalidade de uma incidência particular de determinada norma, sem afetar sua validade geral[17], bem como a hipótese de norma ainda constitucional, mas em trânsito para a inconstitucionalidade[18]. Em 2012, são dignas de nota duas decisões que deram especial ênfase à valoração de fatos atípicos para a identificação da solução constitucionalmente correta.

No Mandado de Segurança 28.700/DF, o ministro Marco Aurélio concedeu medida liminar para restabelecer o pagamento de duas modestas pensões recebidas por viúva de cientista perseguido pelo AI-5, afastando determinação do TCU que havia considerado a cumulação ilícita. Dentre os fundamentos de decisão, merece destaque a tese de que a referida cumulação teria natureza de compensação pela injustiça sofrida. Nesses termos, o seu desfazimento constituiria violação ao artigo 8º da ADCT, que determinou a reparação das injustiças praticadas com base nos atos institucionais[19]. A eficácia negativa do dispositivo tornaria inválidos quaisquer atos estatais que viessem a produzir o efeito inverso ao pretendido pela norma, incluindo a suspensão de uma das pensões[20]. A orientação foi mantida por decisão unânime da 1ª Turma do Tribunal, com amplo destaque para a tese descrita[21].

Outro precedente interessante, agora do Plenário, envolveu a discussão sobre o chamado prefeito itinerante ou profissional. O termo foi cunhado no Tribunal Superior Eleitoral para identificar a figura do político que se candidata e é eleito sucessivas vezes ao cargo de prefeito, em municípios distintos. Ao candidatar-se em circunscrições diversas, o agente não estaria sujeito, em linha de princípio, à vedação contida no artigo 14, § 5º, da Constituição, que admite uma única reeleição para os cargos de chefia do Poder Executivo[22]. Modificando sua própria jurisprudência, por maioria de votos, o TSE passou a entender que a prática seria inconstitucional, por ofensa à teleologia do referido dispositivo. A orientação foi confirmada no STF, vencidos os ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, que sustentaram a taxatividade das hipóteses de inelegibilidade. Também por maioria e tendo em vista a mudança na jurisprudência até então consolidada, a Corte decidiu modular os efeitos temporais da decisão proferida pelo TSE, atribuindo-lhe caráter prospectivo.

Parte III�Algumas ideias e reflexões sobre o futuro do STF

É recorrente, no meio jurídico e político, o debate acerca da formatação ideal do Supremo Tribunal Federal. Por igual, a maneira adequada de lidar com a torrente de processos que chega à Corte e ameaça inviabilizá-la impõe reflexões indispensáveis. Por fim, é preciso pensar medidas de otimização do tempo do Plenário e de racionalização de procedimentos. A esses temas se dedicam os tópicos seguintes.

I. Questões político-institucionais

1. Mandato ou vitaliciedade�A maior parte dos tribunais constitucionais europeus atribui aos juízes constitucionais um mandato, normalmente longo, de cerca de uma década. Nos Estados Unidos, ao contrário, a nomeação dos ministros (justices) da Suprema Corte se dá em caráter vitalício, não se contemplando sequer a hipótese de aposentadoria compulsória em certa idade. Com frequência, justices americanos morrem nos cargos, ou se aposentam às vésperas de morrerem. No Brasil, por ocasião da Assembleia Constituinte de 1987-88, parte dos constitucionalistas, aí incluído o primeiro autor dessa resenha, defendeu o modelo europeu de mandato longo e sem recondução. Não foi essa, todavia, a fórmula que prevaleceu. Entre nós vigorou a nomeação em caráter vitalício, com aposentadoria compulsória aos 70 anos.

Vez por outra se suscita a ideia de se mudar o modelo brasileiro para a fórmula europeia, havendo inclusive propostas de emenda constitucional em tramitação no Congresso visando a esse fim. Embora muitos tenham defendido essa ideia, com bons argumentos, a verdade é que a essa altura a modificação não se afigura positiva, por duas razões ao menos. A primeira: pior do que não ter o sistema ideal é ter um modelo que não se estabiliza nunca, variando erraticamente ao longo do tempo. O mudancismo, nessa e em outras matérias, impede que as instituições se consolidem e sejam compreendidas e absorvidas pela cidadania em geral.

A segunda razão é um pouco mais prosaica, porém não menos relevante. Pela Constituição, qualquer brasileiro com notável saber jurídico e reputação ilibada, acima de 35 anos, pode ser nomeado para o STF. Suponha-se que alguém, aos 40 anos, seja indicado e aprovado, e que sirva por um mandato de 10 anos. Aos 50 anos, esse jurista deixará o cargo de ministro. Qual será o seu destino? No sistema atual, o da maioria dos ministros aposentados tem sido a prática de uma advocacia selecionada, muitas vezes focada na atividade de consultoria. Mas se um ministro se retirar da Corte aos 50anos e for advogar, o STF virará uma etapa de passagem na carreira jurídica, e não o seu ponto culminante. Tal circunstância seria ruim para o Tribunal e para a advocacia.

2. Predominância do presidente ou do Congresso na nomeação dos ministros�Existem, essencialmente, duas fórmulas de nomeação de juízes de supremas cortes e cortes constitucionais: (i) a que tem predominância do Executivo, com participação do Legislativo no processo de aprovação; e (ii) a que tem predominância — ou exclusividade — do Legislativo. A hipótese tipo da primeira fórmula é a Suprema Corte dos Estados Unidos, em que os justices são indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado. A segunda fórmula é adotada, por exemplo, na Alemanha, onde os juízes constitucionais são designados pelo Legislativo (em rigor, metade pelo Parlamento e a outra metade pelo Conselho Federal, órgão de representação dos Estados).

O Brasil, como se sabe, segue o modelo americano em que a nomeação é feita pelo presidente da República, com aprovação do Senado Federal (CF, art. 101, parágrafo único). Há uma outra instituição constitucional que segue o modelo de predominância do Legislativo no processo de escolha dos seus membros, que é o Tribunal de Contas da União (CF, art. 73, § 2º). Por uma razão essencial, penso que no contexto brasileiro, em relação ao STF, é melhor a fórmula vigente, em que o protagonista da nomeação é o presidente. É que a responsabilidade política do Congresso

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é extremamente diluída, em razão de sua composição envolver centenas de membros e dezenas de partidos políticos. Já a responsabilidade do presidente (à falta de uma tradução melhor para o termo inglês accountability) é facilmente atribuível, por sua visibilidade e destaque. Toda a comunidade jurídica sabe que José Sarney nomeou Celso de Mello, Fernando Henrique nomeou Gilmar Mendes e Lula nomeou Joaquim Barbosa. E é bom que seja assim. O presidente carrega, pessoalmente, o bônus ou o ônus da sua escolha, circunstância que gera maior preocupação com os critérios adotados e sua justificação pública. Uma avaliação isenta do histórico de nomeações permite concluir que o sistema tem produzido bons resultados, com competência técnica e perfis ideológicos variados.

3. Redução das competências do Tribunal. Reconfiguração do foro privilegiado�Em volume e variedade, o STF julga mais processos do que qualquer dos seus congêneres nos outros países. No Brasil, a Corte desempenha, simultânea e cumulativamente, jurisdição constitucional e ordinária. A jurisdição constitucional, por sua vez, envolve o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade (mediante ações diretas, como a de inconstitucionalidade, declaratória de constitucionalidade, de inconstitucionalidade por omissão e arguição de descumprimento de preceito fundamental) e o controle concreto e incidental (exercido, essencialmente, pela via dos recursos extraordinários). Daí ser possível classificar a atuação da Corte, para fins estatísticos, em Corte Constitucional, Corte Recursal e Corte Ordinária, como fizeram Joaquim Falcão, Pablo de Camargo Cerdeira e Diego Werneck Arguelhes, em importante relatório intitulado Supremo em Números[23].

Na categoria Corte ordinária incluem-se, sobretudo, os processos de competência originária do STF, em que ele funciona como instância única e final. É aí que se inserem os habeas corpus, mandados de segurança (inclusive contra atos do Tribunal de Contas da União), a extradição, ações contra o CNJ, etc. Destaca-se nesse tópico a competência para julgar ações penais contra o presidente da República, o vice-presidente e os membros do Congresso Nacional, dentre outras autoridades. Trata-se do chamado foro por prerrogativa de função, apelidado de foro privilegiado. Privilégio discutível, já que o julgamento em instância única e final apresenta muitas dificuldades teóricas e práticas.

A Ação Penal 470 exibiu a inconveniência de o Supremo Tribunal Federal conduzir, originariamente, processos criminais. Há contraindicações de natureza política e estrutural. À exceção, talvez, do presidente, vice e mais uma ou outra autoridade, uma alternativa a essa fórmula insatisfatória seria concentrar tais ações penais em uma vara especializada de primeiro grau em Brasília. O juiz titular deste Juízo seria escolhido pelo STF, entre juízes que já desfrutassem de antiguidade suficiente para serem promovidos ao Tribunal Regional Federal (TRF) de sua Seção Judiciária. Tal magistrado seria designado pelo prazo de dois anos, ao final dos quais ascenderia, automaticamente, à primeira vaga do TRF que se abrisse após cumprido este prazo. Não poderia ser preterido nem alçado a cargo judicial mais elevado, para se evitarem retaliações ou benesses. De sua decisão caberia recurso com efeito suspensivo para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que teria o prazo de 60 dias para apreciá-lo. Desta decisão do STJ, caberia recurso para o STF. Tal fórmula permitiria ao Supremo dar a última palavra, em prazo razoável, sem os ônus políticos e materiais da condução originária do processo.

II. Controle da agenda e do volume de processos

1. A crise da repercussão geral�De acordo com o relatório Supremo em Números, referido acima, 0,51% dos processos distribuídos ao STF envolvem sua atuação como Corte Constitucional; 7,80% como Corte Ordinária; e 91,69% como Corte recursal. Os dados revelam, nitidamente, que o congestionamento se encontra, sobretudo, na competência recursal da Corte, isto é, essencialmente nos recursos extraordinários (ou agravos de instrumento contra a denegação de seu seguimento). O mecanismo da repercussão geral foi criado, precisamente, para lidar com este problema, criando-se um filtro extra para acesso ao STF, consistente na demonstração, como requisito suplementar de cabimento do recurso extraordinário, de que se trata de questão de relevância econômica, social, política ou jurídica que transcende os interesses das partes envolvidas no processo. Em um primeiro momento, o instituto contribuiu, de fato, para a redução significativa de recursos extraordinários que chegam ao tribunal, inclusive e notadamente, pelo sobrestamento de processos na origem, até o julgamento da repercussão geral. A realidade insuperável, contudo, é que passada a redução inicial, o número de recursos extraordinários e de agravos de instrumentos estabilizou-se em um patamar que continua a inviabilizar a boa ordem de funcionamento da Corte[24].

Em recente artigo doutrinário, o ministro Marco Aurélio indaga, por diversos fundamentos, se o instituto da repercussão geral tem cumprido o papel para o qual foi criado. Ao compulsar os números relevantes, escreveu o segundo ministro mais antigo da Corte:

“Hoje, existem no Supremo trezentos e oito extraordinários com repercussão geral admitida e apreciação de fundo pendente. Já há mais recursos extraordinários a tramitar dentro do novo sistema do que a capacidade atual do Tribunal de examiná-los nos anos vindouros, mesmo que, no colegiado virtual, não se declare a repercussão geral de qualquer matéria em futuro próximo. No primeiro semestre de 2012, foi analisado o mérito de apenas cinco recursos com repercussão geral assentada. Outros 17 aguardam inclusão em pauta. O ritmo de reconhecimento, quando comparado ao de julgamento, leva a prever o colapso do sistema.

(...) Segundo estatística do próprio Tribunal, pelo menos 267.514 estariam sobrestados nos tribunais federais e estaduais, aguardando o Supremo pronunciar-se quanto ao mérito das matérias”[25].

Em final de 2012, segundo estatísticas da página eletrônica do STF, desde a criação do instituto até então, 440 matérias tiveram repercussão geral reconhecida. Dessas, somente 120 foram julgadas em definitivo. Segundo cálculo feito por Felipe de Melo Fonte, doutorando da UERJ e assessor de ministro do STF, em trabalho doutrinário ainda inédito, “nesse ritmo, se nenhuma outra matéria for considerada de repercussão geral, o Supremo julgará todas as teses em dilatados dezessete anos”[26]. O colapso do sistema é evidente. A repercussão geral, tal como vem sendo aplicada, manterá o indesejável status quo atual, em que boa parte da jurisdição constitucional é prestada em volume incompatível com a capacidade de trabalho dos ministros, convertendo-se em um indesejável sistema de delegações internas de competências decisórias.

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De acordo com a página eletrônica do STF, foi proferido em 2012 o número assombroso de 90.048 decisões, das quais 12.089 foram colegiadas (Plenário e Turmas) e 77.743 monocráticas. Dividindo-se linearmente o número de decisões pelos 10 ministros aos quais são distribuídos processos (o presidente não recebe novos feitos) tem-se o resultado de cerca de 9.000 processos por ano, por ministro. Como são dez meses de trabalho anual, a média é de 900 processos ao mês para cada ministro. Considerando uma jornada de 8 horas diárias, e sem descontar fins de semana e feriados, os ministros dedicariam menos de 4 minutos a cada processo. Os números são tão eloquentes que dispensam comentários, mesmo considerando as questões processuais simples e a repetição de alguns temas recorrentes. Em debates no exterior, é prudente escamotear esses dados para não passar a impressão de falta de seriedade.

2. Critério de seleção dos recursos a serem julgados pelo STF�“(O STF) não é uma corte que escolhe o que julga fundamental julgar. É antes uma corte escolhida pela parte. Não constrói seu destino. Seu destino lhe é construído por cada recurso que lhe chega por deliberação alheia, de terceiros”[27].

No direito comparado observa-se um padrão em que a atuação das cortes constitucionais ou supremas cortes é limitada a um número reduzido de causas de relevância transcendente. Uma das formas mais comuns para atingir esse propósito é permitir que exerçam controle sobre as causas que irão apreciar. Nos Estados Unidos, o principal mecanismo de acesso à Suprema Corte é o writ of certiorari, cuja característica marcante é a discricionariedade do tribunal em relação ao juízo de admissibilidade. Na Alemanha, o juízo sobre o cabimento da queixa constitucional (Verfassungsbeschwerde) — principal via de acesso ao Tribunal Constitucional — também é discricionário. A lei que rege a matéria menciona os seguintes critérios abertos: i) significado fundamental jurídico-constitucional da questão; ou (ii) existência de um prejuízo especialmente grave para o recorrente no caso de denegação. Entre nós, é indispensável que o STF assuma o controle da sua própria agenda.

Esta necessidade é reforçada pela constatação desconcertante de que dos cerca de 92% de processos em que a corte exerce sua competência recursal, 65% deles têm como parte o Poder Público. Dos 12 principais “clientes” do sistema, só um é pessoa jurídica privada. Todos os outros são pessoas jurídicas de direito público ou controladas pelo Poder Público, lista em cujo topo se encontram a Caixa Econômica Federal, a União Federal e o INSS. Vale dizer: a agenda do STF é ditada por algumas poucas partes, quase todas controladas pelo Poder Executivo. A única parte privada nessa lista é uma empresa de telefonia[28].

À vista desse cenário, é imperativa a utilização de um filtro mais radical no acesso ao Supremo Tribunal Federal, que combine um critério quantitativo-qualitativo. Algo assim: semestralmente ou anualmente, a Corte definiria o número de processos que tem condições de julgar naquele período. Vamos imaginar que sejam 500 processos por semestre. Pois bem: repercussão geral teriam os 500 processos mais importantes dentre os que subiram no semestre anterior. O que não fosse selecionado transitaria em julgado. Naturalmente, seria possível criar válvulas de escape para permitir a apreciação imediata de matérias urgentes que surjam no meio do período determinado.

Como seriam selecionados esses processos? Duas possibilidades: a) cada um dos 10 ministros (novamente deixando o presidente de fora) selecionaria 50 dentre os processos que lhe foram distribuídos; ou b) cada ministro votaria nos 500 ou um pouco mais, antes da distribuição, fazendo-se em seguida o cruzamento. Para assegurar impessoalidade e simplificar o processo, os casos devem ser submetidos de modo desidentificado (de partes e advogados), constando da capa a tese jurídica em discussão. Exemplo: Municípios podem cobrar ISS sobre operações de leasing? Pessoa jurídica tem direito a dano moral? Talão de cheque é correspondência para fins do privilégio postal da ECT? Os advogados fariam a enunciação e um pool de assessores apresentaria, se entendesse necessário, uma formulação alternativa.

Nesse modelo, o juízo acerca da repercussão geral só produziria efeitos vinculantes se positivo. No caso de juízos negativos — isto é, não sendo admitido o recurso —, disso não se extrairia a consequência de que a tese nele discutida não tem repercussão, mas apenas a de que ela não foi considerada prioritária naquele conjunto. A denegação não impediria, portanto, que em ano subsequente a questão jurídica nele debatida viesse a ser selecionada e decidida pelo STF. Esta fórmula seria libertadora para o Tribunal, que se desprenderia do dever de julgar processos em número superior à capacidade física de seus ministros. Naturalmente, seria necessário conceber uma forma racional de lidar com o estoque de recursos que se acumularam até aqui. Registre-se, por relevante, que esta não é uma opção ideológica ou filosófica, mas um imperativo da realidade, capaz de impedir que a jurisdição constitucional se converta em um produto massificado — incompatível com a sua natureza — ou que se transforme em um exercício de delegação interna de competências.

3. A agenda do Tribunal�A proposta acima teria, ademais, impacto decisivo sobre a elaboração da agenda do Tribunal. Atualmente, qualquer julgamento depende da soma de três vontades. Em primeiro lugar, o relator precisa liberar o processo para julgamento, pedindo sua inclusão em pauta. Ele pode levar anos até trazer um processo, sem que haja qualquer mecanismo para fazê-lo elaborar o voto e pedir data para o julgamento. Em segundo lugar, é prerrogativa do presidente da Corte a elaboração da pauta do Plenário, assim como do presidente de cada Turma apregoar os processos nas sessões de julgamento. Qualquer dessas duas vontades pode simplesmente impedir o julgamento de um processo. A elas se soma a possibilidade de pedido de vista por qualquer ministro. E embora o Regimento Interno preveja a retomada do julgamento até a segunda sessão ordinária subsequente, não é isso que prevalece na prática. Há pedidos de vista que duram anos. Um sistema que permita a obstrução do andamento, seja por ato de escolha seja como conseqüência do acúmulo de trabalho, não é bom. Com a definição da pauta do STF para o semestre ou para o ano, como proposto acima, tal problema desaparece. Sem mencionar que os ministros passam a ter mais tempo para reflexão e preparação de seus votos, diferentemente do que ocorre na atualidade, em que a pauta é definida na sexta-feira que antecede o julgamento, dando-lhes menos de uma semana de estudo concentrado[29].

III. Três sugestões de racionalização de procedimentos

1. Submissão da ementa do julgado à maioria que se formou�Em diversos julgamentos do STF, não fica totalmente claro o que foi decidido, nem tampouco qual foi o fundamento jurídico da decisão. Ainda mais grave: muitas vezes, a ementa do acórdão espelha apenas a posição pessoal do

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relator do caso, e não o que foi efetivamente decidido pela maioria. Não é bom que seja assim. A sugestão aqui veiculada é a seguinte: após o julgamento, o relator deve submeter aos integrantes da maioria a ementa de seu voto, para aprovação dos demais. Isso poderá ser feito na hora ou em plenário virtual. Dela constará breve resumo do que foi decidido, como é da tradição, bem como a tese jurídica que se extrai da decisão. O holding, na terminologia inglesa. Uma proposição simples e direta, como por exemplo: ²A lei de imprensa é incompatível com a Constituição e, por isso, não foi recepcionada². Com isso, a orientação a ser seguida pelos demais tribunais do país será mais claramente compreendida e inúmeras dificuldades de interpretação serão evitadas.

2. Circulação prévia da íntegra ou ao menos da conclusão do voto do relator�A segunda sugestão é também bastante simples: o voto do relator deve circular pelos ministros antes da sessão de julgamento, para que tenham conhecimento do seu teor. Ou, pelo menos, a tese central desenvolvida e a conclusão devem ser informadas. Isso permitirá que aqueles que estejam de acordo possam simplesmente aderir, sem o trabalho desnecessário de preparar outro voto para dizer a mesma coisa — e sem consumir tempo precioso nas sessões plenárias. Os que divergirem já poderão chegar à sessão com sua posição alinhavada em um voto. Assim, minimiza-se a necessidade de pedidos de vista, abreviando-se o tempo de duração dos processos. Note-se que o STF dispõe, ao longo do ano, de cerca de 88 sessões plenárias ordinárias e extraordinárias[30]. Considerando-se que cada sessão se estende por quatro horas de tempo útil efetivo, tem-se cerca de 352 horas para julgamentos plenários[31]. É um capital escasso que precisa ser administrado com a máxima racionalidade possível. O que acontece, na prática, é que tendo elaborado um voto completo, por desconhecer a posição do relator, cada ministro, mesmo que acompanhando-o, não se dispensa de ler o trabalho que já fez. Em lugar do tradicional “acompanho o relator” que prevalece nos demais tribunais, consome-se um tempo precioso na leitura de argumentos que se limitam a endossar o que já assentado.

3. Como regra, a leitura dos votos não deveria exceder um lapso de tempo estabelecido, que poderia ser de 20 ou 30 minutos�Os advogados têm exatos e rígidos 15 minutos para a sustentação oral do seu caso, independentemente do seu grau de complexidade. O sistema considera, portanto, que esse é um prazo razoável para apresentação de um argumento. Critério análogo deveria inspirar a manifestação dos ministros do STF. A leitura de votos extremamente longos, ainda quando possa trazer grande proveito intelectual para quem os ouve, gera um problema de disfuncionalidade. O fato é que, nas sessões plenárias, muitas vezes o dia de trabalho é inteiramente consumido com a leitura de um único voto. E a pauta se acumula. E o pior: como qualquer neurocientista poderá confirmar, depois de certo tempo de exposição, os interlocutores perdem a capacidade de concentração e a leitura acaba sendo para si próprio. Não há problema em que a versão escrita do voto seja analítica. A complexidade das questões decididas pode exigir tal aprofundamento. Mas a leitura em sessão poderia resumir-se a vinte minutos — trinta, excepcionalmente —, com uma síntese dos principais argumentos. Ou, em linguagem futebolística, um compacto com os melhores momentos.

A viabilidade dessa proposta deve estar associada à drástica redução de processos. É preciso tempo para elaborar o voto de próprio pulso ou ao menos rever com aplicação a minuta elaborada conforme orientação do julgador. Somente isso permitirá a apresentação oral concatenada, objetiva e facilmente inteligível da manifestação de cada ministro. O ponto culminante da sofisticação intelectual é a simplicidade. E, como bem captou Clarice Lispector: “Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”.

[1] Há uma gravação da canção Luzes da Ribalta, por Maria Bethânia, em http://letras.mus.br/maria-bethania/47236/.

[2] V. Luís Roberto Barroso, Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo. In: Luís Roberto Barroso, O Novo Direito Constitucional Brasileiro, 2012; e Eduardo Mendonça, A Constitucionalização da Política: Entre o Inevitável e o Excessivo, Revista de Direito do Estado 22:147, 2012.

[3] V., no entanto, Corinna Barret Lain, Upside-down Judicial Review, The Georgetown Law Journal 101:113, 2012; Thamy Pogrebinschi, Judicialização ou Representação: Política, Direito e Democracia no Brasil, 2012; e Luís Roberto Barroso, O Constitucionalismo Democrático no Brasil: Crônica de um Sucesso Imprevisto. In: Luís Roberto Barroso, O Novo Direito Constitucional Brasileiro, 2012, p. 41.

[4] Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-jan-03/retrospectiva-2011-stf-foi-permeavel-opiniao-publica-subserviente.

[5] Em 2012, O STF realizou duas audiências públicas de grande repercussão – sobre o pedido de que seja banido o uso do amianto crisotila no país e sobre a constitucionalidade da chamada Lei Seca – e convocou outras duas, com cronograma já definido para 2013. Uma sobre a nova regulamentação da TV por assinatura, trazida pela Lei nº 12.485/2011, e a outra acerca dos efeitos para a saúde gerados pelos campos eletromagnéticos, bem como sobre os impactos que a sua redução produziria na geração de energia. Além disso, dois dos principais julgamentos do ano, comentados na presente retrospectiva, foram precedidos da realização de audiências públicas: o que tratou da antecipação do parto nos casos de anencefalia e o que julgou a constitucionalidade do sistema de cotas nas universidades públicas.

[6] Esse ponto foi destacado pelo ministro Luiz Fux no denso discurso que proferiu por ocasião da posse dos ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, respectivamente, como Presidente e Vice-presidente do Supremo Tribunal Federal.

[7] A esse propósito, v. artigo publicado pelo ex-Ministro da Justiça e advogado Marcio Thomaz Bastos intitulado “Vigiar e punir” ou “participar e defender”. In: Revista Consultor Jurídico, 24 dez. 2012. Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-dez-24/retrospectiva-2012-direito-penal-brasileiro-encruzilhada.

[8] Um registro pessoal: no caso Cesare Battisti, a despeito da divergência cerrada quanto à tese de que cabe ao Presidente da República a decisão final em matéria de extradição, o Ministro Peluso teve a atitude edificante de assinar o alvará de soltura na mesma noite em que a sua posição restou vencida.

[9] V. a sustentação oral em http://www.youtube.com/watch?v=plUKobkpBB4.

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[10] CF/88, art. 207: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

[11] V. Luís Roberto Barroso, Cotas raciais são legítimas com parâmetros razoáveis. Parecer elaborado por solicitação do Instituto Educafro e junto aos processos aqui comentados. Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-abr-25/politica-cotas-raciais-legitima-parametros-razoaveis.

[12] Sobre o tema, v. Luís Roberto Barroso, O texto legal como base. In: O Globo, 1 dez. 2012. Disponível em http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2012/02/01/o-texto-legal-como-base-429380.asp.

[13] Sobre as questões fáticas subjacentes e a decisão do CNJ, v. http://www.conjur.com.br/2012-set-18/cnj-julga-ilegais-entrevistas-secretas-concurso-juiz-tj-sp

[14] CF/88, art. 62, “§ 9º: “Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional”. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001).

[15] CF/88, art. 66, § 4º: “O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto. (…) § 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final". (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001).

[16] Para um desenvolvimento analítico do conceito de vinculação mínima da lei orçamentária– entendida como a obrigatoriedade de cumprimento a priori, superável por ato administrativo motivado – v. Eduardo Mendonça, A constitucionalização das finanças públicas no Brasil – Devido processo orçamentário e democracia, 2010. Estudo originalmente desenvolvido como dissertação de mestrado, sob a orientação do professor Luís Roberto Barroso, no âmbito do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Uma versão resumida das idéias centrais encontra-se desenvolvida em Luís Roberto Barroso e Eduardo Mendonça, O sistema constitucional orçamentário. In: Ives Gandra da Silva Martins, Gilmar Ferreira Mendes e Carlos Valder do Nascimento, Tratado de direito financeiro, 2013 (no prelo).

[17] A titulo de exemplo, v. DJ 26 ago 2005, HC 83.996/RJ, Rel. originário Min. Carlos Velloso, Rel. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes.

[18] DJe 5 mar. 2010, AgRg no RE 341.717/SP, Rel. Min. Celso de Mello.

[19] CF/88, ADCT, art. 8º: “É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos. (…)”.

[20] Sobre o conceito de eficácia negativa, v. Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais – O Princípio da dignidade da pessoa humana, 2008.

[21] Sobre o caso e a decisão do STF, v. http://www.conjur.com.br/2012-nov-14/stf-permite-acumulacao-pensoes-viuva-cientista-cassado-ditadura

[22] CF/88, art. 14, § 5º: “O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997).

[23] Joaquim Falcão, Pablo de Camargo Cerdeira e Diego Werneck Arguelhes, Supremo em Números, Fundação Getúlio Vargas, 2011.

[24] Joaquim Falcão, Pablo de Camargo Cerdeira e Diego Werneck Arguelhes, Supremo em Números, Fundação Getúlio Vargas, 2011, p. 59.

[25] Marco Aurélio Mello, Cinco Anos de Repercussão Geral: Reflexões Necessárias, Revista de Direito do Estado 23, 2012, no prelo.

[26] Felipe de Melo Fonte, Decidindo Não Decidir: Preferências Restritivas e Autorregulação Processual na Jurisdição Constitucional Brasileira, mimeografado, 2012, p. 9.

[27] Joaquim Falcão, Pablo de Camargo Cerdeira e Diego Werneck Arguelhes, Supremo em Números, Fundação Getúlio Vargas, 2011, p. 21.

[28] Idem, p. 69.

[29] Esta questão da agenda do Tribunal encontra-se discutida, de forma mais analítica, em Felipe de Melo Fonte, Decidindo Não Decidir: Preferências Restritivas e Autorregulação Processual na Jurisdição Constitucional Brasileira, mimeografado, 2012.

[30] Felipe de Melo Fonte, Decidindo Não Decidir: Preferências Restritivas e Autorregulação Processual na Jurisdição Constitucional Brasileira, mimeografado, 2012, p. 22.

[31] Idem.

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RETROSPECTIVA 2013

As ruas, a opinião pública, a Constituição e o Supremo

26 de dezembro de 2013, 8h29

Por Luís Roberto Barroso

Há quase uma década escrevo a retrospectiva da revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o ano no Direito Constitucional e no Supremo Tribunal Federal. Renovado o convite este ano, não vi motivo para deixar de aceitá-lo. É bem verdade que mudei de lado do balcão: já não sou mais advogado, e sim juiz. Não é pequena a mudança de vida. Mas continuo a ser um professor de Direito — vale dizer, um estudioso aplicado das ideias e possibilidades de um sistema normativo legítimo — e um observador atento da realidade brasileira. E muito embora o cargo me imponha limitações e deveres de autocontenção, ele me proporciona, por outro lado, novos pontos de observação.

A principal distinção entre um juiz e um advogado, na fase da vida em que me encontrava, é relativamente simples de enunciar: como advogado, eu escolhia a minha agenda. Soberanamente, decidia as causas em que queria atuar. Aceitava algumas pela tese em discussão; e outras por interesse profissional. Mas em nenhuma hipótese atuava no que não queria. Pois um juiz não tem essa prerrogativa. Tem de julgar o que lhe aparece, não importa se as questões são emocionantes ou miúdas, inspiradoras ou penosas. É uma espécie de bandejão em que se é obrigado a provar todos os pratos. Até aquela saladinha murcha e sem tempero.

Cheguei à magistratura no Supremo Tribunal Federal tendo vivido uma vida completa como acadêmico e como advogado. Uma bênção, pela qual sou grato e reconhecido. Para este semestre e para o primeiro semestre do ano que vem, já havia aceitado convite para fazer um ano sabático: ia passá-lo no Instituto de Estudos Avançados de Berlim, na Alemanha. Já tinha assinado contrato — tinha salário bom e tudo! — e visto casa para morar. Um projeto fascinante: quarenta professores seniores de diferentes partes do mundo reunidos em uma mesma academia. Eu era o único da área do Direito. Os outros vinham dos demais domínios do conhecimento: filosofia, psicologia, ciência política, antropologia. Havia até uma pianista. Um ano inteiro sem advogado, juiz ou membro do Ministério Público por perto! Cada participante tinha de escrever o seu trabalho — uma tese, um artigo ou um livro — e compartilhá-lo com os demais, em reuniões semanais e apresentações mensais. O meu projeto chamava-se “Sobre o Direito e a Vida” (On Law and Life, pois a língua franca do Instituto era o inglês). Uma viagem sobre teoria da justiça e vida boa. Eu estava feliz e animado.

“Não vamos mais para Berlim”�Mas as coisas não se passariam bem assim. Na quarta-feira, dia 15 de maio de 2013, o voo de Brasília para o Rio de Janeiro pousara com atraso. Eu tentava vencer o tráfego

rumo à Faculdade Nacional de Direito, onde falaria na solenidade de entrega do título de Doutor Honoris Causa ao professor Paulo Bonavides, decano dos constitucionalistas brasileiros. Ele próprio me convidara, para minha honra e alegria. Quando eu chegava ao velho prédio do Caco, toca o telefone. Do outro lado da linha, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo: “Professor, a presidente gostaria de conhecê-lo. O senhor pode vir até aqui para irmos ao Planalto”. Expliquei que estava no Rio, para um compromisso que era ao mesmo tempo acadêmico e afetivo. Não tinha como retornar. “E amanhã?” Expliquei que estaria em Natal, para falar na abertura de um Congresso. “Melhor cancelar”, disse ele. “É importante”. Constrangido, avisei aos organizadores do evento que não poderia estar lá por um motivo de força maior e voltei para Brasília. Na manhã de sexta-feira, dia 17 de maio, a presidente recebeu-me em seu gabinete.

Conversamos por cerca de uma hora. Por iniciativa da presidenta, falamos sobre separação de Poderes, Federação, orçamento, sistema tributário, royalties. Não, nenhuma palavra sobre Ação Penal 470 ou qualquer outro tema impróprio para se conversar com um juiz em potencial. Incidentalmente, veio o comentário de que eu não tinha nenhum apoio político. Nem oposição relevante. Não era surpresa, mas achei divertida a observação. Uma hora depois, a presidente me levou até a porta e me disse: “Vou nomeá-lo semana que vem”. Contive o susto e não contei nem para a minha mulher. Narrei o encontro, mas não o convite. Só quem o testemunhou foi o ministro da Justiça. Uma semana depois, a presidente mandou me chamar outra vez e disse que assinaria o ato naquela tarde. Voltei para casa e disse a minha mulher: “Não vamos mais para Berlim”.

A verdade é que quando eu já espichava os olhos para a aposentadoria, ou pelo menos para uma vida mais amena, o destino me prega esta peça. Antes de chegar ao final do caminho, foi-me dado o privilégio de servir ao país e retribuir o muito que recebi. Em meio a pilhas intermináveis de processos, desfruto a sensação indescritível de viver para o bem, para a justiça e para um mundo melhor. Sem qualquer outro interesse ou ambição. É quase como estar no céu sem precisar morrer.

A Ação Penal 470: ainda, e de novo�Não cheguei ao Supremo em tempos amenos. Pelo contrário, o ano de 2013 foi atípico. O povo voltou às ruas, em reivindicações amplas e difusas. Os condenados na Ação Penal 470 foram efetivamente presos, superando o ceticismo dominante. Esses dois fatos conjugaram o desejo de mudar e o início da mudança. Embora ambos os episódios sejam de certa forma independentes, eles se inserem no cenário geral de um país que busca uma nova narrativa para si próprio.

Há muitas explicações para as manifestações que tomaram as ruas em junho de 2013. Arrisco a minha: o nível de consciência cívica e de

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compreensão crítica da sociedade se elevou nos últimos anos, em razão da democracia e dos avanços socioeconômicos. Como consequência, as pessoas se tornaram mais exigentes em relação às prioridades escolhidas pela Administração Pública, à qualidade dos serviços públicos e aos índices de corrupção da classe dirigente brasileira. Por outro lado, o Estado e as instituições não conseguem reagir e atender, a tempo e a hora, todas as novas demandas que se criaram, seja por cidadania seja por utilidades públicas. Tal situação é grave, mas compreensível: não é fácil, de um momento para outro, superar quinhentos anos de atávica tradição patrimonialista (a gestão da coisa pública como se fosse um bem privado) e oficialista (que faz tudo depender das bênçãos e do financiamento do Estado).

De certa forma, o julgamento e a execução das penas na Ação Penal 470 vieram ao encontro desse sentimento geral. O Direito Penal, no Brasil, tradicionalmente seletivo — duro com os pobres, manso com os ricos — afastou-se do seu curso tradicional e colheu um conjunto de pessoas bem postas na vida. Era esta demanda por republicanismo e igualdade que estava por trás da catarse coletiva que foi o julgamento e o espetáculo exageradamente midiático representado pela concretização das prisões. Havia uma certa euforia futebolística que destoava da dramaticidade da situação de pessoas cujas vidas entravam em colapso.

Nos dias seguintes, alguns episódios revelaram aspectos intrigantes da alma nacional, que um dia haverão de ser analisados por um bom psicanalista. O primeiro deles: após a prisão de alguns acusados, muita gente que dormiu com raiva acordou com pena. Lembrei-me de um verso que uma voz portuguesa declama na linda música “Fado Tropical”, do Chico Buarque: “E se a sentença se anuncia bruta, mais que depressa a mão cega a executa, pois que senão o coração perdoa”. Na sequência, uma segunda característica da psicologia nacional se revelou, quando todos se estarreceram com o que já sabiam. Com efeito, dos editoriais aos colunistas, de autoridades públicas aos familiares dos réus, todos se deram conta de um fato tristemente notório: as prisões brasileiras são masmorras medievais, onde a dignidade humana é deixada na porta de entrada, como a esperança no Inferno de Dante. Não podem ser diferentes apenas para os condenados da AP 470. Precisam ser humanizadas para todos os seus ocupantes, que foram condenados à pena, suficientemente dura, de privação da liberdade.

A Ação Penal 470 será vista no futuro como um marco institucional na história brasileira se não deixarmos que seja o que ela de fato foi: um ponto fora da curva — frase que pronunciei na sabatina no Senado e que me acompanhou como uma assombração no ano de 2013. É preciso mudar a curva. Tais transformações hão de incluir: a) a alteração drástica do sistema político, no qual o dinheiro sem procedência é o personagem principal; b) a superação do caráter seletivo, racial e classista do sistema punitivo brasileiro; e c) uma mobilização nacional por prisões mais dignas, onde a perda da liberdade não signifique violência física e moral, em condições degradantes. (Se eu ainda fosse advogado, esta seria a próxima ação pro bono que eu proporia: a reforma do sistema prisional. Os presos são uma minoria sub-representada, tal como eram os homossexuais, no caso das uniões homoafetivas, e as mulheres, no caso da interrupção de gestação. É preciso retirar a questão dos presídios do processo político majoritário e tratá-la como uma questão de direitos fundamentais.)

Enfim: se o julgamento da Ação Penal 470 conseguir ser o marco zero de um processo extenso e profundo de transformações sociais, toda a energia judicial e política nela dispendida terá valido a pena. E logo à frente, talvez em mais uma ou duas gerações, conseguiremos proclamar a República. Vale dizer: um país onde haja probidade na gestão da coisa pública e igualdade real entre as pessoas.

Uma pausa para reflexão: o Direito, os fatos e a Justiça�O papel de um juiz é interpretar o Direito, à luz de determinados fatos, com o propósito de realizar a justiça. Essa é uma forma simples e acessível de descrever a função jurisdicional. De Aristóteles a Rawls, seria possível explorar cada uma dessas ideias até o infinito, em divagações epistemológicas e filosóficas. Não é a minha intenção aqui. Faço apenas uma breve reflexão sobre possibilidades e limites de atuação de um juiz em geral, sem reducionismo ou mistificação. A simplicidade, na frase inspirada de Leonardo da Vinci, é o último grau de sofisticação.

O juiz, em primeiro lugar, interpreta o Direito. Isso significa que o limite de sua atuação são os princípios e regras em vigor, materializados em normas jurídicas, criadas pelo constituinte, pelo legislador ou colhidas em valores compartilhados pela comunidade política. Juízes não criam normas do nada. Qualquer decisão judicial precisa ser reconduzida a uma decisão política majoritária, esteja ela na Constituição ou nas leis. É certo que as normas nem sempre trazem em si sentidos inequívocos e soluções pré-prontas. Existem vagueza e ambiguidade na linguagem (“dignidade humana”, “urgência e relevância”, “calamidade pública”), existem conflitos de normas fundamentais (liberdade de expressão versus direito de privacidade, livre-iniciativa versus proteção do consumidor, proteção ambiental versus desenvolvimento) e existem desacordos morais razoáveis (casamento de pessoas do mesmo sexo, interrupção da gestação, descriminalização de drogas). Nessas situações, muitas vezes, o juiz se torna coparticipante do processo de criação do Direito[1]. Mas, ainda assim, juízes não inventam o Direito.

Em segundo lugar, o juiz opera com determinados fatos da vida. Na compreensão contemporânea do Direito, a realidade é parte indissociável da própria construção da norma. Fatos são diferentes de opiniões ou escolhas. Fatos fazem parte da realidade objetiva. É certo que a verdade não tem dono. Em passagem memorável, André Gide escreveu: “Creia nos que buscam a verdade. Duvide dos que a encontram”. A vida, de fato, comporta múltiplos pontos de observação e grande dose de relatividade. Porém, nem tudo é relativo: existe um núcleo duro do bem e do correto que não está sujeito à ideologia ou a preferências pessoais. Por exemplo: estamos no Brasil, e no próximo Natal não haverá neve. Apropriar-se de dinheiro público é algo mau, independentemente do partido que o faça. Enfim: as pessoas na vida têm direito à própria opinião, mas não aos próprios fatos. Um juiz deve buscar, obstinadamente, a verdade possível.

Por fim, um juiz tem compromissos com a justiça e, consequentemente, com a correção moral de suas decisões. O tema ganha em complexidade quando se agregam adjetivos ao substantivo: justiça formal e material; Justiça comutativa e distributiva. Ainda assim, em um mundo marcado pela proeminência da ideia de dignidade humana e pela centralidade dos direitos fundamentais, assim como pela vitória política do ideal democrático, o bem e a Justiça, vagos e abstratos como possam ser, passam a ter referenciais importantes. É importante lembrar que os direitos fundamentais — de igualdade, de liberdade, de realização da própria personalidade — têm uma dimensão individual e subjetiva (o desfrute de cada um) e outra coletiva e objetiva (a concretização dos valores mais elevados da comunidade política). O Estado, portanto, e o juiz em seu nome, tem

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GRANDES JULGAMENTOS DO STF (2011-Atual)

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deveres de proteção do indivíduo em face da sociedade e, também, da sociedade em face do indivíduo. Esse ponto de equilíbrio é uma das equações mais complexas da vida, sobretudo na persecução penal. Um juiz existe para a justiça. Mas é preciso ter em conta a advertência de Piero Calamandrei: “Para encontrar a justiça, é necessário ser-lhe fiel. Ela, como todas as divindades, só se manifesta a quem nela crê”[2].

Comento, a seguir, minha posição em relação a algumas questões controvertidas que estiveram em discussão no segundo semestre de 2013, no Supremo Tribunal Federal.

O óbvio, o certo e o indispensável�Em separado, fiz uma seleção de dez das principais decisões deste ano no STF. Cada uma delas foi resenhada pelo professor Eduardo Mendonça, mestre e doutorando na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e meu assessor no STF. Um dos melhores da nova geração. O texto também será publicado aqui na ConJur, em conjunto com o meu. No tópico presente, comento analiticamente três decisões de maior visibilidade pública ao longo do período. Começo pelo caso do deputado Natan Donadon, condenado à pena de 13 anos, 4 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado. Um pouco para perplexidade geral, a Câmara dos Deputados deixou de decretar a perda do seu mandato, em deliberação plenária, por voto secreto. Surgia, então, uma estranha contribuição brasileira para o direito público universal: o deputado presidiário. Logo após, um parlamentar requereu mandado de segurança para que se declarasse a invalidade dessa decisão, e o processo foi distribuído a mim.

Ao decidir a questão, sustentei que um parlamentar condenado a mais de 13 anos de prisão, em regime inicial fechado, não pode conservar o mandato. É certo que a Constituição, de maneira textual e inequívoca, prevê que a competência para a decretação da perda do mandato, em caso de condenação criminal, é da Casa Legislativa à qual pertença o parlamentar. Porém, o próprio sistema jurídico em geral, e o sistema constitucional em particular excepcionam essa regra. É o que ocorre no caso em que um parlamentar precise cumprir pena, em regime fechado, por período superior ao remanescente do seu mandato. Isso, por duas razões: a) por impossibilidade material e jurídica de comparecer ao Congresso, já que não é possível trabalho externo em regime fechado; e b) porque a Constituição prevê a perda automática do mandato, por mera declaração da Mesa da Casa Legislativa, em relação ao parlamentar que se afaste por mais de 120 dias. Uma solução óbvia.

O segundo caso, revestido de mais emoção, dizia respeito ao cabimento dos embargos infringentes na Ação Penal 470. A questão concreta era relativamente simples do ponto de vista técnico. A Lei 8.038, de 28 de maio de 1990, que disciplina os processos perante o Supremo Tribunal Federal, não previu o cabimento de embargos infringentes. No entanto, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, na redação da Emenda Regimental 1, de 25 de novembro 1981, editada ao tempo em que tal ato normativo desfrutava de força de lei, previa expressamente o cabimento de embargos infringentes na hipótese de a ação penal originária ser julgada procedente, mas com quatro votos divergentes (artigo 333 e parágrafo único). Cuidava-se de saber, portanto, se os embargos infringentes subsistiam ou não. Para ajudar a formar um juízo sobre o ponto, havia um fato política e juridicamente relevante. É que, em 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso enviou ao Congresso projeto de lei que alterava a Lei 8.038/90 para o fim de suprimir os embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal. O projeto não foi aprovado, com a justificativa expressa de que o Congresso tomara a decisão política de manter o recurso no sistema.

Veja-se, então, que tanto o Executivo como o Legislativo entendiam, de maneira inequívoca, que o recurso estava em vigor. Mais que isso: o próprio STF, em inúmeras decisões, havia se referido à sua subsistência, em sucessivas referências expressas ao artigo 333 e seu parágrafo único. Por isso, a supressão do referido recurso de embargos infringentes, na reta final de um julgamento emblemático, mediante interpretação que contrariava todos os entendimentos até ali manifestados, configuraria, a meu ver, ilegalidade e casuísmo. Com o devido respeito aos que pensavam diferentemente. O desejo de toda a sociedade em concluir o julgamento o mais rápido possível, aliado ao cenário de paixões devastadoras que o assinalavam, tornou complexa uma questão simples. Sob inominável pressão e com a serenidade do magistrado irrepreensível que é, o ministro Celso de Mello acompanhou meu voto divergente e admitiu os embargos infringentes. Na sessão de julgamento, procurei explicitar que um juiz em geral, e um juiz constitucional em particular, deve fazer o que é certo. Deve ser fiel à sua compreensão da Constituição e das leis, mesmo que, circunstancialmente, isso contrarie a vontade majoritária. É justamente para desempenhar esse papel que a própria Constituição o colocou ali, e não para conferir uma aura de legitimidade ao rolo compressor da opinião pública. Até porque a opinião pública, como as nuvens, muda de forma, de lugar e de conteúdo.

O terceiro e último caso que abordo neste tópico diz respeito ao financiamento eleitoral por empresas. O julgamento ainda não foi concluído, mas no encerramento do ano judiciário já havia quatro votos, inclusive o meu, pela procedência da ação, proibindo a participação de empresas no processo eleitoral. A matéria não é simples e situa-se na fronteira movediça e conturbada que separa, de um lado, a interpretação constitucional e, de outro, as escolhas políticas.

Minha posição, não inteiramente coincidente com as outras três no tocante a seu alcance, foi no sentido de que a contribuição por empresas não é, necessariamente, ilegítima ou inconstitucional. Contudo, no âmbito do sistema eleitoral brasileiro de voto proporcional e lista aberta, seu impacto resulta sendo, inexoravelmente, antidemocrático e antirrepublicano. É que vem desse tipo de financiamento a centralidade que o dinheiro passou a desempenhar no modelo brasileiro. A consequência, perceptível a quem quer que tenha olhos de ver, é o perigoso descolamento entre a classe política e a sociedade civil. Temos uma democracia representativa em que o povo não se sente representado por seus representantes. Há também um problema de moralidade pública: muitas empresas contribuem porque se sentem ameaçadas se não o fizerem. É possível argumentar ser legítimo uma empresa financiar partidos e candidatos que representem sua visão de mundo e seus interesses legítimos. Na prática, porém, o que se vê são empresas contribuindo para todos os que tenham alguma chance de ganhar, ou de ocupar espaço político, por medo ou em busca de favores futuros.

A decisão do STF, se se confirmar a proibição, cria dificuldades imediatas e, eventualmente, pode demandar algum grau de modulação. Seu efeito positivo, todavia, haverá de ser o de fazer com que a discussão sobre a reforma política seja retomada e um pacto geral pelo barateamento do processo eleitoral seja firmado. É preciso que as pessoas que se beneficiam desse modelo iníquo saiam da sua zona de conforto. Fórmulas como

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o voto em lista (com uma excelente versão atenuada, proposta pela OAB) e o voto distrital misto precisam ser consideradas seriamente. Precisamos de democracia e não de uma plutocracia, com baixo patamar ético. Precisamos empurrar a história e este é um passo indispensável a ser dado.

Rumo a uma corte constitucional�Na maior parte das cortes constitucionais do mundo, os juízes têm mandatos longos, mas não são vitalícios. Em resenha anterior, expus meu ponto de vista sobre isso. Embora, no momento constituinte, eu considerasse esta fórmula como a melhor, não acho que seja o caso de se emendar a Constituição para este fim. Pior do que não ter o modelo ideal, é ter um modelo que não se consolida nunca. Fizemos a opção pela formatação de uma suprema corte no estilo americano e, a bem da verdade, penso que ela tem servido bem ao país.

Nada obstante — e é a isso que me referi no título desse tópico —, cortes constitucionais concentram sua atuação em temas que dizem respeito à interpretação da Constituição. E, mais do que isso, têm uma boa dose de controle sobre a própria agenda, selecionando os casos que merecem atenção prioritária. E o fazem, evidentemente, na quantidade possível. Uma agenda enxuta e bem selecionada é o que permite julgamentos e debates de qualidade. Muito antes de entrar para o STF, já havia escrito, por diversas vezes, como o tribunal se enredou na própria voracidade de julgar coisas demais. Todos os ministros gastam a maior parte do seu tempo administrando um enorme varejo de miudezas e desimportâncias. Reitero, para sistematizar, algumas sugestões já apresentadas nesse mesmo espaço:

1. Circulação prévia das conclusões do voto. O relator deveria circular, ao menos uma semana antes do julgamento, a conclusão do voto que irá proferir. Tal proposta teria de ser conjugada com a de divulgação da pauta com maior antecedência, que vai adiante. A circulação da tese central e do dispositivo do voto poupa os demais ministros de terem de preparar votos que podem vir a ser coincidentes, gastando tempo que poderiam investir em outros processos. Naturalmente, tais conclusões do voto permaneceriam reservadas, sem qualquer tipo de vazamento.

2. Aprovação da ementa do acórdão. A ementa do acórdão, antes de ser publicada, deveria ser submetida à maioria que se formou. Isso pode ser feito, de maneira simples, seja na sessão de julgamento, seja no Plenário Virtual. Não para um novo debate ou para retirar prerrogativas do relator, mas para que haja certeza de que aquele é o ponto de vista do tribunal, e não apenas de quem redigiu o acórdão. Este é um problema que acontece com alguma frequência, pela natural dificuldade de se captar com precisão, em meio a dissensos parciais, a percepção majoritária sobre todas as nuances de uma matéria complexa. Sobretudo nas decisões envolvendo repercussão geral, é preciso que fique claro qual é o holding, a tese jurídica que foi afirmada pelo tribunal.

3. Limitar o reconhecimento de repercussão geral ao que possa ser julgado no ano. Penso que o tribunal não deveria reconhecer mais repercussões gerais do que aquelas que seja capaz de julgar em um ano. Do contrário, o STF passa a atravancar a Justiça, na medida em que todos os processos que dependem da decisão da repercussão geral ficam sobrestados. Para se desembaraçar do estoque, penso que o Tribunal deve considerar a possibilidade de rever a atribuição de repercussão geral conferida a boa parte do que lá está e julgar outro tanto no plenário virtual. Do contrário, precisará de quinze anos — e enquanto isso se formará outro estoque inadministrável.

4. Transferir competências do Plenário para as Turmas. É preciso passar diversas competências que hoje são do Plenário para as Turmas. O Plenário está sobrecarregado, com centenas de processos na fila de julgamento. Por motivos diversos, a Turma tem uma dinâmica bem mais ágil. Seria possível convencionar que, havendo dois votos divergentes na Turma, ao menos nas questões mais relevantes, aí se afetaria a matéria ao Plenário.

5. Pautas de Plenário divulgadas com trinta dias de antecedência. As pautas do Plenário, como regra, deveriam ser divulgadas com 30 dias de antecedência, em volume realista, que possa efetivamente ser julgado. Isso pelo bem dos advogados, dos ministros e da qualidade do julgamento. A divulgação de pautas longas e irrealizáveis, na quinta-feira anterior às sessões da semana seguinte, submete os ministros ao estudo, em poucos dias, de mais de uma dezena de processos sobre temas variados e complexos. Uma jurisdição que deveria ser de reflexão acaba sendo prestada no reflexo, em improviso indesejável. Ou, então, vem o pedido de vista, que atrasa tudo. Quanto aos advogados, é absurda a situação de serem obrigados a se deslocarem seguidas vezes a Brasília, dispendendo dinheiro que muitas vezes o cliente não tem, para que seus casos não sejam julgados. É claro que situações graves ou emergenciais podem entrar na pauta pelo modelo atual. Mas esta não seria a regra.

6. Redução do foro por prerrogativa de função. Por fim — mas isso não depende do STF — é preciso uma redução drástica das hipóteses de foro por prerrogativa de função. Para isso, é necessária uma emenda constitucional. Minha proposta básica é a criação, na Justiça Federal do Distrito Federal, de duas Varas Especializadas para julgar parlamentares e determinados agentes públicos: uma para ações penais e outra para ações de improbidade. O titular de cada uma delas seria escolhido pelo STF e teria um mandato de três ou quatro anos. Ao término do período, iriam automaticamente para o Tribunal Regional Federal, sem depender de ninguém, assim conservando a sua independência. Da decisão de tais Varas caberia recurso ordinário diretamente para o STF. Nessa fórmula, o STF daria a palavra final, mas não seria órgão de instrução nem juízo de primeiro e único grau.

Tenho conversado internamente sobre essas ideias antigas que tenho e outros ministros têm outras ideias. Há esperança de que alguns consensos se produzam já para 2014, para que o tribunal possa se tornar mais funcional e aprimorar o seu desempenho.

Conclusão�Neste ano que se encerra, a Constituição brasileira completou 25 anos. Há três grandes realizações a celebrar. A primeira, o fato de ela ter sido o instrumento de uma bem sucedida transição de um Estado autoritário, intolerante e muitas vezes violento para uma democracia constitucional. Em segundo lugar, sob a Carta de 1988, o país vive seu mais longo período de estabilidade institucional desde o início da República. Por fim, ao longo desta década e meia, consolidamos progressivamente uma cultura democrática, fundada no respeito às regras do jogo, na separação e equilíbrio entre os Poderes e no avanço da efetivação dos direitos fundamentais.

Ao longo dessa trajetória, o Supremo Tribunal Federal tem tido um papel de grande destaque. Coube a ele definir as regras a serem observadas no impeachment de um presidente da República, assegurar a liberdade existencial das pessoas independentemente de orientação sexual, validar

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as ações afirmativas, exigir um mínimo de fidelidade partidária da classe política, banir o nepotismo nos Poderes Públicos, romper com a tradição de impunidade no andar de cima, chancelar as pesquisas com células-tronco embrionárias, em meio a muitas outras decisões relevantes. Não foram poucos os avanços.

Neste ano de 2013, o tribunal, entre outras decisões emblemáticas: (i) admitiu os embargos infringentes na AP 470; (ii) deliberou sobre a perda do mandato parlamentar em razão de condenação criminal transitada em julgado; (iii) pronunciou-se sobre o devido processo legal legislativo em matéria de veto, criação de novos partidos e demarcação de terras indígenas; (iv) suspendeu liminarmente a criação de quatro novos tribunais regionais federais; (v) impediu cautelarmente a mudança das regras de repartição dos royalties do petróleo; (vi) iniciou a modulação dos efeitos das normas sobre precatórios, declaradas inconstitucionais; (vii) impôs o compartilhamento entre Estados e Municípios das competências relacionadas ao saneamento básico; (viii) declarou inconstitucional a reintrodução do voto impresso; (ix) considerou válida a introdução de um prazo de decadência para revisão dos benefícios previdenciários; e (x) definiu o alcance restrito das condicionantes impostas na demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

O ano de 2014 promete ser igualmente agitado. Será concluído o julgamento da Ação Penal 470, bem como iniciada a apreciação de uma das ações do chamado “Mensalão de Minas”. Também está previsto o início da discussão sobre biografias não-autorizadas, em meio a muitas outras questões de grande visibilidade social. Simultaneamente ao desempenho de suas atribuições constitucionais, e justamente para realizá-las de maneira mais efetiva, o Supremo Tribunal Federal deverá repensar o seu modo de atuação e a definição de sua agenda. Será preciso senso de inovação e ousadia para pensar fora da caixa e implementar as mudanças necessárias. O objetivo é julgar uma quantidade radicalmente menor de causas — foram cerca de 80 mil este ano —, com mais tempo de reflexão e evitando a formação de estoques. Como assinalado, o Supremo Tribunal Federal tem servido bem ao país nesses vinte e cinco anos de democracia. Porém, uma boa dose de autocrítica é melhor para o avanço da história do que a auto-exaltação. É preciso fazer mais e melhor.

RETROSPECTIVA 2013

Os 11 julgamentos que marcaram o ano do Supremo

26 de dezembro de 2013, 11h43

Por Eduardo Mendonça

A presente retrospectiva não tem a pretensão de constituir um registro abrangente da jurisdição constitucional em 2013, menos ainda de fazer um estudo analítico sobre o processo decisório do Supremo Tribunal Federal. As decisões aqui comentadas — com a máxima objetividade que se conseguiu — são um retrato da importância institucional que a Corte tem assumido nos últimos anos, dando a palavra final ou participando ativamente na definição de questões centrais do Estado Federal, da organização dos Poderes e do sistema de direitos fundamentais no Brasil. Para não falar de questões menos nobres que também acabam na pauta do STF, em decorrência da própria natureza analítica da Constituição de 1988. Embora a proposta do trabalho seja precipuamente descritiva, considero relevante formular uma reflexão teórica — menos a título conclusivo do que com o intuito de sugerir uma linha de reflexão em torno da jurisprudência.

Esse foi um ano em que se discutiu, com maior abertura, a tensão entre os Poderes Legislativo e Judiciário, notadamente o Supremo Tribunal Federal. Isso se deu, em grande medida, por iniciativa do próprio Congresso Nacional, que se manifestou, por diversos de seus membros, acerca de possíveis "excessos de judicialização". O tema é complexo demais para ser tratado de forma ligeira, mas talvez seja possível enunciar duas observações pontuais. Em primeiro lugar, é auspicioso que o Poder Legislativo esteja preocupado em recuperar a sua centralidade no debate público dos grandes temas nacionais. Não apenas pelo valor intrínseco na deliberação plural, por agentes eleitos, mas também pelas limitações naturais da jurisdição. Embora os tribunais exerçam um papel inestimável como instâncias de reflexão ordenada sobre as exigências da ordem jurídica e garantia dos seus termos, seria ingênuo — e autoritário — supor que as decisões judiciais possam substituir o Legislador e a Administração na moldagem de políticas públicas abrangentes. Seja a gestão de hospitais ou o combate sistemático às múltiplas formas de discriminação.

Em segundo lugar — e entra aqui um contraponto —, não parece adequado que, na discussão quanto à legitimidade da interferência jurisdicional na política, o Supremo Tribunal Federal seja inteiramente equiparado aos demais órgãos judiciais. Esse é um aspecto do debate que talvez venha merecendo menos atenção do que seria devida. Diversas razões justificam a distinção e aqui não será possível fazer mais do enunciar algumas ideias:

(i) O STF está na linha de frente da interpretação constitucional e esta, por circunstâncias diversas, envolve molduras normativas especialmente amplas. Ou seja: a Constituição permite múltiplas interpretações e é inevitável que as visões de mundo dos julgadores desempenhem um papel determinante no resultado final.

(ii) Nesse processo de construção do sentido constitucional, os ministros do STF não funcionam como ilhas em relação ao debate político e social. Ao contrário, estão permanentemente expostos à opinião pública, muito mais do que os magistrados em geral. Isso potencializa o papel da corte

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como instância de reflexão principiológica sobre as exigências que a ordem jurídica impõem ao processo político majoritário.

(iii) Sem prejuízo da inequívoca legitimidade de o Congresso Nacional reclamar sua primazia na deliberação política, não parece que haja uma insatisfação genérica da sociedade com a atuação do STF. Esse é um ponto que mereceria maior estudo — inclusive empírico — e que agrega algumas sutilezas ao debate clássico sobre a chamada função contramajoritária da jurisdição constitucional.

(iv) De forma coerente com os fatores acima enunciados, o processo de indicação dos ministros envolve não apenas o mérito técnico, mas também um juízo de legitimação política por parte dos órgãos majoritários (Presidência da República e Senado Federal).

Como referido inicialmente, essa enunciação não tem qualquer pretensão de ser conclusiva, sendo antes um convite à reflexão conjunta sobre a jurisprudência do STF e seu papel na dinâmica dos Poderes. Esse um campo em que a importância do legislador não pode ser minimizada, mas que também não comporta o reducionismo de se observar o STF como se fosse um tribunal como qualquer outro. Feitas essas breves observações, passa-se à retrospectiva propriamente dita.

Um passeio pela jurisprudência do STF em 2013

Cabimento dos embargos infringentes e execução imediata das condenações que se tornaram definitivas (26° AgRg e QO na AP 470, julgamento em 18 de setembro de 2013, relator ministro Joaquim Barbosa)

Concluído o julgamento de mérito da AP 470 e após haver rejeitado a quase integralidade dos embargos de declaração opostos pelos réus, o STF dividiu-se entre duas posições quanto à subsistência do artigo 333, I, do seu Regimento Interno, que prevê a possibilidade de interposição de embargos infringentes, por parte da defesa, nos casos em que tenha havido pelo menos quatro votos pela improcedência da ação penal. Por apertada maioria de seis votos contra cinco, prevaleceu o entendimento de que o dispositivo não foi revogado tacitamente pela Lei 8.038/90. Dentre os fundamentos que deram suporte a essa posição, merecem destaque: (i) a previsão consta do Regimento há mais de trinta anos e foi mantida a despeito da edição de emendas regimentais que cuidaram da ação penal; (ii) em 1998, já na vigência da Lei 8.038/90, o Poder Executivo encaminhou projeto de lei ao Congresso Nacional para o fim de revogar os embargos infringentes no âmbito do STF. Após discussão específica, a proposta foi explicitamente rejeitada; (iii) em mais de 30 manifestações — entre decisões monocráticas, de Turmas e do Plenário —, o dispositivo regimental foi referido como razão de decidir, sem que se cogitasse de revogação.

Assentado o cabimento dos embargos infringentes quanto à parte das condenações, colocou-se a discussão sobre a possibilidade de execução imediata das demais. Após a segunda rodada de embargos de declaração, o tema foi suscitado em questão de ordem trazida pelo relator e presidente, ministro Joaquim Barbosa, que se manifestou pela declaração do trânsito em julgado parcial, com o consequente início da fase de execução. Embora a ideia básica tenha contado com a adesão de todos os ministros, houve divergência pontual a respeito de quais condenações já teriam se tornado definitivas. Por maioria, decidiu-se que seriam passíveis de execução os itens que não tivessem sido objeto de embargos infringentes, sem que se pudesse, desde logo, adiantar qualquer juízo de admissibilidade desse recurso. Ficaram vencidos, no ponto, os ministros Joaquim Barbosa, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Gilmar Mendes, que já inadmitiam os infringentes nas situações em que estivesse ausente o requisito objetivo de pelo menos quatro votos pela improcedência da ação penal.

A controvérsia quanto à perda de mandato parlamentar em razão de condenação criminal transitada em julgado (AP 565, julgamento em 8 de agosto de 2013, relatora ministra Cármen Lúcia; MS 32.326, decisão cautelar monocrática em 2 de setembro de 2013, relator ministro Luís Roberto Barroso)

A Ação Penal 565 resultou na condenação de um Senador da República por um conjunto de fraudes a licitações que teriam sido praticadas, entre 1998 e 2002, na condição de prefeito. Para além de confirmar o começo do fim da tradição nacional de persecução penal seletiva, o precedente é relevante pela discussão que nele se travou quanto à perda do mandato parlamentar em razão de condenações criminais definitivas. Modificando o entendimento que havia sido firmado na AP 470, a nova composição da Corte decidiu que a hipótese atrai a incidência do artigo 55, VI c/c parágrafo 2°, da Constituição Federal. A combinação de tais dispositivos, como se sabe, estabelecia textualmente que a perda do mandato, nessa situação, deve ser “decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta”[3]. Embora identificando os inconvenientes intuitivos desse sistema, os ministros que compuseram a maioria manifestaram a compreensão de não ser possível contornar a literalidade do dispositivo constitucional que, de forma específica, trata da hipótese de condenação criminal transitada em julgado. Ficaram vencidos os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Joaquim Barbosa[4].

Sem prejuízo da maioria que se formou quanto à regra geral, uma situação peculiar logo se apresentou, envolvendo Deputado Federal condenado à treze anos de reclusão em regime inicial fechado. Por não exercer mandato na data da condenação, a corte deixou de se pronunciar de forma conclusiva quanto à perda do mandato. Nesse contexto, e já após o precedente comentado no parágrafo anterior, a Câmara dos Deputados entendeu que seria sua a competência para resolver sobre a perda do mandato, que acabou mantido por não se haver alcançado a maioria absoluta exigida para a cassação. O impasse levou à impetração de mandado de segurança por outro parlamentar da Casa, sob a alegação de que a deliberação realizada seria inconstitucional. Em decisão cautelar monocrática, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu os efeitos da decisão tomada pela Câmara, tendo em vista que o período de prisão a ser cumprido em regime fechado seria objetivamente incompatível com o exercício do mandato parlamentar. Nesse cenário específico, portanto, não haveria discricionariedade política possível, cabendo à Mesa a mera declaração da perda. Contra a decisão fo interposto agravo regimental, liberado para julgamento.

Controle jurisdicional do devido processo legislativo: ordem cronológica dos vetos, criação de novos partidos e regime de demarcação das terras indígenas (AgRg no MS 31.816, julgamento em 27 de fevereiro de 2013, relator ministro Luiz Fux; AgRg no MS 32.033, julgamento em 20 de junho de 2013, relator originário ministro Gilmar Mendes, relator para o acórdão ministro Teori Zavascki; MS 32.262, decisão monocrática de 23

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GRANDES JULGAMENTOS DO STF (2011-Atual)

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de setembro 2013, relator ministro Luís Roberto Barroso)

Um dos temas que mereceu destaque na agenda de 2013 foi a discussão quanto aos limites do controle jurisdicional sobre o devido processo legislativo. Nesse tópico são destacadas três decisões que, apesar de envolverem situações distintas, chegaram ao mesmo resultado básico: confirmar a absoluta excepcionalidade dessa forma de interferência. O primeiro caso envolveu decisão cautelar, proferida pelo ministro Luiz Fux, que impediu a deliberação acerca do veto presidencial às novas regras sobre distribuição de royalties e participações de petróleo. O fundamento central foi a existência de cerca de três mil vetos anteriores, também pendentes de apreciação. A consequência lógica disso, nos termos do artigo 66, parágrafos 4° e 6° da Constituição, seria o trancamento da pauta para deliberações subsequentes, impondo-se a observância da ordem de precedência. A despeito de a quase generalidade dos Ministros haver reconhecido a inconstitucionalidade da praxe de o Congresso não deliberar sobre os vetos, uma apertada maioria de seis votos a quatro considerou inadequada a reversão do status quo por decisão liminar, com grave restrição da agenda legislativa.

O segundo precedente escolhido para comentário originou-se de decisão cautelar do ministro Gilmar Mendes, na qual se determinou o trancamento da deliberação acerca do Projeto de Lei Complementar 14/2013. Tal projeto destinava-se a criar limitações à criação de novos partidos políticos no curso da legislatura, estabelecendo “que a migração partidária que ocorrer durante a legislatura, não importará na transferência dos recursos do fundo partidário e do horário de propaganda eleitoral no rádio e na televisão”. Além de destacar que a medida iria ao encontro da diretriz estabelecida pelo STF em precedente anterior e recente —a ADI 4.430 —, a decisão buscou fundamento no contexto atípico que se desenhava, a saber: (i) a rapidez incomum que passou a caracterizar a tramitação — com a consequente restrição do debate efetivo —; e (ii) “a aparente tentativa casuística de alterar as regras para criação de partidos na corrente legislatura, em prejuízo de minorias políticas e, por conseguinte, da própria democracia”. Também aqui, porém, apertada maioria dos ministros negou referendo à liminar e negou seguimento ao mandado de segurança, destacando a gravidade de se efetuar controle preventivo sobre o conteúdo e a dinâmica da deliberação parlamentar.

Por fim, a terceira decisão foi proferida pelo ministro Luís Roberto Barroso no MS 32.262, com o qual se pretendia suspender a deliberação da Proposta de Emenda à Constituição 215, que transferia ao Congresso Nacional a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas. Nesse caso, ao contrário do que se verificava nos anteriores, o foco das impugnações não incluía a alegação de atropelo procedimental, concentrando-se na tese de que o ato demarcatório estaria inserido na reserva de Administração, por sua própria natureza técnica. Embora tenha destacado a plausibilidade jurídica da impetração — uma vez que o deslocamento dessa decisão para o Congresso Nacional converteria a proteção dos direitos indígenas em questão de política majoritária, com evidente prejuízo para as comunidades tradicionais — o ministro negou a liminar postulada. Para tanto, destacou a importância de se privilegiar a ampla deliberação parlamentar, inclusive para que eventuais vícios substanciais do projeto possam ser objeto de debate amplo e plural, do que pode resultar eventual correção de rumos.

Controle jurisdicional sobre políticas públicas complexas (RE 440.028, julgamento em 29 de outubro de 2013, relator ministro Marco Aurélio; AI 759.543, julgamento em 18 de dezembro de 2013, relator ministro Celso de Mello)

Ao lado do monitoramento sobre as exigências do devido processo legislativo, outro tema de especial interesse no domínio da separação dos Poderes envolveu o controle jurisdicional sobre a elaboração e a execução de políticas públicas complexas, que envolvem escolhas políticas variadas e a decisão sobre a alocação dos recursos públicos escassos. Nesse campo, duas decisões merecem especial destaque. A primeira foi tomada pela 1ª Turma do Tribunal, em ação civil pública movida pelo Ministério Público de São Paulo que visava à remoção de barreiras arquitetônicas em escola pública estadual, de forma a permitir o acesso de alunos com deficiência. Acompanhando o voto do relator, ministro Marco Aurélio, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do TJ-SP e determinar a efetiva realização das adaptações necessárias. Além de destacar a inexistência de discricionariedade política para deixar de assegurar o acesso igualitários dos alunos, o voto condutor destacou o fato de a medida ser exigida pela Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a primeira incorporada à ordem jurídica nacional com o status de emenda constitucional, nos termos do artigo 5º, parágrafo 3°, da Constituição.

O segundo caso a ser citado foi decidido pela 2ª Turma, em agravo regimental que, por unanimidade, confirmou decisão monocrática do ministro Celso de Mello. Nesse caso, a corte manteve acórdão do TJ-RJ que, também em ação civil pública movida pelo parquet, determinou ao Município do Rio de Janeiro que realizasse melhorias básicas no Hospital Souza Aguiar. Também aqui, prevaleceu o argumento de que não há discricionariedade política para deixar de atender, em patamar mínimo, às exigências da Constituição em matéria de direitos prestacionais básicos. De forma ainda mais pontual e objetiva, parece possível afirmar que a discricionariedade existente — que envolve decisões como a instalação de um novo hospital ou a ampliação de um já existente — não legitima uma suposta escolha de prestar serviços manifestamente incompatíveis com a dignidade humana. Nessas condições, mais do que se falar em omissões administrativas, o que se tem é uma atividade positiva prestada de forma incompatível com a exigência de qualidade mínima que se pode extrair da ordem constitucional.

A discussão sobre a criação de quatro novos tribunais regionais federais (ADI 5.017, decisão monocrática do presidente, proferida em 18 de julho de 2013, relator ministro Luiz Fux)

Em decisão monocrática proferida durante o recesso forense, o presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, suspendeu a eficácia da Emenda Constitucional 73/2013, que determinava a criação de quatro novos tribunais regionais federais. A medida buscou fundamento em dois argumentos complementares. Em primeiro lugar, do ponto de vista estritamente técnico, a decisão considerou consistente a tese de violação ao artigo 96, II, c, da Constituição, que atribui ao próprio Poder Judiciário — no caso, ao STJ — a competência para propor a criação de novos tribunais inferiores. Nessa linha, a via da emenda constitucional não poderia ser utilizada como forma de se contornar a referida iniciativa legislativa, sob pena de violação à independência orgânica do Judiciário e, por conseguinte, ao princípio da separação dos Poderes.

Em segundo lugar, ingressando em considerações de ordem pragmática, a decisão utilizou dados do Conselho Nacional de Justiça e do Instituto

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de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) para manifestar o entendimento de que a criação dos novos tribunais produziria um significativo impacto no orçamento do Poder Judiciário, sem que isso se traduza em aumento de eficiência na prestação jurisdicional. Esse objetivo seria melhor alcançado por meio da valorização da figura do magistrado e pelo investimento na melhoria da estrutura judicial já existente. Vale dizer: além de aparentemente haver se imiscuído em matéria que dependeria de iniciativa do próprio Judiciário, o legislador teria desconsiderado a realidade específica daquele Poder e suas necessidades.

Suspensão cautelar das novas regras de repartição dos royalties e participações sobre a exploração de petróleo (ADI 4.917, decisão monocrática de 18 mar. 2013, Rel.a Min.a Cármen Lúcia)

Em decisão liminar na ADI 4.917, ajuizada pelo Estado do Rio de Janeiro, a ministra Cármen Lúcia suspendeu a aplicação de um conjunto de dispositivos da Lei Federal 12.734/2012, que alteravam o sistema de repartição dos royalties e participações pela exploração do pétroleo. O novo regime pretende reduzir drasticamente o quinhão destinado aos estados e municípios produtores — isto é: situados nos locais de produção ou com eles confrontantes —, realocando os recursos em favor dos demais entes locais. Além de afetar novos campos de exploração, a medida tem a pretensão de alterar o cálculo das participações sobre aqueles que já se encontram em atividade, o que levou a presidente Dilma Roussef a vetar parcialmente o projeto. Com a derrubada do veto pelo Congresso Nacional, os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo foram ao STF questionar não apenas a incidência que consideram indevidamente retroativa, mas também a própria constitucionalidade da redistribuição.

Em sua decisão cautelar, a ministra Cármen Lúcia considerou plausíveis os argumentos de impugnação, com destaque para as alegações de que: (i) o art. 20, parágrafo 1°, da Constituição Federal confere aos estados e municípios produtores um direito originário à compensação ou participação financeira no produto da exploração, de modo que não seria possível equiparar a situação desses entes com a dos demais. Não apenas por conta da literalidade do dispositivo constitucional, mas também pela sua teleologia, que seria a de compensar os ônus e riscos advindos do especial envolvimento na atividade exploratória; e (ii) em matéria de petróleo, o sistema constitucional atribui os royalties e participações aos entes produtores, mas inverte a regra geral do ICMS em favor dos consumidores, determinando a incidência em favor dos Estados de destino (CF/88, art. 155, X, b). Nesse contexto, a modificação de apenas um dos elementos do sistema produziria um desequilíbrio grave e objetivo, assim caracterizado pela eminente relatora: “A alteração das regras relativas ao regime de participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural ou da compensação pela exploração, sem mudança constitucional do sistema tributário, importa em desequilibrar o tão frágil equilíbrio federativo nacional e em desajustar, mais ainda, o regime financeiro das pessoas federadas sem atenção aos princípios e às regras que delineiam a forma de Estado adotada constitucionalmente”.

A inconstitucionalidade sistemática dos precatórios, ou: a luz no fim do túnel, que iluminava a entrada de outro túnel... O STF em busca de uma saída em direção à normalidade institucional (ADI 4.357 e ADI 4.455, julgamento em 14 de março de 2013, relator originário ministro Carlos Britto, relator para o acórdão ministro Luiz Fuz)

Em um dos julgamentos mais importantes dos últimos anos, o STF declarou a inconstitucionalidade parcial da Emenda Constitucional 62/2009, que introduzia inúmeras alterações no regime constitucional dos precatórios, disciplinado no artigo 100, da Constituição. Dentre outras alterações, foi permitida a instituição, por lei complementar federal, de um regime especial para o pagamento do estoque de precatórios pendentes, acumulado ao longo dos muitos anos de inadimplemento por Estados e Municípios. A fim de não adiar ainda mais um começo de solução, a própria Emenda criava um artigo 97 no ADCT e instituía um regime especial transitório. No entanto, embora destacando a necessidade premente de um choque de moralidade pública no tema dos precatórios, o maioria dos ministros entendeu que a solução aventada seria flagrantemente incompatível com a Constituição. Não apenas por representar uma nova moratória do Poder Público em favor de si mesmo — notadamente pela previsão do longo prazo de quinze anos para a quitação do estoque —, mas também por um conjunto de medidas consideradas abusivas[5].

É difícil encontrar observadores isentos — ou mesmo parciais — capazes de defender a prática de o Estado se valer de suas prerrogativas institucionais para deixar de pagar os seus credores. Essa tradição marcadamente antirrepublicana incorporou-se ao modo de ser das Fazendas estaduais e municipais, atravessando governos de diferentes ideologias e gerando um passivo intimidador, mesmo para os entes federativos que estejam atualmente empenhados na solução do problema. Nesse ambiente, levantou-se o risco de que o cumprimento imediato e convencional da decisão tomada pelo STF possa levar a duas situações ainda piores do que a própria Emenda Constitucional: (i) o retorno ao anterior estado de inconstitucionalidade sistemática, em que todas as dívidas eram imediatamente exigíveis e quase nenhuma era efetivamente quitada; ou (ii) a virtual falência da maioria dos entes locais, que teriam de alocar em seus orçamentos o valor corresponde ao estoque da dívida, paralisando o cumprimento de outras obrigações constitucionais de igual ou maior relevância, no que se inclui a prestação dos serviços públicos essenciais.

Tal impasse gerou uma ampla discussão quanto à necessidade de modulação temporal da declaração de inconstitucionalidade e à busca de soluções alternativas. Nessa linha, o atual relator, ministro Luiz Fux, formulou a proposta de se dar uma sobrevida de cinco anos à parte do regime especial, permitindo que estados e municípios reorganizem o seu planejamento orçamentário à luz dessa nova realidade. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, motivado pelo propósito de aprofundar a reflexão conjunta da corte acerca de possíveis medidas que tornem efetiva a decisão, permitindo o retorno dos entes locais à normalidade institucional.

Embargos de declaração no caso Raposa Serra do Sol: alcance da decisão e validade das chamadas condicionantes impostas pelo STF (ED na PET 3.388, julgamento em 23 de outubro de 2013, relator ministro Luís Roberto Barroso)

O STF julgou oito embargos de declaração opostos contra o acórdão que julgara válida a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, limitando-se a prestar esclarecimentos e explicitar algumas consequências inerentes à decisão de mérito. Nessa linha, ficou consignado, e.g., que os índios têm direito a manter práticas imemoriais de mineração artesanal, inseridas em sua cultura. Não têm a prerrogativa, porém, de explorar comercialmente esses mesmos recursos sem a autorização do Congresso Nacional, tal como os demais cidadãos. Da mesma forma, a corte

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esclareceu que missionários religiosos não podem impor a sua presença às comunidades indígenas, o que não significa que os índios sejam obrigados ao isolamento cultural. Ao contrário, a decisão por um ou outro caminho é exclusivamente sua, no exercício dos seus direitos fundamentais e da sua autonomia moral.

A questão mais relevante, porém, dizia respeito à validade das chamadas condicionantes, introduzidas em voto-vista do ministro Menezes Direito e posteriormente incorporadas, por decisão majoritária, na parte dispositiva do acórdão[6]. Nesse particular, por maioria, a corte rejeitou a alegação de que teria invadido o espaço de decisão do legislador, entendendo que as referidas condições integram o regime jurídico das terras indígenas, decorrente da própria Constituição. A explicitação desse regime teria sido feita justamente para acabar com o estado de insegurança quanto às regras incidentes sobre a área, fator que tem contribuído para o grave conflito social que se arrasta há décadas na região. Por outro lado, a decisão igualmente explicitou que as condicionantes não tem força vinculante em sentido formal, ou seja, não são de observância obrigatória pelos demais juízes e tribunais, em outros casos. Como é natural, a manifestação do STF tem a força persuasiva que lhe é própria e haverá de ser tomada em consideração pelos magistrados e demais autoridades que vierem a atuar em situações análogas.

Interpretação do artigo 25, parágrafo 3º, da Constituição: o regime jurídico dos aglomerados urbanos (ADI 1.841, Julgamento em 6 de março de 2013, relator ministro Luiz Fux)

Por decisão majoritária, o STF declarou a inconstitucionalidade parcial da Lei Complementar 87/89, do estado do Rio de Janeiro, que instituiu a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a Microrregião dos Lagos, transferindo ao estado competências municipais relacionadas ao saneamento básico. O tema em debate envolvia a interpretação adequada do artigo 25, parágrafo 3°, da Constituição, que prevê a competência estadual para a instituição de aglomerados urbanos com o objetivo de “integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”. Acabou prevalecendo posição intermediária, inicialmente defendida pelo ministro Gilmar Mendes, no sentido de se considerar que os estados não podem simplesmente avocar competências municipais, mas tampouco devem se limitar a prestar assistência operacional à atuação destes últimos. Em vez disso, cabe à lei complementar estadual definir um modelo concreto de exercício compartilhado, entre o Estado e os respectivos municípios, das competências pertinentes, de modo a que se assegure a efetiva integração dos serviços de interesse comum, tal como determina o texto constitucional.

Também por maioria, a corte modulou os efeitos temporais da decisão, concedendo um prazo de vinte e quatro meses para que os entes locais editem nova legislação, compatível com a diretriz estabelecida. Ficou vencido, no particular, o ministro Marco Aurélio, coerente com o seu entendimento acerca da ilegitimidade da atenuação da nulidade dos atos inconstitucionais. Ainda quando ao prazo para adequação, merece destaque a menção, contida em diversos votos, quanto à possibilidade de que sejam concebidas diferentes fórmulas específicas de compartilhamento das competências. Em voto-vista, o ministro Ricardo Leandowski destacou a eventual criação de órgãos ou entidades de caráter intergovernamental, inovando na estrutura tradicional de organização dos entes federativos. A despeito dessa multiplicidade de cenários imagináveis, houve aparente consenso quanto à necessidade de que os centros decisórios que venham a ser constituídos sejam baseados na paridade entre o estado e o conjunto de municípios, evitando-se a imposição unilateral de soluções por um desses pólos.

Inconstitucionalidade da reintrodução do voto impresso (ADI 4.543, julgamento em 6 de novembro de 2013, relatora ministra Cármen Lúcia)

Por unanimidade, a corte declarou a inconstitucionalidade do artigo 5°, da Lei 12.034/09, pelo qual se reintroduzia o voto impresso a partir das eleições de 2014. A medida seria implementada por meio de impressoras acopladas às urnas eletrônicas, efetuando-se a impressão de cédula e o seu depósito automático no recipiente apropriado, sem contato físico do eleitor ou de terceiros. Em cuidadoso voto, a relatora, ministra Cármen Lúcia, analisou o direito fundamental ao sigilo do voto e a consequente invalidade de qualquer providência que possa importar esvaziamento dessa garantia básica. O risco, na hipótese, decorreria das limitações inerentes à votação escrita — amplamente conhecidos na tradição brasileira —, bem como pela dificuldade operacional de se assegurar o adequado funcionamento das impressoras.

Em suporte a essa conclusão essencial, a relatora discorreu sobre o inequívoco sucesso institucional do sistema brasileiro de votação eletrônica, já copiado em diversos países do mundo e fonte de inspiração para projetos similares em outros tantos. Destacou, igualmente, a existência de inúmeros mecanismos para o controle da confiabilidade do processo informatizado, aperfeiçoados ao longo do tempo e atualmente aplicados de forma muito satisfatória. Nesse contexto, a reintrodução do voto impresso representaria um retrocesso na concretização do direito político ao voto sigiloso e independente. Ainda que não tenha subscrito essa tese de forma analítica, o conjunto de votos parece ter aderido à premissa de que, em linha de princípio, o retorno ao voto escrito seria um passo atrás. Disso decorre a imposição de um pesado ônus argumentativo ao legislador, caso pretenda revisitar a matéria.

Validade da instituição e incidência imediata de prazo decadencial razoável para a revisão de benefício previdenciário (RE 626.489-RG, julgamento em 16 de outubro de 2013, relator ministro Luís Roberto Barroso)

Em decisão unânime, o STF julgou recurso extraordinário com repercussão geral e assentou a validade da Medida Provisória 1.523-9/97 — posteriormente convertida na Lei 9.528/97 —, que estabeleceu o prazo decadencial de dez anos para o pedido de revisão de benefícios previdenciários por parte do indivíduo, igualmente aplicável para a pretensão estatal de modificação. O referido prazo aplica-se de forma indistinta a todos os benefícios, inclusive os que tenham sido concedidos em data anterior. Nesse caso, naturalmente, o termo inicial da contagem foi a própria data de introdução do novo prazo, preservando-se a isonomia e evitando-se a quebra da segurança jurídica. Nesse ponto, a Corte rejeitou a alegação de que haveria ofensa ao direito adquirido, reconhecendo que a hipótese seria de incidência imediata do novo regime jurídico.

No tocante aos fundamentos teóricos, merece destaque uma importante distinção que se estabeleceu entre a inexistência de prazo para o requerimento inicial de benefício — decorrente da natureza fundamental do direito à previdência social —, e a possibilidade de se condicionar eventual revisão a um prazo razoável. Tal como destacado no voto condutor, essa limitação temporal “destina-se a resguardar a segurança

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jurídica, facilitando a previsão do custo global das prestações sociais. Em rigor, esta é uma exigência relacionada à manutenção do equilíbrio atuarial do sistema previdenciário, propósito que tem motivado sucessivas emendas constitucionais e medidas legislativas. Em última análise, é desse equilíbrio que depende a própria continuidade da Previdência, para esta geração e as seguintes”.

[1] Para aprofundamento do tema, v. Luís Roberto Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 4a. ed., 2013, p. 330 e segs. À p. 333, lê-se: “Em variadas situações, o intérprete torna-se coparticipante do processo do processo de criação do Direito, completando o trabalho do constituinte ou do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre as soluções possíveis”.

[2] Piero Calamandrei, Eles, Os Juízes, Vistos por um Advogado, 1995, p. 4.

[3] Posteriormente, o voto secreto para essa deliberação foi abolido pela Emenda Constitucional 76, de 28 de novembro de 2013. Foram mantidas, porém, a competência das Casas Legislativas para a decisão e o quórum de maioria absoluta.

[4] Embora tivesse aderido a essa corrente na AP 470, o ministro Luiz Fux não participou desse novo julgamento em razão de impedimento. Assim, embora a votação tenha ficado 6 a 4, parece seguro afirmar que a posição minoritária é endossada por cinco dos ministros que compõem a Corte.

[5] Nesse particular, foram objeto de especial reprovação: (i) a sistemática de leilões ao contrário, nos quais credores desalentados disputariam para ver quem abriria mão de maiores valores; e (ii) a correção dos precatórios pelo índice da caderneta de poupança, cuja sistemática defasagem em relação aos índices inflacionários representaria um novo ato de força em detrimento dos particulares.

[6] Para maior clareza, confira-se o texto das referidas condicionantes e a forma como foram introduzidas na parte dispositiva do acórdão: “Declarada, então, a constitucionalidade da demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e afirmada a constitucionalidade do procedimento administrativo-demarcatório, sob as seguintes salvaguardas institucionais majoritariamente aprovadas: a) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (§ 2º do art. 231 da Constituição Federal) não se sobrepõe ao relevante interesse público da União, tal como ressaído da Constituição e na forma de lei complementar (§ 6º do art. 231 da CF); b) o usufruto dos índios não abrange a exploração mercantil dos recursos hídricos e dos potenciais energéticos, que sempre dependerá (tal exploração) de autorização do Congresso Nacional; c) o usufruto dos índios não alcança a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, que sempre dependerão de autorização do Congresso Nacional, assegurando-se-lhes a participação nos resultados da lavra, tudo de acordo com a Constituição e a lei; d) o usufruto dos índios não compreende a garimpagem nem a faiscação, devendo-se obter, se for o caso, a permissão de lavra garimpeira; e) o usufruto dos índios não se sobrepõe aos interesses da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho igualmente estratégico, a critério dos órgãos competentes (Ministério da Defesa, ouvido o Conselho de Defesa Nacional), serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas, assim como à Fundação Nacional do Índio (FUNAI); f) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbito das respectivas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente de consulta às respectivas comunidades indígenas, ou à FUNAI; g) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e educação; h) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, respeitada a legislação ambiental; i) o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade de conservação também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades aborígines, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os usos, tradições e costumes deles, indígenas, que poderão contar com a consultoria da FUNAI, observada a legislação ambiental; j) o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios é de ser admitido na área afetada à unidade de conservação, nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; l) admitem-se o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios em terras indígenas não ecologicamente afetadas, observados, porém, as condições estabelecidas pela FUNAI e os fundamentos desta decisão; m) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios, respeitado o disposto na letra l , não podem ser objeto de cobrança de nenhuma tarifa ou quantia de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas; n) a cobrança de qualquer tarifa ou quantia também não é exigível pela utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou outros equipamentos e instalações públicas, ainda que não expressamente excluídos da homologação; o) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que atente contra o pleno exercício do usufruto e da posse direta por comunidade indígena ou pelos índios (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, caput, Lei nº 6.001/1973); p) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha às etnias nativas a prática de caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativista (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, § 1º, Lei nº 6.001/1973); q) as terras sob ocupação e posse das comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos arts. 49, XVI, e 231, § 3º, da CR/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei nº 6.001/1973), gozam de imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns ou outros; r) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada; s) os direitos dos índios sobre as suas terras são imprescritíveis, reputando-se todas elas como inalienáveis e indisponíveis (art. 231, § 4º, CR/88); t) é assegurada a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, situadas em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento”.

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RETROSPECTIVA 2014

Ano trouxe mudanças e amadurecimento do Supremo Tribunal Federal

31 de dezembro de 2014, 7h08

Por Luís Roberto Barroso

Há cerca de uma década assino a resenha da revista eletrônica Consultor Jurídico sobre o ano no Supremo Tribunal Federal. No ano passado, pela primeira vez, escrevi-a na condição de ministro da corte. Essa circunstância tem me permitido desempenhar um duplo papel: a) o de um professor, que conserva a observação crítica do tribunal e preocupa-se com o seu aperfeiçoamento; e b) a de um membro da corte, com as possibilidades e dificuldades de quem tem o encargo de fazer as coisas acontecerem. É nessa dupla perspectiva que preparo a resenha deste ano, que vai dividida em duas partes.

Na Parte I (abaixo), que assino sozinho, descrevo, com algum grau de subjetividade, questões que estiveram na pauta institucional ou jurisdicional do tribunal. A pauta institucional diz respeito ao aprimoramento da atuação do Supremo e o esforço de racionalização da gestão de uma carga imensa de processos. Na pauta jurisdicional, separei alguns casos — diversos com julgamento ainda em curso, mas nos quais já votei — para uma breve reflexão teórica ou filosófica. Quando necessário, e à guisa de prestação de contas à comunidade jurídica, explicito as razões de minhas convicções. A Parte II contém a seleção de dez casos cujo julgamento já se encerrou e que se destacam entre os principais decididos pelo STF em 2014. Esta segunda parte da resenha foi escrita em parceria com Eduardo Mendonça, cuja vida acadêmica brilhante foi vivida próxima a mim e que até agosto passado era chefe da minha assessoria no Supremo.

Parte I�Racionalização da jurisdição constitucional e diálogos institucionais

Capítulo I�A pauta institucional

Os números estarrecedores

Em 2014, foram distribuídos ao Supremo Tribunal Federal 78.110 processos de todas as categorias. Foram julgados impressionantes 110.603 processos, aí incluídas decisões do Plenário, das turmas e, sobretudo, monocráticas. O STF é, do ponto de vista estatístico, um tribunal de decisões unipessoais de cada ministro. Não há como ser diferente no volume em que trabalha. Os números da repercussão geral encontram-se retratados mais à frente.

Mudanças nas competências do Plenário

Uma das principais alterações havidas no Supremo Tribunal Federal em 2014 foi a aprovação da Emenda Regimental 49, de 28 de maio de 2014, que concretizou a transferência de inúmeras competências do Plenário para as turmas. Entre elas se destacam: a) recebimento de denúncia ou queixa; b) ações penais contra deputados e senadores (à exceção dos presidentes das Casas), ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas, membros dos tribunais superiores, membros do Tribunal de Contas da União e chefes de missão diplomática de caráter permanente; c) ações contra o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público; e d) reclamações. Na mesma sessão do Plenário teve concordância geral a proposta de se transferir para a turma o julgamento de todos os mandados de segurança, mandados de injunção e habeas data, bem como das ações envolvendo litígios entre Estados estrangeiros e a União, e também os conflitos federativos. Em novembro de 2014, foi apresentada proposta de Emenda Regimental nesse sentido, ora em tramitação.

Com esse conjunto de providências, consuma-se uma revolução profunda e silenciosa na dinâmica de atuação do Plenário, cujas competências ficarão cingidas às de uma corte constitucional: julgar, essencialmente, as ações diretas e as repercussões gerais. Um subproduto relevante foi a agilização dos processos penais. Somente a 1ª Turma apreciou, ao longo do ano, 35 denúncias, tendo sido julgadas 12 ações penais. São números que ultrapassam a soma de tudo que havia sido julgado em Plenário em anos anteriores.

A questão da repercussão geral

No ano de 2014, foram julgadas 60 repercussões gerais. Somente no 2º semestre, após a posse do ministro Ricardo Lewandowski na presidência, foram decididas em Plenário quase 50 repercussões gerais. Trata-se de uma marca notável, sobretudo tendo em vista a média histórica, desde 2008, que era de 27 repercussões gerais julgadas por ano. Em final de 2013, havia 330 repercussões gerais reconhecidas. Mantida a média de 27 por ano, seriam necessários 12 anos para julgá-las! Em 2014, à vista das novas repercussões gerais reconhecidas e das que foram julgadas, esse número continuava pouco acima de 300. Portanto, mesmo mantidos os números de 2014 e paralisada a admissão de novas questões, ainda seriam necessários cerca de cinco anos para julgá-las todas. É bem melhor, mas ainda é um prazo inaceitável. Sobretudo tendo em conta que o reconhecimento de repercussão geral acarreta o sobrestamento dos processos na origem, na casa dos milhares.

Por essa razão, levei ao debate interno no Tribunal e, posteriormente, trouxe ao debate público um conjunto de propostas destinadas a reequacionar a repercussão geral. O tema foi discutido inclusive aqui na Consultor Jurídico. Não é o caso de voltar a expor analiticamente tais ideias, limitando-me a destacar algumas delas: (i) o STF não deve reconhecer mais repercussões gerais do que seja capaz de julgar por ano; (ii) a seleção deve ser feita ao final de cada semestre, para permitir que, por critério comparativo, se selecionem os temas mais importantes; (iii) após feita a seleção, os processos devem ser redistribuídos de forma equânime pelos ministros (por exemplo, se forem 40 repercussões gerais

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reconhecidas, iriam quatro para cada ministro), para que o trabalho seja igual e não haja a tentação de atribuir repercussões gerais em demasia aos processos originariamente distribuídos a si); (iv) as repercussões gerais escolhidas até o final de dezembro de 2014 devem começar a ser julgadas um semestre depois, a partir de agosto de 2015, e as reconhecidas até o final de junho de 2015 devem começar a ser julgadas a partir de fevereiro de 2015, na medida do possível com a designação de datas com grande antecedência.

Antecedência da pauta de Plenário

A pauta de julgamentos de Plenário, que se reúne às quartas e quintas-feiras, costuma ser divulgada na noite da quinta-feira anterior ou, mais comumente, na manhã do dia seguinte. Na praxe do tribunal, costumam ser incluídos na pauta dezenas de processos, em torno de 40. Entre a divulgação da pauta de Plenário e as sessões, ainda ocorrem as sessões das turmas, nas terças-feiras. Relembre-se que a competência das turmas foi adensada por novos temas, como recebimento de denúncias, julgamento de ações penais e de mandados de segurança, entre outros. Na prática, portanto, sobra pouquíssimo tempo para os ministros se prepararem para os processos que serão julgados em Plenário. Pouco mesmo, algumas horas para todos. Na prática, o mais comum é que apenas o relator esteja verdadeiramente preparado para discutir a questão. O resultado é intuitivo: a jurisdição constitucional, que deveria ser prestada com reflexão, acaba sendo feita no reflexo.

Minha sugestão é que a pauta de julgamentos do Plenário seja divulgada com pelo menos 30 dias de antecedência. Cada ministro indicaria à presidência, do seu acervo, dez processos que estejam em condições de serem julgados. Com essa massa de processos, a presidência faria a pauta com a antecedência aqui proposta. Isso permitiria que os ministros e suas assessorias estudassem os processos, levantando jurisprudência, doutrina e elementos empíricos, bem como que lessem com calma as peças relevantes e os memoriais. O debate passaria a ser muito mais informado e de muito maior qualidade, e os pedidos de vista, como regra, se tornariam desnecessários. A deliberação ficaria ainda mais consistente com a distribuição prévia dos votos (o que já é feito por vários ministros). Naturalmente, a pauta feita com antecedência não impediria o Presidente de incluir os processos que venha a reputar urgentes ou que envolvam situações emergenciais.

Capítulo II�A pauta jurisdicional

A referência a diálogos institucionais, no título desta Parte I da resenha, identifica um tipo particular de atuação, em que a suprema corte e o legislador se ouvem mutuamente em relação a determinado tema. Embora, do ponto de vista formal, o Supremo Tribunal Federal profira a última palavra acerca da interpretação constitucional, é desejável, na medida do possível, que as duas instituições dialoguem, expondo seus argumentos e circunstâncias, de modo a que se produzam decisões que as aproximem, diluindo tensões[1]. Os três primeiros itens abaixo retratam essa forma de atuação.

Financiamento eleitoral por empresas (ADI 4.650, relator ministro Luiz Fux)

Em ação direta de inconstitucionalidade, a Ordem dos Advogados do Brasil questionou, entre outros pontos, a constitucionalidade do financiamento eleitoral por empresas privadas. O voto do relator, já acompanhado por outros ministros, foi no sentido de acolher o pedido para declarar a inconstitucionalidade da participação de empresas doando recursos para as campanhas eleitorais. O ministro Teori Zavascki rejeitava o pedido.

Minha posição, materializada no meu voto, é a seguinte: não considero inconstitucional que empresas participem do financiamento eleitoral. Esta é uma decisão política, uma escolha a ser feita pelo legislador, isto é, pelo Congresso Nacional, que pode permitir ou vedar tal tipo de participação. O que me parece claramente inconstitucional, porque antidemocrático e antirrepublicano, é o modelo atualmente vigente. Isso porque inúmeras grandes empresas fazem doações para diversos candidatos a cargos majoritários que são concorrentes entre si. Intuitivamente, como apoiam candidatos de posições opostas, não se trata de uma opção ideológica nem do exercício de um eventual direito político (para quem admita que empresas possam titularizar tais direitos). A verdade é que ou tais empresas são achacadas para doar ou, ao fazê-lo voluntariamente, estão comprando benesses futuras. Qualquer das duas possibilidades é péssima.

Por outro lado, não há na legislação qualquer restrição a que empresas que doaram para a campanha sejam contratadas, diretamente ou mediante licitação (e que licitações!), pelo governo do candidato eleito. Vale dizer: o modelo permite que se pague o favor privado (doação de dinheiro) com dinheiro público (contratos administrativos). A inconstitucionalidade, portanto, não está na possibilidade de empresas participarem com recursos financeiros do processo político, mas na total ausência de quaisquer limitações minimamente efetivas. Não se trata, consequentemente, de uma questão ideológica ou de opção institucional, mas sim de decência política e moralidade administrativa (CF, artigo 37).

O diálogo institucional: meu voto devolve ao Congresso Nacional a competência para deliberar se empresas privadas podem ou não participar do financiamento eleitoral. Apenas deixa claro que a Constituição impõe limitações em nome do princípio democrático, do princípio republicano e da moralidade administrativa. Ao exercer a sua liberdade de conformação legislativa, o Congresso deverá levar isso em conta.

Desaposentação (RE 661.256, relator ministro Luís Roberto Barroso)

Não é incomum, na iniciativa privada, que um trabalhador se aposente por tempo de contribuição, por volta dos 50 anos de idade. Como consequência, passa a receber proventos do INSS. Este indivíduo, no entanto, porque ainda jovem, volta ao mercado de trabalho, passando a acumular o recebimento de proventos e de salário. Sobre o salário recebido, ele volta a pagar contribuição previdenciária. Alguns anos depois, geralmente ao completar 65 anos, ele deseja renunciar à primeira aposentadoria e obter uma nova, levando em conta o tempo que contribuiu a mais e sua idade presente. O INSS entende que isso não é possível.

Para evidenciar a complexidade do problema, basta registrar que o processo, do qual sou relator, chegou ao STF para julgamento do recurso extraordinário com três decisões divergentes nas instâncias anteriores. De fato, em 1º grau foi acolhida a posição do INSS e negada a possibilidade de desaposentação. A decisão de 2º grau entendeu possível a desaposentação, contanto que o segurado devolvesse os proventos recebidos

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desde a primeira aposentadoria, de modo a se restabelecer, do ponto de vista atuarial, o status quo anterior ao primeiro vínculo. E, por fim, o STJ decidiu ser possível a desaposentação, independentemente de qualquer restituição de proventos.

No meu voto, procurei construir um caminho do meio entre os dois extremos, por entender ser esta a solução justa e constitucionalmente adequada. O sistema previdenciário é contributivo e solidário. Não é legítimo, portanto, que o segurado contribua mais 15 anos após a primeira aposentadoria, em paridade de condições com os demais trabalhadores, sem ter direito a qualquer novo benefício real. Por outro lado, com a primeira aposentadoria ele ingressou no sistema previdenciário e passou a receber benefícios, isto é, passou a auferir proventos. A solução justa, portanto, é permitir a nova aposentadoria, levando em conta o que ele já sacou do sistema.

A fórmula para fazer isso é a utilização adequada do fator previdenciário. Todo segurado tem o cálculo de sua aposentadoria por tempo de contribuição determinado por esse multiplicador, que leva em conta a sua idade, expectativa de vida, tempo de contribuição e valor médio das contribuições. Pois bem: no cálculo da nova aposentadoria, computa-se o valor e o tempo de contribuição a mais. Mantém-se, porém, a idade e a expectativa de vida do momento em que o indivíduo entrou no sistema, isto é, da primeira aposentadoria. Dessa forma, ele se beneficia das novas contribuições que aportou, mas o novo cálculo levará em conta o que ele já recebeu do sistema. Não se trata de invenção normativa, mas de mera interpretação conforme da legislação vigente: pela lógica do fator, as variáveis idade e expectativa de vida visam a graduar o valor do benefício em função do tempo estimado em que a pessoa irá figurar na condição de beneficiário. Nada mais natural, portanto, que seja considerado o momento em que o segurado passou a tal condição. Desprezar esse dado da realidade é que seria inventivo.

O diálogo institucional: no meu voto, afirmei que a legislação era omissa no tratamento da desaposentação. É desejável a edição de uma lei tratando da matéria, com as escolhas políticas próprias. Por essa razão, propus que minha decisão só passasse a valer seis meses depois do julgamento, para que o Congresso Nacional pudesse dispor sobre a matéria, caso desejasse. Sobrevindo a lei, ela é que deverá prevalecer.

Precatórios (ADIs 4.357 e 4.425, relator ministro Luiz Fux)

O Plenário declarou, antes do meu ingresso no STF, a inconstitucionalidade de diversos dispositivos da Emenda Constitucional 62, de 9 de dezembro de 2009, que instituiu um regime especial de pagamento de precatórios pelos estados, Distrito Federal e municípios. A Emenda previa a quitação dos precatórios vencidos em até 15 anos, prevendo vinculações, leilões, pagamento em ordem crescente de valores e acordos. Quase tudo foi invalidado.

Em questão de ordem, o relator, ministro Luiz Fux, propôs uma necessária modulação dos efeitos temporais da decisão, mantendo parte dos seus dispositivos em vigor por mais cinco anos. De acordo com sua proposta, a consequência do não pagamento nesse prazo deveria ser a intervenção federal, na linha do que determina textualmente a Constituição. O grande problema é que os estados e municípios, que conseguiriam pagar em 15 anos, não têm condições de pagar em cinco, pelo menos não sem o sacrifício de muitas outras obrigações constitucionais. Ademais, a intervenção federal, além de muito drástica, não é capaz de gerar dinheiro. Por essa razão, acompanhei o relator na modulação, mas sugeri algumas fórmulas alternativas.

No meu voto, observei que o Congresso Nacional, por duas vezes, tentara equacionar o problema: com a Emenda Constitucional 30/2000 e com a EC 62/2009. Nas duas ocasiões, o STF derrubou as soluções propostas, considerando-as inconstitucionais. Ao invalidar a EC 62 sem colocar nada no lugar, o tribunal estaria devolvendo à sociedade uma situação ainda pior do que antes da emenda, quando muitos estados e municípios nada pagavam. Para minimizar este efeito, o relator concedeu uma liminar mandando continuar a aplicar o regime da EC 62 até o final do julgamento. Em razão dessa situação, propus em meu voto a adoção de um modelo de transição, em que a modulação seria acompanhada de uma decisão aditiva. Já que o Tribunal determinou o pagamento em cinco anos em lugar de 15, é preciso apontar de onde virão os recursos. Abaixo as minhas sugestões, que foram acompanhadas pelo ministro Fux, com divergência do ministro Teori Zavascki. O ministro Dias Toffoli pediu vista. Foram elas:

• utilização compulsória da conta de depósitos judiciais tributários para pagamento de precatórios, como já autorizado por lei federal;

• possibilidade de utilização de até 25% dos depósitos judiciais não tributários para pagamento de precatórios, a ser autorizada por lei estadual (como fez o estado do Rio de Janeiro, quitando todos os precatórios em atraso);

• subsistência da possibilidade de celebração de acordos, com uma redução máxima de 25%;

• possibilidade de compensação de precatórios vencidos com dívida ativa já inscrita;

• aumento da vinculação de receitas para pagamento de precatórios em 1% ou proibição de propaganda institucional até a regularização do pagamento.

O diálogo institucional: a solução que propus só deverá viger para o ano seguinte à sua aprovação pelo STF. Isso daria ao Congresso Nacional cerca de um ano para prover sobre a matéria. Se vier a ser aprovado ato normativo editado pelo Legislativo, é ele que deverá prevalecer. Na falta de solução alternativa, porém, seria terrivelmente inconstitucional retornar ao estado anterior de calote estatal generalizado. É isso o que justifica e impõe uma decisão de perfil aditivo, na linha de precedentes anteriores do STF.

Rearrumação de alguns aspectos do Direito Penal

Tenho sustentado, já faz alguns anos, que o Direito Penal no Brasil está desarrumado, tanto do ponto de vista filosófico, quanto normativo e jurisprudencial. De plano, cumpre apontar um paradoxo: temos a terceira ou quarta maior população carcerária do mundo (depende de a conta incluir ou não os que estão em prisão domiciliar), mas, ainda assim, a população em geral tem a percepção de que a impunidade campeia. É que,

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na verdade, punimos muito, mas punimos mal. O Direito Penal, em um país com as circunstâncias brasileiras, deve ser moderado e sério. Moderado significa sem excesso de tipificações (contornando o risco de criminalização da pobreza) e sem exacerbação desmesurada de penas. Sério significa seguir a máxima de Beccaria de que é a certeza da punição, e não a intensidade da pena, que funciona eficazmente como prevenção geral contra o crime. Coerente com essas premissas, tenho conduzido a minha participação nos processos criminais.

Princípio da insignificância (HCs 123.108, 123.533 e 123.734, relator ministro Luís Roberto Barroso).

O princípio da insignificância, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, exclui a tipicidade material do fato em casos de menor gravidade da conduta e baixa significação do resultado. A jurisprudência do STF tem aplicado o princípio em casos de furto simples. Porém, tem recusado a sua aplicação caso o acusado seja reincidente ou a hipótese seja de furto qualificado (como, por exemplo, quando praticado mediante concurso de pessoas ou com o rompimento de obstáculo). Eu mesmo vinha acompanhando tal jurisprudência, na linha de que a tolerância, nesses casos, passaria uma mensagem errada.

No entanto, já no apagar das luzes de 2014, selecionei três casos para deslocar da turma para o Plenário, de modo a proporcionar uma nova reflexão coletiva sobre o tema. Eram três habeas corpus requeridos pela Defensoria Pública. O primeiro envolvia o furto de um par de chinelos, avaliado em R$ 16, praticado por réu reincidente. O segundo tratava de tentativa de furto de dois sabonetes líquidos íntimos, no valor de R$ 48, cometido por uma mulher reincidente, com o concurso do marido. E o terceiro versava o furto tentado de 15 bombons caseiros, que custavam R$ 30, perpetrado com escalada e rompimento de obstáculo (salto sobre muro e remoção de telhas).

Nos dois primeiros casos houve condenação a penas privativas de liberdade, de um ano ou um pouco mais. Não há dúvida de que tais condutas são reprováveis. Trata-se, porém, de réus de baixíssima periculosidade. Se enviados para o sistema penitenciário, por alguns meses que seja, de lá sairão muito mais perigosos. Para começar, no dia da chegada terão que escolher a qual facção pertencerão. A partir daí, passarão a dever favores, quando não a própria vida. E, ao sair, terão de pagá-los, pois esta é a lei do crime. A escolha entre punir e não punir — e, sobretudo, em qual intensidade punir — é uma escolha relevante e trágica. Hoje estou convencido de que mandar essas pessoas para o sistema penitenciário degradado e degradante que temos é uma solução pior.

Quando o número de reincidências ou o modo de execução não recomendarem a aplicação do princípio da insignificância, ainda assim deve-se optar por penas alternativas e, no limite, por prisão em regime aberto domiciliar. Como a legislação prevê, em casos de reincidência, o regime inicial no mínimo semiaberto — isto é, a ida para o sistema penitenciário —, propus uma interpretação conforme a Constituição dos dispositivos do Código Penal. A tese é que violaria a máxima da proporcionalidade, tanto para o indivíduo como para a sociedade, sua inexorável transformação de “pé de chinelo” em perigoso delinquente. Em um país como o Brasil, em seu ingente esforço em busca de desenvolvimento e de um estágio civilizatório mais elevado, tais decisões não são juridicamente simples nem moralmente baratas.

Prescrição da pretensão executória

O STF tem uma jurisprudência consolidada no sentido de que o recurso inadmissível não impede o trânsito em julgado, que se opera no momento em que a decisão se tornou irrecorrível. Assim, por exemplo, quando o recurso especial e o recurso extraordinário têm o seu seguimento negado pelo Tribunal de origem, se a denegação vier a ser mantida pelo STJ e pelo STF, o trânsito em julgado conta-se do acórdão estadual ou federal impugnado. Esse entendimento se aplica, pacificamente, no cômputo da chamada prescrição punitiva, que é a que se mede entre a data do fato e o trânsito em julgado da decisão. Como consequência, não obstam a coisa julgada os recursos especial e extraordinário indeferidos na origem por inadmissibilidade.

A matéria ganha em complexidade, porém, quando se trate de prescrição da pretensão executória, que é aquela que se mede entre o momento do trânsito em julgado e a efetiva execução da decisão. De acordo com o artigo 112, I do Código Penal, a prescrição da pretensão executória começa a correr do dia em que a sentença condenatória transita em julgado para a acusação. Este dispositivo vigeu por muitas décadas, período ao longo do qual a jurisprudência pacífica do STF era no sentido de que o recurso especial e extraordinário não tinham efeito suspensivo. Por assim ser, não impediam que o Ministério Público instaurasse a execução da decisão condenatória.

No entanto, no julgamento do HC 84.078, em 5 de fevereiro de 2009, o Plenário modificou a sua interpretação do sentido e alcance do artigo 5º, LVII da Constituição Federal, que cuida da presunção de inocência ou de não culpabilidade. A partir de então, passou-se a entender não ser possível a execução da decisão condenatória na pendência dos recursos especial e extraordinário. Não está em questão, nesse comentário, o acerto ou desacerto dessa nova orientação. O que importa enfatizar é que a nova inteligência do STF na matéria impede o início da execução do acórdão condenatório, caso tenha sido interposto recurso especial ou extraordinário.

A consequência inexorável de tal orientação é a insubsistência da regra do artigo 112, I do Código Penal. Com efeito, o texto constitucional, na interpretação dada pelo STF, derroga o referido dispositivo. Do contrário, o prazo de prescrição começaria a correr sem que o Ministério Público pudesse instaurar a execução. Vale dizer: tratar-se-ia de uma hipótese de prescrição sem inércia em agir, o que constitui uma anomalia jurídica. Entendimento diverso transformaria a advocacia criminal em um exercício de procrastinação e protelação, passando a ser dever do profissional da defesa impedir, por manobras sucessivas, o trânsito em julgado. Ninguém desejaria para a advocacia um destino assim indigno. Que fique bem claro: o problema está no sistema, e não no advogado que dele se beneficia em favor do seu cliente. No caso específico que motiva este comentário, a parte interpôs oito recursos, sendo que cinco apenas no Superior Tribunal de Justiça. Em outro processo julgado recentemente pelo Plenário, a parte havia interposto 25 recursos. A prescrição somente não se consumou pela atuação determinada e decisiva do ministro Dias Toffoli, que decretou o trânsito em julgado para evitá-la.

O garantismo é uma boa filosofia para lidar com o Direito Penal. Ele significa respeitar o devido processo legal (contraditório, ampla defesa, duplo

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grau de jurisdição) e assegurar os direitos fundamentais do acusado. Significa não querer salvar o mundo com tipificações abundantes e penas exacerbadas, nem tampouco fazer juízos morais desqualificadores das pessoas, em lugar de julgar fatos objetivos. Garantismo, porém, não significa tratar o Direito Penal sem seriedade mínima, nem tampouco abdicar dos deveres de proteção atribuídos ao Estado. A proteção dos direitos humanos, em qualquer sociedade civilizada, exige um grau moderado, legítimo e proporcional de repressão estatal, para que o bem seja mais atraente do que o mal.

Execução na Ação Penal 470

Em redistribuição por sorteio, tornei-me relator, em junho, da Ação Penal 470, em fase de execução. A seguir, a narrativa de alguns dos seus principais momentos.

• A lei vale para todos

Presos em regime semiaberto têm direito a trabalho externo, se preenchidos os requisitos legais, independentemente de cumprir um sexto da pena. Essa era a jurisprudência pacífica dos tribunais do país, que fiz valer em uma das minhas primeiras intervenções no processo, dando provimento a agravo regimental de alguns sentenciados. O Plenário confirmou minha decisão por unanimidade. Na sequência, neguei prisão domiciliar a dois dos condenados que, de acordo com perícia oficial, não eram portadores de doença grave. Ao menos, não mais grave do que a de inúmeros outros internos do sistema. Por fim, na forma da lei e seguindo a jurisprudência tradicional, deferi progressão de regime aos presos que cumpriram um sexto da pena. Naturalmente, a lei não pode ser interpretada e aplicada de maneira diferente aos réus que a sociedade detesta. Cuidei, porém, de procurar moralizar a prisão domiciliar, resguardando esse instituto que é uma alternativa humanitária às condições degradadas do sistema penitenciário. Uma das regras que estabeleci é que a prisão domiciliar, por ser modalidade de pena privativa de liberdade, é incompatível com a pretensão de efetuar viagens habituais, manifestada por parte dos sentenciados.

• Para a progressão de regime é preciso restituir o dinheiro desviado

No caso de crime de peculato, em que o valor desviado tenha sido fixado na sentença condenatória, a progressão de regime só é possível mediante restituição do valor desviado. Esta foi a primeira vez que o Plenário do STF enfrentou o tema, tendo o meu voto prevalecido por 8 a 1. O Tribunal considerou constitucional o parágrafo 4º do artigo 33 do Código Penal, em cuja dicção se prevê que, nos casos de crimes contra a Administração Pública, a progressão de regime fica condicionada à devolução do produto do ilícito. A alegação de impossibilidade econômico-financeira não impede a incidência do dispositivo. O que se permitiu foi a possibilidade de celebração de acordo com a União Federal, para fins de pagamento parcelado. Intuitivamente, o descumprimento do acordo acarreta a regressão de regime.

• É imperativo o pagamento de multa para a progressão de regime

Ao decidir diversos pedidos de progressão de regime, condicionei o deferimento ao pagamento da pena de multa fixada na condenação. O condenado tem o dever jurídico — e não a faculdade — de pagar integralmente o valor da multa. É o que decorre do artigo 50 do Código Penal, que estabelece que a multa deve ser paga dentro de dez dias depois do trânsito em julgado da decisão condenatória. Admitir-se a progressão sem pagamento seria tratar discriminatoriamente os condenados que quitaram a multa. Além disso, a passagem para o regime aberto exige do sentenciado “autodisciplina e senso de responsabilidade”, o que pressupõe o cumprimento das decisões judiciais que se lhe aplicam. A exceção admissível ao dever de pagar a multa é a impossibilidade econômica absoluta de fazê-lo. Tal impossibilidade deve ser demonstrada de maneira inequívoca, sujeitando-se o sentenciado que prestar declaração falsa à regressão de regime e a processo-crime.

Dez julgamentos significativos

Após esse conjunto de reflexões sobre o futuro institucional do STF e as principais discussões em andamento na corte, será proveitoso lançar os olhos sobre alguns dos principais julgamentos concluídos em 2014. A seleção confirma o papel proeminente exercido pelo tribunal nos principais debates nacionais, da composição dos órgãos representativos à universalização do direito penal, passando pela efetivação do teto remuneratório dos agentes públicos e pela realização concreta da liberdade de expressão. A retrospectiva do Supremo, uma vez mais, é a retrospectiva de parte significativa do debate público no Brasil.

As ideias e o seu tempo

Instituições tradicionais, como a Igreja Católica, as Forças Armadas e, no caso, o Supremo Tribunal Federal são relativamente lentas na promoção de mudanças estruturais ou filosóficas. É da natureza das instituições não ficarem ao sabor dos ventos, dos modismos ou das circunstâncias do varejo político. Por isso mesmo, não parece uma boa ideia alterar a idade de aposentadoria dos ministros para impedir que um presidente já eleito exerça competências constitucionais que lhe tocam. Não deve haver tabus no debate público, mas não se mudam instituições consolidadas para combater governos.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, como as instituições em geral, deve saber se autotransformar para não perder o passo da história. Não é incomum, aqui e ali, alguém se orgulhar dos números exibidos pelo tribunal a cada final de ano: 110 mil processos julgados! Dez mil processos por ministro! A verdade é que não há motivo para orgulho. São números constrangedores. Basta dividir o número de processos pelo número de ministros e, depois, pelo número de dias do ano. No fundo, são cenas de terceiromundismo explícito. A voracidade em julgar e a ênfase na quantidade, e não na qualidade, ainda são sintomas de um ciclo inconcluso de amadurecimento. Uma corte constitucional deve decidir com parcimônia, qualidade e visibilidade. Nessa, como em outras matérias na vida, menos é mais.

O debate no próprio tribunal, na comunidade jurídica e em segmentos expressivos da sociedade sinaliza que a mudança está madura. Em algum momento do futuro próximo, o STF não deverá admitir mais recursos extraordinários do que possa julgar a cada ano e as pautas serão marcadas

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com razoável antecedência, tudo de modo a propiciar reflexão, pesquisa e debate informado. Um mundo de razão e de argumentos, e não de números e estatísticas. Logo ali, na esquina do tempo, assim será. Na frase célebre de Victor Hugo, “nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”.

RETROSPECTIVA 2014

Os 10 julgamentos mais importantes do Supremo Tribunal Federal neste ano

Por Eduardo Mendonça e Luís Roberto Barroso (Parte II da Retrospectiva 2014 escrita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em parceria com o advogado e professor Eduardo Mendonça, que, até agosto, foi chefe da assessoria do ministro no Supremo. O texto complementa a Parte I (clique aqui para ler) e traz a seleção de dez casos cujo julgamento já se encerrou e que se destacam entre os principais decididos pelo STF em 2014)

A seleção confirma o papel proeminente exercido pelo STF nos principais debates nacionais, da composição dos órgãos representativos à universalização do Direito Penal, passando pela efetivação do teto remuneratório dos agentes públicos e pela realização concreta da liberdade de expressão. A retrospectiva do Supremo, uma vez mais, é a retrospectiva de parte significativa do debate público no Brasil.

Inconstitucionalidade da alteração das bancadas estaduais por ato do Tribunal Superior Eleitoral (ADIs 4.947, 5.020, 5.028, 5.130 e ADC 33, relator ministro Gilmar Mendes; ADIs 4.963, 4.965, relatora ministra Rosa Weber, julgamento conjunto concluído em 1° de julho de 2014).

Em um dos casos mais politicamente carregados do ano, o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 1° da Lei Complementar 78/93, que dispunha sobre o mecanismo de atualização das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados, bem como da Resolução 23.389/2013, do Tribunal Superior Eleitoral, que promovia redistribuição de cadeiras. Os diplomas questionados buscavam atender ao comando contido no artigo 45, parágrafo 1°, da Constituição, pelo qual se determina que o número total de deputados e a quantidade por estado sejam fixados por lei complementar, proporcionalmente às respectivas populações, procedendo-se aos ajustes necessários no ano anterior a cada eleição. Após fixar o total de 513 deputados e reproduzir os patamares mínimo e máximo fixados na Constituição, de oito e 70, o dispositivo legal atribuía ao TSE a tarefa de proceder aos referidos ajustes, tomando por base dados oficiais fornecidos pelo IBGE. Analisando um conjunto de ações sobre o tema, a maioria do tribunal assentou que a competência para efetuar os ajustes seria do Congresso Nacional, insuscetível de delegação ao TSE.

O fundamento central da corrente majoritária foi a tese de que a definição das bancadas envolveria uma dose inevitável de escolha política. Ficaram vencidos os ministros Gilmar Mendes, relator de parte das ações, e Luís Roberto Barroso, que consideravam válida a delegação. Segundo eles, caberia ao legislador estabelecer a quantidade máxima de deputados e fixar parâmetros básicos para a alocação das cadeiras entre os estados. A manutenção da proporcionalidade, porém, seria uma questão antes técnica do que política. Por isso mesmo, seria inapropriado condicionar a sua efetivação aos desígnios do Congresso Nacional, cujo equilíbrio de forças poderia acabar frustrando o comando constitucional. Ao final, sete ministros manifestaram-se favoravelmente a algum tipo de modulação dos efeitos temporais da decisão, sobretudo em face da proximidade das eleições. No entanto, como não se atingiu o quórum de dois terços, prevaleceu a visão de que inexistiria abalo à segurança jurídica no fato de se expurgar do ordenamento atos inválidos do TSE, baseados em delegação declarada inconstitucional.

Processos e inquéritos penais em curso não podem ser computados como maus antecedentes (RE 591.054, relator ministro Marco Aurélio, julgamento concluído em 17 de dezembro de 2014)

Em um ano de muitos julgamentos criminais rumorosos, um dos mais importantes, do ponto de vista principiológico, não causou tanto alarde. Em votação apertada, o STF manteve a sua jurisprudência no sentido de não ser possível considerar inquéritos e processos penais em curso como maus antecedentes, para fins de agravamento da pena. A posição majoritária foi conduzida pelo relator, ministro Marco Aurélio, que enfatizou a necessidade de decisão condenatória definitiva para que se afaste a presunção de inocência. A divergência foi inaugurada pelo ministro Ricardo Lewandowski, sustentando que o juiz poderia usar de seu prudente arbítrio para valorar o histórico de vida do apenado, sendo comum que a existência de um longo histórico de inquéritos e ações indique comportamento antissocial. Por esse ponto de vista — que foi seguido pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e pelo ministro Luiz Fux — inquéritos e processos não poderiam constituir circunstâncias agravantes, mas tampouco poderiam ser desconsiderados.

A decisão foi relevante, também, para colocar em evidência a necessidade de que haja parâmetros minimamente objetivos para guiar a dosimetria, o que ficaria comprometido com a possibilidade de que cada juiz faça um juízo próprio acerca da ficha corrida do condenado. Ainda que seja impossível evitar que esse elemento influencie o convencimento geral do julgador, continua vedada a sua utilização como fundamento de exacerbação da pena. Um problema a ser enfrentado, porém, é a morosidade de inquéritos e ações penais, que acabam se superpondo sem que o Estado seja capaz de produzir juízos definitivos, absolutórios ou condenatórios. Isso indica, por si só, a incapacidade do sistema penal na

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prevenção e na resposta ao fenômeno da criminalidade. A solução para essa disfunção não deve passar pela relativização excessiva da presunção de não culpabilidade, admitindo-se que procedimentos inconclusos possam repercutir negativamente sobre outros em fase mais adiantada.

Discussão quanto ao papel do Senado Federal no controle incidental de constitucionalidade (Rcl 4.335, relator ministro Gilmar Mendes, julgamento concluído em 21 de março de 2014)

Após uma sucessão de votos-vista e quase sete anos, o STF concluiu o julgamento em que se propôs a rediscutir o papel do Senado Federal no domínio do controle incidental de constitucionalidade. Em linha de princípio, como se sabe, as decisões proferidas por essa via possuem eficácia limitada às partes do processo. A eficácia erga omnes e vinculante é própria do controle abstrato. A fim de ampliar o alcance das decisões proferidas no julgamento de casos concretos, o artigo 52, X, da Constituição, confere competência ao Senado para, por meio de resolução, “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. O dispositivo foi introduzido originalmente na Constituição de 1934, quando o STF era desprovido de qualquer mecanismo decisório dotado de eficácia contra todos. Tratava-se, portanto, de um notável avanço. Na atual configuração do sistema brasileiro de controle, porém, a necessidade de interferência do Senado tornou-se claramente anacrônica.

É sobre esse pano de fundo que se desenrola o julgamento ora em exame. Confrontado com a decisão de um juiz que se recusava a seguir a orientação do STF em tema relevante[2], mas fixada em habeas corpus, o relator, ministro Gilmar Mendes, propôs uma releitura da matéria. Pela proposta, o artigo 52, X teria passado por uma mutação constitucional: todas as decisões tomadas pelo Plenário do STF no exercício da jurisdição constitucional teriam, por si mesmas, eficácia geral e vinculante. A atribuição do Senado deixaria de ser a ampliação da eficácia e passaria a ser, tão somente, uma forma de conferir publicidade ao que restou decidido. Tal orientação foi acompanhada pelo ministro Eros Grau, mas foi rejeitada pelos ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, que endossavam a compreensão tradicional. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski, cujo voto posterior juntou-se à divergência e foi seguido por novo pedido de vista, agora do ministro Teori Zavascki.

Na retomada do julgamento, o ministro Teori procurou construir um meio-termo. De início, destacou a importância dos precedentes, sobretudo do STF, e a necessidade de que sejam observados pelas instâncias inferiores, sob pena de a corte deixar de cumprir a sua função institucional de guardiã da Constituição. Por outro lado, considerou impossível abrir a via da reclamação para a garantia de todas as decisões do STF, o que acabaria transformando-o em um tribunal executivo, encarregado da implementação capilarizada das suas decisões. Linha semelhante foi adotada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ressaltou a importância de se criar, no Brasil, uma cultura de respeito aos precedentes e destacou o mérito teórico da interpretação proposta pelo ministro Gilmar Mendes, mas considerou que ela seria incompatível com os limites semânticos do artigo 52, X. Com ligeiras variações, tal orientação foi reiterada nos votos subsequentes. Ao fim e ao cabo, portanto, manteve-se o convencimento convencional, pontuado pela mensagem institucional de que o respeito à jurisprudência do tribunais, e do Supremo em particular, é pressuposto para a efetividade e racionalidade do acesso à Justiça.

Inércia do juiz e independência do Ministério Público na Justiça Eleitoral (ADI 5.104, relator ministro Luís Roberto Barroso, julgamento concluído em 21 de maio de 2014)

Em um ano de natural protagonismo da Justiça Eleitoral, o STF foi chamado a rediscutir o sentido da inércia judicial e da independência do Ministério Público nesse domínio. O caso envolvia a Resolução 23.396/2013, do TSE, que enunciava uma série de normas a respeito das apurações criminais, incluindo a previsão, contida em seu artigo 8°, de que “o inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante”. O Procurador-Geral da República pedia a suspensão cautelar e, por fim, a declaração da inconstitucionalidade desse e de outros dispositivos da Resolução, sob o fundamento central de que seriam incompatíveis com o princípio acusatório, comprometendo a função institucional do Parquet.

A maioria dos ministros votou pela concessão da medida cautelar requerida, limitada ao referido artigo 8°. Prevaleceu o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que apontou a invalidade de se condicionar a instauração de inquéritos a uma anuência ou requisição judicial, por duplo fundamento. Em primeiro lugar, o princípio acusatório é estruturado para assegurar a independência do próprio Judiciário, preservando a sua imparcialidade na maior medida possível. Em segundo lugar, o princípio busca a paridade de armas entre acusação e defesa, mantendo-as equidistantes em relação ao julgador. O relator ainda destacou que o legislador até poderia dispor de alguma margem de conformação na matéria, respeitados os requisitos mínimos do sistema acusatório. Em se tratando, contudo, de ato infralegal, a presunção de constitucionalidade seria reduzida e o exame deveria ser mais rigoroso. Ficaram vencidos os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que ressaltaram as peculiaridades da Justiça Eleitoral, notadamente por conta do seu papel de conduzir as eleições.

Descabimento de ação rescisória quando a decisão transitada em julgado estava apoiada em jurisprudência do STF, posteriormente modificada (RE 590.809, relator ministro Marco Aurélio, julgamento concluído em 22 de outubro de 2014)

Nesse precedente, o STF reiterou a dignidade intrínseca da coisa julgada, destinada a estabilizar as decisões judiciais em face de novos questionamentos. Na origem, cuidava-se de ação rescisória ajuizada pela União com o objetivo de desconstituir acórdão, favorável ao contribuinte, no qual se assentou o direito ao crédito de IPI relativo a insumos adquiridos em operações com alíquota zero. À época, prevalecia no STF o entendimento de que tal circunstância não suprimia o direito ao creditamento. Em momento posterior, contudo, o Tribunal mudou sua orientação e rejeitou pedido expresso para que a decisão fosse objeto de modulação temporal, permitindo que todas as questões ainda em aberto fossem resolvidas em favor da Fazenda Pública.

O que se discutia no recurso extraordinário envolvia um passo além, dizendo respeito à possibilidade de desconstituição de decisões definitivas baseadas na orientação anterior. Como se sabe, a Súmula/STF 343 registra o descabimento de ação rescisória quando a matéria fosse, à época

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do julgamento, controvertida nos tribunais. Apesar disso, o STF consolidou o entendimento de que o verbete seria inaplicável nas questões que envolvam matéria constitucional, dada a necessidade de se privilegiar a força normativa da Constituição. No caso de que se trata, porém, a maioria dos Ministros optou por prestigiar a regra da coisa julgada e o princípio da segurança jurídica, a ela subjacente, tendo em vista a peculiaridade de a decisão rescindenda estar alinhada com o entendimento do próprio Tribunal. Tal circunstância reforçaria a inexistência de violação a literal disposição de lei e a necessidade de se proteger a confiança legítima despertada pelas decisões, transitadas em julgado, que se limitavam a aplicar a orientação do STF.

Incidência imediata do teto remuneratório, com corte de excedentes (RE 609.281, relator ministro Teori Zavascki, julgamento concluído em 2 de outubro de 2014)

A implementação do teto remuneratório previsto na Constituição tem se revelado uma grande dificuldade prática. Após duas emendas constitucionais e outras tantas mudanças jurisprudenciais, o artigo 37, XI ainda não logrou impedir a manutenção de vencimentos acima do limite, seja pela construção de que determinadas verbas não se submeteriam à exigência, seja pelo entendimento de que os excedentes seriam insuscetíveis de corte imediato, por força da irredutibilidade prevista no artigo 37, XV. A fim de instrumentalizar essa segunda orientação, o STF estabelecera e vinha mantendo a regra de que o montante a maior deveria ser creditado como item destacado e nominal, a ser absorvido por futuros reajustes concedidos ao servidor.

Embora engenhosa, a solução projeta os pagamentos inconstitucionais no tempo e mostra-se pouco eficaz para lidar com valores elevados, cuja absorção demandaria muitos e significativos aumentos de remuneração. A nova orientação, firmada em recurso com repercussão geral reconhecida, determina o corte imediato dos excedentes. Essa foi a linha adotada pelo relator, ministro Teori Zavascki, que afastou a incidência da irredutibilidade sobre parcelas inconstitucionais. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, fieis à jurisprudência anterior.

Uso da reclamação para proteger as liberdades de expressão, informação e imprensa (Diversas decisões monocráticas, sendo citadas no texto, em ordem de aparição, as seguintes: (i) Rcl 18.638, relator ministro Luís Roberto Barroso, decisão de 17 de setembro de 2014; (ii) Rcl 18.746, relator ministro Gilmar Mendes, decisão de 3 de outubro de 2014; e (iii) Rcl 18.836, relator ministro Celso de Mello, decisão de 28 de novembro de 2014)

Ao longo do ano, em diferentes contextos, ministros do STF proferiram decisões monocráticas para suspender atos judiciais aparentemente incompatíveis com as liberdades de expressão, informação e imprensa. Como regra, os paradigmas invocados têm sido a ADPF 130 — na qual o STF declarou não recepcionada a Lei de Imprensa e condenou a censura prévia — e a ADI 4.451, que suspendeu dispositivo da legislação eleitoral e assentou a liberdade das emissoras de radiodifusão para veicularem conteúdos humorísticos relacionados às eleições. As decisões reclamadas, por sua vez, cobriam uma ampla gama de situações: desde a proibição da circulação de periódicos contendo denúncias de corrupção — suspensa por cautelar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso — até a determinação de que programas de televisão fossem impedidos de veicular críticas a magistrado — suspensa por determinação do ministro Gilmar Mendes.

O conjunto de tais decisões parece sugerir a preocupação do STF com o esvaziamento pulverizado da liberdade de expressão. Esse é um risco potencializado pela combinação de dois fatores: de um lado, a recorrência e a multiplicidade de cenários em que a referida liberdade entra em potencial conflito com outros elementos constitucionais, notadamente os direitos à honra, à privacidade e à imagem; e, de outro, a falta de parâmetros claros para orientar o exame judicial desses conflitos, abrindo margem para considerável subjetivismo por parte dos julgadores. A resposta do STF a essa dificuldade, ainda que fragmentada, parece ser clara: a liberdade de expressão continua a ser a regra geral e as restrições é que devem ser excepcionais, exigindo fundamentações exaustivas. O recado foi particularmente enfatizado em decisão do ministro Celso de Mello, na qual assentou que “o exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação”.

Inconstitucionalidade do prazo de 30 anos para cobrança de valores referentes ao FGTS, fixando-se o prazo de cinco anos (ARE 709.212, relator ministro Gilmar Mendes, julgamento em 13 de novembro de 2014)

O STF declarou a inconstitucionalidade do prazo de 30 anos para a cobrança de valores referentes ao FGTS, previsto no artigo 23 da Lei 8.036/1990 e no artigo 55 do Decreto 99.684/1990. Prevaleceu o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, pela incompatibilidade do prazo legal com o artigo 7°, XXIX, da Constituição. Trata-se do dispositivo que estabelece o prazo prescricional de cinco anos para a ação referente a créditos resultantes da relação de trabalho, até o limite de dois anos após a extinção do contrato laboral. Como fundamento adicional, o relator invocou o princípio da razoabilidade, uma vez que o prazo trintenário representaria uma restrição manifestamente excessiva ao princípio da segurança jurídica. Ficaram vencidos os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber, que privilegiavam a opção legislativa.

Também nos termos do voto do relator, vencido o ministro Marco Aurélio, a corte deliberou por efetuar a modulação temporal da decisão, notadamente por se cuidar de mudança na jurisprudência com relevante impacto na realidade. Para os créditos que venham a surgir daqui para frente, como é natural, aplica-se regularmente o novo prazo assinalado. Nos casos em que o prazo já esteja em curso, porém, será aplicado o lapso que for menor: trinta anos contados do termo inicial — ou seja, a regra anterior — ou cinco anos contados do próprio julgamento.

Prerrogativa das minorias parlamentares para efetuarem a delimitação de CPI (MS 32.885, relatora ministra Rosa Weber, decisão monocrática de 23 de abril de 2014)

Confirmando e aprofundando uma notável tradição decisória do STF, a ministra Rosa Weber concedeu medida cautelar para garantir aos requerentes de CPI, no âmbito do Senado Federal, o direito de verem instalada a comissão com o objeto por eles delimitado. No caso, a maioria

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parlamentar pretendia estender o alcance das investigações para analisar não apenas os indícios de irregularidades na Petrobras, como queriam os requerentes, mas também outros possíveis esquemas de corrupção relacionados aos partidos que deflagraram o pedido original. Sem negar a possibilidade de que outras CPIs fossem igualmente instaladas, a decisão enfatizou a necessidade de que, atendidos os requisitos formais, as minorias parlamentares tenham condições institucionais de formatar investigações e exercer o seu papel de contraponto às maiorias.

A ampliação forçada do objeto enfraqueceria tal função, trazendo o risco de diluição das energias e atenções. Ainda mais quando se considera que a composição das comissões já induz a que os trabalhos sejam conduzidos pelos blocos majoritários, dada a regra constitucional de proporcionalidade em relação à distribuição de cadeiras no Plenário. Nesse contexto, a prerrogativa de delimitar o objeto da CPI ganha ainda mais importância e mostra-se indissociável do poder de requerer a instauração dos trabalhos. No limite, as minorias têm o direito, pelo menos, de forçar apurações indesejáveis e colocar as maiorias na condição de terem de se justificar publicamente. Sem maiores idealizações, não deixa de ser uma forma de colocar em prática valores relevantes do sistema representativo e da democracia deliberativa.

Racionalização da jurisdição em geral, e do STF em particular (Competência quanto aos atos do CNJ: AO 1814, relator ministro Marco Aurélio; ACO 1.680, relator ministro Teori Zavascki, julgamento conjunto concluído em 30 de abril de 2014; Necessidade de prévio requerimento administrativo para o ajuizamento de ações judiciais contra o INSS: RE 631.240, relator ministro Luís Roberto Barroso, julgamento concluído em 3 de setembro de 2014)

A necessidade de maior eficiência na prestação jurisdicional e, sobretudo, de devolução de funcionalidade ao STF tem ganhado espaço ano a ano. Com a chegada do ministro Ricardo Lewandowski à Presidência do Tribunal, o tema foi alçado ao status de prioridade ostensiva, que se manifesta, e.g., na preferência para o julgamento de repercussões gerais que estejam represando grandes volumes de recursos sobrestados, bem como na transferência de numerosas competências do Plenário para as turmas. Nesse esforço concentrado de racionalização, dois julgamentos merecem destaque. O primeiro delimitou a competência do STF em relação a ações ajuizadas contra atos do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, restringindo-a às de perfil mandamental (mandado de segurança, habeas corpus, habeas data e mandado de injunção). Prevaleceu o voto dos relatores, ministros Marco Aurélio e Teori Zavascki, que sustentavam a necessidade de interpretação sistemática do texto constitucional e a desnecessidade de controle direto e imediato, em todos os casos, por parte do STF.

O segundo julgamento, proferido em recurso extraordinário com repercussão geral, assentou a necessidade, como regra, de prévio requerimento administrativo como condição para o ajuizamento de demandas contra o INSS. Prevaleceu o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que afastou a ocorrência de violação ao acesso à Justiça, que pressupõe a existência de uma pretensão resistida. Na prática, a medida visa a evitar que o Judiciário substitua as repartições públicas no recebimento originário de requerimentos administrativos, com prejuízo para a celeridade no processamento definitivo dos pedidos de benefício e das ações judiciais. A decisão teve importante impacto na redução do congestionamento dos juizados especiais federais. O relator ressalvou, contudo, os casos em que a Administração Pública tenha entendimento notório em sentido contrario à pretensão do administrado, situação em que o requerimento prévio seria uma mera formalidade. Ficaram vencidos a ministra Cármen Lúcia e o ministro Marco Aurélio, que consideravam a exigência incompatível com a garantia do acesso à Justiça.

[1] Na literatura nacional, v. sobre o tema Rodrigo Brandão, Supremacia judicial versus diálogos constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre o sentido da Constituição?, 2011, especialmente p. 273 e s.

[2] A questão de mérito subjacente envolvia a vedação à progressão de regime para os condenados por crime hediondo, prevista na Lei n° 8.072/90. Após uma sucessão de julgados em que afirmava a constitucionalidade da restrição, o STF modificou sua jurisprudência em sede de habeas corpus – no julgamento de um caso concreto, portanto. Apesar disso, a decisão foi claramente idealizada como precedente vinculante, sendo recebida como a nova orientação do STF na material. Isso não impediu que um Juízo de Execução proclamasse a sua não-vinculação formal e aplicasse a lei declarada inconstitucional. Daí o ajuizamento da reclamação pela Defensoria Pública.

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REFERÊNCIAS

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MENDONÇA, Eduardo. Os 11 julgamentos que marcaram o ano do Supremo. Revista Consultor Jurídico, dez. 2013, Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2013-dez-26/retrospectiva-2013-11-julgamentos-marcaram-ano-stf?imprimir=1>. Acesso: Acesso: 26 set. 2015.