apostila semantica- lÍngua portuguesa e linguÍstica

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LÍNGUA PORTUGUESA E LINGUÍSTICA Módulo Professora Dra. Maria Leda Pinto Unidade Didática – Estudos da Língua Portuguesa: Semântica e Linguística Geral BookUniderp61LinguaPort.indb 1 11/11/09 7:13:44 PM

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  • LNGUA PORTUGUESA E LINGUSTICA

    Mdulo

    Professora Dra. Maria Leda Pinto

    Unidade Didtica Estudos da Lngua

    Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    BookUniderp61LinguaPort.indb 1 11/11/09 7:13:44 PM

  • 2

    BookUniderp61LinguaPort.indb 2 11/11/09 7:13:44 PM

  • 3AULA

    LNGUAS

    Contenho vocao pra no saber lnguas cultas.

    Sou capaz de entender as abelhas do que alemo.

    Eu domino os instintos primitivos.

    A nica lngua que estudei com fora foi a

    portuguesa.

    Estudei-a com fora para poder err-la ao dente.

    A lngua dos ndios Guats murmura: como se

    ao dentro de suas palavras corresse um rio entre

    pedras.

    A lngua dos Guaranis grrula: para eles muito

    mais importante o rumor das palavras do que o

    sentido que elas tenham.

    Usam trinados at na dor.

    Na lngua dos Guans h sempre uma sombra do

    charco em que vivem.

    Mas lngua matinal.

    H nos seus termos rstias de um sol infantil.

    Entendo ainda o idioma inconversvel das pedras.

    aquele idioma que melhor abrange o silncio das

    palavras.

    Sei tambm a linguagem dos pssaros s cantar.

    BARROS, M. Ensaios fotogrficos. Rio de Janeiro:

    Record, 2000. p. 17, 18.

    BookUniderp61LinguaPort.indb 3 11/11/09 7:13:44 PM

  • Apresentao

    Caro(a) acadmico(a) de Letras,

    O homem sempre buscou o conhecimento, e essa busca no est ligada s curiosidade na-

    tural do ser humano. A busca do conhecimento , para o homem, uma forma de domnio do

    mundo, por isso procura explicar tudo o que existe. O conhecimento da linguagem uma des-

    sas buscas. Segundo Orlandi (2003), a seduo que a linguagem exerce sobre o homem existe

    desde sempre. Esse fascnio se expressa de vrias maneiras: pela literatura, pela religio, pela

    filosofia... e por meio de diversos gneros textuais: poesia, mitos, histrias, lendas e tambm

    polmicas muito antigas que revelam essa curiosidade pela linguagem.

    Essa seduo contribuiu muito para o desenvolvimento da linguagem por meio dos tempos

    e trouxe at ns um aspecto relevante que a pesquisa lingustica. Na Grcia antiga, os pensa-

    dores j desenvolviam grandes debates para saber se os nomes imitam as coisas ou se so dados

    por pura conveno. Temos tambm os hindus e seus sofisticados estudos da linguagem, movi-

    dos pelo interesse religioso. Eles buscam: (...) estabelecer pela palavra uma ntima relao com

    Deus (ORLANDI, 2003, p. 8, 9). Na Idade Mdia, os estudos lingusticos apresentam um mar-

    co muito importante: os Modistae procuram construir uma teoria geral da linguagem, que tem

    incio a partir da autonomia da gramtica com relao lgica. Segundo Orlandi (2003, p. 9),

    essa teoria considera trs tipos de modalidades (modus) manifestados pela linguagem natural:

    o modus essendi (de ser), o intelligendi (de pensamento) e o significandi (de significar).

    So muitos os fatos que evidenciam essa curiosidade que os homens, em diferentes pocas,

    tm demonstrado pelos estudos da linguagem, mas com a criao da lingustica que essa

    seduo do ser humano torna-se cincia da linguagem. E, como podemos ver, a questo da

    significao est presente como um dos pontos relevantes desses estudos.

    A semntica a disciplina que vai estudar a significao e, muito embora seja estudada desde

    os primrdios, considerada nova. Isso se deve, em parte, porque os estudiosos centraram sua

    ateno inicialmente em reflexes sobre morfologia, fontica, fonologia e sintaxe, ficando o

    estudo da significao, de certa forma, abandonado por um determinado tempo. Digo signifi-

    cao porque o termo semntica s foi criado em 1883, por Michel Bral. Nas ltimas dcadas,

    um estudo mais rigoroso sobre o significado e o sentido tem se evidenciado.

    Em razo disso, caros(as) acadmicos(as), constitui-se um grande desafio adentrarmos nesse

    estudo, especialmente porque, segundo Oliveira (2001, p. 17), definir o objeto de estudos da

    semntica no uma tarefa fcil, tendo em vista que no h consenso entre os semanticistas

    sobre o que se entende por significado. Esse desafio, porm, necessrio e relevante para os

    estudos e o ensino-aprendizagem da lngua portuguesa e para a formao dos educadores que

    trabalham e/ou iro trabalhar com a linguagem. Para tanto, selecionamos alguns pesquisadores

    que iro fundamentar o nosso estudo.

    Vamos juntos nessa caminhada?! Tenho certeza de que vocs esto prontos para mais esse

    desafio.

    Professora Dra. Maria Leda Pinto

    BookUniderp61LinguaPort.indb 4 11/11/09 7:13:44 PM

  • 5Un

    idad

    e D

    idt

    ica

    Es

    tud

    os

    da

    Ln

    gu

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    rtu

    gu

    esa:

    Sem

    nti

    ca e

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    gu

    sti

    ca G

    eral

    AULA

    1CONTExTUALIzAO DA SEMNTICA

    ContedoIntrodu o da lingustica geral

    A semnt ica nesse contexto

    Competncias e habilidadesCompre ender o contexto histrico da lingustica geral como a cincia da linguagem, as reas estudadas por essa cincia e sua importncia para os estudos da lngua portuguesaCompreender o lugar da semntica no contexto da lingustica geralReconhecer a importncia do estudo da significao como parte essencial da linguagemCompreender, a partir do estudo da significao, a semntica como a rea que trata do

    significado e do sentido e a relevncia destes para os estudos da linguagem

    Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade

    Durao2 h-a via satlite com professor interativo2 h-a presenciais com professor local

    4 h-a mnimo sugerido para autoestudo

    LINGUSTICA BREVE INTRODUO1

    A lingustica o estudo cientfico da lngua(gem).2

    A palavra lingustica comeou a ser usada em me-

    ados do sculo XIX para enfatizar a diferena en-

    tre uma abordagem mais inovadora do estudo da

    1 O ttulo original do texto Introduo. Acrescentamos/al-teramos por questes didticas para este livro. No entanto, o contedo foi reproduzido do livro: WEEDWOOD, Brbara. Histria concisa da Lingustica. Traduo de Marcos Bagno. 2. ed. So Paulo: Parbola Editorial, 2002.

    2 Como o ingls s dispe da palavra language para se referir tanto linguagem (capacidade humana de se comunicar por meio da fala e da escrita) quanto lngua (sistema lingustico particular, idioma), traduziremos o termo ingls ora por ln-gua, ora por linguagem e, eventualmente, por lngua(gem), quando ambas as noes estiverem, a nosso ver, contempladas no discurso da autora (N. do T.).

    lngua, que estava se desenvolvendo na poca, e a

    abordagem mais tradicional da filologia. Hoje em

    dia, comum fazer uma distino bem ntida en-

    tre a lingustica como cincia autnoma, dotada de

    princpios tericos e de metodologias investigativas

    consistentes, e a gramtica tradicional, expresso

    que engloba um espectro de atitudes e mtodos en-

    contrados no perodo do estudo gramatical anterior

    ao advento da cincia lingustica. A tradio, no

    caso, tem mais de dois mil anos de idade, e inclui o

    trabalho dos gramticos gregos e romanos da Anti-

    guidade Clssica, os autores do Renascimento e os

    gramticos prescritivistas do sculo XVIII. difcil

    generalizar sobre uma variedade to ampla de abor-

    BookUniderp61LinguaPort.indb 5 11/11/09 7:13:44 PM

  • 6Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    dagens, mas os linguistas em geral usam a expresso

    gramtica tradicional um tanto pejorativamente,

    identificando um exame no cientfico do fenme-

    no gramatical, em que as lnguas eram analisadas

    com referncia ao latim, com pouca ateno sendo

    prestada aos fatos empricos. No entanto, muitas

    noes bsicas usadas pelas abordagens modernas

    podem ser encontradas naquelas obras muito anti-

    gas, e hoje existe um renovado interesse pelo estu-

    do da gramtica tradicional como parte da histria

    das ideias lingusticas. A lingustica, tal como hoje

    compreendida, inclui todos os tipos de exame dos

    fenmenos da linguagem, inclusive os estudos gra-

    maticais tradicionais e a filologia.

    De fato, a distino entre lingustica e filologia

    tinha ligao, no sculo XIX, e em grande medida

    ainda tem, com questes de atitude, nfase e obje-

    tivo. O fillogo se preocupa primordialmente com

    o desenvolvimento histrico das lnguas tal como

    se manifesta em textos escritos e no contexto da li-

    teratura e da cultura associadas a eles. O linguista,

    embora possa se interessar por textos escritos e pelo

    desenvolvimento das lnguas por meio do tempo,

    tende a priorizar as lnguas faladas e os problemas

    de analis-las num dado perodo de tempo.

    O campo da lingustica pode ser dividido por

    meio de trs dicotomias:

    (1) sincrnica vs. diacrnica;

    (2) terica vs. aplicada;

    (3) microlingustica vs. macrolingustica.

    Figura 1 Microlingustica e macrolingustica.

    Uma descrio sincrnica de uma lngua descre-

    ve esta tal como existe em dada poca. Uma descri-

    o diacrnica se preocupa com o desenvolvimento

    histrico da lngua e com as mudanas estruturais

    que nela ocorreram. Hoje em dia, no entanto, essas

    duas abordagens esto cada vez mais em convergn-

    cia, e muitos estudiosos at consideram impossvel

    separar o sincrnico do diacrnico.

    O objetivo da lingustica terica a construo

    de uma teoria geral da estrutura da lngua ou de um

    arcabouo terico geral para a descrio das lnguas.

    O objetivo da lingustica aplicada , como diz o pr-

    prio nome, a aplicao de descobertas e tcnicas do

    estudo cientfico da lngua para fins prticos, espe-

    cialmente a elaborao de mtodos aperfeioados

    de ensino de lngua.

    Os termos microlingustica e macrolingusti-

    ca ainda no se estabeleceram definitivamente, e

    de fato so usados aqui por pura convenincia. O

    primeiro se refere a uma viso mais restrita e o se-

    gundo, a uma viso mais ampliada do escopo da

    lingustica. Pela viso da microlingustica, as lnguas

    devem ser analisadas em si mesmas e sem referncia

    a sua funo social, maneira como so adquiridas

    pelas crianas, aos mecanismos psicolgicos que

    subjazem produo e recepo da fala, funo

    literria ou esttica ou comunicativa da lngua, e

    assim por diante. Em contraste, a macrolingustica

    abrange todos esses aspectos da linguagem.

    Dentro da microlingustica, ento, poderamos

    incluir os estudos que se preocupam com a lngua

    em si: fontica e fonologia, sintaxe, morfologia, se-

    mntica, lexicologia. comum a referncia a essas

    reas de estudo como o ncleo duro da lingustica

    (em referncia ao termo ingls hard-core). Repre-

    sentam tambm boa parte do conjunto mais antigo

    e tradicional de estudos da linguagem: basta ver que

    boa parte da terminologia tcnica at hoje empre-

    gada na microlingustica (substantivo, adjetivo, pre-

    posio, verbo, pretrito, antnimo, pronome etc.)

    remonta aos estudos lingusticos da Antiguidade

    greco-romana.

    Diversas reas dentro da macrolingustica tm

    recebido reconhecimento na forma de nomes pr-

    fonticafonologia

    sintaxemorfologialexicologiasemntica

    lingustica do texto

    soci

    olin

    gus

    tica

    lingu

    stic

    a hi

    str

    ica

    pragmti

    ca

    anlise

    da con

    versa

    o

    psicolingustica

    neurolingustica

    anlise do discurso

    BookUniderp61LinguaPort.indb 6 11/11/09 7:13:44 PM

  • 7AULA 1 Contextualizao da Semntica

    prios: psicolingustica, sociolingustica, lingustica

    antropolgica, dialetologia, lingustica matemtica

    e computacional, estilstica etc. No se deve confun-

    dir a macrolingustica com a lingustica aplicada. A

    aplicao de mtodos e conceitos lingusticos ao en-

    sino da lngua pode muito bem envolver outras dis-

    ciplinas de um modo que a microlingustica desco-

    nhece. Mas existe, em princpio, um aspecto terico

    em cada parte da macrolingustica, tanto quanto da

    microlingustica.

    A especulao e investigao lingusticas, tal

    como as conhecemos at hoje, foram levadas a cabo

    somente num pequeno nmero de sociedades. Em-

    bora as culturas mesopotmicas, chinesa e rabe te-

    nham se preocupado com a gramtica, suas anlises

    estiveram to entranhadas nas particularidades de

    seus prprios idiomas e se mantiveram to desco-

    nhecidas do mundo europeu at pouco tempo atrs,

    que na prtica no tiveram impacto algum sobre a

    tradio lingustica ocidental. A tradio lingusti-

    ca e filolgica dos chineses remonta a (sic) mais de

    dois mil anos, mas o interesse daqueles eruditos se

    concentrava amplamente na fontica, na ortografia

    e na lexicografia; sua considerao dos problemas

    gramaticais estava estreitamente vinculada ao estu-

    do da lgica.

    Sem dvida, a tradio gramatical no oci-

    dental mais interessante e mais original e inde-

    pendente a da ndia, que remonta a (sic) pelo

    menos 2.500 anos e que culmina com a gramtica

    de Panini, do sculo V a.C., que analisava a lngua

    sagrada da ndia, o snscrito. Foram trs os modos

    principais de impacto da lngua snscrita sobre a

    cincia lingustica moderna. To logo o snscrito

    se tornou conhecido do mundo intelectual oci-

    dental, ocorreu a ecloso incontida da gramtica

    comparativa indo-europeia, e foram lanadas as

    bases para todo o edifcio da filologia comparativa

    e da lingustica histrica do sculo XIX. Mas, para

    esse edifcio, o snscrito era simplesmente parte

    dos dados; a doutrina gramatical indiana no de-

    sempenhou papel influente direto algum. Os estu-

    diosos do sculo XIX, porm, reconheceram que

    a tradio de fontica da ndia antiga era ampla-

    mente superior ao conhecimento ocidental nesse

    campo, e isso teve importantes consequncias para

    o crescimento da cincia fontica no Ocidente. Em

    terceiro lugar, nas regras ou definies (sutras) de

    Panini, existe uma descrio notavelmente refina-

    da e penetrante da gramtica snscrita. A constru-

    o de frases, nomes compostos e assim por dian-

    te explicada por meio de regras ordenadas que

    operam sobre estruturas subjacentes de maneira

    espantosamente semelhante a diversos aspectos da

    teoria lingustica contempornea. Como se pode

    imaginar, esse perspicaz trabalho gramatical in-

    diano suscitou grande fascnio na lingustica te-

    rica do sculo XX. Um estudo da lgica indiana

    vinculada gramtica de Panini com a lgica aris-

    totlica e ocidental vinculada gramtica grega e

    suas sucessoras poderia trazer descobertas ilumi-

    nadoras.

    Enquanto na China antiga praticamente no

    se firmou um campo autnomo de estudo que

    pudesse ser chamado de gramtica, na ndia

    antiga uma verso sofisticada dessa disciplina se

    desenvolveu bem cedo ao lado das demais cincias.

    Muito embora o estudo da gramtica do snscrito

    possa originalmente ter tido o objetivo prtico de

    manter puros e intactos os textos sagrados dos

    Vedas e seus comentrios, o estudo da gramtica

    na ndia, no primeiro milnio antes de Cristo, j

    tinha se tornado uma prtica intelectual em si

    mesma (WEEDWOOD, Brbara. Histria concisa

    da Lingustica. Traduo Marcos Bagno. 2. ed. So

    Paulo (SP): Parbola Editorial, 2002.).

    DIVISES DA LINGUSTICA

    De modo geral, os linguistas apresentam uma di-

    viso da lingustica em reas que so estudadas mais

    ou menos de forma independente. As divises mais

    comuns so:

    Fontica compreende o estudo dos diferentes

    sons empregados em linguagem.

    Fonologia estuda os padres dos sons bsicos

    de uma lngua.Morfologia o estudo da estrutura interna

    das palavras.

    BookUniderp61LinguaPort.indb 7 11/11/09 7:13:44 PM

  • 8Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    Sintaxe compreende o estudo de como a lin-

    guagem combina as palavras para formar fra-

    ses gramaticais.

    Semntica o estudo dos sentidos, do signifi-

    cado das frases e das palavras no texto, podendo

    ser, por exemplo, formal ou lexical, cognitiva.

    Lexicologia o estudo do conjunto das pala-

    vras de um idioma, ramo de estudo que contri-

    bui para a lexicografia, rea de atuao dedica-

    da elaborao de dicionrios, enciclopdias e

    outras obras que descrevem o uso ou o sentido

    do lxico.

    Estilstica o estudo do estilo na linguagem.

    Pragmtica compreende o estudo de como as

    oralizaes so usadas (literalmente, figurati-

    vamente ou de quaisquer outras maneiras) nos

    atos comunicativos.

    Filologia o estudo dos textos e das lingua-

    gens antigas.

    Nem todos os linguistas concordam que todas

    essas divises tenham grande significado. A maior

    parte dos linguistas cognitivos, por exemplo, acha,

    provavelmente, que as categorias semntica e

    pragmtica so arbitrrias, e quase todos concor-

    dariam que essas divises se sobrepem considera-

    velmente. Por exemplo, a diviso gramatical usual-

    mente cobre fonologia, morfologia e sintaxe.

    Ainda existem outros campos como os da lin-

    gustica terica e da lingustica histrica (Texto Lin-

    gustica. Disponvel em: . Acesso em:

    27 mar. 2007. p. 3.).

    A cincia constituda por Saussure apresenta qua-

    tro disciplinas que compreendem quatro diferentes

    nveis de anlise: fonologia (estudo das unidades

    sonoras); sintaxe (estudo da estrutura das frases)

    e morfologia (estudo da forma das palavras), que

    juntas constituem a gramtica; e a semntica (estu-

    do dos significados) (ORLANDI, 2003, p. 22).

    A abordagem defendida pela autora considera a

    semntica fora da constituio da gramtica, dife-

    rentemente de outros autores que defendem ser a

    o seu lugar.

    Orlandi (2003, p. 27) apresenta os eixos para-

    digmtico (substituio) e sintagmtico (combi-

    nao), propostos por Saussure, como o suporte

    da organizao geral da lngua. Afirma ainda que

    essas relaes de substituio e combinao que

    estruturam a lngua tornam mais satisfatria a

    anlise das formas significantes (do nvel da fono-

    logia e da sintaxe), mas pouco acrescentam an-

    lise dos significados (nvel semntico). Esse um

    limite que sempre vai perturbar o estruturalismo,

    afirma a autora.

    AtividadesInstrues

    1. As atividades devero ser realizadas individu-

    almente.

    2. O professor local dever orientar os acadmi-

    cos durante a resoluo das atividades.

    3. As atividades devem ser corrigidas pelo pro-

    fessor local e depositadas no Portflio do aca-

    dmico.

    ExercciosObserve o trecho de Ilari (2001. p. 78) sobre as

    frases feitas para a resoluo das questes de 1 a 3.

    Frases feitasCaracterizao geral

    Chamamos de idiomticas as expresses com-

    postas de diferentes palavras cujo sentido vale para

    o todo, e no pode ser obtido pela montagem dos

    sentidos das palavras que as compem. Por exem-

    plo: rodar baiana ou armar o barraco, por bri-

    IMPORTANTE !Ferdinand de Saussure considerado o pai

    da lingustica moderna e ficou conhecido pela

    obra pstuma Curso de Lingustica Geral, publi-

    cado em 1916, e que possibilitou lingustica a

    denominao de cincia. Saussure hoje refe-

    rncia fundamental para as teorias lingusticas

    atuais, estando sempre no centro das diferentes

    reflexes.

    BookUniderp61LinguaPort.indb 8 11/11/09 7:13:44 PM

  • 9AULA 1 Contextualizao da Semntica

    gar; roer a corda, por fugir; ou andar no mundo

    da lua, por ser distrado etc.

    O oposto das expresses idiomticas so as com-

    posicionais; nessas, as palavras mantm seu sentido

    corrente e so analisadas uma a uma, de modo que

    possvel entender o sentido do todo como uma

    composio ou montagem, a partir do sentido

    das partes.

    1. Algumas expresses idiomticas fazem refern-

    cia a personagens cuja identidade se perdeu no

    tempo. Mas no custa imaginar quem seriam

    e como seriam essas personagens. Como que

    voc imagina:

    a) O Ona, do tempo do Ona.

    b) A me Joana, de a casa da me Joana.

    2. Muitas piadas tiram sua graa de uma confuso

    feita entre interpretao formulaica e interpreta-

    o composicional para a mesma expresso. Leia

    as piadas a seguir e diga qual a expresso cujo du-

    plo sentido est na base de suas interpretaes.

    a) Seu Manuel era um marido exemplar, cari-

    nhoso, incapaz de matar uma mosca. Um dia,

    Maria precisou ir ao mercado e pediu ao bom

    homem:

    Manuel, meu amor, no tire os olhos do Ma-

    nuelzinho enquanto vou ao mercado, certo?

    Oh, Maria, voc sabe que eu no mato uma

    mosca. Acha que teria a coragem de tirar os olhos

    do meu prprio filho?

    b) Certa mulher aguardava com seu marido o

    diagnstico da doena dele. O mdico se apro-

    xima dos dois com expresso austera e diz:

    No estou gostando nada da cara dele.

    Eu tambm no, mas ele muito bom para as

    crianas.

    c) Aula de catecismo.

    Qual dos alunos sabe onde est Deus? Per-

    guntou o professor.

    No banheiro de casa! Responde Joozinho,

    levantando o dedo.

    No banheiro de sua casa, Joozinho???

    sim, professor! Todos os dias a mame bate

    na porta do banheiro e pergunta: Meu Deus, voc

    ainda est a?

    3. Por meio de um desenho, caricatura ou charge,

    tente representar dois dos seguintes ditados:

    a) As paredes tm ouvidos.

    b) Escreveu, no leu, o pau comeu.

    c) Falar pelos cotovelos.

    Atividades de autoestudoLeia os textos Sobre semntica, da professora Dra.

    Ana Maria T. Ibaos, e A semntica como disciplina

    lingustica, do professor Eduardo Guimares, que

    esto na galeria, e responda as questes que acom-

    panham os referidos textos. Deposite os exerccios

    resolvidos no seu Portflio.

    No esquea!Seu exerccio dever ser corrigido pelo professor

    local antes de ir para o Portflio.

    ANOTAES *

    BookUniderp61LinguaPort.indb 9 11/11/09 7:13:44 PM

  • 10

    Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    SEMNTICA1

    Introduo

    Definir o objeto de estudos da semntica no

    uma tarefa simples. Podemos afirmar que a se-

    mntica busca descrever o significado das pala-

    vras e das sentenas, mas devemos, ento, definir

    esse conceito. O problema que no h consenso

    1 O texto de OLIVEIRA, R. P. de. Semntica. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (orgs.). Introduo lingustica: domnios e fronteiras. v. 2. So Paulo: Cortez, 2001.

    entre os semanticistas sobre o que se entende por

    significado. Uma das dificuldades de definirmos

    esse termo se deve ao fato de que ele usado para

    descrever situaes de fala muito diferentes. Veja-

    mos: em qual o significado de mesa?, indaga-

    mos sobre o significado de um termo, mesa; em

    qual o significado de sua atitude?, perguntamos

    sobre a inteno no lingustica de nosso interlocu-

    tor. Falamos ainda sobre o significado de um livro,

    da vida, do verde no semforo, da fumaa (o que

    significa aquela fumaa?) e sobre muitos outros

    Un

    idad

    e D

    idt

    ica

    Es

    tud

    os

    da

    Ln

    gu

    a Po

    rtu

    gu

    esa:

    Sem

    nti

    ca e

    Lin

    gu

    sti

    ca G

    eral

    AULA

    2SIGNIFICAO E SENTIDO

    ContedoSemntica a questo da significao e do sentido

    Linhas semnticas: uma viso geral

    Semntica lexical

    Competncias e habilidadesReconhecer a significao como conceito relevante para o estudo da semntica

    Compreender o processo scio-histrico da significao e do sentido na construo de uma

    viso crtica do mundo

    Conhecer as linhas semnticas que compreendem os estudos da lngua portuguesa

    Reconhecer a importncia dessas linhas semnticas para o estudo da lngua portuguesa e a

    compreenso de sentido e significado

    Reconhecer a importncia da semntica lexical para estudo e compreenso de significao

    e sentido em lngua portuguesa

    Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade

    Durao2 h-a via satlite com professor interativo

    2 h-a presenciais com professor local

    4 h-a mnimo sugerido para autoestudo

    BookUniderp61LinguaPort.indb 10 11/11/09 7:13:44 PM

  • 11

    AULA 2 Significao e Sentido

    significados. Se tentamos abarcar todas essas situ-

    aes e outras em que o termo aparece, minamos

    o prprio projeto de se construir uma teoria cien-

    tfica sobre o significado, porque j no saberemos

    mais o significado de significado2.

    Da a afirmao do filsofo Putnam: o que atra-

    palha a semntica ela depender de um conceito

    pr-terico de significado.

    A essa dificuldade se soma ainda outra: a proble-

    mtica do significado transborda as prprias fron-

    teiras da lingustica, porque ela est fortemente li-

    gada questo do conhecimento. Responder como

    atribumos significado a uma cadeia de rudos im-

    plica adotar um ponto de vista sobre a aquisio de

    conhecimento. o significado uma relao causal

    entre palavras e coisas? Ser ele uma entidade men-

    tal? Ele pertence ao indivduo ou comunidade, ao

    domnio pblico? Essas perguntas, caras ao seman-

    ticista, levam inevitavelmente a enfrentar a questo

    espinhosa da relao entre linguagem e mundo, e

    consequentemente a buscar uma resposta sobre

    como possvel (se possvel) o conhecimento.

    Se no h acordo sobre as questes anteriormen-

    te levantadas, ento h vrias formas de se descrever

    o significado. H vrias semnticas. Cada uma elege

    a sua noo particular de significado, responde dife-

    rentemente questo da relao linguagem e mun-

    do e constitui, at certo ponto, um modelo fechado

    e incomunicvel com outros. O estruturalismo de

    vertente saussuriana, por exemplo, definia o signifi-

    cado como uma unidade de diferena, isto , o sig-

    nificado se d numa estrutura de diferenas com re-

    lao a outros significados. Assim, o significado de

    uma palavra se define por no ser um outro: mesa

    se define por no ser cadeira, sof, abajur. Nessa

    perspectiva, o significado no nada tem a ver com o

    mundo, mesa no o nome de um objeto no mun-

    do, a estrutura de diferena com os outros objetos.

    Essa postura pode implicar uma posio relativista,

    j que cada lngua, cada sistema de diferenas, ins-

    titui sua prpria racionalidade. J para a Semntica

    2 Sobre o significado de significado, o texto clssico de Os-gden e Richards (1976).

    Formal o significado um termo complexo que se

    compe de duas partes: sentido e referncia. O sen-

    tido de um nome, a mesa da professora, por exem-

    plo, o modo de apresentao do objeto/referncia

    mesa da professora. Assim, no modelo lgico, a rela-

    o da linguagem com o mundo fundamental.

    Para a Semntica da Enunciao, herdeira do

    estruturalismo, o significado o resultado do jogo

    argumentativo criado na linguagem e por ela. Di-

    ferentemente do estruturalismo, mesa, na Semn-

    tica da Enunciao, significa as diversas possibili-

    dades de encadeamentos argumentativos das quais

    a palavra pode participar. Seu significado o so-

    matrio das suas contribuies em inmeros frag-

    mentos de discurso. Comprei uma mesa, Senta

    ali na mesa.... Para a Semntica Cognitiva, mesa

    a superfcie lingustica de um conceito, adquirido

    por meio de nossas manipulaes sensrio-moto-

    ras com o mundo. tocando em objetos que so

    mesas que formamos o conceito pr-lingustico

    desse elemento que aparece nas prticas lingusti-

    cas como mesa. Esse conceito tem estrutura proto-

    tpica, porque se define pelo membro mais emble-

    mtico: um objeto de quatro pernas (OLIVEIRA,

    2001. p. 17-19).

    A pluralidade de semnticas mais discutida e es-

    tudada compreende: Semnticas Lexical, Formal, da

    Enunciao e Cognitiva. Buscaremos mostrar como

    a questo de significao e sentido abordada nes-

    sas linhas semnticas. Segundo Oliveira (2001. p. 19),

    por exemplo:

    [...] na sentena O homem de chapu saiu h, se-

    gundo a Semntica Formal, uma pressuposio de

    existncia: existe um e apenas um indivduo tal que

    ele homem e est de chapu e saiu. A Semntica

    da Enunciao v nesta mesma sentena a presen-

    a da polifonia, a voz de mais de um enunciador:

    uma fala que diz que h um indivduo, outra, que

    ele est de chapu e outra, que ele saiu.

    Esperamos que, ao final da unidade, essa plurali-

    dade de semnticas possa ser compreendida e apli-

    cada na leitura, na produo de textos e na prtica

    do dia a dia.

    BookUniderp61LinguaPort.indb 11 11/11/09 7:13:44 PM

  • 12

    Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    A SEMNTICA LEXICAL31

    Semntica e lxico: lexemas e destinos

    de lexemas42

    A intuio de que os dois planos da linguagem, o

    plano da expresso (significantes) e o do contedo

    (significados), podem ser descritos pelos mesmos

    princpios permitiu aos linguistas efetuarem uma

    transposio dos mtodos j aplicados com xito

    descrio dos fonemas s unidades do contedo.

    A fonologia j descrevera as unidades do plano da

    expresso seguindo um procedimento metdico

    de decomp-las em seus traos distintivos. Dessa

    maneira, pode-se organizar o sistema fonolgico

    de uma lngua, evidenciando suas classes internas.

    O conjunto das consoantes oclusivas orais do por-

    tugus, por exemplo, est distribudo como se v a

    seguir:

    3 Esse texto sobre a Semntica Lexical de PIETROFORTE, A. V. S.; LOPES, I. C. A semntica lexical. In: FIORIN, J. L. (org.). Introduo Lingustica: princpios de anlise II. So Paulo: Contexto, 2003. p. 118-35.

    4 Por uma questo didtica, optamos por destacar apenas os aspectos que julgamos relevantes para o estudo da semntica lexical, em aula, indicando como leitura aos acadmicos, em suas atividades de autoestudo, o texto completo.

    Cada unidade assim descrita comporta pelo me-

    nos um trao em comum com as demais, e tambm

    ao menos um trao que a diferencia do resto da s-

    rie. Pelos mesmos princpios, possvel desvendar

    a composio das unidades de um campo lexical, e

    agora j estaremos situados no domnio da semn-

    tica. No lugar dos traos distintivos prprios da fo-

    nologia, introduziremos os do contedo, isto , os

    chamados semas. Observemos, para ilustrar, como

    esto formadas algumas unidades do campo lexical

    dos chapus. Na tabela a seguir, os lexemas esto

    dispostos em linhas e os semas que os compem,

    em colunas:

    J com um quadro parcial como esse, podemos

    perceber que tal tipo de descrio, denominada

    anlise componencial ou smica, ordena da manei-

    ra mais explcita os contedos focalizados dentro de

    um campo lexical, pondo mostra o que esses itens

    lexicais possuem em comum, bem como aquilo que

    faz a especificidade de uns e outros. Obviamente

    esse mtodo tem tambm suas limitaes: traos

    como de matria flexvel e com copa alta, por

    exemplo, no se prestam bem a uma anlise binria,

    Oral Oclusivo Bilabial Dental Velar Vozeado

    /p/ + + +

    /t/ + + +

    /k/ + + +

    /b/ + + + +

    /d/ + + + +

    /g/ + + + +

    Para cobrir a cabea

    Com copa

    Com copa alta

    Com abas

    Com abas largas

    Com pala sobre os

    olhos

    De matria flexvel

    Ajustvel

    cabea

    Masculino

    Bon + + + + + +/

    Gorro + + + + +/

    Sombreiro + + + + + +

    Panam + + + + +

    Cartola + + + + + +

    Coco + + + +

    Boina + + + +/

    Quepe + + + +

    Chapelina + + + +/ +

    BookUniderp61LinguaPort.indb 12 11/11/09 7:13:44 PM

  • 13

    AULA 2 Significao e Sentido

    sendo notoriamente uma questo de gradaes ao

    longo de um eixo contnuo. A anlise em termos de

    presena (+)/ausncia ( ) dos traos distintivos

    na verdade um expediente til para introduzirmos

    categorizaes em grandes linhas, mas deve ser refi-

    nada com ajuda de ferramentas descritivas aptas ao

    processamento do contnuo. Tal discusso, contudo,

    ultrapassa os limites desta breve exposio.

    Uma unidade lexical da lngua portuguesa, esco-

    lhida arbitrariamente, vai nos ajudar a ilustrar esses

    rudimentos da anlise smica do lxico: trata-se do

    lexema faca. Diremos, por brevidade e comodida-

    de, que um lexema uma entrada de dicionrio.

    Definindo semema como um conjunto de semas,

    podemos afirmar que a cada lexema deve corres-

    ponder no mnimo um semema, ou seja, uma acep-

    o aceita culturalmente no mbito da lngua em

    apreo. costume, nos dicionrios, separar os dife-

    rentes sememas ou acepes de um mesmo lexema

    por nmeros. Nesse raciocnio, o semema de vaca

    comporta os semas: boi + fmea + adulto. Classi-

    ficam-se diversos tipos de semas. Por exemplo, os

    lexemas pertencentes ao campo lexical dos assentos,

    de que o semanticista Bernard Pottier fez uma des-

    crio hoje clssica, comportam semas funcionais

    (para sentar-se), morfolgicos (com/sem ps,

    com/sem encosto), matricos (de matria rgi-

    da) etc., podendo-se, por meio de suas combina-

    es, estabelecer um quadro preciso das distines

    entre lexemas como cadeira, banco, poltrona, pufe

    e outros. Esse tipo de anlise introduziu, ainda nos

    anos 1960, uma srie de princpios teis para o de-

    senvolvimento dos estudos semnticos posteriores.

    Vamos apresentar agora uma rpida aplicao des-

    ses princpios, indo da faca dos dicionrios s facas

    de Joo Cabral de Melo Neto.

    Dicionrio Contemporneo da Lngua Portuguesa-

    Caldas Aulete, 5. ed., 1964:

    Aurlio:

    Michaelis Moderno dicionrio da lngua portu-

    guesa:

    Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa:

    Em todas essas definies, a faca apresentada

    como um instrumento, que por seu turno, :

    Instrumento s.m. 1. Objeto, em geral mais sim-

    ples do que o aparelho, e que serve de agen-

    te mecnico na execuo de qualquer traba-

    lho [.u]. 2. p. ext. Qualquer objeto considera-

    do em sua funo ou utilidade. [...] (Aurlio)

    Instrumento s.m. (1048 cf. JM) 1. Objeto simples

    ou constitudo por vrias peas, que se usa para

    executar uma obra, levar a efeito uma operao

    mecnica, fazer alguma observao ou mensurao

    (em geral trabalhos delicados e de preciso); dispo-

    sitivo, apetrecho, ferramenta. 2. p. ext. Todo objeto

    que serve de ajuda para levar a efeito uma ao f-

    sica qualquer. 3. p. ext. Qualquer objeto considera-

    do em relao sua funo, ao uso que dele se faz;

    utenslio.[...] (Houaiss)

    Isso situa, de incio, a faca em uma posio bem

    peculiar nessa qualidade de instrumento: podemos

    dizer que um instrumento est colocado entre a ca-

    tegoria dos objetos e a dos sujeitos, uma vez que,

    sem deixar de ser um objeto, segundo os dicion-

    rios, ele atua como um meio para fazer algo; ora, o

    fazer no visto culturalmente como atributo dos

    objetos, mas dos sujeitos. Um instrumento um

    FACA S.f. Instrumento cortante formado

    por uma lmina curta de ferro ou ao e um

    cabo. [...]

    FACA 1 S.f. Instrumento cortante, consti-

    tudo de lmina e cabo.

    FACA s.f. 1 Instrumento cortante forma-

    do por uma lmina com gume engastada em

    um cabo. [...]

    FACA s.f. (s. XV cf. Fich IVPM) 1. Instru-

    mento constitudo por lmina cortante presa a

    um cabo; cuchila. [...]

    BookUniderp61LinguaPort.indb 13 11/11/09 7:13:44 PM

  • 14

    Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    adjuvante da ao. Essa posio intermediria ocu-

    pada por ele permite v-lo ora mais como objeto,

    ora mais como sujeito. H uma diferena de agen-

    tividade entre instrumentos de tipos distintos. O

    que decidir se um determinado instrumento vai

    aparecer mais com feies de sujeito ou de objeto

    o discurso que o puser em cena, j que, ao ser em-

    pregada em um determinado texto, uma unidade

    lingustica qualquer sofre sempre algumas especifi-

    caes. Na passagem do sistema virtual da lngua ao

    processo de seu uso discursivo, uma unidade, por

    exemplo, uma palavra, sofre simultaneamente duas

    transformaes:

    (i) mobilizao desigual dos semas contidos em seu

    semema, pois a atualizao em discurso corresponde

    a uma seleo dos semas que ganharo destaque no

    texto em pauta;

    (ii) ncleo smico o conjunto daqueles semas j re-

    conhecidos nas definies dos dicionrios acresci-

    do de semas contextuais.

    Somados, esses dois fenmenos produziro um

    efeito de relevo ou de perspectiva, projetando se-

    mantismos de primeiro plano e de planos secun-

    drios, num dispositivo comparvel aos processos

    perceptivos de que se ocupa a psicologia da Gestalt

    (forma-fundo). Assim, num catlogo de facas de

    colecionador, projetadas por designers e vendidas

    como peas de joalherias, essas podem ser apresen-

    tadas como objetos de fruio esttica pelos mate-

    riais de que so feitas, pelas linhas de seu perfil etc.

    ou de evocao de modelos marcados pelo tem-

    po (histricos) ou espao (exticos); nesses casos,

    no ser tanto pelo que permite fazer, mas sobre-

    tudo pelo seu prprio ser que ser avaliada esta

    ou aquela pea: valor de troca, mais do que valor de

    uso, e isso demonstra que estamos lidando com os

    limites da definio de faca, pois como concebera-

    mos um instrumento que no serve para ser usa-

    do? Em outras palavras, um utenslio no utilitrio?

    Bem outros j sero os valores em foco, obviamente,

    num catlogo de facas para sobrevivncia na selva

    ou para uso militar.

    Do que acabamos de dizer decorre que a lingua-

    gem, longe de precisar atrelar-se a algum referente-

    coisa do mundo, cria por si prpria um mundo para

    o homem, que o mundo do sentido. Nesse mundo,

    estamos s voltas no com um real nico e onto-

    lgico, mas com um nmero varivel de realizados

    (grandezas de linguagem historicamente atestadas

    em discurso) e realizveis (grandezas calculveis,

    mas no necessariamente presentes em discurso),

    para usarmos os termos de Hjelmslev. por isso que,

    ainda no sculo XVIII, Georg Christoph Lichtenberg

    pode brincar, sem se machucar, com imagens como

    a de uma faca sem lmina, qual falta o cabo. Mes-

    mo que parea inslito, esse objeto no semantica-

    mente equivalente a nada: no se trata de ir buscar

    o referente, a coisa em si, mas as significaes reali-

    zveis dessa expresso, as quais incluem os semas

    instrumento, cortante, com lmina, com cabo.

    Pela mesma razo, por mais que a flecha tenha de-

    saparecido das armas modernas, ela continua a ferir,

    conforme bem colocou talo Calvino (citado por

    Denis Bertrand em Caminhos da semitica literria,

    Cap. 5). Nenhuma dessas discursivizaes da faca ou

    da flecha exige, para ser interpretada, que verifique-

    mos a existncia real da coisa no mundo: indepen-

    dentemente disso, seus efeitos de sentido nos tocam,

    pedindo interpretaes, e o que importa.

    Mesmo um pequeno conjunto de definies,

    como essas que acabamos de transcrever de dicio-

    nrios usuais da lngua portuguesa, j exibe alguns

    matizes de significado dignos de nota. Perceba-se

    que o Michaelis, diferentemente dos demais, opta

    por reiterar o trao afiado, duplamente declarado

    em ... cortante... com gume. O Caldas Aulete, entre-

    tanto, vai alm dos outros em grau de especificida-

    de: instrumento cortante formado por uma lmina

    curta de ferro ou ao e um cabo. Das duas partes

    componentes da faca, lmina e cabo, essa definio

    explicita as propriedades da primeira, que dita

    curta (dimenso) e de ferro ou ao (matria).

    O primeiro desses dois traos s pode ser afirma-

    do mediante um cotejo tcito com outros instru-

    mentos comparveis: a faca curta, confrontada ao

    faco ou ao sabre, mas j ser considerada longa pe-

    BookUniderp61LinguaPort.indb 14 11/11/09 7:13:45 PM

  • 15

    AULA 2 Significao e Sentido

    rante o canivete de bolso. Em outras palavras, esse

    primeiro trao semntico situa-se num ponto rela-

    tivamente direita, sobre um continuum que leva

    das propriedades objetivveis ( ) s subjetivadas (),

    tal como as expe Bemard Pottier (1992: 100):

    Quanto segunda propriedade atribuda pelo

    Caldas Aulete lmina, a de ser feita de ferro ou

    ao, e que estaria evidentemente posicionada mais

    esquerda sobre essa mesma linha, trata-se de um

    indcio mais sintomtico da poca de redao do

    verbete. Esse dicionrio anterior multiplicao

    das redes de fast food, onde tudo, pratos, copos e ta-

    lheres, feito de plstico descartvel e destinado a ir

    para o mesmo cesto de lixo aps a refeio.

    Examinemos algumas das metamorfoses sofridas

    pela faca sob a pena de Joo Cabral. Entre as nu-

    merosas manifestaes dessa figura da agresso e do

    assassinato, que retoma obsessivamente a obra do

    poeta, destacamos suas aparies em dois poemas

    do volume A escola das facas.

    A escola das facas

    O alsio ao chegar ao Nordeste

    baixa em coqueirais, canaviais;

    cursando as folhas laminadas,

    se afia em peixeiras, punhais.

    Por isso, sobrevoada a Mata,

    suas mos, antes fmeas, redondas,

    ganham a fome e o dente da faca

    com que sobrevoa outras zonas.

    O coqueiro e cana lhe ensinam,

    sem pedra-m, mas faca a faca,

    como voar o Agreste e o Serto:

    mo cortante e desembainhada.

    MELO NETO, J. C. de. A escola das facas (1975-1980). In: A educao

    pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 109.

    Nesse texto, o semema de faca acrescido de certos

    semas contextuais, como faminta e com dente(s);

    este lhe empresta uma caracterstica morfolgica de

    animal, e aquele, uma intencionalidade rudimentar,

    tambm animal, representada pela fome. Essa fome

    no poema a seguir ser a vez da sede da peixeira

    faz j desse vento-faca um sujeito ainda no humano,

    mas j animado e mostrado tambm como macho

    e agressivo (cortante), empenhado em buscar algum

    objeto para saciar-se. Os principais elementos figu-

    rativos presentes nesse texto (Zona da Mata, Agres-

    te, Serto, peixeiras, punhais) so postos em cena de

    maneira mais extensa no segundo poema, As facas

    pernambucanas. A associao observada na Escola

    das facas entre faca e ar, mediante sua especificao

    pelo vento, ceder lugar, no prximo texto, a ligaes

    entre as facas e dois outros elementos da natureza, a

    gua no caso da peixeira e o fogo, no do punhal.

    As facas pemambucanas

    O Brasil, qualquer Brasil,

    quando fala do Nordeste,

    fala da peixeira, chave

    de sua sede e de sua febre.

    Mas no s praia o Nordeste,

    ou o Litoral da peixeira:

    tambm o Serto, o Agreste

    sem rios, sem peixes, pesca.

    No Agreste, e Serto, a faca

    no a peixeira: l,

    se ignora at a carne peixe,

    doce e sensual de cortar.

    No d peixes que a peixeira,

    docemente corte em postas:

    cavalas, perna-de-moa,

    carapebas, serras, ciobas.

    L no Agreste e no Serto

    outra a faca que se usa:

    menos que de cortar,

    uma faca que perfura.

    O couro, a carne-de-sol,

    no falam lngua de cais:

    esse livro : quadrado volumoso

    OBJ. (normas definveis em termos relativos) SUB J.

    interessante

    BookUniderp61LinguaPort.indb 15 11/11/09 7:13:45 PM

  • 16

    Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    de cegar qualquer peixeira

    a sola em couro capaz.

    Esse punhal do Paje,

    faca-de-ponta s ponta,

    nada possui da peixeira:

    ela esguia e lacnica.

    Se a peixeira corta e conta,

    o punhal do Paje, reto,

    quase mais bala que faca,

    fala em objeto direto.

    MELO NETO, J. C. de. A escola das facas (1975-1980). In: A educao pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. p. 117, 118.

    Novas especificaes do semema de faca se obser-

    vam nesse poema. Subdividem-se agora claramente

    os tipos de facas pernambucanas, numa categoriza-

    o orientada da costa para o interior. A faca per-

    nambucana do litoral a peixeira, apresentada com

    os semas de cortar e (especificao suplementar)

    para cortar peixes. Uma vez que a carne do peixe

    est assinalada como doce e sensual de cortar, os

    semas doce e sensual passam a compor, metoni-

    micamente, o semema da peixeira. Contrape-se

    regio costeira um conjunto composto por Agres-

    te + Serto, conjunto que se destaca pela privao

    tanto pragmtica, material (sem rios, sem peixes,

    pesca) quanto cognitiva (l, se ignora at a car-

    ne peixe, doce e sensual de cortar). O punhal dessa

    regio dado, no texto, como uma faca destituda

    da capacidade de cortar, pois seu semema exclui o

    de cortar para incluir outra especificao smica,

    de perfurar. Tambm esta faca do Agreste + Serto

    est marcada pela metonmia com figuras materiais

    da civilizao tpica da regio, o couro e a carne-de-

    sol. Desses, o couro mostrado como obstculo a

    toda ao da peixeira.

    Ao darmos mais um passo na abstrao, notare-

    mos que a peixeira cumpre a um papel de sujei-

    to. Com efeito, a posio sinttica das facas evolui.

    A peixeira surge como algo de que o Brasil fala e

    depois passa a fazer coisas; o punhal surge como

    outra faca que se usa, mas depois passa tambm

    posio de sujeito das oraes. O couro o an-

    tissujeito contraposto peixeira, que no somen-

    te invulnervel ao dessa faca litornea como

    ainda pode tirar-lhe todo corte, privando-a de seu

    poder de ao. A no ser pela sua condio comum

    de facas, o punhal e a peixeira contrapem-se em

    tudo na encenao do texto (Esse punhal do Pa-

    je,/faca-de-ponta s ponta,/nada possui da pei-

    xeira). A partir da transformao da outra faca

    em punhal, entra em pauta uma nova oposio: a

    faca litornea do gnero feminino, contrariamente

    ao punhal sertanejo, do gnero masculino. Da por

    diante, passam a motivar-se pela oposio cultural

    entre masculino e feminino.

    A peixeira ganha, com aquela metonmia do doce

    e sensual da carne do peixe, algo de desacelerado,

    sendo essa desacelerao aquilo que permite a essa

    faca, alm de cortar, contar. Esse contar admite ao

    menos duas leituras: (i) contar (enumerar) as pos-

    tas de peixe que a peixeira vai cortando; (ii) contar

    (narrar) uma histria. Tanto uma operao como

    outra exigem um certo tempo, uma certa durao.

    Duas acepes provenientes do mesmo timo, lat.

    computare. Em contraposio, o punhal do Paje

    dito reto e quase mais bala que faca, ele tem a

    rapidez da linha reta (a menor distncia entre dois

    pontos) e da bala disparada pelas armas de fogo.

    Entra a tambm novo trao no semema do punhal,

    um trao/fogo/, por intermdio dessa bala, que re-

    percute aquele sol da carne-de-sol. Esse fogo vem

    Peixeira Punhal

    de cortar de perfurar

    a lmina a ponta

    metonmia: a carne doce e sensual do peixe, ligada gua

    do mar

    metonmia: a carne-de-sol, ou seja, carne/seca/; o fogo

    metonmia: o couro e sua dureza/, por oposio /doura/da carne do

    peixe

    feminina masculino

    durao instantaneidade

    BookUniderp61LinguaPort.indb 16 11/11/09 7:13:45 PM

  • 17

    AULA 2 Significao e Sentido

    fazer contrapeso /gua/, metonimizada na peixei-

    ra. Graficamente:

    Nosso percurso das facas dicionarizadas s

    facas de Joo Cabral permitiu-nos apreender, j

    nessa anlise abreviada, algumas das transforma-

    es por que passa o semantismo das palavras,

    por ocasio de seu emprego em discurso. A in-

    corporao de traos semnticos provenientes do

    contexto processo observvel a cada novo uso

    discursivo, alterando parcialmente a identidade

    das acepes das unidades de que se trata. No

    significa que a passagem ao discurso implique um

    abandono completo das acepes dicionarizadas:

    significa sua transformao parcial, no interior de

    limites aceitos intersubjetivamente pelos falantes

    da lngua focalizada.

    Atividades1. Mediante um clculo simples, possvel mos-

    trar que trs traos distintivos bastam em condi-

    es ideais para distinguir at oito palavras. Pen-

    se cada uma das linhas da ltima coluna como o

    final de um percurso que comea em mvel para

    sentar e passe pelas trs escolhas indicadas. Deci-

    da em que linhas voc colocaria as palavras cadei-

    ra, banquinho, sof, banco, pufe, poltrona.

    2. Imaginar que um certo objeto possa ter as

    propriedades contrrias (que se expressam por um

    par de antnimos) contrrio ao bom-senso. Mas

    os provrbios, com sua antiga sabedoria, lembram-

    nos que essas situaes paradoxais podem acon-

    tecer. Escolha um desses provrbios e conte uma

    histria a que ele se aplica.

    O barato sai caro.

    O timo inimigo do bem.

    H males que vm para bem.

    Mais vale um mau acordo do que uma boa

    demanda.

    3. Leia com ateno as expresses abaixo e explicite

    a sua interpretao de cada um dos trechos lidos.

    a) [...] Afirmao do filsofo Putnam: o que

    atrapalha a Semntica ela depender de um

    conceito pr-terico de significado.

    b) [...] A linguagem, longe de precisar atrelar-se a

    algum referente-coisa do mundo, cria por si pr-

    pria um mundo para o homem, que o mundo

    do sentido.

    AS RELAES ENTRE AS PALAVRAS

    As palavras so definidas umas com relao s

    outras. Por isso, na prpria estruturao do sistema

    lexical, elas estabelecem diversos tipos de relaes

    entre si. Vamos examinar seis dessas relaes: sino-

    nmia, antonmia, hiperonmia/hiponmia, homo-

    nmia, paronomsia e polissemia.

    Sinonmia

    Dois termos so chamados sinnimos quando

    apresentam a possibilidade de se substituir um ao

    outro em determinado contexto. Novo sinni-

    mo de jovem, porque, no contexto, homem novo

    pode ser substitudo por jovem. No entanto, no

    existem sinnimos perfeitos, a no ser nas termino-

    logias (por exemplo, em botnica, o nome cientfi-

    co de uma planta e seu nome popular), porque eles

    no so intercambiveis em todos os contextos. Na

    expresso livro novo, no se pode substituir a pala-

    vra novo por jovem. Mesmo quando os termos

    podem substituir-se no mesmo contexto, eles no

    so sinnimos perfeitos porque as condies de em-

    prego discursivo so distintas.

    Antonmia

    Na antonmia d-se o contrrio da sinonmia.

    Nela, significados contrrios so realizados por

    meio do lxico. Bonito vs. feio, alto vs. baixo, pe-

    queno vs. grande etc. so palavras antnimas. As-

    Mvel para sentar

    Para uma pessoa

    Com encosto

    Com estofamento

    Sem estofamento

    Sem encosto

    Com estofamento

    Sem estofamento

    Para mais de uma pessoa

    Com encosto

    Com estofamento

    Sem estofamento

    Sem encosto

    Com estofamento

    Sem estofamento

    BookUniderp61LinguaPort.indb 17 11/11/09 7:13:45 PM

  • 18

    Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    sim como no existe semelhana total de sentido

    entre sinnimos, no h oposio absoluta entre

    antnimos. Palavras diferentes podem ter um mes-

    mo antnimo, desde que tenham ao menos um

    sentido em comum: fresco e jovem tm o ant-

    nimo velho, porque fresco significa, quando se

    refere a alimentos, que acabou de ser preparado,

    novo. Por isso, usam-se as expresses po fresco e

    po velho. Apenas uma e mesma palavra pode ter

    tantos antnimos quantos forem seus significados:

    preto ope-se a colorido em TV em branco e

    preto, a mais claro em seu gnero em po preto,

    a limpo em tinha as unhas pretas etc.; negro

    ope-se a destinado ao bem em magia negra; a

    legal em mercado negro etc.

    H antnimos que expressam oposies polares:

    dar vs. receber; morto vs. vivo; comprar vs. vender.

    Outros definem os limites de um contnuo que, por

    sua vez, pode ser recortado por gradaes: rico vs.

    pobre (pode-se ter mais ou menos rico, mais ou me-

    nos pobre).

    A aplicao desses antnimos sujeitos gradao

    depende do ponto de vista colocado em discurso. O

    que grande, de um ponto de vista, pode ser peque-

    no de outro.

    Hiperonmia e hiponmia

    A hiperonmia e a hiponmia so fenmenos de-

    rivados das disposies hierrquicas de classificao

    prprias do sistema lexical. H significados que,

    pelo seu domnio semntico, englobam outros sig-

    nificados menos abrangentes. Na taxionomia ani-

    mal, por exemplo, mamfero engloba felino, candeo,

    roedor, primata etc.

    Essa disposio smica permite que se construa

    uma rvore de classificao, que coloca os termos

    com menos semas no alto e os com mais semas, em-

    baixo:

    Nesse tipo de disposio hierrquica, h uma

    relao entre significados englobantes e engloba-

    dos, de acordo com o domnio semntico de cada

    termo da classificaco. O significado de animal

    englobante dos de rptil, aves e mamferos, cujos

    significados so englobados por ele. O significado

    de mamfero, por sua vez, englobante com relao

    aos de roedor, cetceo, felino, candeo, marsupial e

    primata, seus englobados. O termo englobante

    chamado hipernimo dos demais, e os engloba-

    dos, hipnimos seus. Ser um ou outro depende de

    como enfocada a sua posio na taxionomia, pois

    mamfero hipernimo de primata, mas hipni-

    mo de animal. Essa categorizao smica tam-

    bm construda pelo discurso.

    Homonmia

    A homonmia resulta da coincidncia entre signi-

    ficantes de palavras com significados distintos. En-

    tre manga fruta e manga da camisa h apenas uma

    coincidncia entre imagens acsticas iguais. Geral-

    mente a explicao desse fenmeno diacrnica.

    Certas palavras com significantes e significados dis-

    tintos nas lnguas de partida terminam por apresen-

    tar o mesmo significante na lngua de chegada.

    A manga da camisa tem sua origem no latim ma-

    nica, que quer dizer parte da vestimenta que cobre

    os braos, j a manga fruta tem sua origem no t-

    mul mankay, que quer dizer fruto da mangueira.

    Ambas tm origens, significados e significantes dis-

    tintos. No entanto, a partir de uma sonorizao que

    transforma o fonema/k/em/g/em portugus elas

    passam a ter significantes idnticos.

    Paronomsia

    Na paronomsia, significantes com imagens

    acsticas semelhantes podem ter seus significados

    aproximados em um engenho potico ou em um

    equvoco de vocabulrio. Confundir retificar com

    ratificar comum devido semelhana entre os

    significantes, embora os significados sejam contr-

    rios. J gritar, grifar, grafar e gravar no se confun-

    dem, nem escravo e escrevo, mas nos versos do po-

    ema Greve, de Augusto de Campos, a semelhana

    ANIMAL

    AVES MAMFERORPTIL

    MARSUPIAL PRIMATACANDEOFELINOROEDOR CETCEO

    BookUniderp61LinguaPort.indb 18 11/11/09 7:13:45 PM

  • 19

    AULA 2 Significao e Sentido

    entre os significantes utilizada para reforar uma

    aproximao entre os significados.

    arte longa vida breve

    escravo se no escreve

    escreve s no descreve

    grita grifa grafa grava

    uma nica palavra

    greve

    CAMPOS, A. de. Poesia. So Paulo: Duas Cidades, 1979. p. 109.

    As palavras gritar, grifar, grafar e gravar no se rela-

    cionam, por seus sentidos, com a palavra greve, nem

    a palavra escravo se relaciona com a palavra escrevo. A

    palavra gritar pertence ao campo semntico dos sons,

    as palavras grifar e grafar, ao campo semntico da es-

    crita, e a palavra gravar, a ambos os campos. O poema

    Greve tematiza a atitude poltica de paralisar o traba-

    lho, em sinal de protesto, quando no h condies

    aceitveis para realiz-lo, e um dos modos de atua-

    o em uma greve divulg-la por meio da palavra,

    gritada em megafones, ou por meio de comunicados

    escritos ou gravados. Desse modo, os significados de

    gritar, grifar, grafar, gravar e greve, aproximados pelo

    discurso dos versos do poema, tm seus significantes

    aproximados em paronomsias.

    Polissemia

    Tanto a homonmia quanto a paronomsia so

    fenmenos da ordem do significante. A homonmia

    entre a manga da camisa e a manga da fruta, bem

    como a paronomsia entre escravo e escrevo, dizem

    respeito, respectivamente, a identidades e semelhan-

    as entre suas imagens acsticas. Os prprios termos

    tcnicos so cunhados referindo-se aos significantes,

    homnymos, que tem o mesmo nome, e parnymos,

    nome prximo de outros, ambos do grego.

    Quando se utiliza o termo polissemia, o critrio

    de definio muda do significante para o signifi-

    cado. Assim, palavras polissmicas, que possuem

    mais de um significado para o mesmo significante,

    opem-se s palavras monossmicas, que possuem

    apenas um. Na polissemia, a um nico significan-

    te correspondem vrios significados: por exemplo,

    ao significante vela correspondem os significados

    objeto para iluminao formado de um pavio

    constitudo de fios entrelaados, recoberto de cera

    ou estearina; pea que causa a ignio dos moto-

    res; pano que, com o vento, impele as embarca-

    es etc.

    A polissemia e a monossemia esto relacionadas

    com o uso discursivo que se faz de uma mesma

    palavra.

    A linguagem humana polissmica, pois os sig-

    nos, tendo um carter arbitrrio e ganhando seu

    valor nas relaes com os outros signos, sofrem al-

    teraes de significado em cada contexto. A polisse-

    mia depende do fato de os signos serem usados em

    contextos distintos:

    a) A bab tomou a mo da criana. (segurou)

    b) Os EUA tomaram Granda. (ocuparam)

    c) Agora ele s toma gua. (bebe)

    d) A Cidade Universitria toma vrios alqueires.

    (ocupa)

    e) Depois que ele virou universitrio, tomou um

    ar insuportvel. (assumiu)

    AtividadesLeia o texto Algumas noes da histria dos con-

    ceitos em semntica, da professora Claudete Pereira

    Gomes, que est na galeria, e responda s questes

    que acompanham o referido texto. Deposite os exer-

    ccios resolvidos no seu Portflio.

    No esquea!Seu exerccio dever ser corrigido pelo professor

    local antes de ir para o Portflio.

    ATENO !As atividades a serem desenvolvidas na hora

    aula atividade (presencial) com o professor lo-

    cal esto postadas no Portal da INTERATIVA,

    na unidade didtica Estudos da Lngua Portu-

    guesa Semntica e Lingustica Geral, como

    atividades da Aula 2.

    BookUniderp61LinguaPort.indb 19 11/11/09 7:13:45 PM

  • 20

    Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    SEMNTICA FORMAL1

    Iniciamos pela semntica formal porque histo-

    ricamente ela antecede as demais, o que a torna o

    referencial terico e o grande inimigo a ser destru-

    do. A semntica formal descreve o problema do sig-

    nificado a partir do postulado de que as sentenas

    se estruturam logicamente.2 Para ilustrar relaes

    1 Este texto de OLIVEIRA, R.P.. Semntica. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A.C. (org.). Introduo Lingustica: domnios e fron-teiras. v. 2. So Paulo: Cortez, 2001. p.19-27.

    2 A bibliografia em Semntica Formal extensa. Manuais in-trodutrios so: Lyons (1977), Kempson (1980), Ilari & Geraldi (1985), Saeed (1997). H muitos estudos sobre fenmenos do portugus brasileiro que adotam a perspectiva formal. Ver, en-tre outros, Ilari (1998), Negro (1992), Borges (1991).

    lgicas retomemos a anlise de Aristteles, um pio-

    neiro nesse tipo de estudo. Ao analisar o raciocnio

    dedutivo presente nas sentenas a seguir, Aristte-

    les mostra que h relaes de significado que se do

    independentemente do contedo das expresses.

    Vejamos:

    (1) Todo homem mortal.

    Joo homem.

    Logo, Joo mortal.

    Se garantirmos que as duas sentenas, chamadas

    premissas, so verdadeiras, conclumos a terceira.

    Estamos diante de uma relao entre conjuntos: o

    Un

    idad

    e D

    idt

    ica

    Es

    tud

    os

    da

    Ln

    gu

    a Po

    rtu

    gu

    esa:

    Sem

    nti

    ca e

    Lin

    gu

    sti

    ca G

    eral

    AULA

    3LINhAS SEMNTICAS: A SEMNTICA FORMAL

    ContedoA semntica formal

    Competncias e habilidadesReconhecer a importncia do estudo da semntica formal como linha semntica que desem-

    penha uma funo relevante no estudo da construo do sentido

    Compreender, a partir do estudo da semntica formal, significado e sentido como aspectos

    fundamentais para os estudos da linguagem

    Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade

    Durao2 h-a via satlite com o professor interativo

    2 h-a presenciais com professor local

    4 h-a mnimo sugerido para autoestudo

    BookUniderp61LinguaPort.indb 20 11/11/09 7:13:45 PM

  • 21

    AULA 3 Linhas Semnticas: A Semntica Formal

    dos homens est contido no dos mortais; se Joo

    um componente do conjunto dos homens, ento

    ele necessariamente um componente do conjun-

    to dos mortais. O interessante que esse raciocnio

    se garante apenas pelas relaes que se estabelecem

    entre os termos, independentemente do que homem

    ou mortal significam. Se alterarmos as expresses e

    mantivermos as relaes, o raciocnio ser sempre

    vlido. Experimente verificar se o raciocnio seguin-

    te vlido e tente justificar sua validade: todo ca-

    chorro tem quatro patas; Bela um cachorro; logo,

    Bela tem quatro patas.

    Essas so relaes lgicas, ou formais, porque po-

    demos represent-las por letras vazias de contedo,

    mas que descrevem as relaes de sentido. Podemos,

    pois, dizer que se A um conjunto qualquer que

    est contido em um outro conjunto qualquer, o

    conjunto B, e se C um elemento do conjunto A,

    ento, C um elemento do conjunto B.

    A semntica, em geral, deve muito definio

    de significado estabelecida pelo lgico alemo Got-

    tlob Frege (1848-1925). Frege nos legou pelo menos

    duas grandes contribuies: a distino entre senti-

    do e referncia e o conceito de quantificador. Esse

    autor afirma que o estudo cientfico do significado

    s possvel se diferenciarmos os seus diversos as-

    pectos para reter apenas aqueles que so objetivos.

    Ele exclui da semntica o estudo das representaes

    individuais que uma dada palavra pode provocar.

    Ao ouvir o nome prprio estrela da manh, formo

    uma ideia, uma representao, que s minha, uma

    vez que ela depende de minha experincia subjetiva

    no mundo. O estudo desse aspecto do significado

    cabe psicologia. semntica, cabe o estudo dos

    aspectos objetivos do significado, isto , aqueles que

    esto abertos inspeo pblica. Sua objetividade

    garantida pela uniformidade de assentimento entre

    os membros de uma comunidade. Eu e voc temos

    representaes distintas de estrela voc talvez a as-

    socie a um sentimento nostlgico, eu, euforia das

    viagens espaciais , mas compartilhamos o senti-

    do de estrela, j que sempre concordamos quando

    algum diz estrela apontando um certo objeto no

    cu que reconhecemos como estrela. Ns tambm

    concordamos em discordar do uso de estrela para se

    referir lua, a menos que estejamos diante de algum

    tipo de uso indireto da palavra ou de um engano. O

    sentido de um nome prprio como estrela da ma-

    nh o que permite alcanar, falar sobre, um certo

    objeto no mundo da razo pblica, o planeta Vnus,

    a sua referncia.

    O sentido , pois, o que nos permite chegar a uma

    referncia no mundo. Frege (1978) precisa que sem essa

    distino no possvel explicar a diferena entre:

    (2) A estrela da manh a estrela da manh.

    (3) A estrela da manh a estrela da tarde.

    A sentena (2) uma tautologia, uma verdade

    bvia que independe dos fatos do mundo. Da seu

    grau de informatividade tender a zero. J em (3)

    afirmamos uma igualdade, cuja veracidade deve

    ser verificada no mundo. Se, de fato, aquilo que

    denominamos estrela da manh o mesmo objeto

    que denominamos estrela da tarde, ento, quando

    aprendemos que a estrela da manh a estrela da

    tarde, aprendemos uma verdade sobre o mundo:

    que podemos nos referir ao planeta Vnus de pelo

    menos duas maneiras diferentes. A sentena (3)

    expressa uma verdade sinttica, isto , uma verda-

    de que s pode ser apreendida pela inspeo de fa-

    tos no mundo, por isso ela pode nos proporcionar

    um ganho real de conhecimento. Ela exprime uma

    descoberta da astronomia: a estrela da manh no

    era, como se pensava desde os gregos, uma estrela

    diferente da estrela da tarde, mas o mesmo planeta

    Vnus. Estrela da manh e estrela da tarde so dois

    caminhos para se chegar mesma referncia.

    S conseguimos explicar a diferena entre as sen-

    tenas (2) e (3) se distinguimos sentido de refern-

    cia: embora ambas as sentenas tenham a mesma

    referncia, elas expressam pensamentos diferentes.

    Se o sentido o caminho que nos permite alcanar a

    referncia, quando descobrimos que dois caminhos

    levam mesma referncia, aprendemos algo sobre

    esse objeto e sobre o mundo. Todos ns j expe-

    rimentamos a sensao de entusiasmo quando de

    repente descobrimos que 3 + 3 o mesmo que 10

    4. Ao tomarmos conscincia da igualdade, desco-

    brimos dois caminhos, dois sentidos para alcanar-

    BookUniderp61LinguaPort.indb 21 11/11/09 7:13:45 PM

  • 22

    Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    mos a mesma referncia, o nmero 6. Uma mesma

    referncia pode, pois, ser recuperada por meio de

    vrios sentidos. Considere a cidade de Florianpo-

    lis. Podemos nos referir a ela por meio de diferen-

    tes sentidos: a cidade de Florianpolis, Florianpolis,

    a capital de Santa Catarina, a ilha da magia... Voc

    certamente j viveu a experincia de descobrir que

    Florianpolis a capital de Santa Catarina, isto ,

    de falar de um objeto, a cidade de Florianpolis, de

    modos distintos. Atente para a distino entre lin-

    guagem e mundo: Florianpolis e Florianpolis.

    Para esclarecer a diferena entre sentido e refe-

    rncia, Frege prope uma analogia com um teles-

    cpio apontado para a lua. A lua referncia: sua

    experincia e propriedades independem daquele

    ou daquela que a observa. Ela pode, no entanto, ser

    olhada a partir de diferentes perspectivas, e obser-

    v-la de um ngulo pode nos ensinar algo novo so-

    bre ela. A imagem da lua formada pelas lentes do

    telescpio o que tanto eu quanto voc vemos. Essa

    imagem compartilhada o sentido. Ao mudarmos o

    telescpio de posio, vemos uma face diferente da

    mesma lua, alcanamos o mesmo objeto por meio

    de outro sentido. Lembremos que a imagem mental

    que cada um de ns forma da imagem objetiva do

    telescpio est fora dos interesses da semntica.

    O sentido s nos permite conhecer algo se a ele

    corresponder uma referncia. Em outros termos, o

    sentido permite alcanarmos um objeto no mundo,

    mas o objeto no mundo que nos permite formular

    um juzo de valor, ou seja, que nos permite avaliar se

    o que dizemos falso ou verdadeiro. A verdade no

    est, pois, na linguagem, mas nos fatos do mundo.

    A linguagem apenas um instrumento que nos per-

    mite alcanar aquilo que h, verdade ou falsidade.

    Por isso para Frege, mas no para a semntica for-

    mal contempornea, sentenas que falam de perso-

    nagens fictcios carecem de valor de verdade. Uma

    sentena ficcional, como por exemplo Papai Noel

    tem a barba branca, no pode ser cognitiva, porque

    ela no se refere a um objeto real.

    Para Frege (1978), um nome prprio deve ter

    sentido e referncia. Florianpolis e a capital de

    Santa Catarina so dois nomes prprios, porque

    tm sentido e nos permitem falar sobre um obje-

    to no mundo, a cidade de Florianpolis. Os nomes

    prprios so saturados porque eles expressam um

    pensamento completo e podemos, por meio deles,

    identificar uma referncia. H, no entanto, expres-

    ses que so incompletas, que no nos possibilitam

    chegar a uma referncia, porque no expressam um

    pensamento completo, elas no servem para alcan-

    armos uma referncia. Alm disso, fcil notar que

    a expresso ser capital de recorrente em inme-

    ras sentenas:

    (4) So Paulo a capital de So Paulo.

    (5) So Paulo a capital de Santa Catarina.

    (6) Florianpolis capital de Santa Catarina.

    (7) Florianpolis capital de So Paulo.

    As sentenas anteriores so nomes prprios por-

    que elas expressam um pensamento completo e tm

    uma referncia. Em (4) e (6), a referncia a verda-

    de, j que de fato So Paulo a capital de So Paulo

    e Florianpolis a capital de Santa Catarina; em (5)

    e (7), a referncia o falso. O que se repete nessas

    sentenas a expresso ser capital de, que insa-

    turada. Para expressar um pensamento completo, a

    expresso dever ser preenchida em dois lugares: um

    que a antecede, outro que a sucede. Esses vazios so

    chamados argumentos. A expresso insaturada cha-

    ma-se predicado. O predicado ser capital de de

    dois lugares, porque h dois espaos a serem preen-

    chidos por argumentos: _____ ser capital de _____.

    Podemos, no entanto, transform-lo em um predi-

    cado de um lugar: _____ser capital de So Paulo,

    por exemplo. Voc conseguiria recortar diferentes

    predicados de um lugar a partir das sentenas de (4)

    a (7)? So Paulo a capital de ____; Florianpolis

    a capital de _____; _____ a capital de Florianpo-

    lis so alguns exemplos.

    O contraste que Frege constri , pois, entre

    funes incompletas, isto , aquelas que compor-

    tam pelo menos um espao e pedem, portanto,

    pelos menos um argumento, e funes completas,

    que remetem a uma referncia. Uma expresso

    insaturada combinada com um argumento gera

    uma expresso completa, um nome prprio, que

    tem como referncia um valor de verdade, isto , o

    BookUniderp61LinguaPort.indb 22 11/11/09 7:13:45 PM

  • 23

    AULA 3 Linhas Semnticas: A Semntica Formal

    verdadeiro ou o falso. Podemos entender o predi-

    cado como uma mquina, que toma elementos ou

    que os relaciona. Em (4), o predicado ser capital

    de relaciona So Paulo com So Paulo, gerando o

    nome prprio, So Paulo capital de So Paulo, que

    tem sentido, expressa um pensamento, e tem uma

    referncia, a verdade.

    O predicado pode ser preenchido por um nome

    prprio, como nos exemplos dados, mas ele pode

    tambm ser preenchido por outro tipo de argumen-

    to, a expresso quantificada. Uma expresso quan-

    tificada indica um certo nmero de elementos, da

    o termo quantificador. Vejamos alguns exemplos de

    sentenas quantificadas:

    (8) Uma cidade de Santa Catarina a capital de

    Santa Catarina.

    (9) Todos os homens so mortais.

    (10) Todos os meninos amam uma professora.

    Em (8), afirmamos que h uma cidade de San-

    ta Catarina tal que ela a capital daquele estado,

    embora a sentena no especifique qual cidade

    essa. Em (8) temos um exemplo de quantificador

    existencial. J a sentena (9) comporta um quan-

    tificador universal que pode ser informalmente

    traduzido por o predicado ser mortal se aplica a

    todos os elementos aos quais se aplica o predicado

    ser homem. Na sentena (10) temos a presena

    de dois quantificadores combinados: o universal

    (todos) e o existencial (uma). Essa sentena pode

    ter duas interpretaes, ou, em termos tcnicos, ela

    ambgua: para todo aluno h pelo menos uma

    professora que ele ama trata-se de uma leitura

    distributiva ; h uma nica professora que todos

    os alunos amam. No primeiro caso, o quantifica-

    dor universal antecede o existencial; no segundo,

    inverte-se a situao de modo que o existencial

    precede o universal.

    Os quantificadores podem, pois, se combinar e

    sua combinao produz interpretaes distintas. O

    modo como combinamos operadores e os quantifi-

    cadores so um tipo de operador extremamente im-

    portante porque sua combinao implica um tipo

    de ambiguidade semntica. Considere a sentena:

    (11) O Joo no convidou s a Maria.

    Voc consegue enxergar duas interpretaes

    para ela? A sentena (11) pode descrever duas si-

    tuaes bem distintas: ou o Joo s convidou a

    Maria, ou o Joo no s convidou a Maria, mas

    tambm outras pessoas. A diferena entre essas

    interpretaes explicada pelo modo como se

    combinam os operadores no e s: ou o no atua

    sobre o s, gerando no s, ou o s atua sobre o

    no, produzindo s no. Esta relao em que um

    operador atua sobre um certo domnio tem sido

    denominada de escopo: na primeira leitura, o ope-

    rador s tem escopo sobre a negao; na segunda,

    a negao que tem escopo sobre o s: O Joo no

    s convidou a Maria.

    Considere agora a sentena:

    (12) O presidente do Brasil socilogo.31

    Ela se compe de um nome prprio, o presiden-

    te do Brasil, e de um predicado de um lugar, ser

    socilogo. Note que nesse sintagma afirma-se que

    h uma e apenas uma pessoa tal que essa pessoa

    presidente do Brasil. Chamamos a esse tipo de

    sintagma de descrio definitiva. Uma descrio

    definitiva caracteriza-se por ser uma expresso

    nominal introduzida por um artigo definido.

    possvel trat-la como um tipo particular de ope-

    rador: aquele que afirma existir um e apenas um

    elemento tal que este elemento tem determinada

    propriedade. Se a sentena (12) for proferida em

    1999, ento a referncia da descrio definida

    Fernando Henrique Cardoso. Dessa entidade no

    mundo predicada a propriedade ser socilogo.

    Neste momento, ela verdadeira, j que h um e

    apenas um presidente do Brasil, Fernando Henri-

    que Cardoso, e ele socilogo. Evidentemente, se

    a sentena fosse proferida em 1991, ela seria fal-

    sa, j que o ento presidente do Brasil, Fernando

    Collor de Mello, no socilogo. O artigo definido

    carrega uma marca de dixis, ou seja, ele remete

    situao em que a sentena proferida.

    At aqui no h problema. Note, no entanto, que

    para atribuirmos um valor de verdade sentena

    3 No pode ser esquecido o fato de que o texto foi publicado em 2001.

    BookUniderp61LinguaPort.indb 23 11/11/09 7:13:45 PM

  • 24

    Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    (12), imaginamos que existe algum com aque-

    las propriedades. Para Frege, essa pressuposio

    de existncia faz parte das condies de verdade

    da sentena, mas no do seu sentido. Em outros

    termos, a sentena (12) expressa um pensamento

    completo, mas para atribuirmos a ela um valor de

    verdade pressupomos a existncia de uma entida-

    de da qual predicamos algo. Essa pressuposio

    existencial no semntica. Frege mantm que se

    a pressuposio fosse semntica, ento a negao

    da sentena seria ambgua. Vejamos:

    (13) O presidente do Brasil no socilogo.

    Se a pressuposio fosse semntica, afirma Frege,

    ento (13) significaria: ou no existe um presidente

    do Brasil ou o presidente do Brasil no socilogo.

    No entanto, em (13), no negamos a existncia de

    algum que presidente do Brasil, mas a afirma-

    o de que ele socilogo. Isto , a pressuposio

    de que existe algum que presidente se mantm

    inalterada na negao, por isso ela no se confunde

    com o contedo da sentena.

    Mas imagine que (12) seja proferida num momen-

    to em que no h presidente do Brasil. Se, por exem-

    plo, ela fosse proferida em 1888, quando viva-mos

    ainda na Monarquia, ser que ela teria valor de verda-

    de? Essa questo gerou muita discusso na Semntica

    Lgica. A soluo de Frege caminha paralelamente

    soluo com relao aos nomes prprios que indi-

    cam seres imaginrios, o Batman, por exemplo: sen-

    tenas que se referem a seres ou coisas que no tm

    existncia real, isto , sentenas cuja pressuposio de

    existncia falsa, tm sentido, mas no tm refern-

    cia. Elas no so nem verdadeiras nem falsas.

    Bertrand Russell prope outra soluo. Ele trata

    o artigo definido o como um quantificador. Como

    j vimos, os operadores podem se combinar. As-

    sim, dado que o artigo definido um quantifica-

    dor e que o no, um operador que incide sobre a

    proposio ou parte da proposio alterando-lhe

    o valor de verdade, ento entre eles se estabelecem

    relaes de escopo. A sentena (13) seria, portanto,

    ambgua: a negao pode ter escopo sobre o artigo

    definido, e teremos a forma lgica (14) a seguir, ou

    o artigo definido tem escopo sobre a negao, e a

    forma lgica ser (15):

    (14) [no [existe um apenas um indivduo tal que

    [ele presidente] e [ socilogo]]].

    (15) [existe um e apenas um indivduo tal que

    [ele presidente] e [no [ socilogo]]].

    A proposta de Russell trata a pressuposio exis-

    tencial como parte do contedo da sentena. Nesse

    caso, proferir a sentena (12) quando no existe

    algum que presidente do Brasil afirmar uma

    falsidade.

    Independentemente dessa controvrsia, a Se-

    mntica Formal considera que h pressuposio

    quando tanto a verdade como a falsidade da senten-

    a dependem da verdade da sentena pressuposta.

    H muitos tipos de pressuposio. A sentena (16)

    contm uma, mas dessa vez no se trata de uma

    pressuposio existencial:

    (16) Maria parou de fumar.

    Para que eu possa atribuir um valor de verdade a

    essa sentena, devo pressupor que seja verdade que

    Maria fumava. Se Maria nunca fumou, ento ter

    parado de fumar algo que simplesmente no se

    aplica Maria: no nem verdadeiro nem falso.

    A dcada de 1970 conheceu uma exploso de

    trabalhos sobre a pressuposio. Salienta-se entre

    eles o trabalho de Oswald Ducrot que, certamente

    influenciado pelos trabalhos de mile Benveniste e

    pela escola francesa de Anlise do Discurso, ope-

    se veementemente ao tratamento que a Semntica

    Formal oferece para a pressuposio em particular

    e para o significado em geral.

    So as crticas e os estudos de Ducrot que, se-

    gundo Oliveira (2001. p. 27), vo possibilitar o

    surgimento de outro modelo: a Semntica da

    Enunciao. Esse modelo semntico o assunto da

    Aula 4.

    AtividadesInstrues

    1. As atividades devero ser realizadas em dupla.

    2. O professor local dever orientar os acadmi-

    cos durante a resoluo das atividades.

    BookUniderp61LinguaPort.indb 24 11/11/09 7:13:45 PM

  • 25

    AULA 3 Linhas Semnticas: A Semntica Formal

    3. As atividades devem ser corrigidas pelo pro-

    fessor local e depositadas no Portflio do aca-

    dmico.

    Exerccios

    1. Considere as sentenas a seguir e recorte-as segundo os conceitos de predicado e argumento em Frege:

    Joo casado com Maria.

    Maria brasileira.

    Oscar jogador de basquete.

    2. A partir dos conceitos de quantificadores uni-

    versal e existencial e da noo de escopo, descreva as

    sentenas abaixo:

    Todo homem casado com alguma mulher.

    Um homem casado com todas as mulheres.

    A Maria no danou s com o Pedro.

    3. A partir das noes de escopo e operador, des-

    creva a ambiguidade presente na sentena a seguir:

    O rei da Frana no calvo.

    4. Determine se h pressuposio na sentena a

    seguir e justifique sua resposta:

    Joo lamenta a morte do pai.

    5. So muitas as piadas que tiram proveito de

    alguma ambiguidade. Quando isso acontece, geral-

    mente rimos da personagem que, contrariando o

    bom-senso, escolheu a interpretao menos apro-

    priada. Veja as piadas transcritas a seguir e explique

    quais so as duas interpretaes em jogo.

    a) Indivduo A No deixe sua cadela entrar em

    minha casa. Ela est cheia de pulgas.

    Indivduo B Diana, no entre nessa casa. Ela

    est cheia de pulgas.

    b) Desculpe, querida, mas eu tenho a impres-

    so de que voc quer casar comigo s porque herdei

    uma fortuna do meu tio.

    Imagine, meu bem! Eu me casaria com voc

    mesmo que tivesse herdado a fortuna de outro pa-

    rente qualquer!

    c) Na festa, o secretrio pede um cigarro ao presi-

    dente da empresa. O presidente comenta:

    No sabia que voc fumava.

    Eu fumo, mas no trago.

    Pois devia trazer.

    Atividades de autoestudoLeia o texto O Significado, do professor Stephen

    Ullmann, que est na galeria e relacione-o com os

    textos estudados nas Aulas 1 e 2, estabelecendo os

    pontos que se entrecruzam e se completam. A partir

    dessa reflexo, produza o seu texto sobre significa-

    o e sentido. Deposite seu texto no Portflio.

    No esquea !Seu texto precisa passar pelo crivo do professor

    local antes de ir para o Portflio.

    ANOTAES *

    BookUniderp61LinguaPort.indb 25 11/11/09 7:13:46 PM

  • 26

    Unidade Didtica Estudos da Lngua Portuguesa: Semntica e Lingustica Geral

    SEMNTICA DA ENUNCIAO1

    A viso de linguagem que, segundo Ducrot, sub-

    sidia a semntica formal inadequada porque, argu-

    menta o autor, ela se respalda em um modelo infor-

    macional, em que o conceito de verdade externo

    linguagem. Na semntica formal, a linguagem um

    meio para alcanarmos uma verdade que est fora

    da linguagem, o que nos permite falar objetivamen-

    te sobre o mundo e, consequentemente, adquirir um

    conhecimento seguro sobre ele. possvel que o con-

    1 Texto de OLIVEIRA, R. P. Semntica. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (orgs.). Introduo Lingustica: domnios e fronteiras. So Paulo: Cortez, 2001. v. 2. p. 27-33.

    ceito de referncia em Frege esteja mesmo revestido

    de tal realismo: a metfora do telescpio deixa cla-

    ro que o objeto descrito, a lua, no uma funo da

    descrio dada, do sentido. o nosso conhecimento

    da lua que depende do sentido. Vemos a mesma lua

    a partir de pontos de vista diferentes, no vemos luas

    diferentes. A diferena sutil, mas necessria para

    distinguirmos entre semnticas ditas objetivistas ou

    realistas, que postulam uma ordem no mundo que

    d contedo linguagem, e semnticas mais prxi-

    mas do relativismo, que acreditam que no h uma

    ordem no mundo que seja dada independentemente

    da linguagem e da histria. A linguagem constitui o

    mundo, por isso no possvel sair dela. A semntica

    Un

    idad

    e D

    idt

    ica

    Es

    tud

    os

    da

    Ln

    gu

    a Po

    rtu

    gu

    esa:

    Sem

    nti

    ca e

    Lin

    gu

    sti

    ca G

    eral

    AULA

    4LINhAS SEMNTICAS: A SEMNTICA

    DA ENUNCIAO

    ContedoA semntica da enunciao

    Competncias e habilidadesReconhecer a impo rtncia do estudo da semntica da enunciao para a leitura, interpre-tao e produo de textos e consequente estudo dos textos a partir de uma perspectiva da linguagem em usoCompreender, a partir do estudo da semntica da enunciao, o significado e o sentido

    como aspectos fundamentais para os estudos da linguagem

    Material para autoestudoVerificar no Portal os textos e as atividades disponveis na galeria da unidade

    Durao2 h-a via satlite com o professor interativo2 h-a presenciais com professor local

    4 h-a mnimo sugerido para autoestudo

    BookUniderp61LinguaPort.indb 26 11/11/09 7:13:46 PM

  • 27

    AULA 4 Linhas Semnticas: A Semntica da Enunciao

    da enunciao certamente se inscreve nessa perspec-

    tiva, mas h abordagens formais que no se vinculam

    a uma metafsica realista.

    De qualquer modo, para a semntica da enuncia-

    o, a referncia uma iluso criada pela linguagem.

    Estamos sempre inseridos na linguagem: o fato de

    que utilizamos diticos termos cujo contedo

    a remisso externalidade lingustica, os pronomes

    isto, eu, voc, o artigo definido o, por exemplo que

    nos d a sensao/iluso de estar fora da lngua. Es-

    tamos, no entanto, sempre fechados nela e por ela.

    A semntica formal, diz Dicrot, um jogo de ar-

    gumentao enredado em si mesmo; no falamos

    sobre o mundo, falamos para construir o mundo e

    a partir dele convencer nosso interlocutor da nossa

    verdade, criada pelas e nas nossas interlocues. A

    verdade deixa, pois, de ser um atributo do mundo

    e passa a ser relativa comunidade que se forma na

    argumentao. Assim, a linguagem uma dialogia,

    ou melhor, uma argumentalogia; no falamos

    para trocar informaes sobre o mundo, mas para

    convencer o outro a entrar no nosso jogo discursivo,

    para convenc-lo de nossa verdade.

    Essa diferena de concepo da linguagem sur-

    te efeitos na forma como os fenmenos semnticos

    so descritos. Tomemos, em primeiro lugar, a ques-

    to da pressuposio. Se a linguagem no se refere,

    se a referncia interna ao prprio jogo discursivo,

    ento tambm a pressuposio, seja ela existencial

    ou de qualquer outro tipo, cri