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LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE FACULDADE NATALENSE PARA O DESENVOLVIMENTO DO RIO GRANDE DO NORTE CURSO DE ADMINISTRAÇÃO COM HABILITAÇÃO EM MARKETING APOSTILA DE TÓPICOS ESPECIAIS EM MARKETING I E II 4º ANO – 7º PERÍODO 2009.1 PROF.: FRANKLIN MARCOLINO DE SOUZA

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LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE

FACULDADE NATALENSE PARA O DESENVOLVIMENTO DO RIO GRANDE DO NORTE

CURSO DE ADMINISTRAÇÃO COM HABILITAÇÃO EM MARKETING

APOSTILA DE TÓPICOS ESPECIAIS EM MARKETING I E II

4º ANO – 7º PERÍODO

2009.1

PROF.: FRANKLIN MARCOLINO DE SOUZA

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SUMÁRIO 1 MARKETING ETNOGRÁFICO 1 1.1 INTRODUÇÃO 1 1.2 CONCEITOS DE ETNOGRAFIA 1 1.3 ETNOGRAFIA E COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR 2 1.4 PESQUISA ETNOGRÁFICA 3 1.5 PRINCÍPIOS CENTRAIS DO MARKETING ETNOGRÁFICO 4 2 A CIÊNCIA DO CONSUMO 6 2.1 A CIÊNCIA DAS COMPRAS 6 2.2 O MECANISMO DAS COMPRAS 7 2.3 A DEMOGRAFIA DAS COMPRAS 9 2.4 A DINÂMICA DAS COMPRAS 12 3 MARKETING E A NATUREZA HUMANA 14 3.1 INTRODUÇÃO 14 3.2 POR QUE ESCOLHEMOS AS COISAS QUE ESCOLHEMOS? 15 3.3 OS JOGOS QUE JOGAMOS, E DE ONDE ELES SURGIRAM? 16 4 ANTROPOLOGIA DO CONSUMO 17 4.1 FUNDAMENTOS DA ANTROPOLOGIA DO CONSUMO 17 4.1.1 Visão Hedonista 18 4.1.2 Visão Moralista 18 4.1.3 Visão Naturalista 19 5 CULTURA E CONSUMO 20 5.1 CULTURA DO CONSUMO E MODERNIDADE 20 5.2 CONSUMO VERSUS CULTURA 20 5.3 PÓS-MODERNIDADE 22 5.4 POR QUE AS PESSOAS QUEREM BENS? 23 5.5 OS USOS DOS BENS 24 5.6 ESPAÇOS DE CONSUMO 24 5.7 CONSUMO E IDENTIDADE 25 5.8 SUBJETIVIDADE E CONSUMO 26 5.9 SOCIEDADE DE CONSUMO 26 6 TEORIAS SOBRE O CONSUMO DE BENS E SERVIÇOS 27 6.1 DESCRIÇÕES ETNOGRÁFICAS DO ATO DE COMPRAR 27 6.2 O COMPRAR COMO SACRIFÍCIO 27 6.3 SUJEITOS E OBJETOS DE DEVOÇÃO 28 BIBLIOGRAFIA 29

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1 MARKETING ETNOGRÁFICO 1.1 INTRODUÇÃO

A velocidade com que mudam processos e interesses de acordo com determinada cultura existente, tem dificultado cada vez mais às empresas obterem sucesso no lançamento de novos produtos.

A globalização, através das mudanças nas concepções de tempo e espaço, tem afetado a todas as culturas. Consequentemente, qualquer acontecimento do outro lado do mundo afeta diretamente o consumo aqui ou ali, de uma forma ou de outra, dependendo de como os elementos culturais estrangeiros se relacionam com a cultura local. O efeito dessas mudanças está relacionado diretamente com o comportamento do consumidor.

Os comerciais do passado, em sua maioria, mais didáticos, racionais e voltados a benefícios funcionais, contrastam com as tendências atuais de maior apelo emocional, humor e certo non sense, permeadas pelas tentativas de marketing de relacionamento, customização e segmentação.

Mudanças nas metodologias de pesquisa de mercado, ocorrendo uma diminuição da ênfase em dados quantitativos e um aumento de interesse por informações de cunho mais qualitativo. Essa mudança baseia-se nos evidentes limites da abordagem economicista na explicação do consumo e do comportamento do consumidor em um mundo cada dia mais complexo e inter-relacionado.

Mudança nas estratégias de segmentação de mercado, para além das tradicionais classificações por região geográfica e renda. A variável cultural estará cada vez mais presente nas estratégias de marketing.

Surge a necessidade premente para as empresas desenvolverem pesquisas que consigam apresentar melhor e mais detalhadamente o seu consumidor, através do confronto entre aquilo que eles dizem que fazem com o que eles realmente fazem. 1.2 CONCEITOS DE ETNOGRAFIA

A etnografia teve início com o trabalho de Bronislaw Malinowski com os nativos das ilhas Trobriand que deu origem, em 1922, ao clássico Os argonautas do Pacífico ocidental, modelando de forma definitiva o método ao consolidar entre os pesquisadores o princípio da longa convivência com o “outro” e a visão relativizadora que daí advém.

Etnografia é o estudo dos grupos étnicos, tais como nações, tribos, sob o aspecto psicocultural.

A etnografia se caracteriza por uma viagem ao mundo do “outro”, com uma abordagem do “ponto de vista nativo”, à procura da “teia de significados” inscrita em toda ação social.

Etnografia é um ramo da Antropologia responsável por estudar preponderantemente os padrões mais previsíveis do pensamento e comportamento humanos manifestos em sua rotina diária; estuda ainda

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os fatos e/ou eventos menos previsíveis ou manifestados particularmente em determinado contexto interativo entre as pessoas ou grupos.

A etnografia, no campo do marketing, analisa o consumidor, antes de mais nada, como um indivíduo inserido dentro de uma realidade socialmente estabelecida, com as suas próprias regras e valores, que revelam ao pesquisador como os produtos e serviços estão presentes no seu cotidiano e qual a sua importância.

A etnografia é um método privilegiado de análise cultural e, por isso, desempenha um papel-chave no entendimento dos sistemas simbólicos que articulam os objetos de consumo e a vida cotidiana dos atores sociais na cultura contemporânea. 1.3 ETNOGRAFIA E COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR

A realidade social tem natureza dupla: o mundo material que nos rodeia e os instrumentos simbólicos por meio dos quais as pessoas atribuem alguns significados, inseridas em um sistema de valores.

Os consumidores atribuem sentido a alguns princípios, lógicas e significados, organizando a “realidade” em que vivem.

O antropólogo, quando na pesquisa de campo, tenta determinar as principais categorias que são usadas por um grupo de pessoas para classificar o mundo a seu redor, os diferentes tipos de pessoas e relações que se estabelecem entre elas. O trabalho de mapeamento de categorias é uma das partes denominadas de etnografia.

Por exemplo, quando uma mulher compra sabão em pó para lavar roupa, esse produto está inserido no interior de um sistema de higiene doméstica que é organizado a partir de certa lógica que estrutura as práticas cotidianas. Entretanto, para se apreender esta lógica é preciso ir além da análise do produto específico e entender seu papel no interior do sistema como um todo.

O trabalho etnográfico é de contextualização do significado, de construção de hierarquias de sentidos para diferentes grupos em diferentes momentos.

Um exemplo disto, são os diferentes significados de pobreza entre consumidores das classes C e D, rotulados de “baixa renda”. Pobreza é um conceito relativo. Ele depende do contexto e pode ser definido de diversas maneiras – carência material, espiritual, moral, entre outros.

Outras exigências metodológicas são também necessárias, principalmente, quando se está trabalhando em nossa própria sociedade, na qual tudo nos parece familiar. Contudo, estar familiarizado com algo, não significa conhecê-la. Portanto, uma atitude de distância, de estranhamento, deve ser adotada a fim de que se possa transformar o familiar em exótico.

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1.4 PESQUISA ETNOGRÁFICA

A pesquisa etnográfica se utiliza de alguns métodos para coleta de dados e avaliação: entrevistas em profundidade; observação direta, podendo ter total participação do pesquisador ou o seu completo afastamento; a observação do tipo participante compõe-se do método extensivo, através de inquérito, e do método intensivo, que é a observação aprofundada do objeto do estudo.

Como instrumento, podem ser utilizados: roteiro de perguntas previamente elaborado, fotografias dos objetos, ambientes, e encontros dos membros dos grupos pesquisados, filmadoras, câmeras de segurança, e até investigação documental.

A pesquisa etnográfica pode reduzir os problemas de produtos ou serviços no mercado apresentando as reais necessidades e desejos do consumidor, através da compreensão dos mecanismos culturais existentes nas sociedades, mostrando os aspectos correlacionados aos produtos dentro de todo contexto social.

O objetivo é estudar o consumidor como indivíduo, observando-o antes, durante e depois do processo de compra e uso. Por exemplo, observar, acompanhar, filmar, registrar o consumidor em um sem número de situações: preparando refeições, fazendo compras, comendo, no bar com amigos, no lazer, no trabalho, dormindo, namorando, tomando banho, penteando-se, fazendo a barba, etc.

A compreensão de como é a relação que os consumidores mantêm com os produtos e seu uso, bem como a carga simbólica que lhes é atribuída, permite a criação e desenho de produtos e serviços mais adequados aos desejos dos consumidores, maximizando o retorno da empresa.

Para o pesquisador que utiliza o método etnográfico, não é suficiente “estar lá” e “observar” formas “exóticas” de vida, diferentes daquelas a que está acostumado. É fundamental saber por que é importante estar lá, que tipo de dado a observação direta oferece, qual é a natureza da realidade social e, consequentemente, por que observá-la diretamente pode produzir conhecimento diferenciado em relação às metodologias tradicionais.

Alguns autores têm feito críticas, de um modo geral, aos métodos artificiais ou de laboratório, inclusive àqueles amplamente utilizados em pesquisas de mercado, e que acabariam por fornecer uma visão esquemática e parcial do comportamento do consumidor. Segundo esses autores, a etnografia, por acompanhar o dia-a-dia dos pesquisados em seu hábitat natural, procurando identificar os mecanismos simbólicos que orientam as ações relativas ao consumo, proporcionaria uma visão mais complexa do universo pesquisado.

Pressupostos básicos do método etnográfico: o estudo do comportamento social no mundo real; a crença de que não há como apreender esse comportamento sem entender o mundo simbólico dos sujeitos, alcançando seus pontos de vista e tendo contato com os significados compartilhados em grupo e expressos na linguagem da vida

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cotidiana; a imersão em um trabalho de campo de longa duração, que aumenta a possibilidade de entrar em contato com momentos importantes do dia-a-dia dos informantes, bem como com incidentes reveladores; a busca da compreensão das regras locais que orientam a visão de mundo dos atores sociais.

Alguns aspectos práticos do método incluem os níveis de envolvimento nos diversos modos de observação participante, a adaptação para o campo dos negócios de um tempo de imersão em campo mais reduzido do que o usual em etnografia e a utilização de entrevistas formais, informais, diários de informantes e do pesquisador como instrumentos de coleta de dados.

A prática etnográfica exige mais do que paciência para se observar pessoas. É necessário que o profissional responsável pelo estudo possua conhecimentos de métodos e técnicas da antropologia. 1.5 PRINCÍPIOS CENTRAIS DO MARKETING ETNOGRÁFICO

O marketing etnográfico faz uso de princípios teóricos oriundos da antropologia que contrastam com os do marketing tradicional em várias dimensões (produtos e serviços – consumidor – consumo – segmentação de mercado).

O marketing etnográfico baseia-se no pressuposto de que, para conhecer um consumidor, é preciso conviver e conhecer em profundidade a sua rotina – onde mora, como se alimenta, que roupas usa, como se comporta no trabalho.

Os produtos e serviços não devem ser tratados de forma isolada; eles fazem parte de sistemas de objetos e relações de onde extraem seus significados e funções.

Perspectiva sistêmica para melhor compreendermos os processos de mudança e inovação nos padrões de consumo.

Para o marketing etnográfico, diferentemente do marketing tradicional, o consumidor é autor e ator de sua própria história.

Ao invés de usarem sempre os bens e serviços como definidos e previstos pelos produtores, os consumidores utilizam-nos de formas particulares, ressignificando-os no contexto de suas vidas e estabelecendo novas cadeias de relações entre objetos, de forma que melhor atendam a seus desejos e necessidades.

Por exemplo, durante a década passada, no Brasil, foram introduzidos vários novos produtos para uso no café da manhã. Entretanto, apesar de estarem designados pela indústria alimentícia como segmentos dessa refeição, eles não são usados pelos consumidores para tal. Figuram em merendas escolares, em “lanchinhos” durante o dia, em guloseimas para serem ingeridos diante da televisão, combinados com outros produtos que nunca estiveram nas considerações de seus produtores.

As pessoas adquirem bens e serviços não para tê-los no sentido exclusivo de posse, mas para adquirirem, por intermédio deles, as

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propriedades que lhes são atribuídas: frescor, beleza, praticidade, entre outras.

Uma das grandes ambições do marketing é encontrar novas formas de segmentar a população. O importante é adaptar a estratégia de marketing da empresa ao universo simbólico dos consumidores.

Ao contrário do que acontece na maioria das pesquisas, deve-se pesquisar aquilo que nos leva a consumir o que consumimos, e não o que se consome.

O marketing lida todo o tempo com processos culturais. Assim, é fundamental que os profissionais de marketing estejam cientes não só desses processos, mas também da natureza dos mesmos e da concepção da realidade social em que eles se baseiam. PRINCÍPIOS DESCRIÇÃO AÇÕES Produtos e serviços Rejeita tratar produtos e serviços

como itens isolados sem relacioná-los ao sistema de consumo em que estão inseridos.

Entender o consumo como um processo social que começa antes da compra e estende-se até o descarte final da mercadoria.

Consumidor O consumidor é ator (que reproduz) e autor (que cria) de sua história. É alguém em permanente diálogo com a gramática sociocultural que está por trás de produtos e serviços.

Ajustar os produtos aos processos de significação de vida dos consumidores.

Consumo O consumo não é um fim em si mesmo.

Tratar o consumo como um meio, isto é, a serviço dos consumidores enquanto produtores de significados.

Segmentação de mercado

Segmenta o mercado em função das concepções sobre o mundo e a realidade circundante do indivíduo.

Mapear os conjuntos ideológicos e discursivos que estão por trás dos diferentes sistemas de consumo.

Quadro 01 – Resumo dos Princípios Centrais do Marketing Etnográfico. Fonte: Barbosa (2003, p. 42) a) Exemplos de Aplicações da Etnografia no Marketing · A margarina “Delícia”, da Bunge Alimentos, recebeu mais sal e mais

corante amarelo para parecer com a manteiga de garrafa, tradicional no Nordeste.

· A Pizza Hut, uma das maiores cadeias americanas de fast-food, alterou seu cardápio-padrão internacional para incorporar na Bahia e em Pernambuco a “pizza baiana”, com temperos picantes que a aproximam da apimentada culinária regional.

· A Black & Decker estudou em profundidade os hábitos de 50 consumidores, com o propósito de desvendar por que eles preferiam algumas ferramentas em detrimentos de outras. Descobriu que seus clientes queriam potentes furadeiras sem fio e serras circulares que não levantassem poeira.

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· A 3Com monitorou o comportamento de 64 residências dos EUA durante meses para saber como estes utilizavam seus computadores, palms e agendas de papel. O estudo resultou no lançamento do Audrey, um organizador pessoal com agenda eletrônica e acesso à Internet, no ano de 2000.

2 A CIÊNCIA DO CONSUMO 2.1 A CIÊNCIA DAS COMPRAS

A ciência das compras é a ciência do “mundo real” — mais precisamente, a “ciência do varejo”.

A pesquisa sobre o comportamento do consumidor é realizada com a utilização de câmeras de vídeo, câmeras fotográficas e folhas de acompanhamento, sendo que os dados obtidos são submetidos a interpretações detalhadas.

A pesquisa deve ser conduzida por profissionais que tenham a paciência necessária para observar muitos clientes nos mínimos detalhes. Além de medir e contar cada movimento significativo e uma compra, os acompanhadores também precisam fornecer notas de campo penetrantes descrevendo as nuances do comportamento do cliente, fazendo inferências inteligentes baseadas no que observaram.

Vários níveis de detalhes são pesquisados: o que as pessoas fazem na loja, aonde vão ou não e por qual caminho vão até lá; o que vêem e deixam de ver, ou lêem e deixam de ler; e como lidam com os objetos com que topam, como fazem compras etc.

Cada tipo de dado é anotado pelos pesquisadores. São diferentes variáveis do comportamento de um consumidor.

Se uma mulher entra na seção de cosméticos e escolha uma vitamina para cabelos da marca X, lê o rótulo frontal, depois lê a etiqueta do preço e coloca o produto na cesta e sai 49 segundos depois de ter entrado na seção, só neste breve encontro, foram gerados 25 pontos de dados diferentes no todo.

Exemplos de dados específicos resultantes da ciência das compras:

a) possibilidade de informar quantos homens comprarão o jeans que experimentaram, em comparação com as mulheres (65% contra 25%);

b) possibilidade de informar quantas pessoas na cantina de uma empresa lêem as informações nutricionais na embalagem de Fandangos antes de comprar (18%), em comparação com as que almoçam em uma loja de sanduíches local (2%).

c) possibilidade de informar quantos visitantes de uma loja compram computadores em um sábado antes do meio-dia (4%) em oposição a depois das cinco da tarde (21%)

A loja, onde o estudo está sendo realizado, também é toda detalhada: estacionamento, seções, corredores, displays, prateleiras,

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estantes, balcões, cestas de compras, checkouts, vitrines, elevadores, escadas rolantes etc.

Uma das situações mais comuns que acontecem em lojas é quando uma prateleira está posicionada muito próximo à entrada e/ou saída da loja, as pessoas costumam provocar esbarrões umas nas outras, o que termina por prejudicar as vendas do item em exposição.

A ciência das compras pretende ser uma disciplina altamente prática preocupada em valer-se da pesquisa, comparação e análise para tornar as lojas e os produtos mais receptivos aos clientes.

A taxa de conversão é o dado mais importante que um varejista pode obter. É a quantidade de clientes que visitaram a loja e se “converteram” em compradores efetivos.

O acompanhador (pesquisador) pode percorrer toda a loja para anotar quantos clientes há em cada seção, inclusive a área de caixa/embalagem, o café e assim por diante. É a verificação da densidade que é realizada como parte de todo estudo de loja e que informa muita coisa: fornece um “instantâneo” da população da loja e dos locais que atraem ou não as pessoas; indica quando algo na arquitetura ou layout pode estar inibindo os clientes de visitar certas áreas, mostra como os clientes se movimentam (ou deixam de fazê-lo) através dos recintos.

Estratégias devem ser utilizadas no sentido de fazer com que o cliente permaneça por mais tempo na loja, pois as pesquisas indicam que, quanto mais tempo o cliente fica na loja, mais produtos ele compra. Os compradores gastam 3 ou 4 vezes mais tempo que os não-compradores.

O varejista deve prestar atenção, também, na taxa de interceptação, ou seja, a porcentagem de clientes que têm algum contato com um funcionário.

Uma grande rede de vestuário tinha uma taxa de interceptação de 25%, significava que três quartos de todos os clientes não dirigiam nenhuma palavra aos vendedores. Essa taxa era perigosamente baixa – significava que, com toda probabilidade, os clientes estavam percorrendo as lojas frustrados, perdidos ou confusos ou, simplesmente, em busca de informações, tentando e tentando encontrar um funcionário com uma resposta. 2.2 O MECANISMO DAS COMPRAS

O primeiro princípio por trás da ciência das compras é o mais simples: há certas capacidades, tendências, limitações e necessidades físicas e anatômicas comuns a todas as pessoas e o ambiente varejista deve se ajustar a essas características.

Em outras palavras, lojas, bancos, restaurantes e outros desses espaços devem ser amigáveis às especificações do animal homem. Existem todas as diferenças óbvias entre os clientes baseados no sexo, idade, renda e gostos. Mas há muito, muito mais semelhanças.

Entretanto, grande parte dos ambientes varejistas deixam de reconhecer e levar em conta a estrutura das máquinas humanas e como nossos aspectos anatômicos e fisiológicos determinam o que fazemos.

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A lição ampla que aprendemos com a ciência das compras é: amenidade e rentabilidade estão total e indissoluvelmente ligadas. Cuidando-se da primeira, em todos os seus aspectos, garante-se a última. Construa e opere em um ambiente varejista adaptado às necessidades altamente específicas dos clientes e você terá criado uma loja de sucesso.

Para entrar em uma loja, os clientes devem passar pela “zona de transição”: O caminho que vai desde o estacionamento até o momento em que o cliente começa a analisar todos os elementos envolvidos no pátio de entrada da loja. Quanto mais rápido as pessoas andam, menor seu campo de visão periférica.

Tudo isso significa que o que está na zona que atravessam antes de fazer a transição não os atinge. Se houver um display de produtos, eles não o notarão. Se houver um cartaz, provavelmente estarão andando rápido demais para absorver seus dizeres.

Uma das sugestões é romper com a “zona de transição”, criando espaços fora da loja, para aproveitar o estacionamento para promoções sazonais.

Na loja, ser o primeiro, não é necessariamente melhor. Deixar algum espaço entre a entrada de uma loja e um produto dá-lhe mais tempo aos olhos do cliente à medida que este se aproxima.

Você precisa de mãos: uma das coisas mais óbvias no varejo é a idéia de que o cliente que entra numa loja, na maioria das vezes, está carregando algo consigo, o que implica em estar com as mãos ocupadas. Poucos varejistas estão preparados para isso.

Solução: quando o cliente começar a carregar mais itens do que o necessário para quem está com as mãos livres, ofereça-o imediatamente uma cesta, ou coloque cestas espalhadas em locais estratégicos e de fácil acesso pela loja.

Importante princípio do varejo: você só saberá quanto os clientes comprarão quando tornar a experiência de compra o mais confortável, fácil e prática possível.

É difícil exagerar a importância da questão das mãos para o mundo das compras. Uma loja pode ser o lugar mais legal do mundo, oferecendo os melhores/mais baratos/mais atraentes produtos, mas se o cliente não conseguir apanhá-los, tudo isso será em vão.

Cartazes x clientes: toda loja é um conjunto de zonas e você precisa mapeá-las antes de afixar qualquer cartaz. Você precisa levantar e caminhar pela loja, perguntando-se a cada passo: o que os clientes estarão fazendo aqui? E aqui? O que seus olhos estarão focalizando quando estiverem aqui? E em que estarão pensando ali? Nesta zona as pessoas estarão andando rápido, portanto uma mensagem deverá ser curta e incisiva para atrair a atenção.

O erro mais comum no desenho e colocação de cartazes e outras formas de mensagem é pensar que irão para dentro de uma loja. Quando se trata de cartazes, não é mais uma loja. É um comercial de TV tridimensional. É um recipiente para palavras, pensamentos, mensagens e idéias por onde andamos.

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Existe uma série de soluções para comunicar o que se quer ao cliente com eficácia. Tudo depende do tipo de loja e do local da loja em que se quer colocar um cartaz, móbile, banner etc. Ex.: cartazes suspensos próximos às escadas rolantes são muito eficazes.

Alguns cartazes são legais, só que estão em lugares para onde nunca deveriam ter ido. Você passará pela vitrine de uma drogaria e verá uma pilha de caixas de xarope com uma pequena sinalização mostrando o preço, sinalização obviamente destinada às prateleiras, onde os clientes estão a menos de um metro de distância, não a uma vitrine defronte a uma rua movimentada.

A forma como nos movimentamos também influenciam as vendas em uma loja. Pesquisas apontam que, as pessoas, ao entrarem em uma loja, tendem para a direita.

Todos os clientes estendem o braço para a direita, a maioria sendo destra. Imagine-se diante de uma prateleira - é mais fácil apanhar itens à direita de onde você está, em vez de estender o braço transversalmente para a esquerda. Assim, se uma loja quiser divulgar um produto, deverá exibi-lo ligeiramente à direita do cliente.

Não só como andamos, mas também a direção natural de nossos olhos determina em grande parte o que vemos. Se você só conseguir ver um expositor cheio de suéteres quando ele estiver na sua frente, sua eficácia será limitada. Se você não vir um display à distância – digamos, três ou seis metros -, só se aproximará dele por acaso. Por isso, os arquitetos devem projetar lojas com linhas de visão em mente; eles precisam se assegurar de que os clientes conseguirão ver o que está a sua frente, mas também conseguirão olhar em volta e ver o que está em outras partes.

Os clientes possuem uma dinâmica no ponto-de-venda invariavelmente diferente do que os projetistas de produtos, fabricantes, projetistas de embalagens, arquitetos, atacadistas e varejistas imaginaram e decidiram como eles comprariam.

Um exemplo de compradores forçando o ambiente varejista a se dobrar à sua vontade envolve o que talvez seja o principal problema ao se projetarem e mobiliarem espaços públicos: assentos. Na maioria das lojas ao redor do mundo, as vendas aumentariam instantaneamente com o acréscimo de uma cadeira.

A loja deve estar preparada para todas as combinações de clientes possíveis, com layout, arquitetura e mobiliário adequados. 2.3 A DEMOGRAFIA DAS COMPRAS

Homens e mulheres diferem em quase tudo; portanto, por que não haveriam de diferir também nas compras? O pensamento convencional sobre compradores do sexo masculino é que eles não gostam particularmente de fazer compras, razão pela qual fazem poucas.

Você verá um homem impacientemente atravessar a loja até a seção que deseja apanhar algo e, quase abruptamente, estar pronto para pagar, sem ter tido nenhum prazer aparente no processo de busca. Você

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praticamente tem de sair do caminho dele. Quando um homem leva uma roupa para a cabine de provas, só não a comprará se não couber.

Estatísticas entre homens e mulheres: 86% das mulheres consultam as etiquetas de preços ao fazerem compras. Somente 72% dos homens o fazem.

Como os homens compram?: os homens percorrem as lojas com muito mais pressa que as mulheres, gastam menos tempo olhando e perguntam menos; são também compradores indisciplinados (principalmente, em supermercados); 75% deles andam sem listas de compras; são mais suscetíveis aos apelos dos filhos.

Outro comportamento masculino perdulário invariavelmente se manifesta em supermercados, algo que vemos repetidamente nos vídeos sobre caixas registradoras: o homem quase sempre paga. Especialmente quando um homem e uma mulher estão comprando juntos, ele insiste em apanhar seu maço de notas e pagar, senão o caixa terá a falsa impressão de que é a mulher que está sustentando a família.

Os homens são compradores mais rebeldes. Preferem lojas de hardware e software, itens para carros, ferramentas, eletrônicos e todo tipo de inovação tecnológica. A maioria das visitas feitas a essas lojas são incursões para a coleta de informações. Isso enfatiza outra característica de compra dos homens: assim como detestam fazer perguntas, gostam de obter suas informações de primeira mão, de preferência de material escrito, vídeos de instrução ou telas de computador.

Mesmo quando não estão fazendo compras, os homens influenciam fortemente a pesquisa. Sabe-se, em geral, que a quantidade adquirida pelos clientes é diretamente proporcional ao tempo despendido em uma loja. Pesquisas mostram que, quando uma mulher está em uma loja com um homem, gasta menos tempo lá do que quando sozinha.

Pesquisa realizada em uma loja de artigos para o lar: ) mulher comprando com outra mulher: 8 minutos e 15

segundos; ) mulher com crianças: 7 minutos e 19 segundos; ) mulher sozinha: 5 minutos e 2 segundos; ) mulher com um homem: 4 minutos e 41 segundos. Um produto que os homens sistematicamente compram mais do

que as mulheres é cerveja. Isso em todo e qualquer ambiente – no supermercado ou na loja de conveniências, os homens compram a cerveja. (Eles também compram os salgadinhos, biscoitos, amendoins e outros tira-gostos). Foi aconselhado a um supermercado que promovesse uma degustação de cervejas todos os sábados às 15:00h no corredor de bebidas. Eles poderiam apresentar alguma microcervejaria ou uma nova cerveja de uma cervejaria famosa, não importava. As degustações provavelmente ajudariam a vender cerveja, mas esse não era o objetivo. Elas valeriam a pena simplesmente porque atrairiam mais homens à loja. E ajudariam a transformar o supermercado em um local mais voltado para eles.

Todos os tipos de negócio terão de prever a mudança dos papéis sociais dos homens, e o futuro pertencerá a quem chegar na frente. Uma

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boa regra geral: tome qualquer categoria onde as mulheres agora predominam e descubra como torná-la atraente aos homens.

Dar aos homens seus próprios produtos e um lugar onde comprá-los seria um bom começo. Mas é preciso esquecer a seção de saúde, beleza e cosméticos concebida para mulheres. É preciso começar do zero ao projetar um departamento de “saúde masculina”, onde se encontrariam produtos para a pele, produtos de beleza, produtos de barbear, xampu e condicionador, perfumes, camisinhas, pomadas para dores musculares, remédios de venda livre e as vitaminas, suplementos alimentares e remédios à base de ervas para males que afligem tanto os homens quanto as mulheres. Poderia haver também produtos para atletas, como meiões, camisetas, suportes atléticos, cintas elásticas e assim por diante. Deveria haver também um display de livros e revistas de saúde, educação física e aparência. A própria seção teria um ar masculino, dos materiais de exposição ao desenho das embalagens.

As compras ainda são e sempre serão o domínio das mulheres. Comprar é feminino.

Como as mulheres compram?: pesquisam incansavelmente os preços, modelos e tamanhos dos produtos, comparam-nos, interagem com vendedores, fazem perguntas, experimentam muito e fazem muito mais compras que os homens; compram com habilidade e prudência; gostam de fazer compras acompanhadas das amigas.

As mulheres conseguem cair em uma espécie de devaneio quando saem às compras – elas são absorvidas pelo ritual de procurar, comparar e imaginar os produtos em uso. Em seguida, calculam friamente os prós e contras de uma compra em relação a outra e, uma vez encontrado o que querem pelo preço apropriado, elas o compram.

Em face deste perfil, as mulheres precisam de ambientes onde possam gastar tempo e deslocar-se confortavelmente em sua própria velocidade no que às vezes se assemelha a um estado de semitranse.

O outro grande domínio onde os comportamentos de compras femininos são exibidos é nos cosméticos. Seja na ultra-glamourosa seção de cosméticos da loja de departamentos ou no display de parede de batons e sombra para os olhos da drogaria de uma rede, é ali que uma mulher de jeans e suéter pode se transformar em uma princesa simplesmente testando alguns itens e olhando-se em um espelho. É impossível uma forma de arte privada se tornar mais pública. Há uma boa razão para os cosméticos estarem geralmente expostos ao longo de uma parede ou em suas próprias áreas fechadas: é ali que a mulher solta os cabelos e se solta também. O varejista deve fazer com que este espaço transmita, ao mesmo tempo, privacidade e emoção.

A mudança do comportamento das mulheres vem mudando uma série de concepções de produtos e serviços. Ex.: telefones celulares. Elas costumam examinar este produto com muito mais propensão a trazer suas dúvidas à mesa de vendas para serem esclarecidas por um ser humano ao invés de um folheto (típico dos homens).

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Crianças: elas tocam em tudo que desperta curiosidade e que esteja ao seu alcance; costumam influenciar, de forma cada vez mais intensa, as compras realizadas por seus pais.

As crianças consumem cada vez mais mídia de massa do que os adultos, com grande parte dela tentando vender-lhes coisas. O mercado deseja as crianças, necessita das crianças e elas são cortejadas pelo convite e o aceitam com prazer. Elas idolatram os personagens da TV como as crianças de outrora eram ensinadas a venerar os santos padroeiros e aprendem desde cedo a relação entre marca e status.

Pesquisas já mostraram várias lojas incapazes de se adequarem a existência de bebês e crianças, principalmente, quando se pensa no passeio dos pais com seu carrinho de bebê. Este problema criou o que se convencionou chamar de “zonas mortas”.

Os supermercados têm estado na frente em explorar o estilo de compras tátil das crianças. Inúmeras cenas de vídeo mostram crianças em mercearias – rogando, persuadindo, choramingando, implorando à mãe e ao pai que escolham certo item (e quando isso falha, simplesmente agarrando-o e metendo-o no carrinho). Se estiver ao seu alcance, eles o tocarão, e se o tocarem haverá pelo menos uma chance de mamãe ou papai ceder e comprá-lo (o pai especialmente).

As lojas precisam adequar seu merchandising e seus equipamentos para o trajeto de crianças. Evitar material com quinas e tomadas à mostra. Colocar balcões de atendimento (especialmente redes de fast-food) à altura do consumidor mirim, incluindo menus e todo tipo de informação que possa estar facilmente acessível. 2.4 A DINÂMICA DAS COMPRAS

Em meio a toda ciência das compras, uma constatação: é o amor que faz o mundo do varejo girar.

O que os clientes amam?: ) Tato – quase todas as compras não planejadas resultam de

tocar, ouvir, cheirar ou provar algo no recinto de uma loja; ) Espelhos – eles detêm os clientes em seus rumos, algo ótimo

para qualquer que seja o merchandising na proximidade; ) Descoberta – poucas coisas são mais gratificantes do que

entrar em uma loja, captar o aroma (metafórico) de algo que estivemos procurando e, depois, descobrir sua toca;

) Conversa – lojas que atraem montes de casais, amigos ou grupos de compradores geralmente fazem bem;

) Reconhecimento – as pessoas querem ir onde todos saibam seu nome;

) Pechinchas – é uma visão que vai além da simples redução de preços, mas envolve também a percepção de descontos e valor agregado em uma loja.

O que os clientes odeiam?: ) Espelhos demais – uma loja não deve se assemelhar a um

salão de espelhos de um parque de diversões;

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) Filas – Além de detestarem esperar, os clientes também detestam sentir emoções negativas enquanto esperam, como frustração diante da ineficiência, ansiedade por não estar na fila mais rápida ou tédio por não haver nada para ler, observar ou comprar enquanto esperam;

) Fazer perguntas tolas – inexistência de letreiros, folhetos, mostruários que estejam ao alcance e que sejam auto-explicativos;

) Produtos em falta - óbvio; ) Etiquetas de preços obscuras – óbvio; ) Serviço intimidador - também rude, lento, desinformado,

burro, distraído, preguiçoso, mal-humorado etc. Praticamente todas as compras não-planejadas – e muitas

planejadas também – resultam de o cliente ver, tocar, cheirar ou provar algo que promete prazer, se não a realização total.

Geralmente, os clientes querem gastar tempo investigando e avaliando os produtos com que têm um alto nível de “envolvimento”, ou seja, produtos que oferecem possibilidades ou convidam à comparação.

Quase 90% dos novos produtos alimentícios fracassam, não porque as pessoas não gostaram deles, mas porque as pessoas nunca os provaram.

Os Três Grandes do varejo: projeto (significando os ambientes); merchandising (o que você põe dentro deles) e operações (o que os funcionários fazem). Estes três diferentes aspectos estão totalmente entrelaçados, inter-relacionados e são interdependentes.

Os projetistas de displays aparentemente nunca vão às lojas ver suas criações em ação, de modo que falta-lhes um controle firme sobre o que acontece no mundo real.

As relações entre os três aspectos do varejo sofrem grande pressão atualmente por uma razão principal: a maioria das empresas está constantemente tentando economizar mão-de-obra.

Tempo real e tempo percebido: como os clientes percebem o tempo? Quando as pessoas esperam até cerca de um minuto e meio, sua noção do tempo decorrido é razoavelmente precisa. Entretanto, qualquer período acima de uns noventa segundos faz com que a noção de tempo de distorça – se você lhes perguntar quanto tempo esperaram, a resposta honesta poderá muitas vezes ser bastante exagerada. Se esperaram dois minutos, dirão que foram três ou quatro.

É na área do caixa que o lojista deve tomar medidas para “diminuir” o tempo de espera do cliente, tais como: interação, humana ou outra (uma explicação sincera por parte de um funcionário reduz a ansiedade do cliente); ordem (se os clientes virem que estão sendo atendidos na ordem exata de chegada, se acalmarão e o tempo de espera parecerá mais curto); companhia (a esperar parecerá mais curta se você tiver alguém com quem conversar) e distração (filmes exibidos em locadoras, televisores em supermercados, bancos, material de merchandising ao longo da fila, estantes de tablóides nos caixas, são vários exemplos de distração para compensar o tempo de espera).

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Por que as lojas lidam tão mal com algo tão fundamental como a área de caixa/embalagem? Principalmente porque os varejistas não reconhecem como um sistema de caixa eficiente afeta toda a experiência de compra.

É um erro, por exemplo, posicionar a área de caixa/embalagem de modo que seja a primeira coisa vista por um cliente que entra. É como entrar em um restaurante pela cozinha. Simplesmente, não ajuda a motivá-lo para a loja.

A melhor forma de congestionar a fila do caixa é colocar um funcionário para realizar múltiplas tarefas (atender, passar os produtos, empacotar, embalar etc).

Atos de magia: se é que existe magia, se é que existem truques, é na maior parte o que denominamos merchandising.

O mundo do merchandising divide-se em dois aspectos distintos: o esforço para posicionar produtos fora das prateleiras, e a existência da arte e ciência das adjacências – colocar um item junto a outro para criar alguma interação e vender mais dos dois (itens suplementares).

Como os itens suplementares costumam ter alta margem de lucro, podem representar a diferença entre uma loja que apenas sobrevive e outra que prospera. Assim, se as lojas quiserem crescer, terão de descobrir como obter mais dos clientes existentes: mais visitas, mais tempo na loja, mais e maiores compras.

Se você não estiver envolvido com o varejo, talvez não perceba o tamanho e o alcance do segmento que supre todos os materiais de merchandising das lojas: cartazes, vitrines, displays para produtos de impulso e todo o resto. Dos supermercados e drogarias às lojas de artigos para o lar e showrooms de automóveis, o que se tornou conhecido como o negócio de ponto de venda evoluiu bastante em pouco tempo.

O auto-exame da ciência do consumo. Levar um cliente para a frente de uma loja e perguntar, por exemplo: O que você está vendo? O que o cliente acabou de fazer? Como aquela mãe conseguiu abrir a porta empurrando o carrinho de bebê? Por que, em sua opinião, aquele homem parece tão perplexo? O que aquelas duas pessoas estão fazendo aqui: quem é o cliente e quem o está apenas acompanhando? Como aquela mulher interagiu com aquele display? Ela está fazendo compras como você acha que deveria? Fiquem de pé até as respostas começarem a se revelar e o cliente enfim compreender por que se realiza tanta observação, contagem, cronometragem e filmagem em vídeo. 3 MARKETING E A NATUREZA HUMANA 3.1 INTRODUÇÃO

O que é preciso para que algo faça sucesso? Dito de outra forma: o que é preciso para que algo (uma idéia, uma pessoa, um produto) seja aceito e adotado em larga escala?

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Marketing é sobre a natureza humana – não é sobre produtos nem tecnologia. Os conceitos, idéias e processos são mais importantes que os produtos ou a tecnologia em si.

De acordo com Nóbrega (2002, p.18), “nós humanos, no início do século XXI, somos uma espécie de Flintstones às avessas. Os Flintstones são personagens pré-históricos com make-up moderno; nós somos modernos, mas nossas cabeças são pré-históricas. Nossas mentes são da Idade da Pedra”. 3.2 POR QUE ESCOLHEMOS AS COISAS QUE ESCOLHEMOS?

Por que adotamos novidades – produtos, processos, tecnologias?... Por favor, nada de “satisfação de necessidades”, ta? Marketing não é sobre isso. Não é que esteja errado, apenas não está certo. Somos produtos do desejo, não da necessidade.

Adotamos novidades por instinto de imitação, curiosidade, fantasia, brincadeira. Que necessidade que nada!

A revolução da informação e da era digital não vai mudar radicalmente a forma de fazermos negócios e de se fazer tudo mais, porque as regras da tal “revolução” dependem da natureza humana.

Não há condições para determinar se uma novidade vai ou não dar certo. Ninguém consegue prever os desdobramentos que virão de certa inovação tecnológica. O sucesso no marketing só pode ser explicado depois.

Existir tecnologia disponível para fazer “melhor” velhas tarefas não significa que as pessoas vão desenraizar-se imediatamente de seus velhos hábitos.

A chave para se fazer marketing é entender o que o ser humano valoriza, pois é por essas coisas que ele estará disposto a pagar. O cliente só se dispõe a pagar se percebe valor. Valor é a percepção que surge da combinação entre o preço que pago e o benefício que obtenho. Quem define valor é o cliente, não a empresa.

Como desenhar diálogos? Como inventar apelos que motivem as pessoas a responder comprando o que eu tenho para vender? É a tecnologia que nos permite fazer coisas de forma diferente do usual. Vai muito além de novos produtos e ferramentas.

A mais importante “tecnologia” da história se chama gestão. Isto explica porque a GM de Alfred Sloan Jr. foi tão bem sucedida e a FORD de Henry Ford fracassou. O que conta é o arranjo dos elementos que me permite produzir e entregar algo, não o algo em si. O talento está na criação de novos conceitos para velhas atividades.

O que leva à “vitória”, no mundo natural e no mundo das empresas, é a capacidade de ficar vivo. E isso só será possível se eu for mais eficiente (eficiência é a arte de gerar excessos para ficar vivo).

Eficiência é importante para manter os custos baixos “dentro”. Marketing é importante para maximizar as vendas, isto é: a entrada de recursos “de fora”.

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Percepção de valor, a noção que move a economia, é uma noção largamente arbitrária, e esta é uma das coisas mais difíceis de as pessoas entenderem.

A mente humana percebeu que podia pegar fatos soltos e desconexos – os dados daquele ambiente em que viviam – e recombiná-los segundo um novo padrão, reconfigurá-los de forma nova e criativa, de modo que gerassem um novo efeito. Um efeito surpreendente.

O marketing é exatamente a variante da economia que diz: “Não é tudo igual não, eu sou diferente, compre de mim”. Sou diferente porque tenho um produto muito confiável a um preço que você pode pagar (o Ford do início do século XX), ou porque divulgo meus produtos por meio de mensagens que têm mais apelo (Marlboro, Pepsi-Cola), ou porque ofereço o mesmo que os outros por menos preço (Toyota no início do just-in-time), ou porque inventei um conceito original que lhe proporciona mais valor (McDonald’s, Dell, South West Airlines), ou... bem, sou diferente de alguma forma. 3.3 OS JOGOS QUE JOGAMOS, E DE ONDE ELES SURGIRAM?

Empresas são sobre economias. Economias são sobre mercados. Mercados são sobre gente. Portanto, marketing é sobre o ser humano. Eu me arriscaria a dizer que há uma mesma verdade ligando abelhas, formas de varejo e humanos pré-históricos, e que esse fio unificador é tecido pela história da evolução e do aprendizado. Da adoção de inovações. Do marketing.

A revolução da informação não vai nos levar a nada “revolucionário”, vai, isto sim, nos conduzir de volta ao passado. Ela vai é nos reaproximar cada vez mais daquilo que nos formou. Sucesso em marketing na era digital vai ter de se basear na descoberta de novos ângulos para apelar à nossa velha natureza humana.

A natureza humana é única, mas os indivíduos são diferentes, e eles buscam primariamente a satisfação de seu auto-interesse, não o da espécie com a qual compartilham essa natureza.

A reputação é o centro de tudo. Uma grande marca hoje tem tudo a ver com reputação. Tudo o que se instaurou na sociedade através dos tempos foi consequência de se adquirir confiança em larga escala.

O que é uma marca, essa coisa central em marketing? É um nome que resume toda a informação que eu posso desejar sobre algo. A marca diz tudo. Uma marca é um atestado de confiabilidade.

Ao tomarmos conhecimento das idéias e descobertas da teoria dos jogos, entenderemos melhor por que a revolução da informação implica mesmo mais transparência; por que a melhor estratégia de marketing no futuro digital será construir reputação de confiabilidade; por que isso é verdade para pessoas, empresas, países; por que a globalização – a mais interessante manifestação de marketing de nosso tempo – tem tudo a ver com isso, e por que nada disso é novo: o mesmo efeito esteve presente desde sempre, desde milhões de anos, e está entranhado na psicologia e nos hábitos de homens e mulheres.

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Se nossos cérebros tornaram-se o que são impulsionados pelos jogos da competição por ficar vivo, então reputação de confiabilidade foi essencial para sua evolução.

Como a teoria dos jogos ajuda a entender nosso comportamento em situações de conflito de interesses? Responder a isso vai nos ajudar a entender pelo menos parte da natureza humana.

Você está estacionando o carro e... crassshh – amassa o pára-lama daquele reluzente BMW ao lado. Ninguém viu. Você, um cara decente, pensa em deixar um bilhete se identificando e assumindo a responsabilidade. Mas, espere aí. É um BMW. O dono certamente tem dinheiro, e não estaria dirigindo um carro desses por aí se não tivesse seguro. Essa batidinha para ele não será nada, mas para você...

O objetivo da teoria dos jogos é lançar luz sobre conflitos de interesse e ajudar a responder ao seguinte: o que é preciso para haver colaboração? Em quais circunstâncias o mais racional é não colaborar? O que fazer para garantir a colaboração?

A teoria dos jogos constata que conflitos de interesses acontecem porque a regra geral é maximizarmos, prioritariamente, o ganho individual.

4 ANTROPOLOGIA DO CONSUMO 4.1 FUNDAMENTOS DA ANTROPOLOGIA DO CONSUMO

A antropologia do consumo nos permite compreender não apenas os atos de compra, mas toda a sociabilidade contemporânea, a motivação do homem no trabalho, os significados que ele cria para a sua vida, a forma como percebe as ameaças à sua família, a sua fragilidade no caos urbano, o modo como busca inserção social, reconhecimento, prestígio, e até mesmo como se manifesta politicamente, como constrói cidadania.

O consumo possui importância tanto ideológica, quanto prática no mundo em que vivemos. Afinal, mais que um fenômeno econômico, o consumo é uma questão cultural e social.

O consumo, do ponto de vista antropológico, não é um fim em si mesmo. Ele é sempre uma forma de mediação – construção de identidade, exclusão, inclusão, expressão de aspirações, desejos, etc.

Os bens são investidos de valores socialmente utilizados para expressar categorias e princípios, cultivar ideais, fixar e sustentar estilos de vida, enfrentar mudanças ou criar permanências.

Cada sujeito na sociedade contemporânea está inserido em diferentes planos de experiência e ações sociais, devendo fazer sentido das situações que vivencia através das lógicas de pensamento que aprendeu ao longo da vida. A antropologia procura entender como essas lógicas estão estruturadas e como elas estruturam as ações.

Produção e consumo são como textos de um repertório essencial na cultura contemporânea que dá livre acesso ao discurso sobre compras,

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trabalhos, gastos e ganhos, tornando amplamente disponível para todos o imaginário que se constrói a partir destas experiências rotineiras da vida social. Tudo isso indica que produção e consumo podem ser vistos como códigos por meio dos quais são atribuídos sentidos a um imenso conjunto de representações e práticas que ocupam um lugar central no mundo cotidiano.

O consumo pode ser uma expressão de status e um fenômeno capaz de construir uma estrutura de diferenças. Séries de produtos e serviços se articulam, pelo consumo, a séries de pessoas, grupos sociais, estilos de vida, gostos, perspectivas e desejos que nos envolvem a todos num permanente sistema de comunicação de poder e prestígio na vida social.

Os objetos e bens pragmáticos e utilitários se inserem definitivamente no universo dos sistemas simbólicos culturalmente constituídos. A produção deixa de ser vista como uma prática lógica de eficiência material, e se insere no reino da intenção cultural.

O consumo é o sistema que classifica bens e identidades, coisas e pessoas, diferenças e semelhanças na vida social contemporânea.

Em geral, quando se fala em consumo (sobretudo no âmbito da mídia), o discurso proferido o faz a partir de alguns enquadramentos preferenciais. 4.1.1 Visão Hedonista

A visão hedonista é, com certeza, a mais famosa ideologia do consumo. É o consumo pelo prisma da publicidade e, por isso, é o enquadramento mais popular do fenômeno. Nesta espécie de discurso central sobre o consumo, o sucesso traduz-se na posse infinita de bens que, agradavelmente, conspiram para fazer perene nossa felicidade.

O enquadramento hedonista denuncia a si mesmo, como que entrega sua artificialidade ao equacionar consumo com sucesso, felicidade ou com qualquer outra das infinitas seduções publicitárias. Com isso – a precariedade que apresenta em razão da evidência ideológica que carrega – é o próprio hedonismo que instaura o mecanismo que libera o contraste. E este contraste constrói outra importante visão do consumo: a moralista. 4.1.2 Visão Moralista

A simples observação mostra o quanto é comum responsabilizar-se o consumo por uma infinidade de coisas, geralmente associadas aos chamados problemas sociais.

O consumo explica mazelas tão díspares quanto violência urbana, ganância desenfreada, individualismo exacerbado ou toda sorte de desequilíbrios (mental, familiar e, até mesmo, ecológico) da sociedade contemporânea. O enquadramento moralista do consumo invade tanto discursos simplórios e ingênuos quanto análises ditas sérias, com variados graus de sofisticação. Assim, falar mal do consumo é politicamente

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correto, e é de bom-tom que ele seja incriminado por tudo o que for possível.

Este enquadramento moralista pode, possivelmente, ser debitado ao desequilíbrio ideológico e ao diferenciado poder classificatório das categorias produção (trabalho, empresa, profissão) e consumo (marca, gasto, compra). É como se a produção tivesse algo de nobre e valoroso, representando o mundo verdadeiro ou a vida levada à sério, e o consumo, no pólo oposto, tivesse algo de fútil e superficial representando o mundo falso e inconsequente.

Esta idéia do consumo como superficialidade, vício compulsivo ou banalidade, sua inferioridade moral em face da produção — consumo é coisa de perua, fútil, dondoca ou esnobe — também se reforça na mídia. O consumo é tema de colunistas, talk shows, artigos de jornal, reportagens de revistas ou debates em televisão e, muitas vezes, o tratamento que recebe é dominado pelo viés apocalíptico como um dos réus favoritos aos tribunais político e moral.

Nessa visão, a produção é sacrifício que engrandece, e o consumo é o prazer que condena.

Assim, estudar produção significa privilegiar a razão prática, o evolucionismo economicista, a Revolução Industrial, caminhando em terreno sólido, estável, seguro e, moralmente, confortável. Estudar consumo significa, em certo sentido, privilegiar a cultura, o simbólico, experimentando a relatividade dos valores e a instabilidade nela implícita. 4.1.3 Visão Naturalista

Aqui, o consumo existe em razão da natureza, da biologia ou de uma universalidade humana. A visão naturalista tem por base a mistura de vários significados recobertos pela idéia de consumo, confundindo – deliberadamente, talvez – a dimensão cultural e simbólica com outros significados que a palavra recobre.

Expressões: “o fogo sempre consumirá as florestas” (natural); “qualquer vida vai se consumir” (universal); “nada vive sem consumir alguma forma de energia” (biológica).

Este sentido de consumo está num plano completamente diferente do dilema que a cultura contemporânea experimenta para escolher bens, serviços, suas marcas e sua simbologia.

A visão naturalista do consumo faz com que um plano seja o determinante do outro. O natural explica o cultural.

Essa é a distorção que está por trás das imagens do consumo como pilhas, camadas ou pirâmides de necessidades e desejos. Como se fosse possível existir continuidade entre necessidade humana de oxigênio e escolha da marca de sopa de bebê, passando pelo desejo de proteção da família.

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5 CULTURA E CONSUMO 5.1 CULTURA DO CONSUMO E MODERNIDADE

Pode se entender por modernidade o tipo de organização social surgido na Europa, a partir de meados do século XVII e que, nos últimos séculos se expandiu por todo o globo, fornecendo os valores políticos, sociais, culturais e econômicos com os quais se pensou, e se organizou, a vida social moderna.

Os valores da modernidade são: a racionalidade como a essência do homem; a ciência como fonte de explicação do mundo; a indústria como a base material do mundo contemporâneo; liberalismo político, desenvolvimento econômico e cidadania.

A cultura do consumo é, em aspectos importantes, a cultura do Ocidente moderno — crucial, certamente, para a prática significativa da vida cotidiana no mundo moderno; e, num sentido mais genérico, está ligada a valores, práticas e instituições fundamentais que definem a modernidade ocidental, como a opção, o individualismo e as relações de mercado.

Usar a expressão cultura de consumo significa enfatizar que o mundo das mercadorias e seus princípios de estruturação são centrais para a compreensão da sociedade contemporânea.

No âmbito da cultura de consumo, o indivíduo moderno tem consciência de que se comunica não apenas por meio de suas roupas, mas também através de sua casa, mobiliários, decoração, carro e outras atividades, que serão interpretadas e classificadas em termos da presença ou da falta de gosto.

A oferta constante de novas mercadorias, objetos de desejo e da moda, ou a usurpação dos bens marcadores pelos grupos de baixo, produz um efeito de perseguição infinita, segundo o qual os de cima serão obrigados a investir em novos bens a fim de restabelecer a distância social original. 5.2 CONSUMO VERSUS CULTURA

A localização original do significado cultural que afinal reside nos bens de consumo é o mundo culturalmente constituído. Trata-se do mundo da experiência rotineira, em que o mundo dos fenômenos se apresenta, aos sentidos individuais, plenamente formado e constituído pelas crenças e premissas de sua cultura.

Os bens podem ser vistos como uma oportunidade de exprimir o esquema categórico estabelecido por uma cultura. Os bens constituem uma oportunidade de dar matéria a uma cultura.

Um dos instrumentos de transferência de significado do mundo culturalmente constituído para os bens de consumo é a publicidade. Por meio da publicidade, bens novos e velhos abrem mão de antigos significados e adquirem outros, novos, constantemente. Como participante ativo desse processo, o espectador/leitor se mantém

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informado do estado e do estoque atuais do significado cultural existentes nos bens de consumo. Nesse sentido, a publicidade serve como dicionário de significados culturais correntes. Em grande parte, a publicidade mantém uma consistência entre a “ordem da cultura” e a “ordem dos bens”.

Um outro instrumento de transferência de significado, sendo desta vez, do bem de consumo para o consumidor individual, são os rituais. O ritual é uma espécie de ação social dedicada à manipulação do significado cultural para fins de comunicação e categorização coletiva e individual. O ritual é uma oportunidade de afirmar, evocar, atribuir ou rever os símbolos e significados convencionais da ordem cultural. São usados quatro tipos de ritual para esse fim: troca, posse, cuidados pessoais e alienação/desapropriação.

Nos rituais de troca de presentes, como acontece em datas especiais (Natal, aniversário etc.), uma parte escolhe, compra e oferece bens de consumo à outra. Muitas vezes, quem dá o presente escolhe um item porque possui as propriedades significativas que deseja transferir ao recebedor do presente. Assim, a mulher que recebe um tipo específico de vestido é recebedora, também, de um conceito específico de si mesma como mulher. O ritual de troca estabelece um potente meio de influência interpessoal.

Nos rituais de posse, os consumidores passam muito tempo limpando, discutindo, comparando, exibindo e até fotografando muitas de suas posses, ou mesmo refletindo sobre elas. Essas atividades têm a força de permitir que o consumidor reclame a posse para si. Esse processo de reclamação não é uma simples afirmação de territorialidade por meio da propriedade. A reclamação é também uma tentativa de extrair do objeto as qualidades que foram conferidas pelas forças de mercado do mundo dos bens. Por meio destes rituais, as pessoas movem o significado cultural de seus bens para sua vida.

Os rituais para “sair” que adotamos quando nos preparamos para uma noitada ilustram o tempo, a paciência e a ansiedade com que uma pessoa se prepara para o escrutínio público especial de um baile de gala ou de um jantar. Os rituais de cuidados pessoais armam aqueles que vão “sair” com as propriedades glamourosas, exaltadas, significativas que há em seus “melhores” bens de consumo. A linguagem com que os anúncios descrevem determinados produtos de maquiagem, cuidados com o cabelo e vestuário reconhecem tacitamente as propriedades significativas disponíveis nos bens que são liberadas por rituais especiais de cuidados pessoais.

Os rituais de desapropriação são usados para dois fins. Quando um indivíduo compra um bem que já pertenceu a outrem, como uma casa ou um carro, o ritual é usado para apagar o significado associado ao proprietário anterior. A desapropriação permite que o novo proprietário evite entrar em contato com as propriedades significativas do proprietário anterior e libere as propriedades significativas da posse, reclamando-as para si. O segundo ritual ocorre quando o indivíduo está para abrir mão de um bem, seja por doação ou por venda. O consumidor procurará apagar o

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significado de que foi investido o bem por associação. Em momentos de franqueza, as pessoas dizem sentir-se “pouco à vontade com outra pessoa usando meu velho casaco”.

A cultura de massa destina-se a uma massa social, isto é, um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade; classes, família, etc.

Andy Warhol foi a figura mais conhecida e mais controvertida do pop art. Certamente foi o artista que melhor retratou os ícones da cultura de massa, recriando imagens de ídolos pop como Marilyn Monroe e John Lennon e transformando objetos cotidianos e banais como latas de sopa Campbell’s, garrafas de Coca-Cola e a garrafa da Vodca Absolut em obras de arte.

A popularidade da cultura do consumo — o fato de ser “do povo” — é intrínseca à idéia de cultura do consumo enquanto não-cultura ou cultura degradada.

Há uma racionalidade cultural no consumo. Caso contrário como explicar que:

) uma pessoa que ganhe R$ 500,00 por mês compre um aparelho de telefone celular de R$ 2.000,00?

) uma família que vive com severas restrições financeiras realize uma festa de casamento para seu/sua filho(a) em que os gastos equivalem a muitos meses de salário?

) uma pessoa sacrifique sua alimentação para comprar uma fantasia de carnaval que só dura umas poucas horas?

5.3 PÓS-MODERNIDADE

O surgimento da pós-modernidade pode ser atribuído ao fim da segunda guerra mundial (1945), tornando-se símbolo de uma nova era. Era do vazio. De um novo entendimento. De retorno histórico e pendular ao predomínio do sensorial em detrimento do racional. De sensualismo pós-moderno. De explicações compreensivas e fragmentadas. De reencanto. De excesso. De desperdício e de consumação. De muitos deuses. E da parte do diabo. De crepúsculo do dever. De maior respeito à liquidez dos amores. Da natureza oscilante dos afetos.

O consumo de massa vem sendo substituído por uma nova organização marcada pelas diferenças entre os diversos estilos de vida.

Sujeito pós-moderno: Não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.

Destarte, a participação em projetos sociais do homem pós-moderno é, segundo alguns teóricos, orientada para pequenos objetivos pragmáticos e/ou personalizados. As atribuições tornam-se múltiplas. Mediações determinadas pelo pertencimento a esta ou aquela classe social perdem fertilidade explicativa quando tribos, famílias, etnias, gêneros, profissões e instituições apresentam suas próprias formas de mediação simbólica, com seus papéis específicos.

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O consumismo ideológico da década de 1980 enfatiza o imediatismo e o individualismo radical, por um lado e, por outro, seu embasamento numa modalidade de signos e significados (em lugar de necessidades e carências): essa cultura do consumo orgulhosamente superficial, profundamente interessada nas aparências.

Se o caráter plural, efêmero e incoerente desse novo homem é trazido à tona pelos teóricos do pós-modernismo, o mesmo ocorre com sua condição de consumidor. Existir e consumir aproximam-se. Confundem-se, até. Certeza do cogito* substituída pela do consumo. Condição de existência: consumo, logo existo. Para nós, também condição de identidade: dize-me o que consomes e te direi quem és.

Em meio ao processo de globalização, procura-se compreender como as identidades se reorganizam com a chamada “invasão cultural mundial”. As formas de exercer a cidadania estariam de uma maneira geral associadas à capacidade de apropriação dos bens de consumo e ao mesmo tempo às formas e à maneira de utilizá-los. 5.4 POR QUE AS PESSOAS QUEREM BENS?

É extraordinário descobrir que ninguém sabe por que as pessoas querem bens. A teoria da demanda está no centro exato, na própria origem da economia como disciplina.

A Teoria Utilitarista revela a importância de saber por que, às vezes, a demanda é estável, outras vezes, se acelera com velocidade inflacionária e algumas vezes diminui, enquanto as pessoas poupam, em vez de gastar.

A visão dos economistas deixa muito a explicar. Segundo eles, nossas escolhas são racionais. Concordam que, uma vez decidido alguma coisa, o consumidor escolhe entre marcas e leva em consideração preço e nível dos rendimentos, exatamente como dizem as apostilas escolares. Muitas vezes, não é tanto a sensação de ter tomado uma decisão, mas de ter sido levado pelos acontecimentos.

Longe de exercer uma escolha soberana, o miserável consumidor, em geral, se sente como o dono passivo de uma carteira de dinheiro, cujo conteúdo foi esvaziado por forças tão poderosas que fazem com que considerações morais pareçam impertinentes.

A maioria dos economistas reconhece dois tipos de necessidades humanas – as espirituais e as físicas -, mas dão prioridade às físicas. Conferem a elas a dignidade de necessidades, enquanto degradam todas as outras demandas à classe das carências artificiais, falsas, luxuosas, até mesmo imorais.

O consumo passa a ser analisado sob vários aspectos como: influência da publicidade, relação riqueza x pobreza, materialismo, inveja, etc.

* Cogito = palavra do latim que significa “pensar”. (Cogito, Ergo Sum = Penso, logo existo)

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Não há justificativa na teoria utilitarista tradicional para se supor qualquer coisa sobre necessidades físicas e espirituais, e menos ainda sobre a inveja. A teoria apenas supõe que o indivíduo esteja agindo racionalmente na medida em que suas escolhas são consistentes entre si e estáveis no curto prazo que é relevante. 5.5 OS USOS DOS BENS

Uma redefinição do consumo pode indicar que: o consumo não é imposto; a escolha do consumidor é sua escolha livre. Ele pode ser irracional, supersticioso, tradicionalista ou experimental: a essência do conceito de consumidor individual do economista é que ele exerce uma escolha soberana.

O consumo é definido como um uso de posses materiais que está além do comércio e é livre dentro da lei; o consumo é a própria arena em que a cultura é objeto de lutas que lhe conferem forma.

A dona de casa com sua cesta de compras chega em casa: reserva algumas coisas para a casa, outras para o marido e para as crianças; outras ainda são destinadas ao especial deleite dos convidados. Quem ela convida para sua casa, que partes da casa abre aos estranhos e com que frequência, o que lhes oferece como música, bebida e conversa, essas escolhas exprimem e geram cultura em seu sentido mais geral.

Em vez de supor que os bens sejam em primeiro lugar necessários à subsistência e à exibição competitiva, suponhamos que sejam necessários para dar visibilidade e estabilidade às categorias da cultura. É prática etnográfica padrão supor que todas as posses materiais carreguem significação social e concentrar a parte principal da análise cultural em seu uso como comunicadores.

Os bens, além de permitirem a posse material, estabelecem e mantêm relações sociais. Esta é uma abordagem utilizada há muito tempo e é frutífera em relação ao lado material da existência, alcançando uma idéia muito mais rica dos significados sociais do que a mera competitividade individual.

A escolha dos bens cria continuamente certos padrões de discriminação, superando ou reforçando outros. Os bens são, portanto, a parte visível da cultura. São arranjados em perspectivas e hierarquias que podem dar espaço para a variedade total de discriminações de que a mente humana é capaz. As perspectivas não são fixas, nem são aleatoriamente arranjadas como um caleidoscópio. Em última análise, suas estruturas são ancoradas nos propósitos sociais humanos. 5.6 ESPAÇOS DE CONSUMO

A sociedade de consumo possui um espaço de consumo característico: o shopping center.

Os “novos” shoppings como espaço de sociabilidade: como espaço de consumo simbólico, de consumo material, e de sociabilidade.

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Características dos shopping centers: aliar comércio e lazer; conteúdos funcionais e relações sociais; “cidades intramuros”.

Lazer é um meio para o consumo (lazer instrumental); lazer é um fim em si mesmo. 5.7 CONSUMO E IDENTIDADE

O consumo é um processo social profundamente elusivo e ambíguo. Elusivo, porque, embora seja um pré-requisito para a reprodução física e social de qualquer sociedade humana, só se toma conhecimento de sua existência quando é classificado, pelos padrões ocidentais, como supérfluo, ostentatório ou conpíscuo. Ambíguo, porque, às vezes, é entendido como uso e manipulação e/ou como experiência; em outras, como compra, em outras ainda como exaustão, esgotamento e realização.

Definimos a nós mesmos – nossa identidade – nossas vidas e nosso bem-estar por aquilo que consumimos. Nossos hábitos de consumo constituem, presentemente, uma forma de aceitação social. Obviamente, o homem que usa raquetes de tênis Wilson, que dirige uma Mercedes-Benz e veste roupas Giorgio Armani, faz uma clara declaração de sua identidade. Ele é um homem diferente daquele que compra varas de pescar de bambu, dirigi um Fiat Palio e veste o tempo todo jeans Levi’s.

A identidade emerge das práticas sociais em que o indivíduo, num esforço constante para constituir-se como pessoa, enfrenta a contradição entre aquilo que acontece e aquilo que deveria ter acontecido, entre aquilo que ele é e aquilo que esperava ser.

O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas.

Como se mantêm as identidades culturais no contexto da globalização? Será necessário revermos radicalmente as noções de identidade e cidadania nesses tempos em que, a maioria dos países subordinados, principalmente, na América Latina, correm o risco de se tornar todos “subúrbios norte-americanos”?

Um delegado francês, em uma reunião do GATT, em 1993, disse o seguinte: “A França pode deixar de produzir batatas e continuar sendo a França, mas se deixarmos de falar francês, de ter um cinema, um teatro e uma literatura própria, nos converteremos em mais um bairro de Chicago.”

Em boa parte do mundo, principalmente, no mundo ocidental, está havendo uma crescente substituição dos espaços de divertimento público por espaços privados. Na prática, isto significa que as pessoas vão cada vez menos a cinemas, teatros e espetáculos, e assistem cada vez mais o DVD e a TV a Cabo.

Os consumidores anseiam por marcas que representam efetivamente algo, marcas que ajudem a proporcionar significado e ordem em suas vidas. As chamadas “marcas legendárias” representam conceitos,

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valores e objetos que os consumidores usam para interpretar o significado da própria vida. Um número cada vez maior de consumidores parece definir uma parte de sua identidade pelo uso de marcas.

5.8 SUBJETIVIDADE E CONSUMO

O “olho” ampliado e expandido pelas tecnologias do virtual pode penetrar os dois mundos – o individual e o do sistema; o da organização dos espaços e tempos sociais e do mundo da vida privada – e, nesse sentido, fazer incisivas intervenções na subjetividade a ponto de revelar os movimentos de construção da identidade levada a efeito, entre outros aspectos, pelo ato de consumir.

A urbanidade e as práticas cotidianas atravessadas pelo consumo estão fortemente presentes na subjetividade, na forma dos seus agenciamentos de enunciação, por intermédio dos diferentes sistemas de representação – os álibis das negociações levadas a efeito pelo indivíduo na organização da sua vida.

Nas grandes metrópoles, a linguagem do imaginário se amplifica e adquire tonalidades e intensidades diversas, inclusive no ato de consumir, criando condições para que se possam estabelecer as conexões entre a subjetividade consumada – aquela capturada nas tramas da sedução das coisas do efêmero, do hedonismo, dos signos – e a subjetividade consumida – aquela absorvida e identificada pela tecnologia virtual.

Há um ponto de interconexão entre o consumo da subjetividade (o mundo da “publicização”) e a subjetividade do consumo (o universo da estruturação significativa da individualidade); aquele, objeto das macroteorias e, esse, objeto da percepção sensível dos indivíduos. Esse ponto é o da representação imagética.

5.9 SOCIEDADE DE CONSUMO

Sociedade de consumo é um dos inúmeros rótulos utilizados por intelectuais, acadêmicos, jornalistas e profissionais de marketing para se referir à sociedade contemporânea. A sociedade de consumo remete o leitor para uma determinada dimensão, percebida como específica e, portanto, definidora, para alguns, das sociedades contemporâneas.

Se todas as sociedades humanas consomem para poderem se reproduzir física e socialmente, se todas manipulam artefatos e objetos da cultura material para fins simbólicos de diferenciação, atribuição de status, pertencimento e gratificação individual, o que significa consumo no rótulo de sociedade de consumo? Ele sinaliza para algum tipo de consumo particular ou para um tipo de sociedade específica com arranjos institucionais, princípios classificatórios e valores particulares?

São as duas coisas simultaneamente, dependendo da abordagem teórica utilizada.

Para alguns autores, a sociedade de consumo é aquela que pode ser definida por um tipo específico de consumo, o consumo de signo. Para

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outros, englobaria características sociológicas, como consumo de massas e para as massas, alta taxa de consumo e de descarte de mercadorias per capita, presença da moda, sociedade de mercado, sentimento permanente de insaciabilidade e o consumidor como um de seus principais personagens sociais.

Teorias sobre a sociedade de consumo dizem respeito à natureza da realidade social. Mapeiam e analisam alguma característica que lhe é atribuída como específica e que a define e cogitam sobre o porquê do consumo desempenhar um papel tão importante no interior da sociedade contemporânea ocidental. 6 TEORIAS SOBRE O CONSUMO DE BENS E SERVIÇOS 6.1 DESCRIÇÕES ETNOGRÁFICAS DO ATO DE COMPRAR

Reafirmação dos relacionamentos afetivos através da seleção de produtos comprados e da estratégia de satisfação de todos os gostos familiares. Ou seja, embora exista uma restrição de renda, não é esta a lógica econômica que determina a escolha dos bens, mas sim a lógica afetiva: quem gosta do quê.

O conceito de “comprar” como um ato de amor. Na percepção do dia-a-dia, as compras se tornam um dos meios mais fundamentais para a construção de relacionamentos de amor e carinho na vida prática.

O amor enquanto prática é perfeitamente compatível com os sentimentos de obrigação e responsabilidade.

O conceito de “presente” – designação dada a qualquer aquisição especial feita com respeito a um indivíduo ou grupo particular, que em geral, inclui o comprador. Há quem defenda que essa categoria ajuda a definir os demais elementos do ato de comprar como não sendo a satisfação.

O “presentinho” é visto também como uma aquisição levemente transgressora. “Comer fora” também pode ser visto como um presente.

O conceito de “economizar” (poupar) – estratégias pelas quais os compradores tentam poupar dinheiro nas compras - isso se evidencia na série extraordinária de oportunidades de se vivenciar as compras e ao mesmo tempo poupar, e pela boa vontade com que os compradores se utilizam desses expedientes.

A experiência clássica do ato de economizar é a busca específica de preços mais baixos baseada na compra comparativa sistemática. 6.2 O COMPRAR COMO SACRIFÍCIO

Compras e sacrifício se relacionam na medida em que representações de gastos e de consumo como dissipação encontram-se no cerne de ambos. Além disso, tanto nos rituais de sacrifício como nas compras, as representações de excesso e dissipação são sistematicamente

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negadas através da transformação de ambos em situações de transcendência.

O sacrifício pode ser visto numa relação direta com o consumo, significando o dispêndio de bens.

O núcleo do ritual de compra é uma divisão dos objetos de sacrifício entre os que são ofertados às divindades e os que são retidos para consumo humano.

O sacrifício tanto pode ser encontrado no ato de economizar, quanto nas expressões de amor e de outros relacionamentos. 6.3 SUJEITOS E OBJETOS DE DEVOÇÃO

As compras cotidianas de bens provisionais podem ser entendidas como um rito de devoção. Neste contexto, o gênero desempenha, juntamente com as mercadorias, um papel fundamental na medida em que ambos ajudam a constituir a complexidade das relações sociais contemporâneas. As mulheres compram na esperança de que aqueles para quem elas compram se tornem os recipientes adequados daquilo que foi comprado e de suas devoções. As mercadorias, de bens alienáveis, passam a ocupar o lugar que seria de bens inalienáveis em outras sociedades ao se transformarem em objetos de devoção.

O ato de comprar e as relações sociais. Os objetos são meios para se criar relacionamentos de amor

entre os sujeitos e não algum tipo de beco sem saída materialista que desvia a devoção do sujeito adequado — as outras pessoas.

O consumo aqui é visto como dispêndio, no sentido de que as pessoas beneficiam os membros de sua família na compra das mercadorias.

O comprador não está meramente comprando mercadorias para outros, mas esperando influenciá-los para que se tornem os beneficiários apropriados do que está sendo comprado.

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