apostila comuniçãoe expressão

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COMUNICAÇÃO E E EXPRESSÃO Autores - Carolina de Andrade Spinola e Moisés Conde Silva de Oliveira

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  • COMUNICAO EE EXPRESSOAutores - Carolina de Andrade Spinola e

    Moiss Conde Silva de Oliveira

  • Copyright 2013 da Laureate. permitida a reproduo total ou parcial, desde que sejam respeitados os direitos do Autor, confor-me determinam a Lei n. 9.610/98 (Lei do Direito Autoral) e a Constituio Federal, art. 5, inc. XXVII e XXVIII, a e b.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Sistema de Bibliotecas da UNIFACS Universidade Salvador - Laureate International Universities)

    C412c

    Cercato, Nilza Carolina Suzin

    Comunicao e expresso / Nilza Carolina Suzin Cercato. Salvador: UNIFACS, 2013.

    148 p. : il. ; 24 cm.

    ISBN 978-85-87325-44-0

    1. Comunicao. 2. Expresso. I. Ttulo.

    CDD: 302.2

  • SUMRIO

    Noes de texto e aspectos da comunicao .................................................. 5

    Fatores de textualidade ................................................................................. 17

    Coeso e coerncia/revisar conectivos .......................................................... 29

    Fala e escrita, variao, registro, nveis de formalismo ................................ 51

    Tipos e gneros textuais ................................................................................ 67

    Hipertexto ...................................................................................................... 79

    Leitura: objetivos, estratgias, contextos ...................................................... 87

    Produo de texto: caractersticas de bons textos, argumentao, estilo, autoria ............................................................................................... 109

  • 5AULA 1Noes de texto e aspectos da comunicao

    O maior presente que voc pode dar a outra pessoa a pureza da sua ateno.

    Richard Moss

    N esta primeira aula da disciplina Comunicao e Expresso vamos trabalhar os conceitos de texto, discurso, valorizando os aspectos da comunicao.Quando se conceitua texto, sabe-se que ele uma unidade de sentido, portanto o significado de uma parte no autnomo, ele s faz sentido quando relaciona- -se com outras partes. Texto, como tecido, constri-se numa relao de fios que se entretecem.

    Para ter o significado global de um texto, preciso estabelecer uma combinao geradora de sentido, em que cada parte se inter-relacione.

    A seguir, vamos analisar algumas definies de texto, de autores que servem de referncia para este estudo.

  • 6COMUNICAO E EXPRESSO

    Segundo Koch e Travaglia,

    O texto ser entendido como uma unidade lingustica concreta, que tomada pelos usurios da lngua, em uma situao de interao comunicativa especfica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma funo comunicativa reconhecvel e reconhecida, independentemente da sua extenso. (KOCH; TRAVAGLIA, 1997, p. 9)

    Vamos compreender a definio. Em primeiro lugar: ao dizer unidade lingustica, os autores pressupem que essa construo tenha comeo, meio e fim, formando um todo compreensvel. Quando os autores afirmam que o texto envolve uma situao de interao, trazem o valor da presena de interlocutores, isto , quem fala e para quem fala; o termo especfica significa, nesse contexto, algum que fala de um lugar para seu interlocutor que ocupa outro lugar. Lugar, nessa definio, refere-se a um lugar social. Por exemplo: o pai que fala ocupando o lugar de pai, pode, em outra situao, falar do lugar de empresrio, ou de marido. Nessa situao, dever haver um funcionamento da lngua, trazendo sentido para os interlocutores.

    A lngua tem como constituinte a interao verbal, que vem a ser a relao entre dois indivduos: o locutor e o interlocutor, que se reconhecem socialmente. Mas, caso no haja a presena real do interlocutor, pode ser citado o papel social que desempenha. Nota-se que o interlocutor est sempre marcado, pois no h possibilidade de um enunciado dirigido a um ser abstrato; encami-nha-se, portanto, para uma funo desempenhada, para o papel social desse interlocutor, como diretor, professor, aluno, gerente, etc. Veja o exemplo a seguir:

    AQUELE PAI NO ENTENDE NADA

    - Um biquni novo?

    - , pai.

    - Voc comprou um no ano passado...

    - No serve mais. Eu cresci, pai.

    - Como no serve mais? No ano passado voc tinha 14 anos, agora tem 15, no cresceu tanto assim...

    - No serve, pai.

    - Est bem, est bem. Toma o dinheiro. Compra um biquni maior.

    - Maior, no, menor, pai.

    Aquele pai, tambm, no entendia nada.

    (VERISSIMO; Lus Fernando. Disponvel em: )

  • 7AULA 1 - NOES DE TEXTO E ASPECTOS DA COMUNICAO

    Voc deve ter percebido que nesse breve conto de Lus Fernando Verissimo, no aparecem os nomes das personagens, mas so identificadas pelo lugar social que ocupam: pai e filha.

    Fazendo uma parfrase do que diz M. H. Duarte Marques (1990), podemos dizer que um texto, para ser definido como tal, deve ter coerncia e coeso. Isso significa que os enunciados devem estar inter-relacionados, encadeados entre si.

    Por outro lado, a extenso do texto pode ser varivel e a materialidade com que se apre-senta tambm varia: pode ser uma foto, um vdeo, uma frase, poesia, prosa, uma con-versa informal ou telefnica, tambm pode apresentar-se como um artigo cientfico, notcias, um filme etc.

    Desdobrando o conceito, a autora prope a presena da coeso e coerncia para que o significado esteja presente entre os interlocutores. Note-se que tambm coloca a necessidade de uma unida-de de sentido para que realmente estabelea a comunicao.

    O acrscimo que a autora coloca est na citao de formas de texto. O importante que faa sentido na situao de uso, isto , que funcione, que comunique. Afinal, tudo texto.

    Um exemplo clssico, muito citado, o caso de Victor Hugo, escritor do romance Os Miserveis. Quando a obra ficou pronta, ele mandou os originais para o seu editor, com um bilhete, no qual havia apenas: ?. Depois que o editor leu o romance, escreveu outro bilhete em que estava: !.

    Hoje em dia, mesmo fora da situao de comunicao entre autor e editor, podemos compreender: Victor Hugo interroga seu editor: Que tal? Est bom? Ao que o editor responde significando: Maravilhoso! Estupendo!

    Na contemporaneidade, quando se l Os Miserveis, surgem as mesmas exclamaes, no caso, agora pelo leitor.

    Segundo Fiorin e Savioli (2006, p. 18), Um todo organizado de sentido, delimitado por dois bran-cos e produzido por um sujeito num dado espao e num dado tempo.

    Os autores trazem um acrscimo na definio de texto: a presena de um sujeito. Aqui no se est falando do sujeito gramatical (aquele que pratica ou sofre a ao do verbo), mas sim de um indiv-duo que ocupa um determinado lugar e fala desse lugar, num espao (lugar) no geogrfico, mas numa situao social, e num tempo, pois importante verificar o quando para o texto ter sentido.

    Esse lugar no discurso governado por regras annimas que definem o que pode e deve ser dito. So-mente nesse lugar constituinte, o texto (discurso) vai ter um dado efeito de sentido. Se for falado em outra situao que remeta a outras condies de produo, seu sentido, consequentemente, ser outro. Na medida em que retiramos de um discurso fragmentos e inserimos em outro discurso, fazemos uma transposio de suas condies de produo. Mudadas as condies, a significao desses fragmentos ganha nova configurao semntica (BRANDO, 1993).

    Wellington CostaSublinhado

    Wellington CostaSublinhado

    Wellington CostaSublinhado

    Wellington CostaSublinhadoadj. Que se conseguiu enunciar; que foi anunciado ou declarado; exposto ou expresso: um conceito bem enunciado. s.m. Exposio que, feita de maneira simplificada, explica ou demonstra uma preposio: o enunciado de uma teoria. Lingustica. Segmento ou todo de um discurso (oral ou escrito), geralmente, agregado ao seu contexto. (Etm. do latim: enuntiatum.i)

  • 8COMUNICAO E EXPRESSO

    DISCURSO

    Depois de termos trabalhado com a definio de texto, vai ser muito interessante ver o que o discurso.

    Segundo Brando (1998), discurso o espao em que emergem as significaes e a lngua a materialidade na qual o discurso aparece. Dessa forma, acontece o uso de uma mesma lngua, falando sobre o mesmo referente, mas no o mesmo discurso.

    Para Eni Orlandi (2001, p. 64), [...] discurso o efeito de sentido entre locutores, tendo na lngua sua possibilidade de existncia. Ao surgir, o discurso mobiliza condies determinadas, pistas que devem ser interpretadas ou descobertas pelo alocutrio.

    Vemos que as duas autoras concordam na definio de discurso. O que preci-sa para que um texto seja um discurso? Segundo elas, o discurso o funcionamen-to, o efeito de sentido construdo por dois personagens: o locutor, aquele que fala, e o interlocutor, aquele para quem se fala. Agora, para o discurso funcionar, ele depende da lngua, que a materialidade, o que permite o surgimento do sentido.

    A unidade do texto verificada pelo sentido, pois um discurso nunca est s, depende de um j-dito, que, na Anlise de Discurso, se chama de interdiscurso. Interdiscurso vem a ser tudo o que o sujeito sabe ou conhece e usa no momento da construo de seu discurso. A imagem que podemos relacionar com o texto de uma rede, em que os vazios so preenchi-dos por conhecimentos anteriores que formam uma memria. Com a imagem da rede, podemos compreender melhor o sentido de incompletude que caracteriza o discurso, pois sempre haver falta, falha e o ainda a dizer.

    Devido ao interdiscurso, fica evidente o quanto a incompletude faz parte do discurso, pois nada est acabado para sempre, sempre h o que acrescentar. A incompletude constitutiva de qualquer signo qualquer ato de nomeao um ato falho, um mero efeito dis-cursivo. Quando falamos em incompletude, estamos dizendo que um mesmo discurso pode voltar com novas materialidades, com novas palavras, com novas experincias.

    O discurso diz muito mais do que seu enunciador pretendia. A multiplicidade de sentido ine-rente linguagem (ORLANDI, 1988, p. 20).

    Veja um caso que aconteceu em sala de aula. O ttulo de uma reportagem de jornal foi oferecido a um grupo, para que cada um dissesse qual seria o teor do texto Sementes do Suicdio. E Voc, o que entende por Sementes de suicdio?

    Os sentidos oferecidos pelo grupo foram: descoberta de uma semente que mata; uma pessoa, sentindo-se ofendida, suicidou-se, a ofensa foi a semente que gerou o suicdio; a violncia sofrida por algum gera sementes de dio e pode levar ao suicdio. Sua compreenso foi semelhante?

    Veja o que aconteceu. Na verdade, o texto falava sobre uma pesquisa feita pela indstria da Mon-

  • 9AULA 1 - NOES DE TEXTO E ASPECTOS DA COMUNICAO

    santo, para deixar infrteis as sementes de frutas. Essas frutas foram obtidas por meio de vrias experincias, resultando perfeitas quanto ao tamanho, ao sabor, cor, textura. Quem desejasse plantar essas sementes no conseguiria reproduo. Essa foi a forma encontrada pela empresa para proteger sua pesquisa.

    A est a multiplicidade de sentido. Os alunos criaram hipteses de leitura. Em se-guida, refizeram o seu caminho e atriburam outro sentido, mais outro, construindo uma rede. A falha, o furo, no caso do exemplo anterior, est no fato de os alunos empregarem a palavra semente em sentido figurado, quando, na verdade, ela estava sendo empregada no sentido literal.

    Quando se fala em interdiscurso, faz-se referncia ao que fala antes, em outro lugar, o que foi importante para cada leitor trazer o conhecimento que possui em relao s palavras semente e suicdio, para levantar hipteses de desenvolvimento da reportagem. Esse conhecimento forma o conhecimento de mundo ou conhecimento enciclopdico que cada indivduo acumula ao longo de sua experincia lingustica.

    ASPECTOS DA COMUNICAO

    Deve ter ficado claro para voc o significado de texto e de discurso. Agora, vamos ver como os interlocutores funcionam num dos esquemas de comunicao. O mais conhecido e funcional foi traado por Jakobson (1969). Vejamos:

    LOCUTOR E ALOCUTRIO

    Esses dois primeiros elementos constituem-se em sujeitos, determinados por condies sociais, historicamente delineveis e portadores das significaes ideolgicas de tais condies. O que quer dizer isso? Locutor e alocutrio vo ocupar um determinado lugar social, (como j vimos an-teriormente) e esse lugar determinado por condies sociais conhecidas, marcadas pela histria e se colocando em seu lugar na luta de classes.

    Para melhor conhecer os elementos da comunicao, devem-se colocar em evidncia os prota-gonistas do discurso quem fala? para quem fala? As respostas a essas questes vo determinar outros dois novos elementos da comunicao:

    Cdigo lingustico (que a materialidade, o idioma)

    Locutor (quem fala) Discurso (o que falado) Alocutrio (para quem se fala)

    Para que o discurso atinja sua finalidade de comunicao, fundamental que o cdigo lingustico seja comum ao locutor e ao alocutrio. Veja o que aconteceu entre um turista francs e uma baiana de acaraj pelo fato de no usarem o mesmo cdigo lingustico (a mesma lngua).

  • 10

    COMUNICAO E EXPRESSO

    Um dilogo entre um turista francs e uma baiana de acaraj, em Amaralina:

    Turista: Quest que a? (Traduzindo: o que isso?)

    Baiana: Tem que cess, sim.

    T. : Comment? (Como?)

    B. : Com a mo tambm, sim.

    T. Je ne comprend pas. (Eu no compreendo)

    B. Se no vai comprar, passe a frente, porque a fila t grande.

    (N.C.)

    O caso anterior evidencia o fato de que cdigos lingusticos diferentes geram uma situao de no comunicao.

    O cdigo lingustico e o tipo de discurso so condicionados aos papis que locutor e alocutrio desempenham o discurso resultante das relaes dos papis sociais.

    Agora, podemos acrescentar novos elementos:

    LOCUTOR Contexto (Referente) ALOCUTRIO

    Remetente Mensagem (Discurso) Destinatrio

    Contato (Forma como se d a comunicao)

    Cdigo (Lingustico)

    Podemos compreender ento que, para haver comunicao, segundo Jakobson, h um locutor (aquele que fala), um alocutrio (aquele para quem se fala), um contexto (que aqui significa as condies de produo), a mensagem (que o discurso), o contato (via em que o discurso acon-tece) e, finalmente, o cdigo lingustico (o idioma que falado).

    interessante que, a partir do momento em que voc conhece os elementos de comunicao, passe a analisar suas falas e as falas do outro dirigidas para voc. Se pergunte, s vezes, de que lugar essa pessoa est falando comigo? De que lugar eu vou responder questo proposta? Vai ser uma experincia muito produtiva em matria de comunicao.

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    .(JA

    KOBS

    ON, 1

    969)

  • 11

    AULA 1 - NOES DE TEXTO E ASPECTOS DA COMUNICAO

    FUNES DA LINGUAGEM CENTRADAS NOS ELEMENTOS DE COMUNICAO

    Pela nossa experincia pessoal, sabemos que qualquer produo, seja oral ou escrita, tem um fim, um objetivo, pois a forma com que construmos nossa comunicao pode trazer efeitos diversos. Ento, preciso considerar os seguintes elementos: emotivos (ver qual a emoo envolvida no momento da comunicao); informativos (buscar compreender as informaes que esto sendo passadas) e performativos da linguagem (que tipo de performance est funcionando).

    Continuando com nossa referncia, para melhor entender as funes, Jakobson (1969, p. 118-129) traa os fatores constitutivos de todo processo lingustico, de todo ato de comunicao verbal, relacionando os elementos de comunicao com as funes da linguagem, como se pode ver a seguir:

    Contexto (funo referencial)

    LOCUTOR (funo emotiva)

    Mensagem (funo potica) ALOCUTRIO (funo conativa)

    Contato (funo ftica)

    Cdigo (funo metalingustica)

    Cada um desses fatores vai determinar uma diferente funo da linguagem.

    A funo emotiva est centrada no locutor, a expresso direta da atitude de quem fala em relao quilo de que se est falando. Essa funo emotiva deve ser usada quando a subjetivida-de surge aos olhos de todos. No discurso escrito, o estrato puramente emotivo da linguagem apresentado pelas interjeies, exclamaes; no discurso oral, pela expresso fisionmica, tom de voz, pausas... Essas marcas so de atitude pessoal do emitente, isto , daquele que fala. Elas do um colorido s manifestaes verbais nos nveis fnico ou gramatical. Por exemplo, conforme se pontua ou pronuncia uma expresso, o sentido pode mudar. Leia, em voz alta, o texto a seguir, observando a pontuao:

    Isso comigo? Isso! comigo. Isso? comigo? Isso comigo! Isso . Comigo. Isso comigo...

    Ou ento:

    Booooa noite! Boa noite. Boa noite? Boa noooite!

    Existe uma histria de um ator cuja pea teatral consistia em dizer de 48 formas diferentes a expresso boa noite. Tente voc tambm. No digo as 48, mas umas trs. Veja como a funo emotiva colabora para a expresso comunicativa.

    (JAKO

    BSON

    , 196

    9)

  • 12

    COMUNICAO E EXPRESSO

    Se a comunicao estiver orientada para o destinatrio, h a funo conativa. Ela aparece, em sua forma mais especfica, no uso do vocativo e do imperativo. Nessa funo, h o desejo de impulsio-nar o alocutrio ou destinatrio da mensagem para um determinado comportamento. Por isso, o uso do imperativo exerce uma voz de comando forte. Por outro lado, esse tipo de frase no pode ser submetido ao julgamento de verdadeiro ou falso. J as frases declarativas podem ser subme-tidas prova da verdade. Outra diferena que as frases declarativas podem ser transformadas em interrogativas, o que no acontece com a funo conativa. A palavra conativa vem do latim conatus, que quer dizer ao de coagir.

    Esse tipo de funo muito usado nas propagandas. Basta lembrar aquela que dizia: Compre baton repetidamente mensagem que era transmitida por uma voz autoritria, persuasiva s vezes, manipulatria.

    Se a mensagem estiver orientada para o contexto, teremos a funo referencial de-notativa ou cognitiva. Embora ela aparea em muitas mensagens, deve-se considerar a participao adicional de outras funes. O uso variado: reportagens, certo tipo de corres-pondncia, textos de carter cientfico, etc. uma das funes mais presentes na vida cotidiana.

    Quando dizemos funo referencial, estamos falando do referente, que o objeto ou a situao de que a mensagem trata. A objetividade torna-se uma marca dessa funo. No entanto, um texto impessoal e objetivo traduz um comportamento lingustico de quem o produziu. Por isso, preciso desconfiar de sua aparente neutralidade. Por qu? Porque, quando falamos, escolhemos determinadas palavras que acabam traindo nossa imparcialidade. Se estivermos diante de uma manchete impessoal que diz: cidade abandonada: autoridades incompetentes. H imparciali-dade? No, embora seja uma manchete bem objetiva. Agora, compare com essa outra manchete: cidade cuidada: obras em todos os bairros. H imparcialidade? No. Por qu? H uma inteno de valorizar o que feito. Se a objetividade resultado de uma atitude premeditada, pode acontecer uma manipulao a fim de alcanar determinado objetivo. Nos dois casos, possvel verificar formas de manipulao.

    Outra funo da linguagem pende para o contato suporte fsico por meio do qual a mensagem caminha do remetente para o destinatrio. Trata-se da funo ftica. Essa funo se evidencia pela troca de frmulas ritualizadas presentes nos dilogos , cujo objetivo prolongar a comunicao. Como exemplos, podemos citar: Al, est ouvindo?, Pois !. Essa funo ocorre tambm nas situaes em que desejamos preencher o silncio, ento, falamos do tempo, de filmes etc. importante levar em considerao se a comunicao se faz por telefone, por carta, num dilogo convencional...

    Continuando, vamos encontrar a funo da linguagem centrada no cdigo: a metalinguagem funo metalingustica. O texto volta-se para o cdigo explicar a linguagem, caracterizar a poesia, explicar os usos da linguagem. Metalinguagem significa a linguagem falar da prpria linguagem. Por exemplo, Carlos Drummond de Andrade, em uma poesia intitulada O lutador, fala da luta do poeta com as palavras. Vejamos os primeiros versos:

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    AULA 1 - NOES DE TEXTO E ASPECTOS DA COMUNICAO

    Lutar com palavras / a luta mais v / entanto lutamos/ mal rompe a manh.

    Em todo o texto, o poeta mostra como existe um embate no momento de usar as palavras.

    A funo centrada na mensagem recebe o nome de funo potica. Quando dizemos potica, a tendncia achar que essa funo s se aplica poesia. No. Ela deve ser estudada no mbito dos problemas gerais da linguagem, no pode ser reduzida apenas poesia. O exemplo de Jakobson o seguinte: Por que voc sempre diz Joana e Margarida e nunca Mar-garida e Joana? Ser porque prefere Joana sua irm gmea? De modo nenhum; s porque assim soa melhor (JAKOBSON, 1969, p. 128). Essa uma questo de sonoridade que marca um idioma. A funo potica est na busca do melhor som para enunciar a mensagem.

    Ento, o estudo da funo potica deve abranger toda poesia e ultrapassar esse limite. No se pode restringir o estudo da poesia funo potica. Por exemplo, a poesia pica pe em destaque a funo referencial da linguagem; a lrica, orientada para a primeira pessoa, destaca a funo emotiva; a poesia splice, ou exortativa, destaca a segunda pessoa, vem imbuda da funo conativa.

    A elaborao do texto com funo potica parte de um trabalho de seleo e arrumao das pala-vras, da explorao de seus significados, que cria efeitos sonoros, rtmicos no texto, muitas vezes, causando surpresa o estranhamento dos surrealistas franceses e formalistas russos.

    Quando estudamos as funes da linguagem, devemos ter em mente que muito difcil um texto ser de um tipo de funo apenas. Haver uma funo dominante, mas podem aparecer outras em segundo plano.

    FORMAES IMAGINRIAS SEU EFEITO NA COMUNICAO

    Um aspecto importante a ser considerado na comunicao interpessoal diz respei-to s formaes imaginrias. Entendemos por formaes imaginrias como vemos o lugar social do locutor. Quando emitimos uma mensagem, uma informao passa-da de emissor A para receptor B, que ocupam determinado lugar social, comunicam- -se de lugares sociais, a partir dos quais os sentidos se constroem. Os interlocutores se represen-tam, pois, a partir das chamadas Formaes Imaginrias.

    Para Pcheux ([1969] 1997), num discurso, A (locutor) e B (alocutrio) se representam, produzin-do um jogo de efeitos de sentido que, a partir do lugar social dos interlocutores, das relaes de poder e fora, criam um imaginrio.

    Quando falamos imaginrio, estamos nos referindo imagem que os interlocutores fazem de si e do outro. Ento, uma imagem construda simbolicamente e, a partir dela, os sentidos se efetivam. Essa imagem varia de acordo com o papel social desempenhado no momento da men-

  • 14

    COMUNICAO E EXPRESSO

    sagem, sendo o lugar evidenciado pelo discurso.

    De acordo com Pcheux (1969), podemos estabelecer o seguinte quadro:

    Quadro 1 Funcionamento das Formaes Imaginrias

    Expresso que designa as formaes imaginrias

    Significao da expresso

    Questo implcita cuja resposta subentende a formao imaginria

    correspondente

    {A I (A)AI (B)

    A

    Imagem do lugar de A para o sujeito colocado em A

    Quem sou eu para lhe falar assim?

    Imagem do lugar de B para o sujeito colocado em A

    Quem ele para que eu lhe fale assim?

    {B I (B)BI (A)

    B

    Imagem do lugar de B para o sujeito colocado em B

    Quem sou eu para que ele me fale assim?

    Imagem do lugar de A para o sujeito colocado em B

    Quem ele para que me fale assim?

    Por exemplo, o professor diz ao diretor: Vamos trabalhar com o material do laboratrio. O dire-tor fala: Hoje impossvel. Voc deveria ter reservado o espao ontem.

    Considerando a fala do diretor como a posio A e a do professor como a posio B, temos:

    Imagem de A em relao posio de A deriva nesta pergunta: quem sou eu para falar ao professor assim? Eu falo de um lugar social e responsvel pela organizao do uso do laboratrio.

    Imagem de B para o sujeito situado em A: quem ele para eu lhe falar assim? Ele fala do lugar social de componente de uma equipe que deseja usar o laboratrio.

    Imagem de B para o sujeito colocado em B: quem sou eu para que ele me fale assim? Falo do lugar social de professor que deseja usar o laboratrio e que deveria ter reser-vado o espao.

    Imagem de A para o sujeito situado em B: quem ele para que me fale assim? Ele falou do lugar social do responsvel pela organizao do uso do laboratrio.

    Em outra situao de fala, os lugares sociais podem mudar completamente e uma nova anlise das formaes imaginrias construda.

    Seria o caso de o diretor chegar em casa, por exemplo, e sua mulher lhe dizer: por que voc no reservou lugar no restaurante? Agora, vamos ficar sem sair. Nesse caso, a mulher estaria no lugar

    (GAD

    ET; H

    AK, 1

    990)

  • 15

    AULA 1 - NOES DE TEXTO E ASPECTOS DA COMUNICAO

    de A que, no discurso anterior, era ocupado pelo diretor.

    Essa mobilidade de papis sociais, de lugares sociais, dinamiza as formaes imaginrias a partir das quais os efeitos de sentido so construdos e ativados.

    Encerramos aqui o estudo de discurso e texto, digo, encerramos enquanto espao de tempo, porque o que vimos nesta aula deve acompanhar seus estudos e suas comunicaes ao longo de sua vida. Por exemplo, numa situao de comunicao, reflita de que lugar a pessoa est falando ou escrevendo. Essa atitude pode trazer sentidos inesperados ou diferentes da primeira interpretao.

    Sntese

    Nesta aula, trabalhamos com os aspectos de discurso, texto, textualidade, bem como os diversos enfoques feitos por autores da rea. importante ver como, em cada aspecto, encontramos com-plementos para orientar o que se entende por comunicar-se, por usar o discurso como instrumento de convencimento.

    Questo para reflexo

    Reflita luz das definies e teorias que estudamos sobre frase de Bakhtin: A linguagem es-sencialmente ideolgica. ([1939] 2001, p. 96)

    Leitura indicada

    Para complementar seu estudo, leia o captulo O que um texto, do livro O Texto e a Constru-o de Sentido, de Ingedore Koch, da Editora Contexto, 2000.

  • 16

    COMUNICAO E EXPRESSO

    Site indicado

    .

    Referncias

    BAKHTIN, M.; VOLOCHINOV (1939). Marxismo e Filosofia da Linguagem. So Paulo: Hucitec, 2001.

    BRANDO, Helena H. Nagamine. Introduo Anlise do Discurso. 7. ed. Campinas, SP: Unicamp, 1998.

    FERREIRA, Maria Cristina Duarte. As prticas religiosas sob a mirada do discurso. Debates do NER (UFRGS), Porto Alegre, v. 6, 2005.

    FIORIN, Lus; SAVIOLI, Plato. Lies do Texto: Leitura e Redao. 5. ed. So Paulo: tica, 2006.

    JAKOBSON, Roman. Lingustica e Comunicao. So Paulo: Cultrix, 2001.

    KOCH, Ingedore G. Villaa; TAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e Coerncia. So Paulo: Cortez, 1997.

    KOCH, Ingedore Villaa. O Texto e a Construo de Sentidos. So Paulo: Contexto, 2000.

    ______. Desvendando os Segredos do Texto. 4. ed. So Paulo: Cortez, 2002.

    LYONS, John. Linguagem e Lingustica: uma introduo. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

    MARQUES, M. H. Duarte. Iniciao Semntica. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

    ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988.

    ______. Anlise de Discurso: princpios e procedimentos. Campinas: Cortez/Editora Unicamp, 2001.

    ______. Discurso e Texto: formao e circulao de sentidos. Campinas, SP: Pontes, 2001.

    PCHEUX, M. Anlise Automtica do Discurso (1969). In: GADET F.; HAK, T. (Orgs.) Por uma An-lise Automtica do Discurso: uma introduo obra de Michel Pcheux. Trad. de Eni P. Orlandi. Campinas: Unicamp, 1990.

  • 17

    AULA 2Fatores de textualidade

    As palavras tm o poder de destruir e de curar. Quando so ao mesmo tempo sinceras e gentis,

    elas podem mudar nosso mundo.Zuangzi

    N a aula anterior, estudamos as noes de texto e os aspectos da comunicao. Esta aula tem o objetivo de que voc consiga identificar, nos textos, os fatores de textualidade, bem como usar esses mesmos fatores em suas produes escritas.Como est dito na primeira aula, um texto/discurso uma unidade, uma in-terao entre interlocutores, interpelados como sujeitos a partir de um lugar social. Vi-mos, tambm, que as materialidades podem ser as mais variadas: desde uma palavra, como Uai!, at um captulo de romance. Mas, para que seja realmente uma unidade de comunicao, h fatores que caracterizam a textualidade.

  • 18

    COMUNICAO E EXPRESSO

    FATORES DE TEXTUALIDADE

    Beaugrande e Dressler (1983) apontam sete fatores de textualidade:

    Coerncia;

    Coeso;

    Intencionalidade;

    Aceitabilidade;

    Situacionalidade;

    Informatividade;

    Intertextualidade.

    Os fatores internos ao texto, intrnsecos, devem estar claros e presentes. So eles: coeso, coe-rncia e intertextualidade. Os demais fatores, enunciados por Beaugrande e Dressler, esto na periferia do texto, at no contexto. A seguir, vamos tratar sobre cada um deles.

    COERNCIA

    A coerncia responsvel pela unidade semntica, pelo sentido do texto, envolvendo no s as-pectos lgicos e semnticos, mas tambm cognitivos. Esse fator no est no texto, mas se constri a partir dele, envolvendo autor e leitor. Com sua experincia de vida, o autor cria uma determi-nada situao, com uma finalidade. O leitor, tambm usando seus conhecimentos e experincias, vai produzir uma leitura em que o sentido se faz presente.

    Vejamos um exemplo em que o sentido do texto fica incoerente, fica truncado: No serto as casas ficaram alagadas devido ao mau tempo, embora no tenha chovido e a seca fosse intensa. Ora, existem dois motivos para as casas alagarem: vazamento de gua e chuva. Ativando nossas experincias e conhecimento de mundo, verificamos que, em regio de seca, no serto, pela forma como as pessoas valorizam a gua, no haveria possibilidade de vazamento; por outro lado, no chovera. Temos uma incoerncia cognitiva na qual o sentido est ausente.

    COESO

    A coeso garante a unidade do texto por meio do uso adequado dos conhecimentos gramaticais e lexicais. Enquanto a coerncia est diluda no texto, a coeso aparece claramente no texto. Por isso, afirma-se que, por meio da construo, se percebe a coeso, que pode ser entendida como a liga do texto.

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    AULA 2 - FATORES DE TEXTUALIDADE

    Observe que, no exemplo Estava dormindo porque o sol nasceu, o texto fica incoerente devido ao uso indevido da conjuno porque, que d ideia de causa. O correto seria usar um operador argumentativo de tempo. A frase ficaria: Estava dormindo quando o sol nasceu.

    Enquanto a coerncia subjacente ao texto, a coeso revelada por meio das marcas lingus-ticas, dos ndices formais na estrutura da sequncia lingustica e superficial do texto que lhe d um fio condutor.

    Coeso a ligao, a relao de nexos que se estabelecem entre os elementos que constituem uma superfcie textual.

    INTENCIONALIDADE

    Essa caracterstica refere-se competncia do autor em elaborar um texto coerente e coeso, com a finalidade de atingir o objetivo que pretende ou deseja explicitar. Por exemplo, se quero viajar e viajo, normalmente o meu desejo causar o evento que representa, o ato de viajar com todos os outros necessrios para realizar a viagem. H, portanto, conexo interna entre a causa e o efeito, porque se tenho um desejo (viagem), que a causa, vai originar um efeito, que eu viajar.

    ACEITABILIDADE

    Para que o texto seja aceito, deve apresentar coeso e coerncia, alm de ser til e ter relevncia. Precisa, tambm, ter verdade, mesmo sendo fico, mesmo que seja um simulacro do real; ter autenticidade e quantidade: um nmero tal de informaes que permitam ao leitor tomar posse do texto, sem que haja vazios e lacunas que tornem o texto sem sentido. A cooperao do leitor faz-se presente desde que o autor corresponda a uma necessidade do leitor.

    Analisando a frase Aquele rapaz disse isso, podemos afirmar que essa frase solta no pode atender s necessidades do leitor. Que rapaz? Disse o qu?

    Note a diferena:

    Paulo Lima Duarte, autor conceituado (aquele rapaz), disse que todos ns precisamos rever o que escrevemos a fim de estarmos certos de ter feito o melhor (disse isso).

    SITUACIONALIDADE

    O texto deve estar adequado a um contexto, situado em relao aos fatos em volta dele. Deve ter compatibilidade com a situao, ser coerente com o contexto em que aparece. Vejamos o texto a seguir:

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    COMUNICAO E EXPRESSO

    A jovem motorista de 25 anos estacionou seu carro em vaga de idoso no shopping. Uma se-nhora idosa, que estava para estacionar naquele espao, esperou a jovem sair do carro e disse:

    Poderia me dar o telefone de seu dermatologista ou de seu cirurgio plstico?

    Sem entender direito, a jovem perguntou:

    Por qu? Como?

    A senhora respondeu:

    Ora, porque voc est muito bem conservada.

    Compreendemos esse dilogo devido situacionalidade. Vaga de idoso reservada para pessoas acima de 60 anos. claro que a jovem de 25 ter a aparncia correspondente a essa idade, da a ironia da senhora ao querer saber quais mdicos teriam efetuado aquela maravilha: uma idosa com aparncia de 25 anos.

    INFORMATIVIDADE

    Refere-se s informaes que so colocadas no texto. um aspecto delicado, pois informaes demais deixam o texto sem criatividade e at infantilizado; por outro lado, se faltar de infor-maes, o texto no atinge o objetivo de comunicabilidade. Um texto criativo pode ter menor informatividade, ser menos previsvel, no entanto, ser interessante, envolvente, desde que venha ligado a dados conhecidos.

    Vejamos o exemplo desse texto jornalstico:

    No Mxico, os comerciais dirigidos a crianas precisam trazer alguma mensagem educativa. Os anunciantes podem mostrar as crianas se entupindo de sucrilhos ou de chocolate, desde que no p da tela corra um letreiro com os dizeres Coma legumes e verduras ou Escove os dentes trs vezes ao dia

    (Disponvel em: ).

    INTERTEXTUALIDADE

    Vem a ser a relao de um texto com outros textos. Para identificar a intertextua lidade, im-portante uma histria de leituras, uma vez que um texto se constri em cima de um j-dito. A intertextualidade acontece da seguinte forma: existe um texto primeiro e sobre ele se constri um outro, com passagens, versos ou frases que permitem ao leitor identific-lo, relacionando-o

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    AULA 2 - FATORES DE TEXTUALIDADE

    com o primeiro. O segundo texto fica, digamos, contaminado pelas ideias ou pela construo daquele sobre o qual se constri. E esse processo contnuo, pois h sempre um a-dizer marca da incompletude da linguagem. Portanto, intertextualidade o processo de produzir um texto construdo como absoro ou transformao de outros textos, e um discurso se elabora em vista do outro.

    Estamos entrando no campo do dialogismo de Bakhtin em que o outro perpassa, atravessa, condiciona o discurso do eu. Por exemplo, a primeira experincia de linguagem a criana aprende da me e dos familiares que a cercam. medida que cresce, ela vai elaborar sua prpria linguagem at esquecendo a origem primeira. O seu discurso ser ento uma elaborao sobre as outras vozes, outros discursos. Por exemplo: o discurso citado ser colocado entre aspas e em nota, indica-se o autor e de onde ele foi retirado mas essa citao deve ser tecida no texto.

    O conceito de intertextualidade diz respeito ao processo de construo, reproduo ou transforma-o do sentido um novo texto que tem como suporte um outro. Veja um exemplo:

    Pero Vaz de Caminha, na carta ao rei de Portugal, diz: As guas so muitas e infindas. E em tal maneira graciosa que, querendo aproveit-la, tudo dar nela, por causa das guas que tem (CASTRO, 1996, p. 97).

    No incio dos anos 1980, houve um movimento iniciado no Sul do Brasil, que pretendia separar o chamado sul maravilha do Nordeste. Um dos argumentos usados foi o seguinte:

    O Nordeste atrasa o Sul, os nordestinos so preguiosos e usam a seca como desculpa. Cami-nha mesmo escreveu para o rei: A terra to maravilhosa que nela se plantando tudo d. (Transcrito de uma entrevista na TV)

    O entrevistado transformou e manipulou o que Caminha escreveu realizando um apagamento significativo. Na carta, Caminha fala das guas, e o entrevistado deu nfase para terra.

    s vezes, produz-se um apagamento intencional do j-dito, pois a inteno dizer algo novo. No exemplo, h uma voz institucionalizada Caminha que usada como argumento de autoridade.

    Para a compreenso global de um texto, muitas vezes, preciso entender as alu-ses e referncias que ele faz a outros textos. No exemplo citado, se o ouvinte da en-trevista no tem conhecimento do texto primeiro, a Carta ao rei, por ocasio da descoberta do Brasil, poder inocentemente ou ingenuamente concordar com o entrevistado.

    Tendo Foucault como fonte terica, Courtine (1981 apud BRANDO, s.d., p. 78) distingue compor-tamentos lingusticos que constroem a intertextualidade:

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    COMUNICAO E EXPRESSO

    O domnio da memria o texto preexistente que a memria discursiva separa e elege numa determinada contingncia histrica. o texto que subjaz ao texto novo ausente na escritura, mas presente na memria pelas semelhanas ou rompimentos que o novo texto traz.

    Constitui o domnio da memria uma voz sem nome, fruto de todo conhecimento domi-nado por um leitor. Como tal irrepresentvel, pois vem a ser tudo o que sabemos, e aqui no est significando memria como antnimo de esquecimento, mas todo o saber de um indivduo.

    Um domnio da atualidade Trata-se de sequncias discursivas do passado reatualiza-das. um campo de presena. o texto atual fundado sobre o outro. um texto que sobre outro que surge da semelhana ou da ruptura.

    Um domnio de antecipao Segundo Courtine, revela o carter aberto da relao discursiva. So as possibilidades que um texto oferece de ser repetido, refeito em outra circunstncia, trazendo novos sentidos. Se h um sempre-j do discurso, pode-se acrescentar que haver um sempre-ainda impossvel atribuir um fim a um processo discursivo. H sempre novas possibilidades, novas intertextualidades.

    Vamos exemplificar os trs itens anteriores com uma parte da letra da msica Monte Castelo, de Renato Russo.

    Ainda que eu falasse a lngua dos homens

    E falasse a lngua dos anjos, sem amor eu nada seria.

    Para compor esse texto, Renato Russo se valeu do domnio da memria, pois o trecho em questo faz parte da carta de So Paulo aos Corntios, 13, 1 e 2: Se eu falasse a lngua dos homens e falasse a lngua dos anjos e no tivesse amor, [...] eu nada seria. Essa carta foi escrita entre os anos 50 e 51 d.C. Esse o domnio da memria.

    O domnio da atualidade se faz presente no momento em que Renato Russo comps essa letra e acrescentou uma parte da carta de Paulo e outra do soneto de Cames, que tambm do domnio da memria. O modo como reuniu suas ideias s de Paulo aos Corntios e ao soneto de Cames traz para o domnio da atualidade um texto do passado.

    Quanto ao domnio da antecipao, qualquer autor pode fazer uso dos dizeres da Carta de So Paulo e trazer para o domnio da atualidade, do seu modo, com seus critrios. um texto sempre disponvel para novas interpretaes, novas construes a partir dele. Esse o sempre-ainda.

    A percepo das relaes intertextuais, da referncia de um texto a outro, depende do repertrio do leitor. Da a importncia da leitura, para ter a compreenso do texto e ao mesmo tempo para

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    AULA 2 - FATORES DE TEXTUALIDADE

    o despertar da criticidade da leitura crtica e consciente. Por exemplo, uma pessoa pode muito bem cantar toda a msica Monte Castelo sem jamais saber que parte dela vem dos anos 50/51 d.C., o mesmo acontecendo com o soneto de Cames que faz parte da msica.

    Ao ler o texto, preciso levar em conta os seguintes aspectos:

    Dialogismo - a presena do eu e do outro. No caso da msica Monte Castelo, esto presentes eu-leitor e o outro-compositor. H um leitor inscrito no texto do autor, algum em quem ele pensa no momento da composio.

    Polifonia - Refere-se s vrias vozes do texto. No texto Monte Castelo, ns temos clara-mente as vozes de Paulo, de Cames, de Renato Russo.

    Intertextualidade - Diz respeito a vrios textos que se entrecruzam no tempo e no espao. Est visvel a intertextualidade no texto, observam-se textos que se entretecem.

    As formas de intertextualidade em evidncia so: citao, parfrase, pardia.

    A citao consiste em apresentar um discurso de outro no prprio discurso. Acontece quando escrevemos um trabalho ou uma pesquisa e, para referendar o que pretendemos provar, citamos outro autor. Essa citao vem marcada por aspas, nome do autor e do livro em que ela aparece. Outra forma de citao a de ditados populares ou frases do senso comum presentes na cultura de um pas.

    A parfrase consiste em reafirmar, com palavras diferentes, o mesmo sentido de outro texto. A parfrase consiste no mesmo dito de outra forma. Trata-se do j-dito, o estvel, o retorno cons-tante ao mesmo. H um texto que a matriz do sentido e essa matriz repetida com o mesmo sentido, mas com outras palavras h um deslocamento sem que haja traio ao seu significado primeiro. Por exemplo, Caetano, na letra da msica Sampa, diz: Narciso acha feio o que no espelho. Nesse caso, temos uma parfrase da mitologia grega.

    A pardia estabelece uma ruptura com o texto primeiro. O distanciamento absoluto. A lingua-gem torna-se dupla sendo impossvel a fuso de vozes: uma escrita transgressora, que engole e transforma o texto primitivo, articula-se sobre ele, reestrutura-o, mas, ao mesmo tempo, o nega estabelecendo a intertextualidade e possibilitando a dupla leitura. A pardia no se reduz a uma mera repetio do texto primitivo, mas soa como um eco deformado e as palavras do outro se re-vestem de algo novo e se tornam bivocais. Leia os textos a seguir para ver como ocorre a pardia.

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    COMUNICAO E EXPRESSO

    NO MEIO DO CAMINHOCarlos Drummond de Andrade

    No meio do caminho tinha uma pedra

    tinha uma pedra no meio do caminho

    tinha uma pedra

    no meio do caminho tinha uma pedra

    Nunca esquecerei desse acontecimento

    na vida de minhas retinas to fatigadas

    Nunca me esquecerei desse acontecimento

    que no meio do caminho

    tinha uma pedra

    tinha uma pedra no

    meio do caminho

    no meio do caminho

    tinha uma pedra

    Parafraseando Drummond Intertextualidade

    NO MEIO DO CAMINHONilza Cercato

    No meio do caminho tinha aqueles olhos

    tinha aqueles olhos no meio do caminho

    tinha aqueles olhos

    no meio do caminho tinha aqueles olhos.

    Texto Primeiro

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    AULA 2 - FATORES DE TEXTUALIDADE

    Nunca esquecerei desse acontecimento

    na vida de minhas retinas to fatigadas.

    Nunca me esquecerei desse acontecimento

    que no meio do caminho

    tinha aqueles olhos.

    Tinha aqueles olhos no meio do caminho

    No meio do caminho tinha aqueles olhos.

    Ah! Que olhos!!! Seguem-me at hoje.

    Depois de ter visto como acontecem as formas de textualidade, podemos concluir que:

    uma estrutura nunca est constituda completa e perfeitamente, uma vez s e para sempre, antes da leitura que a tira do limbo e a repe em movimen-to, no ato interpretativo que cada leitura engaja [...] mas se elabora em rela-o a uma outra estrutura(MAINGUENEAU, 1989, p. 39) , o que quer dizer que podemos ter um texto voltando, com significados diferentes, desde que o autor ponha em funcionamento a linguagem e as condies de produo;

    quando dizemos [...] todo texto absoro e transformao de outro texto (MAIN-GUENEAU, 1989, p. 39), trazemos a questo da citao, com a qual um texto no resulta nem direta nem exclusivamente de uma lngua natural, mas de outros textos, seus predecessores.

    Proponho a voc que leia a letra da msica Bom Conselho, de Chico Buarque, e procure relacionar com os ditados populares que seguem o texto. Veja como o autor trabalha a intertextualidade. Divirta-se.

  • 26

    COMUNICAO E EXPRESSO

    BOM CONSELHOChico Buarque

    Oua um bom conselho

    que eu lhe dou de graa

    Intil dormir que a dor no passa

    Espere sentado

    Ou voc se cansa

    Est provado,

    quem espera nunca alcana

    Venha, meu amigo

    Deixe esse regao

    brinque com meu fogo

    tenha se queimar

    Faa como eu digo

    Faa como eu fao

    Aja duas vezes antes de pensar

    Corro atrs do tempo

    Vim de no sei onde

    Devagar que no se vai longe

    Eu semeio vento na minha cidade

    Vou pra rua e bebo a tempestade

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    AULA 2 - FATORES DE TEXTUALIDADE

    PROVRBIOS POPULARES

    Uma boa noite de sono combate os males

    Quem espera sempre alcana

    Faa o que eu digo, no faa o que eu fao

    Pense, antes de agir

    Devagar se vai longe

    Quem semeia vento, colhe tempestade

    (Disponvel em: http://.)

    Espero que tenha notado como a intertextualidade est presente em nosso cotidiano. Nem sempre fcil identificar se h intertextualidade, por isso eu recomendo leitura. Quanto mais voc conhe-cer, mais fcil ser identificar a origem de uma pardia ou analogia, ou parfrase.

    Sntese

    Os fatores de textualidade so relevantes para oferecer sentido ao texto. Quando um texto est incoerente, ou sem coeso, por exemplo, no h como estabelecer o sentido adequado. Outros elementos situam-se em torno desses dois, que so fundamentais.

    Questo para reflexo

    Reflita sobre a frase de Maingueneau (1989, p. 39): Um discurso no vem ao mundo numa inocente soletude, mas constri-se por meio de um j-dito em relao ao qual toma posio.

    Leitura indicada

    Para complementar seu estudo, leia o captulo Atividades e estratgias de processamento tex-tual, do livro O Texto e a Construo de Sentido, de Ingedore Koch, da Editora Contexto, 2000.

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    COMUNICAO E EXPRESSO

    Sites indicados

    .

    .

    Referncias

    BEAUGRANDE, R. A.; DRESSLER, W. U. Introduction to Text Linguistics. London, Longman, 1983.

    CASTRO, Silvio. A Carta de Pero Vaz de Caminha. Porto Alegre: L & PM, 1996.

    CHAROLLES, Michel. Introduction aux Problmes de la Cohrence Textuelle. Paris: Langue Fran-aise, 1978.

    KOCH, Ingedore G. Villaa. Desvendando os Segredos do Texto. 4. ed. So Paulo: Cortez, 2002.

    ______. O Texto e a Construo de Sentidos. So Paulo: Contexto, 2000.

    LYONS, John. Linguagem e Lingustica: uma introduo. Rio de Janeiro: LTC, 1969.

    MAINGUENEAU, D. Novas Tendncias em Anlise de Discurso. SP, Campinas: Pontes, 1989.

    ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988.

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    AULA 3Coeso e coerncia/revisar conectivos

    O mais importante na comunicao escutar aquilo que no foi dito.

    Peter Drucker

    V imos, na aula passada, que coeso a ligao, a relao de nexos que se estabelecem entre os elementos que constituem uma superfcie textual.Nesta aula, daremos um passo mais adiante, vamos ver como empregar elementos de coeso e coerncia, reconhec-los e, principalmente, utilizar os conectivos necessrios para que um texto tenha coeso.

    Num texto, h coeso quando existe uma conexo entre os perodos, produzindo o sentido do texto. Para alcanar esse patamar de unio entre os vrios enunciados, existem classes de pala-vras chamadas de elementos de coeso ou conectivos. So elas: preposies, conjunes, prono-mes e advrbios.

  • 30

    COMUNICAO E EXPRESSO

    Entre elas, destacamos as conjunes, que tm a funo de pr em evidncia as relaes entre os enunciados. Os pronomes, por sua vez, podem substituir ou determinar um nome, e os advrbios podem modificar o sentido de um verbo. Esses elementos no so formas vazias que podem ser substitudas entre si, sem nenhuma consequncia, ao contrrio, so formas lingusticas que carre-gam um significado, trazem a coerncia e, para us-las, fazem-se necessrios critrios especiais em seu emprego, tais como:

    manter uma estrutura do texto o momento de vermos se o texto est organizado, arrumado, com comeo, meio e fim;

    visualizar o conjunto uma leitura atenta, verificando se o todo do texto faz sentido;

    observar como se realiza a liga, a conexo entre os enunciados vamos verificar se um perodo est ligado ao outro e se acontece o mesmo com os pargrafos.

    Vamos trabalhar duas modalidades de coeso:

    Modalidade 1 Coeso referencial

    Esse tipo de coeso acontece entre elementos do texto que remetem (ou permitem recuperar) uma mesma referncia, ou um mesmo assunto. Pode ser dividido em:

    Substituio ocorre quando se retoma um termo enunciado, usando-se, para isso, um pronome, verbo ou advrbio, deixando de repetir o elemento j citado.

    Ex.: Marcos e Pedro, apesar de serem gmeos, so muito diferentes. Por exemplo, este calmo, aquele explosivo.

    Nesse exemplo, temos uma substituio dos nomes dos gmeos: este refere-se a Pedro e aquele refere-se a Marcos.

    Reiterao que se faz por meio de sinnimos, de nomes genricos, expresses nomi-nais definidas, de repetio do mesmo item lexical, de nominalizaes.

    Observe o exemplo que segue em que foi usada a reiterao com a repetio dos mesmos itens lexicais: educao e sade.

    Ex.: Os problemas do Brasil se encontram na rea de educao e sade. Educao porque no h escolaridade e conhecimento de formas para resolver situaes pessoais e da comunidade. Sade, pelo desconhecimento dos cuidados bsicos e pela falta de projetos no sentido de esclarecer a populao.

    Outro exemplo, em que um nome genrico e uma expresso nominal definida reiterada. Note como a palavra homens aparece no exemplo a seguir:

  • 31

    AULA 3 - COESO E COERNCIA/REVISAR CONECTIVOS

    Ex.: Um pas precisa de homens conscientes; de homens honestos; de homens corajosos para defender suas posies e suas ideias.

    Modalidade 2 Coeso sequencial

    Esse tipo de coeso usado para manter a sequncia entre as ideias expressas facilitando, dessa maneira, a produo de sentidos.

    Recorrncia ou parafrstica que obtida pela recorrncia (repetio) de termos, de estruturas (paralelismo), de contedos semnticos (parfrase), de recursos fonolgicos segmentais ou suprassegmentais e de aspectos verbais.

    O paralelismo consiste em repetir uma palavra ou expresso para que se mantenha unidade equilibrada no enunciado.

    Ex.: O ser humano foi criado para a perfeio, para a verdade, para dirigir seus prprios passos, para construir sua histria.

    Observe que o paralelismo foi construdo por meio do uso do termo para.

    Outro modo de estabelecer a coeso sequencial pelo uso de elementos segmentais ou supras-segmentais (ritmo, rima, aliterao, eco etc.). Constri-se a coeso pelo uso dos recursos sonoros, muito explorados nos poemas, como por exemplo, os versos de Fernando Pessoa (heternimo Bernardo Soares) na definio que faz de poeta:

    Autopsicografia

    O poeta um fingidor

    Que finge to completamente

    Que chega fingir que dor

    A dor que deveras sente.

    Se voc ler em voz alta o poema anterior, vai observar como a sonoridade, obtida atravs das rimas (dor e ente), traz um ritmo, uma melodia prpria da poesia.

    Coeso por progresso feita por mecanismos que possibilitam:

    1) manuteno temtica pelo uso de termos de um mesmo campo lexical.

    Ex.: As vozes so agradveis quando sonoras e suaves, falas agudas so destoantes.

    Observe que vozes e falas so termos do mesmo campo.

  • 32

    COMUNICAO E EXPRESSO

    2) encadeamentos que podem se dar por justaposio ou conexidade:

    Justaposio uso de partculas sequenciadoras ou continuativas de enunciados ou sequncias textuais que dizem respeito linearidade e ordenao de partes do texto.

    Ex.: Entre vrios fatores para resolver sua ao, sugiro dois. Em primeiro lugar, voc deve ter um plano de ao; em seguida, p-lo em prtica.

    Voc j deve ter concludo que a justaposio est nas expresses primeiro lugar e em segui-da, que mantm a ordenao do enunciado.

    Encadeamento por conexo ocorre por meio de conectores, das conjunes ou atravs dos operadores do discurso justificao, explicao, concluso.

    Ex.: Luciana apresentou-se de forma competente, logo foi aprovada.

    Voc tem medo porque no sabe correr riscos.

    No primeiro exemplo, a conjuno logo d a ideia de concluso. No segundo, temos uma justifi-cao por meio do uso do operador argumentativo porque.

    A relao entre coeso e coerncia um processo de mo dupla: na produo do texto se vai da coerncia (profunda), a partir da inteno comum, desde o aspecto prtico e do uso de linguagem, do nvel superficial at o mais profundo.

    Muitas vezes, lendo textos, voc pode observar que nem sempre os elementos de coeso so necessrios e nem sempre so suficientes haver necessidade do conhecimento de mundo da colaborao dos interlocutores, de saber em que situao acontecem os dizeres e, por ltimo, a forma em que foram usadas as normas sociais.

    Por outro lado, o mau uso dos elementos lingusticos de coeso pode causar incoerncias locais pela violao de sua especificidade de uso e funo, por exemplo:

    Naquele dia, quando todos aguardavam o resultado da pesquisa, o diretor explicava como seriam desenvolvidos os trabalhos.

    Note como a frase fica incoerente devido ao mau emprego do elemento de coeso quando. Ve-rifique, agora, o sentido:

  • 33

    AULA 3 - COESO E COERNCIA/REVISAR CONECTIVOS

    Naquele dia, enquanto todos aguardavam o resultado da pesquisa, o diretor explicava como seriam desenvolvidos os trabalhos.

    A explicao para o uso de enquanto em lugar de quando est no fato de as aes serem simultneas: todos aguardavam e o diretor explicava. Usamos quando com verbos no pretrito perfeito, tempo esse que expressa ao iniciada e encerrada no passado. Note a diferena no exemplo a seguir:

    Quando os funcionrios souberam o resultado, traaram as metas a serem atingidas.

    Como voc notou, importante conhecer os operadores para o bom uso dos mesmos, evitando incoerncias. Pela sua prpria experincia, voc sabe avaliar o domnio da escrita, analisando um bilhete, uma carta, ou mesmo um carto. Para aperfeioar sua escrita, a elaborao de seus textos, vamos estudar, a seguir, as conjunes e o seu uso.

    CONJUNES QUADRO DE OPERADORES DO TIPO LGICO E DO TIPO DISCURSIVO

    O que nos interessa, neste momento, fazer uma reviso do uso de operadores argumentativos, representados pelo uso das conjunes.

    Celso Ferreira da Cunha (1972, p. 532) conceitua conjunes como: vocbulos gramaticais que servem para relacionar duas oraes ou dois termos semelhantes da mesma orao. Divide-as em: coordenadas e subordinadas e afirma que se percebe facilmente a diferena entre as conjun-es coordenativas e as subordinativas quando comparamos construes de oraes a construes de nomes.

    (1) Estudar e cantar. O estudo e o canto.

    (2) Estudar ou cantar. O estudo ou o canto.

    Vemos que a conjuno coordenativa no se altera com a mudana de construo, pois liga ele-mentos independentes, estabelecendo entre eles relaes de adio, como no primeiro caso, e de alternatividade, como no segundo. Essa a caracterstica das conjunes coordenadas, como o prprio nome diz, elas (co)ordenam sem que haja dependncia entre os elementos.

    Nos enunciados seguintes:

    (3) Quando tiver estudado o assunto, pode ensaiar o canto.

    (4) Depois do estudo, o canto.

  • 34

    COMUNICAO E EXPRESSO

    Note que, no exemplo trs, h dependncia do primeiro termo (quando tiver estudado o assunto) em relao ao segundo (pode ensaiar o canto). J, no exemplo quatro, em lugar da conjuno subordinativa quando, temos uma preposio (depois) que est colocando a dependncia de um elemento a outro. (S depois de ter estudado que pode ensaiar).

    OPERADORES DO TIPO LGICO E DO TIPO DISCURSIVO

    Tendo visto como se organizam os elementos de um perodo, em relao coordenao e su-bordinao, importante situ-los. Portanto, vejamos, entre os recursos que nos auxiliam na manuteno da coeso, quais so os principais operadores argumentativos, cujo papel, no texto, manter a logicidade e oferecer coerncia:

    Tipos de relaes dos operadores do tipo lgico

    Disjuno ou.

    Condicionalidade se, caso, desde que.

    Causalidade j que, visto que, tanto (assim) que, porque, ento, assim, por isso.

    Mediao para que, para, a fim de que.

    Tipos de relaes dos operadores do tipo discursivo argumentativo

    Disjuno ou quando se prope isto ou aquilo.

    Conjuno e, tambm, tanto quanto/como, alm disso, alm de, nem (=e no), no s...mas tambm, ainda -quando se acrescenta, soma.

    Contrajuno e (=mas), mas, no entanto, porm, entretanto, todavia, contudo, embora, apesar de, ainda que, mesmo que quando coloca oposio entre os elementos do perodo.

    Explicao pois, porque, que para justificar ou explicar.

    Concluso assim, portanto, logo, por isso, ento, pois, por conseguinte para demonstrar a que resultado chegamos.

    Se voc prestar ateno ao que fala, ou l, ver que os operadores lgicos e argumentativos pon-tuam todo o dizer. Essas expresses do sentido e organizam logicamente a nossa comunicao, seja oral ou escrita.

  • 35

    AULA 3 - COESO E COERNCIA/REVISAR CONECTIVOS

    COERNCIA

    Coeso e coerncia so duas faces do mesmo fenmeno.

    Define-se coerncia textual como uma lgica interna que deve existir para dar verossimilhana e verdade ao texto.

    A incoerncia pode acontecer quando:

    1. O locutor usa dois processos verbais em duas fases distintas de sua realizao, como em: (por processos verbais entendem-se fatos acontecidos em determinado perodo de tempo).

    Ex.: Maria j tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda estava lavando roupa.

    Observamos que, no exemplo, acontece o uso do verbo tinha lavado que d ideia de processo acabado e ainda estava lavando, ideia de processo no acabado.

    Seria correto dizer:

    Maria j tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda no tinha passado a ferro.

    2. H uma relao de oposio contrariando a relao de causa que parece ser a mais plausvel e esperada, como no exemplo:

    Ex.: Joo no foi aula, entretanto estava doente.

    Vamos notar que a ligao entre as duas partes do perodo no esto coesas, porque o termo entretanto d ideia de oposio. Deveria ser usada uma relao de causa, no caso, uma das conjunes: pois, porque, devido ao fato de..., entre outras.

    Ento a construo da frase fica assim:

    Joo no foi aula porque estava doente. Ou, pois estava doente. Ou ainda, Joo no foi aula devido ao fato de estar doente.

    3. por contrariar o conhecimento geral, como em:

    Ex.: A galinha estava grvida.

    Julgar se um texto coerente ou no, depende:

    A da combinao entre os elementos lingusticos do texto.

    Vamos ver como, na letra de guas de Maro, h uma combinao dos elementos lingusticos:

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    COMUNICAO E EXPRESSO

    GUAS DE MAROTom Jobim

    pau, pedra, o fim do caminho,

    um resto de toco, um pouco sozinho

    um caco de vidro, a vida, o sol,

    a noite, a morte, um lao, o anzol

    peroba do campo, o n da madeira,

    Caing, candeia, o Matita Pereira

    madeira de vento, tombo da ribanceira,

    o mistrio profundo, o queira ou no queira

    o vento ventando, o fim da ladeira,

    a viga, o vo, festa da cumeeira

    a chuva chovendo, conversa ribeira,

    Das guas de maro, o fim da canseira

    o p, o cho, a marcha estradeira,

    Passarinho na mo, pedra de atiradeira

    uma ave no cu, uma ave no cho,

    um regato, uma fonte, um pedao de po

    o fundo do poo, o fim do caminho,

    No rosto o desgosto, um pouco sozinho

    um estrepe, um prego,

    uma ponta, um ponto, um pingo pingando,

    uma conta, um conto

    um peixe, um gesto, uma prata brilhando,

    a luz da manh, o tijolo chegando

    a lenha, o dia, o fim da picada,

    a garrafa de cana, o estilhao na estrada

    o projeto da casa, o corpo na cama,

    o carro enguiado, a lama, a lama

    um passo, uma ponte, um sapo, uma r,

    um resto de mato, na luz da manh

    So as guas de maro fechando o vero,

    a promessa de vida no teu corao

  • 37

    AULA 3 - COESO E COERNCIA/REVISAR CONECTIVOS

    uma cobra, um pau, Joo, Jos,

    um espinho na mo, um corte no p

    So as guas de maro fechando o vero,

    a promessa de vida no teu corao

    um passo, uma ponte, um sapo, uma r,

    um belo horizonte, uma febre ter

    So as guas de maro fechando o vero, a promessa de vida no teu corao,

    pau, pedra,...

    (Disponvel em: .)

    Para valorizar o que diz o poeta Tom Jobim, ns, os leitores, devemos produzir nossa leitura. Ima-gine a poca do ano de que o texto fala: o fim do vero, as guas de maro chegando. Imagine-se passeando por um local de veraneio, e acompanhe o poeta no seu trajeto. A coerncia do texto se estabelece pelos elementos da natureza, que ele descreve, como numa pintura em que o verbo ser (, so) define a construo da paisagem, pequenas coisas que fazem o dia a dia desta poca do ano. Por outro lado, essa descrio de uma natureza viva, no trajeto do poeta, abre para o verso magnfico que a proposta do autor: a promessa de vida no teu corao. O fim de uma estao como o vero, traz em seu bojo a promessa de novo tempo. Como as chuvas de maro renovam a natureza, tambm teu corao ser renovado, essa a promessa.

    Esse modo de ler, num texto como guas de Maro, o autor o apresenta com a inteno de que seja um texto, e ns, leitores, agimos cooperativamente e aceitamos a sequncia como um texto e procuramos determinar-lhe o sentido.

    B Do conhecimento prvio sobre o mundo em que o texto se insere.

    Um exemplo a fbula do lobo e do cordeiro, em que h incoerncia nas afirmaes do lobo, mas a coerncia se faz para obter o resultado desejado: a lio de moral da fbula.

    Exemplo:

    O LOBO E O CORDEIROVendo um lobo que certo cordeirinho matava a sede num regato, imaginou um pretexto qualquer para devor-lo. E embora se achasse mais acima, acusou-o de sujar-lhe a gua que bebia. O cordeiro explicou-lhe que bebia apenas com a ponta dos beios e, alm disso, que, estando mais abaixo, nunca poderia turvar-lhe o lquido. O lobo exposto ao ridculo, insistiu:

    No ano passado, ofendeste meu pai.

    No ano passado, eu no tinha nascido, replicou o cordeiro. (ESO

    PO. E

    NCI

    CLO

    PD

    IA U

    NIV

    ERSA

    L D

    A

    FBU

    LA, v

    . 3. p

    . 76)

  • 38

    COMUNICAO E EXPRESSO

    O lobo, ento replicou:

    Tu te defendeste muito bem. Mas nem por isso vou deixar de te devorar.

    Moral: Contra a fora no h argumentos.

    (ESO

    PO. E

    NCI

    CLO

    PD

    IA U

    NIV

    ER-

    SAL

    DA

    F

    BULA

    , v. 3

    . p. 7

    6)

    Observe que a argumentao do cordeiro nega a afirmao do lobo, mostrando o quanto ele est incoerente. No entanto, o que d a coerncia ao texto o desejo do autor de mostrar que contra a fora no h argumentos. a denncia da lei do mais forte.

    C Do tipo de texto.

    Se for uma propaganda, ou um outdoor preciso que se tenha conhecimento de mundo, das circunstncias em que aquele texto foi produzido. Por exemplo, se for uma receita, ter um com-portamento adequado, se for uma carta, agir cooperativamente, e assim por diante, verificando qual tipologia textual.

    Por exemplo:

    Caro Amigo Francisco. Em minha viagem pelo Chile, lembrei-me de ti, por isso escolhi esse carto postal dos lagos chilenos, com a inteno de que te animes e faas esse passeio com tua esposa. V que maravilha! Um abrao de teu companheiro de luta.

    Pedro

    Esse um texto caracterstico dos cartes postais.

    A coerncia, s vezes, subjacente, subentendido, ligado a fatores histricos e scio-culturais, que podem ser:

    Inteno comunicativa Deve responder pergunta: o que desejo comunicar? H uma cano de protesto que diz: Tudo est to certo como dois e dois so cinco. Se ficarmos no limite da matemtica, veremos que h uma incoerncia, mas se pensarmos que esses versos esto denunciando um perodo histrico em que no havia liberdade de expres-so, veremos que a inteno comunicativa dizer que tudo est errado.

    Formas de influncia do falante na situao de fala preciso compreender que, conforme o lugar social que o falante ocupa, sua fala pode ter mais fora, por ele gozar de influncia. Por exemplo, a fala do diretor da empresa tem mais fora que a fala do empregado.

    Regras sociais determinadas pelos lugares sociais Existem expresses tpicas que compem as regras sociais. Por exemplo: h formas de cortesia para velrios, casamen-

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    AULA 3 - COESO E COERNCIA/REVISAR CONECTIVOS

    tos, aes jurdicas. Por exemplo, seria uma gafe enorme algum chegar num velrio em que a me chora a perda de seu filho dizer: Meus parabns.

    Vimos vrias formas de manter a coerncia, de dar sentido ao que escrevemos e de observar como se pode atribuir sentido ao que lemos. Procure praticar o que foi exposto anteriormente para assegurar qualidade e verdade a seus trabalhos.

    TIPOS DE COERNCIA

    Agora, aprimorando ainda mais nossa competncia em relao coerncia, vamos ver como se identificam os tipos de coerncia nas diversas formas comunicativas.

    Coerncia semntica a relao entre significados dos elementos das frases em sequncia em um texto. Observe a incoerncia semntica (significado) das expresses a seguir:

    Exemplo 1 executar problemas. Qual o sentido de executar problemas? Executar tem o sentido de realizar, como em executar uma tarefa. Ento, a incoerncia est em dizer que em lugar de resolver problemas, o autor da fala est dizendo que vai criar mais problemas.

    Exemplo 2 cuidar do stress. O sentido do verbo cuidar est relacionado com a ideia de proteo, de dar cuidados especiais, como por exemplo, cuidar da plantinha, cuidar da criana. Da ficar claro que a incoerncia se faz presente pelo fato de o autor da fala, em lugar de eliminar o stress, cuida dele permitindo que ele cresa, floresa.

    Exemplo 3 correr atrs do prejuzo. Neste caso, claramente, notamos a incoerncia. Se o autor da fala corre atrs do prejuzo, este estar sempre frente dele, no havendo meios de sanar o prejuzo.

    Exemplo 4 risco de morte. Risco de morrer todos ns corremos. Afinal, a morte certa. O que deve ser dito correr risco de vida, uma vez que a vida corre perigo.

    So expresses do cotidiano em que o sentido contradiz o que se deseja, mas so to corriqueiras que nem sempre o locutor se d conta de que est sendo incoerente. Mas no vamos esque-cer que, para dar sentido a essas expresses, precisamos verificar em que contexto elas foram faladas.

    Coerncia estilstica o uso do registro de linguagem numa situao comunicativa. Se culto, no introduzir gria ou expresses populares. Se, para dar cor ou imprimir maior comunicabilidade, for necessrio usar gria no registro culto, o que se pode fazer introduzir expresses como: Se me permitirem o termo... ou Para usar uma palavra bem expressiva....

    Exemplo: Nossa vida nem sempre atende s nossas expectativas. As decepes e os desencontros fazem parte do cotidiano, mas nem por isso, se me permitirem o termo, pode-se chutar o pau da barraca.

  • 40

    COMUNICAO E EXPRESSO

    Coerncia pragmtica Os atos de fala devem satisfazer as mesmas condies presentes em uma dada situao comunicativa. Todo o dizer traz uma consequncia. Por exemplo:

    para pedido coerente atendimento

    pedido recusa justificativa

    uma situao bvia: quando se faz um pedido, em um ato de fala, podemos ter duas situaes, a primeira, atender ao que est solicitado; a outra, recusar. Observe as duas possibilidades no trecho a seguir:

    Exemplo:

    Pode me emprestar o carro? (pedido)

    No posso, hoje eu vou viajar. (recusa e justificativa de porque no pode emprestar o carro)

    Ou ento:

    Aqui est a chave. (atendimento)

    Veja outro exemplo:

    O namorado prometeu ir ao cinema com a namorada.

    Pela nossa experincia pessoal, sabemos que a namorada espera que a promessa se cumpra se no der para ir ao cinema, o namorado deve-se justificar e muito bem...

    Dessa forma, podemos perceber que coerncia a unidade de sentido do texto: nada ilgico, contraditrio ou desconexo.

    NVEIS DE COERNCIA

    Um texto bem escrito deve ter coerncia, mas ela se organiza em diversos nveis: para a narrativa, h um percurso; para argumentao, os operadores; para descries, as imagens figurativas. O que veremos como esses nveis se articulam.

    Estudando a narrativa, Fiorin e Savioli (1997, p. 56) propem quatro fases para melhor estruturar o texto. So elas:

    manipulao algum induzido a querer ou dever realizar uma ao;

    competncia adquire um poder ou um saber para realizar aquilo que deve ou quer;

    performance quando realiza a ao;

    sano recompensa ou castigo pelo que realizou.

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    AULA 3 - COESO E COERNCIA/REVISAR CONECTIVOS

    Vamos exemplificar esses nveis de coerncia atravs da histria infantil A Cinderela. Vejamos:

    A manipulao vai acontecer quando a Cinderela quer ir ao baile em que o prncipe vai escolher uma princesa por esposa.

    A competncia externa, quando a fada madrinha aparece e faz as transformaes. Quem torna a Cinderela competente para ir ao baile a fada.

    A performance ocorre quando Cinderela vai ao baile e dana com o prncipe, deixando-o encan-tado por ela.

    Na histria, Cinderela sofre duas sanes, uma negativa outra positiva. A negativa acontece quando perde a noo da hora e ouve o relgio marcar as doze badaladas da meia-noite, e tudo volta ao que era antes de a fada madrinha ter feito a transformao. A positiva ela ser final-mente reconhecida pelo prncipe e ser a escolhida.

    Veja, a seguir, algumas formas de incoerncia narrativa:

    1. forma As quatro fases se pressupem, a posterior depende da anterior. Constitui--se incoerncia narrativa uma performance de algum sem a competncia; ou a sano, sem a performance. Um exemplo o processo de Kafka. Nesta obra, um trabalhador preso, julgado e condenado sem ter feito nada. Embora ningum ache culpa nele, ele condenado. Se ele foi preso, porque fez alguma coisa. A obra uma crtica aos gover-nos ditatoriais.

    2. forma Se um personagem adquire objeto de um outro, este deixa, portanto, de possu-lo. Mas se, por exemplo, numa parte do texto, est dito que uma mulher vendeu um colar de prolas negras, ela no pode aparecer, em outra parte, usando tal colar, sem outras explicaes anteriores.

    3. forma Com relao caracterizao dos personagens e s aes a eles atribudas a dupla face precisa ser esclarecida , o leitor deve ter o domnio do que est sendo explicitado. Se, no texto, aparece um mendigo, que, na verdade, uma pessoa que tem poder, riqueza, mas que, para resolver uma determinada situao, est somente se fazendo passar por mendigo, isso deve ser explicado.

    Observamos, portanto, que a coerncia fundamental para a comunicao, pois quando um texto apresenta uma das formas anteriores de incoerncia fica evidente, para o leitor, que algo no est funcionando na narrativa.

  • 42

    COMUNICAO E EXPRESSO

    COERNCIA FIGURATIVA

    a articulao harmnica das figuras do texto com base na relao de significado que mantm entre si. As figuras devem constituir um bloco temtico. A ruptura pode produzir efeitos descon-certantes s vezes, essa ruptura produz a stira, a ironia, a ridicularizao. Por exemplo: Num convite para festa, est explicado que o traje ser vontade e a festa ao ar livre, uma pessoa que comparea de smoking ou com vestido longo de seda pura, estar em desarmonia, perto do ridculo.

    COERNCIA ARGUMENTATIVA

    Ocorre quando, no texto, h um jogo de pressupostos, dados e inferncias, de que se tiram con-cluses que conduzem para onde se deseja chegar. Se os pressupostos no permitirem as conclu-ses desejadas, h a incoerncia argumentativa. preciso sempre ter em mente a que concluso se deseja chegar. Por exemplo: Um chefe quer que seus subalternos cumpram horrios, sejam pontuais. Alm de estabelecer esses horrios claramente, ele tambm deve dar o exemplo para que haja coerncia.

    Toda linguagem argumentativa, porque desejamos que o interlocutor aceite nossos pontos de vista. Por isso, fundamental desvendar, no texto, os pressupostos e subentendidos, alm de manter a coerncia de atitudes diante do que afirmamos.

    CONHECIMENTO DE MUNDO

    Entendemos por conhecimento de mundo nossa experincia de vida. Alguns autores usam a expresso biblioteca vivida, outros, repertrio de ideias. Vamos usar a expresso que usada por Koch.

    O nosso conhecimento de mundo desempenha um papel decisivo no estabelecimento da coerncia: se o texto falar de coisas que absolutamente no conhecemos, ser difcil calcularmos o seu sentido e ele nos parecer destitudo de coerncia. o que aconteceria a muitos se nos defrontssemos com um tratado de fsica quntica. (KOCH, 1995, p. 60)

    Adquirimos esse conhecimento medida que vivemos, tomamos contato com o mundo que nos cerca e experienciamos uma srie de fatos. Mas, ele no arquivado na memria de maneira catica: vamos armazenando os conhecimentos em blocos que se denominam modelos cogniti-vos. Segundo Koch e Travaglia (1995, p. 60), existem diversos tipos de modelos cognitivos. Entre eles, vale citar:

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    AULA 3 - COESO E COERNCIA/REVISAR CONECTIVOS

    Os frames conjuntos de conhecimentos armazenados na memria debaixo de um certo rtulo, sem que haja qualquer ordenao entre eles. Ex.: Carnaval: confete, serpen-tina, desfile, escola de samba, bloco, fantasia, abad, baile etc.

    Os esquemas conjuntos de conhecimentos armazenados em sequncia temporal ou causal. Ex.: pr um aparelho a funcionar, a rotina do dia de cada pessoa.

    Os planos conjunto de conhecimentos sobre como agir para atingir determinado obje-tivo. Ex.: como vencer uma partida de xadrez.

    Os scripts conjunto de conhecimentos sobre modos de agir, altamente estereotipados em dada cultura, inclusive em termos de linguagem. Ex.: formas de cortesia, as praxes jurdicas.

    As superestruturas ou esquemas textuais conjunto de conhecimento sobre os diver-sos tipos de textos, que vo sendo adquiridos proporo que temos contato com esses tipos e fazemos comparao entre eles. Ex.: conseguir decodificar as metforas de um texto.

    importante que locutor e alocutrio partilhem conhecimentos para que um texto possa ter sentido e coerncia. No caso do estudante, por exemplo, ele traz para a academia um mundo de conhecimento e, a partir do estudo, novas informaes vo-se acrescentando. Dizemos que h a informao velha e a nova. Para que um texto seja coerente, preciso haver um equilbrio entre o conhecimento de mundo e a informao nova. Se um texto contivesse apenas informaes novas, seria ininteligvel, pois faltariam ao alocutrio as bases, as ncoras a partir das quais ele pode proceder ao processo cognitivo do texto. Por outro lado, se houvesse apenas informao de conhecimento de mundo j dada, o texto seria redundante, isto , seria um texto circular, prximo do crculo vicioso.

    AS INFERNCIAS

    Inferncia a operao pela qual, utilizando seu conhecimento de mundo, o alocutrio de um texto estabelece uma relao no explcita entre dois elementos do texto que ele busca com-preender e interpretar.

    Quase todos os textos exigem que se faam inferncias para poder compreend- -los integralmente. Todo texto se assemelha a um iceberg o que fica tona a parte explicitada do texto e uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou seja, implcito.

    Ex.: Paulo comprou um Audi novinho em folha.

    Que ideias podem estar implcitas nessa afirmao? Conforme o contexto, podem estar implcitas as seguintes ideias: Paulo tem um carro novo. Paulo tinha recursos para comprar o carro. Paulo rico. Paulo melhor companhia que voc, que no tem carro.

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    COMUNICAO E EXPRESSO

    Observe o dilogo:

    A campainha!

    Estou de camisola.

    Tudo bem!

    As inferncias permitem que o alocutrio entenda:

    A campainha est tocando, v atender.

    No posso, estou de camisola.

    Tudo bem, deixe que eu atendo.

    Ao ler o texto do Professor Jos Luis Fiorin, publicado na revista Lngua Portuguesa, de setembro de 2009, voc vai ver que perceber o que h em tudo aquilo que se apresenta nossa frente um dos desafios da interpretao dos discursos implcitos.

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    AULA 3 - COESO E COERNCIA/REVISAR CONECTIVOS

    O DITO PELO NO DITOA todo momento multiplicam-se os exemplos cotidianos que mostram como o contedo implcito dos atos de fala comunica muito mais do que aparenta

    Jos Luiz Fiorin

    Na edio passada de Lngua, mostramos que os contedos de nossos atos de fala podem ser explcitos ou implcitos. Estes ltimos so inferncias. Classificam-se em pressupostos e suben-tendidos. Vimos que os pressupostos so contedos implcitos que decorrem necessariamente de uma palavra ou expresso presente no ato de fala produzido.

    Assim o jornalista Mathew Shirts escreveu [...] acabara, havia pouco, O homem do Avesso, de Fred Vargas, um policial francs, mas interessante. (O Estado de S. Paulo, 3/10/2005). Nessa frase h cinco informaes explcitas:

    (1) tinha acabado de ler um livro; (2) o livro era um romance policial; (3) o romance foi escrito por Fred Vargas; (4) a autora francesa; (5) o livro interessante.

    Da ligao com a conjuno adversativa mas decorre a informao implcita de que todos os romances policiais franceses so chatos.

    Observe-se que os contedos postos (explcitos) se constroem sobre os pressupostos. Se o autor no julgasse que os romances policiais franceses so chatos, no haveria nenhum sentido em notar que esse policial francs e interessante.

    Analisemos agora os subentendidos. Em discurso proferido na Festa da Uva, em Caxias do Sul, o presidente Lula disse:

    Vocs sabem que no Palcio da Alvorada, todas as recepes que ns damos so com vinho brasileiro. E, obviamente, que, de vez em quando voc v gente de outro pas botar na boca e no sentir o mesmo gosto que sente se ele antes passou na Frana para tomar um vinho francs de qualidade. (O Estado de S. Paulo, 18/6/2006)

    O que o presidente deixou subentendido que o vinho brasileiro no de boa qualidade. O subentendido uma informao implcita veiculada por um falante, cuja atualizao depende da situao de comunicao. Qual a diferena entre o subentendido e o pressuposto? Este indiscutvel tanto para o falante quanto para o ouvinte, pois decorre necessariamente de um marcador lingustico. J o subentendido de responsabilidade do ouvinte. O falante pode refugiar-se atrs do sentido literal das palavras e negar que tenha querido dizer aquilo que o ouvinte inferiu.

    No caso do presidente Lula, quando algum lhe declarasse que ele afirmara que os vinhos bra-sileiros no tm boa qualidade, ele poderia simplesmente dizer que apenas estava constatando que as pessoas sentem que tm um gosto diferente daquele do vinho francs. No entanto, na situao de comunicao em que o presidente formulou essa constatao (um almoo ofereci-do por produtores de vinho, em que afirmou que nas refeies oficiais do governo brasileiro s

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    COMUNICAO E EXPRESSO

    se serve vinho brasileiro) nota-se que as pessoas sentem um sabor diferente do vinho francs de qualidade, quando provam a bebida servida no Palcio. Por isso, pode-se perfeitamente inferir que o presidente no tem em alta conta o produto nacional.

    No caso, certamente se trata de um deslize no improviso da fala, mas o subentendido utili-zado, argumentativamente, para que o falante diga alguma coisa sem comprometer-se, pois ele apenas sugere, diz sem dizer.

    O pressuposto uma inferncia que no depende do contexto, enquanto o subentendido est ligado situao de comunicao em que o ato de fala produzido.

    A insinuao e a aluso so dois tipos de subentendidos. O primeiro um implcito maldoso (por exemplo, em X cuida muito bem de seu dinheiro, conseguiu, depois que entrou na polti-ca, aumentar seu patrimnio vinte vezes, est-se insinuando que X corrupto, mas o falante pode dizer que est apenas fazendo uma constatao objetiva e tirando a concluso de que X um bom aplicador de seu dinheiro).

    A aluso um subentendido de contedo licencioso, com conotao sexual; a referncia a um fato do conhecimento de apenas alguns dos envolvidos na troca verbal ou a remisso a conte-dos de outros atos de fala (por exemplo, em Y uma moa, mas uma moa mesmo, pode-se inferir que o falante no quis dizer que Y bem educado e homossexual, quando o governador Alckimin disse que, no seu governo, o Brasil vai crescer pra chuchu, est fazendo remisso ao apelido que lhe foi dado no jornal Folha de S. Paulo por Jos Simo, picol de chuchu).

    Os implcitos tm funo argumentativa muito importante: os pressupostos apresentam como verdade indiscutvel o que no necessariamente incontestvel, aprisionando o interlocutor na lgica criada pelo falante; com os subentendidos, o falante diz, mas sem dizer; no se com-promete com o que insinuou, com o que sugeriu.

    Jos Luis Fiorin professor de Lingustica na USP e autor, entre outros, do livro Lies de Texto.

    Voc imagina se tivssemos que dizer tudo sempre, sem os pressupostos e os subentendidos, sem as aluses e as insinuaes? Teramos uma linguagem redundante, repetitiva. muito importante investigar o que h por trs do dito, o que no est sendo dito, mas est com efeito de sentido e pode ser apreendido num texto, numa fala.

    PRTICA

    Analise a coeso e coerncia presentes (ou ausentes) nos textos a seguir:

    Vamos fazer uma experincia, seguindo a orientao proposta para o conto a seguir: procure os operadores argumentativos e seu significado;

    Estabelea o tipo de coerncia ou incoerncia encontrada no texto;

    Em caso de incoerncia, proponha uma forma coerente;

    Demonstre a presena de implcitos, identificando os pressupostos e subentendidos.

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    AULA 3 - COESO E COERNCIA/REVISAR CONECTIVOS

    CENAS DE UM CASAMENTO(CERCATO, Nilza C. S., 2001)

    Ao acordar, pela manh:

    Eu no suporto mais! Voc incapaz de colocar a toalha molhada no banheiro, deixa sempre em cima da cama!

    Eu que no suporto mais suas reclamaes. Voc s sabe reclamar...

    Mas claro. Olha como voc deixa suas roupas jogadas pela casa toda! Ai, acho que a gente no se entende mais.

    Que porcaria de caf esse, mulher? Frio, fraco, po velho, manteiga dura de congelada! Que droga!

    Ao meio-dia, durante o almoo:

    Voc podia ter adiantado a arrumao da mesa para me ajudar. Eu tenho que fazer tudo nesta casa, e ainda preciso trabalhar...

    T bom... pare de reclamar. Acho que a gente no se entende mais. Eu no consigo te agra-dar, nada do que fao te satisfaz.

    No bem assim... que voc um egosta, s pensa no seu conforto.

    Ah! Que horror, como voc tem coragem de servir uma comida dessas? Sal demais, carne torrada, arroz unidos venceremos. Puxa, mulher...

    Achou ruim, v comer no restaurante, ora.

    noite, aps o jantar:

    Vamos para cama, estou cansado, tive um dia difcil.

    Eu tambm. Meu chefe estava complicando tudo.

    No quarto:

    Luz acesa ou apagada?

    Voc que sabe.

    Vamos deixar acesa, t bom?

    Certo.

    Depois de uns quinze minutos, muitos gemidos e suspiros:

    acho que a gente ainda se entende, no querido?

    E como, meu amor.

  • 48

    COMUNICAO E EXPRESSO

    Numa primeira leitura parece-nos incoerente o casal chegar concluso de que ainda se en-tendem, uma vez que as queixas so constantes e os resmungos de parte a parte desafiam a convivncia pacfica.

    Para manter a coerncia foi usada uma unidade temporal: cena pela manh, ao meio--dia, aps o jantar. Essa diviso em cenas d coeso ao texto. As duas primeiras cenas do nfase para o desentendimento do casal, nas pequenas rotinas que cons-tituem a vida a dois. A frase acho que a gente no se entende mais que apare-ce nas duas cenas preparam o leitor para um desfecho que seria o fim do casamento. No entanto, para surpresa do leitor, na ltima cena, a esposa afirma: acho que a gente ainda se entende ao que o marido responde: e como, meu amor.

    Pelo desenrolar das cenas, verificamos que o texto apresenta coerncia por meio dos implcitos e subentendidos, alm do conhecimento de mundo.

    Agora voc: O que voc acha que tornou o texto coerente?

    Continuando a especulao, pela cena depois do jantar, h coerncia na afirmao do casal de que eles ainda se entendem?

    Leia o perodo que se segue:

    Chegaram instrues repletas de recomendaes para que os enfermeiros e fonoaudilogos participantes do congresso, que, por sinal, acabou no se realizando por causa de fortes chuvas que inundaram a cidade e paralisaram todos os meios de comunicao.

    compreensvel contedo?

    Qual o seu grande defeito?

    D coeso e coerncia notcia, redigindo o texto claramente.

    (Se tiver dvida, consulte a tutoria)

    Escrever bem fruto de exerccio, ler produzindo sentidos da leitura tambm. Mas no o fazemos no espao, sempre temos mo recursos que nos apoiam, facilitam nossa compreenso. Esta aula trata especificamente desses recursos, use-os e voc ter garantido o sucesso no seu empreendi-mento de leitor e de escritor.

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    AULA 3 - COESO E COERNCIA/REVISAR CONECTIVOS

    Sntese

    Observamos e analisamos textos em que a coerncia e a coeso so fundamentais para estabe-lecer o sentido. Tambm vimos como os implcitos compem o quadro comunicativo, sinalizando para a cooperao do leitor. Constatamos que no menos importantes so os operadores argu-mentativos que introduzem as ideias que se subordinam principal. Alm disso, verificamos que o conhecimento de mundo facilita a compreenso e apreenso do sentido.

    Questo para reflexo

    Comente a seguinte afirmao: Coeso e coerncia so duas faces do mesmo fenmeno.

    Leitura indicada

    Para complementar o seu estudo, leia: A construo do sentido no texto: a coeso e a coe-rncia. Voc encontra esse captulo em: KOCH, Ingedore G. Villaa. O Texto e a Construo de Sentido. So Paulo: Contexto, 2000. p. 35.

    Site indicado

    .

    Referncias

    CUNHA, Celso Ferreira da. Gramtica da Lngua Portuguesa. Rio de Janeiro: Fename, 1982.

    ESOPO. Enciclopdia Universal da Fbula. v. 3. Porto Alegre: L&pm Pocket. 1997.

    FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para Entender o Texto. So Paulo: tica, 1997.

    GREGOLIN, M. (Org.). Filigranas do Discurso: as vozes da histria. Araraquara: FCL/Laboratrio Editorial/ UNESP; So Paulo: Cultura Acadmica Editora, 2000.

    JOBIM, Tom. guas de Maro. Disponvel em: . Acesso em: 5 jan. 2012.

    KOCH, Ingedore G. Villaa; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Coerncia Textual. So Paulo: Contexto, 1995.

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    COMUNICAO E EXPRESSO

    KOCH, Ingedore Villaa. O Texto e a Construo de Sentidos. So Paulo: Contexto, 2000.

    ______. Desvendando os Segredos do Texto. 4. ed. So Paulo: Cortez, 2005.

    LYONS, John. Linguagem e Lingustica: uma introduo. Rio de Janeiro: LTC, 1987.

    ORLANDI, Eni P. Discurso e Leitura. Campinas: Cortez/Editora da Unicamp, 1988.

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    AULA 4Fala e escrita, variao, registro, nveis de formalismo

    Seria interessante saber do que o homem tem mais medo: se dar um novo passo ou pronunciar uma nova palavra.

    Hannah Arendt

    N esta aula, vamos trabalhar com as distines entre fala e escrita. Para tanto, veremos os nveis de fala, a linguagem formal e informal, dando nfase especial s varia-es lingusticas.Voc j ouviu dizer que se pode falar de qualquer jeito, por isso a linguagem oral menos correta que a escrita? Voc concorda com isso? Vamos ver como ser sua opinio ao final desta aula.

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    COMUNICAO E EXPRESSO

    FALA E ESCRITA

    As gramticas tratam, em geral, das relaes entre fala e escrita tendo como parmetro a lngua escrita. Esse procedimento dirige para uma viso um tanto preconceituosa, valorizando a lngua escrita como a fonte, quando, na verdade, o indivduo aprende, em primeiro lugar, a fala e depois a escrita.

    Quando a criana entra na escola, mesmo nos anos iniciais, j domina a fala, expe suas opinies, tem conscincia de proximidade, distncia inclusive de tamanho. Nessa perspectiva, preciso verificar:

    como se processa a linguagem oral, isto , como funciona a linguagem oral;

    quais os pontos de contato e afastamento entre a linguagem oral e a escrita;

    quais os componentes em evidncia no ato de fala e na escrita, quer dizer, o que evidente no momento da fala e no ato de escrever, mas, principalmente;

    como se tecem as habilidades orais e escritas na estrutura da lngua, como ns usamos nossa capacidade de comuni