aplicaÇÕes terapÊuticas de drogas ilÍcitas · extensa literatura e medicamentos registrados à...

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE FARMÁCIA Bruno Cuzzoni APLICAÇÕES TERAPÊUTICAS DE DROGAS ILÍCITAS RIO DE JANEIRO 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE FARMÁCIA

Bruno Cuzzoni

APLICAÇÕES TERAPÊUTICAS DE DROGAS ILÍCITAS

RIO DE JANEIRO

2017

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Bruno Cuzzoni

APLICAÇÕES TERAPÊUTICAS DE DROGAS ILÍCITAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do

Rio de Janeiro como parte dos requisitos necessários

à obtenção do grau de Farmacêutico.

Orientadora: Profa. Dra. Virgínia Martins Carvalho

Rio de Janeiro

2017

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, principalmente, ao maior responsável pela minha vida: eu mesmo.

Agradeço à minha mãe, Leila, a qual, por estarmos longe da minha família, do outro

lado do Oceano Atlântico, criou-me sozinha.

Agradeço ao meu tio Vitor, o qual com suas habilidades empresariais e seus

conhecimentos sobre empresas privadas me guiou a ser o melhor profissional nos

setores que coincidiam com meu perfil.

Agradeço ao meu avô, Dino, o qual, mesmo morando em outro país, vinha ao Brasil

para acompanhar meus estudos.

Agradeço aos meus amigos pelo apoio que me ofereceram ao longo da minha

jornada.

Agradeço a Deus por tudo que há de bom no mundo.

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RESUMO

CUZZONI, Bruno. Aplicações terapêuticas de drogas ilícitas. Rio de

Janeiro, 2017. Trabalho de Conclusão de Curso - Faculdade de Farmácia,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.

O uso de drogas ilícitas no mundo é, de fato, um grande problema que atinge todos

os níveis: político, econômico e social. O principal uso de drogas ilícitas é o

“recreativo”, cujo contexto de uso está relacionado à diversão, à interação social, à

fuga dos problemas pessoais, etc. O potencial em causar efeitos adversos,

relacionados a distúrbios psiquiátricos, de drogas como cannabis, ecstasy (MDMA),

ácido lisérgico (LSD), cocaína (COC), e dimetiltriptamina (DMT) é,

inquestionavelmente, uma barreira para o uso em tratamentos medicamentosos. Por

outro lado, após um longo período de banimento dessas drogas, o interesse no uso

médico-farmacêutico vem ressurgindo. Portanto, o presente trabalho consistiu na

compilação dos efeitos farmacológico-terapêuticos destas drogas, assim como seus

respectivos potenciais terapêuticos por meio de uma revisão de literatura em bases

de dados científicas e agências regulatórias. Os resultados mostraram que todas as

drogas abordadas possuem potencial de tratamento de diferentes enfermidades e o

número de estudos clínicos registrados é mais expressivo para cannabis, menos

freqüente para MDMA e raros para, COC ou coca, DMT e LSD. Enquanto há uma

extensa literatura e medicamentos registrados à base de cannabis comprovando sua

eficácia e segurança para uso medicamentoso, há poucos estudos que sustentem a

eficácia e segurança das demais drogas abordadas.

Palavras-chave: drogas ilícitas, potencial terapêutico, substâncias proibidas, uso

medicinal.

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ABSTRACT

CUZZONI, Bruno. Therapeutic applications of illicit drugs. Rio de Janeiro,

2017. Work of Course Conclusion - Faculty of Pharmacy, Federal University of Rio

de Janeiro, 2017.

The use of illicit drugs in the world is, in fact, a major problem that reaches all

levels: political, economical and social. The main use of illicit drugs is "recreational",

whose context of use is related to fun, social interaction, escape from personal prob-

lems, etc. The potential to cause adverse effects related to psychiatric disorders of

drugs such as marijuana, ecstasy (MDMA), lysergic acid (LSD), cocaine (COC), and

dimethyltryptamine (DMT) is unquestionably a barrier to its use in medical treat-

ments. On the other hand, after a long period of banning these drugs, the interest in

its medical-pharmaceutical use has resurfaced. Therefore, the present work consist-

ed in compiling the pharmacological-therapeutic effects of these drugs, as well as

their respective therapeutic potentials through a literature review in scientific data-

bases and regulatory agencies. The results showed that all the drugs studied have

potential for treatment of different diseases and the number of clinical studies regis-

tered is more expressive for cannabis, less frequent for MDMA and rare for COC or

coca, DMT and LSD. While there’s an extensive literature about cannabis-based

drugs, thus proving its efficacy and safety for medical use, there are fewer studies

that support the efficacy and safety of the other remaining drugs.

Keywords: Illicit drugs, therapeutic potential, prohibited substances, medicinal use.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Planta Cannabis sativa L.............................................................................15

Figura 2: Estrutura química do canabidiol e do Δ9-Tetrahidrocanabinol...................15

Figura 3: Ilustração da folha de coca.........................................................................18

Figura 4: Estrutura química da cocaína......................................................................19

Figura 5: Estrutura química da dimetiltriptamina........................................................23

Figura 6: Fórmula estrutural do LSD..........................................................................26

Figura 7: Estrutura química do MDMA.......................................................................32

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 8

2 OBJETIVOS ........................................................................................................................ 11

2.1 Objetivo geral ............................................................................................................... 11

2.2 Objetivos específicos .................................................................................................. 11

3 METODOLOGIA ................................................................................................................. 12

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................................................... 13

4.1 REGULAÇÃO NACIONAL ......................................................................................... 13

4.2 CONHECENDO A CANNABIS ................................................................................. 14

4.2.1 FARMACOLOGIA E POTENCIAL TERAPÊUTICO DA CANNABIS ........... 16

4.3 CONHECENDO A COCA .......................................................................................... 18

4.3.1 FARMACOLOGIA E POTENCIAL TERAPÊUTICO DA COCA .................... 20

4.4 CONHECENDO A DIMETILTRIPTAMINA .............................................................. 23

4.4.1 FARMACOLOGIA E POTENCIAL TERAPÊUTICO DA

DIMETILTRIPTAMINA (DMT) E DA AYAHUASCA. ............................................................. 26

4.5. CONHECENDO O ÁCIDO LISÉRGICO DE DIETILAMIDA (LSD) .................... 28

4.5.1 FARMACOLOGIA E POTENCIAL TERAPÊUTICO DO LSD ....................... 30

4.6 CONHECENDO O 3,4-METILENO-DIOXIMETAMFETAMINA (MDMA) ........... 32

4.6.1 FARMACOLOGIA E POTENCIAL TERAPÊUTICO DO 3,4-METILENO-

DIOXIMETAMFETAMINA (MDMA) ......................................................................................... 34

5 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 36

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1 INTRODUÇÃO

A principal lei relacionada à regulamentação de drogas ilícitas no Brasil é a

“Lei Nº11343, de 23 de agosto de 2006”, também conhecida por Lei de Drogas que

norteia o código penal em relação às substância que podem causar dependência, de

acordo com esta lei define-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes

de causar dependência que foram especificados em lei ou relacionados em listas

atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União” (BRASIL, 2006), no

caso tais listas são de responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária

(ANVISA) que através da Portaria Nº 344, de 12 de maio de 1998 e suas

atualizações determina o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos

sujeitos a controle especial (BRASIL 1998).

O quarto Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV)

definiu como abuso de substâncias a incapacidade de cumprir obrigações

importantes; a utilização repetida das mesmas em situações que seriam fisicamente

perigosas fazê-lo; a ocorrência de problemas legais múltiplos e conflitos sociais e

interpessoais recorrentes. Em contrapartida, o manual traz também a definição de

dependência, que inclui a tolerância, a abstinência e um padrão de utilização

compulsivo do usuário (APA, 2002). A atualização mais recente do DSM (DSM-V)

não separa os diagnósticos de abuso e dependência, criando uma nova perspectiva

sobre os usuários, que são agrupados no capítulo Transtornos Relacionados a

Substâncias, acompanhado por critérios para intoxicação, abstinência, transtornos

induzidos por substâncias e transtornos relacionados a substâncias não

especificados, quando relevante.Atualmente, a Classificação Internacional de

Doenças (CID-10) e o DSM-V são referências internacionais para classificação e

diagnóstico de transtornos mentais, que estão harmonizados pela denominação

diagnóstica e pela codificação alfanumérica da CID (AMERICAN PSYCHIATRIC

ASSOCIATION, 2013).

Apesar do padrão de uso abusivo ser muito evidente quando se trata de

drogas lícitas como o tabaco e o álcool e ilícitas como maconha, cocaína,

metanfetamina, etc. o abusivo de drogas que requerem prescrição médica como

anorexígenos derivados anfetamínicos, benzodiazepínicos, barbitúricos, opióides,

etc. também ocorre (MOTA et al., 2010).

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Podemos, didaticamente, dividir as drogas em duas diferentes categorias

quanto ao seu tipo de origem: as naturais e as sintéticas. As drogas naturais são

devidamente encontradas na natureza enquanto que as drogas sintéticas são

fabricadas em laboratórios, exigindo, portanto, um processo de síntese laboratorial.

A prática do uso de drogas é constitutiva da história e cultura da humanidade e o

debate quanto ao risco e benefício de seu uso é uma constante na era moderna na

medida em que a forma e quantidade que se usa uma droga implica, diretamente,

nos seus consequentes benefícios ou malefícios. No plano internacional, o controle

das drogas psicotrópicas é feito através de tratados, acordos ou convenções

celebrados pelos países membros das Nações Unidas. Apesar do consumo de

substâncias ser tão antigo quanto a humanidade, somente no início deste século é

que iniciaram as primeiras tentativas de controle do consumo e do tráfico de drogas

a nível internacional, tais como, a Conferência de Shangai em 1909 que tratou

principalmente do ópio indiano enviado à China. Após a Conferência de Shangai,

houve em 1912 a “Convenção de Haia” onde se estabeleceu as regras

internacionais para a produção e a comercialização da morfina, heroína e cocaína. A

implantação desta convenção internacional acabou sendo prejudicada pela Primeira

Guerra Mundial, entrando em vigor apenas em 1921. Foi, também, em 1921 que

ocorreu a “Criação da Comissão Consultiva do Ópio e Outras Drogas Nocivas” a

qual gerou a “Liga das Nações” que resultou na “Comissão das Nações Unidas

sobre Drogas Narcóticas”. Em 1924 ocorreu a “Conferência de Genebra” que

resultou no “Acordo de Genebra” e, ainda a “Conferência de Bangkok” em 1931

novamente tratou do controle internacional de drogas psicotrópicas (IMESC, 2012).

Como apresentado, vários acordos internacionais foram assinados em

diversas convenções, mas foi somente em 1961 que a “Convenção Única de Nova

Iorque sobre Entorpecentes” consolidou o controle e a criminalização de várias

substâncias psicotrópicas determinando que os países membros estabelecessem

seu controle interno de forma rigorosa para atender a convenção. Assim, várias

medidas foram estabelecidas, tais como, restrições especiais ao uso e comércio das

substâncias listadas, esquematização do procedimento para a inclusão de novas

substâncias, fixação da competência das Nações Unidas em matéria de fiscalização

internacional de entorpecentes, disposição sobre as medidas que deveriam ser

adotadas no plano nacional para reprimir o tráfico e medidas de cooperação

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internacional, inclusive as disposições penais, recomendando que todas as formas

dolosas de tráfico e produção de entorpecentes em desacordo com as regras

fossem punidas adequadamente e recomendou-se, aos que fazem uso abusivo de

drogas, o devido tratamento médico e que fossem criadas facilidades à sua

reabilitação (IMESC, 2012).

A Convenção Única de Nova Iorque sobre Entorpecentes sofreu atualizações,

sendo a primeira em 1971, chamada de “Convenção sobre Substâncias

Psicotrópicas” onde atualizou-se as formas de controle sobre diversas drogas

sintéticas tanto de acordo com seu potencial de dependência quanto de seu uso

terapêutico (UNODC, 2017). A segunda atualização foi em 1988 denominada

“Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas”

onde foram estabelecidas medidas abrangentes contra o tráfico de drogas, inclusive

métodos contra a lavagem de dinheiro e o fortalecimento do controle de percussores

químicos. Além disse essa atualização estabeleceu o modelo de cooperação

internacional por meio, por exemplo, da extradição de traficantes de drogas, seu

transporte e procedimentos de transferência. A última atualização foi em 1990

denominada “Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias

Psicotrópicas” havendo a inserção de precursores químicos, tais como, éter etílico e

acetona (IMESC, 2012).

Toda a regulação em relação ao uso de drogas psicotrópicas se deu porque a

sociedade moderna por diversas razões tem a percepção de que o abuso de drogas

é um problema grave. O uso abusivo de drogas, lícitas e ilícitas tanto à saúde

quanto à segurança pública constituindo um problema social no Brasil de difícil

controle (SOUZA, KANTORSKI, 2007). Nesse sentido, embora tenhamos diversos

avanços na ciência e na tecnologia, a forma de lidarmos com esse problema

complexo não se modernizou adequadamente, especialmente no Brasil,

considerando que a percepção de violência relacionada ao tráfico e uso de drogas

tem piorado.

Nas Américas é notório como o tráfico de cocaína e cannabis estão

associados ao crime organizado e à violência urbana, mas as políticas de repressão

ao usuário, por meio do encarceramento, têm se revelado mundialmente ineficientes

e propostas de legalização das drogas como forma de combater o crime organizado

associado ao tráfico e suas conseqüências têm surgido (UNODC, 2015).

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No Brasil muitas políticas nacionais de controle de drogas foram

implementadas, por exemplo, a Lei 10.216/2001 a qual dispõe, dentre outras coisas,

quanto à reinserção em sociedade de usurários de drogas (BRASIL, 2001), a

Política Nacional sobre Drogas (PNAD) regulamentada pela Resolução nº 03/2005

(BRASIL, 2005), o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD)

criado pela Lei 11.343/2006 e regulamentado pelo Decreto nº 5.912/2006 (BRASIL,

2006), o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas,

regulamentado pelo Decreto nº 7179/ 2010. Tais políticas representam as tentativas

em âmbito nacional para erradicar o consumo das drogas ilícitas e, se eficazes

deveriam representar atitudes pragmáticas para responder com eficácia à

problemática do uso de drogas (SOUZA, KANTORSKI, 2007), no entanto a situação

atual de saúde e segurança pública permite inferir sem lançar mão de referências

científicas que está longe de ser considerado o ideal.

Se de um lado existe uma intensa rejeição sobre o uso recreativo de drogas,

por outro, estudos de diferentes áreas vem mostrando o ressurgimento do uso

terapêutico de drogas ilícitas, um caso emblemático é a recente regulação do uso

terapêutico da Cannabis sativa e seus derivados no Brasil. Mas além da cannabis,

outras substâncias vêm tendo seu potencial terapêutico estudado. Desta forma este

trabalho descreve as aplicações terapêuticas de algumas plantas e substâncias

ilícitas com a ambição de trazer informações científicas para uma polêmica que

certamente se materializará no Brasil que será a regulação sanitária de tais drogas.

Com base em levantamento exploratório prévio sobre as possíveis drogas

ilícitas de uso terapêutico, serão abordadas nesse trabalho as plantas Cannabis

sativa L. e Erythroxylum coca, as substâncias metilenodioximetanfetamina (MDMA),

Dimetiltriptamina (DMT) e dietilamida do ácido lisérgico (LSD).

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

Realizar um levantamento das evidências científicas sobre as aplicações

terapêuticas das plantas do gênero Cannabis sativa L. e Erythroxylum coca,

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conhecidas por maconha e coca, respectivamente, e das substâncias MDMA, DMT e

LSD.

2.2 Objetivos específicos

✓ Descrever os estudos científicos que foquem no potencial terapêutico das

drogas Cannabis sativa L., Erythroxylum coca, MDMA, DMT e LSD.

✓ Descrever os possíveis mecanismos farmacológicos envolvidos no efeitos

terapêuticos das drogas maconha, coca, MDMA, LSD e DMT.

✓ Compilar os estudos clínicos concluídos e em andamento com as drogas

maconha, coca, MDMA, LSD e DMT.

3 METODOLOGIA

O trabalho foi elaborado a partir de uma revisão bibliográfica narrativa

utilizando como ferramentas os seguintes portais: "Pubmed', "SciELO", "Medline",

"Knowledge", "ScienceDirect", "Google Acadêmico", "Toxicology Data Network"

(TOXNET) do "United States National Library of Medicine" (NIH), "Wiley Online

Library", "Medicinal Genomics", "Lilacs", "Taylor & Francis Online", "Cochrane

Library" e "Clinical Trials", base de dados de estudos clínicos da Biblioteca Nacional

de Medicina do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos da América. Foram

utilizados os descritores “marijuana”, “maconha”, “terapia canabinóides”, “cannabis

sativa”, “cannabidiol therapeutic use”,” cannabis spasm”,”cannabis câncer”,

“cannabis nausea” , “ecstasy parkinson”,”MDMA parkinson”, “lisergic acid alcoolism” ,

“LSD alcoolism”, “lisergic acid alcoolism treatment”,”LSD alcoolism treatment”,

“lisergic acid anxiety”, “lisergic acid anxiety treatment” , “LSD anxiety” , “LSD anxiety

treatment", “dimethyltryptamine immunostimulant” , “dimethyltryptamine parkinson” ,

“ayahuasca parkinson”, “ayahuasca parkinson treatment”, dimethyltryptamine

parkinson treatment”. Foram consultadas também as agências ANVISA, "Food and

Drug Administration" (FDA) dos Estados Unidos da América (EUA), "European

Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction" e "United Nations Office on Drugs

and Crimes".

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Foram excluídos da pesquisa bibliográfica os trabalhos que abordaram o uso

recreativo e abusivo das referidas drogas e a delimitação temporal foi entre os anos

de 1964 e 2017.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 REGULAÇÃO NACIONAL

As drogas ilícitas são reguladas pela sistema penal com auxílio de instituições

sanitárias. No Brasil a repressão ao uso e abuso de drogas é regulamentada pela

Lei Nº 11.343 de 23 de agosto de 2006 que instituiu o Sistema Nacional de Políticas

Públicas sobre Drogas (SISNAD) que determina as medidas para prevenção do uso

indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;

estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de

drogas; define crimes e dá outras providências. De acordo com esta lei consideram-

se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência,

assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente

pelo Poder Executivo da União. No artigo segundo se determina a proibição em

território nacional do plantio, cultura, colheita e exploração de vegetais e substratos

dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de

autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção

Internacional de Drogas das Nações Unidas (1971), a respeito de plantas de uso

estritamente ritualístico-religioso, como é o caso da Ayahuasca. No parágrafo único

é descrito a excepcionalidade em que a União pode autorizar o plantio, a cultura e a

colheita dos vegetais exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e

prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas

supramencionadas (BRASIL, 2006).

Considerando que a Lei Nº11343 de 23 de agosto de 2006 não especifica

quais seriam as drogas ilícitas e, portanto, sujeitas a controle legal faz-se necessário

complementar tal lei com uma ou mais portarias, sendo neste caso aplicada a

Portaria N.º 344, de 12 de maio de 1998 que determina o regulamento técnico das

substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Dentre as drogas e

substâncias relacionadas pela Portaria Nº 344/98, as consideradas ilícitas são as

alocadas nas listas E, que corresponde às plantas que podem originar substâncias

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entorpecentes e/ou psicotrópicas, e F, que corresponde às substâncias de uso

proscrito no Brasil. Tais listas de referem às drogas e substâncias que não podem

ser prescritas e, portanto o uso terapêutico é proibido (BRASIL, 1998).

Recentemente houve mudanças na regulação das drogas proscritas no que

se refere à planta Cannabis sp. e seus derivados. A ANVISA, através da RDC Nº 17,

de 6 de maio de 2015 definiu os critérios e procedimentos para a importação, em

caráter de excepcionalidade, de produtos à base de canabidiol (princípio ativo da

Cannabis sativa L.) em associação com outros canabinóides, por pessoa física, para

uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado (ANVISA,

2015). Essa resolução foi publicada em atenção à Resolução do Conselho Federal

de Medicina (CFM) Nº 2.113/2014 que aprovou o uso compassivo do canabidiol para

o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias aos tratamentos

convencionais (CFM, 2014). Após a regulação de importação de produtos à base de

canabidiol, a ANVISA publicou a RDC Nº 66/ 2016 que autorizou a importação de

produtos à base de Δ9-tetrahidrocanabinol (Δ9-THC) e canabidiol (CBD) em caráter

de excepcionalidade por pessoa física, para uso próprio, para tratamento de saúde,

mediante prescrição médica (ANVISA, 2016). Além dessa regulação, no presente

ano a ANVISA aprovou o registro do medicamento específico Mevatyl® composto

de extrato hidroalcoólico da planta Cannabis sativa L. contendo 27 mg/mL de THC e

25 mg/mL de CBD na forma farmacêutica de solução oral (spray) (ANVISA, 2017).

4.2 CONHECENDO A CANNABIS

A Cannabis sativa L. (Figura 1), denominada canabis, cannabis ou maconha é

um arbusto da família Moraceae, que cresce livremente em várias partes do mundo,

principalmente nas regiões tropicais e temperadas (JULIEN, 1997). Esta planta

dióica do gênero Cannabaceae apresenta diversos princípios ativos sendo os mais

abundantes e descritos na literatura os compostos canabinóides com estrutura

terpenofenólica, sendo mais conhecidos o Δ9-THC e o CBD (Figura 2). A enzima

chave envolvida na síntese do ácido tetra-hidrocanabinólico (THCA), precursor do

THC, é a “sintase THCA da oxidoredutase”, a qual converte o ácido cannabigerólico

(CBGA) em THCA (JEANGKHWOA et. al., 2017). Os canabinóides são encontrados

em estruturas denominadas tricomas glandulares distribuídas em abundância nas

inflorescências de plantas pistiladas (fêmeas) (HONÓRIO et al., 2006).

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Figura 1: Planta Cannabis sativa L.

Nota: A=Cannabis sativa L antes de florir e inflorescência.

Fonte: Virgínia Martins Carvalho, 2017.

Figura 2 -Estrutura química do canabidiol e do Δ9-Tetrahidrocanabinol.

(

A)

(

B)

A B

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Nota: canabidiol [A] e Δ9-Tetrahidrocanabinol.

Fonte: MECHOULAM et al., 1963 e HONORIO et al., 2006.

Outras substâncias estreitamente relacionadas à cannabis são o canabidiol

(CBD), canabinol (CBN), ambos com efeitos farmacológicos diferentes em relação

ao THC. Outros compostos incluem as canabivarinas e os canabicromenos. Todos

eles são denominados “canabinóides”. Contrariamente à maioria das substâncias

psicoativas, os canabinóides não são bases nitrogenadas (EMCDDA, 2015).

4.2.1 FARMACOLOGIA E POTENCIAL TERAPÊUTICO DA CANNABIS

A ação nos receptores canabinóides se inicia pela ativação das proteínas do

tipo G que estão relacionadas ao processo de transdução de sinais levando a

mudanças em vários componentes intercelulares (por exemplo, abertura ou bloqueio

dos canais de cálcio e potássio) que resultará em mudanças nas funções celulares.

Os receptores canabinóides estão inseridos na membrana celular, onde estão

acoplados às proteínas-G e à enzima adenilato ciclase (AC). Os receptores são

ativados quando interagem com ligantes, tais como o endocanabinóide anandamida

e o fitocanabinóide Δ9-THC e, a partir desta interação, uma série de reações ocorre,

incluindo inibição da AC, o que diminui a produção de adenosina monofosfato cíclica

(cAMP) e a abertura dos canais de potássio (K+), diminuindo a transmissão de sinais

e fechamento dos canais de cálcio (Ca+2), levando a um decréscimo na liberação de

neurotransmissores. Estes canais podem influenciar na comunicação celular. Apesar

das diferenças entre os receptores canabinóides CB1 e CB2, a maioria dos

compostos canabinóides interage de forma similar na presença de ambos

receptores. A busca por compostos que se liguem a apenas um ou outro receptor

canabinóide é uma forma utilizada há vários anos para obter compostos com efeitos

medicinais específicos. Os receptores de canabinóides CB1 e CB2 encontram-se

predominantemente nas terminações nervosas, nos quais intervém na regulação

retrógrada da função sináptica. O Δ9-THC atua como agonista parcial nos receptores

CB1 e CB2, mimetizando aos efeitos dos endocanabinóides (HONÓRIO, 2006).

Embora os canabinóides exerçam efeitos diretos sobre um determinado

número de órgãos, incluindo os sistemas imunológico e reprodutivo, os principais

efeitos farmacológicos observados estão relacionados ao sistema nervoso central e

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periférico. Alguns exemplos das aplicações terapêuticas dos canabinóides são efeito

analgésico, efeito antiemético, controle de espasmos em pacientes portadores de

esclerose múltipla, tratamento de glaucoma, efeito broncodilatador e

anticonvulsivante (MECHOULAM, 1970; ILAN et al., 2005; MECHOULAM, 2007;

SCHIER et al. 2012; PEDRAZZI et al., 2014; D'SOUZA, 2015; WHITING et al., 2015;

HUSSAIN, S.A et al., 2015).

O medicamento Sativex® (solução hidralcoólica contendo THC e CBD (1:1

aproximadamente) e o dronabinol registrado sob o nome comercial Marinol® que se

trata do Δ9-THC sintético são indicados para controle de náuseas resultantes de sua

quimioterapia, como estimulante do apetite em caso de anorexia associada à perda

de peso resultantes da síndrome de imunodeficiência adquirida e no controle da

espasticidade decorrente de esclerose múltipla (WHITING et al., 2015).

Os canabinóides apresentam potencial para atuar como agentes

antineoplásicos, os receptores de canabinóides foram encontrados em células

tumorais e os canabinóides mostraram evidências de efeitos antitumorais in vivo e in

vitro em estudos pré-clínicos em glioma, câncer hepático, prostático, pulmonar de

mama e melanoma (KRAMER, 2014).

Além do potencial terapêutico arrolado, o consumo por via inalatória da planta

maconha foi relacionado com a diminuição do consumo de crack em indivíduos

adictos mostrando um potencial terapêutico no manejo desta farmacodependência

que ainda precisa ser investigado (SOCIAS et al, 2017).

A Cannabis sativa L. foi incluída recentemente na Lista de Denominações

Comuns Brasileira (DCB) como planta medicinal sob o Nº DCB 11543 através da

RDC Nº 156, de 05 de maio de 2017 (ANVISA, 2017). Isso indica que esta planta

ainda classificada como proscrita pode ter sua regulação sanitária em breve.

No clinical trials 143 estudos clínicos visando à avaliação da eficácia e

segurança do uso medicamentoso de produtos de cannabis, foram registrados.

Resumidamente, os estudos estão focados, quase exclusivamente, nos

efeitos terapêuticos analgésicos e nos efeitos terapêuticos sobre espasmos.

Nos estudos dos efeitos analgésicos o objetivo era avaliar “N” pessoas

vivendo na comunidade que vivem com o HIV que sofrem de dor neuropática e

atualmente estão usando cannabis. Esses participantes serão matriculados em um

estudo que consiste em duas fases: um estudo cruzado envolvendo três doses

diferentes de cannabis vaporizado que contêm THC e concentrações variáveis de

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canabinóides (para avaliar aos efeitos agudos da cannabis sobre a intensidade da

dor, os níveis de endocanabinóides no sangue e a relação da dor com a

variabilidade da frequência cardíaca) e o outro relata sobre a associação entre

cannabis obtida por dispensário e alterações de dor indicadas por um medidor

específico.

Nos estudos sobre espasmos foram dividos pacientes em dois grupos

diferentes nos quais um deles recebeu doses de tetraidrocanabinol em alta

concentração e o outro grupo em baixa concentração. Com isso, avaliou-se a

melhora da qualidade de vida de cada um dos grupos, a redução da dor e o grau de

espasmos.

4.3 CONHECENDO A COCA

A coca é uma plana arbustiva do gênero Erytroxylum que apresenta duas

espécies, a Erytroxylum novogranatense, com teores entre 0,17 e 0,76% de COC,

cultivada principalmente em regiões de clima mais seco da Colômbia e Venezuela e

a Erytroxylum novogranatense, variedade trujjilo, com 0,64% de COC, cultivada

principalmente na costa desértica do norte do Peru e no Vale do Marañón e a

Erytroxylum coca, com teores entre 0,13 e 0,68% de COC, que cresce

principalmente em regiões úmidas e tropicais do Leste dos Andes, Sul do Equador,

Bolívia e algumas partes da Bacia Amazônica (CHASIN et al., 2014). Esta planta

arbustiva cresce a uma altura de dois a três metros. Os ramos são retos e as folhas

finas, opacas, ovais e coneiformes nas extremidades. Uma característica da folha é

uma porção areolada delimitada por duas linhas curvas longitudinais, uma linha em

cada lado da nervura central e mais visível na face inferior da folha (NARANJO,

1981).

Figura 3: Ilustração da folha de coca.

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Figura 3

Nota: estrutura folha coca.

Fonte: BELMONTE, Eliana et al.,2001.

Embora o princípio ativo mais conhecido da planta coca, cocaína, seja

amplamente utilizada de forma recreativa e freqüentemente de forma abusiva como

estimulante do sistema nervoso central (SNC) desde os primeiros anos do século XX

estando sob controle internacional e criminalizada por todos países signatários de

Lei Internacional de Drogas, (EMCDDA, 2015) as folhas da planta de coca têm sido

utilizadas de forma medicinal, principalmente como estimulantes por alguns povos

indígenas da América do Sul na região andina desde o passado remoto,

principalmente para melhorar a oxigenação nessas regiões de alta altitude

(BARRETO, 2012).

A cocaína é o alcalóide mais descrito da planta, de nome químico 3-

benzoiloxi-N-metil-8-azabiciclo (3.2.11 octano-2-carboxílico) (Figura 4) de Fórmula

molecular C17H21NO4 e peso molecular 303,4 g/mol, trata-se de um molécula de

caráter básico com pKa= 8,61 (DRUGBANK,2017).

Figura 4: Estrutura química da cocaína

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Nota: estrutura da cocaína

Fonte: https://www.drugbank.ca/structures/DB00907/image.svg

Embora a folha de coca esteja inevitavelmente associada à cocaína sendo

ambas proibidas pela regulamentação brasileira, para produzir a cocaína são

necessários quantidades muito altas de folhas para produção de reduzida

quantidade do alcalóide. Na região do Pacífico colombiano, estimou-se que cada

tonelada de folha fresca de coca rendeu em média 2,4 kg de pasta de coca em

2014, enquanto a mesma quantidade de folha fresca de coca rendeu 1,6 kg e 1,7 kg

de pasta de coca em 2005 e 2009, respectivamente (UNODC, 2015). Desta forma, a

maior parte do conhecimento biomédico relacionado à planta coca esteve limitado às

propriedades da cocaína e pouco conhecimento referenciado foi produzido em às

propriedades medicinais da planta.

4.3.1 FARMACOLOGIA E POTENCIAL TERAPÊUTICO DA COCA

O potencial terapêutico da coca ainda é pouco descrito cientificamente, ao

contrário do fármaco cocaína que é um anestésico local que atua pelo bloqueio da

neurotransmissão pós-sináptica através da obstrução dos canais iónicos das

membranas neuronais pós-sinápticas. Esta ação não exige grande especificidade

estrutural e a busca por novos anestésicos relacionados com a cocaína de fato levou

a compostos com estruturas moleculares freqüentemente mais potentes e menos

tóxicas que a própria cocaína. Sabe-se, atualmente, que a unidade farmacofórica é

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simplesmente o éster básico de um ácido carboxílico aromático (KOZIKOWSKI,

1993). As propriedades anestésicas locais da cocaína foi amplamente aplicada na

medicina em oftalmologia e odontologia (GRINSPOON, 1981; CHASIN et al., 2014).

No sistema nervoso central a cocaína atua como estimulante nas vias

dopaminérgicas, noradrenérgicas e serotoninérgicas (ARAI, 2003; CHASIN et al.,

2014). A cocaína difere das anfetaminas por apresentar duração de ação muito

curta. É possível que os seres humanos respondam de forma tão diferente às

anfetaminas devido, justamente, a esta diferença na duração da ação. Um aspecto

atípico da cocaína e de outros alcalóides da coca, freqüentemente ignorado, é que

pertence à série dos tropanos e pode, portanto, exercer alguns efeitos atropínicos

em músculos lisos e glândulas. A ação atropínica de alcalóides da coca pode ser

relevante para o seu uso em distúrbios da digestão e metabolismo do açúcar

(WEIL,1981).

As propriedades antidepressivas da cocaína podem estar associadas à sua

influência na neurotransmissão serotoninérgica: a cocaína bloqueia transportadores

de serotonina como transportadores de dopamina e noradrenalina e aumenta a

secreção de serotonina sináptica e concentração em várias regiões cerebrais

(KRASCIK, 2015).

No final do século passado preconizava-se o emprego de cigarros de coca no

tratamento de asma e febre do feno, na Europa e Estados Unidos, onde também

eram fumados com finalidade recreacional. Após séculos de uso foi isolada e

caracterizada por Albert Niemann em 1859 e atribui-se a Sigmund Freud a

popularização da cocaína no meio científico, sendo famosos seus escritos de 1884

sobre as propriedades da cocaína de aliviar a depressão e curar a dependência à

morfina. Paradoxalmente, uma das primeiras vítimas da farmacodependência à COC

foi Halstead, cirurgião americano que buscava exatamente curar-se de sua

dependência à morfina. Embora postulada como "perigosa" pelo próprio Freud após

a morte de um amigo, passou a fazer parte de vários elixires, medicamentos e

bebidas como, por exemplo, a Coca-Cola. O aumento do uso levou, em 1891, aos

primeiros relatos sobre intoxicações relacionadas à cocaína, incluindo 13 mortes, o

que eventualmente contribuiu para sua proibição pelo Harrison Act em 1914, que a

catalogou com as mesmas restrições e penalidade imputadas à morfina (CHASIN et

al., 2014).

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A dependência à cocaína é freqüentemente explicada pela sua ação nas vias

dopaminérgicas, mas concentrações naturalmente mais baixas de serotonina no

cérebro estariam relacionados com uma maior susceptibilidade individual para o

desenvolvimento de dependência (KRASCIK, 2015).

Os usos medicinais da planta coca em forma de chá ou mascada é descritos

em estudos antropológicos que descrevem a cultura dos povos andinos. Nesse

contexto a coca é citada como um tratamento útil para vários distúrbios

gastrointestinais e como adjuvante em dietas de redução de peso e para melhorar a

performance física. A coca regula o metabolismo dos carboidratos de forma única e

pode proporcionar uma nova abordagem terapêutica para a hipoglicemia e diabetes

mellitus. Ainda relaciona-se o contínuo com normalização do metabolismo sem

apontamentos sobre toxicidade ou desenvolvimento de dependência (WEIL, 2009).

O uso da planta coca pelas propriedade anestésica entre os povos tribais

americanos também foi descrita referenciando que as folhas eram mastigadas com

objetivo de aliviar dores relacionadas à afecção nos dentes, mucosa bucal e

garganta , assim como utilizada na forma pulverizada aplicada em ulcerações. Além

disso, também cita-se entre os povos tribais o uso na forma de infusão para alívio de

distúrbios gastrintestinais (NARANJO, 1981).

Outras referências também citam o uso tradicional entre os povos andinos

para o alívio de várias condições patológicas como dores musculares, cólicas,

diarréia, náuseas, vertigens e cefaléia causada pela altitude que prejudica a

oxigenação cerebral e conhecida pelo nome em espanhol "soroche" (GRINSPOON,

1981; WEIL, 1981). Essa ação estimulante de baixa potência relacionada ao uso da

planta que apresenta uma concentração de cocaína infinitamente mais baixa que o

fármaco isolado, é considerada pela cultura tradicional como estimulante das

funções cardíacas e respiratória que combate à fadiga física (WEIL, 1981).

Quase não há estudos em farmacologia empregando todos os componentes

da coca ou extratos completos da planta, a grande maioria dos estudos

farmacológicos são focados no alcalóide cocaína extraído da coca.

O usuário de coca ingere alcalóides de uma mesma família: é provável que

um sinergismo dentre todos os compostos ativos explique quaisquer efeitos

terapêuticos que ocorram. Embora a ação primária da coca no estômago seja

anestésica, não deve ser considerado apenas isso. Possivelmente, a ação

antiemética da coca é também devida à interrupção de um ciclo de retroalimentação

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dos receptores de equilíbrio entre o tronco encefálico e o estômago (nas vias entre o

sistema gastrointestinal e SNC). É claro que outros mecanismos também podem

estar funcionando. A coca certamente estimula as secreções orais e, provavelmente,

altera a secreção em outras regiões do trato gastrointestinal. A utilização de

materiais alcalinos com coca produz uma melhora de certas condições, como

hiperacidez funcional e úlcera péptica. Os componentes não-alcaloidais da folha,

especialmente os óleos v.áteis responsáveis pelo odor e sabor agradáveis da coca,

podem ter efeitos anestésicos próprios. Assim como outros agentes adrenérgicos, os

alcalóides da coca produzem anorexia temporária, o que auxilia na perda de peso

assim como sua estimulação incentiva a prática de exercícios físicos. Os efeitos da

coca sobre a higiene bucal levam a interessantes especulações. Não há provas

concretas a respeito disso, mas, provavelmente, a estimulação mecânica das

gengivas é benéfica e o uso costumeiro de alcalóides tende a endurecer o esmalte

dental e retardar a formação de cáries. A coca protege contra o desenvolvimento de

hiperglicemia e hipoglicemia reativa seguidas de altas doses de glicose em índios

andinos. Os mecanismos para esses efeitos metabólicos são completamente

desconhecidos, mas podem envolver efeitos atropínicos dos alcalóides uma vez que

a atropina pode aumentar a glicemia (WEIL, 1981).

Não há estudos clínicos registrados sobre coca ou seus extratos. Há apenas

um estudo clínico focado no uso terapêutico da cocaína como fármaco isolado

registrado no Clinical Trials em 2015 e atualizado em 2017, estudo NCT02500836

de fase III que foca na aplicação do produto em cirurgia nasal e consta como

concluído. Esse estudo refere-se à aplicação tópica de solução de cloridrato de

cocaína a 4%, 10% ou placebo como anestésico local.

Cerca 620 pacientes foram submetidos a três diferentes tipos de tratamento

ao receberem cloridrato nas proporções 4%,10% e placebo antes da cirurgia de tal

forma que se possa avaliar o potencial anestésico da cocaína e comparar com o

placebo.

Considerando o uso da coca como planta medicinal de uso tradicional pela

população andina é curioso que praticamente nada se tenha produzido em relação

ao estudo científico de suas propriedade terapêuticas. A literatura científica em

relação à coca foca quase que inteiramente nos efeitos tóxicos da cocaína ou sua

propriedade anestésica como fármaco isolado.

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4.4 CONHECENDO A DIMETILTRIPTAMINA

A N, N-dimetiltriptamina (DMT) é um alcalóide indólico (Figura 5) amplamente

encontrado em plantas e animais e desempenha papel importante em vários

processos nos sistemas nervosos central e periférico ( CARBONARO , 2016).

Apresenta fórmula molecular C12H16N2 e peso Molecular 188,274 g/mol, possui dois

grupos funcionais “amina” (sendo uma amina secundária e a outra terciária) e dois

grupos hidrocarbonetos cíclico, sendo um deles aromático e o outro não aromático

(PIRES, 2010).

Figura 5: Estrutura química da dimetiltriptamina

Fonte: (PUBCHEM, 2005).

Como xenobiótico, a DMT é um alucinógeno serotonérgico encontrado em

várias plantas como Prestonia amazonica (Apocynaceae) (PUBCHEM, 2005) e nas

folhas de Psychotria viridis (chacrona) que é utilizada misturada a outra planta, a

Banisteriopsis caapi (cipó) para obtenção da bebida fermentada denominada

Ayahuasca utilizada em rituais xamânicos. O cipó contém alcalóides (harmina,

harmalina e tetrahidroharmina) inibidores das monoaminooxidades intestinais que

permitem a absorção da dimetiltriptamina (SANTOS et al., 2016).

A ayahuasca é amplamente utilizada em uma variedade de rituais xamânicos

e práticas de cura na Amazônia Ocidental. Ao longo do século XX, foi integrada em

uma vasta gama de práticas religiosas de cristãos, espíritas e afrodescendentes,

dando origem, no Brasil, a três religiões: Santo Daime, União do Vegetal e

Barquinha (TALIN, 2017).

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4.4.1 FARMACOLOGIA E POTENCIAL TERAPÊUTICO DA DIMETILTRIPTAMINA

(DMT) E DA AYAHUASCA.

Aparentemente, atua como um agonista em alguns tipos de receptores de

serotonina e um antagonista em outros. A DMT é um derivado da “triptaminas” com

dois grupos “metila” adicionais no átomo de “nitrogênio” da “amina” (PUBCHEM,

2005).

A dimetiltriptamina é um potencial candidato para a nova geração de

pesquisas em antidepressivos focada em novos tratamentos farmacológicos de ação

rápida (SANTOS et al, 2016). Neste sentido, a ayahuasca tem sido referida pelo

potencial em tratar depressão, distúrbios de ansiedade e farmacodependência por

dados antropológicos e estudos biomédico preliminar (OSÓRIO et al, 2015; TALIN,

2017).

A ayahuasca contém, além da DMT, os alcalóides harmina e harmalina que

são inibidores da enzima mooaminooxidase (MAO) e permitem que a DMT seja

absorvida por via oral. A ação agonista de certos alcalóides ayahuasca nos

receptores serotonérgicos e seus efeitos inibitórios sobre a MAO-A, associada às

evidências de campo e laboratoriais, sugerem que a ayahuasca promoveria uma

sensação de bem-estar (OSÓRIO et al, 2015). Esse potencial antidepressivo parece

ser mediado pela ação agonista dos receptores de DMT em 5-HT1A / 2A / 2C que

resulta no efeito ansiolítico (SANCHES et al, 2016). De fato, a expressão cortical do

receptor 5-HT 1A / 2A / 2C mostrou-se alterada em amostras post-mortem de pacientes

deprimidos, sugerindo que esses receptores estariam envolvidos no processamento

emocional. Além disso, modelos animais e estudos clínicos mostram que os

agonistas dos receptores 5-HT1A têm propriedades ansiolíticas e antidepressivas e

os agonistas dos receptores 5-HT2A / 2C reduzem o comportamento relacionado com

ansiedade e depressão em animais. Outro possível mecanismo de ação terapêutica

é a modulação da neurotransmissão glutamatérgica induzida pelo agonismo do

receptor 5-HT 2A. Além disso, a ativação de redes de glutamato do córtex frontal por

agonistas do receptor 5-HT2A pode conduzir a aumentos na expressão de fatores

neurotróficos tais como os derivados cerebrais do fator neurotrófico (BDNF) e fator

neurotrófico derivado da linha celular glial (GDNF) e, ainda no tamanho das

espinhas dendríticas nos neurónios corticais, aumentando assim a neuroplasticidade

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e a neurogénese, o que pode, potencialmente, contribuir, para o tratamento da

depressão (SANTOS et al,2016).

Alterações funcionais na rede de modo padrão (DMN), um grupo de regiões

cerebrais associadas à autopercepção, vem sendo associada à manifestação

emocional de congeminação que é a atenção focada nos sintomas da angústia e em

suas possíveis causas e consequências, ao contrário de suas soluções, sendo este

é um importante sintoma depressivo. A ayahuasca vem sendo associada com uma

maior atividade de DMN (SANCHES et al, 2016).

A possível modulação da DMT no receptor sigma-1 mostra que outros

mecanismos de ação independentes dos receptores 5-HT1A / 2A / 2C podem também

estar envolvidos na ação terapêutica de alucinógenos clássicos (SANTOS et

al,2016).

A harmina, a THH (tetrahidroharmina) e harmalina são potentes inibidores

naturais, seletivos, reversíveis e competitivos da enzima MAO, especialmente do

subtipo MAO-A. O THH atua como um inibidor seletivo da recaptação da serotonina

e um MAOI (inibidor de MAO). A inibição de ambos os sistemas, recaptação de MAO

e serotonina, pode resultar em níveis elevados de serotonina cerebral e outras

monoaminas, produzindo efeitos antidepressivos (OSÓRIO et al, 2015).

Foram encontrados apenas 3 estudos clínicos sobre o uso terapêutico da

dimetiltriptamina.

Nestes três estudos o foco é da aplicação de DMT em gel para tratamento de

dermatite, gel para tratamento de acne e o último é para o tratamento de analgesia

pós-operatória.

O objetivo do primero estudo foi o de avaliar a segurança e a eficácia do gel

“DMT210” à 5% em relação ao controle após 28 dias de aplicação tópica feita duas

vezes ao dia em lesões-alvo selecionadas em pacientes do sexo masculino e

feminino com dermatite atópica leve à moderada. Este estudo iniciou em 27 de

outubro de 2016 e foi atualizado em 7 de junho de 2017 tendo 25 participantes e

encontrando-se, atualmente, na fase 2 do estudo.

O objetivo do segundo etudo foi avaliar a segurança, tolerabilidade e eficácia

do gel DMT210 à 5% quando aplicado duas vezes ao dia por 12 semanas em

pacientes adultos com acne rosácea moderada a severa. A metade dos

participantes recebeu o gel DMT210 enquanto a outra metade recebeu o controle do

veículo. Neste estudo participaram 104 pacientes e iniciou em 20 de dezembro de

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2016 sendo atualiazado na última vez dia 7 de junho de 2017.Atualmente está na

fase 2.

O objetivo principal deste estudo é avaliar a eficácia analgésica do DMTS, em

comparação com o placebo em indivíduos com dor aguda moderada a grave após a

bunionectomia unilateral (cirurgia do joanete). Além disso, buscoou-se, também,

avaliar a segurança e tolerabilidade do DMTS, sua adesão e seu efeito sedativo. Ao

todo, 100 pacientes participaram deste estudo e ele iniciou em primeiro de novembro

de 2016 e foi atualizado na última vez dia 5 de junho de 2017, sendo que o mesmo

está, atualmente, na fase 2 de estudo.

4.5. CONHECENDO O ÁCIDO LISÉRGICO DE DIETILAMIDA (LSD)

O LSD é uma substância alucinógena também conhecida sob o nome N,N-dietil-

lisergamida, dietilamida do ácido lisérgico, LSD e LSD-25 de forma molecular

C20H25N3O (Figura 6) e peso molecular 323,4 g/mol (EMCDDA, 2015). A abreviatura

LSD é derivada do seu nome alemão LysergSäureDieethylamid (Lysergic acid

dietilamide). A lisergida pertence a uma família de indolalquilaminas que inclui

numerosas triptaminas substituídas tais como psilocina (encontrada em cogumelos

alucinógenos) e N, N-dimetiltriptamina (DMT). O nome IUPAC para LSD é 9,10-

didesidro-N, N-dietil-6-metilergolina-8p-carboxamida (Figura 6). O estereoisómero

(R) é mais potente do que a forma (S).

Figura 6: Fórmula estrutural do LSD

Fonte: http://www.emcdda.europa.eu/publications/drug-profiles/lsd

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Muito consumido nas décadas de 60 e 70, o LSD está intimamente ligado à

cultura hippie, mesmo que hoje em dia seu consumo seja principalmente em festas

de música eletrônica (festa rave). Em seu livro autobiográfico "LSD: Minha criança

problemática: reflexões sobre sagradas drogas, misticismo e ciência "Albert

Hofmann descreve como ele sintetizou o poderoso alucinógeno "Em 1938, eu

produzi um derivado da série do ácido lisérgico, o LSD-25 ... para uso em

laboratório". A 25º substância sintetizada por Hofmann será a "criança problemática"

(GICQUEL, 2015).

Em relação ao efeito psicológico, a ação do LSD aumenta a percepção

sensorial com mudanças ilusórias de objetos, sinestesia e imagens mentais

aprimoradas. A afetividade é intensificada. Os pensamentos são acelerados, com

seu escopo ampliado de forma tal a incluir novas associações e interpretações

alteradas de relacionamentos e objetos. O LSD induz um sonho alterador da

consciência com maior afetividade e aumento da produção de estímulos internos.

Sem qualquer perturbação da consciência, o estado alterado do sonho é

experimentado com consciência e também boa memória da experiência. Geralmente

ocorrem hipermnésia e processos de memória aprimorados. Os efeitos do LSD

duram de seis a dez horas dependendo da dose aplicada (PASSIE et al, 2008).

O LSD tem sido descrito como um "amplificador não específico do

inconsciente” porque promove a psicodinâmica latente dos pacientes e possibilita o

acesso a pensamentos, associações, sentimentos e processos internos, que são

geralmente excluídos da consciência (GASSER, 2015).

Vários métodos de produção são conhecidos, mas a maioria usa ácido

lisérgico como o precursor. O próprio ácido lisérgico também é frequentemente

produzido em laboratórios clandestinos utilizando tartarato de ergometrina ou

ergotamina como material de partida. A ergotamina ocorre naturalmente no fungo de

cravagem (Claviceps purpurea), um parasita comum no centeio. Dependendo do

método utilizado, outros reagentes essenciais incluem N,N-carbonildi-imidazol,

dietilamina ou hidrazina. As doses de papel absorvente (papel secante) são

preparadas mergulhando o papel numa solução alcoólica aquosa de tartarato ou

deixando cair à solução sobre quadrados individuais (EMCDDA, 2015).

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4.5.1 FARMACOLOGIA E POTENCIAL TERAPÊUTICO DO LSD

Nos anos 50 e 60, os psiquiatras Humphry Osmond e Abram Hoffer no

hospital mental de Weyburn em Saskatchewan (Canadá), utilizaram ácido lisérgico

de dietilamida (LSD) para tratar a psicose orgânica induzida pelo clínico para

encorajar a sobriedade (dependência do álcool). Bill Wilson, o fundador de

“Alcoólicos Anônimos” reconheceu a terapia com LSD como sendo benéfica para a

dependência do álcool. (SESSA,B ,JOHNSON,M,2015).

A pesquisa que foi realizada naquela época sugere fortemente que os

alucinógenos clássicos têm efeitos clinicamente relevantes, particularmente no caso

do tratamento com LSD do alcoolismo (BOGENSCHUTZ, 2017).

Estudos clínicos que administram psicodélicos com psicoterapia mostraram

evidências preliminares de considerável eficácia no tratamento de ansiedade e

depressão, bem como na dependência ao tabaco e ao álcool. Além disso, pesquisas

recentes sugeriram que esses compostos possuem eficácia potencial contra

doenças inflamatórias através de novos mecanismos, com potenciais vantagens em

relação aos anti-inflamatórios existentes (NICHOLS, 2017).

O LSD aumentou os sentimentos de proximidade com os outros, a abertura, a

confiança e a sugestibilidade. O LSD prejudicou o reconhecimento de rostos tristes e

terríveis, reduziu a reatividade da amígdala esquerda para rostos temerosos e

aumentou a empatia emocional. O LSD aumentou a resposta emocional à música e

ao significado da música (LIECHTI, 2017).

Cientistas clínicos exploraram o uso desses compostos para facilitar efeitos

terapêuticos rápidos para dependência, transtorno de ansiedade, depressão maior,

transtorno obsessivo compulsivo e outras condições psicóticas. (DAS et al., 2016).

O LSD foi utilizado no tratamento da ansiedade, depressão e dependência

(ABRAMSON, 1967).

Em pacientes com ansiedade associada à enfermidade com risco de vida, a

ansiedade foi reduzida durante 2 meses após duas doses de LSD. Em contextos

médicos, não foram observadas complicações da administração de LSD (LIECHTI,

2017).

O LSD administrado em um ambiente psicoterapêutico supervisionado pode

ser seguro e gerar benefícios duradouros em pacientes com ansiedade e com

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doenças que apresentam risco de vida. Os modelos explicativos dos efeitos

terapêuticos do LSD justificam um estudo mais aprofundado (GASSER, 2015).

Ao mesmo tempo em que pesquisas associaram a serotonina a mecanismos

pró-inflamatórios por meio do receptor 5-HT2A, também demonstrou-se que fármacos

psicodélicos possuem intensas propriedades anti-inflamatórias por meio da ativação

deste mesmo receptor. O receptor cerebral serotoninérgico 5-HT2A é o alvo

presumido para fármacos psicodélicos embora noções clássicas de correlação entre

várias desordens psiquiátricas e este receptor ainda não tenham explicações claras

para os seus efeitos terapêuticos (NICHOLS, 2017).

O LSD proporciona experiências subjetivas em humanos. A ingestão repetida

de vários alucinógenos pode provocar tolerância. Estes fatores indicam que os

alucinógenos serotonérgicos atuam através de um mecanismo comum. Há evidência

substancial de que os efeitos característicos dos alucinógenos são mediados

principalmente pela ativação do receptor 5-HT2A (HALBERSTADT, 2013).

Alucinógenos de indolealquilamina como o LSD têm alta afinidade para

receptores 5-HT com o receptor 5-HT2A como o local de ação primário e modulação

significativa pelos receptores 5-HT2C e 5-HT1A (FIORELLA, 1995).

Há extensivas evidências, tanto de estudos em animais quanto de seres

humanos, de que os efeitos característicos dos alucinógenos são mediados por

interações com o receptor 5-HT2A. No entanto, também há evidências de que as

interações com outros sítios receptores contribuem para os efeitos

psicofarmacológicos e comportamentais de alucinógenos indolamínicos.

(HALBERSTADT E GEYER, 2011).

Os sistemas serotoninérgicos (5-HT) e dopaminérgicos interagem de várias

formas com o cérebro dos mamíferos. A transmissão serotoninérgica facilita a

liberação de dopamina (DA) estriatal embora o subtipo de receptor envolvido ainda

deva ser plenamente esclarecido (MARTÍN-RUIZ et al., 2001).

Dada a inervação generalizada do cérebro e a riqueza de sinais evocados

pelo 5-HT, não é surpreendente que o sistema 5-HT seja alvo de muitas drogas

usadas para tratar doenças cerebrais e também de drogas recreativas. Por exemplo,

a maioria dos tratamentos antidepressivos bloqueia o transportador para o 5-HT e

aumentam a concentração de 5-HT extracelular ou sináptico e, portanto, elevam

indiretamente o tônus serotonérgico nos receptores 5-HT pré e pós e sinápticos

(CELADA, 2013).

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Muitos alucinógenos de indolalquilaminas têm maior afinidade por outros

receptores 5-HT do que por 5-HT2A, bem como efeitos sobre receptores de

dopamina e receptores adrenérgicos. A ativação do receptor 5-HT 2A pode, portanto,

ser uma condição necessária, mas não suficiente, para provocar os seus efeitos

(GASSER, 2015).

Foram reportados apenas dois estudos sobre o uso terapêutico do LSD no

Clinical Trials no tratamento de sintomas de ansiedade e desordens de ansiedade e

ansiedade relacionada à doença, respectivamente.

O primeiro estudo foi um ensaio clínico com 40 participantes iniciado em 9 de

maio de 2017 e com atualização em 4 de junho de 2017 (Fase 2). Os participantes

do estudo receberam 200 μg de LSD por via oral em comparação com placebo.

No segundo estudo tratou-se de um ensaio clínico do tipo duplo cego, os

pacientes receberam doses de LSD de 200 ou 20 µg durante duas sessões de

psicoterapia que duraram dois dias, agendadas de duas a quatro semanas de

intervalo entre si. Os pacientes que receberam a dose total de LSD (200 µg) e que

participaram de todas as visitas do estudo foram avaliados quanto aos respectivos

sintomas de ansiedade, depressão e qualidade de vida 12 meses após a útlima

sessão experimental. Ao todo foram 12 participantes deste estudo que iniciou em 12

de junho de 2009 e foi finalizado em 16 de abril de 2014. Embora os resultados dos

estudos clínico registrados na plataforma Clinical Trials sejam confidenciais, é

possível verificar que existe estudos clínicos concluídos e em andamento sobre o

uso terapêutico deste alucinógeno.

4.6 CONHECENDO O 3,4-METILENO-DIOXIMETAMFETAMINA (MDMA)

O 3,4-metileno-dioximetamfetamina (MDMA) é uma substância sintética

vulgarmente conhecida como ecstasy, embora este último termo tenha agora sido

generalizado para abranger uma vasta gama de outras substâncias. Originalmente

desenvolvido em 1912 pela Merck Chemical Company, nunca foi comercializado

como tal. Embora tenha sido proposto como uma ajuda ao aconselhamento

psiquiátrico, o uso terapêutico é extremamente limitado. O MDMA ilícito é

normalmente visto como comprimidos, quais normalmente são fabricados na

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Europa. Ele atua como um estimulante do sistema nervoso central (SNC) e tem uma

propriedade alucinógena fraca mais precisamente descrita como aumento da

consciência sensorial. O MDMA está sob controle internacional (EMCDDA, 2015).

MDMA é uma abreviatura de metilenodioxi- metilanfetamina (Figura 7). O nome

formal (IUPAC) é N-metil-1- (3,4-metilenodioxifenil) propan-2-amina, mas o MDMA

(CAS-42542-10-09) é vulgarmente conhecido como 3,4-metilenodioximetanfetamina

ou metilenodioximetilamfetamina. Outros nomes químicos incluem N, a-dimetil-3,4-

metilenodioxifenetilamina ou, menos habitualmente, N-metil-1- (1,3-benzodioxol-5-il)

-2-propanamina. O MDMA é um membro do grupo maior de fenetilaminas anel-

substituídas. Tal como com outras fenetilaminas, e tal como a sua metanfetamina

relativa próxima, a MDMA também existe em duas formas enantioméricas (R e S)

(EMCDDA, 2015).

É um derivado anel-substituído de anfetamina que também é relacionado ao

composto alucinogênico mescalina. Ele aumenta a sensibilidade emocional e a

empatia, com usuários relatando perda de inibições, redução da ansiedade e uma

maior sensação de proximidade a outras pessoas (MORTON, 2005).

Figura 7: Estrutura química do MDMA

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Fonte: EMCDDA, 2015

Nota: Fórmula molecular: C11H15NO2; peso molecular: 193.2 g/mol.

MDMA, popularmente conhecido como ecstasy ou, mais recentemente, como

Molly, é um sintético, psicoestimulante e uma droga popular de abuso. Está bem

documentado que a repetida administração de MDMA resulta em um déficit

persistente em marcadores bioquímicos em receptores 5-HT axônio-terminais em

animais de laboratório e humanos com os quais foi averiguada a neurotoxicidade no

receptor 5-HT (HUFF et al., 2016).

4.6.1 FARMACOLOGIA E POTENCIAL TERAPÊUTICO DO 3,4-METILENO-

DIOXIMETAMFETAMINA (MDMA)

O MDMA já teve uso limitado em aconselhamento psiquiátrico, mas seu uso

terapêutico, atualmente, é raro (EMCDDA, 2015). Nos últimos anos, houve uma

série de estudos neurocientíficos e clínicos Examinando o papel do potencial da

psicoterapia adjuvante assistida por medicamentos com 3,4, -

Metilenodioximetanfetamina (MDMA) como tratamento para PTSD (transtorno de

estresse pós-traumático) (SESSA, 2016).

Já foi descrito o uso de MDMA para o tratamento de Parkinson. O MDMA, um

agente serotonérgico inespecífico tem sido relatado para reduzir a discinesia em

doentes com Parkinson que tomam L-dopa, potencialmente para um nível no qual a

discinesia seja restaurada assim como a atividade motora lesada pela 1-metil-4-fenil-

1,2,3,6-tetrahidropiridina (MPTP). Isto é controverso porque o desenvolvimento de

Parkinson também tem sido associado ao abuso de MDMA e, portanto, a

possibilidade de usá-lo no tratamento das discinesias associada ao tratamento com

L-dopa de Parkinson é de difícil compreensão (MURSALEEN, 2016).

Tem sido sugerido que análogos do metilenodioxi da anfetamina (isto é, 3,4-

metilenodioxiamfetamina,(MDA);MDMA;3,4-Methylenedioxyethylamphetamine,

(MDE); N-Metil-l- (l, 3-benzodioxol-5-Il) -2-butanamina, (MBDB); representam uma

nova classe de drogas, denominadas entactógenos, por causa de seus efeitos

psíquicos. Surpreendentemente, dados preliminares de experimentos com animais e

observações episódicas em seres humano indicam um efeito anti-parkinsoniano

especialmente positivo com o MDMA. Isto abre a possibilidade de encontrar um

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mecanismo de ação no MDMA que pode ser aprimorada para obtenção de um anti-

parkinsoniano eficaz e seguro. Soma-se a isso a existência de indícios

experimentais de que o MDMA pode ser usado para o tratamento de catalepsia

(SCHMIDT, 2002).

A experiência MDMA, entre aqueles que usaram o ecstasy recentemente

apresentou várias consequências positivas relatadas. As mais comuns são um

aumento de energia ou estimulantes e habilidades sociais aprimoradas ou fazer

novos amigos e experimentar tudo tendo-se a sensação de ser mais divertido.

Menos comuns, mas ainda relatados, são perda de peso, euforia, experimentar tudo

como sendo mais intenso, melhorar os atuais relacionamentos, desinibição, relaxar

ou alivio de estresse (RAMO, 2013).

Os efeitos de curto prazo da MDMA geralmente incluem euforia, aumento da

extroversão e interação social empática. O MDMA reduz o sentimento de medo que

acompanha a lembrança de memórias traumáticas, fortalece a aliança terapêutica e

diminui a timidez, mantendo-se em um estado de consciência clara e de alerta

(SESSA, 2016).

O agonismo pelo receptor 5-HT pode contribuir para a reversão de catalepsia.

Além disso, o aumento da DA estriatal por MDMA in vivo é mediado por receptores

5-HT, uma vez que o pré-tratamento com antagonistas de 5-HT claramente atenuou

este efeito do MDMA (SCHMIDT, 2002).

A droga exerce seus principais efeitos através da liberação de 5-

hidroxitriptamina pré-sináptica nos receptores 5-HT1A e 5-HT1B, levando à depressão

e ansiedade reduzidas e aumento do humor positivo. Existe uma atividade

aumentada nos receptores 5-HT 2A, a qual causa alterações nas percepções de

significados que permitem que um indivíduo pense sobre experiências passadas de

novas maneiras e desenv.va novas idéias. A MDMA também estimula a liberação de

dopamina e noradrenalina, as quais aumentam os níveis de excitação, produzindo

um efeito estimulante que aumenta a motivação para se envolver em terapia e

efeitos no adrenoceptor alfa-2, proporcionando um sentimento paradoxal de

relaxamento, o que reduz a hipervigilância (SESSA, 2016).

No rato lesionado com 6-OH-DA, a MDMA racêmica alivia significativamente a

gravidade dos movimentos involuntários anormais induzidos por L-DOPA. A MDMA

diminui a gravidade da discinesia provocada por L-DOPA ou pramipexol e alivia

transitoriamente o parkinsonismo. No macaco lesionado por MPTP (1-metil-4-fenil-

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1,2,3,6 tetraidro-piridina), o R-MDMA alivia a discinesia induzida por L-DOPA e os

comportamentos semelhantes à psicose sem, no entanto, prejudicar a eficácia anti-

parkinsoniana do L-DOPA (HUOT , 2011).

O mecanismo anti-parkinsoniana do MDMA não foi mediado nem por um

agonista de DA indireto nem por um agonismo no receptor 5-HT: a MDMA racêmica

é muito mais potente que cada um dos derivados MDMA e exerce um efeito aditivo

muito mais potente. Além disso, o S-MDMA mostrou apenas atividade anti-

parkinsoniana fraca enquanto o R-MDMA não obteve quaisquer efeitos significativos.

Os dois enantiômeros são quase equipotentes nos seus efeitos sobre receptores 5-

HT mas diferem nos seus efeitos sobre a dopamina: o enantiômero S é cerca de 5

vezes mais potente no aumento da dopamina e da concentração do que o

enantiômero R. Apenas o enantiômero S de MDE tem efeitos entactogênico em

seres humanos (SCHMIDT, 2002).

O mecanismo mediado por 5-HT1A está envolvido em sua ação antidicinética

(HUOT, 2011).

Um fraco efeito dos enantiômeros sobre a catalepsia indica que deve haver

um novo componente desconhecido nos efeitos do MDMA o qual se manifesta

exclusivamente por meio do sinergismo de ambos os enantiômeros R- e S-MDMA.

Os autores concluíram que ambos os enantiômeros contribuem para os efeitos

anticatalepticos em dois locais-alvo diferentes e os enantiômeros podem explicar o

potencial do MDMA como anti-parkinsoniano (SCHMIDT, 2002).

No Clinical Trials foram reportados 13 estudos clínicos sobre MDMA, tais

estudos focaram nos efeitos terapêuticos do MDMA sobre o transtorno do estresse

pós-traumático.

Estes estudos foram feitos no período ao longo dos anos de 2004 a 2017 e o

número de pacientes participantes variou de 3 a 27 sendo que todos os estudos

encontram-se atualmente na fase 2. Esses estudos avaliaram diferentes doses e

freqüência de tratamento com MDMA durante psicoterapia de transtorno de estresse

pós traumático.

5 CONCLUSÃO

As evidências de potencial terapêutico de drogas ilícitas são relatadas em

numerosos estudos, embora os mecanismos de ação farmacológica com foco no

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tratamento de enfermidades ainda seja muito pouco compreendido para grande

maioria das substâncias.

Apesar da eficácia e segurança do uso medicamentoso de quase todas as

drogas ainda necessitarem de comprovação para regulação sanitária, algumas já

teve seu registro e vem sendo utilizadas em vários países como é o caso dos

canabinóides.

A revisão narrativa apresentada neste trabalho permite concluir que o

interesse científico pelas propriedades terapêuticas de drogas proibidas vem

aumentando e que algumas drogas, a despeito da proibição, já vem sendo utilizadas

no manejo doenças através de tratamentos do tipo off label ou em rituais de cunho

religioso.

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