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“SALVE-SE A INFÂNCIA E TEREMOS GARANTIDO O FUTURO DA PÁTRIA”:
O ASILO DE MENORES ABANDONADOS DO RIO DE JANEIRO E O AMPARO
A CRIANÇA POBRE (1907)
Julia de Oliveira Duarte
UERJ-FFP
Luiza Pinheiro da Silva
UERJ-PROPED
Introdução
O trabalho aqui apresentado é fruto de nossa participação e estudos no Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisa em História da Educação e Infância (NIPHEI), grupo de
pesquisa situado na Faculdade de Formação de Professores (UERJ/FFP) e coordenado pela
professora doutora Sônia Camara. Durante as discussões no grupo nos interessamos pela
questão da assistência, educação e amparo à infância na primeira república no Rio de
Janeiro. Fazendo um recorte do tema nos decidimos pelo Asilo de Menores Abandonados,
instituição da esfera Federal, preocupada com a assistência e o amparo a criança órfã e/ou
abandonada.
A preocupação com o progresso, a modernidade e com o futuro do país na primeira
república (1889-1930) colocava em pauta as discussões sobre a infância. Para alcançar o
progresso almejado e moldar um futuro de país que fosse moderno, alfabetizado e
patriótico, era preciso olhar principalmente pelas crianças que representava as futuras
gerações. Como afirma Camara (2010):
A visão imaculada da infância contrapôs-se outra infância perspectivada como
pervertida, desamparada, viciosa, imoral e abandonada. Uma infância descrita
pelos jornais com aparência maltrapilha, suja, descabelada, portadora de
comportamentos agressivos, dissonantes em relação aos valores instituidores de
uma cidade que, ao sagrar a imagem de ordem e progresso, negava,
compulsivamente, o seu contrário. (p. 63)
Nesse sentido, alguns intelectuais filantropos preocupados com a infância, oriundos
principalmente da área médica e jurídica, se uniram para criar instituições voltadas ao
amparo, educação e regeneração dessa infância. É nesse contexto que o Asilo de Menores
Abandonados do Estado do Rio de Janeiro é criado em 1907.
Com a presença dos Exmos. Srs. Ministro da Justiça, Chefe de Polícia, Provedor
da Santa Casa de Misericórdia, Curador de Órphãos, Delegados e Funcionários da Policia, representantes da imprensa diária e mais pessoas, foi solemnemente
installado, à Praça Visconde do Rio Branco n. 2, em S. Christovão, no dia 16 de
fevereiro deste anno, o Asylo de Menores Abandonados [sic] (MONCORVO
FILHO, 1907, p. 131).
Inaugurado em 16 de fevereiro de 1907, o Asilo de Menores Abandonados teve
como principal idealizador o Chefe de Polícia Alfredo Pinto Vieira de Melo (1863-1923).
O prédio em que foi instalado havia pertencido ao Marechal Floriano Peixoto (1839-1895)
e contava com jardins, árvores frutíferas, adaptando-se, segundo Moncorvo Filho (1907):
"perfeitamente ao fim para o que foi destinado, não só por suas condições hygienicas,
como pelas amplas accommodações de que dispõe, compostas de vastos salões e aposentos
arejados para dormitórios, enfermaria, salas de estudo, escolas e etc [sic]." (p. 131). Assim,
a instituição tinha lotação para o máximo de cinquenta menores.
Tinha por objetivo recolher menores órfãos e abandonados, entre oito e quinze anos
do sexo masculino, encontrados pelas ruas e enviados por juízes de órfãos. Na nova
instituição os menores recebiam abrigo, alimentação e instrução. Era um estabelecimento
de caráter temporário, os menores permaneciam no Asilo por um tempo determinado pelos
juízes de órfão que, findado esse tempo, os encaminhavam para outras instituições.
Interessou-nos nesse artigo analisar os motivos que levaram à criação e o
funcionamento do Asilo de Menores Abandonados no seu primeiro ano de fundação. Para
isso, utilizamos no desenvolvimento desse trabalho alguns documentos, como os Archivos
de Assistência a Infância, publicados em 1907 pelo médico Arthur Moncorvo Filho, o
Relatório apresentado ao Ministro da Justiça pelo Chefe de Polícia do Distrito Federal,
Alfredo Pinto, em 1907 e periódicos da época, sobretudo os jornais "O Paiz" e "A
Imprensa" onde encontramos uma quantidade mais expressiva de matérias sobre a
instituição no seu primeiro ano de funcionamento. O trabalho foi realizado a partir das
matérias e dos documentos selecionados, articulados com o momento histórico vivido na
época. Como afirma Velloso (1996):
O passado não está lá, à espera do resgate e da reconstituição certeiros. Ao
contrário: o passado, tal qual foi, não existe mais. Reconstituí-lo, portanto, é
entrar em contato com a ‘desordem das lembranças’, aventurando-se por
labirintos, subterrâneos e fragmentos, conforme já sugeria a instigante reflexão
de Walter Benjamin (1987). (Grifo da autora, p.87)
Dessa forma, mergulhamos nessas “aventuras por labirintos subterrâneos” onde
procuramos desvendar com atenção e cuidado os “indícios” (GINZBURG, 1989) que
ocasionalmente escaparam. Assim, embasados nessas reflexões encontramos, através das
matérias dos jornais e dos outros documentos os “vestígios” deixados pelos “testemunhos
involuntários” (BLOCH, 2004) que nos levaram ao funcionamento da instituição.
Para o diálogo com as fontes alguns autores nos ajudaram, entre eles: Bloch (2004),
Camara (2010), Ginzburg (1989), Goffman (2003), Rizzini (1990) e outros.
"Salve-se a infância e teremos garantido o futuro da Pátria"
A ideia de criar uma relação de brasilidade na sociedade brasileira já vinha sendo
debatida desde a Abolição da Escravatura (1888) e da Proclamação da República (1889)
em que a intenção de construir “laços de pertencimento, capazes de difundir um sentimento
de brasilidade, assumiu um caráter de urgência. Tratava-se agora de agregar todos os
cidadãos em torno da nação” (DE LUCA, 1999, p. 33). Assim, em meio às discussões do
que seria o Brasil e o brasileiro, pensar a infância como o futuro que ainda estava por vir e
que poderia ser moldado de forma a se tornarem cidadãos fiéis e úteis à pátria, eram uma
das prioridades dos intelectuais envolvidos e preocupados com a criança. Entendia-se na
infância algo como uma semente que precisava ser cuidada e educada para que brotasse
bons frutos. Segundo afirma Camara (2010):
Perspectivada, ora como 'sementeira do futuro ora como sementeira fecunda de
vícios e demais germes criminosos', a infância passou a ser concebida e descrita
como perigosa ou em perigo, nos discursos que contribuíram e asseveraram
determinadas representações acerca do seu papel social. As representações
encontravam-se assentadas em estereótipos afirmativos de uma iniquidade
inerente à criança pobre, e também de uma fraqueza, inocência e infortúnio que
ela suscitava. A partir de uma visão ambivalente da infância, procurou-se
constituir uma retórica protecionista e regeneradora, através da qual se
justificaram as formas de intervenção sobre as relações privadas e públicas das
camadas empobrecidas da sociedade. (p. 52, grifo da autora)
Portanto, o Asilo de Menores Abandonados era uma dessas instituições
preocupadas em intervir e “salvar” essa infância pobre e que poderia estar em perigo ou ser
perigosa. Tal preocupação, é pensada através da configuração do Estado moderno, qual a
noção liberal faz notável a desvinculação entre o público e o privado. Contudo, a política
assumida por esse Estado, propõe-se defender a saúde física e moral protegendo também as
liberdades individuais. Conforme nos mostra Costa (1999, p. 52), “A ação médico-
filantrópica-assistencial conduzia a vida privada sem desrespeitar o pacto social”. Dessa
maneira, conseguimos compreender não somente a ação médica de intervenção no social e
sua efetivação pela educação higiênica, para mais disso, o pensamento político que passa a
ser moldado no seio da capital brasileira.
O enfoque em pensar a cidade nos guia através da discussão entre assistencialismo
e infância, uma vez que se mostra necessário para apresentar o objeto escolhido para esta
discussão. De modo qual o amanhecer republicano que observamos no Rio de Janeiro não
necessariamente rompeu com o passado colonial. Segundo Costa (1999, p. 178), “A defesa
da secularização dos costumes, entretanto, vinha condicionada à sujeição médica”.
As queixas do jornalista Olavo Bilac (1865-1918) sobre o secular atraso da capital
se apresentam como exemplo no que diz respeito a necessidade de intervenção política
nesta cidade para sua eventual modernização e urbanização (FREIRE, 2003, p. 145). Por
um lado, Olavo Bilac em defesa de melhorias na cidade e das obras públicas. Do outro, a
medicina higienista do Dr. Moncorvo Filho, preocupada com a inspeção das condições em
que se vivia as crianças pobres e em proporcionar a elas amparo concentrando esforços
com outras associações de caridade e religiosa (MONCORVO FILHO, 1907).
Esta associação entre a medicina e as instituições religiosas, segundo Costa (1999,
p. 66), “[...] foi o que possibilitou à higiene infiltrar-se na moral da família sem fraturar
suas antigas crenças e valores e, simultaneamente, reorientar o prestígio da religião em seu
benefício”. Por conseguinte, Camara (2010) percebe como as ações de saneamento,
embelezamento e expansão da cidade qual estamos tratando foram executadas
concomitante as contradições sociais, econômicas e também culturais presentes no início
do século XX. Perpendicular a urbanização, encontrava-se a categoria de infância cuja nos
interessa nesse momento, pois:
Para as crianças abandonadas, a rua era vista como espaço de referência que
conheciam, não vendo em suas atitudes nenhuma ilegalidade. Era corrente à
época, a prisão de crianças que circulassem ociosas pelas ruas, ou as que nelas desenvolvessem ocupações ocasionais, não sendo preciso apresentar motivos que
as implicassem legalmente, além da suposta vadiagem que a sua presença na rua
representava. A prática da vadiagem equivalia a uma ameaça à moral e aos bons
costumes, onde a associação entre ociosidade e indigência, provocada pela
miséria dava, como resultado final, os pervertidos morais, capazes de cometer
crimes contra a ordem e a propriedade. (CAMARA, 2010, p. 55)
O papel da imprensa neste momento é sentido através de sua dimensão social,
sendo seu caráter podendo ser pensado como canal de comunicação entre a esfera pública e
privada. Por meio dos debates buscados, que dão voz para o esforço de pesquisa
empreendido até o momento, lançam luz para se compreender sobre qual perspectiva
interessava os intelectuais do âmbito médico e jurídico na criação de uma malha
assistencial de proteção à infância pobre e desamparada. Deixando importantes vestígios
impressos sobre a situação dessa infância. Desse modo, o periódico “O Paiz” (1907, p. 3)
manifesta a preocupação do Dr. Alfredo Pinto em retirar da Casa de Detenção os menores
“desocupados” e “viciosos”, termos observados na matéria para referir-se aos menores que
se encontravam em situação de desamparo, qual através desta tornou realidade em dois
meses a iniciativa de assistência com a criação do Asilo de Menores, tal impacto na
sociedade pode ser percebido através dos inúmeros pedidos de internação apontados pela
matéria. A ação empreendida pelos intelectuais preocupados primordialmente com o
progresso do Brasil e de tornar o Rio de Janeiro espelho de civilidade, tornam-se claras ao
considerarmos que:
As iniciativas organizadas com o aporte científico e racional não descuidavam da
matriz moralizante a que todas as medidas e propostas deveriam ancorar-se,
constituindo-se como referência na identificação das crianças, necessitadas da
proteção e do amparo do Estado. Sustentados no discurso da moral como ‘motor máximo do progresso’ defenderam o lugar central da educação na transformação
da criança, homem em potencial do amanhã. (CAMARA, grifo da autora, 2010,
p. 174)
Tratando-se de continuidade desse empreendimento filantrópico, como segundo
exemplo de ação de manter em efetivo a implementação das políticas assistenciais,
destaca-se o periódico A Imprensa, que expressivamente esteve conectado aos debates
sobre a assistência e infância, comemora a criação do setor feminino já no ano de 1908:
A assistencia aos menores abandonados, ainda tão rudimentar entre nós
mórmente por parte do Estado, entra hoje em nova phase. O Asylo de Menores
Abandonados que hoje se inaugura [...], representa o primeiro passo dado pelo
poder publico para o que seja definitivamente resolvido o momentoso problema
de assistencia á infancia desamparada. (1908, p. 2)
A figura apresenta o edifício qual fora utilizado para a regeneração e proteção da
infância. O Asilo de Menores é representativo da ação concreta das discussões que forma
fomentadas pelo campo médico e jurídico notado nos séculos XIX e XX. Sendo esta
instituição de atendimento e educação parte importante para se compreender a malha
assistencial da cidade do Rio de Janeiro, a defesa da infância e da modernização da nação.
Sendo assim, nesse momento, compreender os dispositivos filantrópicos que estiveram
presentes nas décadas iniciais do século XX é um primeiro passo para refletir sobre os
casos das infâncias pobres e desvalidas e, também nesse ensejo, “as sucessivas gerações
formadas por essa pedagogia higienizada” (COSTA, 1999, p. 214) qual projetou o homem
moderno.
Figura 1 – O Asilo de Menores Abandonados
Fonte: A Imprensa, 05/11/1910, p. 4 (Hemeroteca Digital Brasileira – BN)
O Asilo de Menores Abandonados em seu primeiro ano de criação
Concebido como entidade tutelar, o Estado foi proposto como instância
privilegiada na elaboração, coordenação e inspeção dos serviços de assistência e
proteção social, cabendo-lhe, na compreensão dos intelectuais, tomar para si, em
nome da defesa nacional, do progresso econômico e da saúde social, o controle
na condução do processo de harmonização social e de preservação da infância.
Proteger a infância não significava, apenas, dar-lhe noção geral de vida poupando-a de esforços e trabalhos incompatíveis com o seu organismo ou,
ainda, dar-lhes esmolas. Significava, isto sim, amparar, defender e cuidar do seu
desenvolvimento físico, moral e mental, atuando sobre os males e
imprevidências que corrompiam as suas formas de vida. (CAMARA, 2010, p.
145-146)
Assim, era tarefa do Estado preservar e zelar pela infância oferecendo-lhe proteção,
resgate e salvação dos males que uma vida mundana e desprotegida poderia causar. Nesse
sentido algumas ações foram empreendidas sobre a responsabilidade do Estado, entre elas
a criação de instituições voltadas para a regeneração e assistência dessa infância.
Subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o Asilo de Menores
Abandonados fazia parte de uma malha assistencial criada no Rio de Janeiro que vinha
nessa direção de regenerar e assistir a infância pobre e desvalida. Em relatório enviando ao
Ministério da Justiça, o Chefe de Polícia Alfredo Pinto, deixa clara a sua preocupação com
a preservação da infância abandonada.
O Asylo de Menores Abandonados é uma demonstração do meu interesse pela
sorte de muitas infelizes creanças, que perambulam pelas ruas, sem educação
nem officio; destituídas de qualquer assistência natural; dormindo nas lages das
calçadas de ruas escusas; servindo de auxiliares de gatunos audazes;
alimentando-se das sobras dos hotéis e entregues aos vícios mais abjectos [sic]
(MELO, 1907, p. 5).
Assim, era preciso preservar essa infância para não precisar regenerá-la ou puni-la
mais tarde. "Antes de existir o Asylo, o sistema era de encarcerál-os na Casa de Detenção,
onde permaneciam dias e dias, até que mão piedosa os libertasse [sic]" (MELO, 1907,
p.05). Na Casa de Detenção os menores conviviam com adultos criminosos e havia uma
preocupação de que essa convivência influenciasse no futuro dessas crianças levando-as
para o mundo do crime. Sendo assim, segundo afirma Melo (1907, p.05), ele proibiu
"expressamente que esses abandonados soffressem o mesmo castigo, e em logar da prisão
elles têm um abrigo protector, alimento e instrucção elementar, durante a permanência no
estabelecimento, onde ficam à disposição dos respectivos juízes de Orphãos [sic]".
Os menores, apreendidos por uma autoridade jurídica, permaneciam na instituição
durante um prazo de no máximo noventa dias, findado esse prazo, ou eram enviados para a
Escola Quinze de Novembro, ou para a Escola de Aprendizes Marinheiros, ou eram
entregues a "tutores". Logo que chegavam eram matriculados em um livro de registros e
encaminhados ao setor de "rouparia", onde trocavam as suas roupas pelo uniforme da
instituição. Dialogando com Goffman (1961), percebemos algumas características do Asilo
de Menores que o indicam como uma "instituição total", mesmo que temporária. Segundo
o autor "Uma instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho
onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade
mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente
administrada" (1961, p. 11). Despir-se dos seus pertences, não ter contato com o mundo
externo, regras de conduta e comportamento, vigilância, essas, entre outras características
faziam parte do mundo do internado no Asilo de Menores Abandonados. Na imagem
abaixo, os menores uniformizados posavam para a foto.
Figura 2 - Menores em formatura
Fonte: "Archivos de Assistência à Infância", Ano V n. 7 e 8 p. 134 (Acervo NIPHEI)
Os meninos na foto acima estavam claramente uniformizados, higienizados e
arrumados em uma ordem aparentemente por tamanho, porém, o que não vemos na
imagem são os sorrisos dos menores, mostrando que aquele parecia ser um ritual
enfadonho e forçado. Segundo Goffman (1961, p. 93):
A exibição de fotografias nas salas dos estabelecimentos totais, onde se mostra o
ciclode atividades pelas quais o internado ideal passa com a equipe dirigente
ideal, frequentemente tem uma relação muito pequena com os fatos da vida
institucional, mas pelo menos, alguns internados passam uma manhã agradável
posando para as fotografias.
Assim, na imagem acima, os menores estavam "arrumados" de forma a parecerem
os "internados ideais": disciplinados, limpos e devidamente controlados.
A instituição ficava instalada em uma dependência da Casa de Detenção, sendo
assim, estava sob a "superintendência do Chefe de Polícia" (MONCORVO FILHO, 1907,
p. 135) e era dirigida pelo administrador da Casa de Detenção, o Capitão Meira Lima.
Dessa forma, alguns dos funcionários do Asilo eram também guardas na Casa de
Detenção, ficavam responsáveis pela inspeção e pela instrução primária dos internados. A
vigilância dos guardas se dava de forma permanente e os menores eram divididos em
turmas de acordo com a faixa etária, a "índole e antecedentes de cada um" (MONCORVO
FILHO, 1907, p. 135).
Os menores trabalhavam na jardinagem e na horta do estabelecimento nas primeiras
horas da manhã e nos serviços internos, tais como limpeza e arrumação, nas horas vagas.
Segundo estava em seu Estatuto, as horas de trabalho não poderiam ultrapassar seis horas
por dia. Eram diariamente submetidos a "moderados exercícios militares dirigidos por um
cabo da Força Policial à disposição da Administração desse Asylo [sic]" (MONCORVO
FILHO, 1907 p. 133). O ensino escolar era oferecido das dez horas da manhã às três horas
da tarde e das seis horas da tarde às sete da noite. Os menores eram recolhidos para os
dormitórios às oito horas da noite. Os guardas se revezavam na vigilância durante as horas
que os meninos dormiam.
A intenção, fica claro, era de preservar os pequenos, que ainda não tinham se
envolvido com o mundo do crime através da disciplina, do trabalho e do controle. Para os
menores que já eram criminosos a Casa de Detenção construiria uma dependência
separada. Segundo reportagem do jornal "O Paiz": "Esse Pavilhão, unicamente para
menores, terá a denominação de Escola de Regeneração" (1907, p. 04). Assim, ficariam
separados os menores "delinquentes" dos menores que não haviam cometido crimes, as
crianças que estavam em "perigo" não conviveriam com as crianças que eram "perigosas".
No entanto, apesar dos seus Estatutos também corroborarem dessa "separação", em
reportagem no dia 15 de agosto de 1907, o jornal "O Paiz" afirma que: [...] o dr.
Geminiano da França, juiz da 3ª vara criminal, fez recolher ao Asylo de Menores
Abandonados, o menor de 13 annos José Paulo da Costa, pronunciado por crime do art.
294, parágrapho 1°, do Código Penal, por ter assassinado um creoulo [sic]" (1907, p.04).
Dessa forma, concluímos que enquanto a "Escola de Regeneração" não estava construída e
apta para receber os menores envolvidos com algum crimeeles eram internados no Asilo de
Menores indo de encontro com o que dizia o regulamento inicial da instituição.
Pretendia-se, além da Escola de Regeneração, construir um "pavilhão", com as
mesmas funções, para meninas. Em matéria de 07 de abril de 1908, o jornal "O Paiz"
divulga a inauguração dessa "ala" feminina: "O Asylo de Menores inaugurou-se hontem,
em um prédio confortável, em S. Christovão, junto onde funcciona já o Asylo de Menores
Abandonados, outro estabelecimento que faz honra à actual administração [sic]" (p. 02). A
intenção não era que o Asilo de Menores Abandonados se tornasse "misto", essa "ala"
feminina denominada "Asilo de Menores" ficaria separada da masculinae seria
administrada e dirigida por pessoas diferentes.
Em 1915, o Asilo de Menores Abandonados, passa a ser administrado pelo
Patronato de Menores, instituição de origem privada criada em 1908, que também fazia
parte dessa "rede" de instituições assistencialistas formada no Rio de Janeiro. O Patronato
mantinha uma creche "central" e administrava outros estabelecimentos pelo Estado, o
Asilo de Menores Abandonados passou a fazer parte dessa administração do Patronato a
partir do ano já mencionado.
Considerações finais
O esforço desse trabalho consistiu-se em debruçarmos nos anos iniciais de
funcionamento do Asilo de Menores a partir das fontes documentais, priorizando a
percepção do médico higienista Dr. Moncorvo Filho, utilizadas de modo que pudéssemos
entrecruzar com aspectos sociais, econômicos e políticos da cidade do Rio de Janeiro da
ação benemérita dos intelectuais que permearam a sociedade carioca em prol da
moralidade pública. O exclusivo fim do Asilo de prestar serviços de atendimento aos
menores moralmente abandonados no intuito de “[...] corresponder ás necessidades de uma
capital civilisada, cuja população já se approxima de um milhão de habitantes, e que até
hoje se descuidara da protecção devida a esses infelizes pequeninos seres [...] [sic]”
(MONCORVO FILHO, 1907, p. 132). Tal estratégia moralizadora da infância fora
empreendida em conjunto das políticas sociais perspectivadas no cenário internacional de
proteção e atendimento a infância que ainda no século XIX passa o cerne de pesquisas
médicas e posteriormente sistematização do pensamento que podemos observar demasiada
continuidade nos tempos atuais.
O Rio de Janeiro era o cenário principal para as experiências sociais e políticas da
recém instaurada república, sendo ela pensada pelos intelectuais da época com a
necessidade de ser espelho para outras cidades da pátria. Não somente exemplo para
capitais vizinhas no quesito urbanização, mas, principalmente, estar ao alcance dos países
da Europa no quesito higiene infantil e moralidade pública. Uma vez que os estudos sobre
esse tema se tornaram pauta por conta do crescente índice de mortalidade infantil que era
uma realidade no Brasil.
Nesse sentido, entendemos que o intuito para a criação de uma instituição, voltada
para a assistência e educação de menores, localizada na Capital Federal e subordinada ao
Ministério da Justiça e Negócios Interiores, estava muito voltado a uma ideia de regenerar
essa infância que estava pelas ruas, sem rumo e propicia a vícios e crimes, que iam na
contramão do progresso e do exemplo que a Capital Federal deveria representar para o
país. Sendo assim, formar cidadãos patrióticos, trabalhadores e úteis ao Brasil do amanhã
era uma necessidade, afinal, "salvar a infância" era primordial para garantir o "futuro da
pátria".
Referências
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