“É que a gente nÃo sabe o significado” · universidade federal de santa catarina curso de...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS/LINGÜÍSTICA
“É QUE A GENTE NÃO SABE O SIGNIFICADO”:HOMÓFONOS NÃO HOMÓGRAFOS
OTILIA LIZETE DE OLIVEIRA MARTINS HEINIG
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Leonor Scliar-Cabral
FLORIANÓPOLIS
2003
2
OTILIA LIZETE DE OLIVEIRA MARTINS HEINIG
“É QUE A GENTE NÃO SABE O SIGNIFICADO”:HOMÓFONOS NÃO HOMÓGRAFOS
Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras/Lingüística daUniversidade Federal de Santa Catarinacomo requisito parcial à obtenção dograu de Doutor em Lingüística.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Leonor Scliar-Cabral
FLORIANÓPOLIS
2003
3
Cabe-nos produzir apenas o nosso próprio esforço. O nosso próprio texto, paradevolver às pessoas, transformado, tudo o que elas nos deram (inclusive ascoisas desagradáveis, diga-se de passagem). Soltar das costas pesos falsos,como o peso do Tempo, e aprender a andar e descansar. Aprender a falar esilenciar (diferente de se calar). Aprender a escrever e a ler – admitindo quenunca se aprende enfim, porque se está sempre aprendendo, desconhecendo ereconhecendo, passo a passo. Vida a vida.
Gustavo Bernardo (Redação Inquieta)
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AGRADECIMENTOS
À minha família, desde aqueles que cuidaram de mim quando criança, permitindo que
pudesse realizar o sonho de ser educadora até o meu amado marido Max e filho Max
Otto, companheiros nesta viagem.
À Dra. Leonor Scliar-Cabral, orientadora, que possibilitou meu crescimento teórico e o
repensar da minha prática na área da educação lingüística.
Ao Colégio São Luiz, pela forma como abriu suas portas para a realização da pesquisa.
Especialmente, ao Celso que discutiu e ajudou a produzir o CD-ROM; à Ivana,
professora das turmas pesquisadas e aos alunos que estabeleceram comigo uma relação
de troca, fundamental para o desenvolvimento do trabalho.
À FURB, pela concessão da licença para que pudesse realizar minha pesquisa com
dedicação integral.
À UNIFEBE, pela parceria no projeto de iniciação científica que permitiu conhecer
melhor os professores da região.
Ao Sistema ACAFE, pela concessão da bolsa do Programa Institucional de Capacitação
Docente e Técnica.
Ao Ademar Kohler, pelo auxílio na análise estatística dos dados.
Aos amigos, que são tantos, sempre perguntando sobre a pesquisa, torcendo por mim.
São muitos, mas há os que mais se envolvem no processo: Adriana, companheira do
início da jornada e Márcia, companheira durante a produção da tese.
5
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS ............................................................................... ix
LISTA DE QUADROS ................................................................................. x
LISTA DE GRÁFICOS ................................................................................. xi
LISTA DE ANEXOS ...................................................................................... xiii
LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS ............................................. xv
RESUMO ......................................................................................................... xvi
ABSTRACT ..................................................................................................... xvii
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 01
2 REVISÃO DA LITERATURA ................................................................... 04
2.1 Homonímia: entendendo o fenômeno de indeterminação semântica .. 04
2.1.1 O que dizem as gramáticas e outros materiais adotados pelos
professores .........................................................................................
04
2.1.2 Uma discussão dos limites entre homonímia e polissemia: com a
palavra os lingüistas ......................................................................... 07
2.1.3 Critérios de distinção dos fenômenos de indeterminação semântica 15
2.1.4 Afunilando os conceitos ................................................................... 17
2.2 Abordagem psicolingüística: diferença entre o processamento da
leitura e da escritura ................................................................................. 18
2.2.1 Ensino e aprendizagem da leitura e da escrita ................................. 27
2.2.2 O sistema alfabético
...................................................................................
36
2.3 O sistema verbal escrito e seu desenvolvimento na escola: um olhar
para a homonímia ..................................................................................... 45
2.3.1 O ensino-aprendizagem da ortografia ................................................ 45
2.3.2 A formação do professor e o ensino do sistema escrito ..................... 57
2.3.3 O livro didático: em busca das páginas que tratam da codificação de
homônimos ........................................................................................ 63
2.3.4 Mais um dedo de prosa: a ortografia nos PCNs de Língua
Portuguesa de primeira à quarta série ............................................... 76
3 METODOLOGIA ....................................................................................... 79
6
3.1 Tipo de pesquisa ....................................................................................... 80
3.2 Primeira etapa: definição dos participantes e estabelecimento de seu
perfil .......................................................................................................... 81
3.2.1 Metodologia ...................................................................................... 81
3.2.2 Instrumentos e sua aplicação ............................................................. 83
3.2.3 Contato com o espaço onde se desenvolveu a pesquisa .................... 84
3.2.4 Elaboração dos jogos ......................................................................... 85
3.2.5 Resultados .......................................................................................... 86
a) Perfil das turmas ............................................................................ 86
b) O perfil dos professores ................................................................. 88
c) O pré-teste ...................................................................................... 97
3.3 Segunda etapa: definição do perfil do Grupo Experimento ................. 99
3.3.1 Metodologia ....................................................................................... 99
3.3.2 Instrumentos e aplicação .................................................................... 100
3.3.3 Resultados .......................................................................................... 102
a) Bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de
Scliar-Cabral ................................................................................ 102
b) Questionário psicossociolingüístico e socioeconômico dos
alunos da quarta série A ............................................................... 106
3.4 Terceira etapa: intervenção colaborativa ............................................ 114
3.4.1 Metodologia .................................................................................... 114
3.4.2 Instrumentos específicos para a metodologia desenvolvida na
intervenção colaborativa .................................................................. 115
3.4.3 Resultados .......................................................................................... 117
3.5 Quarta etapa: comparação entre o Grupo Experimento e o Grupo
Controle ................................................................................................ 117
3.5.1 Metodologia ....................................................................................... 117
3.5.2 Instrumentos de coleta de dados e sua aplicação .......................... 117
3.5.3 Resultados ......................................................................................... 118
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ................................................ 120
4.1 O que mostram os dados do pré-teste ................................................... 121
4.2 A intervenção em sala de aula .................................................. 137
4.2.1 O material pedagógico utilizado em sala de aula .............................. 137
7
4.2.2 O planejamento das aulas: uma parceria entre professora e
pesquisadora .
141
4.2.3 Sala de aula: espaço de interação e aprendizagem ........................... 142
4.2.3.1 Discussão de cada passo desenvolvido durante a intervenção
colaborativa ................................................................... 152
a) Passo 1 ........................................................................... 152
b) Passo 2 ........................................................................... 153
c) Passo 3 ........................................................................... 154
d) Passo 4 ........................................................................... 157
e) Passo 5 ........................................................................... 158
f) Passo 6 ........................................................................... 159
g) Passo 7 ........................................................................... 160
h) Passo 8 ........................................................................... 161
i) Passo 10 ......................................................................... 163
j) Passo 11 ......................................................................... 164
k) Passo 12 ......................................................................... 165
l) Passo 13 ......................................................................... 166
m) Passo 14 ......................................................................... 168
n) Passo 15 ......................................................................... 171
o) Passo 16 ......................................................................... 172
p) Passo 17 ......................................................................... 173
q) Passo 18 ......................................................................... 174
r) Passo 19 ......................................................................... 176
s) Passo 20 ......................................................................... 177
4.3 O que mostram os dados do pós-teste ..................................................... 181
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 201
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 207
OBRAS CONSULTADAS............................................................................... 215
ANEXOS .......................................................................................................... 217
LISTA DE TABELAS
8
TABELA 1 - Valores dos grafemas, independentes do contexto ............................. 38
TABELA 2 - Conversão dos fonemas aos grafemas, independente do contexto ...... 39
TABELA 3 - Número de professores por área de especialização em cursos de pós-
graduação ............................................................................................ 90
TABELA 4 - Relação dos livros didáticos adotados nas escolas públicas e
particulares de Brusque ....................................................................... 95
TABELA 5 - Problemas de codificação identificados no teste de logatomas ........... 104
TABELA 6 - Número de acertos dos sujeitos dos dois grupos no pré e no pós-
teste ..................................................................................................... 121
TABELA 7 - Número de respostas com elo produzidas pelos dois grupos no pré e
no pós-teste .......................................................................................... 198
LISTA DE QUADROS
9
QUADRO 1 - Erros ortográficos observados em crianças portuguesas do 3.º e 4.º
anos de escolaridade. Mostra-se para cada ano a palavra alvo, o erro
de escrita, o tipo correspondente e a respectiva percentagem
(calculada relativamente ao total de erros)........................................... 35
QUADRO 2 - Relação entre grafia e justificativa....................................................... 134
QUADRO 3 - Resumo do trabalho desenvolvido junto ao GE durante a intervenção
colaborativa.......................................................................................... 143
10
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 - Formação no III grau dos professores da 4.a série de Brusque ........ 89
GRÁFICO 2 - Professores de 4.ª série com curso de pós-graduação
(especialização) ................................................................................ 90
GRÁFICO 3 - Respostas dadas pelos 24 sujeitos da pesquisa à definição de
homonímia........................................................................................ 92
GRÁFICO 4 - Freqüência semanal de atividades de ortografia desenvolvidas
pelos professores de 4.ª série ............................................................ 93
GRÁFICO 5 - Maneira como são corrigidos os textos produzidos pelos alunos .... 94
GRÁFICO 6 - Como é apresentada a ortografia no livro didático .......................... 96
GRÁFICO 7 - Menção sobre homonímia no livro didático ..................................... 96
GRÁFICO 8 - Instrução dos pais dos participantes da pesquisa ............................. 108
GRÁFICO 9 - Material de leitura dos pais dos participantes da pesquisa ............... 109
GRÁFICO 10 - Gostos e hábitos dos participantes da pesquisa................................. 110
GRÁFICO 11 - Contato do participante da pesquisa com o dicionário ..................... 112
GRÁFICO 12 - Idade com que o participante da pesquisa entrou na educação
infantil .............................................................................................. 112
GRÁFICO 13 - Conhecimento do participante da pesquisa sobre o código escrito
antes de ingressar no ensino fundamental ........................................ 113
GRÁFICO 14 - Momento em que o participante da pesquisa foi matriculado no
Colégio São Luiz .............................................................................. 114
GRÁFICO 15 - Categorias quanto à maneira de grafar a palavra ditada no pré-teste
– GE ................................................................................................. 122
GRÁFICO 16 - Categorias quanto à maneira de grafar a palavra ditada no pré-teste
– GC ................................................................................................. 123
GRÁFICO 17 - Diferentes maneiras de grafar as palavras ditadas no pré-teste pelo
GE .................................................................................................... 125
GRÁFICO 18 - Diferentes maneiras de grafar as palavras ditadas no pré-teste
pelo GC ............................................................................................ 126
GRÁFICO 19 - Comparação entre as justificativas dadas pelos dois grupos no pré-
teste .................................................................................................. 128
11
GRÁFICO 20 - Comparação GE e GC quanto à resposta com ou sem elo ............... 135
GRÁFICO 21 - Momento em que o sujeito acertou o significado ............................ 169
GRÁFICO 22 - Justificativas para explicar facilidade ou dificuldade para achar o
significado ........................................................................................ 170
GRÁFICO 23 - Comparação entre o GE e GC quanto ao número de acertos no
pós-teste ............................................................................................
181
GRÁFICO 24 - Categorias quanto à maneira de grafar a palavra ditada no pós-
teste .................................................................................................. 183
GRÁFICO 25 - Diferentes maneiras de grafar as palavras ditadas no pós-teste pelo
GE ..................................................................................................... 186
GRÁFICO 26 - Diferentes maneiras de grafar as palavras ditadas no pós-teste pelo
GC .................................................................................................... 187
GRÁFICO 27 - Comparação entre as categorias boas e más no pré e pós-teste ....... 189
GRÁFICO 28 - Comparação entre as justificativas dadas pelos dois grupos no pós-
teste .................................................................................................. 190
GRÁFICO 29 - Comparação entre GE e GC quanto à resposta com ou sem elo no
pós-teste ........................................................................................... 198
12
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 1 - Pré-teste aplicado junto ao GE e GC ................................................... 222
ANEXO 2 - Entrevista aplicada junto aos professores de quarta série das escolas
da rede pública e particular de Brusque .............................................. 225
ANEXO 3 - Jogo da forca ....................................................................................... 227
ANEXO 4 - Jogo da memória / Palavras e figuras .................................................. 231
ANEXO 5 - Completar frases .................................................................................. 233
ANEXO 6 - Achando o significado ......................................................................... 236
ANEXO 7 - Jogo dos pares opostos ........................................................................ 240
ANEXO 8 - Bingo de homônimos .......................................................................... 247
ANEXO 9 - Bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de
Scliar-Cabral ........................................................................................ 263
ANEXO 10 - Questionário psicossociolingüístico e socioeconômico dos alunos .... 291
ANEXO 11 - Exemplo da maneira como o material didático utilizado pela amostra
da pesquisa trata os homônimos ......................................................... 295
ANEXO 12 - Planejamento para as atividades desenvolvidas durante a intervenção
colaborativa ......................................................................................... 296
ANEXO 13 - Momentos de interação ....................................................................... 301
ANEXO 14 - Produção dos alunos comparando um par de homófonos não
homógrafos .......................................................................................... 327
ANEXO 15 - Texto para ditado interativo retirado de Diário de Zlata .................... 330
ANEXO 16 - Texto Emergência com lacunas para ditado interativo ....................... 331
ANEXO 17 - Material produzido pelos sujeitos para explicar a grafia de assento,
cinto, espiada, cavalheiro, cumprimento e despensa ........................... 332
ANEXO 18 - Texto para releitura focalizada: Ninguém atravessa o arco-íris ......... 335
ANEXO 19 - Cartazes com palavras que podem receber o prefixo des- ou dis- ...... 336
ANEXO 20 - Textos para o ditado interativo: Corrida espacial .............................. 337
ANEXO 21 - Cartazes produzidos pelos sujeitos para explicar a grafia de acesa,
cena, conserto, descrição, intenção ..................................................... 338
ANEXO 22 - Folheto de divulgação da revista Nosso Amiguinho ............................ 341
ANEXO 23 - Roteiro de trabalho elaborado pela professora para análise do folheto
da revista Nosso Amiguinho ................................................................ 342
13
ANEXO 24 - Folheto sobre cólera para fazer a releitura focalizada ........................ 343
ANEXO 25 - Cartaz para explorar o uso dos prefixos en(m)- e in(m)- .................... 344
ANEXO 26 - Folha de sondagem do jogo achando o significado ............................ 345
ANEXO 27 - Notícia: Cavalos ganham fraldão e placa ......................................... 346
ANEXO 28 - Ilustração e legenda: produção dos alunos para a notícia trabalhada .. 347
ANEXO 29 - Cenários produzidos pelos alunos ....................................................... 348
ANEXO 30 - Jogo do Castelo Vampiresco ............................................................... 349
ANEXO 31 - CD-ROM: Homônimos: da brincadeira à reflexão ............................. 352
ANEXO 32 - Livro: Não confunda homônimos legais com palavras normais ......... 353
14
LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS
P – professora
Pq – pesquisadora
Sn.º – sujeito identificado pelo número
S? – sujeito não identificado
VS – vários sujeitos
PS – poucos sujeitos
[ ] – silêncio ou espera
[?] – não entendível
[...] – discussões
( ) – explicação fornecida pela pesquisadora
T – texto lido
15
RESUMO
A aprendizagem da codificação, nas séries que seguem a alfabetização, deve sercentrada na depreensão das regras de correspondência entre fonemas e grafemas e naconstrução da memória lexical ortográfica. A tarefa do aprendiz do sistema escrito nãoé fácil, pois, na maioria das vezes, as regras de codificação não são independentes docontexto. Portanto, ele precisará entender, inicialmente, as regularidades, analisando asregras dependentes do contexto, seja ele fonético e/ou morfológico e, posteriormente, ocontexto competitivo, no qual estão incluídos os homófonos não homógrafos, objeto deanálise desta tese. Isso leva a perceber que a tarefa de quem está aprendendo o sistemaescrito envolve uma série de habilidades: no caso dos homófonos não homógrafos, épreciso atentar, sobretudo, para o significado. Deste modo, juntando informaçõesadvindas das próprias palavras com outras provenientes do contexto, professor e alunos,em um processo de análise, depreenderão regras que permitirão entender a normaortográfica, não apenas decorá-la. É justamente esse aspecto, o puramente mecanicista,que se deseja combater, uma vez que ele está presente no cotidiano escolar tanto naforma como é explorada a ortografia quanto na arquitetura dada, em geral, a este tópiconos livros didáticos. Acreditando-se que é em um contexto de interação que ocorre aaprendizagem da codificação, a presente pesquisa apresenta os resultados de umaintervenção colaborativa realizada junto a 25 alunos da quarta série do EnsinoFundamental, em Brusque-SC, para os quais se desenvolveram materiais quefacilitassem a aprendizagem de homófonos não homógrafos da mesma classegramatical, com ênfase aos jogos desenvolvidos em CD-ROM. Os resultadosmostraram significativa diferença entre o grupo em que a intervenção foi realizada emcomparação com outro grupo controle, tanto quanto à maneira de grafar a palavraquanto à capacidade de explicar por que as palavras são grafadas de forma diferente.
16
ABSTRACT
Learning of coding in the groups after literacy must be centered both on theinference of the rules of correspondence between phonemes and graphemes and theconstruction of the orthographical-lexical memory. The learner’s task to master thewritten system is not easy because in most cases the rules of coding are not independentof context. Therefore, the learner will first need to understand the regularities byanalyzing the rules which are dependent on the phonetic and/or morphological context,and then the competitive context in which non-homograph homophones are included,the aim of this thesis. This makes us to notice that the task of the learner of the writtensystem involves a number of abilities: with regard to the non-homograph homophones,attention on meaning is needed. Thus, putting together information coming both fromthe words and the context, teacher and learners, in an analytical process, will infer rulesthat will make them understand the orthographic norm, not momorize it. It is exactlythis merely mechanicist aspect that is under combat here, because in a mechanicist wayit persists in the daily life of schools both in the orthographic exploitation and its displayin text-books. Believing that the learning of coding is likely to occur in an interactivecontex, this research presents the results of a collaborative intervention conducted with25 fourth-graders learners on the elementary level, at Brusque (SC). Materials werespecially designed – together with CD-ROM games – to make the learning of non-homograph homofones of the same gramatical class easier. In two aspects, the resultsshowed a significant difference between the group which went through the learningintervention and the other control-group: in their way to write the word and capacity toexplain why the words are written in different ways.
1 INTRODUÇÃO
O ensino e a aprendizagem da codificação, no contexto escolar, vêm sendo
realizados sem uma compreensão clara desse processo. Um dos principais fatores é que os
professores, na sua formação acadêmica, raramente estudam quais os princípios do sistema
alfabético do português do Brasil (Scliar-Cabral, 2001; 2003). Esses e outros
desconhecimentos levam o professor do Ensino Fundamental à realização de uma prática pela
prática, ou seja, coletam algumas receitas aqui, outras ali, realizam atividades, mas não
compreendem por que o fazem. Para que esse quadro sofra alguma mudança, faz-se
necessário que quem alfabetiza, e aqui não se fala apenas da primeira série, compreenda como
acontece o processo de codificação, quais os contextos e regras envolvidos. Tendo essa
clareza, os professores conseguirão identificar os problemas que se apresentam em sala de
aula e, por entendê-los, tomarão decisões mais acertadas, conduzindo com maior sucesso todo
o período de aprendizagem da língua escrita por que passa a criança.
A presente tese, que se insere na área de Psicolingüística Aplicada, ciência que
investiga os processos envolvidos na recepção e produção de textos, visa compreender como
acontece o ensino e a aprendizagem da codificação. Esta é mais complexa que a
descodificação, pois quem escreve está envolvido em todo um processo que vai desde a
motivação, seleção de esquemas mentais, de registros adequados, codificação lingüística até a
linearização em si. Interessa-nos especialmente a escolha dos grafemas depois de selecionada
a inserção do item lexical na frase. Nesse momento, quem escreve deverá selecionar que
grafemas codificam a realização de determinados fonemas, em nosso caso, observando o
contexto, uma vez que este é competitivo e sua escolha depende do significado atribuído ao
item lexical. Além disso, há um outro fator que interfere na escolha: a variação
sociolingüística, uma vez que o aprendiz, durante a aquisição de sua língua, esteve exposto a
uma variedade que foi internalizada.
A investigação teve como objetivo geral identificar e analisar as dificuldades que
estão presentes, em alunos de quarta série, quando precisam grafar e explicar homófonos não
homógrafos, em particular, da mesma classe gramatical; além desse, dois objetivos
específicos foram focados: investigar o conhecimento dos professores de quarta série do
Ensino Fundamental sobre o ensino e a aprendizagem de tais homófonos. Além disso, a
2
pesquisa teve a intenção de propor sugestões para o ensino de homófonos não-homógrafos da
mesma classe sintática.
Três problemas foram focados na presente tese: o ensino da ortografia na escola
enfatiza, na sua maioria, a memorização de palavras e o acúmulo de regras; os professores dos
dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, na sua formação acadêmica, raramente estudam
os princípios do sistema alfabético do português do Brasil, o que promove a falta de
compreensão de como se dá o ensino-aprendizagem da ortografia, conduzindo a um
tratamento generalizado do assunto; o material didático usado para o ensino da ortografia e,
conseqüentemente, da homofonia tem como base o livro didático, no qual este conteúdo é
apresentado, na sua grande maioria, sob a forma de exercícios mecânicos e
descontextualizados. Estes fatores motivaram o desenvolvimento desta pesquisa que
investigou o acesso do léxico ortográfico e homonímia a fim de analisar como a prática de
sala de aula vem desenvolvendo o processo de codificação, especificamente em contextos
competitivos, possibilitando, a partir dos dados, apresentar uma proposta metodológica que
permita uma outra forma de entender o ensino e a aprendizagem da codificação na escola.
Dessa forma, buscamos estabelecer uma ponte entre a teoria lingüística e
psicolingüística e a aplicação que é necessário que se faça, em sala de aula, quando se deseja
trabalhar com o significado das palavras. É preciso que os professores percebam que há uma
distinção entre saber a língua e saber analisar a língua dominando conceitos. Afinal, saber a
língua é ter domínio das habilidades de uso dela em situações reais, nas quais acontece a
interação com o outro, percebendo as diferenças entre uma e outra forma de expressão.
A presente tese está organizada em cinco capítulos e anexos que são apresentados em
volume separado: 1) Introdução; 2) Revisão da literatura; 3) Metodologia; 4) Análise e
discussão dos dados; 5) Considerações finais.
O primeiro capítulo contém uma explicação geral do trabalho explanando ao leitor a
razão que levou à investigação do tema bem como os problemas e os objetivos. No segundo,
está a revisão da literatura que enfocou, inicialmente, a homonímia sob a visão dos gramáticos
e dos lingüistas; a seguir, apresenta-se uma abordagem psicolingüística, estabelecendo a
diferença entre o processamento de leitura e escritura, quando também se discutem aspectos
como o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita e o sistema alfabético. Por fim,
abordam-se o sistema verbal escrito e seu desenvolvimento na escola, enfocando a
homonímia, especificamente os homófonos não homógrafos. O capítulo três descreve a
metodologia adotada na pesquisa, detalhando tipo de pesquisa, sujeitos, instrumentos de
coleta de dados e sua forma de aplicação e análise. No quarto capítulo, são apresentados os
3
dados para análise e discussão, o que foi feito em três momentos: análise dos dados do pré-
teste; análise da intervenção colaborativa; análise dos dados do pós-teste. Por fim, são
apresentadas as considerações finais, enfatizando os aspectos mais significativos da tese Em
anexo, estão todos os instrumentos de coleta de dados elaborados para a pesquisa, os textos
usados para as atividades em sala de aula bem como as produções dos alunos que
participaram do grupo no qual se desenvolveu a intervenção.
4
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 Homonímia: entendendo esse fenômeno de indeterminação semântica
O objeto central de estudo desta seção é a homonímia. Entretanto, não é possível
estudá-la sem fazer referência a outros fenômenos, que também estão próximos quando se
busca a determinação de um significado. Assim, além desse tópico, serão analisados outros
dois, polissemia e ambigüidade, tendo em vista que a maioria dos autores consultados
estabelece uma ponte entre os três, a fim de evidenciar as semelhanças e as distinções que
podem ser feitas, pois cada fenômeno, embora relacionado com os outros, tem características
que permitem defini-lo de uma ou outra maneira.
Assim, são objetivos gerais, nesta seção, situar e comparar a homonímia com outros
fenômenos de indeterminação semântica a fim de traçar um paralelo que possibilite entender
quando ocorrem um e outro fenômeno; confrontar conceitos de homonímia apresentados tanto
em gramáticas como em bibliografia específica da área; estabelecer diferenças e semelhanças
entre homonímia, homofonia e homografia.
2.1.1 O que dizem as gramáticas e outros materiais adotados pelos professores
Para iniciar a busca do entendimento desse termo, a primeira fonte de consulta é o
dicionário (Aurélio, 1999) que define homonímia como a “identidade fonética entre formas
de significado e origem completamente distintos, como entre são, presente do verbo ‘ser’, e
são, ‘santo’. Na escrita, palavra que têm a mesma pronúncia, e igual grafia (como falácia,
‘que é falaz’, e falácia, ‘falatório’) ou grafia diferente (como lasso, ‘cansado’, e laço,
‘laçada’)”. Entretanto, o autor não faz a distinção precisa entre homófonos não homógrafos e
os homônimos perfeitos.
As gramáticas adotam praticamente a mesma concepção e tratam a homonímia como
se pode observar na síntese que segue a respeito das obras consultadas.
Mesquita (1994, p. 89-91) diz que, em português, há palavras que se assemelham na
forma (pronúncia ou grafia), que têm significados diferentes. São chamadas de homônimas e
entre elas distinguem-se as homógrafas das homófonas, e estas das perfeitas.
5
Terra (1987, p. 22) de forma resumida define os homônimos como palavras que têm
a mesma pronúncia, mas significados diferentes.
Nicola e Infante (1991, p. 423) os definem como palavras cujo significante é
praticamente idêntico, mas cujo significado é diferente. Os autores também apresentam as
subdivisões e explicam que homógrafos possuem a mesma grafia, mas timbre vocálico ou
acentuação tônica diferente; homófonos possuem a mesma pronúncia, mas são representados
graficamente por letras diferentes; homógrafos e homônimos ou homônimos perfeitos
possuem exatamente o mesmo significante (gráfica e sonoramente) e significado diverso. Os
autores, portanto, entram em contradição, pois incluem nos homônimos perfeitos os
homógrafos, esquecendo o que afirmaram em relação ao timbre e/ou acentuação tônica
distintos, por exemplo, olho verbo ou substantivo.
Rocha Lima (1982) apresenta a homonímia na parte de “rudimentos de estética e
poética”. Para o autor, os homônimos são mais um dos fatores de perturbação da boa escolha
das palavras; e só deveriam ser consideradas como tais as palavras com origem diferente e
mesma forma em virtude da coincidência em sua evolução fonética. A crítica recai, então, ao
fato de não se levar em conta o critério etimológico, considerando-se homônimas todas as
palavras que possuem forma idêntica e designam coisas distintas como é o caso da palavra
“cabo”, posteriormente comentada por Mattoso Câmara Jr. Os homônimos homófonos são
definidos como aqueles que, apesar de terem as mesmas vogais e consoantes, são grafados
diversamente.
Há outros autores que, além de tratar da homonímia, também apresentam explicações
para o fenômeno da polissemia.
Leme, Serra e Pinho (1981, p. 206) definem a homonímia como fenômeno que
consiste no fato de dois significantes idênticos terem diferentes significados. Exemplificam
com pregar que pode significar pôr pregos e fazer sermão; dó que tanto significa nota
musical como piedade. A distinção em casos assim é feita pelo contexto lingüístico e/ou pela
situação concreta em que se está. Contrapõem a essa explicação, a polissemia, que é o fato de
uma palavra ter vários significados. Sugerem consultar a palavra cravo no dicionário e ver a
variedade de significados.O dicionário Aurélio (1986, p. 495; 1999) apresenta três entradas
para cravo:
cravo1: [ Do cat. clavell]. A flor do craveiro; cravo-da-índia.
cravo2: [Do lat. clavu]1. Prego para ferradura. 2. Prego com que os pés e as mãos dos
crucificados eram fixados à cruz. 3. Afecção do folículo sebáceo. 4. calo doloroso e
aprofundado no derma, na planta do pé, como um cone.
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cravo3: [ Do fr. clavier, ou fr. clavecin] Instrumento de cordas com um ou dois
teclados, da família da espineta e do virginal, e cujo som é produzido por meio de plectros que
puxam as cordas fazendo-as vibrar; clavecino, clavicímbalo.
Há referência também a compostos como: cravo-bordado, cravo-da-índia, cravo-de-
amor, cravo-de-bouba, cravo-de-cabecinha, cravo-de-defunto, cravo-do-maranhão.
Outro autor que apresenta os dois fenômenos juntos é Bechara (1969, p. 422), para
quem a polissemia é o fato de ter um vocábulo mais de uma significação; já a homonímia é o
fato de haver vocábulos que se pronunciam da mesma maneira, mas que têm significados
diferentes. Podem ter ou não a mesma grafia. Em obra mais recente (2003, p. 402-3), ele
continua apresentando os dois fenômenos juntos a fim de ratificar o que foi proposto na obra
anterior. Entretanto, são discutidos com mais detalhes, fazendo inclusive menção à
dificuldade de distinção entre eles. Aponta como critérios para aclarar se se trata de
polissemia ou homonímia : “a) critério histórico-etimológico – é o que fazem, em geral, os
nossos dicionários; b) a consciência lingüística do falante; c) critérios das relações
associativas; d) critérios dos campos lexicais” (op. cit., p. 403), embora saiba que esses
critérios estão sujeitos a críticas. Como exemplo de homônimos, apresenta a palavra são,
também selecionada pelas autoras que vêm a seguir. Diferentemente de Rocha Lima, advoga
que, em virtude do papel do contexto na significação de uma forma, a homonímia é possível
sem prejuízo da comunicação. Por fim, quanto aos homófonos, diz que sua distinção, na
língua escrita, se deve ao fato de cada qual ter grafema diferente de acordo com o sistema
ortográfico. Entretanto, é preciso observar que a razão que explica a diferença na grafia é a
etimológica.
Também Martins e Zilberknop (1997, p. 40-3) aproximam as duas ocorrências e as
distinguem dizendo que homonímia é a situação em que uma só palavra assume duas ou mais
significações completamente diferentes, mas cuja origem admite vocábulos heterogêneos.
Contudo, faltou as autoras apresentarem também a distinção entre os homônimos perfeitos e
os homófonos não homógrafos. Com relação à homonímia, as autoras esclarecem que os
dicionários, via de regra, apresentam mais de uma entrada (verbete) e exemplificam com são:
1) sadio (latim = sanus”); 2) santo (latim = sanctus), este merece correção: “sanctum”; 3)
verbo ser (latim = sunt). Quanto à polissemia, é definida como a situação em que uma palavra
assume significados variáveis de acordo com o contexto, mas cuja origem é única. Com
relação a este fenômeno de indeterminação, os dicionários, via de regra, apresentam uma
entrada. Exemplificam com ponto que vem do latim “punctus” (também deve ser corrigido:
punctum) e pode significar: sinal gráfico; lugar determinado; livro em que se marcam faltas,
7
etc. Finalizam com a observação de que há palavras que são homônimas em relação às outras
e polissêmicas se as compararmos com terceiras. As autoras também exploram a palavra
cravo e afirmam que, quando se origina do francês clavecin instrumento de cordas e quando
se origina do latim clavu (prego, afecção da pele, flor ou condimento), são homônimos.
Entretanto, só os últimos são polissêmicos, pois, além de terem analogia na forma, têm a
mesma origem vocabular.
Aqui se pode notar que há uma divergência quanto ao exemplo apresentado por parte
de Leme, Serra e Pinho e pela última obra consultada. O que se pode observar é que as
últimas autoras se valem do critério etimológico.
Sacconi (1982, p. 352-3; 1994, p. 432-3) também leva em conta o enfoque diacrônico
para estabelecer um paralelo entre homonímia e polissemia. Segundo ele, por diacronia, só há
homonímia quando uma palavra possui vários significados, mas resulta de vocábulos
distintos. Exemplifica com rio que provém de rivu (substantivo latino) ou de rideo (verbo
latino). Há polissemia quando uma palavra adquire multiplicidade de significados, que se
explicam dentro de um contexto; neste caso, trata-se realmente de uma única palavra, que
abarca grande número de acepções dentro de seu próprio campo semântico. Entretanto, isso
não acontece obrigatoriamente, pois se tem, por exemplo, as metáforas. Para exemplificar a
multiplicidade de significados, o autor selecionou o verbo fabricar e o adjetivo fino, além de
comentar que também há conjunções polissêmicas: que, se, como, porque, porquanto, que ora
aparecem com um valor e ora com outro, dependendo do contexto em que estão inseridas.
2.1.2 Uma discussão dos limites entre homonímia e polissemia: com a palavra os lingüistas
Para iniciar esta seção, acredita-se ser importante apresentar a distinção entre os
termos significado e sentido. Isso se justifica por não haver, entre a maioria dos autores
consultados, clareza a respeito dos dois termos que aparecem, muitas vezes, de forma
inadequada no contexto. Além disso, há que se levar em consideração que, quando o autor se
baseia em um texto original em inglês, a palavra meaning, tanto se refere a significado como a
sentido, assim, nas fontes consultadas, esse aspecto não aparece contemplado como deveria.
A distinção1 entre esses dois termos parte da dicotomia que Saussure fez entre langue
e parole. A língua é um sistema que está na mente dos indivíduos pertencentes à mesma
comunidade lingüística e, assim, o léxico internalizado é o incorporado naquela comunidade.
1 Para a discussão do assunto, foram consultadas notas de aula da disciplina Psicolingüística II, ministrada pelaDr.ª Leonor Scliar-Cabral, no I semestre de 2002, bem como material publicado pela professora.
8
Já o discurso é a enunciação de locutores para alocutários no espaço e no tempo, levando-se
em conta também as pessoas do discurso.
Na memória semântica, o que se tem são as significações básicas, ou seja, são
aquelas significações emprestadas pelos membros de uma mesma comunidade a um
determinado item lexical. No caso dos homônimos, no léxico mental, há mais de uma entrada
e cada uma delas vai apontar para o respectivo significado na memória semântica. Já, quando
o item é polissêmico, um mesmo item vai apontar para as várias significações básicas na
memória semântica. Essas significações, na enunciação, vão poder se referir a referentes
presentes, passados ou futuros em qualquer contexto.
Portanto, o significado é a referência e o sentido é aquele que recupera um referente.
O item “casa” ilustra esta distinção. Quando um falante diz que vai para casa, esta tem uma
significação básica para todos os membros de uma comunidade lingüística, ou seja, significa
lugar para morar. Entretanto, quando um falante diz: “Eu vou para a minha casa”, este item
vai recobrir um referente específico. Assim, pode-se perceber que o sentido é construído na
enunciação e pode não ser o mesmo para os vários membros de uma determinada
comunidade, pois o sujeito recupera um referente.
Enfim, na organização mental, haveria significados propriamente ditos apenas na
memória semântica, mas muitas pessoas, ao acessarem os significados, como estratégia
preferencial, recorrem ao conhecimento de mundo e ao conhecimento enciclopédico. Isso
implica que estão construindo sentidos voltando-se para a memória de eventos. Quanto a esta
capacidade do ser humano, explica Scliar-Cabral (2002, p. 66): “a indeterminação decorre
também do princípio universal de que qualquer língua possui instrumentos disponíveis que
permitem atualizar ou definir qualquer sentido lingüístico interpretável pelos usuários. Este é
o cerne da idéia humboldteana de criatividade”.
Passa-se, então, a uma incursão pelos autores que discutem o tema e, valendo-se do
critério cronológico, a primeira apreciação será feita a partir da visão de Mattoso Câmara Jr.
(1968, p. 194-6) para quem a homonímia é “propriedade de duas ou mais formas, inteiramente
distintas pela significação ou função, terem a mesma estrutura fonológica: os mesmos
fonemas, dispostos na mesma ordem e subordinados ao mesmo tipo de acentuação”. Ele
também apresenta como exemplo a palavra são em diferentes contextos: a) Um homem são;
b) São Jorge; c) São várias as circunstâncias.
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O autor considera a homonímia, nas línguas, uma deficiência do princípio geral da
distinção fonológica como base da distinção formal. Porém, em virtude do papel do contexto2
na significação de uma forma, como as apresentadas anteriormente, não há prejuízo na
comunicação lingüística.
Outro aspecto para o qual chama a atenção é que a significação lingüística envolve a
polissemia3 e, por isso, a descrição lingüística tem de saber distinguir entre a polissemia de
uma forma e a homonímia de duas ou mais formas. Para tal, pode-se fazer uso do critério
diacrônico ou do sincrônico. O primeiro considera homônimas apenas as formas
convergentes da gramática histórica e o segundo, as formas fonologicamente iguais, cujas
significações não se consegue associar num campo semântico definido. Também as classes
de vocábulos auxiliam para explicar os homônimos, pois palavras como alimento,
dependendo da função que ocupam, podem aparecer ora como substantivo ora como verbo.
Mattoso Câmara Jr. (1977), ao analisar o critério etimológico, diz não ser este
totalmente satisfatório. Para saber até que ponto se teria polissemia ou homonímia, o autor
considera importante introduzir considerações diacrônicas na descrição sincrônica. O
exemplo escolhido é a palavra cabo. Do latim “caput” (=cabeça), têm-se os significados:
posto militar; acidente geográfico. Também o latim “capulus”, derivado de “capere”
(=segurar), dá origem a cabo como peça para segurar um instrumento. Mas nem tudo é tão
simples assim e, para mostrar que há falha na descrição diacrônica, o autor apresenta como
contra-exemplo a palavra pata cuja origem é desconhecida. Para ele, seria incoerente afirmar
que cabo, significando acidente geográfico e posto nas forças armadas, apresenta um caso de
polissemia em face de uma homonímia com o outro significado, peça para segurar um
instrumento. Para o autor, a solução está na distribuição das formas, um critério basicamente
sintático. Assim, a polissemia seria indicada pela distribuição igual e a homonímia, pela
diferente. Tomando novamente a palavra cabo, esta seria polissêmica, pois sua distribuição
como substantivo é a mesma na frase, funcionando ora como sujeito ora como objeto:
(1) a) O cabo cuidou do pelotão durante o desfile.
b) Há histórias incríveis sobre o cabo da Boa Esperança.
c) Marília irá consertar o cabo da panela.
2 Para o autor, significa “o conjunto de uma enunciação lingüística posta em cotejo com os elementos que acompõem”. ( 1968, p. 101).3 “Propriedade da significação lingüística de abarcar toda uma gama de significações, que se definem e precisamde um contexto”.(ibid, p. 285)
10
Rehfeldt (1980) considera o critério da distribuição das formas pouco válido, pois
não contribui para esclarecer os problemas semânticos. Também os critérios da relação entre
os significados e o da intuição do falante oferecem problemas. Para a autora, que argumenta
haver pouca fundamentação para especificar as diferenças entre polissemia e homonímia, com
segurança, é viável adotar a perspectiva sincrônica, na qual o significado é determinado pelo
uso e pelas circunstâncias em que a palavra é utilizada. Desta forma, é importante valer-se
tanto do contexto lingüístico como do extralingüístico para estabelecer o significado.
Lyons (1987, p. 140-3) também estabelece um paralelo entre homonímia e
polissemia, mas advoga ser difícil estabelecer diferença entre uma e outra. Para o autor, os
homônimos são, tradicionalmente, palavras diferentes (lexemas)4 com uma forma igual. Mas
isso é válido se for levada em conta apenas a homonímia absoluta, pois, quando há a parcial,
ou seja, o caso dos homófonos não homógrafos, a referência à “forma igual” fica afetada.
Assim, é preciso rever essa definição partindo da inclusão de tipos de homonímia parcial. No
que se refere à polissemia (ou significado múltiplo), é propriedade de lexemas simples. Ao
fazer esta referência, está estabelecendo a diferença entre um e outro fenômeno. O autor
apresenta como exemplo de homônimos a palavra bank também explorada por Pustejovsky
(1998, p. 27), significando em (2 a) margem de rio e (2 b) instituição financeira:
(2) a) Mary walked along the bank of the river.
b) HarborBank is the richest bank in the city.
Para exemplificar polissemia, Lyons escolheu neck, que, nos dicionários do inglês, é
tratado como um único lexema com diferentes significados: 1. parte do corpo; 2. parte da
camisa ou vestimenta; 3. parte da garrafa; 4. faixa estreita de terra, etc.
Se, de um lado os dicionários apresentam a distinção entre homonímia e polissemia,
de outro surge uma questão: qual o critério que a estabelece? Novamente aparece o
etimológico, o qual é considerado, pelo autor, como irrelevante: “embora os lexicógrafos
possam sustentar que seja uma condição suficiente para a homonímia, a diferença de origem
nunca foi considerada necessária ou sequer a mais importante das condições diferenciadoras
entre homonímia e polissemia” (op. cit., p. 142). Então, como considerar esses dois
fenômenos? A distinção pode ser feita levando em conta a relação entre significados. O
4 Neste caso, o autor considera lexema como palavra e também esclarece que as palavras são lexemasvocabulares. Em outro ponto aventa que, como nem todos os lexemas são palavras, muitos são lexemassintagmáticos. Entretanto, nesta tese, lexema não é considerado como sinônimo de palavra, mas sim como omorfema que se refere à significação externa, em contraposição aos morfemas puramente gramaticais.
11
lexicógrafo coloca apenas uma entrada lexical quando os vários significados de um lexema
polissêmico são relacionados entre si; caso contrário, haveria várias entradas lexicais e aí
haveria um caso de homonímia. Entretanto, uma questão não fica esclarecida pelo autor:
como o lexicógrafo decide? Ainda abordando a dificuldade de se levar em conta o que foi
mencionado, o autor exemplifica o que aconteceu com o significado de pupil1 (aluno) e
pupil2 (pupila), os quais estão historicamente relacionados, mas a ação do tempo os afastou,
dificultando a relação entre eles. Ao final, pode-se depreender que a visão do autor quanto à
distinção entre um e outro fenômeno não é muito otimista, pois embora seja fácil formulá-la, é
difícil aplicá-la seguramente.
Zandwais (1998, p. 137-8), baseando-se em Palmer (1976), mostra a dificuldade de
se encontrarem os limites entre homonímia e polissemia, devido à impossibilidade de
distinção entre uma forma e um mesmo significado. Para o autor, a tarefa é do dicionarista, o
qual deve selecionar uma ou mais entradas lexicais, dependendo de se o caso é de polissemia
ou homonímia. A fim de não deixar a questão entrar no campo da subjetividade, e resguardar
um princípio semântico, o autor retoma o critério etimológico. Além disso, para aproximar
mais as duas ocorrências, “conclui que itens lexicais polissêmicos apresentam vários
sinônimos e antônimos que correspondem, respectivamente, a cada um de seus significados”
(op. cit, p. 138).
Antes de abordar a homonímia, Kempson (1980, p. 79-83) estabelece uma distinção
entre palavra e item lexical (ou lexema). A primeira está ligada a um complexo fonológico e
a segunda caracteriza um paradigma; por exemplo, run, runs, running, ran têm entradas
separadas no dicionário, entretanto, é importante esclarecer que se trata do dicionário mental,
conforme se pode observar nas sentenças abaixo:
(3) a) He runs the motorshow.
b) He runs for Hampshire.
Outro exemplo apresentado é o de bank (também explorado por Lyons e
Pustejovsky) para o qual existem dois itens lexicais - margem e instituição financeira – para a
mesma palavra fonológica. Segundo a autora, este fenômeno de ambigüidade múltipla das
palavras (fonológicas) é conhecido como homonímia, um termo tradicionalmente reservado
para significados não relacionados das palavras. Logo, o que está listado no léxico (dicionário
teórico) são itens lexicais, não palavras. Se comparada à posição de Lyons, pode-se perceber
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que ambas comungam a questão da relação de significados e do número de entradas de itens
lexicais no dicionário.
Corroborando com a posição de Kempson, está a definição de homonímia
apresentada por Oliveira (2000, p. 86): “processo relacional que configura a identidade de
forma e/ou som entre dois lexemas, e cujos significados são distintos. Sua atuação é no
paradigma”. Como exemplos apresenta:
(4) a) Escolhemos uma bela revista de moda.
b) Esta edição foi revista e ampliada.
Assim, ainda que pareça haver identidade do ponto de vista lexical, contextualmente
há semas diferentes sendo privilegiados: “de moda” e “ato de revisar”. Ou seja, a
diferenciação de significado se mantém em cada contexto embora haja relação homonímica
no aspecto gráfico e fônico.
Também Scliar-Cabral (1985, p. 183-5), analisando a teoria de Pottier, afirma que
fazem parte do processo semasiológico5 a polissemia lexical e a sintática. O processo da
homonímia se situa na lexical, ou seja, se tem o mesmo significante, ainda que com sememas
distintos, como exemplifica a palavra são, apresentada anteriormente por Martins e
Zilberknop (1997) e por Mattoso Câmara Jr. Já na polissemia, existe a intersecção de dois ou
mais sememas como acontece com leito (do rio e cama):
(5) a) O leito do rio, naquele ponto, era razão de muitas lembranças da última cheia.
b) Doente, há vários dias, Joelma não saía do leito.
De acordo com Almeida (1990, p. 187-192), a homonímia e a polissemia são
fenômenos lingüísticos de origem diferente, como já discutido anteriormente, mas ambas
acabam convergindo para o mesmo resultado, a ambigüidade da frase.
Complementando a questão da duplicidade de sentido, são apresentadas as sentenças
analisadas por Ilari e Geraldi (1990, p. 57-8):
5 Pottier “enfatiza a importância dos mecanismos onomasiológico e semasiológico, não só no que diz respeito àmetodologia seguida pelo cientista, como a mecanismos que realmente operam no ato de comunicação,conforme os participantes estejam na posição de emissor (mecanismo onomasiológico) ou de receptor(mecanismo semasiológico)”. (op. cit.,p. 184).
13
(7) O cadáver foi encontrado perto do banco.
(8) Pedro pediu a José para sair.
(9) José não consegue passar perto de um cinema.
Todas admitem diferentes leituras, mas a análise selecionada é referente ao caso
apresentado em (7) que novamente explora a palavra banco, aqui podendo significar casa
bancária ou assento, mas que tem a escrita e a pronúncia idênticas, ou seja, é um exemplo
claro de homonímia e esta é freqüentemente a raiz de uma ambigüidade. Na sentença
analisada, além da homofonia, há a homografia, o que não acontece em outros casos, nos
quais as palavras são homófonas, mas não são homógrafas, ou seja, se houver ambigüidade,
esta será provocada na fala, não na escrita, como evidenciam os exemplos:
(10) Margarida Mendes trouxe os ovos na sexta.
(11) Margarida Mendes trouxe os ovos na cesta.
Ainda a fim de discutir a questão da possibilidade de mais de uma leitura de uma
sentença, foi selecionado o exemplo apresentado por Moura (1999, p. 78-80):
(12) Antônio Ermínio comprou a Folha de São Paulo.
Partindo da afirmação de Pinkal (1995), o autor explica que a ambigüidade ocorre
quando a informação discursiva é insuficiente para a desambigüização. Então o intérprete
pode recorrer a uma inferência pragmática, atribuindo uma certa crença ao locutor, e isso
resolve a ambigüidade. A precisificação (Pinkal, 1995) é outra forma de resolver a
ambigüidade, ou seja, a duplicidade de sentido é eliminada, pois o contexto se torna mais
informativo. O locutor, por exemplo, pode acrescentar à sentença em (7) a expressão “Itaú” e,
assim, o ouvinte/leitor só acessará um significado, o de casa bancária.
Ainda recorrendo a Pinkal, é interessante analisar mais casos de ambigüidade de
sentido limitado. O autor faz uma dupla divisão: ambigüidade do Tipo-P e ambigüidade do
Tipo-H. Uma sentença como
(13 ) Não gosto de maçã verde.
14
Apresenta a possibilidade de duas leituras, tanto dando a entender a cor “verde”
como o fato de “não estar maduro”, mas ambas podem se referir ao mesmo objeto, no caso,
maçã. O que se tem aqui é uma expressão chamada Tipo-P, que é uma espécie de
ambigüidade que corresponde à polissemia.
Já o tipo H tem um outro comportamento, pois é a gramática que determinará o
sentido da expressão que aparece no discurso. Um exemplo é cravo, cujos significados foram
apresentados anteriormente. Nas sentenças abaixo, é possível perceber que, diferentemente
do tipo P, não é possível apresentar os três sentidos se referindo ao mesmo referente:
(14) a) O cravo é uma flor adequada para presentear homens.
b) Cristo teve seus pés e mãos afixados à cruz por cravos.
c) Hoje não se encontram mais pessoas que saibam tocar cravo.
A ambigüidade lexical também mereceu a discussão de Pustejovsky (1998, p. 27-38),
o qual explorou duas dimensões desse problema. O autor reafirma que muitas palavras na
língua têm mais de um significado, uma propriedade usualmente chamada de polissemia, mas
os meios pelos quais as palavras carregam múltiplos significados podem variar. Por exemplo,
Weinreich (1964; citado por Pustejovsky) distingue dois tipos de ambigüidade: a primeira ele
chama de ambigüidade contrastiva. Esta é vista quando um item lexical acidentalmente
carrega dois significados distintos e não relacionados, afins (i.e. homonímia). O autor
apresenta exemplos do inglês com as palavras bank, line, taxi, bar e turned. Levando em
consideração o português, é possível se ter sentenças como:
(15) a) Joana iniciou a carta dizendo: escrevo estas linhas para contar as novidades.
b) Quando Rubinho irá ultrapassar a linha de chegada em primeiro lugar?
c) A mãe pegou a linha e começou a bordar o nome da menina.
Entretanto, o melhor exemplo em português é a palavra são para a qual já foram
apresentados exemplos anteriormente, pois em (15a) temos um caso de metonímia.
O outro tipo de ambigüidade, ao qual Weinrich (op. cit.) se refere, envolve os
significados lexicais que são manifestados no mesmo sentido de base da palavra que ocorre
em diferentes contextos. O autor apresenta cinco exemplos, explorando as palavras bank,
window, door, farm, open, dos quais dois foram pinçados:
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(16) a) The bank raised its interest rates yesterday
b) The store is next to the newly constructed bank.
c) John crawled through the window.
d) The window is closed.
Casos como esses são denominados complementary polysemy. O modelo sugerido
por Pustejovsky de significado lexical pode, segundo o autor, ser capaz de dar conta de como
a palavra [bank] banco pode se referir tanto à instituição quanto à construção; e de como a
palavra [window] janela pode se referir tanto à abertura quanto ao objeto físico. Explorando
exemplos em português, percebe-se que também é possível a construção de sentenças
similares, que exemplificam a metonímia:
(17) a) O ladrão pulou a janela.
b) O marceneiro fabrica uma janela por semana.
2.1.3 Critérios de distinção entre os fenômenos de indeterminação semântica
Para estabelecer a distinção entre homonímia e polissemia, recorreu-se a Moura
(2001) que apresenta para tal o critério da obrigatoriedade de determinação no contexto.
Retomando Pinkal (1995, p. 86), sabe-se que “uma expressão é homônima se e somente se um
nível de base indeterminado é inadmissível.” Assim, no critério primeiro, quando se tem um
item lexical homônimo, sua seleção é obrigatória no contexto. Portanto, em uma sentença na
qual apareça o item banco, só poderá haver uma das duas interpretações possíveis, isto é,
instituição financeira ou assento. Entretanto, no caso da polissemia isso não ocorre, uma vez
que admite valor de verdade indefinido. Ou seja, mais de uma acepção pode co-ocorrer para
o item lexical. Por exemplo, as palavras livro, carta e brochura também discutidas por Cruse
(2000), permitem que sejam interpretadas tanto como [texto] quanto [tomo].
É justamente o critério de obrigatoriedade de determinação no contexto, segundo
Moura (2001), que caracteriza a homonímia, opondo-se, então, à polissemia e vagueza. Essa
idéia parte da análise feita dos testes de ambigüidade já propostos por outros autores
(Kempson, 1980; Cruse, 2000). Este apresenta os testes de identidade e de zeugma, os quais
visam cotejar a incompatibilidade de significações em um mesmo item lexical.
Diferentemente do proposto por Moura, esses testes agrupavam de um lado a ambigüidade,
englobando homonímia e polissemia, e vagueza de outro.
16
Assim, é possível perceber que a oposição entre homonímia e polissemia ocorre
quando, naquela “há uma incompatibilidade completa entre os sentidos de uma palavra, mas
no caso da polissemia tal incompatibilidade pode ser maior ou ‘menor’” (Moura, 2001, p.
113-4).
O teste de identidade é uma proposta para mostrar se há ou não sentidos compatíveis.
Para tal, se acrescenta a expressão (fazer isso/ser isso) também a fim de verificar se é exigida
obrigatoriamente a identidade dos sentidos conectados por ela. Para exemplificar, apresenta-
se o exemplo que segue:
(18 ) Maria Eduarda trabalha na revista e Cláudia também.
A expressão também exige a obrigatoriedade de determinação no contexto. Ou se
tem a interpretação de que tanto Maria Eduarda e Cláudia fazem inspeção ou que trabalham
num periódico onde se divulgam assuntos variados ou ainda que atuam em um show de
variedades. Não seria possível atribuir a uma o significado de que faz inspeção e a outra que
trabalha em um periódico. Portanto, a homonímia bloqueia a leitura cruzada, o que possibilita
só uma acepção ser acessada.
Entretanto, isso não acontece com as palavras polissêmicas e vagas, pois como
mostra o exemplo, assim como a palavra livro, CD também apresenta mais de uma
interpretação (cf. Cruse, 2000):
(19 ) Meu amigo gostou do CD do Djavan e meu pai também.
O teste de zeugma, no qual há a elipse do verbo, é outro relacionado ao critério de
obrigatoriedade de determinação no contexto, o qual também possibilita que somente uma
acepção seja acessada. Moura (2001) apresenta como exemplo:
(20) João montou um cavalo, e Maria a peça de Shakespeare.
Neste caso, apesar de montar apresentar dois sentidos (cavalgar; encenar), apenas um
é determinado, ou seja, João cavalga e Maria encena. Não é possível, a não ser em alguns
tipos de discurso como o humorístico, coordenar por zeugma esses dois sentidos, por que o
contexto exige que apenas uma acepção seja determinada, assim, não há a possibilidade de
17
leitura cruzada e o que se tem, então, é um caso de homonímia. Se o exemplo tratasse de
palavras polissêmicas ou vagas, não haveria o bloqueio da leitura cruzada.
Portanto, o critério de obrigatoriedade de determinação no contexto divide em duas
classes os fenômenos de indeterminação semântica aqui apresentados. De um lado está a
homonímia e de outro a polissemia e a vagueza.
2.1.4 Afunilando os conceitos
Depois de uma incursão por pontos de vista que divergem e convergem no que diz
respeito à homonímia e aos outros fenômenos que estão relacionados, ambigüidade e
polissemia, é preciso estabelecer delimitações.
A polissemia é descrita como uma propriedade essencial à sobrevivência de uma
língua por Perini (1996, p. 251-2), pois “sem ela não poderiam funcionar eficientemente.
Seria impraticável dar um nome separado a cada ‘coisa’, incluindo aquelas que nunca
vimos.[...] confere às línguas humanas a flexibilidade de que elas precisam para exprimir
todos os inumeráveis aspectos da realidade. Conseqüentemente, a maioria das palavras são
polissêmicas em algum grau. Palavras não-polissêmicas são raras...”. Se de um lado, é
possível concordar com Perini; por outro, não se pode acreditar que seja tão simples
estabelecer os limites entre este fenômeno e a homonímia como apregoam as gramáticas. A
posição de Scliar-Cabral (2002, p. 67) alerta para isso:
A explosão semântica causada pelo crescimento exponencial da ciência e da tecnologia no últimoséculo, paralelamente à injeção maciça dos empréstimos lingüísticos devido à globalização, acarretaproblemas avassaladoramente complexos. Os fatos não são tão transparentes quanto os referentesatribuíveis à palavra “banco”, tantas vezes citada na literatura, quer por processos polissêmicosou homonímicos [grifo nosso] (Pustejovsky & Boguraev 1996: 2; Buvac 1996: 113; Mineur eButtelar 1996: 129). A recuperação da referência e a identificação do referente de uma expressãotambém envolvem processos anafóricos a nível micro e macro estrutural dos textos coesivamenteconstruídos, além da utilização de recursos extralingüísticos, tais como o contexto situacional, oconhecimento cultural e compartilhado e pistas pragmáticas. Em adendo, o contexto situacional éabsolutamente necessário para a recuperação referencial das pessoas do discurso e seus satélitesespaciais (de Villiers e de Villiers, 1974) e temporais, já que eles carecem de autonomia referencial:junto com o conhecimento cultural e compartilhado, são responsáveis pela vaguedade do discurso.
Ainda que sejam tênues os limites ou até mesmo difíceis de serem estabelecidos,
como afirma Lyons, é possível tomar uma posição e advogar que conceitos expressam de um
lado a polissemia e de outro a homonímia.
18
A polissemia, nesta tese, é definida de acordo com Moura (2001, p. 112) “como a
existência de mais de um sentido, associados a um item lexical e que mantêm entre si algum
tipo de relação semântica”. Assim, é possível ter claro que uma palavra adquire sentidos
diferentes no mesmo contexto ou em contextos diferentes, mas mantendo algum tipo de
relação semântica, podendo até ser seu sentido usado de forma figurada, como na construção
de uma metáfora.
Já que o mote de toda a discussão é a homonímia, este fenômeno pode ser entendido
como a relação que existe entre um item lexical e dois ou mais significados. Assim, podem-
se encontrar palavras que apresentam a mesma pronúncia e escrita e será preciso o contexto e,
às vezes, a precisificação para que a escolha adequada do sentido aconteça. Moura (2001)
afirma que é justamente o critério de obrigatoriedade de determinação no contexto que
caracteriza a homonímia, opondo-se, então, à polissemia e vagueza.
Também é possível encontrar homonímia parcial, ou seja, há apenas a mesma
pronúncia ou escrita: são os casos de homografia e homofonia. Nesta situação, a atribuição do
significado pode se tornar mais simples, especialmente, se for levada em conta a
descodificação.
2.2 Abordagem psicolingüística: diferença entre o processamento da leitura e da
escritura
A psicolingüística é a ciência que investiga, entre outros, os processos de
codificação e os de descodificação. Um dos ramos dessa ciência é a psicolingüística aplicada
que “tem por escopo, como o nome indica, aplicar os achados da pesquisa fundamental em
psicolingüística ao equacionamento de problemas em campos afins, como, por exemplo: a
tradução, os distúrbios de comunicação, o ensino de primeiras e n língua, o ensino da lecto-
escritura e a análise dos textos literários” (Scliar-Cabral, 1991, p. 151). Dentre os campos
citados, interessa, nesta tese, o do ensino da lecto-escritura. Segundo a autora, embora a
psicolingüística não tenha o poder de resolver os problemas do analfabetismo, pode contribuir
para que o quadro referente ao insucesso escolar seja minimizado devido aos avanços teóricos
dessa ciência. Um dos caminhos para tal é a formação dos profissionais da educação, que
atuam tanto na Educação Infantil, especialmente no pré-escolar, quanto os que ensinam nos
primeiros ciclos do Ensino Fundamental, quanto ao processamento da leitura e da escrita.
Além disso, cabe aos psicolingüistas “efetuar uma crítica permanente ao material
pedagógico, aos currículos e, se possível, colaborar na confecção dos mesmos” (op. cit., 152).
19
Antes de se discutir a questão relacionada ao ensino da leitura e da escritura, é
necessário apresentar a diferença entre o processamento da leitura e da escritura.
Inicialmente, se fará uma discussão breve em torno do que é a leitura para, posteriormente,
apresentar os seus diferentes modelos. O outro ponto a ser abordado é o do processamento da
escritura a fim de apresentar as diferenças entre um e outro processamento e os modelos
existentes.
Morais (1996, p. 112) advoga que “a leitura é um modo particular de aquisição de
informação”. Ele acredita que, para compreender o que é leitura, dentro de uma abordagem
científica, deve-se evitar estender o campo de aplicação desse objeto. Assim, o termo
“leitura” se restringe ao tratamento de sinais gráficos, descartando-se também a questão da
inferência, ilustrada na expressão “ler nas entrelinhas”. Essa habilidade vai além do escrito
para chegar à intenção, ou seja, não é específica da leitura, pois se encontra também na
compreensão da linguagem falada. Castro e Gomes corroboram com Morais, afirmando que
há uma distinção entre o processo de leitura e a função da leitura, pois esta é geralmente a da
compreensão. Os processos usados para a compreensão servem tanto para compreender a
mensagem escrita como a falada. De acordo com o segundo autor, para a compreensão do
texto, usam-se as competências lexicais bem como os processos de análise sintática e de
integração semântica; também são utilizados o conhecimento de mundo e a experiência
pessoal. Esses últimos processos e conhecimentos são desenvolvidos na criança antes de
aprender a ler, servindo, assim, também para a linguagem falada. “Já a leitura propriamente
dita exige processos específicos, de reconhecimento e de conversão dos sinais gráficos em
representações mentais (que por sua vez vão permitir a compreensão). [...] A compreensão
transcende a leitura e faz-se graças a processos mentais gerais, que não estão estritamente
dependentes da leitura” (Castro e Gomes, 2000, p. 119). Pode-se perceber que, na perspectiva
adotada, há uma confusão entre processamento em leitura com descodificação. Para esses
autores, a leitura fica apenas na descodificação, sendo os outros processos cognitivos, ou seja,
não são especificamente relativos a como o leitor processa a informação do texto. Esse
enfoque é coerente com o processamento em paralelo. Entretanto, o fato de em certos níveis
lingüísticos, particularmente a partir do processamento semântico para cima, não se conseguir
separar nitidamente entre o que é lingüístico e o que é cognitivo não significa que não seja
lingüístico. Uma coisa é dizer que se processa em paralelo, outra coisa é se dizer que aquele
processamento não é lingüístico, é só cognitivo, geral, então se ficaria especificamente só na
descodificação como sendo o processamento de leitura e esse é que é o problema.
20
Essa outra postura é adotada por Scliar-Cabral (1992, p. 129) que divide a leitura em
quatro fases principais: decodificação, compreensão, interpretação e retenção da informação.
Para a autora (2001; 2003), o processamento da leitura tem início a partir da intenção do leitor
que busca o texto a fim de atender a uma necessidade: informação, lazer, prazer estético ou
outra. A seguir, ocorre a pré-leitura na qual os conhecimentos prévios são acionados para que
os sentidos sejam atribuídos adequadamente. Na leitura propriamente dita, ocorre o primeiro
fatiamento no momento de fixação do olhar, precedido e seguido pelos movimentos em
sacada, através das pistas fornecidas pelo texto impresso e combinadas com o conhecimento
sintático internalizado. Assim, ocorre o reconhecimento e a identificação das letras, das quais
um certo número já é suficiente para a identificação da palavra. Passa-se, então, à atribuição
dos sentidos, articulados numa micro-estrutura, arquivada na memória operacional, que vai
guardando os sentidos articulados a partir do processamento das palavras e frases do texto.
Entretanto, se o leitor se defronta com uma palavra pela primeira vez, terá de atribuir o
sentido a partir da informação fornecida pelo texto impresso e/ou por processos inferenciais.
O modelo adotado nesta tese é o de processamento interativo e compensatório, mas
há outros que serão apresentados a seguir.
A definição de leitura adotada por diferentes linhas está conectada com um modelo
de processamento de leitura. Assim, a leitura pode ser entendida como a extração do
significado; atribuição do significado ou como a interação com o texto.
Ao se postular que ler é extrair o significado, entende-se “significado como aquele
segmento da realidade a que se chega através de um outro segmento” (Leffa, 1996, p. 12),
podendo, então, ser encontrado em vários lugares. No caso do texto impresso, é dele que o
leitor extrai o significado, pois esse é o lugar em que ele se encontra preciso, exato e
completo. Assim, tudo que está posto no texto deve ser analisado a fim de que se possa
extrair o verdadeiro significado. Tem-se, então, uma leitura linear, na qual o papel do leitor é
comandado pela informação que entra pelos olhos. Neste caso, a compreensão resulta de um
processo ascendente.
O modelo de extração, desenvolvido por Gough (1994), se preocupa com o
processamento letra por letra, palavra por palavra, ficando restrito à caracterização dos
estágios iniciais da leitura.
O processo, organizado em cinco etapas, pode ser assim descrito: inicialmente, o
estímulo percebido é transformado em uma imagem visual. A seguir, há a identificação letra
por letra, da esquerda para a direita, e a colocação dos tipos dentro do registro de caracteres.
O processo continua com a interpretação das letras em fonemas. Para o autor, essa
21
interpretação atinge o nível mais abstrato do fonema; a representação fonêmica, gravada em
uma fita, fica à espera de que a bibliotecária faça a busca lexical. Depois, ocorre o depósito
dos itens lexicais, na memória operacional, que passam pelo Merlim (operador sintático-
semântico) a fim de que se dê a compreensão a nível sentencial. Enfim, passa pelo editor para
que as regras fonológicas sejam aplicadas à sentença interpretada, resultando, então, em um
enunciado fonético.
Ainda quanto ao modelo de Gough, vale ressaltar que se restringe ao processamento
inferior, ao nível da letra, da palavra, não demonstrando abertura para o processamento
superior, além de só contemplar os sistemas alfabéticos ocidentais .
Por outro lado, a leitura pode ser concebida como atribuição do sentido e este passa
então a ter origem no leitor. Assim, o mesmo texto pode provocar leituras diferentes, uma vez
que não contém uma realidade, mas reflete segmentos dela, apresentando também lacunas que
serão preenchidas pelo leitor a partir de seu conhecimento prévio. Portanto, a leitura não é
mais vista como um procedimento linear, mas como de levantamento de hipóteses. Deste
modo, a compreensão é um processo que vai se desenvolvendo durante a realização da leitura.
Tem-se, então, um processo descendente.
Os modelos descendentes, surgidos na década de 70, período em que se fez um
questionamento intenso sobre o processo de leitura, têm como um dos principais autores
Goodman. O processamento da leitura é apresentado sob um novo enfoque teórico, no qual o
sentido é dado ao texto posteriormente, pois o leitor o atribui a partir de sua experiência
prévia e seus objetivos. Os estudos desenvolvidos, neste período, deram origem ao modelo
psicolingüístico de leitura.
Goodman (1971) acredita que a leitura seria “um jogo psicolingüístico de
adivinhação”. O autor desenvolveu seu modelo de leitura partindo do pressuposto de que, no
processo de leitura, contínuas interações entre pensamento e linguagem estão sendo
envolvidas e o leitor busca obter o sentido partindo do texto impresso através desse tipo de
interação. Para o autor, a leitura é um processo cíclico, que inicia com o ciclo ótico; depois
vem o perceptual; a seguir, o gramatical e, enfim, o do significado. Além disso, nesse
modelo, o leitor utiliza três fontes de informação: grafo-fonêmica, sintática e semântica. O
modelo deste autor tem início no momento em que o leitor passa os olhos pelo papel, linha
por linha, da esquerda para direita. Os olhos do leitor se fixam no estímulo grafêmico,
permitindo a focalização. A partir daí, inicia-se o processo de seleção dos indícios textuais.
Aqui, a imagem perpectual começa a se formar, sendo usados os indícios selecionados e os
antecipados. Tem início, então, o processo de antecipação ou “adivinhação”. A seguir,
22
começa o processo de relacionamento dos estímulos percebidos com suas formas sintáticas,
fonológicas e semânticas através de um mapeamento da memória. Enfim, caso não haja
falhas nesse relacionamento, a descodificação é extendida, o significado é assimilado com as
expectativas prévias e os significados prévios, então, sendo criadas outras expectativas sobre
o texto, dando continuidade ao ciclo de leitura. As memórias de curto e longo prazo são
usadas constantemente durante todo esse processo.
Neste modelo, os processos mentais de ordem superior são privilegiados na leitura e
esta é entendida, então, como um processo dinâmico na inter-relação de vários componentes
utilizados para o acesso ao sentido.
É justamente pela subordinação ao processamento superior, embora a necessidade
dos estímulos gráficos não seja descartada, que os modelos descendentes são criticados.
As pesquisas realizadas nas décadas de 70 e 80 procuraram mostrar que, no que diz
respeito à leitura, as etapas do processo representadas nos modelos ascendentes e
descendentes são complementares. É essa complementaridade que fica evidenciada nos
modelos interativos de leitura. Dentre os modelos interativos estão os de Rumelhart (1984),
Stanovich (1981; 1982) e Scliar-Cabral (1991), sendo que, nesta tese, se enfocará apenas o
último.
Scliar-Cabral (op. cit., p. 121-141) apresenta um modelo integrado, contextual,
interativo, dinâmico e criativo de recepção e produção que, embora se detenha no
processamento da cadeia da fala, pode ser extrapolado para o processamento da leitura. O
processamento de leitura é assim explicado: o leitor coloca na memória operacional a fatia
extraída da folha impressa; a seguir, faz a segmentação provisória e o emparelhamento do
item lexical com aquele que foi buscado na memória lexical e na semântica. Em textos
posteriores, a autora enfatiza que uma das diferenças essenciais é a separação das palavras em
espaços em branco e o contraste entre as letras. Se houver compatibilidade, o processo
continua e o subitem seguinte é buscado. Neste processo, o leitor se vale tanto do que provém
do texto impresso e foi descodificado quanto da informação contextual e do conhecimento
prévio. A autora justifica a abertura de um espaço para o sistema lecto-escrito em seu modelo
afirmando que (op. cit., p. 140):
existe um arquivo específico para o sistema grafêmico e para o léxico (significante ortográfico).Quanto aos componentes textual, sintático e os morfemas puramente gramaticais, a diferença dossistemas decorre de a comunicação no sistema lecto-escrito ocorrer com a ruptura espaço-temporalentre emissor (quem escreve) e o receptor (o leitor), com toda uma gama de repercussões na formacomo se dá a enunciação, os anafóricos, enfim, os elementos de coerência e coesão e respectivosmarcadores gráficos que devem estar arrolados nos paradigmas.
23
O modelo de Scliar-Cabral se fundamenta nos seguintes princípios: integração e
contextualidade; interação; dinamismo; gradiente dos processos automáticos aos criativos e
sistemas de linguagem. O referido modelo é organizado em três sistemas: sistema periférico,
executivo central e arquivo. Fora, agindo de forma a influenciar todos eles, se encontra a
afetividade. Passa-se, então, à apresentação do modelo com destaque aos aspectos voltados ao
sistema lecto-escrito.
Nesse modelo, é dada ênfase às conexões que se estabelecem entre as várias áreas no
sistema nervoso central e para a intermodalidade. Isso explica tanto “a possibilidade de
canais de entrada distintos estarem associados a áreas motoras diferentes (sistema audiovocal,
lecto-escrito, visogestual)” (op. cit., p. 133) como a possibilidade de haver intercomunicação
entre sistemas lingüísticos distintos como do audiovocal para o lecto-escrito e também o
contrário.
O fato de a memória semântica ser comum para todas as linguagens verbais é que
explica a intercomunicação. Dessa forma, os significantes diferentes, por serem gerados por
distintos canais sensoriomotores, apontam para os significados que estão estruturados na
memória semântica, a qual é comum a todos.
O sistema central se encontra no centro do modelo e é responsável por alocar a
atenção, delimitar o problema que deve ser resolvido, especificar quais os procedimentos para
a resolução do problema, selecionando-os, comandar os fatiamentos, realizar os cálculos
temporais, integrar as consecutivas saídas e coordenar a ordem na qual deve ocorrer a
realização dos processos. Um dos componentes desse sistema é o metaconhecimento
lingüístico que exerce duas funções: rejeitar uma língua desconhecida e identificar variedades
lingüísticas. Quanto a esta última, vale ressaltar que aí se encontra uma diferença significativa
entre os processos de recepção e produção, pois o homem é capaz de reconhecer diferentes
variedades lingüísticas, mas dificilmente será capaz de produzi-las.
O arquivo, que se localiza na parte superior do modelo, é composto pelo componente
cognitivo e pelos sistemas de linguagem. O primeiro é composto, basicamente, por esquemas
que se reestruturam constantemente devido às informações que provêm das novas
experiências. Fazem parte desse componente o conhecimento de mundo e o enciclopédico
bem como o pragmático e o compartilhado e a memória episódica e as memórias icônica e
ecóica, estando todos ligados por linha pontilhada, o que aponta para um número aberto e
ilimitado. Já os sistemas de linguagem se dividem em verbal, musical, matemático,
semafórico e outros. O sistema verbal, por sua vez, se subdivide em lecto-escrito e
24
audiovocal. No sistema lecto-escrito, encontram-se os seguintes elementos: grafêmico,
sintático, textual, morfológico, gramatical e lexical ortográfico. Como já foi mencionado, a
memória semântica, localizada no sistema audiovocal, é comum aos dois sistemas.
No que se refere a como a memória semântica está estruturada (Scliar-Cabral, 1999;
2002), desde os experimentos de Lúria, na década de 30, tem-se a oposição entre a estratégia
taxionômica e a funcional, mas sofreu várias implementações. Com desenvolvimento da
psicolingüística, no que se refere aos estudos sobre a memória, foram propostas diversas
explicações não só quanto aos tipos de memória, de curto prazo, de trabalho e permanente;
no caso da memória permanente se propuseram vários tipos (não vamos entrar na questão da
representação, se existe representação ou não) como caso da memória taxionômica, do estudo
dos ordenados, superordenados, dos infraordenadores, como a memória semântica estaria
organizada até a proposta de se ter um protótipo em torno do qual se dá uma configuração
semântica, isso de um lado. Do outro, na memória cognitiva, há vários tipos de memórias:
episódica, esquemas, mais recentemente o que se denominou a memória de eventos. Quanto
à última, se debate muito o efeito da educação sistemática sofre as estratégias preferenciais
dos indivíduos quando evocam os significados, ou seja, quanto mais letrado, mais
escolarizado, mais ele usa uma estratégia taxionômica que se baseia numa reclassificação a
partir dos traços semânticos dos itens em termos de coordenação ou subordinação, enquanto
que os menos letrados ou que têm um letramento menos desenvolvido fazem uma associação
com a memória cognitiva, particularmente com o evento, com o contexto de uso daquele item
associado a uma imagem mais icônica e não ao conceito mais abstrato.
Scliar-Cabral (1997, p. 5-6) explica que a proposta da divisão entre um léxico
mental, que arquiva os significantes de forma estruturada, e uma memória semântica, que
organiza os significados básicos e virtuais em campos semânticos entrecruzados e vinculados
ao conhecimento, “se torna necessária para elucidar questões como a sinonímia (inclusive a
parafrástica), a homonímia e a polissemia”. Em indivíduos letrados há ainda um léxico
mental ortográfico. Entretanto a autora esclarece que, por defender um modelo integrado e
contextual de processamento, “a atribuição da correspondência grafêmico-fonológica
adequada não se deve apenas à existência do léxico mental ortográfico, mas também à
informação morfossintática e semântica advinda do próprio texto. Além disto, esta informação
é absolutamente necessária para desmanchar possíveis ambigüidades no caso dos
homônimos”.
Ainda que a leitura e a escritura tenham em comum os mesmos sistemas lingüísticos,
apresentam diferenças significativas no que se refere ao processamento. Ler é um processo
25
receptivo uma vez que o indivíduo recebe o texto produzido, cabendo a ele a descodificação,
compreensão, interpretação e retenção da informação. Vários conhecimentos são necessários,
como será apresentado na outra seção, para que ocorra a aprendizagem da leitura e também da
escritura. A relação entre esses dois processos é fundamental, pois a escrita se apóia na
leitura, entretanto, por ser um processo produtivo, escrever é mais complexo que ler.
Assim como o processamento da leitura, o da escritura pode ser dividido em etapas.
Inicialmente, será apresentada a visão adotada nessa pesquisa e que se baseia em Scliar-
Cabral (2001; 2003). Para a autora, o que acontece inicialmente é a motivação, que leva o
redator, por intenções pragmáticas, a escrever o texto. Depois, ocorre a seleção dos esquemas
mentais bem como a dos registros lingüísticos que devem ser adequados ao gênero textual, ao
receptor e objetivos a fim de que o texto alcance seus propósitos. Feito isso, vem a fase de
planejamento; depois acontece a linearização lingüística. Interessa, na presente tese,
especialmente a escolha dos grafemas depois de selecionada a inserção do item lexical na
frase. Nesse momento, o redator deverá selecionar que grafemas codificam a realização de
determinados fonemas; no caso dos homófonos não homógrafos, urge observar o contexto,
uma vez que este é competitivo e sua escolha depende do significado atribuído ao item
lexical. Além disso, há um outro fator que interfere na escolha: a variação sociolingüística,
uma vez que o aprendiz, durante a aquisição de sua língua, esteve exposto a uma variedade
que foi internalizada. Outro elemento que faz parte desse modelo é a monitoria, considerada
um “processo metacognitivo que consiste em acompanhar de uma forma reflexiva a produção
escrita” (Scliar-Cabral6). A monitoria pode ocorrer em duas etapas: pari passu ou a
posteriori. A primeira acompanha todas as etapas da produção escrita e acontece tanto
durante a fase de planejamento quanto na de execução; a outra é feita ao final da produção do
texto.
Também Poersch (1986, p. 29-30) advoga que o processo de escritura pode ser
analisado em etapas, sendo algumas, às vezes, simultâneas. O autor apresenta cinco etapas:
estímulo externo ou interno; intenção de comunicar; codificação da mensagem; recodificação
da mensagem e emissão gráfica da mensagem. A primeira está relacionada ao que quem
escreve quer dizer, ou seja, à substância de conteúdo do processo comunicativo. Na outra
etapa, ocorre o momento de definição da intenção da comunicação e a partir daí será
elaborada, mentalmente, a princípio, a substância de conteúdo que ganhará forma e
organização. A terceira etapa se refere à codificação na qual o produtor recorre a um sistema
6 Nota de aula da disciplina Seminários de Psicolingüística, ministrado no I semestre de 2001, no curso de Pós-graduação em Lingüística da UFSC, pela Dr.ª Leonor Scliar-Cabral.
26
lingüístico específico e então são selecionados os signos lingüísticos adequados que serão
produzidos de acordo com as regras específicas e apresentados linearmente. A recodificação
da mensagem é a próxima etapa que consiste na transformação dos signos orais em signos
gráficos. Por fim, a mensagem é gravada em um suporte e fica aguardando um possível leitor.
Assim, pode-se perceber que os modelos atuais de escritura embora apresentem as
etapas discretizadas admitem uma certa recursividade como se pode perceber também no
modelo de Flower e Hayes (1981). Os autores ampararam sua teoria na análise de protocolos
verbais de redatores proficientes. Neste modelo, os processos não acontecem de forma linear:
é o autor do texto quem estabelece o caminho da construção. O modelo inclui três unidades:
a situação comunicativa – os elementos externos ao escritor (o tema, a audiência, o canal,...);
a memória de longo prazo – armazena os conhecimentos, que o autor usa durante o processo
de comunicação, sobre o tema, a audiência ou os diferentes tipos de texto; os processos de
escritura: planejamento subdividido em geração, organização e estabelecimento de meta;
tradução e revisão que é composto por leitura e editoração; existe também, neste módulo, o
monitor, que controla esses três subprocessos. Enquanto os dois últimos, a memória de longo
prazo e os processos de escritura, acontecem no cérebro do escritor, a situação comunicativa
contém elementos externos ao escritor, em especial, o problema retórico e o texto escrito.
Finalmente, vale ressaltar que, para que o processo de composição aconteça, é necessário que
todos os processos e subprocessos sucedam com normalidade. Este modelo está relacionado
com outros, em especial com o de Flower, que parte da análise direta de textos de escritores
para identificar dois tipos de prosa - a de escritor e a de leitor – que são caracterizados
segundo a função, estrutura e estilo.
Kato (1995, p. 89-92) faz uma crítica ao modelo anterior e, a partir da reformulação
dele, apresenta outro no qual o processamento é mais interativo e recursivo. As principais
alterações acontecem nos processos de escritura. A geração deixa de estar ligada diretamente
às instruções e a ligação passa a ser entre o contexto da tarefa e os processos de escritura. O
subprocesso planejamento também sofre alterações, passando a ser denominado como
processamento de idéias, já o termo planejamento passa a fazer parte do monitor bem como o
estabelecimento da meta e a editoração, a qual, para a autora, ocorre ao final de cada processo
ou operação. Enfim, no subprocesso de revisão, no lugar da editoração fica a correção.
Por último, será apresentado o modelo de Meurer (1997, p. 14-28) que leva em
consideração tanto os aspectos lingüísticos como os sociocognitivos do ato de escrever. Este
modelo está organizado em módulos interligados dos quais fazem parte: fatos/realidade;
história discursiva individual, discursos institucionais e práticas sociais; parâmetros de
27
textualização; representação mental de fatos/realidade por parte do escritor; monitor. Como
no modelo de Scliar-Cabral, a motivação é o primeiro passo; a partir dela, o escritor inicia o
percurso de produção textual formando uma representação mental, imagem ou representação
dos fatos formados anteriormente na mente do escritor. Esta representação é controlada pelo
monitor e seu funcionamento depende dos: fatos/realidade; história discursiva individual,
discursos institucionais e práticas sociais e dos parâmetros de textualização que são
apresentados em número de sete. Os parâmetros são monitorados pelo escritor durante o
processo de composição do texto. Comparado com o modelo de Flower e Hayes (1981), aqui
também o monitor se mantém ativo em todo o processo de produção e é responsável tanto
pela geração de idéias, como pelo planejamento, organização, execução e editoração das
diversas partes do texto. Na rota inicial de produção de textos escritos de Meurer, há ainda
dois módulos que são denominados de estágio A e B. O estágio A é representado por duas
subpartes: representação mental dos fatos/realidade por parte do escritor e focos de atenção.
É neste estágio que o escritor seleciona um enfoque, partindo da representação mental de uma
certa realidade e passa, então, ao estágio B, no qual, através de representações lingüísticas,
tenta concretizar o que foi mentalizado. É aí que começa a surgir o texto escrito em sua
primeira versão. O autor adverte que, em situações escolares, o texto em geral termina por
aqui, mas para grande parte dos escritores este é apenas o começo, por isso a necessidade de
operações para a recomposição e polimento do texto que são também discutidas pelo autor,
mas que não serão enfocadas aqui.
2.2.1 Ensino e aprendizagem da leitura e da escrita
Falar em aprendizagem requer que se faça uma distinção entre ela e aquisição. Esta
acontece de forma espontânea (Pelandré, 2002; Scliar-Cabral, 2001;2003), uma vez que o ser
humano normal é biopsicologicamente programado para operar com signos verbais,
especialmente os orais, imperativo para sua sobrevivência, devido à maneira como o sistema
nervoso central está estruturado e funciona. Mas há ainda os fatores maturacional e ambiental
que se agregam ao inato a fim de que haja a aquisição da linguagem. Assim, é preciso levar
em conta também que os circuitos que ligam os diversos centros do sistema nervoso central
não nascem prontos: é necessário que os prolongamentos dos neurônios passem pelo processo
de mielinização para que sejam estabelecidas as ligações de maneira adequada e no devido
tempo. O fator ambiental tem suma importância pois “os programas inatos para o
28
desenvolvimento da linguagem verbal oral e sua maturação precisam ser ativados pela
interação verbal” (op. cit., 2001, p. 5).
Portanto, a aquisição da linguagem ocorre naturalmente, levando-se em conta os
fatores mencionados e, mesmo que não haja uma assistência consciente no desenvolvimento
da linguagem oral, a criança normal, exposta à interação, a adquire.
Entretanto, ler e escrever não ocorrem nessa mesma direção, pois exigem um ensino
sistemático. Scliar-Cabral (2003a, p. 41) aponta como fatores para a aprendizagem da leitura
e da escrita: “condições reais para que as crianças se tornem motivadas, experiência funcional
prévia com material impresso, exposição a contextos narrativos e um contexto ensino-
aprendizagem inteligente, onde professores e alunos em conjunto possam construir o
letramento”.
Outro aspecto imprescindível para que ocorra a aprendizagem do sistema escrito é a
consciência fonológica. Esta diz respeito “à capacidade de discriminar, compreender e
reflectir sobre o facto de as palavras serem constituídas por uma série de sons” (Pinto, 1998,
p. 43). A autora advoga que o contato da criança desde a pré-escola com a poesia está
associado a um melhor desempenho, posteriormente, na leitura. Scliar-Cabral (2002, p. 155)
afirma que “o exercício da consciência fonológica pressupõe, no mínimo, processos
atencionais, ou, com mais precisão, a intencionalidade para exercê-la e o domínio de uma
linguagem para o recorte consciente da cadeia da fala. Quanto às unidades que são objetos do
recorte, ele está na dependência direta de como uma dada língua escrita representa tais
unidades”. Esta autora, quanto à relação entre a aquisição da consciência fonológica e a
aprendizagem da leitura, advoga que há uma relação de reciprocidade entre esses dois
aspectos.
No processo de aprendizagem do sistema escrito, ainda devem ser levadas em conta
as consciências sintática e semântica bem como as convenções específicas desse sistema.
Inicialmente, há que se considerar também a questão motora. Kato (1995, p. 129) apresenta a
seguinte situação: perguntado a uma criança o que era mais difícil, ler ou escrever, ela
responde que escrever, pois cansa os dedos. A resposta do aprendiz aponta para a sua
dificuldade motora e essa constatação faz emergir um questionamento que nem sempre é
feito no espaço escolar: a ênfase nesta dificuldade não teria como causa o excesso de
exercícios de natureza mecânica na escola?
Um outro dado que precisa ser levado em consideração, atualmente, no ensino da
língua portuguesa, que já foi ventilado na primeira seção, é a explosão científica e
tecnológica, pois teve repercussão sobre o léxico e os universos cognitivos, promovendo a
29
especialização. Scliar-Cabral (2001b, p. 31) afirma que as conseqüências pedagógicas dessa
explosão são em grande número para o ensino da língua portuguesa, especialmente se for
levado em conta que a função da escola é, sobremaneira, ensinar a ler e escrever. A leitura
deve ter como objetivo a compreensão e interpretação de textos e a escrita, a produção de
textos que possam ser compreendidos e interpretados pelo leitor. Entretanto, “a criação de
universos do discurso especializados, com a respectiva explosão lexical e semântica, torna
impenetráveis os textos exatamente porque o leitor não dispõe dos respectivos esquemas”.
Diante da especialização, urge que as disciplinas sejam pensadas de forma interdisciplinar a
fim de que haja ampliação e aprofundamento dos esquemas cognitivos, o que favorecerá a
compreensão de textos.
Aprender a ler e escrever, independente do sistema de escrita, implica uma
multiplicidade de aquisições. Quanto à leitura (Castro e Gomes, 2000), para ser um leitor
fluente, pelo menos duas aquisições se fazem necessárias: o reconhecimento dos sinais
gráficos e o conhecimento prévio de como os sinais gráficos se organizam no papel. Já Lemle
(2001) apresenta cinco capacidades necessárias para a alfabetização: a idéia de símbolo; a
discriminação das formas; a discriminação dos sons da fala; consciência da unidade palavra e
a organização da página escrita. Pode-se observar que as idéias das autoras se
complementam.
Passa-se, então, à apresentação das concepções da segunda autora para quem a idéia
de símbolo é complicada. Entretanto, é questionável esta afirmação, uma vez que a
“complicação” não acontece na mesma proporção para todos os sujeitos em fase inicial de
aprendizagem do sistema escrito. A que se pensar, então, quais os fatores complicadores para
o entendimento da relação simbólica. Ainda quanto à primeira capacidade, a autora adverte
que a aprendizagem da leitura só ocorrerá se a criança compreender o que seja uma relação
simbólica entre dois objetos. Quanto à discriminação das formas, a autora advoga que o
aprendiz precisa entender que cada letra vale como símbolo de um som da fala. Neste aspecto,
ela chama a atenção para o fato de que as letras do nosso alfabeto têm formas bastante
semelhantes. A autora não comenta, mas se trata aqui do fenômeno da rotação dos traços e
por isso é importante que o educador tenha compreensão de que o nosso sistema escrito
apresenta uma economia de traços. A terceira capacidade, a discriminação dos sons da fala,
exige que o aprendiz tenha consciência da percepção auditiva. Lemle, nas duas últimas
capacidades, não faz distinção entre discriminação e percepção, mas é importante fazê-lo.
Quanto aos sons, a criança ao nascer discrimina quaisquer categorias que possam ser
discriminadas em qualquer língua e produz quaisquer sons também, mas isso ainda não é
30
fonológico, não é percepção, ainda não é lingüístico, especificamente falando. Assim, no
caso da alfabetização, o problema não é discriminação, mas percepção. Ainda, independente
das infinitas possibilidades de realização dos traços que diferenciam as letras, o que interessa
é o percepto que distingue uma letra da outra, e não a discriminação de inúmeras
possibilidades de produzir a letra.
Quanto à quarta capacidade, consciência da unidade palavra, a autora destaca que é
“o cerne da relação simbólica essencial contida numa mensagem lingüística...”. (op. cit., 11).
Além da palavra, o aprendiz deve também reconhecer sentenças, e para tal devem ser
ensinadas as suas formas de representação. A última capacidade, a organização da página
escrita, deve ficar estabelecida desde o início do trabalho de alfabetização, pois o aprendiz
deverá perceber que ler um texto é diferente de olhar uma gravura, e isso é novo para ele.
Quanto às duas aquisições apontadas por Castro e Gomes (op. cit.), analisaremos
apenas a primeira, reconhecimento dos sinais gráficos, uma vez que a respeito do
conhecimento prévio de como os sinais gráficos se organizam no papel, há uma harmonia
entre estas autoras e as idéias de Lemle. Para o domínio da linguagem escrita, é imperativo
que o aluno aprenda a reconhecer os sinais que se encontram dispostos no texto impresso. No
nosso sistema, o alfabético, que será discutido com mais propriedade em outra seção, tem-se
uma escrita na qual é possível, partindo de um pequeno conjunto de sinais gráficos, escrever
uma quantidade ilimitada de palavras. Ainda que possa haver variação quanto às letras que
compõem o alfabeto, é a escrita alfabética a que permite maior economia de caracteres.
A aprendizagem da leitura transcende o mero aspecto da descodificação e quem
aprende a ler o faz para também compreender o que o redator quer dizer. Há diferentes
atividades correntes da leitura que podem ser encontradas em qualquer espaço social que nem
sempre se comparam no escolar. Aqui, o modo como a leitura é vista difere e passa a ser,
muitas vezes, um exercício. E o problema é justamente quando o aspecto do exercitar não vai
além.
Há uma diferença inegável entre a leitura em voz alta e a silenciosa se observadas do
ponto de vista do comportamento manifesto. Mas há que se levar em consideração que,
mentalmente apenas, as atividades de leitura são diversas. Assim, há quem leia
superficialmente para escolher o que será relido mais adiante e com outra atenção. Há ainda
quem entre por completo no texto que está lendo e se deixe envolver pela atmosfera criada
pelo autor. Outros lêem apenas para encontrar uma pequena informação como se faz na
consulta à lista telefônica. É possível também que alguém leia em voz alta enquanto sua
mente viaja ao sabor de outras idéias. Por trás de todas essas diferentes maneiras de lidar com
31
o texto impresso, está um conjunto de operações que constituem a leitura propriamente dita, a
qual se refere ao processo de extração da representação gráfica e sua conversão à fonológica a
partir do texto impresso como foi apresentado na seção anterior.
Levando em conta que, nesta pesquisa, muitas vezes houve um trabalho com a leitura
em voz alta, achou-se necessário que este tópico fosse discutido, em especial para entender a
questão do léxico mental ortográfico e do sistema semântico, pois o trabalho enfocou os
homófonos não homógrafos de mesma classe gramatical. Para tal, recorremos ao modelo de
dupla via que, embora não seja isento de críticas, discute grande parte das observações sobre o
funcionamento da leitura tanto em condições normais, que é o caso aqui, como em
patológicas. Este modelo, que pressupõe uma escrita alfabética, ajuda a entender o processo
que se deseja analisar e será apresentado a seguir em uma versão simplificada proposta por
Castro e Gomes (op. cit., p. 121).
ESCRITA
Letras em seqüências ortográficas
Figura 1- Uma versão simplificada do Modelo de Dupla Via para a leitura em voz alta: a via fonológica (em
cheio) e a via lexical (a tracejado).
Léxico ortográfico
Sistema SemânticoSignificado
Léxico Fonológico
ConversãoGrafema-Fonema
Segmentação -> Conversão - > Montagem
Sistema CGF
FALAFones em Cadeias Fonológicas
32
O ponto de partida para a leitura, neste modelo, é o material impresso. Como se
pode observar na figura, há dois caminhos para ler em voz alta: um por via fonológica e outro
por via lexical. A primeira se refere à conversão das letras em fonemas devido ao
conhecimento das regras de descodificação. Este conhecimento constitui um recurso
cognitivo, chamado de sistema CGF, o qual é adquirido através da aprendizagem da leitura, o
que possibilita a leitura de logatomas. Já a leitura de “25km” ou de “WC”, por exemplo, é
feita via lexical, e se trata do reconhecimento das formas gráficas representadas no léxico
mental. Este é uma noção usada em Psicologia Cognitiva para se fazer referência de modo
sintético ao conhecimento intuitivo que se tem das palavras. A noção de léxico mental pode
ser desdobrada em léxico fonológico e ortográfico. O primeiro diz respeito ao conhecimento
sobre como soam as palavras e sua constituição ocorre à medida que é adquirida a língua
falada. Já o léxico ortográfico, vai se constituindo através do contato com as formas escritas
da língua. Por exemplo, em português, distinguimos “concelho” de “conselho”, “conserto”
de “concerto” e tanto outros homófonos não homógrafos porque, embora estas palavras se
pronunciem da mesma maneira, são escritas de maneira diferente e remetem a significados
diferentes. O léxico ortográfico começa por ser uma espécie de léxico visual onde estão
armazenadas formas visuais que a criança relaciona com palavras fonológicas e idéias.
Depois, quando começa a haver o contato com a escrita, as representações lexicais passam a
ser ortográficas, e não mais puramente visuais, passam, então, a constituir configurações de
letras. Ainda há um outro aspecto que precisa ser considerado neste modelo, o do significado,
pois, além de se saber como se pronuncia e escreve uma palavra, é necessário saber o que
significa. Mas o significado transcende a palavra em si, por isso se postula um sistema
separado para dar conta dele: o sistema semântico. Portanto, há duas possibilidades de leitura,
ou seja, ao se ler km, por exemplo, as duas letras são reconhecidas como uma forma de
palavra escrita o que permite compreender seu sentido e ler corretamente; mas também é
possível ler pela via lexical sem passar pelo sistema semântico.
Se a leitura, de um lado, permite ao sujeito invadir o mundo da linguagem escrita, é
justamente no próprio ato de escrever que esse novo estatuto se realiza de modo pleno. A
questão da escrita, abordada daqui em diante, será feita tendo como foco a capacidade de
produzir escrita, especificamente, como ocorre a sua aprendizagem, levando em conta
aspectos relacionados à pesquisa desenvolvida tais como o ditado e as dificuldades de escrita.
Em uma situação comum de ditado, o ponto de partida é uma cadeia fonológica para
se alcançar uma seqüência ortográfica. Para chegar à escrita, tanto é possível percorrer a via
fonológica e/ou a lexical. Na primeira, pode-se recorrer às correspondências fonológico-
33
grafêmicas; na outra, é feita a recuperação direta da forma escrita da palavra a partir de uma
forma fonológica correspondente. A escrita de palavras regulares, desconhecidas e
pseudopalavras ocorre pela via fonológica apenas. Já a via lexical permite escrever com
correção as palavras irregulares uma vez que é preciso que a forma ortográfica, armazenada
no léxico mental, seja recuperada. O modelo de dupla via (Castro e Gomes, 2000, p. 151),
análogo ao de leitura, ilustra a situação descrita:
FALA
Fones em Cadeias Fonológicas
Figura 2 - Uma versão simplificada do Modelo de Dupla Via para a escrita por ditado: a via fonológica (a cheio)
e a via lexical (a tracejado).
O sistema alfabético do português do Brasil é transparente sobremaneira no que diz
respeito à leitura, entretanto, há muitas situações na escrita em que as conversões fonema-a-
grafema são irregulares. Em situações como as dos contextos competitivos, nas quais se
incluem os homófonos não homógrafos, é possível, por exemplo, ler “sela” como /´sεla/
levando-se em conta a regra de descodificação segundo a qual o “s” em posição inicial é lido
como /s/. Scliar-Cabral (2003a, p. 83) assim explica a regra D2.1: “ ... o grafema “s” se lê
como a transposição à realização do fonema /s/, quando estiver em início de vocábulo, como
Léxico Fonológico
Sistema SemânticoSignificado
Léxico ortográfico
ConversãoFonema-Grafema
Segmentação -> Conversão - > Montagem
Sistema CFG
ESCRITALetras em Seqüências Ortográficas
34
em “sapo”...”. Entretanto, para escrever a mesma seqüência fonológica acima, o redator pode
fazê-lo tanto com o grafema “s” quanto com o “c” e as duas ortografias resultariam em
palavras reais do português, as homófonas “sela” (arreio de cavalgadura, o qual constitui
assento sobre que monta o cavaleiro) como em: “O homem trouxe a sela e colocou sobre o
cavalo para que os hóspedes pudessem fazer seu passeio”7 e cela (aposento de condenado,
em penitenciárias) como em “O prisioneiro foi conduzido a sua cela”8. A dúvida aqui, em
termos de codificação, só se resolve quando entra em cena o significado da palavra, por isso o
redator precisa de informações dadas pelo contexto no qual a palavra se insere.
Pode-se perceber, então, que a aprendizagem da escrita acontece paulatinamente e,
com a entrada, na escola, como se mencionou no início da seção, a criança começa a
estabelecer a distinção entre o desenho e a escrita através das experiências ali desenvolvidas.
Nesse momento, a criança também começa a perceber que não se escreve como se fala e isso
significa que o contínuo da cadeia da fala deve ser segmentado e passará, então, a ser
representado por unidades discretas separadas por espaços em branco.
Como esta tese teve como foco o segundo ciclo do Ensino Fundamental, a ênfase
sobre a aprendizagem da escrita recairá sobre as duas séries que o compõem. Dados de
Castro e Gomes (2000, p. 156-8) coletados junto a 40 crianças portuguesas da quarta e
terceira séries em uma prova escrita de palavra isolada revelam que, dos 356 erros, a maior
parte foi observada nas crianças mais novas, sendo 80% da terceira e 20% da quarta série. Os
erros mais freqüentes foram as conversões irregulares, como seção para sessão ou senço para
senso. Nestes casos, não há violação de nenhuma regra explícita de ortografia pois se está
diante de um contexto competitivo. O primeiro caso é explicado por Scliar-Cabral (2003a,
p.155) na regra C3.3.3: “a realização do fonema /s/ em início de sílaba, entre vogal oral e
vogal posterior oral ou nasalizada que não a [+alta], posteriores, [...] pode se escrever com os
grafemas ‘ss’, ‘ç’ ”. Já o segundo caso é explicado pela regra C3.3.5 que diz: “a realização do
fonema /s/ pode ser codificada pelo grafema “s” ou “ç” em início de sílaba entre vogal
nasalizada e vogal oral ou nasalizada posteriores [...] e a semivogal posterior /w/” (op. cit., p.
156). No exemplo apresentado, fica evidenciado que um trabalho com o significado da
palavra ajudaria a resolver o problema de grafia, entretanto, na pesquisa da qual os dados
foram pinçados, as autoras optaram por um trabalho com palavras isoladas e, sem o contexto,
quando se trata de testar contexto competitivo, torna-se muito difícil a atribuição de sentido.
7 Aurélio, 1999.8 Idem
35
Castro e Gomes observaram, em sua pesquisa, que na quarta série os erros de
conversão irregular diminuíram fortemente de 50% para 8%, mas continuam ainda sendo o
tipo de erro mais freqüente nesta série. Elas elaboraram um quadro (op. cit, p. 157) para
categorizar, exemplificar e quantificar os erros ortográficos desses alunos do segundo ciclo
que ajuda a entender os tipos de erro e o crescimento de uma série para outra.
QUADRO 1 – Erros ortográficos observados em crianças portuguesas do 3.º e 4.º anos deescolaridade. Mostra-se para cada ano a palavra alvo, o erro de escrita, o tipocorrespondente e a respectiva percentagem (calculada relativamente ao totalde erros).
AnoPalavra Alvo Erro ortográfico Tipo
3.º 4.º
Giz
Lanche
JIZ
LANXE
Conversão irregular 50 8
Sangue
Caça
SANGE
CACA
Conversão de contexto 12 2
Bucho
Conselho
PUCHO
CONSENHO
Conversão inadmissível 7 5
Servo
Cem
CÉREBRO
SANGUE
Global 8 1
Giz
Bife
GI
BIF
Omissão 2 3
Apreçar
Cor
APEREÇAR
CORE
Adição 1 1
As autoras não fazem uma análise detalhada do que ocorre em cada caso, o que seria
importante para se entender a forma como o sujeito grafou a palavra ditada. Além disso, é
preciso analisar a categorização dos erros, o que implica uma outra maneira de olhar os dados.
As autoras chamam o contexto competitivo de conversão irregular e como um dos exemplos
apresenta a grafia de “lanxe”. Por estar em um contexto competitivo significa que a palavra
“lanche” deve ser memorizada no léxico mental ortográfico. A segunda categoria está
adequada, mas as autoras não esclarecem quais os contextos que devem ser levados em
consideração na grafia de sangue e caça. Por exemplo, o sujeito que grafou “sange” não
internalizou que o fonema /g/ antes das vogais [- post] se grafa com “gu”. O sujeito que
grafou “caca” também desconhece a conversão de contexto vocálico. Até aqui, a
36
categorização não apresenta problemas mais sérios, entretanto é preciso rever que grafar
“pucho” por bucho não é apenas uma questão de conversão inadmissível, o que se tem é uma
troca entre surda e sonora, fato que precisa ser investigado para ver se o sujeito tem problema
de percepção. No tipo denominado global, encontram-se grafias como “cérebro” quando a
palavra ditada foi cervo e “sangue” por cem. Em casos como estes, é preciso inicialmente
verificar se o sujeito não apresenta problema de audição. Outro fator que explica é o sujeito
estar no início da alfabetização, assim, ele pega a pista inicial da palavra ouvida e vai para o
léxico mental, fazendo, então a adivinhação da palavra. O que se tem é um processamento
inicial do estímulo, e o sujeito não foi até o final. A categoria omissão mostra que o sujeito
esqueceu uma letra, mas não explica. Por exemplo, em “bif” por bife tem-se uma transcrição
fonética, pois é assim que os portugueses pronunciam. Também na última categoria, adição,
na qual aparece o exemplo de “apereçar” por apreçar há um caso de transcrição fonética.
Enfim, é preciso que uma categorização não apenas agrupe, mas que explique os fenômenos.
Por fim, voltando ao Modelo de Dupla Via para entender os erros cometidos na
conversão irregular, tem-se a via fonológica preservada. Assim, a criança usa regras de
conversão fonema-grafema apropriadas para a escrita de palavras regulares, mas incorretas
para as irregulares e homófonas, ou seja, a via lexical não está funcionando corretamente, pois
a criança não usa as formas ortográficas da palavra. Dessa forma, os erros cometidos são
fonologicamente aceitáveis, mas sofrem de incorreção ortográfica.
2.2.2 O sistema alfabético
Precisar a época em que os homens começaram a falar é uma tarefa difícil e quase
impossível. É consenso entre vários pesquisadores que há cerca de trinta mil anos,
aproximadamente, os homens já se comunicam de forma bem próxima a atual e de forma
primitiva anteriormente. No Homo habilis, há dois milhões de anos, foram encontradas
indicações de desenvolvimento na área do cérebro associada à produção da linguagem verbal.
A linguagem oral é um meio de sobrevivência da espécie, obedecendo a um imperativo social
e cognitivo (D’Aquili, 1972), e existe em todas as culturas. Já a escrita, invenção bem mais
recente, dependeu de artefatos: foi necessário que o homem tivesse condições de criar
suportes para perpetuá-la.
Até se chegar aos sistemas atualmente utilizados, a escrita passou por um longo
processo de evolução que vai desde a inexistência da escrita, passando por diferentes
sistemas. Inicialmente, o pictográfico, depois o ideográfico, o logográfico, o silábico até
37
chegar ao alfabético. Este último, descoberto no século X a.C., foi difundido com a criação
do alfabeto fenício o qual adotado pelos gregos foi aperfeiçoado e ampliado, passando a ser
composto por vinte quatro letras (vogais e consoantes). A partir dele, surgiram outros como o
latino. O sistema alfabético, que marcou profundamente a história da humanidade, é até hoje
ensinado nas escolas das culturas que o adotam e tem seus princípios.
Nesta seção, o enfoque será dado ao sistema alfabético do português do Brasil cujas
regras de descodificação e codificação foram formalizadas por Scliar-Cabral (2003). O seu
conhecimento é capital para que o processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita,
na escola, aconteçam de forma reflexiva. A autora explica algumas descobertas importantes
que o estudo dos referidos princípios proporcionaram (2003a, p. 20-1):
A formalização dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil, que me consumiu anosde reflexão, permitiu-me a descoberta e/ou confirmação de teorias lingüísticas tais como a quase totaltransparência para a descodificação (exceção feita, basicamente, para os grafemas “e” e “o” e trêsvalores do grafema “x”); as intuições fonológicas dos codificadores, neste caso, começando peloportuguês de Portugal, com Gonçalves Viana, como, por exemplo, a representação ortográfica dosarquifonemas |R| e |S|, o efeito da oposição entre vogais posteriores e não posteriores e parcimôniapara contemplar o acento gráfico, reconhecendo a forma não marcada do vocábulo canônico emportuguês, [...]; ratifica a proposta se Mattoso Câmara Jr. de rever processos de derivação, comopossíveis composições, como é exemplo o comportamento do prefixo “trans-”.
Os princípios do sistema alfabético do português do Brasil estão organizados em
dois grandes grupos: as regras de descodificação e as de codificação.
As regras de descodificação dizem respeito ao processamento da leitura, discutido
anteriormente. Interessa, aqui, a primeira fase, na qual o leitor reconhece e identifica as letras
que representam os grafemas e seus valores; a partir daí, se dá a busca das palavras e seu
acesso. A conversão dos grafemas na realização dos fonemas é feita pelo leitor levando em
conta sua variedade sociolingüística, e este aspecto não pode ser desconsiderado por quem
está envolvido no processo de ensinar a ler.
A autora desdobra as regras de descodificação em quatro subgrupos: as regras de
correspondência grafo-fonêmica independentes do contexto; as regras de correspondência
grafo-fonêmica dependentes do contexto grafêmico; as regras dependentes da metalinguagem
e/ou do contexto textual morfossintático e semântico; valores imprevisíveis para o grafema
“x” e a leitura de “muito”.
O primeiro subgrupo é constituído de grafemas que correspondem, independente da
posição em que ocorrem na palavra, à realização do mesmo fonema. Na tabela a seguir, são
apresentados quais os valores dos grafemas que se incluem neste subgrupo.
38
TABELA 1 – VALORES DOS GRAFEMAS, INDEPENDENTES DO CONTEXTO
Grafema Valor Exemplos Grafema Valor Exemplos
p /p/ pato b /b/ bola
t /t/ tatu d /d/ dado
f /f/ café v /v/ uva
ss /s/ massa ç /s/ moça
sç /s/ desço ch // chave
j // janela nh // linha
rr /R/ carro ü /w/ sagüi
ó // óculos õ /õ/ põe
á /a/ água à /a/ à
â /ã/ lâmpada ã /ã/ rã
FONTE: SCLIAR-CABRAL, Leonor. Guia prático de alfabetização, baseado em princípiosdo sistema alfabético do português do Brasil. São Paulo : Contexto, 2003b. p. 44.
O segundo subgrupo sofre influência do contexto grafêmico. Assim, para atribuir
valor ao grafema, é necessário observar as letras que o precedem ou seguem e/ou a sua
posição no vocábulo. A autora reuniu as várias situações em vinte e três regras. Como
exemplo, será apresentada a regra D2.1 (op. cit., 2003a, p. 83), a qual sistematiza, entre outros
aspectos, a leitura da letra “s” em contexto intervocálico, dificuldade comum entre os
aprendizes do nosso sistema escrito: “o grafema “s” se lê como a transposição à realização do
fonema /s/, quando estiver em início do vocábulo [...] ou quando, em início de sílaba, estiver
depois das letras “n”, “l” ou “r” [...]; o grafema “s” se lê como a transposição à realização do
fonema /z/ quando estiver entre as letras que representam as vogais ou semivogais...”.
Há também um conjunto de regras dependentes da metalinguagem e/ou do contexto
textual morfossintático e semântico que regulam a leitura: da sílaba mais intensa; dos ditongos
decrescentes seguidos ou não de s; dos ditongos orais fechados, por oposição aos abertos. O
ponto-chave, neste subgrupo, é a descodificação das letras “e” e “o” na metafonia verbal,
cujas regras foram internalizadas desde cedo pela criança em seu processo de aquisição da
linguagem. Para sua utilização, basta apenas a aplicação de conhecimentos morfossintáticos.
Dessa forma, se o vocábulo “gosto” for indicado como verbo (não como substantivo) em um
contexto como: “Eu gosto de maçã!”, o “o” será lido com o valor de //. Isso acontece “em
virtude da harmonia vocálica entre a vogal do radical /o/, com a vogal temática subjacente da
1.ª conjugação /a/” (op. cit., p. 115).
39
Por fim, são apresentados os valores dependentes exclusivamente do léxico mental
ortográfico: 1) os três valores atribuídos à letra “x”: //, /s/ e /k(i)s/ em contextos entre letras
que representam vogais, com exceção da letra “e”, como em “abacaxi”, “máximo” e “fixo”, e
entre ditongo /aw/ e vogal como em “auxílio”. 2) O vocábulo “muito” que é marcado para ser
pronunciado como ditongo nasalizado.
Diante de um sistema transparente para a leitura, como é o nosso, é importante a
compreensão das regras de descodificação para simplificar o ensino de língua materna.
O processo de codificação é inverso ao apresentado anteriormente, pois nele
acontece a conversão da realização dos fonemas em grafemas a partir da variedade
sociolingüística praticada pelo falante.
Para converter a realização dos fonemas em grafemas, o redator poderá ou não levar
em conta o contexto fonético, o que explica a existência destes cinco subgrupos: regras
independentes do contexto; regras dependentes da posição e/ou do contexto fonético; as
alternativas competitivas; as regras dependentes da morfossintaxe e do contexto fonético e a
derivação morfológica.
No primeiro subgrupo se incluem as variantes alofônicas determinadas pelo contexto
fonético, não percebidas pelo redator de forma consciente e os ditongos abertos /εj/ e /j/.
Analisando a tabela a seguir, é possível notar que, na codificação, há menos possibilidades de
atribuir um valor independente do contexto do que na descodificação. Portanto, já se pode ir
percebendo que escrever é mais complexo que ler.
TABELA 2 - CONVERSÃO DOS FONEMAS AOS GRAFEMAS, INDEPENDENTE DOCONTEXTO
Fonema Grafema Exemplos Fonema Grafema Exemplos
/p/ p pato /b/ b bola
/t/ t tatu /d/ d dado
/f/ f faca /v/ v uva
/m/ m mato /n/ n nata
// nh linha // lh bolha
// éi anéis // ói dói
FONTE: SCLIAR-CABRAL, Leonor. Guia prático de alfabetização, baseado em princípiosdo sistema alfabético do português do Brasil. São Paulo : Contexto, 2003b. p. 78.
O segundo subgrupo é formado por dezesseis regras dependentes só do contexto
fonético.
40
Um grupo delas é organizado levando em consideração que o fato de as vogais e
semivogais serem posteriores ou não posteriores influi na grafia das consoantes. A regra C2.1
explica que a realização da consoante /k/ se transcreve com “c” antes de vogal posterior, oral
ou nasalizada e com “qu” antes de vogal não posterior, oral ou nasalizada como em “cola” e
“quinto”. A regra C2.2, parecida com a anterior, formaliza a grafia do fonema /g/ que antes
de vogal posterior, oral ou nasalizada se transcreve com “g” e diante de não posterior, oral ou
nasalizada, com “gu”, como em “sagu” e “guerra”. Já a regra C2.4 explica a conversão do
fonema /s/ em início de vocábulo e entre a semivogal /j/ e as vogais [-post] e [+post] como em
“foice” e “feição”; a regra C2.8 elucida a conversão do fonema //, ou seja, antes de [+post]
grafa-se com “j” e, antes de [-post], grafa-se com “j” ou “g” e a explicação é completada pela
regra C3.7, ou seja, o contexto torna-se competitivo.
As regras, que versam sobre a conversão do fonema /R/ no grafema “rr”; do flape
alveolar /r/ na letra “r” e do arquifonema |R| na letra “r”, auxiliam para explicar estas grafias
que constituem uma dificuldade para o aprendiz, sobretudo, a codificação do encontro
consonantal com flape /r/. A última regra apresenta uma forma prática de aplicação, ou seja,
salvo no contexto entre vogais, o fonema /R/ sempre se escreve com um “r”.
As regras C2.13 e C2.14 explicam como as semivogais /j/ e /w/, respectivamente,
devem ser grafadas. A autora (2003a, p. 139) alerta quanto à primeira regra que se “...trata
de uma das codificações mais complexas e opacas do português, uma vez que o ditongo
nasalizado fica obscurecido na escrita, já que as letras “m” e “n”, quando em final de
vocábulo, representam simultaneamente a nasalidade e a semivogal /j/”. Para grafar a
semivogal /w/, o princípio da distribuição das vogais também deve ser levado em
consideração. Outro ponto que aparece entre as dificuldades de grafia de alunos de vários
níveis de ensino é o ditongo nasalizado /ãw/. O primeiro aspecto que deve ser observado é a
morfossintaxe, ou seja, a que classe gramatical a palavra pertence, nome ou verbo. Na última
classe, a tonicidade também é um fator que determina a grafia “am” ou “ão”.
A regra C2.15, subdividida em outras seis, regula que acento de intensidade poderá
ser grafado nas vogais e em que condições.
A última regra desse subgrupo aborda a grafia das vogais nasalizadas sob três
aspectos: o uso do til em “ã” e “õ”; a nasalização da vogal, em final de sílaba não final de
vocábulo, na qual se explica a grafia de “m” diante das consoantes [+ ant, -cor] como em
“tempo” e “n” diante das demais; por fim, a nasalização das vogais em final de vocábulo, por
exemplo, “ruim”, “batons”.
41
As alternativas competitivas constituem a maior dificuldade ortográfica na
aprendizagem do sistema escrito. Em casos como o do fonema /s/, que apresenta o maior
número de possibilidades de conversão, “é necessário selecionar no léxico mental ortográfico
o item que emparelhe semântica e morfossintaticamente com a forma fonológica” (op. cit., p.
151). Situações dessa natureza podem ser resolvidas e compreendidas se houver um ensino
inteligente da gramática que considere: 1) o papel do significado quando os dois itens forem
da mesma classe gramatical; 2) a morfologia, especialmente, a derivação. Assim, a grafia de
“paço” ou “passo”, “sessão” ou “seção” só pode ser resolvida em um contexto no qual o
sentido possa ser atribuído pelo redator, uma vez que as duas situações se apresentam diante
de vogal [+post]. Já a codificação do fonema // em “viagem” e “viajem” se dá de forma
diferente, pois, no primeiro caso, tem-se um substantivo derivado do radical “via-“ acrescido
do sufixo “-agem”; em “viajem” (terceira pessoa do plural do presente do subjuntivo do verbo
viajar), tem-se uma derivação da primeira pessoa do singular do presente do indicativo.
Outra dificuldade encontrada na aprendizagem dos contextos competitivos é a
realização do fonema /z/ entre vogal oral ou semivogal e vogal oral ou nasalizada, pois é
possível grafar tanto com “s” quanto com “z”. Em situações como a grafia de “quiser”,
“fizer”, “inglesa”, “beleza” e “lapiseira”, novamente o ensino da morfologia auxiliará na
resolução da dúvida levando-se em conta: a forma primitiva do perfeito; os femininos pátrios;
os substantivos abstratos femininos que usam o sufixo “-eza” e os derivados de radicais
atemáticos terminados em “s” como “lápis”.
A conversão do arquifonema |W| pode ocorrer em quatro diferentes situações nas
quais se escreve competitivamente: 1) “o” ou “u” nos ditongos crescentes orais; 2) “u” ou “l”
em ditongo decrescente em sílaba interna como em “calda” e “cauda”; 3) “o”, “u” ou “l” em
final de vocábulo nos ditongos decrescentes como em “mau” e “mal”; 4) “o” ou “u” no
ditongo seguido do arquifonema |S| como em “ateus”. Destes casos, o mais complexo é o
terceiro, visto que “é particularmente difícil decidir quando escrever “mal” ou “mau”, pois,
dada a semelhança semântica, somente os conhecimentos de morfologia e de sintaxe podem
resolver” (op. cit., 2003b, p. 95). No exemplo dado, na situação 2, novamente a atribuição do
sentido irá auxiliar na escolha de que letra usar na conversão do arquifonema em questão.
Outro contexto competitivo é o das vogais orais [+alt] postônicas seguidas ou não do
arquifonema |S| que podem ser grafadas com “e”/“i” ou “o”/“u”. Em uma situação como em
“descrição” e “discrição”, a realização das vogais pretônicas orais [+alt] é livre, podendo ser
pronunciada tanto com [e] como com [i].
42
Casos assim são comuns entre os homófonos não homógrafos, daí a necessidade de
um ensino que, além do significado dos radicais, também contemple a significação de alguns
prefixos que constituem pares mínimos na escrita como é o caso de: “dis-”/”des-”, “e-”/ “i-”,
“anti-”/ “ante-”, “en(m)-”/ “in(m)-”.
Este subconjunto de regras sinaliza que o ensino dos contextos competitivos requer
um profissional que trabalhe os conhecimentos gramaticais e o significado de forma a auxiliar
o aprendiz a resolver suas dúvidas, compreendendo que conhecimentos são necessários para
tomar a decisão certa em cada situação.
O penúltimo subgrupo apresenta as regras dependentes da morfossintaxe e do
contexto fonético que versam sobre: 1) paroxítonos terminados em /ãw/ como em “órfão” e
“cantam”; 2) manutenção do til em derivados como em “mãezinha”; 3) oxítonos ou
monossílabos tônicos e paroxítonos terminados em /'ĕj/ (|S|) como em “porém”, “bem” “eles
têm” e “hífen” ; 4) verbos em “êem”; 5) crase do /a/ + /a/; 6) sândi com o pronome pessoal
oblíquo átono /u/ ~ /o/ e /a/ como em “levaram-no”; 7) sândi na mesóclise ou morfema
descontínuo como em “amá-lo-ei”; 8) acento gráfico diferencial dos vocábulos tônicos em
oposição aos átonos (clíticos) e/ou das vogais [-alt, -bx] em oposição às [+bx], por exemplo,
“pôr” (verbo) em oposição a “por” (preposição); 9) mudança de vocábulo átono para tônico,
na qual se apresenta a codificação do prefixo “trans-” que, quando vier seguido de vogal,
desobedece a uma das regras do terceiro subgrupo, pois neste caso o fonema se realiza como
[+son].
Por fim são apresentadas as regras de derivação morfológica que, como já foi
assinalado nos contextos competitivos, evitam a sobrecarga do léxico mental ortográfico.
Neste subgrupo, explica-se a derivação morfológica aplicada à codificação do sistema verbal;
a previsibilidade a partir da origem etimológica, da sufixação ou da alternância de cognatos e
a prefixação.
Como foi exemplificado anteriormente, as formas primitivas se mantêm na
derivação, por isso elas devem ser memorizadas no léxico mental ortográfico, não havendo
necessidade de decorar os verbos em todos os modos e tempos.
A ortografia é uma convenção necessária e não tão arbitrária como dizem alguns que
a ensinam sem verdadeiramente conhecê-la. Mattoso Câmara Jr. (1968, p. 175) afirma que a
grafia é uma técnica para o uso da comunicação escrita. A da língua portuguesa reporta-se
aos elementos da fonação. Nas línguas ocidentais, que utilizam a escrita alfabética, os
grafemas, representados por letras, se reportam à realização dos fonemas, e as letras são
completadas pela pontuação e pelos sinais diacríticos. Sendo convenção, então, nas línguas
43
em que existe a escrita, a tendência é fixar um sistema estrito de grafia, o qual é denominado
de orto (ortho) de origem grega que significa “correto”.
Inicialmente, será apresentado um breve histórico da ortografia portuguesa a fim de
situá-la cronologicamente e entender seu desenvolvimento. Nos primeiros tempos, havia uma
grande tendência fonética, passando, posteriormente, a sofrer uma influência etimológica, a
qual se deve a uma valorização da cultura greco-latina, especialmente no Renascimento,
quando se sentiu a necessidade de estudar os escritores clássicos; apareceram, então, as
complicações relacionadas à grafia, pois existiam várias ortografias que dependiam da
fantasia de cada escritor. Diante do impasse, começaram a existir estudos que visavam
esclarecer a confusão até então posta. Esse trabalho foi realizado, finalmente, pelo foneticista
Gonçalves Viana que elaborou a Ortografia Oficial em 1904.
A história da ortografia é constituída por três períodos: o fonético, o pseudo-
etimológico e o simplificado (Mattoso Câmara Jr., 1968; Coutinho, 1984; Cagliari, 1994,
1999; Scliar-Cabral, 2003a).
Os primeiros documentos redigidos em português inauguram o período inicial que
se alonga até o século XVI. A preocupação fonética prevalece: pode-se dizer que a língua era
escrita a partir do ouvido. Isso se deve ao objetivo que norteava a forma de trabalho dos
escritores e copistas, os quais desejavam facilitar a vida dos leitores aproximando os textos da
língua falada. De acordo com Mattoso Câmara Jr. (op. cit., p. 175), “na língua arcaica, as
escritas apresentavam muitas inconsistências, especialmente para fonemas novos que não
existiam em latim; ex.: g com valor de /g/ diante de /e/ ou /i/ (gisa em vez de guisa) e de /z'/
diante de /a/, /o/, /u/ (fugo em vez de fujo);” além do uso de qu- por c e gu- por g diante de /a/
e /o/ como em cinquo e amigua; havia também, entre outras, a confusão entre m, n e til.
Portanto, não havia um padrão uniforme na transcrição das palavras.
O segundo período coincide com o Classicismo e, concomitante, o desejo de retratar
a origem grega e latina, por isso o critério adotado era respeitar, sempre que possível, as
letras originárias da palavra, deixando de lado o valor fonético. Entretanto, os escritores
conviviam com as línguas vernáculas, não mais com o latim e o grego. Assim, “uma vez que
o povo já falava uma língua nova e que já tinha prestígio literário e contava com um dialeto
de prestígio, conquistado através de grandes obras literárias, era preciso estabelecer também
um padrão de escrita (uma ortografia) que revelasse a importância dessas línguas vernáculas
na História” (Cagliari, 1994, p. 106). Foi neste período que surgiram os primeiros tratados de
ortografia e as primeiras gramáticas do português. Levando-se em consideração que, por ser
uma propriedade coletiva, a língua deve ser apresentada de forma que qualquer membro de
44
sua comunidade possa fazer uso dela sem ter que recorrer puramente à etimologia, esse
critério apresenta-se como pouco válido e responsável por um número de disparates
ortográficos como: chrystal, systhema, Ignez, dacta, innundar entre outros.
Os muitos disparates gráficos no uso da ortografia etimológica conduziram a uma
outra reflexão que culminou no período simplificado, no qual aconteceu uma reforma
promovida pelos que defendiam a simplificação ortográfica do português. Gonçalves Viana
estudou um vasto número de vocábulos a fim de estabelecer os princípios, nos quais a
simplificação ortográfica deve se basear, que são: “1) supressão das letras e dígrafos que em
latim se usavam para correspondência com certas letras gregas [...]; 2) redução das letras
consoantes dobradas [...]; 3) supressão da letra w, que aparecia nos empréstimos a línguas
germânicas [...]; 4) emprego rigoroso de sinais de acento para indicar a sílaba tônica”
(Mattoso Câmara Jr., op. cit., p. 176). É importante esclarecer que este sistema levou em
conta, especialmente, a pronúncia, além de se valer da etimologia e do elemento histórico.
Por tudo isso, percebe-se que o dilema de como fixar a forma escrita das palavras
data de algum tempo, durante o qual várias hipóteses foram construídas. Nelas, dois lados
estiveram presentes: o fonográfico e o etimológico, o que ocasionou um casamento que até
hoje se faz presente na nossa ortografia.
Ainda quanto à sua natureza, Kato (1995, p. 17-20) alerta que, apesar de a escrita
alfabética ter sido criada para representar a fala, não pode ser considerada fonética, pois
apresenta outras motivações. Assim, há dois pontos importantes no sistema ortográfico do
português, quanto à escrita: ser essencialmente fonêmica e apresentar uma natureza
parcialmente ideográfica. Essa posição se justifica, pois a escrita: “neutraliza diferenças
fonéticas que existem na fala, mas não são distintivas, significativas; reproduz diferenças
fonéticas que são significativas;” (op. cit., p. 20) além disso, há mais dois aspectos, o fator
lexical que permite uma regularidade ortográfica e natureza arbitrária sob o ponto de vista
sincrônico.
2.3 O sistema verbal escrito e seu desenvolvimento na escola: um olhar para a
homonímia
45
2.3.1 O ensino-aprendizagem da ortografia
Antes de se abordar a inserção da criança no mundo da escrita, é interessante
estabelecer, em relação à ortografia do português, especificamente do Brasil, que há uma
distinção entre o aprendizado do sistema de notação alfabética e o aprendizado da norma
ortográfica. Antes de ingressar na Educação Infantil, a criança já desenvolve suas primeiras
concepções sobre a escrita. Posteriormente, quando entra na escola, no período de
alfabetização, acontece a aprendizagem da segmentação da cadeia da fala e da sílaba, o que
permite que ela relacione essas unidades aos grafemas que se utilizam do alfabeto. (Scliar-
Cabral, 2001; 2003). Depois de escrever alfabeticamente, é que a criança começa a se
apropriar de modo sistemático da norma ortográfica. Isso não significa que ela não se depare
com dúvidas ortográficas no período inicial da alfabetização. Entretanto, é depois dessa fase
inicial da escrita que a criança tende a se apropriar de forma sistemática da norma ortográfica.
Por isso, acredita-se que cabe à escola o papel de auxiliar o aprendiz nesse processo, levando
em consideração que a ortografia é um dos passos, e não o começo e fim na aprendizagem da
escrita. Não significa, entretanto, que se deva deixar a criança escrever sempre do jeito que
quiser, é preciso que a escola, como instituição, cumpra o seu papel de ensinar a ler e
escrever, mas sem destruir ou ignorar o processo inicial. É possível que cada descoberta
ocorra, mas se respeitando o tempo de cada aprendiz, o espaço onde ocorre a aprendizagem,
sendo condição que o professor também domine os princípios.
Assim, a aprendizagem da codificação, nas séries que seguem a alfabetização, deve
ser centrada nas regras de correspondência entre a realização dos fonemas e grafemas e na
construção da memória lexical ortográfica das palavras primitivas de maior freqüência de uso
na escrita, quando o contexto for competitivo. A tarefa do aprendiz do sistema escrito não é
fácil, pois, na maioria das vezes, as regras de codificação não são independentes do contexto.
Portanto, será preciso entender, inicialmente, as regularidades, analisando as regras
dependentes do contexto, seja ele fonético ou morfológico; e, posteriormente, o contexto
competitivo, no qual estão incluídos os homófonos não homógrafos, objeto de análise desta
tese.
Isso leva a perceber que a tarefa de quem está aprendendo o sistema escrito envolve
uma série de “habilidades”, ou seja, deverá ser capaz de refletir a respeito da classe gramatical
da palavra em análise; atentar para a posição do segmento sonoro dentro da palavra; observar
a tonicidade entre outras. Deste modo, juntando informações advindas das próprias palavras
46
com outras provenientes do contexto, professor e alunos, em um processo de análise,
depreenderão as regras que permitirão entender a norma ortográfica, não apenas decorá-la.
É justamente esse aspecto, o puramente mecanicista, que se deseja combater, uma
vez que ele está presente no cotidiano escolar tanto na forma como é explorada a ortografia
quanto na arquitetura dada, em geral, a este tópico nos livros didáticos. Melo e Rego (1998)
lembram que, apesar de ter havido rápida difusão e aceitação de idéias advindas da
psicolingüística e da psicologia cognitiva, no âmbito educacional, é possível perceber, em
áreas de ensino como a ortografia, que o panorama não mudou sob a perspectiva de uma nova
postura pedagógica, ou seja, o ensino ainda é calcado numa perspectiva mecanicista de
aprendizagem.
Enfocando inicialmente a sala de aula, uma pesquisa realizada por Morais e Biruel
(1998), entre sessenta e cinco professores de segunda a quarta séries do Ensino Fundamental
da rede pública de Recife, revela que a aprendizagem da ortografia acontece de forma a
prevalecer apenas a memorização. Os dados coletados revelam que, na maioria das escolas
onde as professoras atuavam, não havia metas especificadas para o ensino de ortografia em
cada série, embora 95% das entrevistadas fossem favoráveis à definição de tais metas. Na
maioria dos casos, o ensino se restringia à realização de ditados tanto de listas de palavras
como de textos, usados por 74% das professoras ao menos uma vez na semana. As situações
de correção tendiam a ser feitas coletivamente, com um modelo posto no quadro de giz. Os
alunos freqüentemente escreviam textos espontâneos, que em geral não eram reelaborados ou
corrigidos. Eles não tinham oportunidades de ler em sala de aula textos que não fossem os
manuais didáticos e 51% das turmas nunca dispunham de um dicionário para consulta. As
dificuldades ortográficas dos alunos eram justificadas como uma conseqüência da "falta de
leitura", vinculada em geral ao meio social de origem e não à experiência escolar. Na
avaliação do desempenho em língua portuguesa, 92% diziam levar em conta o rendimento
ortográfico, justificando ser este necessário para o "domínio da língua". Poucas docentes
demonstraram tranqüilidade quanto aos seus sentimentos em relação ao uso da ortografia,
sendo mais evidentes as expressões espontâneas de receio, angústia e queixas quanto à
dificuldade e dubiedade da escrita de nossa língua.
Analisando esta síntese da pesquisa realizada, alguns elementos chamam a atenção e
precisam ser discutidos ainda mais: 1) Em relação à seqüenciação do ensino da ortografia, no
texto, indicada por metas, não há um trabalho integrado entre as séries a fim de dar
oportunidade para o crescimento do aluno na medida em que progride no ensino fundamental;
2) a forma como o ensino-aprendizagem da norma ortográfica é concebido, é revelada pelas
47
atividades propostas pelas professoras: cópias, ditados, lista de palavras, correção dos textos
entre outras; 3) é preocupante também a ausência de dicionários para consulta em sala de aula
bem como de outros materiais de leitura, o que revela um dado muito importante: a utilização
do livro didático como única fonte de leitura; 4) finalmente, a pesquisa revela que, na sua
formação para trabalhar a língua com crianças, as professoras não tiveram a oportunidade de
estudar os princípios do sistema alfabético do português, o que se revela na forma como a
norma ortográfica é trabalhada em sala de aula.
De todos esses tópicos, o primeiro a ser detalhado é a forma como o professor, em
sala de aula, trabalha a ortografia. A pesquisa anteriormente apresentada revela um ensino
centrado em ditados de listas de palavras e frases. Posteriormente, quando for discutida a
questão dos livros didáticos, será possível constatar que essa é também uma das práticas a que
recorrem os autores. Leal e Roazzi (2000) também abordam essa questão partindo da
preocupação existente por parte de pais, professores e alunos no que se refere às dificuldades
de grafar as palavras de acordo com a norma ortográfica. Diante dessa constatação, acreditam
os professores que a forma para reverter o quadro está no treino ortográfico, ou seja, para
fixar a grafia correta de uma palavra, a criança deverá repeti-la.
Os erros de ortografia cometidos pelas crianças estão entre as maiores e mais
freqüentes queixas do professor (Melo e Rego, 1998), mas há que se olhar quais as atitudes
dos professores para trabalhar a ortografia. A mais corrente é a acima mencionada, que tem
como pano de fundo um ensino mecanicista, no qual valem mais os treinos ortográficos do
que a reflexão e discussão. Se o grau de importância para a ortografia é tamanho, sua
cobrança em termos de avaliação se torna visível e ela passa a ser mais um objeto de
avaliação do que de ensino-aprendizagem. Tal postura também é assinalada por Curvelo,
Meireles e Correa (1998), Cagliari (1999), Gomes (2002), Pereira (2001) e Ferreira (2002).
Este último fez um levantamento do material didático de alunos de uma terceira série do
Ensino Fundamental da rede pública de Florianópolis, no qual observou que o ensino de
ortografia ocorre por meio de ditados, listas de palavras e a repetição de palavras incorretas,
como atesta em sua análise: “aplicou um ditado utilizando um fragmento de texto extraído
provavelmente de um livro didático [...] Corrigiu a ortografia das palavras e ordenou [...] a
repetição escrita das palavras ‘erradas’: uma, nem, praia, no pé da folha usada para a
execução do ditado” (op. cit., p. 5).
O que se observa, na perspectiva mecanicista, é uma crença de que se aprende
repetindo e memorizando. Não se está negando que também seja possível aprender a grafia
de algumas palavras pela memorização, mas fazer desse “recurso” o mais usual é o que
48
preocupa, especialmente, os estudiosos do assunto. Enfim, o ensino da norma ortográfica se
restringe a situações meramente escolares, ou seja, não há preocupação em relacionar a
aprendizagem do sistema da escrita com o cotidiano da criança, nem tão pouco se levam em
consideração os conhecimentos a respeito da língua que o aprendiz traz para a escola. Assim,
parte-se da concepção de que é preciso repetir para aprender.
Ainda analisando o trabalho realizado pelo professor em sala de aula, Schaefer
(1999, p. 43-55) investigou as concepções de professores de primeira e segunda séries no que
diz respeito a dois pontos: o trabalho em sala de aula, ou seja, se há ou não sistematização do
ensino e quais as atividades desenvolvidas; que aspectos são valorizados nos textos
produzidos pelos alunos. Para tal, realizou um questionário e, posteriormente, analisou textos
escritos por alunos de terceira série que foram alfabetizados pelas professoras investigadas.
Dos dados provenientes, serão apresentados: os pré-requisitos para ser aprovado na série; a
forma como a correção da escrita é feita; os trabalhos específicos sobre ortografia e auto-
avaliação do trabalho feito em sala.
São considerados pré-requisitos para o aluno ir para a segunda série: escrever
corretamente palavras com sílabas simples, aqui entendidas como as compostas por
consoante e vogal, além de palavras com “ss”, “ç”, “h”, “nh”, “ch”, “lh”. Para passar para a
terceira série, o aluno deveria saber grafar palavras com “m” antes de “p” e “b”, “ss”, “rr”,
“pl”, “br”, “sc” e “x”, bem como separar corretamente as palavras em sílabas. A autora não
apresenta uma discussão quanto aos critérios adotados pelas professoras, mas é necessário
refletir a respeito de que parâmetros orientam as professoras do primeiro ciclo a pontuarem
como pré-requisitos tais conhecimentos. Por que o uso de “ss” e “ç” e não de outros grafemas
que representam o fonema /s/? Por que o uso só de “ç” e não de “c” levando-se em conta o
contexto vocálico? Por que o uso do “ch” e não do “x” para grafar o fonema //, deixando
que somente no ano seguinte o uso de “x” seja pré-requisito? Poderia ser arrolada ainda uma
série de questões a respeito dos critérios norteadores, mas o que importa é perceber que há
uma ausência de critérios, o que conseqüentemente remete ao desconhecimento dos princípios
do sistema alfabético por parte dos professores. A própria autora verificou, analisando os
textos dos trinta sujeitos alunos da terceira série, que as aparências enganam se forem levados
em conta os pré-requisitos para aprovação. Um dado importante é que os textos que
respeitavam as regras ortográficas, não raro, eram curtos, com apenas um parágrafo, com
orações independentes e lançando idéias sem desenvolvê-las. Entre os textos da amostra,
também foram encontrados alguns bem elaborados, criativos e com estrutura ortográfica
aquém do esperado.
49
Outro ponto observado pela autora diz respeito à correção dos erros que é realizada
de duas diferentes formas: corrigir circulando e reescrevendo as palavras ao lado ou corrigir à
caneta sobre o erro da criança. Os trabalhos específicos de ortografia têm como objetivo fixar
a escrita correta; para tal as professoras realizam recorte e colagem, estudo de algumas regras,
escrita repetida de palavras, ditado, palavras cruzadas, exercícios de completar com a letra
que falta e escrita de textos. Nenhuma das professoras dedica um horário semanal para
realizar essas atividades e uma delas diz fazê-las quando surge algum assunto que exige
reflexão. Entretanto, como conduzir a reflexão com exercícios que exigem mais atitude
mecânica como recortar, preencher? O que se percebe é um rol de atividades, comuns nos
livros didáticos, que são utilizadas para o ensino da ortografia, mas com pouca ênfase à
depreensão da regra pela criança que leve à compreensão de como o sistema ortográfico está
organizado.
Os dados coletados para dar conta da questão de pesquisa levantada – quais práticas
vêm sendo realizadas em sala de aula, no sentido de melhorar a ortografia dos alunos e se os
resultados de tais práticas alcançam o nível das exigências estabelecidas – apontam que:
o trabalho de ortografia se realiza de forma assistemática, sem clareza de objetivos, baseado namemorização e fortemente influenciado pelo livro didático. Em geral, caracteriza uma prática quedesconsidera a reflexão sobre a escrita, o pensar inteligente dos alunos e das alunas e as possibilidadesde reflexão sobre a linguagem. Também foi possível observar o quanto estas práticas têm deixado adesejar, até mesmo em relação aos objetivos estabelecidos pelas próprias professoras (op. cit., p.51).
Percebe-se que a formação do profissional que leciona nos primeiros ciclos do
Ensino Fundamental apresenta uma lacuna quanto aos princípios do sistema alfabético, o que
leva o professor a um trabalho que se apóia, especialmente, na sua experiência e no material
didático oferecido pela escola.
Retomando os dados coletados por Morais e Biruel (1998), há um outro aspecto que
merece ser discutido: a forma como os textos espontâneos são tratados, ou seja, a produção
escrita dos alunos não é submetida a uma análise que possa nortear a seleção do que deve ser
efetivamente ensinado em sala de aula em termos de escrita. O professor parece não levar em
consideração que os textos espontâneos são uma rica fonte de construção do conhecimento
ortográfico que auxiliam a criança na aprendizagem da escrita, pois, “partindo da produção
escrita espontânea da criança (...), vai-se explicando o que for ocorrendo e, em seguida,
promovendo a correspondente escrita ortográfica. Corrigir só não basta! Tirar o errado e pôr
o certo não basta! É preciso que a criança saiba o que fez e por que precisa corrigir” (Cagliari,
1999, p. 82). Acredita-se que, em uma postura diferente dessa, o professor perde a
50
oportunidade de depreender regras a partir das hipóteses formuladas pelas crianças para a
grafia de uma palavra, ou seja, o “erro” não é percebido nem tão pouco analisado,
oportunizando a construção da norma ortográfica. Não é de se admirar que prossigam
escrevendo à revelia em seus próprios textos: entretanto, devem saber como se grafam as
palavras solicitadas pelo professor. Atitudes dessa natureza revelam qual a função do texto na
sala de aula. Isso remete a uma pergunta: para que se escreve no contexto escolar? A função
social do texto está ausente tanto na produção escrita quanto na leitura uma vez que apenas se
valem dos textos do livro didático que, provavelmente, não leva em conta a diversidade de
gêneros existentes no cotidiano de cada indivíduo.
Outra concepção presente em sala de aula, quando o assunto é ensino de ortografia, é
a de que a aprendizagem se dá de forma espontânea (Leal e Roazzi, 2000; Morais, 2001), ou
seja, o aluno aprende através da exposição repetida à grafia correta decorrente naturalmente
das atividades contínuas de leitura. Quem adota essa postura acredita que não se deva
interferir na forma como o aluno escreve em respeito a ele, ficando implícito um preconceito
contra o ensino da ortografia. É possível, não se nega, que a exposição a materiais de leitura
ajude o aprendiz a conhecer a sua língua, não só quanto à grafia correta, mas também em
relação ao texto como um todo. Entretanto, a aprendizagem não acontece de forma tão
natural como crêem os professores que agem dessa forma em sala de aula. É bem possível que
esse tipo de professor não sistematize o ensino da ortografia, mas faça cobranças em relação à
escrita correta das palavras e, inclusive, leve em conta para aprovação de seus alunos o seu
rendimento ortográfico. O que se vê é uma incoerência, pois não se ensina ortografia, mas se
cobra e, a partir dos resultados, a avaliação é feita. Enfim, deixar de ensinar a norma
ortográfica é, no mínimo, ingênuo, pois o aluno não aprende apenas para ler e escrever no
contexto escolar: fora da sala, está cercado por vários textos e estes são escritos levando em
consideração a norma vigente. O professor, que acredita no ensino espontâneo da ortografia,
a fim de não tolher seu aluno na produção de seus textos, irá evitar que isso aconteça apenas
no espaço da escola: fora dali há uma exigência outra que vem da própria sociedade, na qual a
correção nas mensagens escritas é fundamental para a aceitabilidade dos textos em inúmeras
situações. Ao acreditar que se aprende naturalmente a grafia correta das palavras, apenas pela
exposição a materiais escritos, o professor poderá contribuir para reforçar a diferença que se
faz entre um bom e mau usuário da língua escrita.
Contrapondo as duas posturas, a mecanicista e a espontaneísta, é possível pensar
numa forma de ensinar a ortografia que leve em conta tanto a sistematização do ensino da
ortografia como a participação do aluno que poderá refletir a partir de suas dificuldades
51
ortográficas. Esse trabalho só acontecerá se o professor mudar sua concepção de ensino, de
língua e gramática.
Essa concepção leva em conta que ensinar e aprender ortografia devam acontecer de
forma que as crianças possam gerar, criar e não apenas memorizar palavras e acumular regras,
e que o professor, necessariamente, fará as intervenções durante o processo das descobertas
realizadas pelos alunos. Para tal, o professor, que levará o aluno a refletir durante seu
processo de aprendizagem das regras ortográficas, precisa conhecer os princípios do sistema
alfabético do português do Brasil.
Ao promover a reflexão na escrita ortográfica, alguns fatores devem ser levados em
consideração: a variação sociolingüística, a freqüência de uso das palavras, a consciência
tanto fonológica, morfológica quanto sintático-semântica.
Quando a criança chega à escola, ela já tem a língua adquirida em um contexto
familiar que está situado em uma área geográfica, tem suas características culturais e
socioeconômicas, ou seja, os indivíduos falam de jeito diferente, embora o sistema alfabético
do português do Brasil seja o mesmo para todos os habitantes. Portanto, a heterogeneidade da
língua está relacionada às dimensões diatópica, diastrática e diacrônica. O professor, segundo
Scliar-Cabral (2001; 2003a), deve ter como atitude primeira o respeito pela variedade que o
aluno pratica. Isso permitirá que ele estabeleça um clima, em sala de aula, onde haja respeito
pelas diferentes formas de falar, as quais nem sempre estão de acordo com a norma de
prestígio. Ainda que o professor queira impor uma norma padrão, será difícil alcançar
tamanho intento, pois a criança passa a maior parte de seu tempo longe do ambiente escolar,
praticando uma outra variedade que não aquela imposta pela escola. Isso não significa que o
aprendizado da norma não aconteça, mas só poderá ser feito a partir de uma profunda
motivação. Além disso, a variedade que cada aluno traz servirá como fonte de observação
para que o professor planeje seu trabalho, explicando aos alunos a diferença existente entre
falar e escrever uma palavra.
Gradativamente, a criança irá percebendo que a padronização da grafia das palavras
permite que diferentes textos, escritos em espaços geográficos distintos, sejam lidos por todos
os habitantes sem o prejuízo das variações presentes na fala. Além disso, impõe ao escritor a
adequação à norma estabelecida. É justamente esse ponto o mais complexo para o aprendiz,
pois precisará transformar a forma falada em escrita a fim de ter seus textos aceitos e assim
atingir os propósitos pragmáticos e, para fazê-lo, precisará ter consciência da norma
ortográfica. Portanto, escrever exige maior reflexão, pois é mais complexo que ler.
52
Outro ponto que serve como referência no ensino da ortografia é a freqüência com
que a palavra aparece no texto escrito. Pesquisadores nessa área (Pinheiro, 1994; Monteiro,
2000; Pinheiro e Rothe-Neves, 2001) observaram que crianças de séries mais avançadas do
Ensino Fundamental escrevem mais facilmente palavras freqüentes reais em comparação com
palavras reais pouco freqüentes ou inventadas. Levando em conta esse aspecto, os PCNs,
como se verá na última seção, assinalam que o professor deve partir de palavras freqüentes
em seu trabalho com o sistema ortográfico.
A consciência morfológica, capacidade mais específica relacionada à composição e
derivação da palavra, é outro fator que permite ao aprendiz construir regras que expliquem o
uso de prefixos, sufixos, terminações verbais, homônimos entre outros. Moreira (1995, p.
106), investigando as regularidades lingüísticas na aquisição da ortografia, com foco na
morfologia flexional, verificou como diferentes desinências ou sufixos verbais são
representados por crianças de 1.ª e 2.ª séries. Ela constatou que “há um conhecimento
gramatical, que também regula a representação gráfica e, por vezes, se sobrepõe às
representações sonoras da palavra. [...] Esse conhecimento gramatical pode ser construído a
partir da depreensão de elementos mórficos através do valor semântico desses elementos”.
Percebe-se, então, que o conhecimento morfológico leva o aprendiz a entender a língua sem
precisar decorar todo um elenco de palavras. Assim, se está agindo de forma econômica, pois,
segundo Scliar-Cabral (2001; 2003), as regras de derivação morfológica evitam a sobrecarga
do léxico mental ortográfico, mesmo nos contextos competitivos.
Leal e Roazzi (2000) observaram, em seus estudos, que o nível de consciência
sintático-semântica está relacionado ao desempenho da leitura. Analisando sujeitos em suas
pesquisas, observaram que estes, quando têm dificuldade na leitura, utilizam o contexto
semântico e informações lingüísticas para reconhecer a palavra corretamente. Por sua vez,
Moreira (1999) aponta as várias fontes a que recorre o sujeito quando quer grafar uma
palavra, ou seja, a fonológica, a ortográfica e a de informação específica da palavra. A última
é verificada em palavras nas quais os grafemas são imprevisíveis, como é o caso dos
contextos competitivos. A autora apresenta como exemplo a palavra [‘asu] que pode ser
grafada tanto como “asso” quanto “aço”. Neste caso, a seleção do grafema adequado depende
do conhecimento da forma gráfica da palavra que, sendo homófona, implica também o
conhecimento semântico. Apesar de a autora não mencionar, entende-se que, neste caso,
também seria necessária a informação sintática, pois são palavras de classes diferentes. Em
casos como este, a informação ortográfica seria suficiente apenas para que não se optasse pela
grafia com “s” ou “c”, levando-se em conta as regras distribucionais.
53
As pesquisas sobre ortografia são realizadas, na sua grande maioria, por
pesquisadores ligados à área da Psicologia Cognitiva, os quais trabalham com experimentos
levando em conta os sujeitos, mas isolando o contexto onde esses sujeitos estão inseridos.
Além disso, nota-se que falta base lingüística e que, mesmo do ponto de vista do processo de
aprendizagem, não tem base psicolingüística. Os dados ajudaram a entender alguns aspectos
importantes e mesmo a perceber como falta clareza quanto ao que seja descodificação e
codificação como ocorreu na pesquisa de Rego e Buarque (1997). As próprias autoras acham
necessários estudos de intervenção em sala de aula a fim de se verificar se, de fato, há uma
relação de causalidade entre a consciência sintática e a aprendizagem das regras ortográficas.
Se esse foi um fator dificultante quanto à pesquisa bibliográfica, levou à ratificação da
necessidade de analisar, no espaço pedagógico, como ocorre o processo de ensino e
aprendizagem da ortografia.
Quanto à importância do significado para a aprendizagem da escrita ortográfica,
aspecto relevante nesta tese, também só se encontrou pesquisa desenvolvida na área da
Psicologia Cognitiva, cujo enfoque foi experimental, mas que também apontou para a
necessidade de uma outra postura em sala de aula. Guimarães (1994) teve como objetivo
averiguar experimentalmente como se desenvolve a compreensão da importância de
considerações semânticas na ortografia em sujeitos de diferentes graus de escolaridade/idade.
Para investigar os homófonos não homógrafos, foi realizado um ditado seguido de entrevista
para a justificativa, a fim de se verificar se o sujeito se preocupava em representar as
diferenças de significados em palavras sonoramente idênticas. Partindo dos resultados, a
autora evidencia a necessidade de os professores trabalharem a língua de uma forma
reflexiva com os alunos a fim de que estes percebam a relação que existe entre a escrita
convencional e o significado. Alerta, entretanto, que não basta um trabalho no qual se
chame atenção para os aspectos semânticos e morfológicos, é preciso promover um espaço
de ensino-aprendizagem no qual se levem os alunos a formular e descobrir regras subjacentes
às formas, nas atividades de ensino propostas, a fim de enunciá-las e explicitá-las. Práticas
assim tornarão mais eficaz a compreensão da língua, facilitando a aprendizagem da escrita
correta. Esta necessidade existe, pois a pesquisadora constatou que, embora haja uma
evolução, de acordo com a escolaridade/idade, acerca da importância do significado para a
escrita correta das palavras, muitos alunos chegam ao final do Ensino Médio sem entender
perfeitamente como ocorre a grafia diferente em homófonos. Além disso, apresentaram
relativa dificuldade em formular uma justificativa que explique por que grafaram dessa ou
daquela maneira uma determinada palavra com semelhança sonora. Portanto, é necessário
54
que se organize o planejamento escolar, partindo dos conhecimentos já construídos pelos
alunos, para que se trabalhe paulatinamente a relação entre ortografia e significado, uma vez
que a escolarização desempenha um papel importantíssimo para essa aprendizagem. Esta
constatação evidencia que mais do que reforçar a grafia correta, é preciso levar o aluno a
refletir sobre a sua escrita e, infelizmente, “a escola, local por excelência de reflexão sobre a
língua escrita, vem contribuindo muito pouco para que os sujeitos busquem essa relação, o
que, conseqüentemente, tem retardado a aprendizagem das grafias convencionais onde o
significado é um fator discriminante.” (op. cit., p. 103).
Também Curvelo, Meireles e Correa (1998), em um estudo sobre o conhecimento
ortográfico da criança em contexto lúdico, observaram que, das 60 crianças entre segunda e
quarta séries do Ensino Fundamental, a maioria foi capaz de utilizar os conhecimentos
lingüísticos que possui no nível ortográfico, mas houve dificuldades para justificar o
raciocínio. As autoras apontam que parece existir um caminho relativamente longo a ser
percorrido pela criança até que seja capaz “de fazer uso espontâneo em contexto lúdico, em
nível ortográfico, de habilidades metalingüísticas, ou seja, da reflexão sobre o uso dos
conhecimentos que possui acerca do padrão normativo da grafia das palavras na Língua
Portuguesa. As jogadas realizadas por nossas crianças, embora muitas vezes apropriadas, nem
sempre vinham acompanhadas de justificativa adequada da estratégia empregada” (op. cit., p.
13).
Como apontam as conclusões das duas últimas pesquisas, é preciso mais do que
ensinar a escrever de acordo com a norma ortográfica, a escola precisa ensinar a pensar.
Perini (1996), Travaglia (2002; 2003), Neves (2001; 2002), Scliar-Cabral (2001; 2003) entre
outros enfatizam a necessidade de um ensino inteligente da gramática no qual se leve em
conta que o ensino da metalinguagem deve ser um espaço de reflexão entre quem ensina e
quem aprende, em um processo de construção de conhecimento sobre a língua que o aluno
está aprendendo a descodificar e codificar.
Ainda que se considere, como afirma Neves (2001), que se poderiam aceitar três
tipos de desvio da norma, interessando nesta pesquisa o primeiro, que é aquele em que a
forma recomendada é estabelecida por convenção pública e tem força de lei, é preciso que a
escola não fique passível diante do que foi convencionado. Tal atitude implica desinstalar o
aluno do lugar de repetidor e conduzi-lo ao de questionador, pois só refletindo sobre a língua
é que se pode chegar ao sistema que a regula de forma clara.
É preciso ir além do ensino da norma como se fosse uma verdade absoluta, ensinar a
língua materna a quem já a fala remete a uma outra instância, a da educação lingüística.
55
Travaglia (2003, p. 23) a entende como um “conjunto de atividades de ensino/aprendizagem,
formais ou informais, que levam uma pessoa a conhecer o maior número de recursos da sua
língua e ser capaz de usar tais recursos de maneira adequada para produzir textos a serem
usados em situações específicas de interação comunicativa para produzi efeito(s) de sentido
pretendido(s)”. Não se nega o ensino da norma culta ou padrão na escola, pois ela tem sua
importância política, econômica e cultural, mas é preciso apresentá-la como uma das
possibilidades, alertando os alunos para a existência de variedades lingüísticas. Como a
educação lingüística formal é responsável pela aprendizagem da variedade escrita da língua, é
necessário, além de apresentar as diferenças e semelhanças entre o sistema oral e escrito,
trabalhar a escrita tendo consciência de que ela é uma convenção. A não compreensão de que
há desvios da norma que provocam transgressões, conduz a problemas, por exemplo, na
compreensão da ortografia entre alunos que findam o Ensino Médio como bem apontou
Guimarães (1994); de vocabulário pobre entre alunos que chegam à universidade como
comentou Travaglia (op. cit., p. 32). Quanto a este tópico, o autor assim se expressa:
Sendo isto verdade é preciso perguntarmos o que temos feito para que eles tenham um vocabuláriomais rico e para que sejam capazes de empregá-lo para exprimir não só uma variedade desejável deidéias, conceitos etc., mas também nuanças da mesma. Na verdade o vocabulário é constituído depalavras que são recursos da língua a serem adquiridos, o que significa memorizá-los e ter consciênciados sentidos que cada uma é capaz de veicular; [...]. É preciso, pois, fazer exercícios de vocabulárioque tratem basicamente dos seguintes fatos: a) diferentes sentidos de uma mesma palavra; b)sinônimos, discutindo o sentido de palavras, o sentido de expressões e as diferenças de sentidos entresinônimos; c) diferentes palavras com o mesmo sentido; d) antônimos; e) homônimos; f) parônimos;g) processos de formação de palavras, estudando prefixos, sufixos, radicais e sentidos, incluindo aquia questão dos cognatos.
Este é um quadro que se apresenta ao final de um processo, mas é preciso que o
trabalho com a educação lingüística aconteça desde a pré-escola. O conhecimento que o
professor tem do seu grupo de alunos, o referencial teórico que embasa a sua prática, a sua
concepção de língua e gramática vão nortear o ensino da língua, levando-o a entender por que
também é necessário trabalhar a teoria gramatical. Mas um questionamento emerge: estaria o
professor que trabalha com Língua Materna atento a todos estes aspectos? Teria ele se
perguntado quais as razões para ensinar teoria gramatical?
Teóricos preocupados com o ensino como Perini (1996) e Travaglia (2003) apontam
três objetivos para o ensino da teoria gramatical: dar informação cultural; instrumentalizar
com recursos para aplicações práticas imediatas; desenvolver o raciocínio, a capacidade de
pensar, ensinar a fazer ciência. Interessa-nos especialmente o último que é mais amplo, pois
56
não diz respeito apenas ao ensino da língua. A idéia é levar o aluno a observar, formular
hipóteses, buscar comprovação ou não, ou seja, propiciar um momento de pesquisa. Tal
encaminhamento é importante, pois essas habilidades “são um pré-requisito à formação de
indivíduos capazes de aprender por si mesmos, criticar o que aprendem e criar conhecimento
novo. É justamente neste setor que o estudo de gramática pode dar sua contribuição mais
relevante; [...] se há algo que nossos alunos em geral não desenvolvem durante sua vida
escolar é exatamente a independência de pensamento” (Perini, 1996, p. 31). Os professores
de todas as disciplinas podem direcionar suas aulas para alcançar esse objetivo, mas o
professor de Língua Materna leva relativa vantagem, pois: 1) o material lingüístico é
fartamente disponível; 2) não depende de laboratório; 3) a intuição do falante pode ser levada
em conta, o que leva o pesquisador a se observar; 4) como o uso da língua é fundamental em
todos os setores, o trabalho pode despertar interesse. O estudo pode ser desencadeado tanto a
partir da observação dos usos da linguagem no cotidiano como das teorias existentes. Um
trabalho nesta perspectiva terá como resultado final pessoas mais capazes intelectualmente de
aprender e descartar teorias científicas e, mais que isso, capazes de construí-las.
Diante desse quadro de razões que justificam a teoria gramatical na sala de aula, é
preciso ter clareza de que a opção por parte do professor deve ser consciente e estar atento a
problemas como: cometer o equívoco de pensar que as habilidades de leitura e escrita se dão
pelo ensino da teoria gramatical; esquecer que a teoria gramatical ajuda a pensar; acreditar na
teoria como uma verdade única; não ter consciência de como e por que uma certa teoria foi
formulada. Se estes aspectos não forem levados em consideração, corre-se o risco de se ter
um ensino considerado maléfico e equivocado.
Como se percebe, há uma relação muito intensa entre o ato de ensinar e quem ensina,
o que sinaliza a necessidade de um educador que tenha uma formação adequada quanto ao
ensino da Língua Materna. Mas isso é assunto para a próxima seção.
2.3.2 A formação do professor e o ensino do sistema escrito
Se os dados apresentados até aqui apontam para a necessidade de se repensar o
ensino de língua, especificamente da ortografia, uma questão surge: como anda a formação
57
dos professores que ensinam a ler e escrever? Passa-se, então, a fazer uma análise do
contexto educacional sob três enfoques: o conhecimento do professor sobre o ensino de
Língua Materna, o professor como aquele que interage no processo de aprendizagem do
sistema escrito e a necessidade de se repensar o currículo nos cursos de formação de
professores do Ensino Fundamental.
Um quadro geral a respeito do conhecimento do professor aponta para um
profissional cujo conhecimento sobre a língua e o seu ensino e aprendizagem é insuficiente.
Embora o olhar da presente pesquisa seja para os dois primeiros ciclos do Ensino
Fundamental, faz-se necessário conhecer os dois últimos, pois há professores atuando em
salas de primeira à quarta série cuja formação é outra que não Pedagogia, sendo identificados
formados, por exemplo, em Letras que preferem trabalhar em outro nível que não aquele para
o qual se licenciaram.
Neves (2002a, p. 29-47), analisando a formação dos professores do Ensino
Fundamental que atuam nos dois últimos ciclos, descreve um professor que desconhece,
inclusive, que materiais consultar para resolver seus problemas de ortografia. Além disso, um
terço dos professores pesquisados acredita que os livros didáticos são suficientes para sua
aprendizagem. Ainda quanto à busca de aprimoramento, os cursos de
reciclagem/atualização/aperfeiçoamento são a única fonte que o professor procura. Se isso
mostra, de um lado, o professor interessado e desejoso por conhecer mais; por outro, aponta
para um tipo de atividade que é momentâneo e que, se o professor não tiver uma visão de que
ali são apresentados apenas caminhos para analisar sua prática e transformá-la, a rotina é
retomada ao fim do curso. É preciso compreender que o professor sente necessidade de ajuda
para operacionalizar os conhecimentos que trouxe do curso de capacitação, ou seja, para se
tornar capaz de resolver as dificuldades que encontra no seu cotidiano.
O que se tem encontrado, em geral, no nosso campo de atuação, é um professor que
vai a esse tipo de curso em busca de “receita”, e que, se alguma idéia for apresentada pelo
ministrante, será trazida para a sala de aula, mas findas as sugestões dadas no curso, o velho
material é retomado. Essa situação, tão comum nas salas de aula, pode ser alterada se for
despertado no professor o espírito do pesquisador, ou seja, aquele que olha para sua realidade,
identifica seus problemas e parte em busca de soluções, mas isso não se faz com apenas um
curso anual, é preciso que haja uma continuidade, daí a importância de grupos de estudos nos
quais se faça a leitura de textos e, a partir da fundamentação teórica se repense a prática. Este
é um desafio para a universidade: ir aonde está o professor e auxiliá-lo ali.
58
Ainda olhando os dados de Neves (op. cit.), é possível entender por que o professor
se sente desanimado e desencantado: o salário é baixo; a carga horária é excessiva; atende a
mais de uma escola; o tempo para estudar é raro; não sente respeito e consideração por parte
da sociedade e da comunidade escolar. Estes dados permitem observar que um elemento está
imbricado no outro e que esta autodescrição revela um profissional que precisa também ter
retomada a sua valorização, mas se sente com dificuldades para fazê-lo. Outro ponto
discutido pela autora são os planejamentos anuais nos quais os objetivos são apenas uma
exigência burocrática e há uma distinção entre as atividades de leitura e interpretação,
gramática, redação e ortografia. Como se poderá observar na seção destinada à análise dos
livros didáticos, aqui também se tem uma postura de que a ortografia é um capítulo isolado no
ensino da língua, o que pede uma reflexão. Sobre esse aspecto, assim se posiciona Neves (op.
cit., p. 41): “Exatamente porque os professores têm um conceito de gramática como: 1)
atividade normativa, e/ou 2) atividade descritiva, toda a programação escolar (...) reflete, na
sua compartimentação, o desprezo pela atividade essencial de reflexão e operação sobre a
linguagem. (...) não se observa qualquer reserva de espaço para a reflexão sobre os
procedimentos de uso”. Enfim, fazendo um balanço da questão, Neves apresenta cinco
pontos quanto ao ensino da gramática: 1) crenças, por parte da maioria dos professores, de
que o ensino da gramática leva o aluno a escrever melhor; 2) o despertar do professor, em
cursos de formação, para uma crítica dos valores da gramática tradicional; 3) o ensino da
gramática normativa, em grande parte, foi substituído pelo da gramática descritiva; 4)
verificação de que a gramática, na prática, não tem servido aos alunos; 5) manutenção de
aulas sistemáticas de gramática, ainda que leve em consideração o que foi apresentação dos
três últimos pontos e isso se deve, especialmente, pela cobrança da família do aluno.
O que se tem, então, é um retrato de um professor dos dois últimos ciclos do Ensino
Fundamental, com formação universitária plena, que não sabe como relacionar o
conhecimento teórico e o conhecimento do ensino-aprendizagem, como bem será
apresentado, mais adiante a partir da análise de Reinaldo (2001).
Retomando os dados de Morais e Biruel (1998) e Schaefer (1999) a respeito dos
professores dos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, percebe-se que a forma como
esses professores “organizam” o ensino da ortografia evidencia a necessidade de se terem,
nesses ciclos, profissionais que conheçam melhor o sistema escrito do português do Brasil, ou
seja, é preciso um profissional competente como bem assinalam Cagliari (1999), Kato (1995),
Duarte (2001), Scliar-Cabral (2001b) e Travaglia (2003) entre outros.
59
Uma das tarefas centrais do professor do Ensino Fundamental dos primeiros ciclos é
apresentar à criança o sistema escrito. Segundo Duarte (op. cit., p. 80-1), dados de
investigação mostram que, em um sistema de ensino no qual a leitura e a escrita são
planejadas, orientadas e organizadas por profissionais competentes, mais de noventa e cinco
por cento das crianças têm chance de ser bem sucedidas. Diante desse pressuposto, surge a
necessidade de se entender o que vem a ser um profissional competente nesta área. Para a
autora acima mencionada, há conhecimentos que devem ser necessariamente dominados pelo
professor que atua no ensino de língua portuguesa, os quais passam a ser descritos.
Conhecimento sólido sobre a estrutura da língua portuguesa e suas variedades, bem como
sobre as diferenças entre o sistema oral e escrito e sobre os processos psicolingüísticos de
leitura e escritura. Deve, também, respeitar as variedades sociolingüísticas e ir apresentando
o sistema escrito com as suas características peculiares. Para tal, deve entender os diferentes
contextos em que acontece a relação grafema-fonema e vice-versa a fim de, a partir dos
conhecimentos das regras do sistema ortográfico, auxiliar os alunos em suas dificuldades. A
respeito disso, afirma Cagliari (op. cit., p.106): “Infelizmente, por falta de formação adequada
e de informação técnica correta, muitos professores alfabetizadores desconhecem como o
sistema de escrita funciona, o que é, de fato, a ortografia, como se estabelecem as relações
entre letras e sons, como se decifra uma escrita, como se educam as dúvidas ortográficas e,
conseqüentemente, como se deve conduzir o processo de ensino e aprendizagem na
alfabetização”. O ponto de vista adotado na presente tese vai ao encontro do que advogam
esses autores, evidenciando a necessidade de se promover uma discussão a respeito da
formação a nível de graduação a fim de que esses conhecimentos passem a integrar a grade
curricular conforme será discutido mais adiante.
Ainda quanto ao professor, também deve ter consciência de que o domínio
progressivo da complexidade sintática é fator importante no sucesso da aprendizagem da
leitura e da escrita. Acrescentem-se, especialmente para o trabalho com contextos
competitivos, a fim de auxiliar na sua previsibilidade, conhecimentos sobre: a alternância
consonantal em cognatos, a sufixação e prefixação bem como conhecimento morfológico e,
quando as palavras pertencerem à mesma classe gramatical, que é o caso dos homófonos não
homógrafos, conhecimento semântico.
Retomando Duarte, argumenta, finalmente, que o professor deve ser capaz de, a
partir de projetos de investigação, analisar os resultados e suas conseqüências para a prática
pedagógica bem como integrá-los ao planejamento, organização e orientação em sua
intervenção educativa. Corroborando com essa posição, Travaglia (op. cit., p. 81) evidencia
60
que embora o professor opte por não ensinar teoria a seus alunos, é imprescindível que tenha
um conhecimento teórico sobre a língua, pois “sem esse conhecimento dificilmente o
professor saberá estruturar e controlar atividades pertinentes de ensino e que realmente
caminhem em direção a fins determinados de forma específica e clara. [...], pois é pressuposto
para a configuração de um trabalho metodológico eficiente em sala de aula para o
ensino/aprendizagem de língua materna”.
Também Kato (op. cit.) atenta para o conhecimento que o professor deve ter e
advoga que só a compreensão metacognitiva da leitura e da escritura e de seus processos não
é suficiente na formação didática do professor. É necessário que compreenda também o que e
como o aluno aprende levando-se em conta a intervenção externa. Em virtude disso, a autora
aponta como componentes necessários na formação didática na área da linguagem: “um
conhecimento da natureza da linguagem escrita; um conhecimento da natureza dos processos
envolvidos na leitura e na escrita; e um conhecimento da aprendizagem tanto desses processos
quanto da própria linguagem escrita” (op. cit., p. 99). Percebe-se, então, que a construção, por
parte do professor, de seus próprios modelos exige que ele tenha consciência da natureza do
objeto e dos processos que irá ensinar. A autora enfatiza que esta é a base para uma
intervenção na qual as atividades são planejadas tanto para ajudar o aprendiz a complementar
as habilidades que já adquiriu como para diagnosticar as dificuldades decorrentes do processo,
e possibilita identificar as falhas nas hipóteses quanto aos processos de leitura e escritura.
Esse tipo de postura evidencia a importância de se levar em conta as concepções da
criança sobre o que será ensinado, além da necessidade de atividades que promovam reflexão
e discussão durante a aprendizagem. Dessa forma, especialmente no que diz respeito ao
processo de ensino e aprendizagem da ortografia, “a interação entre as crianças e entre essas e
o professor deveria ser conduzida de tal modo que o aprendiz viesse a perceber a inviabilidade
de suas hipóteses sobre a relação entre sons e letras e que, de posse de novos dados, pudesse
reelaborá-las, tornando-as mais próximas das regras convencionais” (Melo; Rego, 1998, p.
115). Tal postura, leva-nos a acreditar que essa necessidade de troca de conhecimentos para a
compreensão do sistema escrito pode-se ampliar ainda mais, atentando-se, especialmente,
para o momento da interação. Nele, o professor, ao recorrer a estratégias interativas, cujo
objetivo básico é facilitar a compreensão do conteúdo, deve fazê-lo com a intenção de
contribuir para alguma reflexão sobre a língua e o funcionamento de suas estruturas, as quais
são utilizadas pelo aluno em seu cotidiano. Caso contrário, como constatou Gomes (2002), as
estratégias construídas servirão apenas para reproduzir a metalinguagem usada no repasse
mecânico dos conteúdos trabalhados em sala de aula.
61
Até aqui, fez-se um levantamento dos conhecimentos necessários para que o
professor consiga promover a aprendizagem do sistema escrito conduzindo o aprendiz à
reflexão. Entretanto, o que se observa, no contexto escolar, é um professor formado em uma
realidade educacional que não atende plenamente às necessidades existentes na sala de aula.
Isso explica o “clamor generalizado por parte de professores e alunos dos mais diferentes
níveis para que se mudem os rumos das metodologias e estratégias que tratam do ensino de
Língua Portuguesa” como bem assinala Pereira (2001, p. 3). A autora acredita que, se o
aluno se sentir agente do seu próprio conhecimento, haverá alteração nas condições de
aprendizagem da língua materna que deixará de ser apenas um componente curricular
cumprido por obrigação, passando a fazer parte de sua vida. Mas ser agente do conhecimento
implica mudança de postura que deve ter um misto de elementos: descoberta, inquietação,
reflexão, crítica, extrapolação, articulação, proposta, ousadia.
Tal reflexão endereça a discussão para a maneira como os cursos de licenciatura vêm
organizando sua grade curricular, pois se sabe que diferentes concepções de língua conduzem
a diferentes escolhas quanto às estratégias de ensino e de aprendizagem. É neste ponto que se
estabelece a responsabilidade da ciência lingüística ao formar novos professores seja nos
cursos de Letras, seja nos de Pedagogia. Ilari (1985, p. 12) destaca o potencial formativo da
Lingüística uma vez que insere, na formação do professor, “um elemento de participação
ativa na análise da língua, que o habilitará a reagir de maneira crítica às opiniões correntes, e
lhe permitirá, em sua vida profissional, avaliar com independência os recursos didáticos
disponíveis e as observações e dificuldades de seus alunos”. O que se tem aqui é o perfil ideal
do profissional para promover a aprendizagem da língua materna, entretanto, Reinaldo
(2001), analisando a relação entre teoria e prática na formação do professor, percebeu haver
um hiato entre elas. Para os egressos de cursos de Letras, o conhecimento teórico só tem
importância durante o período de formação acadêmica, não estando relacionado com a prática
desenvolvida em sala de aula. Uma das causas que explicariam tal postura é o isolamento da
prática de ensino no final do curso. Atualmente, esta forma de organizar a grade curricular
está sendo analisada e sofrendo reformulações a fim de haver equilíbrio entre as disciplinas
pedagógicas, as articuladoras, as específicas, as específicas integradoras, atividades
complementares e o estágio que perpassa toda a formação acadêmica (Krahe, 2003).
Repensar a organização curricular implica refletir que componentes devem fazer
parte da formação do professor de língua. Nesta perspectiva, Reinaldo (op. cit.) apresenta
dois componentes curriculares: o conhecimento teórico e o conhecimento de ensino e
pesquisa sobre o ensino. Ainda que a análise feita pela autora tenha como foco o educando
62
de Letras, pode-se pensar também no profissional que irá atuar nos dois primeiros ciclos do
Ensino Fundamental, pois também ele é um professor de língua.
O conhecimento teórico diz respeito ao domínio do objeto da linguagem, o qual
envolve um saber relativo à língua enquanto fato lingüístico em todas as suas dimensões. O
segundo componente inclui os estudos sobre aquisição e aprendizagem da língua, os quais
raramente fazem parte da grade curricular oferecida nas licenciaturas, em especial pelas
interfaces que existem entre esses estudos e outras áreas. Assim, faz-se necessário promover
reflexões como:
as concepções sobre o que vem a ser adquirir e/ou aprender uma língua; a discussão sobre ascapacidades e os fatores individuais ou coletivos– de ordem cognitiva, afetiva ou social - queinterferem no processo de aprendizagem de uma língua; a evolução da linguagem durante a fase deaquisição/aprendizagem; o papel do que se convencionou chamar de erro e das correções nesseprocesso evolutivo do aprendiz; o efeito que determinados procedimentos de ensino formal notratamento de certas questões podem provocar na aprendizagem e no desenvolvimento do educando(op. cit., p. 2).
A relação entre esses dois componentes pretende conduzir o futuro professor a uma
posição na qual a reflexão crítica de sua prática docente aponte para a sala de aula como um
espaço de pesquisa, de busca de conhecimento que precisa ser sempre construído. Também
Duarte (2001, p. 81) defende que cabe às instituições de ensino superior desenhar um
currículo e formação que garanta um domínio sólido dos conhecimentos que se fazem
necessários na perspectiva de sua aplicação prática. Cabe, então, aos cursos de licenciatura
preparar o futuro professor dos primeiros ciclos para trabalhar de forma cooperativa, para
pensar a escola como um espaço que considere o crescimento social, afetivo e cognitivo do
aprendiz, como promotora de oportunidades de aprender, enfim um lugar onde professores e
alunos sintam prazer em estar, construir e descobrir.
Percebe-se, então, que a universidade é o espaço de encontros para aprender e
ensinar e isso implica, necessariamente, uma reflexão a respeito de qual o seu papel na
educação lingüística. Travaglia (2003, p. 30-1), ao responder a este questionamento,
apresenta um múltiplo papel, ou seja, cabe à universidade tanto a promoção da educação
lingüística de seus alunos como a divulgação de suas pesquisas para professores de todos os
níveis a fim de informá-los sobre a constituição e funcionamento da língua. Partindo desse
pressuposto, o autor apresenta quatro funções que cabem à universidade (op. cit., p. 31): “a)
produzir o conhecimento lingüístico necessário para subsidiar um bom trabalho de educação
lingüística; b) formar profissionais competentes que sejam responsáveis [...] pela educação
lingüística; c) desenvolver a competência comunicativa dos profissionais de qualquer área que
63
forma [...]; d) ajudar a estabelecer uma consciência, na sociedade, da importância da educação
lingüística” a fim de que as pessoas, por entenderem a sua correlação com a questão da
cidadania, desejem e busquem uma formação lingüística de qualidade.
Compreende-se, então, que a formação do professor não depende apenas dele, é
necessário que as instituições responsáveis pelo ensino superior analisem a real necessidade
do futuro docente levando em consideração tanto o conhecimento teórico que deve ser
oferecido como o conhecimento relativo ao espaço no qual se desenvolve o processo de
ensino e aprendizagem e isso implica também a compreensão dos documentos oficiais que
orientam e regulam o ensino bem como a preparação para planejar aulas e selecionar
materiais didáticos, em especial, os livros.
2.3.3 O livro didático: em busca das páginas que tratam da codificação de homônimos
Outro ponto que merece destaque, quando se aborda o ensino-aprendizagem da
ortografia, é o referente ao livro didático. Uma análise feita em 1994, por uma equipe9,
contratada pela FAE10 revelou a necessidade de mudança imediata, pois, de acordo com a
equipe (1994, p.53-4), era urgente que se traçasse uma política clara do LD, estabelecendo-se
padrões e programas mínimos para orientar os autores e que se exigissem das editoras
qualidade e compromisso. Optou-se por apresentar a discussão feita pela equipe em 1994,
pois ela ainda serve como referência para análise dos livros didáticos, como se vê esclarecido
na introdução da área de Língua Portuguesa do Guia de Livros Didáticos de 1.ª a 4.ª séries:
“Esse exame foi feito numa dupla direção: de um lado, os objetivos do ensino de Língua
Portuguesa do Ensino Fundamental; de outro, os princípios e os critérios já estabelecidos para
a avaliação dos livros de 1ª a 4ª séries, tanto em sua versão preliminar, publicada pela FAE
em 1994, quanto em sua reformulação para os PNLDs de 1997 e 1998”. (2000) 11
Dos problemas graves detectados nos livros de primeira à quarta série pela equipe de
1994, foi elaborada uma lista com onze itens, dos quais foram selecionados os que estão mais
relacionados com o objeto de pesquisa desta tese.
A estrutura, além de ser repetitiva, centra sua preocupação em fixar a norma escrita
e, para tal, faz uso de exercícios que envolvem prioritariamente a repetição e a cópia. Os
textos são selecionados, muitas vezes, como pretexto para o ensino de uma determinada
9 Fizeram parte da equipe de Português: Antenor A. Gonçalves Filho, Heliane G. Ferreira de Melo, JaquelineMoll, Luiz Percival Leme Britto, Leonor Scliar-Cabral, Magda Becker Soares e Nadja da C. Ribeiro Moreira.10 Fundação de Assistência ao Estudante11 Não é feita a indicação da página, pois o material não a apresenta.
64
característica lingüística. Em geral, são oferecidos fragmentos, o que descaracteriza a própria
definição de texto. A oralidade é desconsiderada e isso se faz sentir na confusão existente
entre atividades em que se fala com as em que a língua oral é objeto de reflexão. É dado
grande valor aos aspectos lingüísticos propostos pela Gramática Tradicional. Além disso, os
autores favorecem um ensino descontextualizado, com erros e impropriedades. Todo esse
quadro é fruto da análise feita pela equipe que, para alcançar esses resultados, estabeleceu
critérios que foram agrupados em quatro grandes áreas: leitura, oralidade, produção de textos
e conhecimentos lingüísticos.
Antes de se entrar na apresentação dos livros didáticos selecionados e analisados no
Guia 2000/1, acredita-se ser necessário estabelecer uma comparação entre os critérios de
análise da equipe de 1994 e os critérios classificatórios do Guia, enfocando apenas a grande
área de conhecimentos lingüísticos. Essa apresentação permitirá entender que caminhos
percorrem os analistas dos livros didáticos para emitir seu parecer. Seguindo critério
cronológico, será apresentado primeiro o posicionamento da equipe de 1994:
o mais fundamental desses princípios é que a língua deve ser considerada em toda a sua diversidade,valorizando-se situações de seu uso real e de reflexão e construção de conhecimento sobre alinguagem. Outro princípio fundamental é que não haja conceitos ou teorias sem justificativasuficiente para a sua apresentação. Um terceiro princípio é a necessidade de adequação dos conteúdose procedimentos didáticos, no ensino de LP no 1º grau, às significativas contribuições que aLingüística Moderna e suas especialidades – Psicolingüística, Variação Lingüística, LingüísticaTextual, entre outras – têm trazido ao entendimento do fenômeno lingüístico e ao modo como acriança adquire seja a língua falada, seja o sistema de escrita. (Brasil, p. 31)
Já, no Guia, os critérios classificatórios relativos ao trabalho como texto incluem
além de leitura e produção, os conhecimentos lingüísticos que “objetivam levar o aluno a
refletir sobre aspectos da língua e da linguagem relevantes tanto para o desenvolvimento da
proficiência oral e escrita quanto para a capacidade de análise de fatos de língua e linguagem”
(Brasil, 2000). A recomendação quanto aos conteúdos e atividades é que: tenham peso menor
em relação à leitura e produção; estejam relacionados à situação de uso; levem em
consideração as variedades lingüísticas respeitando-as; estimulem a reflexão e propiciem a
construção dos conceitos abordados.
Como se pode observar, há consenso entre as duas versões, apontando ambas para
um trabalho em sala de aula que valorize as variedades lingüísticas e leve o aluno a refletir
construindo seus conhecimentos.
65
Interessa à presente tese a grande área dos conhecimentos lingüísticos, pois examina
a escrita, sistema de representações e convenções gráficas bem como o vocabulário, a
morfossintaxe e as variedades lingüísticas.
Analisando o documento redigido pela equipe, no que diz respeito aos
conhecimentos lingüísticos (Brasil, 1994, p. 43-8), alguns pontos chamam atenção, pois
coincidem com a forma como a ortografia é trabalhada pelos professores. Promover a fixação
do sistema de representação escrita a fim de levar o aluno a se expressar com clareza e
correção é o objetivo principal que permeia todos os livros didáticos analisados. Atreladas a
ele, estão a apresentação da teoria lingüística e a nomenclatura próprias da Gramática
Tradicional. Essa visão de ensino de língua direciona todas as atividades nas quais são
encontrados textos fragmentados, muitas vezes servindo como pretexto para o ensino de
algum aspecto da gramática e propostas de produção textual descontextualizadas. Os
exercícios, na sua maioria, encontram-se categorizados com os significados de “ortografia”
ou gramática.
A equipe de análise dos livros didáticos apresenta três grandes problemas referentes
ao modo como se desenvolvem as questões de linguagem, os quais são decorrentes da opção
adotada pelos autores. O primeiro deles, assim posicionado por ser o mais grave, é a ausência
de um conceito coerente e claro de língua. Nos livros didáticos não se estabelece uma
diferenciação adequada entre escrita e oralidade, nem tampouco são apresentadas atividades
que conduzam o aluno a perceber os fundamentos da linguagem humana e da língua de sua
comunidade.
A única representação que prevalece nos livros didáticos é a do sistema escrito,
portanto não se leva em consideração a consciência sobre a representação mental da
oralidade. Também não são observados fenômenos importantes da língua oral que a
distinguem da escrita como a aglutinação de palavras, entoação, ritmo. Um dos exemplos
apresentados, retirado de um livro destinado à segunda série, adverte o professor de que é
comum as crianças trocarem “o” por “u” e “e” por “i”. Tal “recomendação” implica um
problema grave, pois é preciso entender que a criança se defronta com o dilema de ter que
reanalisar a percepção da fala o que para ela era um contínuo. O autor do material didático e
o professor precisam entender que não se trata apenas da construção de um sistema escrito
alfabético.
Uma análise dos exercícios e atividades revela as teorias de aprendizagem que estão
subjacentes, apontando um outro problema que decorre da crença de que a automatização do
código possa ocorrer em um contexto não funcional. Portanto, é preciso evidenciar que o
66
sistema escrito não se constrói através de exercícios mecânicos nos quais não se pode
descobrir nenhum elo de sentido. É preciso entender que explicar definições sobre unidades
lingüísticas, tais como encontro vocálico, não se faz necessário, pois a criança não necessita
disso para a incorporação dos princípios do sistema escrito do português.
Por fim, cabe destacar que a apresentação da Gramática Tradicional não se articula
com uma análise ou exercício real do uso da língua, servindo apenas para atividades de
identificação e classificação de tópicos lingüísticos. Portanto, a falta de crítica, de objetivos
pedagógicos claros e de conhecimento da estrutura real da linguagem por parte dos autores
que editam o material didático, compromete o ensino nos dois primeiros ciclos do Ensino
Fundamental.
Ainda vinculado à adoção da Gramática Tradicional está o segundo problema:
banalização do senso comum dos conceitos gramaticais, os quais são tratados fora do
contexto, o que os torna equivocados e até ilógicos. Uma das razões para que isso ocorra é a
necessidade de “facilitar” a aprendizagem de determinado conceito, metalinguagem, assim, os
autores optam pelo uso de recursos que “tornem acessível” a gramática ao aluno.
Essa banalização é empalmada por uma complexificação que parece acontecer de
série para série culminando, enfim, na quarta, último ano do segundo ciclo. Entretanto, o que
ocorre é uma ausência de aprofundamento ou complexificação dos exercícios, os quais
continuam enfocando a identificação e a classificação. Portanto, tal problema aponta para a
necessidade de um planejamento seqüencial no qual a finalidade e o grau de dificuldade das
atividades sofram uma alteração gradativa.
O último problema é a ausência quase total de trabalhos com a língua oral tais como
as questões de variação lingüística e de níveis de registro. A desatualização dos livros
didáticos também se faz sentir no que concerne a questões de articulação textual. Observa-se,
portanto, que a maior parte do material é destinado ao trabalho com aspectos irrelevantes da
língua para a criança ou a aspectos que não correspondem ao português contemporâneo oral
ou escrito.
Enfocando especificamente o objeto de estudo deste projeto, a ortografia, os
avaliadores enfatizam que: “a visão mecanicista e acrítica que orienta a exposição dos
conceitos e padrões lingüísticos também opera no trabalho que se faz com o vocabulário.
Desvinculados das estruturas lingüísticas e, normalmente, descontextualizados, os exercícios
são dicionarescos, reduzindo a questão ao restabelecimento de relações de sinonímia,
antonímia e, alguns casos, paronímia e homonímia.” (op. cit., p. 47). Para promover a
ampliação do vocabulário do aluno, é preciso muito mais que pesquisas descontextualizadas
67
em dicionário, para que ela ocorra como conseqüência da ampliação também do universo
cultural e da atividade crítica do aluno sobre o mundo.
Ao encerrar a análise, chama-se a atenção para a forma como as atividades estão
divididas: ortografia; mista (pontuação, frases e morfologia) e conceitos, definições e padrões
da “gramática”. Tal fragmentação reforça a idéia explícita na gramática tradicional que
também está presente na maioria dos livros didáticos nos quais ortografia não é “gramática”.
O ponto nevrálgico é a falta de reflexão sobre o conceito de gramática; isso fica
evidenciado quando, em nenhum dos livros didáticos analisados, os autores promovem uma
discussão acerca da razão de se ensinar e aprender gramática, embora ela ocupe o maior
espaço nas obras. Tal ausência pressupõe que todos compreendam o que seja gramática e
aceitem que ela deva ser ensinada. Assim, é possível entender por que razão a maioria dos
exercícios seja de fixação e as atividades sejam mecanicistas: o objetivo fundamental do livro
didático é levar o aluno a fixar a informação, conseqüentemente, há um desconhecimento total
dos procedimentos cognitivos de aquisição do conhecimento. Enfim, vale ressaltar a ausência
de uma progressão efetiva de um volume para o outro, o que levaria em consideração a
escolarização e o desenvolvimento intelectual da criança.
Muito do material, que circula na lista dos livros didáticos indicados atualmente para
escolha pelos professores do Ensino Fundamental, apresenta os problemas, senão todos, que
foram pontuados pela análise aqui apresentada, datada de 1994, embora o Guia dos Livros
Didáticos 2000/1 forneça uma orientação que visa evitar problemas como os apontados na
análise aqui relatada. Selecionaram-se as oito obras adotadas no município em que a pesquisa
foi desenvolvida para uma leitura mais detalhada, especialmente a parte destinada à
ortografia, com vistas a analisar o trabalho com os homófonos não homógrafos e também a
fim de analisar se o parecer apresentado no Guia, no que concerne aos conhecimentos
lingüísticos, deixa realmente clara qual a proposta de trabalho do livro didático.
Entretanto, é preciso, antes, buscar entender o que é o Plano Nacional do Livro
Didático (PNLD) e como as obras passam a receber as estrelas que as classificam. O PNLD
existe desde 1996, quando foram analisados e avaliados 263 livros considerados inadequados
entre o material didático para o ensino nos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental em
várias disciplinas. O veto a essas obras teve como critérios os “erros” de conceito,
preconceito e desatualização. O MEC, para avaliação do livro didático, tem dois grupos de
critérios: eliminatórios e classificatórios. Os primeiros levam em conta a correção de
conceitos, informações básicas, pertinência metodológica, além da preocupação com aspectos
que possam conduzir à discriminação. Os critérios classificatórios aparecem explicitados por
68
disciplina, mas há critérios comuns de classificação que levam em consideração os aspectos
gráfico-editoriais e o manual do professor. Com base nesses critérios, os livros passam a ser
classificados em: recomendados com distinção, recomendados e recomendado com ressalvas.
Passa-se, então, à leitura atenta das oito obras recomendadas pelo Guia e adotadas
pelos professores de nosso universo de investigação. O foco foi a área de conhecimentos
lingüísticos e bem como os exemplos de atividades de ortografia retirados de cada obra,
enfatizando, como já se mencionou, os homófonos não homógrafos. A ordem de
apresentação será de acordo com a classificação no Guia.
A única obra classificada com três estrelas é Construindo a escrita: leitura e
interpretação de textos (Carvalho et al., 1997a)12. É interessante observar que as autoras, além
desse volume, produziram um outro intitulado Construindo a escrita: gramática e ortografia
no qual tratam especificamente desses dois tópicos, mas sobre isso não há menção no Guia. O
primeiro volume não trata da homonímia, mas há alguns momentos, na análise do texto, em
que o aluno é convidado a refletir a respeito do valor polissêmico das palavras, por exemplo, à
página 24, o aluno é convidado a escrever todos os significados que conhece da palavra
caracol; na página seguinte, é indicada uma consulta ao dicionário para copiar os significados
e, por fim, o aluno é novamente remetido ao texto para atribuir o sentido à palavra em dois
versos diferentes do poema. Na parte de apresentação da obra, nos fundamentos teóricos, as
autoras esclarecem, quanto à gramática e à ortografia, que ambas “são vistas como sistemas a
serem desvendados e compreendidos como um conjunto de leis e articulações possíveis,
impossíveis, prováveis e pouco prováveis. Aprendê-las não é memorizar regras arbitrárias, às
quais o sujeito deve se submeter, mas é agir sobre a língua, pensar suas propriedades, analisá-
la em suas múltiplas facetas, para ir gradativamente construindo sua teia de relações” (op cit.,
p. iv). Essa postura fica evidente no segundo volume que é organizado em onze módulos,
sendo os quatro primeiros destinados à ortografia: confrontando “s”, “ss”, “c”, “ç” e “z”;
confrontando as letras “l” e “u” em final de sílaba; confrontando as letras “e” e “i” em início,
meio e final de palavras; as seqüências de letras “lha” versus “lia”. A estrutura do trabalho é
composta por atividades de descoberta e sistematização por meio de jogos lógicos. A
sugestão das autoras é que as atividades de descoberta, que estão descritas no manual do
professor, sejam realizadas antes das de sistematização que constam do livro usado pelo
aluno. A opção por jogos lógicos lingüísticos tem fundamento no trabalho desenvolvido pelo
Laboratório de Psicopedagogia da USP, no qual são desenvolvidas pesquisas a respeito da
12 A data de publicação é a da obra utilizada em sala pelo professor; isso diz respeito a essa e as demais obrasanalisadas.
69
influência da utilização desse tipo de jogos como elemento de desenvolvimento da
inteligência e estruturação do pensamento. Acredita-se que esse tipo de jogo lingüístico
possibilite ao aprendiz uma relação mais ativa com o sistema da língua bem como a sua
ampliação vocabular. As autoras orientam os professores para os tipos de erro de grafia mais
comuns, naquele módulo e naquela série. Por exemplo, quanto ao uso de “ce”/ “ci” versus
“s”/ “ss”, o resultado mais encontrado, proveniente da amostra levantada pelas autoras, foi o
uso de “s” no lugar de “ç” (‘acontesa’ no lugar de aconteça). Isso as surpreendeu, pois o “s”
entre duas vogais têm o som [z], não podendo ser uma escolha aceitável neste contexto.
Informações dessa natureza servem de parâmetro para o professor preparar sua aula. Um
outro aspecto interessante, no volume destinado à quarta série, é o trabalho com prefixos e os
sentidos acrescentados por eles. Há vários momentos na obra que coincidem com o trabalho
desenvolvido em nossa pesquisa, mas as autoras em momento algum exploram os homófonos
não homógrafos, pois preferem trabalhar com outro tipo de explicação que, em geral, leva em
conta o contexto anterior ou posterior da palavra. Acredita-se que em algumas situações,
como a grafia, por exemplo, de sessão, cessão, seção ou de cauda, calda bem como a
ampliação de prefixos que formam par mínimo tendo como base distintiva o seu significado
tornariam mais compreensíveis estas situações.
Há três obras recomendas: ALP – Análise, linguagem e pensamento, Linguagem e
interação e Na trilha do texto, as quais passarão a ser apresentadas.
A primeira (Cócco; Hailer, 1995), segundo o Guia, trata os conhecimentos
lingüísticos de forma mais extensa nas seções destinadas à ortografia e gramática, embora
também estejam presentes no estudo do texto. Encontraram-se, na obra, na seção de ortografia
aplicada, mais momentos em que o aluno deve buscar palavras no texto e até fazer frases com
elas do que os que conduzem à reflexão. Para tornar mais claro, será apresentado um
exemplo de atividade proposta: à página 36, os dois primeiros exercícios são
questionamentos ao aluno: “1. Por que a palavra ‘alçapão’ tem cedilha e ‘delícia’ não tem? 2.
Por que ‘dentro’ se escreve com n e ‘sempre’ se escreve com m?” A seguir os alunos são
convidados a buscar no texto palavras com “m” antes de “p” e “b” e a escrever um pequeno
parágrafo em que elas apareçam. Embora se possibilite ao aluno refletir a respeito das duas
situações em que o contexto fonético é indicador de como grafar a palavra, é necessário que o
professor tenha a compreensão de que se impõe muito mais do que essas duas questões para
entender o assunto, sobretudo, por serem regras de codificação diferentes. Não há menção aos
homófonos não homógrafos neste volume, apenas à página 139, o aluno é convidado a
observar as palavras “caça” e “fácil” a fim de discutir por que um é com “ç” e outro com “c”.
70
Seria um momento interessante, talvez, para discutir também a possibilidade de se grafar,
nesse contexto, a palavra com o grafema “ss”, oportunizando, além do entendimento dos
contextos fonéticos, os competitivos.
Em Linguagem e interação (Pontes et al., 1996), os conhecimentos lingüísticos não
aparecem de forma isolada, integram as demais atividades, pois o texto é o núcleo e a
gramática é entendida como meio de desenvolver as capacidades de ler e produzir textos. A
obra realmente trata pouco da questão da ortografia e os homônimos que aparecem são
analisados como as demais palavras sem entrar na discussão teórica. Por exemplo, à página
57, a questão sete explora a escrita e o sentido de “a fim” no texto lido. Já, à página 80, na
qual se faz o estudo de “há” e “a” a questão 15 pede que o aluno construa a regra de uso, mas
a questão seguinte é um exercício apenas de completar.
Na trilha do texto (Matos, [s.d.]), segundo o Guia, procura levar o aluno a observar e
a refletir, a sistematizar e a construir generalizações e regras. Quanto aos homófonos não
homógrafos, há duas menções: uma na página 74 e outra na 83. A grafia de conserto e
concerto aparece, inicialmente, à página 70, no texto “Português não é dono da padaria”.
Como parte da primeira questão, é solicitado ao aluno que forme frases com as duas grafias.
Em seguida, a autora coloca a seguinte adivinha: O que é o que é ? “Ambos exigem perícia,
mas um eu faço no carro e outro no teatro”. Este tópico é retomado quatro páginas adiante,
iniciando pelos verbetes apresentados pelo autor. Em seguida o aluno deve realizar um
exercício de completar frases. O assunto encerra por aqui. Na seção destinada ao
“vocabulário”, a questão 3 apresenta o uso de sessão e seção em quatro frases, em seguida o
aluno é convidado a indicar as lacunas onde se deve escrever cada palavra a fim de completar
o verbete. A questão 4 solicita que o aluno explique o significado de cessão. Pode-se
observar que a autora não aborda a questão dos contextos competitivos nem os não
homógrafos, apenas é feito o exercício, sem que o próprio aluno construa o sentido para cada
grafia, podendo assim ter uma base para a distinção entre uma e outra forma de grafar cada
palavra. Mais adiante, ao tratar da grafia de “ora” e “hora”, a autora adota outra postura:
apresenta duas frases e solicita que os alunos pesquisem, investiguem e montem um texto
explicando a diferença entre as duas grafias. Atitudes tão diferentes diante de situações que
poderiam ser discutidas de forma semelhante deixam intrigado quem analisa a obra, pois não
se tem clareza da forma como o ensino da ortografia deva ser tratado, embora no manual do
professor a autora tenha se posicionado a favor de um ensino no qual o aluno seja,
gradualmente, conduzido à reflexão sobre as diferenças entre os códigos oral e escrito.
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O último grupo a ser apresentado é o dos que receberam apenas uma estrela, entre
eles estão: Linguagem viva, Os caminhos da língua portuguesa, Produzindo leitura e escrita
e Viver e aprender.
Na primeira obra (Miranda; Rodrigues, 2001), o estudo da ortografia é realizado,
geralmente, na seção “como se escreve?”. Ali se encontram exercícios, os quais solicitam a
análise de palavras isoladas: raras vezes, aparecem frases. Os exercícios são seguidos ou
permeados de definições que visam simplificar o assunto em exercício. Além dessa seção,
também na “entendendo a nossa língua” as autoras apresentam definições e explicações sobre
a grafia de palavras. Por exemplo, à página 112, são apresentadas as duas grafias “mau” e
“mal”, mas o trabalho de distinção entre as duas palavras não leva em conta o aspecto
morfológico de forma que ajude a compreender uma e outra grafia, a preferência é por dicas
que auxiliem o aluno a completar as frases. Mesmo os questionamentos apresentados na
segunda questão, direcionam para a conclusão que as autoras pretendem, não possibilitando a
construção da conclusão a partir da observação do aluno; além disso, a frase inicial é um
fragmento, o que revela a ausência de um contexto mais amplo, o que deveria ser
considerado, uma vez que os alunos falam e escrevem tendo como meta um texto. Ao
consultar o manual do professor, encontra-se uma “postura teórica” que difere da forma como
os exercícios estão organizados. Ao fundamentar a seção “Como se escreve?”(op. cit., p. 7-
9), as autoras dizem ser este o momento para levar os alunos a pensar sobre a escrita
ortográfica. Ao elencarem condições necessárias para o ensino da ortografia, advertem que,
para se ter maior segurança sobre o uso da ortografia, é preciso entender o que ela é e para
que serve. Acreditam que, por meio das atividades propostas, os alunos poderão observar os
valores sonoros das letras a fim de se tornarem conscientes de seus usos a partir de
conclusões elaboradas por eles mesmos. Esta colocação faz emergir um questionamento:
como o aluno irá fazer tal descoberta se o livro já apresenta a resposta? Mais uma vez se faz
necessário destacar o papel do professor como aquele que irá promover as reflexões e a
construção do conhecimento da norma ortográfica no caso de se adotar um livro didático que
apresente esse tipo de proposta.
Os caminhos da língua portuguesa (Gregolin, 2000) tem o trabalho com os
conhecimentos lingüísticos caracterizados, “principalmente, pela retomadas de conceitos e/ou
conteúdos apresentados nos três primeiros volumes da coleção, de forma mais aprofundada.”
(Brasil, 2000, p. 260). Esta informação do Guia pouco auxilia para o entendimento de como
este aspecto é trabalhado na obra, fazendo com que o professor recorra à análise das obras das
séries anteriores. Lá é possível observar que a obra propõe um trabalho de qualidade no qual
72
há ênfase à reflexão e à sistematização dos conceitos e/ou conteúdos. Embora haja atividades
que visem a um treinamento, a maioria apresenta uma contextualização das propostas que se
aproximam da leitura e produção de textos. Analisando a obra, encontram-se mais atividades
que conduzem à discussão tanto a partir do uso, como da observação e/ou do agrupamento.
Na parte final da obra, é apresentado um pequeno texto sobre a arte marajoara (op. cit., p.
170) no qual o aluno deve encontrar palavras que tenham sílabas com “j” e com “g” para
serem escritas no seu caderno. A questão seguinte pede que seja feita leitura em voz alta para
que se possa observar se o “g” e o “j” têm o mesmo som naquelas palavras. A conclusão deve
ser que sim, como assinala o livro do professor. Analisando duas das palavras, viagem e
viajantes, seria possível aprofundar ainda mais a análise, enfatizando tanto o aspecto
morfológico como a derivação das palavras. Na obra, não há referência aos homófonos não
homógrafos. Quanto ao manual, na seção “construindo a escrita”, na parte referente às
atividades de ortografia, observa-se coerência entre a proposta apresentada e as atividades
desenvolvidas.
Produzindo leitura e escrita (Rocha; Teixeira; Garcia, 1996) apresenta, segundo o
Guia, os exercícios sobre os conhecimentos lingüísticos de forma contextualizada. Nesta obra,
não há referência à homonímia e a ortografia é trabalhada de forma contextualizada com
ênfase na tonicidade e acentuação, as regras de acentuação são sempre construídas pelo aluno
a partir de análise e observação, como acontece, por exemplo, na página, na qual é dado um
quadro com treze palavras. Partindo dele, o aluno deverá: separá-las em dois grupos, das
acentuadas (A) e das não acentuadas (N); marcar a sílaba mais forte nos dois grupos; verificar
a posição da sílaba tônica e, por fim, conversar, pesquisar, discutir com os colegas e a
professora para depois registrar a regra que explica a acentuação das palavras do grupo A. As
autoras também incluíram a seção “Quem acha, não perde”, em forma de desafio, para
trabalhar os cognatos. Para promover a discussão em torno da ortografia, as autoras
selecionaram um texto de Emília no país da gramática que, além de contar a história da
ortografia, introduz a questão da origem das palavras. No Manual do professor (op. cit., p.
iv), as autoras justificam sua forma de trabalho e, quanto ao ensino de língua materna, dizem
ser essencial dois aspectos: “priorizar o significado e o sentido, valorizando a experiência
pessoal, o cotidiano, a prática social; superar a visão mecanicista, estimulando não apenas a
memória, mas também o raciocínio”. Pode-se perceber que há coerência entre os aspectos
teórico-metodológicos que fundamentam o trabalho e a forma como as atividades foram
organizadas na obra.
73
A última obra é Viver e aprender (Martos, 1998) na qual os conteúdos gramaticais e
as questões ortográficas trabalhados retomam os conteúdos dos volumes anteriores, mas com
um grau maior de dificuldade. O trabalho com ortografia é proposto na seção denominada
ortografia com exemplos, definições e dicas ou regras dadas pelo autor, o que não permite a
reflexão por parte do aluno, sobretudo, porque os exercícios, que também se encontram na
seção “atividades”, são com palavras isoladas que devem ser completadas, pintadas, copiadas
entre outras ações. No Manual do professor (op. cit., p. 6), o autor sugere que o aluno elabore
as regras antes de trabalhar com o livro, mas essa atitude não se faz sentir na obra, pois nela a
regra já está posta como uma “verdade” construída pelo autor. Se realmente deseja a
depreensão da regra pelo aluno, por que não lhe deu oportunidade na obra? Por que vive
insistindo em treino? Torna-se difícil entender qual, realmente, a postura do autor. Na obra,
não se fala em homófonos não homógrafos, embora apareçam alguns pares, aliás, é a obra
que mais os traz de todas as oito analisadas. Quando os pares são apresentados, o autor não
possibilita a construção do sentido, pois as informações já estão postas, com o significado
e/ou a classe gramatical. O par viagem/viajem é apresentado, à página 63, na seção
“Aprendendo mais”, com exemplo, significado e classe gramatical. Em seguida o autor
propõe um exercício de completar cinco frases com uma das duas palavras. A forma de
trabalhar o par comprimento/cumprimento não é muito diferente. O assunto é apresentado na
seção “ortografia” a fim de discutir o uso de “o” e “u”. É solicitado ao aluno que leia as duas
palavras e a seguir são apresentados os dois significados. Como atividade, o aluno deverá
observar duas figuras e inventar frases com o par. Para facilitar, a palavra aparece em cima da
figura a que se refere, ou seja, comprimento é ilustrada por um menino fazendo medidas com
a régua e cumprimento, por dois meninos dando as mãos. Os demais exercícios trabalham na
mesma linha, como adverte o autor, à página 262, ao trabalhar os sufixos -esa/-eza: “agora,
vamos treinar para não esquecer”. Percebe-se, então, que o trabalho é feito a partir de uma
visão mecanicista.
Portanto, das oito obras analisadas, somente duas focam as atividades de ortografia
sob uma ótica que leve à reflexão, contextualizando os exercícios e promovendo também a
ludicidade. Outras três não têm um posicionamento claro, pois são apresentados exercícios
que visam à mera memorização em um momento e, em outro, exercícios que favorecem a
depreensão de regras de codificação. Por fim, há um grupo de obras que centram o ensino-
aprendizagem somente em atividades mecanicistas. Percebe-se, então, que ainda há muito a
se fazer para que o material didático utilizado pelo aluno favoreça a construção de uma
proposta como a apresentada no PNLD e nos PCN.
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Como os professores não trabalham apenas com o material indicado pelo MEC nem
com os livros considerados os mais adequados dentro da proposta, serão apresentadas duas
obras que trabalham a ortografia de forma fragmentada. Tendo em vista a série em que a
pesquisa foi desenvolvida, selecionou-se o volume quatro de ambas as editoras.
A primeira, publicada pela Ática, é Assim se aprende ortografia (Rando; Silva,
2001), que é uma produção em quatro volumes destinada às séries dos dois primeiros ciclos
do Ensino Fundamental. A editada em 2001, já está na sua oitava edição. Este é composto
por vinte e seis textos, sendo apenas três de outros autores que não das autoras do livro
didático. A editora, na divulgação do livro, destaca aspectos13 como “textos elaborados para
trabalhar de maneira significativa cada grafia em estudo”. Entretanto, o que se encontra, na
referida obra, são textos criados como pretexto para o ensino de determinados grafemas, como
bem exemplifica o texto “A bruxinha xereta” (op. cit., p. 64), cujo primeiro e segundo
parágrafos evidenciam o uso dos grafemas “x” e “ch”: “Xexica é uma bruxa. Pega a chave e
abre a caixa mágica, mexe nos chapéus, nos chinelos e nas receitas da bruxa Loreta”. As
cinco páginas seguintes, que contêm as atividades, apresentam propostas desligadas do texto,
visando apenas à fixação de palavras sem que estas estejam dentro de um contexto e façam
sentido para a criança. A referência a apenas um texto é suficiente para mostrar que os
aspectos evidenciados pela editora não se fazem sentir no decorrer da leitura da obra
especialmente no que se refere a textos elaborados para trabalhar de maneira significativa
cada grafia.
A outra obra é Caderno do futuro (Passos e Silva, 2002) da IBEP que é composta por
exercícios que visam à fixação do conteúdo. Inicialmente apresentam um pequena definição
do objeto de estudo e, em seguida, o exercício propriamente dito no qual cabe ao aluno
completar com os homônimos das palavras destacadas e, depois, copiar as frases. Os demais
exercícios seguem esta linha e alguns trabalham com palavras isoladas as quais devem ser
lidas, copiadas, sublinhadas, ou seja, sempre exercícios mecânicos.
Como se pode observar, os livros didáticos que se encontram à disposição do
professor apresentam diferentes formas de trabalhar a ortografia, por isso é importante que a
escolha seja bem orientada. Entretanto, pesquisa desenvolvida por Costa Val (2002) em onze
estados brasileiros, incluindo Santa Catarina, a respeito do processo de escolha dos livros
didáticos de 1.ª a 4.ª série, revelou que: o tempo destinado à seleção dos livros é insuficiente;
grande parte dos professores está desinformada em relação ao Programa Nacional de Livros
13 http://www.atica.com.br/catalogo.asp?ISBN=8508039719
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Didáticos; há baixa incidência e superficialidade nas consultas ao Guia; não há concordância
entre os docentes quanto aos critérios de classificação adotados pelo Guia; metade das
Secretarias de Educação, estaduais ou municipais, direciona para a escolha única; as editoras,
que dominam o mercado, exercem interferência dominante. Ainda, segundo a pesquisa, a
combinação dos fatores acima resulta em: insatisfação dos professores; preferência pelos
livros didáticos menos qualificados pela avaliação do PNLD; complementação do livro
didático recebido com outros materiais didáticos, inclusive com obras excluídas pelo Guia;
não utilização do livro didático recebido, podendo até haver substituição por livros comprados
pelos pais.
Além da maneira como a escolha é conduzida, também não se pode deixar de apontar
a forma sintética, como o livro didático é apresentado no Guia, como um dos fatores que leva
à escolha de uma determinada obra. Neste ponto, Marcuschi (2001), após uma pesquisa junto
a professores dos dois últimos ciclos do Ensino Fundamental, analisando sua forma de ler as
resenhas do Guia, observou que:
Não há objetividade no gênero resenha, nem estamos pleiteando que devesse ter. Contudo, na formacomo o Guia vem sendo divulgado, há uma clara pretensão de persuadir os professores de que aproposta eleita pelo MEC é a melhor para o ensino de língua. Na dúvida em relação à leitura que serárealizada pelo docente, essa direção é evidenciada pelas estrelas, buscando atingir o convencimentonão conseguido com a argumentação. Parece-nos, no entanto, que ao MEC caberia disponibilizar asresenhas, para que os professores pudessem analisá-las e decidir, com autonomia, segundo seusconhecimentos, qual dos livros resenhados seria mais adequado para o contexto em que atuam. (op.cit., p. 5).
Aliás, a história do livro didático no Brasil (Freitag; Costa; Motta, 1997) aponta para
uma falta de discussão mais ampla envolvendo toda a comunidade interessada, não apenas
técnicos e assessores do governo. Além disso, quanto à avaliação e classificação dos
didáticos, Souza (1999, p. 57) assume uma postura que leva quem está envolvido na educação
a refletir: “a iniciativa do MEC para avaliar e classificar Livros Didáticos não deve
necessariamente ser vista como um ‘ato perverso’ de controle, mas não deixa de ser um gesto
de censura, com implicações didático-pedagógicas”.
Todos esses aspectos relativos ao livro didático ajudam a entender a atuação do
professor em sala de aula e até mesmo as facilidades e dificuldades pelas quais passa o aluno
durante o seu processo de aprendizagem.
2.3.4 Mais um dedo de prosa: a ortografia nos PCNs de Língua Portuguesa de primeira à
quarta série
76
Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados com base na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n.º 9.394/96, e propõem orientações gerais sobre o
básico a ser ensinado e aprendido em cada ciclo do Ensino Fundamental e Médio. Há méritos
na elaboração do documento e também problemas, especialmente se for feita uma leitura do
momento histórico em que o documento foi produzido como adverte Costa (2002).
Entretanto, o objetivo aqui não é tecer críticas, mas relatar como a parte referente à ortografia,
que se encontra em uma seção mais ampla, “análise e reflexão sobre a língua”, é tratada.
Nessa seção, o trabalho com a língua é realizado através de atividades de análise
lingüística, ou seja, aquelas que adotam, como objeto de reflexão, determinadas características
da língua. Essas atividades estão apoiadas em dois fatores: “a capacidade humana de
refletir, analisar, pensar sobre os fatos e os fenômenos da linguagem; e a propriedade que a
linguagem tem de poder referir-se a si mesma, de falar sobre a própria linguagem” (Brasil,
1997, p. 78). Perguntas que envolvem a linguagem fazem parte do cotidiano, e isso mostra
que as atividades de análise lingüística não são uma invenção da escola, mas podem ser
planejadas de forma didática. Neste viés, elas se transformam em fonte de reflexão, análise e
sistematização de informações sobre a língua a fim de que os alunos entendam por que é
necessário estudar determinado conteúdo. No que diz respeito à escrita de textos, este tipo de
prática permite que os saberes implícitos dos alunos sejam discutidos, conduzindo,
posteriormente, a sua reelaboração. Para tal, é importante entender que a formulação e
verificação de hipóteses sobre o funcionamento da linguagem acontecem constantemente e
isso se faz de diferentes maneiras: “por meio da comparação de expressões, da
experimentação de novos modos de escrever, da atribuição de novos sentidos a formas
lingüísticas já utilizadas, da observação de regularidades (no que se refere tanto ao sistema de
escrita quanto aos aspectos ortográficos ou gramaticais) e da exploração de diferentes
possibilidades de transformação dos textos” (op. cit., p. 79). Pode-se, então, perceber que a
proposta, no que diz respeito ao trabalho didático de análise lingüística, se organiza em torno
da exploração ativa e da observação da regularidade, o que difere, em muito, do trabalho no
qual o ponto de partida é a definição que conduz à análise.
Quanto ao trabalho com a ortografia, é importante situar como acontece, geralmente,
o ensino nesta área, que parte da posição mecanicista já tratada anteriormente. Não se nega a
necessidade de apelo à memória, mas o documento deixa claro que a ortografia “não é um
processo passivo: trata-se de uma construção individual, para a qual a intervenção
pedagógica tem muito a contribuir [sem grifo no original]” (op.cit., p. 84). Lendo esta
77
citação e refletindo sobre ela, sente-se mais uma vez a necessidade de se repensar a formação
do professor que atua nos primeiros ciclos, uma vez que, para que ocorra uma intervenção
pedagógica que contribua realmente para a compreensão do sistema escrito, é preciso antes
que o professor tenha conhecimento a seu respeito. Quanto às estratégias didáticas para o
ensino da ortografia, o documento apresenta dois eixos básicos que versam sobre a distinção:
1) entre o que é produtivo e o que é reprodutivo nas formas ortográficas da língua, o que vai
possibilitar dividir o trabalho entre as regularidades e as irregularidades; 2) entre palavras de
uso freqüente e não freqüente, pois, como se argumentou anteriormente, esse é um dos
fatores que contribuem para a eficácia da aprendizagem da norma ortográfica. A
compreensão desses eixos ajudará a organizar o ensino da ortografia que deve favorecer tanto
a inferência dos princípios geradores da escrita convencional, o que implica a explicitação das
regularidades do sistema ortográfico, como a tomada de consciência de que também é preciso
recorrer a fontes de consulta e à memorização, pois nem todas as palavras têm sua grafia
determinada por regra. No caso das regularidades, a sugestão é que o trabalho seja feito
partindo dos princípios geradores: biunívocos, contextuais e morfológicos. Não há inclusão
do aspecto semântico. Como já foi feita uma discussão, na seção destinada ao sistema
alfabético, a respeito das regras de codificação, acredita-se ser dispensável retomar a
explicação de cada tipo de regra. A posição defendida, que ultrapassa a questão das regras, é
que seja realizado um trabalho, o mais cedo possível, com as formas ortográficas de maior
freqüência na escrita. Isso não implica a elaboração de um conjunto de palavras que devam
ser ensinadas, mas a seleção entre ensinar uma forma com maior freqüência de uso e deixar de
lado uma infreqüente. Tal atitude permitirá que sejam automatizadas as formas trabalhadas e
as demais serão objeto de consulta ao dicionário. Para tal, é importante que esteja claro para o
professor que a consulta a essa fonte de informação pressupõe conhecimentos sobre as
convenções do sistema escrito assim como as características da própria fonte consultada, pois,
para manejar o dicionário, o aluno precisa ser orientado. Por fim, no tocante à ortografia, o
documento deixa claro que o trabalho com a normatização ortográfica deve acontecer de
forma contextualizada, a qual permita uma atitude crítica em relação à própria escrita. Por
outro lado, não desconsidera a possibilidade de serem realizadas atividades que tenham
apenas palavras não necessariamente vinculadas ao texto, pois as restrições da norma
ortográfica estão basicamente definidas no nível da palavra.
A proposta apresentada é muito interessante e pode realmente ser contemplada, como
se verificou no trabalho de intervenção colaborativa desenvolvido nesta tese. Entretanto, o
texto teórico está longe do professor que, ou ainda não o conhece com profundidade e,devido
78
a isso, não relaciona teoria e prática; ou já realizou leituras do documento, mas não consegue
preencher os hiatos que se fazem necessários para que a proposta teórica seja compreendida.
Por isso a importância dos órgãos responsáveis pelo ensino fundamental estarem
operacionalizando estudos que possibilitem a transposição didática.
79
3 METODOLOGIA
A presente pesquisa foi desenvolvida em quatro etapas que, embora tenham
acontecido em momentos diferentes e com objetivos específicos para cada uma delas, estão
relacionadas à proposta geral da tese que é investigar o ensino e a aprendizagem de
homófonos não homógrafos de mesma classe gramatical.
A primeira etapa é a que visa conhecer os participantes da pesquisa a fim de
estabelecer o perfil dos sujeitos. Nela realizou-se o primeiro contato com a escola a fim de se
conhecerem a proposta pedagógica e o material didático utilizado. Posteriormente, foi
possível participar das aulas das duas turmas que fazem parte da pesquisa a fim de observar
como era desenvolvida a disciplina de Língua Portuguesa. Nesta fase, também foi possível
conhecer o professor que atua na quarta série do Ensino Fundamental no município de
Brusque, em todas as redes, a fim de traçar um paralelo entre a professora do colégio em que
a pesquisa foi desenvolvida e os demais profissionais que atuam na mesma série. Ainda nesta
etapa, foram desenvolvidos os jogos sobre homônimos que serviram como material didático
na intervenção colaborativa. Por fim, aplicou-se o pré-teste para que se pudessem obter dados
quanto ao conhecimento dos sujeitos sobre o tema investigado.
A segunda etapa teve início a partir do momento em que foram selecionadas as
turmas, sendo uma selecionada como Grupo Experimento (GE) e outra como Grupo Controle
(GC). A escolha foi aleatória, uma vez que os dois grupos apresentavam características
semelhantes. Nesta etapa, foram aplicados dois instrumentos de coleta de dados que visavam
estabelecer o perfil do grupo no qual seria desenvolvida a intervenção colaborativa: bateria de
testes de recepção e produção da língua portuguesa de Scliar-Cabral e questionário
psicossociolingüístico e socioeconômico dos alunos.
A terceira etapa foi aquela em que ocorreu a intervenção colaborativa. A
pesquisadora e a professora planejaram as aulas tendo como referência o material didático
utilizado pelos alunos. Isso permitiu que o mesmo conteúdo fosse trabalhado nas duas
turmas, sendo que no GC seguiu-se a proposta apresentada pela apostila e no GE
aproveitaram-se os textos e exercícios, mas foram utilizados outros instrumentos para coleta
de dados. Assim, nesta turma, foram utilizados os jogos tanto em CD-ROM, cujas atividades
eram realizadas no laboratório de informática, como em cartelas; durante este período os
80
alunos construíram seu dicionário de homônimos bem como foram realizados o ditado
interativo e a releitura focalizada.
Finalmente, aplicou-se o pós-teste a fim de se verificar se houve ou não diferença
quanto à grafia correta dos homófonos não homógrafos e a capacidade de justificar as
escolhas realizadas. O teste aplicado foi o mesmo do pré-teste e na mesma situação.
3.1 Tipo de pesquisa
Inicialmente, acredita-se ser importante fazer uma revisão do que se entende por
pesquisa quantitativa e qualitativa, a fim de não se dicotomizar, mas se valer do que realmente
cada lado pode oferecer. André (1999, p. 24-5) alerta que a associação entre positivismo e
quantificação faz com que se perca de vista a relação íntima que existe entre quantidade e
qualidade. Uma pesquisa que, por exemplo, tem como objetivo caracterizar os alunos que
freqüentam um curso noturno de formação para o magistério pode se valer de dados
quantificáveis como idade, nível socioeconômico entre outros sem necessariamente seguir
uma linha positivista. Por outro lado, pode-se também fazer uma pesquisa cujos dados sejam
basicamente quantitativos, mas, na análise, estará presente o quadro de referência do
pesquisador, portanto, uma dimensão qualitativa. Assim, embora se trabalhe com dados
quantitativos, as marcas de subjetividade, presentes nas perguntas da pesquisa, que trazem a
postura teórica e os valores do pesquisador, promovem o distanciamento da postura
positivista. Enfim, é necessário entender que o número ajuda a explicar a dimensão
qualitativa. Deste modo, os termos quantitativo e qualitativo devem servir para diferenciar o
tipo de dado obtido e a pesquisa passa, então, a ser determinada pelo tipo a ser realizado.
No caso da presente tese, a pesquisa é caracterizada como ação, embora também se
utilize do método experimental a fim de se poder estabelecer a comparação entre dois grupos
do mesmo universo. Haguette (1987, p. 98), ao distinguir os tipos de pesquisa-ação, a partir
dos estudos de Lewin, apresenta a pesquisa-ação experimental: “que exige um estudo
controlado da eficiência relativa de técnicas diferentes em situações sociais praticamente
idênticas.”
A pesquisa-ação (Barbier, 1977; Haguette, 1987; Thiollent, 1997; André, 1999),
termo cunhado por Kurt Lewin, originou-se na psicologia social na década de quarenta.
Posteriormente, foi sofrendo alterações e, atualmente, aparece sob a forma de investigação
colaborativa ou cooperativa que defende um trabalho feito em conjunto e a colaboração
progressiva entre pesquisador e pesquisado.
81
Levando em conta os pontos de vista das várias correntes que estudam esse tipo de
pesquisa, é possível defini-la como aquela que “envolve sempre um plano de ação, plano esse
que se baseia em objetivos, em um processo de acompanhamento e no relato concomitante
desse processo. Muitas vezes esse tipo de pesquisa recebe o nome de intervenção” (André,
1999, p. 33).
Por ser, no presente caso, o objeto de interesse a sala de aula e o trabalho do
professor, acredita-se que a pesquisa-ação também se apóie em uma abordagem etnográfica, a
qual visa estimular o pesquisador prático, envolvendo cada vez mais o professor na pesquisa.
Segundo André (op. cit., p. 120), nesse caso, as formas podem ser diversificadas, podendo-se
ter, de um lado, um pesquisador responsável pelo planejamento e direção do estudo e o
professor atuando como colaborador; e de outro, o professor centrando a pesquisa na sua
própria prática. No caso desta tese, a primeira forma é a escolhida e o professor foi um
colaborador, que ajudou a fazer registro de campo, a fornecer material e a discutir os
resultados com o pesquisador. Essa tendência, que visa aproximar sujeito e objeto, por
conseguinte aproxima etnografia e investigação-ação. Dessa forma, surgem novos caminhos,
nos quais há a associação das duas formas de pesquisa ou o surgimento de formas mistas, o
que será benéfico para a área da educação.
Além disso, é preciso que haja integração entre ensino e pesquisa na universidade
uma vez que, de acordo com Santos (2002, p. 23), isso representa um grande problema a ser
superado, assim, essa integração “só será possível quando o ensino for colocado como
prioridade ao lado da pesquisa, dispensando-lhe o interesse e os cuidados conferidos a esta
última”. Corroborando com esta idéia, Lisita, Rosa e Lipovetsky (2002, p. 115) enfatizam a
necessidade de uma cooperação maior entre os pesquisadores da universidade e os
professores, investigadores de sua prática pedagógica, que se encontram em sala de aula, a
fim de que haja uma contribuição efetiva entre os dois lados para que novos conhecimentos
sobre o ensino, a aprendizagem e a aprendizagem para ensinar possam ser construídos.
3.2 Primeira etapa: definição dos participantes e estabelecimento de seu perfil
3.2.1 Metodologia
A primeira etapa da pesquisa, realizada entre outubro de 2001 a maio de 2002, teve
como objetivo conhecer a população da pesquisa.
82
O primeiro passo para o cumprimento dessa etapa foi a escolha da escola na qual
seria desenvolvida a pesquisa, tendo a decisão recaído sobre o Colégio São Luiz, localizado
em Brusque. Escolheu-se esta escola, pois nela há duas turmas, nas quais é a mesma
professora que atua na área de Língua Portuguesa, assim seria possível analisar o processo de
ensino-aprendizagem realizado pelo mesmo professor, mas com metodologia diferente. Além
disso, a escola possui um laboratório de informática no qual podem ser criados e
desenvolvidos vários softwares, o que facilitou a produção do CD-ROM.
O Colégio São Luiz, cuja mantenedora é a Congregação dos Padres do Sagrado
Coração de Jesus, foi fundado em 1903, pelo Pe. Antônio Eising, para atender à comunidade
católica de Brusque, sofrendo alterações em seus cursos: só foi nominado Colégio São Luiz
em 1971, sob a direção do Pe. Orlando Maria Murphy. O Colégio, que é uma instituição
particular de ensino, na categoria de confessional, atende a comunidade em geral, e recebe
também alunos de municípios vizinhos como Guabiruba, Nova Trento, São João Batista,
Canelinha e Gaspar, perfazendo um total de 1.100 alunos. O seu princípio filosófico-
pedagógico é construir uma comunidade educativa que promova a formação integral da
pessoa humana, favorecendo a capacidade de comprometer-se livre e responsavelmente na
busca constante do amor, da verdade e da justiça, a fim de que seus alunos sejam agentes
habilidosos e competentes na transformação da sociedade. Atualmente, são segmentos
atendidos pela escola: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Para tal,
conta com 69 professores e 31 funcionários.
A partir de 2002, filiou-se à Rede Pitágoras, a qual passou a oferecer o material
didático utilizado do segundo período da Educação Infantil à sétima série do Ensino
Fundamental, bem como orientação pedagógica, através de cursos, palestras e atendimento
via Internet. A opção pela parceria teve como razão primeira a necessidade de um outro tipo
de material didático e como a escola, naquele momento, não tinha condições de elaborar o
seu, optou por adotar o produzido por uma das redes de ensino do país, recaindo a escolha na
Rede Pitágoras. Para entender seu crescimento, será apresentado um breve histórico. O
Pitágoras foi criado em 1966 como curso pré-vestibular, tendo sua sede dois anos mais tarde.
Em 1970, consolidou a imagem de curso preparatório para vestibulares de Minas Gerais,
sendo criados, em seguida, três colégios de Educação Básica na capital mineira. A partir daí,
começou a se expandir e, na década de 80, passou a atender também no exterior a empresas
nacionais de grande porte em países como Mauritânia, Iraque, Congo Francês, Equador, Peru,
Angola. Atualmente, está entre as três maiores redes privadas de ensino do país, com oito
83
unidades próprias, mais de 300 escolas parceiras em 25 estados brasileiros, além de seis no
Japão.
Nesta primeira etapa da pesquisa, passou-se a ter um contato mais estreito com a
comunidade escolar, o qual pode ser assim dividido: contato com a direção, contato com a
professora, análise da proposta da Rede Pitágoras na área de Língua Portuguesa e participação
da reunião com os professores.
Também neste período foram desenvolvidos os instrumentos de coleta de dados, os
quais passaram por validação, bem como os jogos, os quais foram organizados em cartelas
pela pesquisadora e em CD-ROM em parceria com o laboratório de informática da escola.
3.2.2 Instrumentos e sua aplicação
Para que se pudesse obter um conhecimento maior a respeito da população da
pesquisa, foram elaborados dois instrumentos de coleta de dados: pré-teste com os alunos das
duas quartas séries (anexo 1) e entrevista com professores das redes pública e particular de
Brusque que atuam em quarta série (anexo 2), bem como se realizou observação participante
das aulas nas duas turmas.
O pré-teste foi elaborado a fim de se verificar tanto a forma como os sujeitos grafam
os homófonos não homógrafos como a construção de explicação para a grafia das palavras.
Foi aplicado no grupo experimental e no controle em iguais condições, em horário
previamente acordado com a professora para que os sujeitos tivessem tempo suficiente para a
elaboração do mesmo. A pesquisadora fez a leitura da frase e, no espaço em branco, ditou a
palavra que deveria ser grafada pelos sujeitos. Repetiu a frase para que pudessem verificar
sua resposta. Feito isso, cada sujeito redigiu uma explicação e, somente depois que todos
terminaram, a pesquisadora passou para a leitura da próxima frase.
Já a entrevista com professores das redes pública e particular de Brusque que atuam
em quarta série visou elaborar um quadro de referência a respeito da formação e da forma de
trabalho dos professores que atuam na mesma série que a pesquisada nesta tese. Foi feita de
forma diretiva, agendada, realizada na própria escola e gravada. Para a amostra,
selecionaram-se os professores de quarta série do Ensino Fundamental das escolas de
Brusque. Este município conta com quatro escolas particulares, nove estaduais e vinte e
cinco municipais de Ensino Fundamental, as quais atendem, especificadamente, os dois
primeiros ciclos. Do grupo de escolas particulares e estaduais, todas foram visitadas e pelo
menos um professor de cada unidade escolar foi entrevistado e, quanto às escolas municipais,
84
foram selecionadas dez. Este número foi uma opção para não haver muita distância entre o
número de professores da rede estadual.
Antes de serem aplicados juntos aos sujeitos, os instrumentos de coleta de dados
passaram por uma validação. O pré-teste foi aplicado junto aos alunos da quarta série C do
Colégio São Luiz, o que possibilitou perceber se havia dificuldades para executar a tarefa e
quanto tempo era necessário para tal. Na pré-testagem, percebeu-se que o instrumento estava
adequado para aquele tipo de público. A entrevista foi validada junto a alunas do curso de
Pedagogia da Febe (Fundação Educacional de Brusque) e também se mostrou adequada uma
vez que os sujeitos não sentiram dificuldades de entender os questionamentos feitos.
A observação participante ocorreu no segundo bimestre letivo de 2002. Este
instrumento de coleta de dados é obtido “por meio do contato direto do pesquisador com o
fenômeno observado, para recolher as ações dos atores em seu contexto natural, a partir de
sua perspectiva e seus pontos de vista” (Chizzotti, 2001, p. 90). Nesta etapa, a pesquisadora
pôde participar das aulas de Língua Portuguesa nas duas turmas a fim de observar como eram
desenvolvidas, como o material, então adotado, era trabalhado e como os alunos participam
das atividades. Semanalmente, eram observadas onze aulas em cada turma, acompanhando os
alunos em outras suas atividades como biblioteca e laboratório de informática. O horário de
aulas, nesta escola, é das 7h20min às 11h40min, sendo três aulas antes do recreio e mais duas
após. Geralmente a troca entre as professoras da quarta série acontece neste intervalo ou uma
aula antes dele.
3.2.3 Contato com o espaço onde se desenvolveu a pesquisa
Além da aplicação dos instrumentos de coleta de dados, nesta etapa, teve início uma
relação maior entre a pesquisadora e o Colégio. A atitude inicial foi manter contato com a
direção da escola e também com a professora, as quais aceitaram que o trabalho fosse
desenvolvido e passaram a ter na pesquisadora uma parceira. Foi nessa época que o Colégio
estava passando pela mudança de material didático e foi solicitado que a pesquisadora fizesse
a leitura da proposta da Rede Pitágoras em especial a de Língua Portuguesa. Mais tarde, as
idéias a respeito da proposta foram discutidas em uma reunião com a direção e a orientação
pedagógica. Em dezembro de 2001, a Rede Pitágoras veio ao Colégio apresentar sua história
e sua proposta de trabalho em um curso de oito horas do qual a pesquisadora participou
juntamente com todo o corpo docente.
85
Durante esse período, foi feita a análise do material didático a ser adotado pelos
alunos da quarta série no ano seguinte. O material de Língua Portuguesa é composto por
duas apostilas, sendo uma utilizada no primeiro semestre e outra no segundo, as quais trazem
textos para leitura e análise bem como o estudo de alguns aspectos da gramática normativa,
mas em menor proporção. Dessas apostilas, foram selecionados os homófonos não
homógrafos ali presentes para a elaboração dos jogos.
3.2.4 Elaboração dos jogos
Quanto às atividades desenvolvidas para o ensino-aprendizagem dos homófonos não
homógrafos, foram preparados, pela pesquisadora, seis jogos em CD-ROM (anexo 31), dos
quais apenas cinco foram utilizados, e três jogos em cartelas, os quais serão descritos logo a
seguir.
Os jogos foram criados pela pesquisadora que os apresentou ao responsável pelo
laboratório de informática do Colégio São Luiz. Inicialmente, discutiram-se os objetivos de
cada jogo e a forma como poderiam ser apresentados. Feito isso, cada jogo foi entregue a um
dos estagiários do laboratório que passou a desenvolvê-lo, sempre sob a supervisão do
responsável. Depois de passarem pela revisão da pesquisadora, os jogos foram gravados em
CD-ROM para serem entregues aos alunos participantes da pesquisa bem como para a
professora. Além disso, ficaram disponíveis nos computadores do laboratório de informática
para que as atividades pudessem ser desenvolvidas também ali. Os jogos em cartelas foram
organizados e impressos pela pesquisadora. A seguir, a descrição dos jogos.
a forca (anexo 3) é um jogo já conhecido das crianças e foi elaborado a partir dos
homófonos não homógrafos presentes nas duas apostilas utilizadas pela escola para o trabalho
na quarta série;
jogo da memória (anexo 4) que, no CD-ROM, recebeu o nome de palavras e
figuras, inclui novos homófonos não homógrafos a fim de os alunos criarem os pares com os
já apresentados no jogo da forca;
completar frases (anexo 5) retoma as palavras trabalhadas nos dois jogos
anteriores e o aluno deverá usar as informações presentes na frase para descobrir qual grafia
escolher. Diferentemente dos anteriores, não é apresentada a confirmação de acerto da
resposta, pois o objetivo é levar o aluno à discussão em torno das estratégias usadas para
escolher a alternativa que complete aquele contexto;
86
achando o significado (anexo 6) retoma os conhecimentos já trabalhados e
acrescenta novos: visa trabalhar com a elaboração de definição, que já vem sendo
desenvolvida pelos alunos no “Dicionário de homônimos”;
pares opostos (anexo 7) está disponível em CD-ROM e em cartelas e explora o
uso de prefixos que provocam a homonímia. Foram selecionados os prefixos: des-, dis-;
en(m)-;in(m)-, i-; ante-, anti-; ex-; e-. Os pares foram agrupados levando em consideração o
fato de que os aprendizes fazem confusão entre “e” e “i”, por causa da vogal átona quando
eles escrevem, ou seja, o problema de grafar “i” por “e”, mas não por confudirem os prefixos.
Devido a isso, os pares foram assim organizados: des-, dis-; en(m)-, in(m)-; e-, i-; ante-, anti-;
ex-; es-. A seleção do último par está relacionada à codificação do fonema /s/. Neste caso,
tem-se o prefixo EX- e palavras cujo radical é iniciado por S que receberam a vogal
epentética e. Este fenômeno se deve ao fato de as palavras, que vieram do latim vulgar para o
português, iniciadas pelo encontro consonantal formado por uma [+cont] e outra [-cont],
como, por exemplo, SP, receberem uma vogal epentética, sobretudo, no português do Brasil,
no qual esse tipo de encontro não ocorre na mesma sílaba. Assim, a vogal epentética
desmancha o encontro consonantal e a [+cont] passa a ser travamento silábico. Portanto, o
que se tem não é um prefixo (es-), mas um fenômeno decorrente de restrições fonotáticas do
português do Brasil. Do ponto de vista fonológico, o fenômeno é o mesmo, redundando em
homófono não homógrafo, mas do morfológico não, pois as unidades morfológicas são
distintas: prefixo e radical.
Para a seleção das palavras, foram usadas as presentes no material didático da quarta
série, mas também foram consultados o material elaborado por Scliar-Cabral (2001; 2003) e
gramáticas;
bingo de homônimos (anexo 8) está disponível apenas em cartelas e será usado
para finalizar as atividades, pois é o jogo que apresenta o maior número de palavras, as quais
fazem parte dos jogos anteriores e de outros materiais consultados, em especial, o elaborado
por Scliar-Cabral (2001;2003).
3.2.5 Resultados
a) Perfil das turmas
Para traçar o perfil das aulas e também dos alunos, realizaram-se a observação
participante das aulas e a análise das médias de cada aluno no primeiro bimestre de 2002.
87
As aulas estão distribuídas entre duas professoras que atuam junto às duas turmas,
uma delas ministrando Língua Portuguesa e Estudos Sociais e a outra, Matemática e Ciências.
As aulas de Artes, Inglês e Educação Física são ministradas por outros professores que
lecionam a referida disciplina também em outras turmas. As aulas de Língua Portuguesa e
Estudos Sociais são em número de onze por semana em cada turma. Como já foi comentado,
o material utilizado para as aulas é a apostila da Rede Pitágoras, mas a professora
complementa com outros textos de acordo com o interesse da turma ou necessidade de
discussão do tema. Ambas as turmas são compostas por vinte e cinco alunos, sendo maior o
número de meninos, ou seja, em cada turma há dezesseis meninos e nove meninas; a idade
média é dez anos. Os alunos participam bastante da aula, perguntam com tranqüilidade e
trocam também idéias entre si e a professora consegue conduzir o trabalho de forma
interativa, chamando algumas vezes atenção dos alunos devido à conversa. Para o
desenvolvimento dos conteúdos, a professora se vale tanto da exposição oral como de
atividades em grupo; há também momentos de socialização de pesquisa. Sextas-feiras é o dia
de irem à biblioteca quando trocam ou renovam o livro; em sala, os alunos têm oportunidade
de comentar a obra que estão lendo. Cada turma tem também um dia por semana, quintas-
feiras, para ir ao laboratório de informática, quando são acompanhados a cada semana por
uma das professoras das áreas, o que possibilita alternar o trabalho entre Matemática e
Ciências e Português e Estudos Sociais. Observou-se que os alunos têm facilidade de
trabalhar com o microcomputador e também de acessar a Internet. No laboratório, a
professora conta com o auxílio, caso necessite, de um monitor. Enfim, percebeu-se que as
duas turmas estão envolvidas em um ritmo de trabalho muito parecido, embora cada uma
delas tenha as suas peculiaridades.
Para traçar um perfil quanto ao rendimento escolar, foi realizada a média das notas
alcançadas, no primeiro bimestre, pelos alunos das duas turmas. A média em Língua
Portuguesa da 4.ª série A foi 8,89 e da 4.ª série B foi 8,92. A média geral de todas as
disciplinas do primeiro bimestre ficou assim: 8,90 para a 4.ª série A e 8,82 para a 4.ª série B.
Como se pode perceber, em termos de rendimento escolar, as duas turmas são muito parecidas
o que favorece um trabalho como o que se desenvolveu nesta tese, quando duas turmas foram
comparadas.
88
b) O perfil dos professores
Inicialmente, será traçado o perfil da professora com a qual a pesquisa foi
desenvolvida e, posteriormente, dos demais professores que atuam na quarta série em outras
escolas de diferentes redes do município de Brusque. Acreditou-se ser necessário comparar o
perfil da professora com os demais a fim de averiguar a questão da formação quanto à área de
investigação da tese, ou seja, ensino e aprendizagem de homófonos não homógrafos, o que
implica ampliar a pesquisa para a área de ortografia, leitura e produção textual, uma vez que
as pessoas se comunicam através de textos.
A referida professora tem formação no curso de Magistério; na graduação, cursou
Pedagogia: Orientação Educacional e, em nível de Especialização, cursou “Desenvolvimento
da criança”. Seu tempo de serviço no magistério está entre 16 e 20 anos. Além de trabalhar
com quarta série, já lecionou para a primeira e terceira séries; atuou também na pré-escola,
creche e educação especial, tendo ainda lecionado Língua Portuguesa para a sexta série.
Quanto a sua formação (conhecimento) para trabalhar ortografia, afirmou que, durante sua
formação, nunca esse assunto foi abordado e o que conhece advém de leituras e dos trabalhos
que realiza a partir do que percebe de dificuldades na escrita dos alunos. Para ela,
homônimos são “palavras com sons parecidos e significados diferentes”. As atividades de
ortografia, nas turmas em que atua, são elaboradas a partir da produção de textos na qual as
dificuldades são identificadas e depois trabalhadas em sala. Não tem, em seu horário, um
espaço destinado para o trabalho com ortografia, pois trabalha à medida que vão aparecendo
as oportunidades. Seu objetivo principal ao trabalhar leitura é “para ver se os alunos estão
lendo e interpretando mesmo, entonação, pontuação, mas primeiro ponto é a interpretação”.
Já, quanto à produção textual, seu objetivo é trabalhar a criatividade, escrita, seqüência de
idéias e pontuação. Ao corrigir os textos, enfatiza a escrita, para depois trabalhar a ortografia,
criatividade, pontuação. Quanto a dificuldades para desenvolver atividades de ortografia,
destacou, como principal dificuldade, organizar um exercício diferente, não algo
sistematizado, mecânico. Disse, também, não saber se há um planejamento na escola para o
trabalho com ortografia, mas no plano da quarta série isso vem contemplado. Ao analisar o
material didático adotado quanto à ortografia, disse achar a proposta um pouco perdida e
justificou: “os alunos trabalham, formulam um conceito, o conceito já está prescrito e não tem
uma atividade para enfatizar mais, tem aquela coisa mecânica e sistematizada de sempre”.
Disse que o livro não faz menção aos homônimos. Para ela, as dificuldades ortográficas de
seus alunos são devidas ao inglês na primeira série; também destacou que, apesar de os
89
alunos, hoje, terem mais acesso à leitura, ainda apresentam uma escrita errada, com muita
ortografia trocada. Por fim, disse considerar importante o trabalho com ortografia para uma
escrita correta, pois os alunos estão chegando à quarta série com os mesmos erros e vão
adiante assim.
Para conhecer melhor os demais sujeitos, será apresentada uma descrição dos
mesmos, incluindo a professora com a qual se realizou a pesquisa, na qual serão relatados os
seguintes dados: série em que atua, formação, tempo de serviço, participação em cursos e
atividades desenvolvidas.
Alguns dos sujeitos, professores de quarta série, atuam paralelamente em outras
séries: um leciona para a 1ª série, um leciona para 2ª série, um leciona para 3ª série e dois
lecionam para a Educação Infantil. Portanto, percebe-se que a maioria dos sujeitos
entrevistados, ou seja, dezenove deles atuam somente com 4ª série.
Outra informação que ajuda a caracterizar o grupo pesquisado é a formação em
nível de graduação e pós-graduação, os dados a seguir revelam um grupo de professores que
se não concluíram o terceiro grau, estão em fase de conclusão:
GRÁFICO 1 - FORMAÇÃO NO III GRAU DOS PROFESSORES DA 4.ª SÉRIE DEBRUSQUE
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Formação III grau
Pedagogia(concluído)
Pedagogia(emconclusão)
Letras
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Dentro do grupo de sujeitos, encontram-se quinze que já cursaram ou estão em curso
pós-graduação conforme detalha o gráfico 2:
90
GRÁFICO 2 - PROFESSORES DE 4.ª SÉRIE COM CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO(ESPECIALIZAÇÃO)
0
2
4
6
8
10
12
Pós-graduação (especialização)
Concluída
Em andamento
Não
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Neste aspecto, observa-se que as áreas de Especialização são diversificadas entre os
professores. Dos entrevistados que já concluíram ou estão em fase de conclusão, encontram-
se interesses nas seguintes áreas:
TABELA 3 – NÚMERO DE PROFESSORES POR ÁREA DE ESPECIALIZAÇÃO EMCURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO
Área do curso de pós-graduação em nível deespecialização
Número de professores quecursaram ou estão em curso
Desenvolvimento da Criança 2Didática 1Educação Infantil e Séries Iniciais 3Metodologia do Ensino / Administração Escolar 1Fundamentos e Metodologia do EnsinoFundamental e Educação Infantil
4
Fundamentos da Educação 1Psicopedagogia 1Metodologia de Ensino 1Currículo e metodologia da Educação Infantil eEnsino Fundamental
1
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Nas redes de ensino, encontrou-se um grupo misto quanto ao tempo de serviço: a
maioria, nove sujeitos, se encontra entre os iniciantes, seguido por um grupo de três
91
professores que atuam no magistério entre seis e dez anos; os demais, oito sujeitos, já estão
lecionando há mais de dezesseis anos.
Dos sujeitos entrevistados, todos fazem cursos de aperfeiçoamento, uma vez por mês
ou algumas horas por mês, procurando, assim, atualizar seus conhecimentos na área da
Educação.
Dentre os entrevistados, além de lecionarem, também desempenharam anteriormente
outros cargos na escola. Dos 24 sujeitos: 10 trabalharam ou trabalham com outras séries; 3
trabalharam nos setores administrativos, secretaria; 3 trabalharam como diretores de escola.
Portanto, além da docência em sala de aula, dos entrevistados, seis possuem experiência na
área administrativa da escola, como diretor, diretor adjunto, secretário e auxiliar
administrativo e dez professores lecionam ou já lecionaram em outras séries.
Passam-se agora a descrever os resultados alcançados a partir da entrevista diretiva,
previamente agendada, aplicada aos sujeitos na sua escola. A entrevista foi dividida em sete
questões a fim de que se pudesse ter uma visão tanto da formação do professor como da
proposta pedagógica na qual ele está envolvido. Assim, os resultados são apresentados
levando em consideração: formação sobre ortografia; definição de homonímia; atividades de
ortografia em sala de aula; leitura; produção de textos; planejamento seqüenciado e livro
didático adotado.
Pôde-se observar, pelos depoimentos dos sujeitos entrevistados que, na sua formação
acadêmica, que visa preparar para o exercício no magistério, não há uma preocupação em
estudar o sistema ortográfico.
Quanto ao segundo aspecto - definição de homônimos- os sujeitos revelaram que
não têm domínio total da definição deste fenômeno de indeterminação. Os depoimentos foram
agrupados em quatro categorias para que se pudesse ter uma visão do grupo quanto à clareza a
respeito dos homônimos, os quais se incluem dentro dos contextos competitivos e que, para
serem trabalhados em sala, precisam, primeiro, ser compreendidos com clareza pelo professor
que, na sua maioria, não a tem como revelam os dados a seguir:
92
GRÁFICO 3 - RESPOSTAS DADAS PELOS 24 SUJEITOS DA PESQUISA ÀDEFINIÇÃO DE HOMONÍMIA
0
2
4
6
8
10
12
14
definição de homonímia
def. clara
def. incompleta
def. incorreta
ausência de def.
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Os professores foram questionados também quanto à forma como são desenvolvidas
as atividades de ortografia na 4.ª série. Os dados coletados revelam um posicionamento
diversificado quanto a este aspecto. A maioria prefere o trabalho contextualizado, mas outros
educadores baseiam seu trabalho na prática com exercícios. Pode-se considerar também,
como aspecto importante, que alguns educadores utilizam material alternativo como jornais e
revistas; também há a consulta ao dicionário. Além disso, o trabalho com a ortografia na 4.ª
série inclui: jogos, utilização de livros didáticos e autocorreção por parte dos sujeitos dessa
pesquisa.
Questionados quanto à freqüência semanal com que desenvolvem atividades de
ortografia, os sujeitos revelaram uma postura diferente, havendo um grupo menor que não
determina um horário para o trabalho com as dificuldades ortográficas, e os que destinam um
espaço de tempo específico para a explanação ou discussão das regras ortográficas conforme
os dados a seguir revelam no gráfico 4:
93
GRÁFICO 4 - FREQÜÊNCIA SEMANAL DE ATIVIDADES DE ORTOGRAFIADESENVOLVIDAS PELOS PROFESSORES DE 4.ª SÉRIE
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Outro dado coletado foi o objetivo principal ao trabalhar a leitura; nessa questão,
pode-se destacar que os sujeitos entrevistados preocupam-se em, através da leitura: oferecer
ao seu grupo de alunos oportunidades de interpretar o texto escrito, ter a leitura como fonte de
prazer para formação de bons leitores no incentivo de gostar de ler; na amplitude da
comunicação pelo ato de ler bem como o desenvolvimento da habilidade de leitura, com
ênfase maior à que é feita em voz alta.
Os sujeitos entrevistados foram questionados também quanto ao objetivo principal ao
trabalhar a produção de textos com seu grupo de alunos. Igualmente ao que aconteceu com a
leitura, os objetivos se diversificam de acordo com a realidade de cada sujeito entrevistado.
Os depoimentos revelam que o trabalho com a produção escrita acontece, principalmente,
para: desenvolver a criatividade; organizar o texto de forma lógica; desenvolver o domínio da
escrita (relacionado à norma culta padrão). Mas há também os sujeitos que entendem a
produção textual de forma mais ampla, tendo outros objetivos, como, por exemplo,
“desenvolver a habilidade de criação, buscando sua imaginação e poder de argumentação”.
Frente a esses questionamentos, referentes à leitura e à produção textual, considera-
se importante destacar como são corrigidos os textos produzidos pelos alunos. Pode-se
considerar que os sujeitos da pesquisa direcionam esses momentos em: correção feita pelo
próprio professor; em conjunto com o aluno individualmente; coletiva com todo o grupo;
0
2
4
6
8
10
12
14
freqüência semanal
diariamente
3 vezes
2 vezes
1 vez
nãodeterminado
94
correção feita entre o grupo de alunos, onde um corrige o texto do outro; correção feita pelo
próprio aluno (ele mesmo corrige seu texto) conforme mostra o gráfico 5:
GRÁFICO 5 - MANEIRA COMO SÃO CORRIGIDOS OS TEXTOS PRODUZIDOSPELOS ALUNOS
pelo professor
individualmente
coletiva
correção pelo aluno
entre 2 alunos eprofessor
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Os sujeitos da pesquisa foram questionados quanto às dificuldades encontradas para
desenvolver atividades de ortografia. De acordo com as respostas obtidas na entrevista,
foram organizados cinco grupos de sujeitos: no grupo 1, se incluem os profissionais que
sentem dificuldade em elaborar um trabalho diferente; no segundo grupo, estão os sujeitos
que não encontram nenhuma dificuldade no desenvolvimento de atividades de ortografia; no
terceiro, se incluem os professores que sentem dificuldade no desenvolvimento das atividades
devido aos diferentes dialetos encontrados na sala de aula; no grupo 4, estão os que afirmam
que a utilização do livro didático, muitas vezes, não traz todo o conteúdo necessário ou não
esclarece as dúvidas que venham a surgir e, no quinto grupo, evidencia-se que a troca de
letras que o aluno apresenta no momento da escrita dificulta o desenvolvimento de atividades
pelo professor.
Os sujeitos da pesquisa foram também questionados quanto à existência de um
planejamento para o ensino seqüenciado da ortografia. As respostas dos sujeitos entrevistados
foram agrupadas em quatro categorias: os que trabalham com planejamento seqüenciado (10
sujeitos), os que não trabalham com planejamento seqüenciado (9 sujeitos), os que não
responderam ou não souberam responder (5 sujeitos).
95
Outra questão levantada foi sobre qual o livro adotado pelo sujeito em sua turma e
como o autor propõe o trabalho com ortografia. Apresenta-se, primeiramente, uma tabela
ilustrando a situação em que são utilizados os livros didáticos adotados pelos professores:
TABELA 4 – RELAÇÃO DOS LIVROS DIDÁTICOS ADOTADOS NAS ESCOLAS PÚBLICAS E PARTICULARES DE BRUSQUE.
professor/escola
LDRECOMENDADO
PELO MEC -APC14
LDRECOMENDADO
PELO MEC -ASP15
LD NÃOINDICADO ou
RECOMENDADOPELO MEC -
APC
LD NÃOINDICADO ou
RECOMENDADOPELO MEC –
ASP
NãoAdota
LD
OutrosMateriais
NãoRevelou
01 Pitágoras02 Construindo a
escrita: leitura einterpretação detextos
03 Linguagem vivaViver e aprenderOs caminhos da LP
04 ALP
05 Português básico Ie II (SENAC)
06 Língua Portuguesacom certeza
07 Português básico Ie II (SENAC)
08 X09 Linguagem viva10 X11 Linguagem viva
Viver e aprenderLinguagem eintegração
1.Português2.Novo caminho:Português3. Coleção: dia-a-dia do professor4. Coleção:alfabetização semsegredos
12 X13 X14 Linguagem viva15 X16 ALP17 Produzindo leitura
e escrita18 Pitágoras19 Linguagem viva20 Na trilha do texto Caderno do futuro
21 X22 X
23 Linguagem viva24 Coleção Céu da
boca (literaturainfantil)
TOTAL 09 02 03 04 04 02 01
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
14 APC= ADOTADO PELAS CRIANÇAS15 ASP= ADOTADO SÓ PELA PROFESSORA
96
Considerando a escolha dos sujeitos, de acordo com seus relatos, observa-se que os
livros didáticos adotados apresentam o ensino da ortografia de maneira diversificada:
contextualizado, através de exercícios, em pesquisas, de maneira sistematizada e mecânica,
com utilização de jogos, conforme destaca o gráfico 6:
GRÁFICO 6 - COMO É APRESENTADA A ORTOGRAFIA NO LIVRO DIDÁTICO
contextualizada
exercícios
pesquisas
sistematizado emecânicojogos
não respondeu
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Questionou-se junto aos sujeitos se, nos livros didáticos por eles utilizados é feita
menção aos homônimos e de que forma estão destacados. Os resultados foram assim
sistematizados no gráfico 7:
GRÁFICO 7 - MENÇÃO SOBRE HOMONÍMIA NO LIVRO DIDÁTICO
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Definição e exercícios
Não respondeu
Não há no LD
97
Analisando os livros didáticos adotados pelos sujeitos, observou-se que a
homonímia é tratada pela maioria dos autores de forma descontextualizada, ou seja,
inicialmente é dada a definição, às vezes a classificação e por fim exercícios. Alguns tratam
do assunto uma única vez e outros vão desenvolvendo de forma gradativa.
Os sujeitos da pesquisa também foram convidados a dar o seu ponto de vista quanto
às razões que explicam as dificuldades ortográficas de seus alunos; frente a esse
questionamento, cada professor levantou sua resposta em relação a sua realidade no dia a dia
com os alunos. Os depoimentos revelam que o próprio professor tem dificuldade em entender
por que os alunos apresentam dificuldades de escrita. Analisando os depoimentos, percebeu-
se que os professores atribuem à falta de leitura as dificuldades ortográficas.
Por fim, os sujeitos opinaram se consideram importante trabalhar ortografia com
seus alunos, fazendo assim uma análise de seu trabalho de educador no cotidiano da escola.
Embora haja sujeitos que não saibam explicar e os que advogam que: “não acho
imprescindível, nem muito importante, para isso existem dicionários e computadores”; há
também outros grupos que se posicionam favoráveis ao ensino da ortografia. Há os sujeitos
que acreditam que o ensino da ortografia está ligado à questão de escrever com correção. Por
outro lado, há um grupo que acredita que aprender ortografia vai além da questão da
convenção ortográfica que padroniza o certo e o errado.
Os dados provenientes de todas as questões apontam para um grupo de educadores
muito parecido quanto ao conhecimento teórico na área de língua portuguesa, especificamente
no que se refere à ortografia. Ou seja, tem-se, em sala de aula, trabalhando com o ensino do
sistema escrito, professores que não tiveram a oportunidade de estudar os princípios do
sistema alfabético e outros conteúdos relacionados ao processamento da leitura e escritura.
Além disso, muitos deles fazem uma leitura não muito atenta da realidade, acreditando, por
exemplo, que o computador possa resolver as dúvidas ortográficas sem que o usuário da
língua tenha o conhecimento que é necessário para tal.
c) O pré-teste
O pré-teste, que será analisado e discutido na próxima seção, teve seus dados
divididos em dois grupos: um relacionado ao número de acertos e outro quanto às
justificativas produzidas pelos sujeitos. Também será verificado se houve elo entre a grafia e
a justificativa.
98
Os números de acertos foram submetidos ao teste quiquadrado a fim de se analisar a
significância estatística. Este tipo de teste trabalha com duas hipóteses e, através dele, é
possível comparar dois ou mais grupos para verificar se são ou não diferentes.
Além disso, os tipos de acertos e erros foram categorizados a fim de que se pudesse
estabelecer um perfil dos sujeitos participantes quanto à forma como grafaram a palavra
ditada. Partindo das palavras grafadas, foram levantadas seis categorias: 1) correta; 2)
homófonos; 3) NILO (não internalizada no léxico ortográfico); 4) RNI (regra não
internalizada) que se refere aos problemas de codificação; 5) problemas maiores (que se
referem à sintaxe ou percepção); 6) escreve como fala. A categoria 1 será submetida a uma
análise de estatística descritiva a fim de se estabelecer mais uma comparação entre os dois
grupos.
Em cima dos dados da categoria 1, levando-se em conta todas as 20 palavras ditadas,
aplicou-se a estatística descritiva que forneceu dados como média, mediana, moda, desvio
padrão e número mínimo e máximo de acertos, os quais visam complementar os resultados
alcançados pelo teste quiquadrado.
As justificativas produzidas pelos sujeitos também foram agrupadas em categorias a
partir da leitura de todas elas, perfazendo um total de catorze categorias, sendo as 7 primeiras
consideradas boas, pois explicam de alguma maneira a forma como o sujeito grafou as
palavras e as demais foram consideradas justificativas inadequadas.
1. conhecimento do sentido
a. relação significado/grafia
b. atribuição do sentido a partir do contexto
2. conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil
3. derivação [cognato]
4. freqüência de uso
a. de exposição (leitura)
b. de escrita
5. conhecimento prévio da palavra
a. com justificativa
b. sem justificativa
6. relação som versus leitura e escrita
7. dúvida na grafia
a. explicitação da dúvida
99
b. não explicitação da dúvida
8. desconhecimento da palavra
9. não compreensão da diferença entre homófonos não homógrafos
10. má internalização das regras grafêmico-fonológicas
11. ausência de explicação
12. estratégia de preenchimento
13. achismo
14. não sabe redigir a resposta
3.3 Segunda etapa: definição do perfil do Grupo Experimento
3.3.1 Metodologia
A segunda etapa da pesquisa, realizada entre maio e julho de 2002, teve como
objetivo traçar o perfil do grupo escolhido como experimento, no qual foi desenvolvida a
intervenção colaborativa. Antes de iniciar o trabalho com o grupo, acreditou-se que seria
necessário conhecer melhor os sujeitos quanto aos aspectos psicológicos, sociais, econômicos
e lingüísticos. Além disso, era de suma importância analisar como estavam lendo e
escrevendo aqueles alunos.
Inicialmente, foi mantido contato com a coordenadora pedagógica para autorizar o
envio do questionário para as famílias. Foi produzida uma carta aos pais explicando o
objetivo do questionário, a qual foi assinada pela coordenação pedagógica, pela professora da
turma e pela pesquisadora. Quanto à bateria de testes, foi requisitado junto à coordenação que
viabilizasse um espaço físico no qual os testes pudessem ser realizados, ficando decidido que
seria na sala destinada às aulas de reforço. É uma sala no final da escola, onde há pouca
movimentação, com uma mesa, sete carteiras e um quadro-giz.
Durante a fase em que se realizou a bateria de testes, os alunos eram conduzidos pela
pesquisadora um a um, pela ordem alfabética, à sala de reforço. Os testes levaram em torno
de uma hora por sujeito, sendo que a média de testes realizados a cada dia foi três.
Depois que os testes haviam sido aplicados, os questionários foram entregues aos
alunos pela professora e pela pesquisadora. Estabeleceu-se o prazo de uma semana para a
devolução do questionário.
Por fim, os dados foram analisados para que se pudesse começar a preparar as
atividades que seriam desenvolvidas na próxima etapa.
100
3.3.2 Instrumentos e aplicação
Nesta etapa foram aplicados dois instrumentos de coleta de dados: a bateria de testes
de recepção e produção da língua portuguesa de Scliar-Cabral (2001; 2003) (anexo 9) e o
questionário psicossociolingüístico e socioeconômico dos alunos (anexo 10).
O primeiro instrumento de coleta de dados tem, como objetivo, segundo a autora
(op.cit., 2003b, p.119):
detectar sintomas mais evidentes sobre desvios na recepção oral e escrita e respectiva produção, a fimde que o professor possa encaminhar o aluno para exames mais acurados pelo especialista. Assim, seo aluno apresentar dificuldades no teste de recepção oral, deve ser encaminhado para exameaudiométrico pelo fonoaudiólogo e/ou otorrino; se não apresentar dificuldades no teste de recepçãooral, porém articular mal os gestos fonoarticulatórios, deverá ser encaminhado a um fonoaudiólogo.Se não apresentar nenhum problema no teste de recepção e produção oral, mas se sair mal nos testesde descodificação dos grafemas ou codificação dos fonemas, poderá ter problemas específicos deleitura e escrita, quer congênitos, quer de aprendizagem, que deverão ser examinados peloespecialista. Se o aluno se sair bem nos testes de descodificação e codificação, mas apresentar baixosescores nos testes de compreensão, seu problema não está no reconhecimento ou produção da palavraescrita, mas sim em aspectos semânticos e/ou cognitivos mais gerais.
No caso da presente tese, objetivou-se, especialmente, fazer um diagnóstico da turma
a fim de identificar problemas relacionados ao processo de alfabetização dos alunos. Ao todo
são nove testes aplicados nesta ordem:
1) Testes de recepção oral, subdivididos em recepção auditiva dos traços fonéticos
do português do Brasil e em compreensão de frases, cuja complexidade e extensão são
crescentes. O primeiro visa detectar se o indivíduo percebe os traços fonéticos que
diferenciam os vocábulos no português do Brasil e o segundo verifica se o indivíduo
apresenta problemas de processamento em sua memória imediata e operacional.
2) Testes de produção oral também subdivididos em produção oral de itens e de
frases. Estes testes objetivam detectar se o indivíduo comanda os gestos fonoarticulatórios da
sua variedade sociolingüística.
3) O objetivo do teste Invenção a partir de uma seqüência é examinar se os
esquemas narrativos estão bem desenvolvidos.
4) O teste Reconto da história “O galo vaidoso” verifica tanto se os esquemas
narrativos estão bem desenvolvidos (habilidades cognitivas de ordenação) como avalia as
capacidades da memória imediata e operacional.
101
5) Emparelhamento de palavras e frases escritas com gravuras visa avaliar a
habilidade de o indivíduo perceber a oposição entre grafemas em pares mínimos. Este teste é
subdividido em emparelhamento de itens e de frases escritas.
6) Produção a partir de gravuras é o teste que tem como finalidade averiguar se o
indivíduo transpõe para a escrita suas representações fonológicas. Este também é subdividido
em produção escrita de itens e frases.
7) Teste de correspondência fonológico-grafêmica testa se as regras de codificação
dos fonemas em grafemas foram internalizadas de uma forma controlada, uma vez que se trata
de pseudopalavras. O teste está organizado a fim de detectar quatro dificuldades: de
percepção da distinção do traço fonético em um par mínimo e sua codificação fonêmica; de
percepção dos traços gráficos; adivinhação ou alfabetização pelos nomes das letras; falta de
domínio das regras de codificação dependentes do contexto fonético.
8) O teste de correspondência grafêmico-fonológica foi elaborado a fim de
detectar cinco dificuldades: de articular o traço que diferencia os pares mínimos; de perceber
as distinções ocasionadas pelo traço de rotação ou combinatória de outros traços; adivinhação
ou nome da letra; falta de domínio da regra de correspondência grafêmico-fonológica;
problemas fonoarticulatórios.
9) Teste de leitura em voz alta e de compreensão de palavras. O de leitura em voz
alta visa confirmar o desempenho nos testes anteriores quanto à descodificação e o de
compreensão , como o próprio nome indica, verifica se o indivíduo compreendeu o que leu.
A bateria de testes foi aplicada individualmente pela pesquisadora com o auxílio de
uma aluna do curso de Pedagogia da Febe, bolsista do Artigo 170. Os alunos, chamados pela
ordem alfabética, foram conduzidos ao local dos testes pela pesquisadora. No percurso, o
aluno já ia sendo informado da natureza dos testes, pois havia curiosidade por parte dos
sujeitos, e, assim, ia se criando um clima de confiança entre sujeito e pesquisadora. Na sala,
descrita anteriormente, o sujeito era convidado a sentar-se à mesa. À frente do sujeito, ficava
a bolsista que fazia as anotações nas fichas; a pesquisadora aplicou os testes, posicionando-se
conforme a necessidade e objetivo do teste.
O segundo instrumento, para traçar o perfil dos sujeitos, é o questionário
psicossociolingüístico e socioeconômico dos alunos, que parte de um modelo já elaborado por
Scliar-Cabral e que teve, para a presente tese, a inclusão de questões relacionadas ao contexto
mais específico da pesquisa. O questionário é composto por dezessete questões que visam
identificar dados pessoais, família, convívio, instrução e profissão dos pais, religião,
residência, dados sobre a saúde, gostos e hábitos da criança, língua e relação com a escola. O
102
questionário foi entregue pela professora e pela pesquisadora que explicou o seu objetivo,
colocando-se à disposição dos pais para qualquer informação pessoalmente ou por telefone.
Todos os questionários foram devolvidos dentro do prazo combinado com os sujeitos e não
houve nenhuma procura por parte dos pais para solucionar possíveis dúvidas.
3.3.3 Resultados
a) Bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de Scliar-Cabral
De todos os testes, o teste seis e o sete foram os que mais apontaram aspectos
relevantes que serviram como referência para o trabalho realizado em sala, posteriormente,
pela professora com ajuda da pesquisadora.
No teste 6, produção escrita a partir de gravuras, foram levantados os seguintes
dados:
1.Problemas de codificação nas palavras, os quais foram agrupados em torno de três
dificuldades básicas:
a) Traço fonético: [+voz] e [-voz]: pastão por bastão, cato por gato, cola por gola
(foram apenas estas ocorrências).
b) Regra dependente só do contexto fonético: “a realização do fonema // se
codifica como “x” no contexto entre o ditongo /ej/ em final de sílaba” (Scliar-Cabral, 2003a,
p.132): queicho por queixo.
c) Contextos competitivos:
a. O arquifonema |S| em posição final de vocábulo, nos oxítonos ou
monossílabos tônicos pode ser grafado como “s” ou como “z” (op. cit., p 159-60):
trez por três; trenz por trens; feros por feroz.
b. O fonema /z/ se grafa competitivamente “s” ou “z” entre qualquer vogal oral
posterior ou semivogal e vogal oral ou nasalizada (op. cit., p. 160-1): roza por rosa;
resa por reza; dose por doze.
c. “A realização do fonema /s/ pode ser codificada seja pelo grafema “s” ou “ç”
em início de sílaba entre vogal nasalizada e vogal oral ou vogal nasalizada
posteriores [...] ou entre /e/ e a semivogal posterior /w/” (op. cit.,p. 156): onsa por
onça.
103
d. “A realização do fonema // em início de vocábulo ou posição intervocálica
oral ou nasalizada pode ser grafada com “ch” ou “x” (op. cit.,p. 161): pixe por piche;
bixo por bicho;conxa por concha; cocha por coxa; buxo por bucho. O conhecimento
do significado, pois, ajudaria na escolha da grafia.
2. Ditongação: soupa por sopa, councha por concha
3. Monotongação: toca por touca; fera por feira; ropa por roupa, pexe por peixe,
quexo por queixo.
4. Problemas de codificação nas frases:
a) escrita igual à fala: piru, sigurando, tualha, murru.
b)uso do h inicial e acentuação gráfica dos paroxítonos terminados em r: amburguer
c) conversão dependente da posição em início de sílaba interna entre vogais, ou seja,
o fonema /R/ desde que não depois de semivogal se converte no grafema “rr”: cachoro por
cachorro.
d) Contextos competitivos:
a. conversão do fonema /s/ entre |W| e V [+post]: calsar por calçar
b. conversão do fonema /s/ antes de vogal [+post], na qual o conhecimento
semântico é fator determinante: cassar por caçar.
c. conversão do arquifonema |S|, em final de vocábulo, nos monossílabos
tônicos: tras por traz. Neste caso, a informação morfológica também ajudaria a
solucionar a grafia.
e) problemas de acentuação gráfica: sanduiche, esta, e, pêru
f) ausência da grafia no léxico mental ortográfico: munto por muito;
g) separação das palavras: em quanto por enquanto; várias hipóteses de como se grafa
“em cima”: enscima, ensima, encima, em sima. Os sujeitos apresentaram dificuldade em
escrever as locuções levando em conta o critério junto ou separado. Esse é um dos problemas
mais difíceis de ortografia, pois, na cadeia da fala, o item aparece sem separação e esta, nas
locuções, é uma questão arbitrária. Comparando-se a grafia de em cima e embaixo, pode-se
observar que, no último, houve um processo de gramaticalização e a escrita aglutinou os
morfemas, passando a ser um advérbio tipicalizado, mas “em cima” ainda não passou por esse
processo. Por analogia, alguns sujeitos grafaram: “encima”, em que vige a grafia etimológica,
já “prevendo” a sua futura grafia. Outro aspecto a ser considerado nas várias hipóteses é que a
primeira, “enscima”, revela a não internalização da regra.
Os resultados do teste 7, de correspondência fonológico-grafêmica, apresentaram as
seguintes dificuldades: percepção dos traços, tais como rotação; percepção da distinção do
104
traço fonético em um par mínimo e sua respectiva codificação grafêmica; falta de domínio das
regras de codificação determinadas pelo contexto fonético.
Quanto à rotação dos traços, dois casos foram observados: 1.entre b e d: dupas por
bupas; búzia por dúzia; zobar por zodar; bruga por druga; 2. q por p como em: simpa por
simqa.
Quanto à dificuldade de percepção do traço fonético em um par mínimo, pôde ser
notada nos seguintes casos: 1. /t/ por /d/: defa por tefa; 2. /v/ por /f/: veca por feca; 3. /g/ por
/k/: gufo por cufo; buga por buca ; cupons por gubons; gueta por queta; 4. /s/ por /z/ e vice-
versa: nazpa por naspa; sobar por zobar; búcia por búzia; deisa por deiça; 5. // por //:
achufa por ajufa; tuxa por tuja; 6. /l/ por /r/: bluga por bruga.
O maior número de dificuldades teve como fator determinante a falta de domínio
das regras de codificação determinadas pelo contexto fonético como se pode observar na
tabela que segue:
TABELA 5 – PROBLEMAS DE CODIFICAÇÃO IDENTIFICADOS NO TESTE DELOGATOMAS
Palavralida peloaplicador
Palavraapontada pelo
sujeito
Número deocorrências
Regra não internalizada16
ouproblema identificado
denre denrre 16 “A regra C2.11 dita que as realizações doarquifonema | R | (...) se escrevem com o grafema“r”: (...) 2) em início da sílaba depois de vogalnasalizada (...) e antes de vogal oral ou de vogalnasalizada não posterior, ...” (p. 135-6).
gubons gúbons 14 Não percepção da palavra como oxítona, mas comoparoxítona.
reúde reude 14 Não percepção de /e’u/ como hiato, ou seja,problema de percepção dos encontros vocálicos e/ounão internalização da regra de acentuação gráfica da2.ª vogal no hiato.
gueta güeta 13 “Pela regra C2.2, a realização da consoante /g/ setranscreve “g”, [...] antes de vogal posterior, oral ounasalizada, ou seja, antes de /u/, /o/, //, /a/, /u/,/õ/, /ã/ ou precedendo a semivogal /w/ quando ohiato for pronunciado como ditongo crescente. Casoesteja antes das vogais não posteriores, orais ounasalizadas, ou seja, /i/, /e/, //, /i/, /e/, é grafadacomo “gu”.”(p.127)
petor pêtor 13 Não percepção da palavra como oxítona, mas comoparoxítona.
latu latú 13 Não conhecimento das regras de acentuação gráficados oxítonos terminados em “u”: a vogal não levaacento gráfico.
16 A descrição da regra é feita a partir da consulta em Scliar-Cabral, 2003a.
105
deiça deissa 12 Caso a realização do fonema /s/ figurar em início desílaba entre a semivogal /j/ e uma vogal posterior,com exceção de //, que não ocorre neste contexto,isto é, /u/, /o/, /a/, /õ/, /ã/, se grafa “ç”. (p.128)
zobar sobar 12 “Conforme a regra C2.6, a realização do fonema /z/em início de vocábulo sempre se transcreve pelografema “z”.” (p.131)
teixa teicha 12 “Pela regra C2.7, a realização do fonema // secodifica como “x”, no contexto entre os ditongos/ej/, /ow/ e /aj/ em final de sílaba e vogal”. (p.132)
lóia loía 11 “...nenhuma vogal apresenta somente um valor deconversão, a não ser nos ditongos /j/ e /j/”.17
Não percepção de /j/ como semivogal, ou seja,problema de percepção dos encontros vocálicos e/oude não-internalização das regras de acentuação dosencontros vocálicos.
duvém 10duvem
dúvem 4
No primeiro caso, problema de percepção, ou seja,marcou-se oxítono, mas o vocábulo foi lido comoparoxítono.No outro ocorreu a acentuação por analogia com asparoxítonas terminas em –“um”.
lárão 10larão
laram 3
No primeiro caso, observa-se problema depercepção, ou seja, a palavra foi lida como oxítonae o sujeito codificou como paroxítona.No outro, a grafia “am” só codifica o ditongo /ãw/nos verbos paroxítonos.
simpa sinpa 7 ‘A nasalização da vogal, em final de sílaba nãofinal de vocábulo, antes das consoantes [+ant, -cor]/p/ e /b/ que iniciem sílaba seguinte é codificadapela letra “m”; antes das demais consoantes, anasalização é assinalada pela letra “n”. Nestasituação, pois, as letras “m” e “n” têm o mesmovalor que o til.’ (p.147-8)
pêdum pedum 6 “Pela regra C2.15.3, acentuam-se graficamente osparoxítonos: 1) terminados em /u/, /õ/, /ã/, ditongooral decrescente ou crescente (no último caso, oditongo pode ser lido como hiato e o vocábulo setorna proparoxítono), seguidos ou não doarquifonema | S |, como em /‘awbu/ “álbum”,/‘awbuS/ ...” (p.143-4)
balei bálei 4 Problema de percepção, ou seja, a palavra foi lidacomo oxítona e o sujeito codificou comoparoxítona.
mabo mabó 4 Problema de percepção, ou seja, a palavra foi lidacomo paroxítona e o sujeito codificou comooxítona.
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Pode-se observar que o maior número de problemas diz respeito à percepção da
sílaba tônica e também à questão da acentuação gráfica, totalizando dez das palavras
apontadas com um desses problemas ou com os dois. Tal constatação leva a crer que a
17 Scliar-Cabral, 2003b, p. 77.
106
percepção do acento é muito pouco trabalhada em relação com a acentuação gráfica, ou seja, a
acentuação gráfica é ensinada de forma mecânica, na qual a preferência é pela memorização
das regras. É preciso levar em consideração que, para preparar para a ortografia, o professor
deve desenvolver também a percepção. Diante disso, é preciso repensar a didática do ensino
das regras de acentuação gráfica, a qual deve partir da percepção de onde cai o acento de
intensidade e dos encontros vocálicos e, em cima de tais percepções, ensinar as regras de
acentuação gráfica tanto para a descodificação quanto para a codificação.
Os outros problemas identificados nesse teste estão relacionados à seleção de que
grafema deve ser escolhido para representar a realização do fonema ouvido levando-se em
conta o contexto que, no teste não foi levado em consideração pelos sujeitos, o que provocou
a escolha de seis palavras cuja codificação não está correta. Quanto a esse segundo grupo de
palavras, vale ressaltar que as palavras: pudo, salho, surpa e sula foram apontadas
corretamente por todos os sujeitos. A análise das três últimas pseudopalavras [-son] leva à
discussão da escolha de “sobar” para codificar zobar [+son], pois se está diante de um par cuja
distinção se faz pelo traço [-voz] e [+voz], o qual foi identificado nas palavras anteriores,
quando o fonema /s/ era grafado com o grafema “s”, entretanto,neste caso, o fonema /z/ foi
codificado com o grafema “s” em início de vocábulo, revelando um problema de codificação.
Outra regra que também se mostrou problemática foi a da codificação dos fonemas /r/ e /R/ em
contexto intervocálico, pois “sura” foi apontado por quatro sujeitos como “surra” e “terro” foi
apontado por um sujeito como “tero”.
b) Questionário psicossociolingüístico e socioeconômico dos alunos da quarta série A
Diante dos dados levantados no questionário é possível traçar o perfil dos
participantes da pesquisa levando-se em conta os aspectos que dizem respeito ao lar e à
escola.
As crianças são monolíngües e a média de idade é nove anos e oito meses. Todas
têm livros em casa e o número de volumes varia de cinco a duzentos. Quanto ao número de
irmãos, oito crianças são filho único, os demais têm irmãos, mas o número não ultrapassa dois
irmãos. A idade dos irmãos varia de um ano até trinta e dois anos e o maior grupo situa-se na
faixa de 11 a 12 anos (3 sujeitos).
Na ausência dos pais, as crianças ficam com empregada (7 sujeitos), avós ou tios (3
sujeitos), parentes (2 sujeitos), irmãos mais velhos (3 sujeitos), amigos (1 sujeito), irmão ou
107
avó (1 sujeito). Duas crianças ficam sozinhas. Outro dado significativo é que, nesta turma,
sete mães não trabalham fora.
Ainda quanto ao aspecto do lar, descobriu-se com quem dividem o quarto, sendo que
5 sujeitos o dividem com irmão e um com a mãe, os demais dormem sozinhos. Apenas um
sujeito divide a cama com a mãe, os demais têm sua própria cama.
De todos os sujeitos, apenas dois não moram com o pai e a mãe, um mora só com a
mãe e outro mora com a mãe e outra pessoa. Isso levou a mais um dado: nesta turma, há uma
viúva e uma divorciada.
As profissões são variadas entre os pais. Entre os homens, há desenhistas,
comerciantes, comerciários, destacando-se o número de pais empresários. Outras profissões
aparecem isoladas: representante, juiz, militar, agrimensor, professor, talhador, motorista,
médico. Entre as mulheres, a maioria é do lar, destacando-se ainda três comerciantes e duas
professoras.
Nem todos os pais informaram a renda da família, e dos 18 informantes, alguns
reuniram as duas rendas, por isso não foi possível especificar a renda por pai e mãe, mas é
possível obter dois dados: os valores variam de R$500,00 a R$12.500,00 e a média entre os
casais informantes é de R$3.600,00.
Quanto aos últimos empregos do pai e da mãe, observou-se que a maioria demonstra
estabilidade no emprego. Quanto ao horário de trabalho, ficou evidenciado que os pais
passam a maior parte do tempo fora de casa, como se pode observar nos diversos horários de
trabalho: 7h30min-12h / 13h30min-18; 3.º turno; comercial; 10 horas diárias; 6h-18h; 8h-19h;
7h-18h; 7h-12h / 13h-17h; 7h30min-19h; 7h30min-17h; integral (manhã, tarde e noite) e
indeterminado. Pode-se detectar que a maioria dos pais tem um horário parecido com o
comercial, estando à noite em casa; apenas um trabalha no período noturno e outro durante os
três períodos. Já o horário das mães é organizado, na sua maioria, para poder ficar um pouco
mais em casa: poucas ficam fora todo o dia e sete não trabalham fora.
Quanto à residência na localidade, pôde-se descobrir que a maioria dos sujeitos
sempre morou em Brusque; dos que vieram de outra localidade, encontram-se famílias que já
moraram em Uruguaiana e São Paulo; Blumenau e Curitibanos; Guabiruba e Curitiba ;
Curitiba e Blumenau; São José; Rio Grande do Sul; Paraná.
A maioria dos pais é de religião católica, sendo apenas um pai evangélico protestante
e uma mãe espírita.
Quanto à instrução, não há nenhum pai ou mãe analfabetos e a grande maioria tem
ensino superior, conforme fica evidenciado no gráfico 8:
108
GRÁFICO 8 - INSTRUÇÃO DOS PAIS DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Primário Ginásio 2.º grau Sup.Compl.
Sup. Inc. Outros
Pai
Mãe
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Finalmente, quanto aos pais dos participantes da pesquisa, foi possível levantar dados
quanto ao tipo de material que lêem. Apenas dois pais e uma mãe não lêem, concentrando-se
a preferência masculina pelos três tipos de material apresentado na pesquisa: livro, jornal e
revista, sendo que o jornal é lido apenas pelo pai. As mulheres, como os homens, preferem os
três tipos de material, mas apenas uma delas optou por livro. O gráfico 9 ajuda a entender
como se efetua esta distribuição quanto ao material de leitura:
109
GRÁFICO 9 – MATERIAL DE LEITURA DOS PAIS DOS PARTICIPANTES DAPESQUISA
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
livro jornal revista jornal erevista
livro erevista
livro,jornal erevista
não lê
pai
mãe
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Os dados apresentados a seguir são relativos às crianças participantes da pesquisa a
fim de conhecer aspectos que vão desde sua gestação até a idade em que responderam ao
questionário.
Quanto à saúde dos participantes da pesquisa, todos tiveram uma gestação normal:
apenas uma mãe relatou que sua gestação foi com problemas. Exceto uma criança, que foi
extraída a fórceps, os demais tiveram um parto tranqüilo, tendo a maioria nascido por
cesariana. Os sujeitos começaram a andar entre 9 e 12 meses, sendo que a maioria
concentrou-se entre 10 e 12 meses. Quanto a este dado, todas as mães souberam informar,
entretanto nem todas lembraram quando a criança começou a falar. Das que informaram,
pôde-se observar que há uma variação entre 9 e 24 meses, ficando a maioria na faixa entre 9
e 12 meses.
Para conhecer um pouco mais os gostos e hábitos das crianças, foram levantados
dados quanto a brinquedos, histórias, televisão, rádio, vídeo, computador, jogos os quais
aparecem no gráfico que segue:
110
GRÁFICO 10 – GOSTOS E HÁBITOS DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA
0
5
10
15
20
25
30
Gosta
de brin
car c
om outr
as cr
iança
s
Algué
m lhe c
onta hi
stória
s
Tem T
V
Tem ví
deo
Tem In
terne
t
Tem co
mpu
tador
Gosta
de brin
car s
ozin
ho
Gosta
de brin
car c
om irmão
s
Tem rá
dio
Tem jo
gos e
letrô
nicos
Tem ou
tros j
ogos
Sim
Não
Não respondeu
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Aprofundando um pouco mais estes dados, podem-se apontar como brinquedos
preferidos dos meninos videogame e bola e das meninas bola e bicicleta. Quanto ao hábito
de escutar histórias, pôde-se perceber que nem todos têm, em sua casa, alguém para contá-las
e entre os que têm o hábito de ouvir foram apontadas como histórias contadas ou lidas: Barbie
e seu casamento, O assassinato no navio da meia-noite, A casa mal assombrada, Chico Bento,
Turma da Mônica, Peter Pan, Cinderela, De quando era bebê, Do Livro de Virtudes para
Crianças, Menino Maluquinho, Pedro Malazarte. Estas também estão entre as preferidas das
crianças, mas as histórias de maior preferência são duas: Harry Potter (2 sujeitos) e as que se
referem a cavalos (2 sujeitos).
Todas as crianças têm televisão em sua casa e o número de horas em que assistem à
televisão varia de uma a sete, ficando a maioria dos sujeitos em uma média de duas a três
horas diárias. O programa favorito do grupo é desenho e a grande maioria não tem um
personagem favorito, apenas três apontaram Will Smith.
Quanto ao hábito de ouvir rádio, entre os que o têm, a freqüência é muito variada.
Quanto ao número de horas que ouvem rádio por dia, os dados são muito diversificados, mas
a maioria informou que dedica uma hora (6 respostas). Quanto ao programa preferido, houve
confusão entre programa e emissora, ficando assim distribuído: 1) Programa: Competição;
Musical; As mais pedidas; Pânico. 2) Emissora: Jovem Pan; Guararema; FM. A preferência
é por programas musicais. Sete participantes não informaram e dois não têm programa
111
preferido. A maioria disse não ter cantor ou cantora de sua preferência, mas entre os
apontados com mais votos estão: Charle Brown Jr, Sandy e Júnior e Cássia Eller.
Apenas um sujeito não tem vídeo e os demais informaram que a freqüência semanal
com que assistem a fitas varia de uma a sete vezes, mas a maioria se concentra em uma vez
por semana. Também há sujeitos que raramente ou nunca assistem a fitas em vídeo.
Quanto ao computador, apenas um sujeito não o possui, os que o têm foram
consultados quanto à freqüência com que se conectam a Internet . Perguntados quanto a
quantas horas diárias usam Internet, as respostas tendem mais para uma freqüência semanal,
embora o maior número de respostas tenha sido em horas. Para melhor entendimento
agruparam-se as respostas: 1) Horas: 20min (1 sujeito); 30min (1 sujeito); 1h (6 sujeitos);
poucas (1 sujeito), totalizando 9 sujeitos; 2) Semanal:1 vez (1 sujeito); finais de semana (1
sujeito); 5h (1 sujeito); 2 horas (1 sujeito); 4h (1 sujeito) totalizando 4 sujeitos ; 3)
Freqüência: quando tem pesquisa (3 sujeitos); depende (1 sujeito) totalizando 4 sujeitos. A
maioria das crianças utiliza a Internet e a tendência é uso diário, seguido do semanal. A
criança que não usa disse que ainda não sabe como fazê-lo, pois faz pouco tempo que tem
microcomputador. Entretanto, todos têm acesso ao laboratório do Colégio pelo menos uma
vez por semana.
Quanto a jogos, os alunos foram questionados tanto quanto aos eletrônicos como aos
outros tipos. Quanto à freqüência diária com que brincam com jogos eletrônicos, pôde-se
perceber que, embora a informação tenha sido solicitada em horas/dia, as respostas foram
organizadas levando em conta as informações dos sujeitos: 1) Horas/dia:30min (3 sujeitos);
1h (6 sujeitos); 2h (3 sujeitos); poucas horas (2 sujeitos) totalizando 14 sujeitos; 2) Semanal:
2h/semana (1 sujeito); 1h/semana (1 sujeito); 4 vezes/semana (1 sujeito); final de semana (1
sujeito); quase todo dia (1 sujeito) totalizando 5 sujeitos; 3) outras respostas dadas cada uma
por um sujeito: depende; não tem; não usa; quase nunca; não informa. Como se percebe, é
difícil traçar um perfil, pois as respostas são as mais variadas, mas a tendência é usar
diariamente.
Quanto ao número de horas dispensadas aos outros jogos (não eletrônicos), há três
tipos de resposta: 1) por hora: 1h (4 sujeitos), 2h (4 sujeitos), 30min (1 sujeito), 10min (1
sujeito); 2) por semana: 5h (1 sujeito), 2 vezes (3 sujeitos), 2 ou 3 vezes (2 sujeitos), fim de
semana (1 sujeito); 3) freqüência: poucas horas, às vezes.
Quanto ao uso do dicionário, conforme o gráfico 11 que vem a seguir, pôde-se
observar que o espaço onde ele é mais consultado é a casa das crianças.
112
GRÁFICO 11 – CONTATO DO PARTICIPANTE DA PESQUISA COM O DICIONÁRIO
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Contato com o dicionário
escola
tarefas em casa
curiosidade emcasa
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Os últimos dados apresentam a relação entre a criança e a escola e também a partir
de que série a criança foi matriculada na escola na qual a pesquisa foi desenvolvida. Quanto à
faixa etária com que as crianças entraram para a escola, há uma variação entre um a seis anos,
mas todas passaram pela educação infantil como fica explicitado no gráfico que segue:
GRÁFICO 12 – IDADE COM QUE O PARTICIPANTE DA PESQUISA ENTROU NAEDUCAÇÃO INFANTIL
0
1
2
3
4
5
6
7
8
criança entrou para a EI
1-2 anos
2-3 anos
3-4 anos
4-5 anos
5-6 anos
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
113
Quando as crianças ingressaram no Ensino Fundamental, nem todas elas tinham
conhecimento sobre o código escrito, o que revela um grupo heterogêneo, no qual a maioria
não sabia nem ler nem escrever. Quanto ao conhecimento sobre leitura e escritura,
encontram-se sujeitos com diferentes domínios como mostra o gráfico 13:
GRÁFICO 13 – CONHECIMENTO DO PARTICIPANTE DA PESQUISA SOBRE OCÓDIGO ESCRITO ANTES DE INGRESSAR NO ENSINOFUNDAMENTAL
0
2
4
6
8
10
12
14
conhecimento da criança sobre o código escrito
não sabia ler nemescrever
lia
lia e escrevia umpouco
lia bem e escervia umpouco
lia e escrevia bem
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
Por fim, serão apresentados os dados relativos ao momento em que a criança foi
matriculada na escola na qual a pesquisa foi desenvolvida. Percebe-se que a metade delas já
está nesta escola desde a Educação Infantil e que os demais entraram no decorrer do Ensino
Fundamental, tendo a maior parte optado pelo ingresso no primeiro ciclo. Apenas um aluno
veio para a escola na quarta série e isso se deveu ao fato de a mãe ter sido contratada como
funcionária. O gráfico 14 mostra a opção pela escola a partir de que série a fim de que possa
ter uma visualização desses dados:
114
GRÁFICO 14 – MOMENTO EM QUE O PARTICIPANTE DA PESQUISA FOIMATRICULADO NO COLÉGIO SÃO LUIZ
0
2
4
6
8
10
12
14
Opção pela escola
Jardim de infância
1.ª série
2.ª série
3.ª série
4.ªsérie
FONTE: Dados coletados pela pesquisadora
3.4 Terceira etapa: intervenção colaborativa
3.4.1 Metodologia
Durante agosto a dezembro de 2002, aconteceu a intervenção colaborativa na sala da
quarta série A do Colégio São Luiz, grupo selecionado como experimento. A pesquisadora e
a professora optaram por dois encontros semanais, um às terças-feiras e outro às quintas-
feiras, pois nestes dias o horário era mais adequado visto que não havia outras disciplinas e,
nas quintas-feiras, era possível utilizar o laboratório de informática. Entretanto, sempre que
necessário, houve alteração no horário, pois a escola já tinha seu calendário acadêmico
definido.
O planejamento foi sempre elaborado de forma coletiva entre a professora da turma e
a pesquisadora, aproveitando-se o que já estava programado para ser trabalhado nas duas
turmas, a fim de que não houvesse diferença entre os conteúdos trabalhados na quarta série A
e na quarta série B, pois o objetivo era trabalhar metodologia diferente, não conteúdo. Foram
aproveitados os textos e exercícios da apostila e, sempre que oportuno, introduzia-se a
discussão a respeito da codificação de homófonos não homógrafos. Além disso, foram
elaborados outros tipos de atividades, incluindo os jogos. As aulas foram sempre conduzidas
pela professora da turma e a pesquisadora raramente participava, a não ser que interpelada
115
pela professora ou pelos alunos. As aulas foram todas gravadas e depois transcritas, as
atividades, na medida do possível, foram fotografadas.
3.4.2 Instrumentos específicos para a metodologia desenvolvida na intervenção colaborativa
Durante o contato com a turma, foi realizada constante observação participante e as
aulas foram registradas em um diário de campo além de terem sido gravadas. Além disso,
realizou-se a aplicação das atividades planejadas para o ensino-aprendizagem dos homófonos
não homógrafos: jogos, dicionário de homônimos, ditado interativo e releitura focalizada.
As atividades lúdicas desenvolvidas para o ensino-aprendizagem dos homófonos
não homógrafos, como já foram descritas na seção 3.2.4, não serão retomadas nesta parte.
A partir dos jogos, como já se mencionou, foram desenvolvidas outras atividades que
visavam coletar dados para a presente tese: dicionário de homônimos, ditado interativo e
releitura focalizada.
O primeiro foi construído, à medida que as palavras foram surgindo durante as
discussões, pelos alunos que foram anotando, em um caderno especial com as letras do
alfabeto, as palavras aprendidas, sua definição e um exemplo, ambos elaborados da forma
como o aluno compreendeu a palavra. À medida que os participantes redigiam a definição e o
exemplo, a pesquisadora ia transcrevendo-os para que pudesse observar o desenvolvimento de
cada sujeito e do grupo todo, o que favoreceu o planejamento.
O ditado interativo, segundo Morais (2001, p. 77-81), é diferente de um ditado
tradicional, que cumpre geralmente apenas o papel de verificar os conhecimentos
ortográficos. Neste, é feito um novo tipo de ditado, no qual se busca ensinar ortografia,
refletindo sobre o que se está escrevendo. Dita-se à turma um texto já conhecido, no caso
desta tese, selecionado das apostilas, fazendo pausas diversas, nas quais os alunos são
convidados a focalizar e discutir certas questões ortográficas previamente selecionadas ou
levantadas durante a atividade. Outras vezes, não é feita a pausa durante o ditado e a
discussão ocorre posteriormente. Os alunos sabem que o ditado é para isso e já voltam sua
atenção para refletir sobre dificuldades ortográficas. A opção por um texto já conhecido dos
alunos, com o qual já estabeleceram uma interação apropriada, tomando-o como unidade de
sentido, permite que o ditado interativo não repita a velha tradição de usar um texto como
mero pretexto para a condução de exercícios de análise lingüística. Além disso, propicia que,
no ditado, voltem sua atenção para as palavras que o professor focaliza ou que eles mesmos
escolhem como tema de discussão.
116
A releitura focalizada (Morais, 2001, p. 81-4) é um encaminhamento semelhante ao
do ditado interativo. Durante a releitura coletiva de um texto já conhecido, são feitas
interrupções para debater certas palavras, lançando questões sobre sua grafia. Aqui, também
é feito um trabalho de reflexão sobre as palavras de um texto já conhecido, pois usar um texto
desconhecido, para desencadear a reflexão ortográfica, seria distorcer a natureza e as
finalidades do ato de ler um texto pela primeira vez. Os textos selecionados são os que fazem
parte do material didático da turma e, com essa atividade, se pretende investir na possibilidade
de adquirir informação sobre ortografia uma vez que o aluno volta a sua atenção para o
interior das palavras.
Tanto o ditado interativo como a releitura focalizada aconteciam semanalmente, às
vezes os dois juntos na mesma semana, outras vezes apenas um ou outro. A escolha recaía
sobre a palavra a ser trabalhada naquele momento, de acordo com o planejamento, e que
pudesse estar conectada com outros tipos de atividades como os jogos, cartazes explicativos,
ilustrações, elaboração de textos explicativos tanto em pequenos grupos como
individualmente.
Para as atividades de ditado interativo e releitura focalizada, foram selecionados os
seguintes textos do material didático adotado pela escola, os quais, muitas vezes, preparavam
para o trabalho com os jogos:
Diário de Zlata, Segunda, 6-4-92 (Livro 1, p. 22-3)
Emergência (Livro 1, p.93-5)
Existe sempre a primeira vez... No espaço foi assim (Livro 1, p. 103)
Corrida espacial (Livro 1, p.119)
Gente é bicho e bicho é gente (Livro 1, p. 135)
Imagine a seguinte situação... (Livro 1, p.145)
Gíria é linguagem de quem faz segredo (Livro 1, p. 153)
Ninguém atravessa o arco-íris (Livro 2, p. 170)
Trabalhando com as idéias do texto (Livro 2, p. 195)
Cólera. O maior perigo é não tomar cuidado (Livro 2, p. 221)
Nebacetin (Livro 2, p. 235-6)
Dê sua opinião (Livro 2, p. 279)
Programe-se (Livro 2, p. 280)
Além do material dos dois livros adotados, ainda foi trabalhado o folheto de
divulgação da revista Nosso Amiguinho e a notícia de jornal: “Cavalos ganham fraldão e
placa”.
117
Ao final de todas as atividades, os alunos produziram um livro a partir da leitura que
tinham feito da obra de Eva Furnari, Não confunda. Os alunos exploraram individualmente
um par de homófonos não homógrafos a fim de que o leitor pudesse não confundir as duas
palavras.
3.4.3 Resultados
Tendo em vista a grande produção de material nesta fase, será feito um recorte dos
dados a fim de ilustrar como foram desenvolvidas as aulas neste período. A análise será
qualitativa tendo como fonte de consulta tanto a produção escrita dos alunos, a partir das
atividades planejadas, como as falas gravadas durante as aulas para que se possa perceber
como foi ocorrendo a reflexão dos participantes a respeito dos homófonos não homógrafos da
mesma classe gramatical.
3.5 Quarta etapa: comparação entre o Grupo Experimento e o Grupo Controle
3.5.1 Metodologia
Em dezembro de 2002, após o término dos trabalhos junto ao Grupo Experimento,
foi agendada a aplicação do pós-teste a fim de se obterem dados que pudessem mostrar se
houve ou não diferenças entre os dois grupos tanto quanto à maneira de grafar os homógrafos
não homógrafos como quanto à elaboração da justificativa.
3.5.2 Instrumentos de coleta de dados e sua aplicação
O pós-teste foi uma reaplicação do pré-teste, por isso teve o mesmo objetivo:
verificar tanto a forma como os sujeitos grafam os homófonos não homógrafos como a
construção de explicação para a grafia das palavras, bem como se houve elo entre a grafia e a
justificativa. Foi aplicado no grupo experimento e no controle em igual situação, em horário
previamente acordado com a professora para que os sujeitos tivessem tempo suficiente para a
elaboração do mesmo. A pesquisadora fez a leitura da frase e, no espaço em branco, ditou a
palavra que deveria ser grafada pelos sujeitos. Repetiu a frase para que pudessem verificar
sua resposta. Feito isso, cada sujeito redigiu uma explicação e, somente depois que todos
terminaram, a pesquisadora passou para a leitura da frase seguinte.
118
3.5.3 Resultados
O pós-teste, que será analisado e discutido na última seção da análise e discussão dos
dados, teve estes últimos divididos em dois grupos: um relacionado ao número de acertos e
outro quanto às justificativas produzidas pelos sujeitos, seguindo os mesmos moldes do pré-
teste. Além disso, observou-se se houve coerência entre a grafia e a justificativa elaborada
pelo sujeito.
Os números de acertos também foram submetidos ao teste quiquadrado a fim de se
analisar a significância estatística. Além disso, os tipos de acertos e erros foram
categorizados a fim de que se pudesse estabelecer um perfil dos sujeitos participantes quanto
à forma como grafaram a palavra ditada. Partindo das palavras grafadas, foram levantadas
seis categorias: 1) correta; 2) homófonos; 3) NILO (não internalizada no léxico ortográfico);
4) RNI (regra não internalizada) que se refere aos problemas de codificação; 5) problemas
maiores (que se referem à sintaxe ou percepção); 6) escreve como fala. Como se pode
observar, as categorias são as mesmas do pré-teste.
Também nesta etapa, em cima dos dados da categoria 1, levando-se em conta todas
as 20 palavras ditadas, aplicou-se a estatística descritiva, que forneceu dados como média,
mediana, moda, desvio padrão e número mínimo e máximo de acertos, e analisou-se o quartil.
A análise destes dados visa tanto complementar os resultados alcançados pelo teste
quiquadrado como estabelecer comparação entre o pré-teste e o pós-teste a fim de observar se
houve ou não diferenças significativas entre os dois grupos.
As justificativas produzidas pelos sujeitos também foram agrupadas em categorias a
partir da leitura de todas elas, perfazendo um total de catorze:
1. conhecimento do sentido
a. relação significado/grafia
b. atribuição do sentido a partir do contexto
2. conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil
3. derivação [cognato]
4. freqüência de uso
a. de exposição (leitura)
b. de escrita
5. conhecimento prévio da palavra
a. com justificativa
b. sem justificativa
119
6. relação som versus leitura e escrita
7. dúvida na grafia
a. explicitação da dúvida
b. não explicitação da dúvida
8. desconhecimento da palavra
9. não compreensão da diferença entre homófonos não homógrafos
10. má internalização das regras grafêmico-fonológicas
11. ausência de explicação
12. estratégia de preenchimento
13. achismo
14. não sabe redigir a resposta
Quanto às justificativas, além do tratamento qualitativo, aplicou-se o teste
quiquadrado a fim de se verificar a significância estatística da freqüência das justificativas
consideradas boas e inadequadas. Este teste também foi aplicado nas respostas consideradas
produzidas com elo pelo sujeitos para que se pudesse detectar se houve ou não diferença entre
os dados do pré e do pós-teste.
120
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
O objetivo geral deste estudo foi identificar e analisar as dificuldades que estão
presentes em alunos de quarta série, quando precisam grafar e explicar homófonos não
homógrafos, em particular, da mesma classe gramatical. Cinqüenta sujeitos participaram
desta investigação divididos em dois grupos conforme apresentado no capítulo anterior. Os
dados obtidos para a análise foram coletados através de testes aplicados no início e no final da
pesquisa bem como através dos instrumentos elaborados para o ensino e a aprendizagem dos
homófonos não homógrafos, os quais também foram descritos no capítulo anterior.
Os dados do pré e do pós-teste foram analisados quantitativa e qualitativamente. A
análise quantitativa foi feita com base no número de acertos na grafia das palavras e nas
diferentes maneiras de grafar as palavras. As justificativas sofreram, além de uma análise
quantitativa, uma qualitativa especialmente para se observar a maneira como os sujeitos
redigiram suas respostas.
Para verificar a significância estatística de dados de freqüência, aplicou-se o teste
quiquadrado nas seguintes situações: número de acertos do pré e do pós-teste; categorias boas
e más das justificativas no pós-teste e freqüência de respostas produzidas com elo no pós-
teste. Além disso, procedeu-se a uma análise de estatística descritiva a fim de se levantarem
a média, mediana, moda, desvio padrão e número mínimo e máximo de acertos dos dados
referentes às grafias corretas produzidas no pré e no pós-teste. Também foi realizada a
análise do quartil que mostrou qual foi o desempenho, no pós-teste, dos sujeitos do grupo
experimento com maior dificuldade no pré-teste.
Já os dados coletados durante a intervenção colaborativa foram analisados
qualitativamente, levando-se em conta especialmente as falas dos sujeitos, pois o objetivo é
mostrar como foi o processo de ensino e de aprendizagem dos homófonos não homógrafos no
grupo em que as atividades e discussões foram promovidas. Apenas os resultados de alguns
momentos dos jogos foram analisados quantitativamente, mas não sofreram tratamento
estatístico.
121
4.1 O que mostram os dados do pré-teste
O objetivo inicial, ao aplicar o pré-teste, era verificar se as duas turmas de quarta
série apresentavam diferenças significativas entre si quanto à forma como grafavam os
homófonos não homógrafos de mesma classe gramatical.
O pré-teste, como se explicou no capítulo anterior, foi elaborado levando-se em
consideração o material didático utilizado pela turma do qual foram retirados pequenos textos
nos quais havia a presença de homófonos não homógrafos. O referido instrumento de coleta
de dados foi organizado com base no ditado interativo, ou seja, o pesquisador ditava uma
palavra ausente no texto e o sujeito a escrevia e, posteriormente, justificava sua escolha. Ao
todo, foram 20 palavras para serem grafadas e justificadas, tendo-se, então, 500 respostas
quanto à grafia e 500 justificativas de cada grupo.
Primeiramente serão apresentados os resultados quanto ao número de acertos. Em
cima destes dados levantados no pré-teste, aplicou-se o teste quiquadrado. Este tipo de teste
trabalha com duas hipóteses, o que possibilita comparar dois ou mais grupos para verificar se
são ou não diferentes. Inicialmente têm-se as hipóteses do teste: Ho (inicial) e H1
(alternativa). Para a presente pesquisa, as hipóteses foram assim formuladas: 1) Ho: Não há
diferença significativa entre as turmas; 2) H1: Há diferenças significativas entre as turmas. A
partir dos dados da tabela 6, procedeu-se ao teste Quiquadrado.
TABELA 6 – NÚMERO DE ACERTOS DOS SUJEITOS DOS DOIS GRUPOS NO PRÉ ENO PÓS-TESTE
Pré-teste Pós-teste Total
GE 304 405 709
GC 303 305 608
Total 607 710 1317
FONTE: Dados da pesquisadora
Analisando os dados do pré-teste, foi possível chegar às duas distâncias exigidas por
esse tipo de teste, o X²cal = 4,66 e o X²tab = 30,144 com um nível de significância indicado
por = 5%. Portanto, o quiquadrado calculado ficou abaixo, 4,66 é menor que 30,
conservando-se na região de aceitação do teste, ou seja, a distância entre o quiquadrado
calculado e o tabelado é bem expressiva, ficando bem abaixo do valor tabelado. O calculado
poderia ir até trinta para ainda se considerar Ho como correta. Como nem a 30% ele vai dar
122
diferença, é altamente significativo. O teste leva à conclusão de que não há diferenças
significativas entre os dois grupos, ou seja, se aceita Ho.
Além de serem analisadas quanto ao número de acertos, as palavras ditadas também
foram categorizadas quanto às diferentes maneiras de serem grafadas. As respostas foram
agrupadas em seis categorias:
1) correta: o sujeito grafou a palavra corretamente;
2) homófonos: o sujeito grafou o homófono da palavra levando em consideração
apenas o som ditado ;
3) NILO (não internalizada no léxico ortográfico): o sujeito grafou a palavra de uma
forma que não existe na língua portuguesa: isso se deve à pouca leitura;
4) RNI (regra não internalizada): o sujeito grafou a palavra incorretamente por não
conhecer as regras de codificação;
5) PM (problemas maiores): o sujeito grafou a palavra incorretamente revelando
problemas de sintaxe ou de percepção;
6) ECF (escreve como fala): o sujeito grafou a palavra como a fala, mostrando não
estabelecer distinção entre fala e escrita.
Os gráficos que seguem mostram como o GE e o GC grafaram as palavras:
GRÁFICO 15 - CATEGORIAS QUANTO À MANEIRA DE GRAFAR A PALAVRADITADA NO PRÉ-TESTE – GE
0
50
100
150
200
250
300
350
maneiras de grafar
pala
vras
CORRETA
HOMÓFONO
NILO
RNI
PM
ECF
FONTE: dados da pesquisadora
123
GRÁFICO 16 - CATEGORIAS QUANTO À MANEIRA DE GRAFAR A PALAVRADITADA NO PRÉ-TESTE – GC
0
50
100
150
200
250
300
350
maneiras de grafar
pala
vras
CORRETA
HOMÓFONO
NILO
RNI
PM
ECF
FONTE: dados da pesquisadora
Comparando os gráficos 15 e 16, é possível novamente observar como os dois
grupos são parecidos quando analisadas as demais categorias. Os dados mostram que mais da
metade das respostas, 60,8% no GE e 60,6% no GC, pertencem à categoria 1. As palavras
com maior número de acerto (acima de 20) foram: cavalheiro, espiada, esperto, passo, russa,
cena em ambos os grupos e espectadores com 20 acertos no GE.
A maior dificuldade se encontra na categoria 2, uma vez que a palavra ditada está
testando um contexto competitivo. Os homófonos que apareceram mais vezes, em ambos os
grupos, foram: acentos, conserto e fraudar. A maneira de grafar o último se deve ao fato de o
“u” refletir melhor a pronúncia, uma vez que o aprendiz tende a uma escrita que se aproxime
da forma como fala. A dúvida entre os homófonos não homógrafos aponta para a
necessidade de um trabalho em sala de aula que auxilie o aluno a resolver esse tipo de dúvida
valendo-se do contexto e/ou da construção do sentido do vocábulo.
Já as demais categorias aparecem em menor número e podem ser compreendidas se
o processo de alfabetização desses sujeitos for levado em conta. A categoria 3 é resultante de
pouca leitura, ou seja, as palavras testadas não fazem parte do conhecimento prévio dos
sujeitos ou eles as encontram muito pouco em textos. Por exemplo, a palavra ditada despensa
foi grafada como despença e esta grafia não existe. O aluno escreveu a palavra assim porque:
1) é possível, pois é um contexto competitivo, embora a palavra não exista; 2) o sujeito não
tem no seu léxico ortográfico a palavra “despensa”.
124
A categoria 4 aponta para problemas de codificação, especialmente no que se refere
às regras de correspondência fonológico-grafêmica que não foram trabalhadas ainda com os
alunos. Já na bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de Scliar-Cabral,
problemas relativos ao desconhecimento das regras de codificação se fizeram sentir, mas não
os mesmos identificados no pré-teste. Neste, verificou-se que as seguintes regras não foram
internalizadas: 1) “as realizações do fonema /s/ podem se reescrever “ss”, “c”, ou “sc” [...],
entre vogal oral e vogal não posterior oral ou nasalizada, ou semivogal não posterior,...”
(Scliar-Cabral, 2003a, p. 153-4), ou seja, os sujeitos de ambos os grupos grafaram: asende,
asentos; 2) “a realização do fonema /s/ [...] entre vogal oral e vogal posterior oral ou
nasalizada que não a [+alta], posteriores, [...] pode se escrever com os grafemas “ss”, “ç” (op.
cit., p. 155). São exemplos do desconhecimento da regra em ambos os grupos: paso, rusa,
sesões, descrisão. 3) “A realização do fonema /s/ em posição inicial de sílaba, entre vogal
nasalizada e vogal oral ou nasalizada ou semivogal não posteriores [...] pode se reescrever
“s”, “c” ou “sc” (op. cit., p. 156). Em ambos os grupos, apareceu apenas a grafia consserto. 4)
“a realização do fonema /s/ pode ser codificada seja pelo grafema “s” ou “ç” em início de
sílaba entre vogal nasalizada e vogal oral ou vogal nasalizada posteriores[...] ou entre /ẽ/ e a
semivogal posterior /w/” (op. cit., p. 156), como não aconteceu em: intenssão, dispenssa e
despenssa. 5) “A nasalização da vogal, em final de sílaba não final de vocábulo, antes das
consoantes [+ant, -cor] /p/ e /b/ que iniciem sílaba seguinte é codificada pela letra “m”; antes
das demais consoantes, a nasalização é assinalada pela letra “n”. Nesta situação, pois, as letras
“m” e “n” têm o mesmo valor que o til” (op. cit., p. 147-8). Exemplos dessa natureza foram
encontrados apenas no GC: comserto, cunprimento. Interessante observar que o fonema que
mais provocou problemas, nesta categoria, foi o /s/ justamente por sua codificação estar entre
os contextos competitivos, sendo este um dos que apresentam maior dificuldade para os
aprendizes da norma ortográfica.
Por outro lado, as categorias 5 e 6 apontam para problemas mais sérios, mas que não
serão discutidos pois aparecem em número reduzido: 2,0% no GE e 5,2% no GC.
Ainda analisando as diferentes maneiras que os sujeitos dos dois grupos
apresentaram para grafar as palavras ditadas, pode-se perceber que em algumas delas há a
presença de várias das categorias, mostrando que os sujeitos levantaram várias hipóteses de
grafia, como ocorreu em: acende, assentos, sessões, descrição, despensa tanto no GE como no
GC conforme detalham os gráficos 17 e 18. Há algumas diferenças entre os grupos, por
exemplo, no GE também a palavra discriminação apareceu com várias hipóteses de grafia e,
no GC, apareceram também as palavras: conserte, russa e cumprimentos. Nos gráficos, pode-
125
se também observar que palavras aparecem com correção, conforme se mencionou
anteriormente, e que homófonos competem na grafia: assentos, sessões, concerto, fraldar são
os que apareceram com maior freqüência que a palavra ditada em ambos os grupos. Apenas
há uma diferença neste aspecto, é quanto à palavra ditada cauda que, no GE, aparece com as
grafias cauda e calda praticamente parelhas, o que não aconteceu no GC no qual a grafia
cauda foi privilegiada como mostra o gráfico 18. Em casos onde há competição entre grafar
com “u” ou com “l”, é preciso entender que acontece a neutralização da realização de /l/ em
favor da semivogal /w/, o que provoca uma homofonia. Esta homofonia é muito mais recente
que as outras, cuja grafia demonstra que nalgum momento não eram homófonas.
GRÁFICO 17 – DIFERENTES MANEIRAS DE GRAFAR AS PALAVRAS DITADAS NOPRÉ-TESTE PELO GE
0
5
10
15
20
25
30
conse
rte
acen
de
asse
ntos cena
passo
russ
a
sess
ões
conce
rto
inten
ção
espec
tador
es
espert
o
espiad
a
cozid
osca
uda
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ar
descri
ção
despe
nsa
cum
prim
ento
s
cava
lheir
o
discrim
inaç
ão
palavras d itadas
freq
üênc
ia
CORRETA
HOMÓFONOS
NILO
RNI
PM
ECF
FONTE: dados da pesquisadora
126
GRÁFICO 18 - DIFERENTES MANEIRAS DE GRAFAR AS PALAVRAS DITADAS NOPRÉ-TESTE PELO GC
0
5
10
15
20
25
30
conse
rte
acen
de
asse
ntos cena
passo
russ
a
sess
ões
conce
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ção
espec
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espert
o
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uda
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descri
ção
despe
nsa
cum
prim
ento
s
cava
lheir
o
discrim
inaç
ão
palavras d itadas
freq
üênc
ia
CORRETA
HOMÓFONOS
NILO
RNI
PM
ECF
FONTE: dados da pesquisadora
Em cima dos dados da categoria 1 de cada palavra ditada, aplicou-se a estatística
descritiva que forneceu dados como: média, mediana, moda, desvio padrão e número mínimo
e máximo de acertos. Comparando o número de respostas corretas entre o GE e o GC,
verificou-se que houve equilíbrio entre eles, uma vez que: a média ficou em torno de 15,2; a
mediana ficou em torno de 16 acertos; a moda ficou em 15 acertos para o GE e 17 para o GC;
o desvio padrão foi 6,7 em ambos os grupos; o número mínimo de acertos foi 4 no GE e 3 no
GC e, por fim, o número máximo de acertos ficou em 25 no GE e 24 no GC. Estes dados
ratificam a conclusão apresentada no teste quiquadrado, ou seja, os dois grupos não
apresentam diferenças significativas entre si.
Passe-se agora à análise das justificativas elaboradas pelos sujeitos, as quais foram
agrupadas em catorze categorias, apresentadas a seguir acompanhadas de exemplo18 a fim de
esclarecer como os sujeitos formularam sua resposta:
1. Conhecimento do sentido: o sujeito justifica a grafia valendo-se do sentido. Ele
o faz de duas formas: 1) estabelecendo relação significado e grafia: Porque concerto com s
ficaria conserto de carro. Ou ao contrário; 2) atribuindo o sentido a partir do contexto: eu
acho que é porque eles foram escravos, no caso da palavra discriminação.
18 Respeitou-se a forma como o sujeito produziu a resposta.
127
2. Conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil: o
sujeito explica a grafia da palavra através de regra de codificação que aprendeu em seu
processo de alfabetização. Porque a letra M vai antes de P e B e N vai na frente das outras
letras.
3. Derivação: o sujeito se vale do conhecimento de cognatos da palavra ditada para
explicar a forma como grafou. Cozinha é com z então cozido também.
4. Freqüência de uso: o sujeito justifica sua resposta através da freqüência: 1) de
exposição, ou seja, está acostumado a ler e falar a palavra; 2) de escrita. Porque quase todo
dia eu falo esta palavra; Eu estou acostumado a escrever esta palavra.
5. Conhecimento prévio da palavra: como o sujeito, devido à leitura, já tem em seu
léxico mental a palavra ditada, justifica a grafia pelo seu conhecimento da palavra tanto
dizendo como a conheceu como sem apresentar este aspecto. Porque eu já vi esta palavra em
livros; aprendi lendo ou Já vi antes esta palavra.
6. Relação som versus leitura e escrita: o sujeito explica a forma de grafar a palavra
valendo-se do som que ouviu no ditado ou pelo produzido pelo sujeito quando lê.
Escreveram passo com dois esse porque se não ele vai ficar com som esquisito. Porque
quando eu leio aparece um som e eu acho que é aquele.
7. Dúvida na grafia: o sujeito revela, em sua justificativa, que teve dúvida em
grafar a palavra, às vezes a dúvida aparece explícita outras não. Ou cosido não sei; Em
dúvida se assim que se escreve.
8. Desconhecimento da palavra: pelo fato de a palavra não ser conhecida do sujeito,
ele não consegue produzir uma justificativa que não a do desconhecimento. Nunca vi.
9. Não compreensão da diferença entre homófonos não homógrafos: o sujeito não
entende a diferença entre os homófonos não homógrafos, pois não vê a diferença de sentido. E
a mesma coisa que cavalheiro que monta em cavalo.
10. Má internalização das regras grafêmico-fonológicas: o sujeito, por não ter
aprendido com adequação os princípios do sistema alfabético, revela essa incompreensão na
justificativa que apresenta. Porque nunca pode S antes de n.
11. Ausência de explicação: o sujeito não sabe ou não consegue explicar a razão pela
qual grafou a palavra ditada daquele modo. Não sei explicar
12. Estratégia de preenchimento: o sujeito não sabe redigir a resposta, mas para não
deixar o espaço vazio, redige uma resposta que não explica a razão da grafia. Acento com c.
13. Achismo: o sujeito, por não ter uma explicação para a grafia produzida, diz que
a grafou daquele modo por achar que era o correto. Eu acho que é assim.
128
14. Não sabe redigir a resposta: o sujeito explica a frase na qual a palavra ditada se
encaixa ou outro aspecto da palavra ditada. Cauda com c porque não dá para substituir o c.
Como foi esclarecido na metodologia, as categorias foram agrupadas em dois blocos,
sendo o primeiro das boas justificativas (1 a 7) pois conseguem explicar a razão de o sujeito
ter grafado a palavra daquela maneira; o outro bloco, que inclui as justificativas de 8 a 14, é o
das consideradas más ou inadequadas. Partindo dessa divisão, pôde-se observar que os
grupos não apresentam uma disparidade quanto ao número de justificativas boas e más, ou
seja, o GE apresentou 236 justificativas boas (47,2%) e 264 más (52,8%) e o GC: 180
justificativas boas (36%) e 320 más (64%).
Comparando as duas turmas, conforme se pode observar no gráfico 19, é possível
perceber quais as categorias que são mais expressivas.
GRÁFICO 19 – COMPARAÇÃO ENTRE AS JUSTIFICATIVAS DADAS PELOS DOISGRUPOS NO PRÉ-TESTE
020
406080
100120140
160180
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
categorias justificativas
núm
ero
de ju
stif
icat
ivas
GE
GC
FONTE: dados da pesquisadora
A categoria com maior número de ocorrências foi a 11 (ausência de explicação): a
concentração de ocorrências nesta categoria revela a dificuldade que os sujeitos apresentam
em justificar a sua resposta, especialmente se se levar em consideração que 34% das respostas
do GE, as quais foram produzidas por 24 sujeitos, e 31,8% das do GC, produzidas por 23
sujeitos, apresentam ausência de explicação. Há sujeitos que quase não conseguem justificar
nenhuma das palavras ditadas, como ocorreu com os sujeitos 18 e 24 do GE: das 20
justificativas, 18 e 17, respectivamente, se encaixam nesta categoria. No GC, este tipo de
129
situação também se faz presente, mas a freqüência é menor, sendo que o máximo de respostas
foi produzido pelo Sujeito 6 (14 justificativas), seguido dos sujeitos 7 e 21 com 13 respostas
que se encaixam nesta categoria. A forma de produzir a resposta é semelhante entre os grupos
e vai desde um simples Não sei, que é a forma mais utilizada, até uma justificativa que mostra
a dificuldade e a presença dos dois homófonos: Não sei explicar porque pode ser cosidos ou
cozidos, entretanto, este tipo de resposta é raro entre os sujeitos.
Outra categoria que aparece quase igualmente nos dois grupos é a 7 (dúvida na
grafia), que aponta para hipóteses diferentes de se grafar a palavra ditada que levam o sujeito
a não saber qual se encaixa naquele contexto. Alguns sujeitos inclusive explicitam qual a
dúvida existente, mostrando que têm, em seu léxico mental ortográfico, os dois homófonos
não homógrafos, por exemplo, tive dúvida entre sessões ou seções ou Tive dúvidas, porque
tem a palavra cavaleiro e cavalheiro; já outros explicitam a dúvida, mas não sugerem uma
grafia incorreta para desambiguar a homofonia como mostra este exemplo: Eu tive dúvida se
era com sc ou com c depois de grafar acentos. Casos como este último mostram que o sujeito
não tem os dois homófonos não homógrafos contíguos em seu léxico mental ortográfico.
Outros sujeitos dizem ter dúvida, mas não explicitam em que aspecto.
Outras três categorias que aparecem em maior número nos dois grupos, mas com
freqüência diferente em cada um, são a 5, a 14 e a 13.
Os sujeitos também se valem do conhecimento prévio da palavra, que está em seu
léxico mental ortográfico, devido às atividades relacionadas ao ensino e à aprendizagem do
sistema escrito para explicarem a forma como grafaram a palavra. No GE, 24% das
justificativas estão concentradas nesta categoria, que é a segunda mais escolhida pelos sujeitos
para expressar a razão pela qual optaram por grafar a palavra, como mostram estes exemplos:
Veio na minha cabeça que era assim; Por causa que eu vejo em revistas e outras coisas;
Com s porque já vi escrito assim; Eu sei que é com ss porque eu vi nos catálogos da copa. Já,
no GC, é bem menor o número de sujeitos que optaram por esta categoria que aparece com
8,2% entre as justificativas, sendo a sexta na ordem das escolhas feitas por esse grupo.
Alguns exemplos indicam a maneira como a justificativa foi redigida: porque só conheço
Russa com ss; Porque eu já vi escrito em um livro; Porque na história da Eslata estava
escrito assim; Já vi esta palavra e se escreve assim. Comparando os dois grupos, pode-se
perceber que, quanto ao percentual, os dois grupos diferem nesta categoria; mas a forma de
redigir a justificativa é parecida, pois os sujeitos se baseiam nas formas como viram a palavra
escrita para grafar a palavra ditada.
130
A categoria 14 (não sabe redigir a resposta) também aparece com um percentual bem
diferente entre os dois grupos: no GE, chega a 8% e, no GC, atinge 18,4%, sendo que este tem
mais do que o dobro de respostas e esta categoria é a segunda mais usada por esses sujeitos.
Já, no GE, ela aparece em quarta posição. Os exemplos que seguem, os três primeiros do GE
e os demais do GC, mostram a maneira como os sujeitos tentam justificar: Eu escrevi com 2 s
por que...; é com c não tem explicação; Porque fraudar tem acrescentado um r; porque se
aplica melhor a fraze; porque a regra diz que tem de ser escrito com C; porque assendeu a
luz (asendeu) para ficar mais completo assender a luz. Novamente a forma de redigir as
respostas se aproxima e os sujeitos se concentram em dois aspectos: a letra escolhida para
representar um dos fonemas da palavra ditada, o que não está necessariamente relacionado ao
contexto competitivo; a explicação da frase ou de uma palavra presente naquele contexto. Há
sujeitos que concentram suas justificativas nesta categoria, como aconteceu com o Sujeito 5
do GE: das 20 justificativas, 11 são desta categoria, seguido pelo Sujeito 8 que também tem 9
justificativas. Entretanto, é no GC, que aparecem os sujeitos que mais se encaixam nesta
categoria: o sujeito 8 apresentou 17 justificativas e os sujeitos 12 e 24 apresentaram 13
justificativas.
A categoria 13 (achismo) aparece em 6,6% das respostas produzidas por 10 dos
sujeitos do GE, ocupando a quinta posição entre as justificativas. No GC, o número de
respostas é um pouco maior, perfazendo 10,2% das respostas dadas por 9 dos sujeitos, sendo a
terceira justificativa mais usada pelo grupo. Nesta categoria, a forma de redigir as
justificativas se aproxima bastante nos dois grupos, chegando até mesmo a se repetir a
maneira como formularam a resposta. Como se pode ver nos exemplos, os sujeitos não têm
uma explicação clara para a grafia, por isso expressam a sua incerteza. No GE, aparecem
respostas como: Eu acho que é isso; Eu acho que é assim que se escreve; e, no GC: Porque eu
acho que a palavra é escrita dessa forma; Eu escrevi assim porque acho que se escreve
assim. Pode-se observar que mais da metade dos sujeitos dos dois grupos não se basearam
nesta categoria para justificar a sua forma de grafar a palavra, mas a presença desse tipo de
justificativa, assim como a dificuldade de redigir a resposta, presente na categoria anterior, e a
ausência de explicação (categoria 11) apontam para a dificuldade que os sujeitos apresentam
em raciocinar sobre a sua forma de codificar as palavras. Este aspecto será ainda mais
detalhado quando se discutir a relação entre grafia e justificativa, mas a partir daqui tal fato já
vem consignado.
O conhecimento o semântico, aspecto necessário para se fazer a distinção entre os
homófonos não homógrafos da mesma classe gramatical, presente na categoria 1, aparece de
131
forma bem diferente nos dois grupos. No GE, apenas 6 sujeitos se valeram desse
conhecimento para produzir sua justificativa, sendo que o utilizaram, na maioria, apenas uma
vez, totalizando 1,8% das respostas presentes nesta categoria. Já, no GC, 12 sujeitos
justificaram a forma de grafar dentro dessa categoria, perfazendo 8,6% das respostas. Dois
sujeitos, o 5 e o 11, valeram-se do conhecimento do significado em 9 de suas justificativas e
os demais ficaram na média de 2,5 respostas. Ao produzirem as justificativas, os sujeitos
expressaram esse conhecimento de duas formas: a) pela relação entre o significado e a grafia,
por exemplo: cavaleiro é quem monta no cavalo; fraudar com u é roubar. b) pela atribuição
do sentido a partir do contexto: Porque deu para ver, naquela parte pedindo a Deus, que daí
eu pensei que fosse conserte ou arumase; (passo) O primeiro homem a pisar na Lua... Neste
último exemplo, o sujeito usou uma parte do texto para justificar sua forma de grafar a
palavra. Os dados levantados apontam para a necessidade de um trabalho que leve o aprendiz
do sistema escrito a observar também a construção do sentido como um fator discriminante na
codificação de palavras cujo contexto é competitivo.
A categoria 3, cuja justificativa é feita com base no conhecimento de outra palavra da
mesma família, ou seja, um cognato, aparece entre 22 das respostas do GE, as quais foram
produzidas por 9 sujeitos, sendo que o Sujeito 23 a utilizou 7 vezes, mostrando um
conhecimento diferenciado em relação aos demais sujeitos do grupo que, ou não observaram a
derivação, ou observaram-na em poucas palavras, chegando a uma média de 2,0. Já no GC, é
bem menor o número de respostas dadas a partir do conhecimento dos cognatos. São 10
justificativas produzidas por 5 sujeitos, sendo que 4 são do Sujeito 16 e 3 do Sujeito 18; os
demais a utilizaram apenas uma vez. Os exemplos que seguem mostram como o
conhecimento morfológico foi usado para explicar a forma de grafar a palavra: Por causa que
é só pensar no país Rússia; Eu escrevi assim porque vem da palavra consertar; vem da
palavra fraldário e dá para escrever a palavra; Eu sei que se escreve assim porque essa
palavra vem de espiar; porque eu me lembro da palavra cozinha que é parecida. Analisando
as palavras ditadas, a que recebeu o maior número de justificativas, nesta categoria, foi
“russa”, talvez porque, na época, a copa do mundo estava sendo vivenciada pelos sujeitos e
eles tinham contato com esse tema, seja pelas tabelas que foram distribuídas, seja pelos
trabalhos que estavam desenvolvendo em sala que exigia que fossem feitas pesquisas sobre o
tema para serem socializadas em classe.
Outra categoria que aparece com freqüência bem próxima nos dois grupos é a 6, que
diz respeito à relação entre som, leitura e escrita ficando em 3,2% entre os sujeitos do GE e
em 3,8%, do GC. Entre os sujeitos do primeiro grupo, 8 fizeram uso dessa categoria sendo
132
que, das 16 respostas, 6 foram produzidas pelo Sujeito 23 e 4 pelo Sujeito 25. O segundo
grupo não difere neste aspecto, pois foram 9 sujeitos que produziram as 19 respostas, sendo 5
delas elaboradas pelo Sujeito 7 e as demais ficaram em média de 1,87 por sujeito. Os
sujeitos, ao produzirem a justificativa, se expressaram da forma como mostram os exemplos:
Porque tem som de s no e(s)perto; porque ç faz o som de ss por isso a pessoa se engana; eu
escrevi a palavra assim porque eu acho que se escreve como se lê; porque eu pronunciei a
frase. Em poucos casos, o sujeito aponta para o contexto competitivo, a maioria apenas faz a
relação entre a maneira que fala e como é feita a leitura e a escrita da palavra ditada.
Relacionando a categoria ECF (escreve como fala) que diz respeito às maneiras de grafar as
palavras e esta categoria, pode-se observar que não há relação: apenas um sujeito, em sua
justificativa disse: Tive dúvida na pronúncia, o que mostra mais a dúvida do que a relação
entre a escrita e a fala.
O conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil,
categoria 2, é mais freqüente no GE que no GC. Neste, são 6 justificativas produzidas por 4
sujeitos; naquele, as 13 respostas foram elaboradas por 8 sujeitos, sendo que o Sujeito 13 é
responsável por 4 delas e o Sujeito 10 por 3 delas, os demais se valeram do conhecimento dos
princípios do sistema alfabético do português do Brasil apenas uma vez. Levando em
consideração que os sujeitos se encontram no final do segundo ciclo do Ensino Fundamental,
é relativamente pequeno o número de respostas nesta categoria, revelando a necessidade de
que os princípios sejam trabalhados em sala de aula a fim de levar os aprendizes à
compreensão das regras de descodificação e as de codificação, as quais estão no objeto de
investigação desta tese. Entre as justificativas, encontram-se alguns exemplos referentes à
descodificação: Porque o x tem vários sons e um deles é o s; Porque se se escrevesse essa
palavra com s ficaria asende, (o s com som de z); e outros que explicam a codificação:
Porque nunca se começa com ç; Temos que colocar só um s porque é começo não pode
começar palavra com dois ss. Dentre as regras de codificação, a que aparece com mais
freqüência é a do uso de m antes de p e b.
A categoria 9 (não compreensão da diferença entre homófonos não homógrafos)
assemelha-se à categoria anterior quanto à freqüência nos dois grupos. Não são muitos os
sujeitos que confundem letra com som, que não conseguem ter clareza da diferença entre os
homófonos. No GE, as 11 respostas foram produzidas por 7 dos sujeitos perfazendo uma
média de 1,57. No GC, esta categoria aparece em menor freqüência sendo que as 6
justificativas foram elaboradas por apenas 4 sujeitos, sendo o Sujeito 5 responsável pela
metade delas e os demais a empregaram apenas uma vez. A não compreensão da diferença
133
entre os homófonos não homógrafos aparece em exemplos como: E a mesma coisa que
comprimentos da pessoa; E a mesma coisa que cavalheiro que monta em cavalo;
cumprimentos podia se no sentido de medida. Entre as palavras ditadas, as duas que mais
aparecem, nesta categoria, são cavalheiro e cumprimento. Interessante ressaltar que a última
já havia sido trabalhada em sala de aula, mas apenas de forma expositiva, ou seja, a professora
apresentou o conteúdo.
A penúltima categoria presente nos dois grupos é a 4 (freqüência de uso), seja pela
exposição à palavra, seja pela escrita dela. Tanto as justificativas elencadas dentro desta
categoria como as da 5, que se baseia no conhecimento prévio, sugerem como o sujeito
adquiriu a palavra, mas não chegam à essência do problema que é saber justificar por que
duas palavras têm significados diferentes embora o significante seja idêntico e a grafia
diferente. São poucos os sujeitos que justificaram a maneira de grafar levando em conta a
freqüência de uso. No GE, 5 sujeitos produziram as 6 respostas, perfazendo uma média de
1,2 respostas por sujeito. No GC, não há muita diferença, pois foram 7 respostas produzidas
por 4 sujeitos; entretanto, o Sujeito 18 foi o que mais a utilizou (4 respostas) e os demais a
utilizaram apenas uma vez. Quanto à freqüência, Garman (1990, p. 255-7), ao discutir o
efeito da freqüência, afirma que a freqüência de uso entre uma e outra palavra difere e
apresenta várias pesquisas que evidenciam que palavras de freqüência mais alta são acessadas
mais rápido que as de baixa freqüência.
A categoria 12 é a última presente nos dois grupos. São poucos os sujeitos que se
valem da estratégia de preenchimento, sendo três no GE que produziram 6 justificativas,
ficando 4 delas no teste de um único sujeito. No GC, foram 3 justificativas elaboradas por 3
sujeitos. Os dados revelam que preencher o espaço destinado à justificativa apenas para não
deixá-lo em branco não é comum entre os sujeitos, mas, quando o fazem, aparecem como
nestes exemplos: dormir na despensa; cavalheiro com lh. As respostas inclusas nesta
categoria se aproximam da categoria 14 (não sabe redigir a resposta), uma vez que em ambas
os sujeitos não conseguem elaborar uma justificativa que explique a razão por que grafaram a
palavra. Entretanto, se fez a distinção entre elas, pois nesta se observou que o objetivo do
sujeito era não deixar a resposta em branco enquanto que naquela se encontraram outros
problemas.
Há duas categorias que não estão presentes nos dois grupos: a 10, má internalização
das regras grafêmico-fonológicas, e a 8, desconhecimento da palavra.
A categoria 10 aparece apenas entre 3 sujeitos do GE, mas em um pequeno número
de justificativas: 4. São exemplos da má internalização das regras grafêmico-fonológicas:
134
Porque nunca pode s antes de n; Eu soube que era com “n” porque eu uso “m” atrás de “p”
e “p”; Com dois ss porque está no meio da palavra. Comparando esta categoria com a
categoria RNI, que diz respeito à maneira de grafar as palavras, pôde-se observar que o
Sujeito 24 não apresentou problemas ao grafar as palavras ditadas por desconhecimento das
regras de codificação, já os outros dois apresentaram, sobretudo o Sujeito 9 que grafou:
asendi, consserto, intenssão e despenssa, o que mostra a não internalização das regras de
codificação que levam em conta o contexto. Por serem apenas dois casos e um deles com
apenas uma ocorrência, asende, não é possível estabelecer uma correlação entre as duas
categorias, mas este dado é sintomático e pode servir para outros estudos e também para a
observação em sala de aula.
A categoria 8 está presente apenas entre os sujeitos do GC. As 9 justificativas foram
produzidas por 6 sujeitos, sendo que o Sujeito 1 elaborou 3 delas e os demais mostraram
desconhecer a palavra apenas uma vez. Comparando esta categoria com a 4 (freqüência de
uso), é possível perceber que a infreqüência é um fator que dificulta a codificação da palavra
e por isso deve ser levada em consideração no processo de aprendizagem do sistema escrito.
Para completar a análise, será feita a relação entre a grafia e a justificativa para a
qual se podem ter cinco situações diferentes como demonstra o quadro 2:
QUADRO 2 – Relação entre grafia e justificativaGRAFIA JUSTIFICATIVA ELO
1. afirmativa correta justificativa correta sem
2. afirmativa incorreta justificativa correta sem
3. afirmativa incorreta justificativa incorreta sem
4. afirmativa correta não sabe redigi-la sem
5. afirmativa correta justificativa correta com
FONTE: dados da pesquisadora
Para elucidar cada situação, são apresentados estes exemplos:
(1) ESPERTOS porque tem som de s no e(s)perto.
(2) SESSÕES Tive duvida entre sessões e seções.
(3) FRAUDAR para a mão não ficar suja ou molhada.
(4) ASSENTOS é um acento comfortavel e maciel.
(5) CUMPRIMENTOS Porque cumprimento com “u” é de dar a mão e
comprimento com o é de medir.
135
Analisando quantitativamente as respostas produzidas e separando-as em dois
grandes grupos: 1) respostas que apresentam elo entre a grafia e a justificativa; 2) respostas
que não apresentam elo entre a grafia e a justificativa, foi possível detectar que a maioria das
respostas não apresenta elo entre a ocorrência e a justificativa conforme demonstra o gráfico
20:
GRÁFICO 20 – COMPARAÇÃO GE E GC QUANTO À RESPOSTA COM OU SEM ELO
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
GE GC
grupos
núm
ero
de r
espo
stas
Com elo
Sem elo
FONTE: dados da pesquisadora
Refinando a análise das respostas que apresentam elo entre a grafia e a justificativa,
pôde-se perceber que as respostas produzidas: 1) se baseiam em um desses critérios:
conhecimento do significado, derivação morfológica ou conhecimento dos dois homófonos,
ainda que tendo dúvida quanto à grafia; 2) se apóiam ou na freqüência de uso ou no
conhecimento prévio da palavra. Nas justificativas, percebeu-se que, no primeiro grupo, estão
as explicações que revelam que o sujeito apresenta os dois homófonos e, em algumas delas,
conhece também o significado e isso é de suma importância, pois, para entrar no problema
dos homófonos não homógrafos é preciso passar pela semântica. O outro grupo de respostas
revela a maneira como o sujeito adquiriu o homófono, mas não aponta para o ponto central
que é saber justificar a existência de duas palavras que apresentam a mesma pronúncia, mas
são escritas de maneira diferente, pois apresentam significados distintos. Comparando as
justificativas produzidas pelos dois grupos, constatou-se que 39 respostas do GE e 61 do GC
levam em consideração conhecimento semântico, derivação morfológica ou conhecimento
dos dois homófonos e 50 respostas do GE e 30 do GC apenas revelam a maneira como o
136
sujeito adquiriu o homófono. Estes dados mostram que, embora o número de respostas que
apresentam elo entre a grafia e a justificativa seja praticamente igual entre os dois grupos, 89
no GE e 91 no GC, a maneira como a justificativa foi elaborada difere, pois um grupo se
apóia mais no conhecimento que tem a respeito do homófono e outro na maneira como a
adquiriu a palavra.
Enfim, analisando-se os dados levantados no pré-teste, pôde-se observar que a
maioria das respostas produzidas não apresenta elo entre a ocorrência e a justificativa embora
haja correção na resposta, sobretudo na grafia. Este dado é extremamente significativo pois
aponta para o ponto chave da pesquisa: a escola precisa ensinar a pensar.
4.2 A intervenção em sala de aula
4.2.1 O material pedagógico utilizado em sala de aula
O material adotado pela escola foi produzido pela equipe da Rede Pitágoras. Para a
análise, consultaram-se tanto as apostilas que os alunos usaram durante o ano letivo quanto o
manual do professor e as considerações sobre o ensino de língua portuguesa, material
produzido para explicar a linha adotada pela Rede.
O Manual do professor, na apresentação, relembra os pressupostos básicos que
fundamentam a proposta da coleção de Língua Portuguesa da Rede Pitágoras: concepção de
educação, aprendizagem escolar e concepção de linguagem. Quanto ao primeiro pressuposto,
a equipe que produziu o material destaca “o conhecimento como instrumento de construção
da cidadania e de transformação da realidade” (2002, p. 2). Nesta perspectiva, segundo a
equipe responsável, o material didático é um meio de viabilização dessa construção. Também
no segundo pressuposto, defende-se a idéia de que o professor deve ter o material didático
como um referencial coerente com suas concepções. Entretanto, na prática, percebeu-se que,
devido à forma como o material foi elaborado, quase não há flexibilidade, pois há um
cronograma a ser cumprido e o material é dividido em dois volumes, um para cada semestre
letivo. O último pressuposto aborda a concepção de linguagem que é considerada um lugar
de interação, sendo entendida como uma atividade constitutiva, cognitiva e social.
Outro aspecto relevante, no Manual do professor, é o que diz respeito a “coleção e
projeto pedagógico Pitágoras” (op. cit., p.3-7). Para a elaboração desta parte, a equipe teve
como referência o Projeto Pedagógico do Pitágoras, mas, segundo ela, não deixou de
considerar os documentos oficiais, em especial os PCNs. Para a organização dos conteúdos a
serem trabalhados de primeira à quarta série, a equipe levou em consideração que “a seleção e
organização do conteúdo de Língua Portuguesa tem como foco a competência comunicativa,
compreendida como o desenvolvimento das habilidades receptivas (falar e ouvir) e produtivas
(ler e escrever)” (op. cit., p.3). A equipe não deixa claro, neste ponto, por que considera falar
e ouvir como habilidades receptivas e ler e escrever como produtivas. Na perspectiva desta
tese, ouvir e ler são processos receptivos e falar e escrever são produtivos, sendo que os
receptivos acontecem primeiro que os produtivos em cada modalidade.
Para o desenvolvimento das habilidades básicas, de acordo com a visão da equipe da
Rede Pitágoras, foram eleitos cinco eixos: leitura e compreensão; linguagem oral; produção e
compreensão de texto; usos e variações lingüísticas; aspectos gramaticais/ortografia.
138
Interessa, nesta tese, o último eixo para o qual a equipe faz a seguinte advertência: “...as
questões relativas à ortografia serão tratadas no bojo de cada prática de texto, por meio,
principalmente, da reflexão conduzida, em sala de aula, pelo professor, juntamente com seus
alunos. Detalhes dessa dinâmica são fornecidos no planejamento de cada livro da Coleção”
(op. cit., p. 3). Entretanto, não foi isso que se observou no decorrer das aulas e na consulta ao
material. Ao buscar mais subsídios na parte que detalha cada eixo, não se encontrou um
posicionamento sobre ortografia: há, nesta parte, apenas a transcrição do projeto pedagógico
do Pitágoras.
Mais adiante, na seção que discute a “estrutura da coleção”, na parte referente à
ortografia (op. cit., p. 15), a equipe explica que o tratamento dado terá como base duas
estratégias: sugestões de seqüências didáticas; atividades de autocorreção e uso de pautas
específicas, as quais são apresentadas como anexo 1 e 2. Para a terceira e quarta séries, no
bloco por série das alterações ortográficas, são sugeridos como conteúdos: 1) confusão entre
as terminações am e ão; 2) representações múltiplas: travesseiro - treveceiro – traveçeiro-
travesceiro - traveseiro. Para um trabalho como o sugerido, é necessário que o professor
tenha conhecimento dos princípios do sistema alfabético, em especial, das regras de
codificação a fim de promover uma reflexão com os alunos que permita perceber o que pode
ou não ser resolvido por regra levando em conta o contexto, mas quanto a esse aspecto nada é
mencionado.
Consultando o planejamento anual, no qual aparecem como elementos constituintes:
objetivos gerais; semestre; discriminação do conteúdo e total de aulas, observou-se que a
parte destinada à competência lingüística deverá ser desenvolvida em 20 aulas das 140
oferecidas em cada semestre, sendo que, no primeiro semestre, a proposta é que se trabalhem
os conteúdos em três blocos: 1) uso intuitivo e contextualizado nas situações de comunicação:
valor convencional dos sinais de pontuação; emprego do acento gráfico; estrutura das
palavras; processo de formação de palavras; as escolhas vocabulares e a situação
comunicativa; 2) exercitação gramatical reflexiva: acentuação de oxítonas, paroxítonas e
proparoxítonas; emprego de pronomes pessoais, possessivos e demonstrativos; ortografia; 3)
extensão de conceitos e aplicação reflexiva: uso de maiúscula e minúscula; sinônimos e
antônimos. Já, no segundo semestre, são apresentados para o trabalho com competência
lingüística apenas dois blocos: 1) uso intuitivo e contextualizado nas situações de
comunicação: reconhecimento de particularidades rítmicas e sonoras em frases e textos; valor
convencional dos sinais de pontuação; caracterização das classes gramaticais; emprego dos
tempos verbais; 2) exercitação gramatical reflexiva: acentuação de oxítonas, paroxítonas e
139
proparoxítonas; ortografia. Como se pode observar, há conteúdos que se repetem e o que diz
respeito à ortografia não fica detalhado nos dois semestres; além disso, não são apresentados
critérios que justifiquem a gradação com que os conteúdos foram selecionados. No
planejamento por capítulo do livro, somente aparece a referência ao trabalho com ortografia e
maiúsculas e minúsculas que se repete a cada capítulo. Entretanto, o que se observou, nos
dois volumes, é a ênfase ao trabalho com homônimos. Analisando o planejamento semestral,
que detalha o trabalho de cada capítulo, encontra-se, na parte referente aos aspectos
gramaticais/ortografia, o uso de, por exemplo, mau-mal e mas-mais no capítulo 1; há-a e
atrás-trás-traz, no capítulo 2; viagem-viajem e cumprimento-comprimento no capítulo 3.
Contudo, em momento algum no Manual do professor se discute a questão da homonímia a
fim de oferecer ao professor uma visão de como que a proposta apresentada entende que deva
ocorrer o ensino desse conteúdo. Como se verá na análise do material utilizado pelo aluno, a
razão que provavelmente justifique a não explicitação é a resposta pronta oferecida pelo
material.
Ao final do Manual do professor, estão os dois anexos que apresentam as duas
estratégias de trabalho com ortografia que já foram mencionadas anteriormente. O anexo 1 é
extremamente problemático, pois parte do pressuposto de que o professor, na sua formação,
recebeu conhecimento suficiente para entender o que são dificuldades ortográficas regulares e
irregulares, resumindo-as da seguinte forma: “as regulares possuem uma regra que se aplica a
todas as palavras do português nas quais aparece a troca ortográfica em questão. No caso das
irregulares, o uso de uma letra ou dígrafo só é justificado pela própria tradição de uso ou pela
origem da palavra. Não há regras para justificar o emprego de uma ou outra letra em uma
palavra” (op. cit., p. 42).
Partindo das definições de regularidades e irregularidades, a equipe propõe que, para
as regularidades, o planejamento seja feito de forma a levar o aprendiz à construção da regra
e, por conseguinte, sua compreensão e aplicação. Mas, para tal intento, é necessário que o
professor conheça os princípios do sistema alfabético, o que raramente acontece e nem foi
mencionado na proposta apresentada. Já, para as irregularidades, a sugestão é que as
estratégias sejam de memorização. Ainda sobre as irregularidades, enfatiza-se que, “para uma
troca do tipo irregular, por exemplo: fonema /s/ que pode ser grafado com x ou ch, daremos
exemplos de estratégias. [...] há necessidade de várias atividades e aplicação da troca
ortográfica em contextos diferentes para garantir sua memorização” (op. cit., p.42). Nesta
informação passada ao professor, além de deixar vago o que seria trabalhar com várias
atividades e diferentes contextos, visto que o livro segue só uma linha, há um problema
140
teórico: o fonema /s/ não se codifica com os grafemas “x” ou “ch”, provocando uma
irregularidade, ou seja, existe um contexto competitivo no qual se pode grafar com x ou ch,
mas se refere à representação de outro fonema. Esse tipo de inconsistência vai mostrando que
a própria equipe que elaborou o material parece não ter conhecimento sobre as regras de
codificação, o que se reforça na forma como apresentam a proposta de seqüência didática para
trabalhar “m antes de p e b”, mas que não se detalhará aqui.
Como estratégias para o trabalho com trocas irregulares, são apresentadas três
sugestões: 1) utilizando textos; 2) tipos de ditado; 3) atividades com questões de transgressão.
Quanto à primeira, é apresentado como exemplo de texto “Chico cochicho”, o qual aparece
sem fonte, que visa enfatizar o uso do grafema ch. O uso desse tipo de estratégia se aproxima
daquelas usadas comumente em livros didáticos nas quais a ênfase não está no texto, mas na
repetição de um determinado grafema, ou seja, o que se tem como recursos são pseudotextos,
pois raramente o aluno encontra esse tipo de repetição nos textos que se apresentam para
leitura e análise no material pedagógico ou em seu cotidiano. Também os ditados não
promovem a reflexão, uma vez que são apresentados apenas como atividades mecânicas. A
última sugestão enfatiza o erro na maioria das propostas.
O anexo dois, pautas de autocorreção, também coloca a ênfase na correção daquilo
que o aluno tenha errado sem levá-lo a refletir, ou seja, o aluno apenas realiza a parte
mecânica como aparece na terceira sugestão da pauta de correção que apresenta o seguinte
comando: Localize em seu texto as palavras abaixo e faça as correções. Apague cada
palavra que foi escrita incorretamente e reescreva-a de acordo com a lista abaixo (op. cit., p.
45). O que se percebe neste tipo de exercício é uma mera exposição ao erro, quando o mais
importante é que o aluno faça a sua monitoria a fim de que possa ir promovendo com
adequação a correção de seu texto, mas no processo de produção, não como um exercício
isolado.
Consultando o material didático adotado pelos alunos, encontra-se a parte de
ortografia em uma seção denominada “Tire suas dúvidas” que é organizada em duas partes,
uma em que são apresentadas frases para o aluno fazer a análise e outra intitulada “confira seu
exercício” em que aparecem as respostas. Como exemplo, será apresentada a que se encontra
à página 120 (anexo 11), pois, durante a observação das turmas, pôde-se perceber como os
alunos reagiram a essa proposta de trabalho.
Os alunos consultaram o dicionário, conforme solicitava a atividade, mas não
conseguiram encontrar as duas respostas. Depois de algum tempo de investigação, a
professora perguntou se tinham encontrado as respostas e duas posturas se apresentaram: 1)
141
encontrei viagem, mas não viajem; 2) encontrei viajem na resposta dada pelos autores no final
da página. Diante da segunda postura, torna-se sem sentido a consulta ao dicionário, pois já
existe uma resposta pronta. Esta observação reforça a necessidade de se levantarem
questionamentos quanto à proposta apresentada no Manual do professor, a qual visa levar o
aluno a construir o conhecimento, a fazer conclusões sobre questões ortográficas.
Quanto ao trabalho com homônimos, nos dois volumes, segue-se nessa linha, sem
possibilitar uma discussão por parte dos aprendizes que leve em conta o aspecto morfológico
e/ou semântico.
4.2.2 O planejamento das aulas: uma parceria entre professora e pesquisadora
O planejamento das aulas levou em conta o plano anual preparado pela professora,
contando com a colaboração das outras três professoras que atuavam na quarta série. Sendo o
primeiro ano de implantação do material produzido pela Rede Pitágoras, a professora
aproveitou os momentos de planejamento para ir adequando o material às necessidades dos
alunos.
Como já foi explicado anteriormente, serviram como instrumentos de trabalho junto
aos alunos os jogos sobre homófonos não homógrafos, o ditado interativo, a releitura
focalizada e o dicionário de homônimos. Além disso, foram contemplados alguns dos
problemas identificados na bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de
Scliar-Cabral.
Todas as semanas, às quartas-feiras, havia uma reunião entre a professora e a
pesquisadora, no Colégio São Luiz, das 10h10min às 11h30min para a discussão e
planejamento das aulas, leitura de textos, levantamento de dados. Estes momentos foram
extremamente ricos, pois possibilitaram à professora aprofundar questões teóricas que não
tinham sido contempladas em sua formação durante a graduação e, à pesquisadora, por estar
conhecendo a realidade da sala de aula e o desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem dos homófonos não homógrafos.
Já no final do ano anterior, a pesquisadora tomou conhecimento do material
pedagógico que seria adotado pela escola na qual seria desenvolvida a pesquisa, e passou a
fazer o levantamento dos homófonos não homógrafos presentes nos textos que fazem parte
dele. Tal levantamento possibilitou tanto a seleção dos homófonos que comporiam os jogos
como a seleção dos textos a serem utilizados para o ditado interativo e para a releitura
focalizada. Esses dados direcionaram o planejamento que foi sofrendo alterações durante o
142
desenvolvimento das aulas, pois a professora e a pesquisadora levaram em conta os fatores
intervenientes no processo. A versão apresentada no anexo 12 é a produção final do
planejamento que foi desenvolvido durante o tempo em que ocorreu a intervenção
colaborativa.
Na próxima seção será feito o relato de como se desenvolveram as atividades
planejadas e quais os resultados alcançados.
4.2.3 Sala de aula: espaço de interação e aprendizagem
Durante o período destinado à intervenção colaborativa, foram desenvolvidas todas
as atividades planejadas, mas nem todas serão detalhadas, nesta tese, por uma questão de
recorte dos dados, pois são muitos. Deseja-se, posteriormente, retomar os dados e continuar a
análise, pois ocorreram várias situações de ensino e de aprendizagem que merecem ser
discutidas junto a educadores a fim de promover uma reflexão sobre a forma como a
aprendizagem da norma escrita vem sendo trabalhada em sala de aula. A grande maioria dos
encontros foram gravados em áudio e foram transcritos a fim de se poder contemplar como o
processo se desenvolveu.
Inicialmente será apresentado um quadro resumitivo do trabalho desenvolvido em
sala de aula durante o período da intervenção colaborativa.
QUADRO 3 - RESUMO DO TRABALHO DESENVOLVIDO JUNTO AO GE DURANTE A INTERVENÇÃO COLABORATIVA
PASSO ITENS ATIVIDADES OBJETIVOS
1 Ante; assento; cauda; cavalheiro; cena;
cenário; cinto; concerto; consertar; cozido;
cumprimento; descrição; despensa;
discriminação; distinção; espectador;
esperto; expectador; fraldar; intenção; laço;
passo; russo; seção; sessão.
Cumprimento, comprimento, cavaleiro,
cavalheiro, conserto, concerto, cauda,
calda, acento, assento, russo, ruço, cervo,
servo, expiar, espiar, passo, cesta, sexta.
Acento
Jogo da forca
Palavras e figuras
Levantamento dos homófonos não
homógrafos presentes nos dois jogos.
Definição elaborada em conjunto pelos
alunos.
Produção de definição e exemplo no
dicionário de palavras parecidas.
Verificar os fatores por que a criança
consegue ou não descobrir a palavra
embora faça parte de seu livro didático;
descobrir o que, nas informações dadas,
possibilitou ao aluno descobrir a grafia da
palavra.
Observar qual a influência da ilustração na
aprendizagem de homófonos não
homógrafos e como os alunos constroem
suas hipóteses.
Verificar quais dos homófonos não
homógrafos trabalhados eram ou passaram
a fazer parte do conhecimento dos alunos.
Averiguar como os sujeitos constroem a
definição de uma palavra;
promover discussão em torno de como uma
definição pode ser elaborada.
144
Assento, ante, calda e cauda Possibilitar ao sujeito a produção de
definições e exemplos de homófonos não
homógrafos trabalhados nos jogos.
2 Cumprimento, comprimento, cavaleiro,
cavalheiro, conserto, concerto, cauda,
calda, acento, assento, russo, ruço, cervo,
servo, expiar, espiar, passo, paço, cesta,
sexta.
Cumprimento-comprimento; dispensa-
despensa; assento-acento; conserto-
concerto; descriminação-discriminação;
passo-paço; russo-ruço; expiar-espiar;
cauda-calda.
Jogo da memória:
Atividade em dupla
Discussão da atividade com os alunos
Produção de ilustração e explicação de um
dos pares de homófonos não homógrafos.
Observar como os sujeitos trabalham com
os pares também em cartelas;
verificar como explicam as diferenças entre
uma e outra grafia a partir das gravuras.
3 Cumprimento-comprimento; assento-
acento; passo-paço; russo-ruço; cauda-
calda.
Despensa
Cumprimento-comprimento; passo-paço;
russo- ruço.
Discussão em grupos formados pelos
sujeitos que escolheram o mesmo par de
palavras.
Apresentação das ilustrações e explicação
dos pares selecionados.
Ditado interativo: Diário de Zlata
Produção de definição e exemplo
Observar quais os critérios utilizados pelos
sujeitos para a explicação de um par de
homófonos não homógrafos.
Analisar como os sujeitos explicam o
significado de uma palavra a partir do
contexto;
averiguar se percebem a diferença de grafia
entre a palavra estudada e sua homófona.
145
4. assento, cinto, espiada, cavalheiro,
cumprimento.
cinto, sinto, cavalheiro, cavaleiro, espiar e
expiar.
Ditado interativo: Emergência
Anotações no dicionário de “palavras
parecidas”
Analisar como os sujeitos explicam o
significado de uma palavra a partir do
contexto;
observar como os sujeitos justificam a
escolha do homófono não homógrafo
naquele contexto.
5 assento, cinto, espiada, cavalheiro,
cumprimento e despensa
Discussão em grupo para elaborar
explicação (em cartolina) para a grafia de
uma das palavras ditadas do texto
Emergência ou Diário de Zlata.
Apresentação e exposição do material
elaborado.
Verificar como os sujeitos constroem as
explicações para a forma de grafar estes
homófonos não homógrafos.
6 Homófonos não homógrafos com os
prefixos DES-/DIS-
Jogo dos pares opostos Despertar o conhecimento morfológico a
fim de que o aprendiz consiga resolver uma
série de dúvidas ortográficas a partir do
conhecimento dos prefixos;
averiguar se o sujeito consegue formar a
palavra adequadamente a partir das
informações oferecidas.
146
7 Discriminação
A derivação prefixal e o uso do prefixo
Descriminação e discriminação
Prefixos: ANTE- e ANTI-
Anti-
Releitura focalizada: Ninguém atravessa o
arco-íris
Formação de palavras por derivação
prefixal: cartaz com prefixos para serem
encaixados.
Discussão das palavras formadas
Produção de definição e exemplo
Jogo dos pares opostos (cartelas) com
produção de exemplos.
Produção de definição e exemplo.
Analisar como os sujeitos explicam o
significado de uma palavra a partir do
contexto.
Levar o aprendiz a observar o que é um
prefixo e qual seu papel na formação da
palavra.
Verificar se os sujeitos conseguem formar
a palavra e produzir exemplos
adequadamente.
8 Prefixos: E- e I-
Prefixo EX- e início de radical com S (ES)
Palavras das cartelas trabalhadas
selecionadas pelos alunos
Jogo dos pares opostos (cartelas) sem
produção de exemplos
Discussão a respeito das palavras formadas
com os prefixos
Jogo dos pares opostos (cartelas) sem
produção de exemplos
Produção de definição e exemplo
Verificar como os sujeitos realizaram a
escolha dos prefixos;
levar o aprendiz à compreensão do papel
do prefixo na formação da palavra.
147
9 Russo, pesava, passeio, passo, esse,
missões, transmissões
Palavras grafadas com z, s e ss no meio
Ditado interativo: Corrida espacial
Depreensão da regra de descodificação e
da de codificação em contexto
intervocálico
Jogo do stop
Discussão dos aspectos observados nas
atividades
Promover a reflexão dos sujeitos quanto ao
contexto fonético e grafêmico para a
escrita e leitura de palavras.
10 Cumprimento-comprimento; espiar-expiar;
assento-acento; passo-paço; russa-ruça;
consertar-concertar; experto-esperto;
calda-cauda; descrição-discrição;
destinção-distinção; despensa-dispensa;
cavalheiro-cavaleiro; seção-sessão;
intensão-intenção; cosidos-cozidos;
discriminação-descriminação; acende-
ascende; cena-sena.
Expectativa, espectador, esperto e experto
Jogo completando frases:
discussão em sala, partindo das anotações
feitas na folha-guia;
entrevista individual com os sujeitos.
Produção de definição e exemplo
Verificar que fatores auxiliam na seleção
do item adequado para o preenchimento
das frases.
Descobrir como os sujeitos explicam a
escolha da palavra para completar a frase e
quais as dificuldades encontradas.
148
11 Cena, conserto, descrição, acesa e intenção
Acender, consertar e/ou conserto
Ditado interativo
Discussão a partir do texto e grafias em
grupos cada um explorando uma palavra
no contexto.
Apresentação dos grupos.
Produção de definição e exemplo
Analisar como os sujeitos, depois de já
terem trabalhado com outros homófonos
não homógrafos, promovem a explicação
para a grafia de um deles.
12 Seção, passo a passo e descrição
Seção/sessão
Leitura e análise do folheto: Nosso
amiguinho
Análise comparativa no grande grupo
Promover a discussão da grafia a partir do
contexto.
13 Seção/sessão/cessão
Seção/sessão
Cozido
Cozido/cosido
Retomada dos significados e diferentes
grafias a partir da proposta do livro
didático.
Produção de definição e exemplo
Releitura focalizada: folheto sobre cólera
Discussão em dupla e produção de texto
explicativo
Apresentação dos resultados
Verificar como os sujeitos reagem à
proposta oferecida pelo livro didático.
Observar como os sujeitos estão
construindo explicações e exemplos para
homófonos não homógrafos.
14 Gazes
Gazes/gases
Leitura: bula do Nabacetin.
Discussão no grande grupo sobre os
significados.
Analisar como os sujeitos explicam o
significado de uma palavra a partir do
contexto.
149
Infomar/enformar
Prefixos: EN(M)- E IN(M)
Acender, espiar, seção, sessão, assento,
sela, passo, russo, concerto, consertar,
intenção, expectador, espectador, esperto,
cozido, cauda, fraldar, descrição, despensa,
distinção, cumprimento, cavalheiro, ante,
discriminação, alto, cena.
Palavra(s) selecionada(s) que o aluno ainda
não conhecia.
Depreensão do significado partindo de um
cartaz ilustrativo
Jogo dos pares opostos (CD-ROM) com
produção de exemplos
Jogo Achando o significado acompanhado
de folha-guia para anotar momento do
acerto e razão
Produção de definição e exemplo
Observar como os sujeitos formam a
palavra e produzem exemplos depois de já
terem trabalhado com este jogo.
Verificar o momento em que o sujeito
acerta a palavra e a razão que contribui
para a descoberta.
15 Fraldar
Fraldar e fraudar
Estrutura da notícia a partir da leitura de
Projetos para melhorar a escola
Leitura e discussão da notícia Cavalos
ganham fraldão e placa:
debate a respeito da atitude tomada;
análise lingüística do título explorando a
palavra fraldão.
Produção de definição e exemplo
Averiguar que aspectos o sujeito leva em
consideração ao explicar a grafia da
palavra.
150
Produção de ilustração para a notícia com
legenda
Verificar como os alunos produzem a
ilustração e a legenda e se há elo entre elas.
16 Cenário
Servo, cervo e cesta
Releitura focalizada: enunciado do
exercício da p. 195
Criação de um cenário onde estejam
presentes um servo, um cervo e uma cesta.
Discussão da produção realizada
Observar como, neste momento do
processo, os sujeitos realizam a discussão
em torno da grafia de homófonos não
homógrafos.
17 Cesta, servo, cervo, coser e cozer
Acender-ascender; acento-assento; ante-
anti; calda-cauda; cavaleiro-cavalheiro;
cocheira-coxeira; cena-sena; cela-sela;
comprimento-cumprimento; concerto-
conserto; cozer-coser; descrição-discrição;
descriminação-discriminação; despensa-
dispensa; distinto-destinto; emergir-
imergir; emigrar-imigrar; enformar-
informar; expectador-espectador; experto-
esperto; expiar-espiar; fraldar-fraudar;
gases-gazes; intenção-intensão; paço-
passo; ruço-russo; seção-sessão; servo-
cervo.
Produção de definição e exemplo
Releitura do livro Não confunda
Proposta de criação de um livro para
crianças a fim de que não confundam
palavras parecidas:
discussão da forma como cada página será
organizada;
sorteio dos pares de homófonos não
homógrafos;
início da produção dos textos.
Analisar como os sujeitos elaboram a
explicação das diferenças entre os
homófonos não homógrafos.
151
18
Cumprimento, comprimento, cavaleiro,
cavalheiro, conserto, concerto, cauda,
calda, acento, assento, russo, ruço, cervo,
servo, expiar, espiar, passo, cesta, sexta.
Finalização do livro: título, capa,
introdução.
Jogo da memória Investigar como os sujeitos trabalham a
relação gravura e grafia depois de terem já
trabalhado as palavras presentes no jogo da
memória.
19
Homófonos não homógrafos que fazem
parte do bingo de homônimos
Escolha da capa do livro
Bingo de homônimos Verificar se o sujeito conhece o significado
da palavra sorteada e o homófono com que
pode ser confundido.
20 Passo-paço; discriminação–descriminação;
despensa–dispensa; cumprimentar–
comprimentar; espiar–expiar; seção–
sessão; cavaleiro–cavalheiro; descrição–
discrição; ruça–russa; servos–cervos;
concerto–conserto
Jogo do Castelo Vampiresco (produção
elaborada pela professora):
organização das equipes;
distribuição das tarefas durante o jogo para
discussão no pequeno grupo;
apresentação do resultado final.
Observar como os sujeitos, na discussão
em grupo, fazem a seleção da palavra a ser
empregada em cada contexto.
21 Homófonos não homógrafos que fazem
parte do bingo de homônimos
Bingo de homônimos Verificar se o sujeito conhece o significado
da palavra sorteada e o homófono com que
pode ser confundido.
22 Pós-teste
152
4.2.3.1 Discussão de cada passo desenvolvido durante a intervenção colaborativa
a) Passo 1
a. Homófonos não homógrafos discutidos: ante; assento; cauda; cavalheiro; cena;
cenário; cinto; concerto; consertar; cozido; cumprimento; descrição; despensa; discriminação;
distinção; espectador; esperto; expectador; fraldar; intenção; laço; passo; russo; seção; sessão;
comprimento; cavaleiro; conserto; acento; ruço; cervo; servo; expiar; espiar; cesta; sexta.
b. Atividades: Jogo da forca; jogo de palavras e figuras; levantamento dos
homófonos não homógrafos presentes nos dois jogos; definição elaborada pelos alunos em
conjunto.
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta:
Apesar de a maioria das palavras selecionadas para esses dois primeiros jogos
fazerem parte do material didático dos sujeitos, nem todas foram relacionadas à figura com
facilidade. Mesmo os que conseguiam fazer a relação acertadamente, tinham dificuldade para
justificar a escolha realizada. Uma das razões inferidas foi o desconhecimento do significado,
como pode se observar nestes exemplos: 1) conserto com s é um conserto; 2) cauda com u é
a cauda de um animal e calda com l...; 3) Esse ruço é cabeludo, é cabelo loiro. No primeiro
caso, tem-se uma tautologia, o que se aproxima de uma das categorias analisadas no pré-teste,
estratégia de preenchimento, pois o sujeito, por não conhecer o significado, produz uma
resposta apenas para não deixar de responder. Assim como no pré-teste, não foram muitas as
ocorrências desse tipo. O segundo exemplo revela que o sujeito sabe o significado de apenas
um dos homófonos do par em discussão, ou seja, o sujeito não tem em seu léxico mental
ortográfico os dois homófonos contíguos. O terceiro exemplo revela que o sujeito, ao olhar a
gravura, não depreende o sentido da palavra em discussão, entretanto foram poucas as
situações em que isso ocorreu, especialmente com os homófonos ruço e expiar, pois são
palavras pouco conhecidas dos sujeitos. Como se verá mais adiante, a baixa freqüência de
uso é um dos fatores dificultantes em casos como estes.
Da lista elaborada em sala de aula dos homófonos não homógrafos trabalhados nos
jogos, verificou-se que, das 30 palavras, onze eram do jogo da forca, onze do palavras e
figuras e oito faziam parte dos dois jogos. Não foram mencionadas pelos alunos nove
palavras do jogo da forca e três do palavras e figuras. Ao solicitar aos alunos a palavra que
153
lembravam para anotar no quadro, a professora já ia questionando-os sobre a sua grafia e,
posteriormente, eles já diziam como era grafada a palavra, como demonstram estes exemplos:
1) cesta com c; 2) expectador com x; e outros que podem ser encontrados no episódio 1 do
anexo 13. No caso dos homófonos não homógrafos, a ambigüidade é provocada pela fala,
não pela escrita, por isso é de fundamental importância que a diferença na grafia, sobretudo
em casos em que a palavra aparece isolada, seja assinalada a fim de que se possa saber a qual
homófono o sujeito está se referindo.
Neste primeiro momento, também se observou a maneira como os sujeitos definiam
as palavras listadas. Como já se havia constatado no pré-teste, os sujeitos apresentavam uma
relativa dificuldade para explicar por que razão a palavra era grafada de uma ou outra
maneira. Devido a isso, promoveu-se um espaço de discussão, sendo acento a primeira a ser
trabalhada. Após as várias definições serem discutidas, os alunos chegaram à produção de que
acento é um sinal colocado em cima de uma das letras vogais para dar força. Esta definição
acampa apenas um dos significados da palavra, ou seja, o que os sujeitos definiram foi acento
gráfico. Isso revela o conceito que têm sobre acento, o que resulta da maneira como esse
assunto foi tratado em sala de aula, pois raramente se trabalha percepção, sílaba de
intensidade: o que se evidencia é o acento gráfico, fato que também está presente nos livros
didáticos.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Durante a conversa entre a pesquisadora e as duplas, ia ocorrendo uma reflexão a
respeito das razões que levam a grafar a palavra de uma ou outra forma e alguns alunos
começaram a entender a diferença, como diz um dos sujeitos: Porque cavaleiro é que anda a
cavalo e cavalheiro é que é uma pessoa educada. Agora que entendi. Esta última afirmação
mostra o momento da descoberta, o que é significativo quando se deseja que o aprendiz
compreenda que razões levam a grafar uma palavra de uma maneira e de outra, como no par
em discussão.
b) Passo 2
a. Pares discutidos: cumprimento, comprimento, cavaleiro, cavalheiro, conserto,
concerto, cauda, calda, acento, assento, russo, ruço, cervo, servo, expiar, espiar, passo, paço,
cesta, sexta, dispensa, despensa, descriminação, discriminação.
154
b. Atividades: jogo da memória (cartelas); discussão da atividade com os alunos;
produção de ilustração e explicação de um dos pares de homófonos não homógrafos (anexo
14).
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Diferentemente do que ocorreu no primeiro encontro, quando jogaram pares opostos
em CD-ROM, observou-se, durante o jogo em cartelas, que os alunos já conseguiam explicar
a diferença entre uma grafia e outra se apoiando na gravura e/ou no sentido que atribuíam à
palavra. No início do processo, a ilustração foi um fator importante para que o sujeito
começasse a estabelecer a diferença de grafia e significado entre os homófonos trabalhados.
Além disso, é importante observar como a criança vai desenvolvendo seu aprendizado do
sistema escrito também em situações lúdicas, pois, segundo Curvelo, Meireles e Correa
(1998), muito pouco se tem investigado sobre o conhecimento ortográfico das crianças em
situações diferentes daquelas que encontram em seu contexto escolar.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Interessante ressaltar que, apesar de as crianças se encantarem com o CD-ROM,
vibraram muito mais com o jogo em cartelas, pois a disputa motivava cada vez os jogadores a
acertarem, o que favoreceu maior interação entre os sujeitos, possibilitando que as palavras
fossem emparelhadas com seus homófonos e/ou com sua ilustração em vários momentos.
c) Passo 3
a. Pares discutidos: cumprimento, comprimento; assento, acento; passo, paço; russo,
ruço; cauda, calda; despensa.
b. Atividades: Discussão em grupos formados pelos sujeitos que escolheram o
mesmo par de palavras para ilustrar; apresentação das ilustrações e explicação dos pares
selecionados; ditado interativo: Diário de Zlata (anexo 15); produção de definição e exemplo.
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Nas formas de os sujeitos explicarem os pares homófonos, pôde-se observar que
enquanto alguns atribuem um conceito, outros usam como estratégia a visualização de um
evento. Por exemplo, em Calda: líquido doce colocado em cima de bolo, tortas e etc. e em
155
Cauda: parte traseira de alguns animais, os sujeitos dão a definição da palavra, fazem uma
generalização. A formação do conceito é bastante complexa, pois pressupõe a abstração, mas
quando o sujeito evoca a memória de eventos, o faz por contigüidade, ou seja, é uma
construção dependente do contexto onde o referente está inserido. Assim, quando o sujeito
evoca a memória de eventos, está vendo a imagem, como ilustram estas falas: 1) Calda é
calda de bolos, líquidos, é doce e cauda é de gato. 2) Ah! Eu fiz assim, ó, tem, tem, a cauda
do vestido. Nestes casos, não se tem a construção do conceito, pois o sujeito está vendo, por
exemplo, um vestido ou quando diz calda de bolos e cauda de gato está dando um exemplo,
portanto não é como nas duas primeiras falas nas quais os sujeitos definem calda e cauda e
usam a memória semântica. Estas formas de explicar se repetem ao longo do processo em
que a intervenção se desenvolveu.
Na primeira experiência com o ditado interativo, percebeu-se que este tipo de
atividade permite que as hipóteses dos sujeitos, quanto à grafia das palavras, possam ser
levantadas e colocadas em discussão por todo o grupo a fim de que cheguem às conclusões
que vão além daquelas para as quais o ditado foi planejado. No presente caso, foi discutida
também a grafia de a gente e agente, bem como a codificação de outros fonemas da palavra
alvo: despensa.
Ao discutir a diferença entre homófonos não homógrafos, é necessário que a forma de
grafar seja evidenciada, entretanto, a professora, a princípio, não levou este fator em
consideração quando levantou a questão: Por que que o a gente é a gente e o outro é agente
junto? (episódio 2, anexo 13). Os alunos, partindo do texto que já tinham redigido: “A gente
vai dormir na despensa hoje...” conseguiram apresentar a diferença de sentido entre as duas
grafias como revela a fala de um dos sujeitos: A gente separado é de nós, pessoas, e agente
junto é tipo agente secreto. Tendo como referencial o modelo integral e contextual de
processamento de Scliar-Cabral (1991), acredita-se que a correspondência grafêmico-
fonológica adequada não se deve apenas à existência do léxico mental ortográfico: é preciso
levar em consideração também a informação morfossintática e semântica provenientes do
próprio texto. Em casos de homofonia, esta informação é de suma importância para se
resolverem ambigüidades .
Quanto à grafia da palavra despensa, inicialmente obteve-se como explicação:
Despensa com s é o lugar onde a gente guarda comida. O sujeito, ao grafar a palavra, atentou
para a forma de codificar a realização do arquifonema |S|, e não para o aspecto que faz a
diferença entre os dois homófonos não homógrafos que estavam em discussão. Tal atitude
pode ser explicada pelo fato de o sujeito não ter em seu léxico mental um dos homófonos ou
156
porque, na região na qual se fez a pesquisa, a letra “s” também é descodificada em contexto
final de sílaba como a realização do arquifonema |S| como no exemplo mencionado, por [].
Apesar de a professora enfatizar o significado da palavra em discussão, levantou-se outro
questionamento quanto à grafia da palavra analisada, mas levando em conta a codificação do
fonema /s/, que neste caso, está em um contexto competitivo: existe a palavra despença com
ç? Retoma-se, neste caso, um aspecto já contemplado na análise do pré-teste quando se
explicou que o sujeito, ao produzir esta grafia, o faz porque: 1) é possível, pois é um contexto
competitivo, embora a palavra não exista; 2) o sujeito não tem no seu léxico ortográfico a
palavra “despensa”. Por fim, os sujeitos apontam com que homófono a palavra despensa
pode se confundir e a explicação de dispensa é dada a partir de duas informações, a derivação
morfológica e o significado: 1) Dispensa com i vem da palavra dispensar, dispensar
alguém...; 2) Mandar embora. No caso deste par, os sujeitos se valeram do conhecimento
semântico para explicar a diferença de grafia, o que ficou evidenciado no momento em que os
sujeitos retornaram ao texto ditado para verificar como tinham redigido a palavra e se ela
estava adequada ao contexto.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Quanto ao trabalho em grupo, observou-se, durante a discussão, que os alunos já
conseguiam estabelecer a diferença entre uma e outra forma de grafar, explicando com
segurança aos demais participantes, entretanto, na maioria das equipes, a fala era quase
sempre dominada por um dos membros.
As falas dos sujeitos, durante a apresentação, mostraram que compreenderam a
diferença entre uma e outra grafia partindo dos diferentes sentidos atribuídos pelos seus
membros, como se pôde observar na discussão em grupo (episódio 2, anexo 13). A primeira
equipe a se apresentar, precisou da orientação da professora que foi solicitando a participação
de todos os alunos e explicando a quem a fala deveria ser dirigida. Esse tipo de orientação
revela que os alunos pouco discutem e apresentam conteúdos programáticos, os quais ficam a
cargo da professora. A eles compete discutir tópicos relacionados à pesquisa em outras
disciplinas ou temas da atualidade, como se observou durante o primeiro contato com os
grupos.
Quanto ao ditado interativo, é importante ressaltar que, para que este tipo de
atividade aconteça, é preciso que o trabalho seja planejado e que o professor tenha
conhecimento dos princípios do sistema alfabético, pois o aluno vai, se lhe permitirem, muito
além do que foi delimitado para a discussão naquele momento.
157
d) Passo 4
a. Homófonos não homógrafos discutidos: assento, acento; cinto, sinto; espiada,
expiar; cavalheiro, cavaleiro; cumprimento.
b. Atividades: Ditado interativo: Emergência (anexo 16); produção de definição e
exemplo.
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Das palavras trabalhadas no ditado, as que provocaram mais dúvidas entre os sujeitos
foram espiada e assento. Ao serem questionados quanto a formas errôneas de grafar as
palavras ditadas, os sujeitos apresentaram respostas que mostram: 1) o conhecimento de
regras dependentes do contexto grafêmico, por exemplo, afirmaram que não seria possível
grafar assento com um s apenas; 2) o conhecimento do significado do homófono que foi
escolhido para completar a lacuna, por exemplo, cumprimento e não comprimento.
Outro ponto relevante levantado durante a discussão foi a razão por que acontece a
troca de letras entre as palavras trabalhadas. Os sujeitos apontaram, inicialmente, a
homofonia como fator dificultante para estabelecer a diferença na grafia, como mostra esta
fala: o som é o mesmo. A palavra parece a mesma. Outro sujeito mencionou o aspecto
atencional: porque às vezes não presta atenção. Por fim, um dos sujeitos argumentou: é que a
gente não sabe o significado. Esta descoberta aponta para o fator discriminante dos
homófonos não homógrafos da mesma classe gramatical, pois para escrever uma mesma
seqüência fonológica, como as ditadas, o sujeito poderia fazê-lo com diferentes grafemas,
entretanto, a dúvida só se resolve quando o significado da palavra entra em cena, por isso o
sujeito precisa de informações dadas pelo contexto no qual a palavra se insere. Detectou-se
também que muitos sujeitos não levaram em conta o contexto ao grafar a palavra ditada o que
explica em alguns casos a dificuldade apontada inicialmente. Por exemplo, ao retomarem o
texto, atentaram que a palavra assentos, que foi definida por eles como bancos, já apresentava
uma informação no texto: os assentos de suas cadeiras são flutuantes.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
158
A percepção, por parte dos sujeitos, da diferença semântica foi extremamente
significativa, pois não se pretendia discutir este aspecto antes que os próprios alunos
percebessem que razões podem levar a grafar de diferente maneira uma palavra dita, lida ou
ditada de forma parecida. Esta descoberta fez com que o planejamento e a forma de trabalho
fossem revistos, pois se poderia estar aprofundando o aspecto decisivo na grafia dos
homófonos não homógrafos da mesma classe gramatical.
e) Passo 5
a. Homófonos não homógrafos discutidos: assento, cinto, espiada, cavalheiro,
cumprimento e despensa.
b. Atividades: Estudo em grupo de um dos homófonos; apresentação e exposição do
material produzido em grupo (anexo 17).
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Analisando o material produzido pelos sujeitos e a apresentação das equipes,
verificou-se que a maioria explicou a grafia tendo como fator decisivo a diferença de
significado conforme se pode observar no episódio 4 do anexo 13; além disso, os sujeitos se
valeram da derivação morfológica como exemplifica esta fala: espiada é com s porque vem
do verbo espiar que significa dar uma olhada discretamente. A equipe que analisou a palavra
despensa, notou que ela não pode ser definida apenas como um lugar no qual se guardam
mantimentos, como diz o dicionário consultado, pois, analisando a casa de cada um dos
membros, observaram que guardam outras coisas como bicicleta, materiais de limpeza,
calçados. Devido a isso, a explicação foi assim elaborada: Despensa é o armário ou
quartinho onde a gente guarda comida e outras coisas. Novamente se observa como os
sujeitos vão elaborando a explicação para a palavra, valendo-se de seu conhecimento de
mundo, mas aliam este tipo de conhecimento ao adquirido nas práticas escolares, uma vez
que a leitura e/ou a escola é uma das fontes de que se alimenta o conhecimento enciclopédico.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Comparando a apresentação dos grupos neste encontro com a primeira experiência,
pôde-se perceber que houve mais organização e objetividade e a professora não precisou
intervir para direcionar o trabalho. Isso aponta para a autonomia que os sujeitos vão tendo
159
tanto para elaborar a forma de apresentação como para explicar para o grande grupo que foi
considerado como audiência pelos pequenos grupos durante a discussão e elaboração do
material. Outro ponto interessante é que a grande maioria dos grupos não se ateve a ler o que
havia colocado no cartaz, pois sentia segurança para expor o que havia discutido. Tal aspecto
se fez sentir em outro ponto: os alunos que explicaram a palavra em cada grupo foram os que
em geral não se manifestam. A professora se sentiu surpresa e elogiou a atitude deles,
incentivando-os a outras participações.
f) Passo 6
a. Homófonos não homógrafos discutidos: homófonos não homógrafos formados
pelos prefixos des- e dis- do jogo dos pares opostos
b. Atividades: Jogo dos pares opostos
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Observou-se, no primeiro contato com o jogo dos pares opostos, que alguns sujeitos
selecionaram o prefixo para formar a palavra partindo do significado que era oferecido; outros
discutiram qual o prefixo adequado, atendo-se mais a este aspecto. Entretanto, outros
sujeitos, que não conheciam a palavra, escolheram o prefixo sem critério e/ou revelaram
dificuldade para selecioná-lo. Estas constatações ratificam que, no caso dos homófonos não
homógrafos, há necessidade de um ensino que, além do significado do radical, também leve
em consideração a significação de alguns prefixos que constituem pares mínimos na escrita
como é o caso de dis- e des- trabalhados nesta atividade pelos sujeitos.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
A proposta era, inicialmente, trabalhar apenas com um par de prefixos, mas os alunos
desejaram continuar o jogo e foram explorando também outros prefixos. Ao observar uma
das duplas discutindo o uso dos prefixos ante- e anti-, percebeu-se que acreditam que para
aprender é preciso trabalhar mais vezes com as mesmas palavras: A gente precisa praticar
mais. Recomeçar.
g) Passo 7
160
a. Homófonos não homógrafos discutidos: descriminação e discriminação; prefixos
ante- e anti-.
b. Atividades: Releitura focalizada: Ninguém atravessa o arco-íris (anexo 18);
discussão e exploração de cartaz com palavras formadas com os prefixos des- e dis- (anexo
19); jogo dos pares opostos.
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
A palavra discriminação foi definida a partir do conhecimento de mundo dos sujeitos,
tendo como ponto de partida esta fala: É que eu sou branco e encontro um outro guri negro,
sei lá, aí eu fico chamando ele de escravo, negro não serve pra nada mesmo. Além disso,
discutiram a discriminação na sala de aula (episódio 6, anexo 13).
Outro aspecto observado foi a forma como os sujeitos elaboraram a definição de
prefixo, também partindo de seu conhecimento prévio. Discutiram a palavra pré-escola e a
primeira conclusão foi em relação à posição do prefixo; depois, depreenderam que existe para
formar uma nova palavra. A definição produzida pelos sujeitos se aproxima da construída
cientificamente: “...os prefixos formam novas palavras que conservam de regra uma relação
de sentido com o radical derivante” (Cunha; Cintra, 1985, p. 84).
Na atividade de formar palavras pelo acréscimo dos prefixos des- ou dis-, notou-se,
mais uma vez, que os sujeitos tiveram mais facilidade em trabalhar com palavras
conhecidas; além disso, o segundo bloco de palavras foi trabalhado com mais facilidade que o
primeiro.
Os exemplos produzidos pelos alunos, durante o jogo de “pares opostos” na versão
em cartelas, foram recolhidos a fim de se computar o número de acertos bem como analisar a
produção das frases. A maioria dos sujeitos teve mais que cinco acertos, sendo que 20% deles
tiveram sete acertos, 17% oito acertos, 13% só não acertaram uma palavra e 8% acertaram
todas. Entretanto, três sujeitos do grupo não entenderam a proposta e produziram o exemplo
sem a palavra formada com o prefixo. O primeiro sujeito usou a mesma forma de iniciar os
exemplos – não - como se quisesse dar a explicação para a palavra: Não gosta de americana;
não é alérgico. Já o segundo sujeito, com exceção do primeiro exemplo, procurou dar a
definição da palavra formada, mas quase sempre o fez sem adequação. Por exemplo, explicou
que antiácido é quando alguém tira o ácido de alguma coisa. O terceiro sujeito, ao invés de
produzir o exemplo, copiou ou resumiu partes oferecidas no significado na maioria dos casos.
161
Outro sujeito, com um acerto apenas, fez os exemplos como os dois primeiros sujeitos. É
provável que, por ser a primeira experiência em que tiveram que criar um exemplo, alguns
sujeitos não souberam empregar com adequação a palavra derivada na frase que produziram,
entretanto a maioria conseguiu observar no significado oferecido um indicador para o uso do
prefixo, optando por anti- ou ante- adequadamente.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Ainda, em alguns momentos, a professora faz confusão entre fala e escrita. Por
exemplo, ao discutirem qual prefixo deveria ser selecionado, pergunta: Eu posso dizer
disgraça? Este questionamento apenas reforça a homofonia, não possibilitando a reflexão
quanto à forma de grafar a palavra que era o que estava em discussão. Segundo Duarte
(2001), um dos conhecimentos que deve ser necessariamente dominado pelo professor, que
atua no ensino de língua portuguesa, é o referente às diferenças entre o sistema oral e o
escrito. A não compreensão das dessemelhanças se reflete na forma como o professor
promove a explicação da codificação do sistema escrito.
Durante a discussão do significados dos prefixos ante- e anti-, um dos sujeitos disse
conhecer o significado de ante- do jogo da forca. Isso mostra que, gradativamente, os
sujeitos vão guardando o que descobrem em cada atividade. Isso será ainda reforçado quando
da análise feita dos resultados do jogo no qual eles tiveram que completar as frases.
h) Passo 8
a. Homófonos não homógrafos discutidos: homófonos não homógrafos formados
pelos prefixos e-, i-, ex- e início de radical com S do jogo dos pares opostos.
b. Atividades: jogo dos pares opostos
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Observou-se que os alunos fizeram com facilidade e rapidez a escolha entre o prefixo
ex- e radicais iniciados por es-, durante a correção, no grande grupo, mostraram que já
entendiam a diferença entre uma e outra grafia. Por exemplo, ao serem questionados que
palavra correspondia a este significado: Aquele que tem esperança fundada em supostos
direitos, probabilidades ou promessas, os sujeitos apontaram Expectador ressaltando que o
Ex se grafava com x. Como já se assinalou anteriormente, no caso dos homófonos não
162
homógrafos, é importante também que a significação de alguns prefixos seja contemplada.
Além disso, como constatou Moreira (1995), o conhecimento gramatical pode ser construído
a partir da depreensão de elementos mórficos através do valor semântico deles.
Ao final do trabalho com as duas cartelas, a professora solicitou aos alunos que
selecionassem, entre as palavras que receberam os prefixos, as que mais usam e anotassem em
seu dicionário. Observou-se, entretanto, que não foi só do critério da freqüência que os
alunos se valeram, optaram também por selecionar palavras novas, ampliando o seu
vocabulário. Foram selecionadas da primeira cartela apenas três palavras: espetar, expiar e
espiar, esta com duas ocorrências; já, da segunda, foi escolhida a maioria das palavras,
perfazendo um total de vinte e oito. Os sujeitos tiveram preferência por: imergir, emergir,
iminente, eminente, imigrar, emigrar; ainda foram selecionadas, mas em menor proporção,
emantar, imitir e emitir.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Tendo em vista a dificuldade de alguns sujeitos ao formar a palavra e mesmo ao
elaborar o exemplo, o primeiro momento, neste passo, foi destinado à retomada dos exemplos
produzidos para se discutir com o grupo tanto o emprego dos prefixos, pois se observou que
alguns sujeitos ainda não tinham clareza a respeito do significado de cada um, como a
produção das frases, analisando se a palavra derivada foi empregada com adequação naquele
contexto. A professora e a pesquisadora, ao discutirem os resultados que obtinham ao longo
do processo, iam repensando o planejamento e retomando aspectos que julgavam necessários
para dar continuidade ao trabalho.
A correção da escolha dos prefixos e- ou i- para completar as palavras no jogo dos
pares opostos aconteceu de forma rápida sem que se pudesse descobrir como chegaram à
escolha do prefixo, mas não houve interferência por parte da pesquisadora, uma vez que sua
função era apenas observar o espaço da sala de aula e o momento do ensino e da
aprendizagem. Além disso, os alunos, quando tinham dúvida, costumavam perguntar,
interrompendo, interagindo, não havendo necessidade da intervenção da professora.
i) Passo 1019
19 Passou-se à análise do passo 10, pois o passo 9 não discute homófonos não homógrafos.
163
a. Pares discutidos: cumprimento-comprimento; espiar-expiar; assento-acento;
passo-paço; russa-ruça; consertar-concertar; experto-esperto; calda-cauda; descrição-
discrição; destinção-distinção; despensa-dispensa; cavalheiro-cavaleiro; seção-sessão;
intensão-intenção; cosidos-cozidos; discriminação-descriminação; acende-ascende; cena-sena.
b. Atividades: jogo completando frases; discussão partindo das anotações na folha-
guia do jogo.
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Na discussão dos resultados, depois do retorno do laboratório de informática,
partindo das anotações feitas pelos alunos, percebeu-se que eles têm facilidade para escolher
as palavras, mas quanto à justificativa há posturas diferenciadas (episódio 9, anexo 13).
Muitos sujeitos já conseguiam identificar pistas nas frases que levam à escolha da
palavra certa, como revelam estas falas: Eu descobri isso porque estava escrito pela janela.
Quer dizer espiar; é, porque tá escrito aqui também cadeiras, de suas cadeiras...; Eu
descobri isso por causa que ali tava falando que era um pé tamanho 41, aí já dava pra
descobrir que era passo com dois ss. Conforme já se observou, o contexto é de fundamental
importância, uma vez que no caso da homonímia apenas uma acepção pode ser acessada.
Outros sujeitos fizeram a seleção por conhecerem o significado da palavra que
escolheram ou da que excluíram ou das duas. Por exemplo: Cumprimento ou comprimento.
Cumprimento é saudar com a mão uma pessoa e o outro é um tamanho ou uma largura; É
que espiar com s é dar uma olhada rápida assim, é dar uma olhada escondido. E expia com x
é pagar um castigo;Porque despensa é um lugar onde se guarda mantimentos e dispensa vem
de dispensar, então não podia dormir.
Tanto a análise do contexto como o conhecimento do significado foram os fatores
mais recorrentes para explicar a grafia da palavra selecionada, às vezes aparecendo os dois
como nesta fala: É cavalheiro, porque... cavalheiro com lh, porque... tá dizendo assim: é esse
cavalheiro aí que pagou sua passagem. É... cavalheiro é homem gentil, bondoso
As palavras que ainda não haviam sido trabalhadas foram as que apresentaram maior
dificuldade para os alunos. Em entrevista realizada após o jogo com dezesseis sujeitos, esse
pressuposto foi reforçado: Por causa que tinha pares assim que a gente ainda não tinha
estudado sobre elas e tinha palavras que a gente não tinha, aí algumas foi fácil, algumas foi
164
difícil. Novamente a freqüência de uso aparece como o fator importante para a distinção entre
uma e outra forma de grafar o homófono.
Dos dados coletados dessa entrevista, pôde-se depreender que, dos sujeitos que
opinaram, treze acharam fácil fazer a atividade e os outros três acharam algumas palavras
fáceis e outras não. Ao perguntar como explicavam a escolha da palavra para completar a
frase: 1) sete disseram que o contexto forneceu informações, por exemplo, por causa que
tinha textos informativos pra tirar as idéias pra saber qual era; 2) seis sujeitos se valeram do
significado como mostra uma das falas: porque a gente aprendeu o significado na sala de
aula; 3) três se valeram tanto do significado quanto do contexto como revela a fala a seguir:
foi dado um passo com o pé 41. Com um pé, não pode ser um palácio com um pé.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Embora os questionamentos da entrevista tenham sido feitos para se descobrir se
fazer o jogo foi fácil ou difícil e por que o foi, os sujeitos manifestaram que haviam gostado
do jogo conforme expressam estas falas: 1) Eu achei bem interessante, porque assim tem
palavras que a gente não sabe como é que se escreve, se confunde na hora de escrever. Daí a
gente aprende certo [?] errado. 2) Porque a gente, assim, começou a identificar melhor os
pares, as propostas assim, né. A gente conseguiu identificar, por exemplo, comprimento e
cumprimento, a gente conseguiu aprender melhor qual o significado da palavra e até tinha as
palavras mais parecidas que a gente até se engana ao escrever.
As opiniões dos sujeitos vão mostrando qual o efeito que o trabalho está tendo e
como eles estão entendendo a proposta e sentindo a diferença. Esse tipo de manifestação é
muito importante, pois permite que o trabalho tenha continuidade dentro do que foi planejado:
a aprendizagem é uma resposta ao modo como o conteúdo está sendo ensinado.
j) Passo 11
a. Homófonos não homógrafos discutidos: cena, conserto, descrição, acesa e
intenção
b. Atividades: ditado interativo: Corrida espacial (anexo 20); discussão em
pequenos grupos explorando a grafia a partir do contexto, apresentação dos resultados (anexo
21).
165
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Analisando as formas de explicar a grafia apresentadas pelas cinco equipes (episódio
10, anexo 13), observou-se que: 1) a primeira equipe explicou a palavra fazendo
comparações e definindo-a; 2) a segunda e a quarta equipes se valeram da derivação
morfológica e do significado; 3) a terceira apresentou a definição de intenção, mas teve
dificuldade para explicar o homófono que é uma palavra cuja freqüência de uso é baixa e era
desconhecida; 4) a última equipe apenas apresentou a definição de descrição e disse existir o
seu homófono, mas não esclareceu a diferença embora a tenha comentado quando da
discussão no pequeno grupo, mas o grande grupo interveio, fazendo com que o significado
fosse explicado. Ainda que tenham usado maneiras diferentes para explicar a grafia de um
dos homófonos não homógrafos, todos os sujeitos apontaram o significado como fator
decisivo, o que é de suma importância quando se trata de homófonos da mesma classe
gramatical como os discutidos pelas equipes.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Das palavras ditadas, a que apresentou maior dúvida foi conserte. Interessante
destacar que, no pós-teste, também se poderá observar que o par de homófonos
conserto/concerto foi o que mais provocou dúvidas entre os sujeitos.
Durante o trabalho em equipe, a professora passou por cada uma delas e, quando
necessário, auxiliava, mas sempre deixando que a conclusão fosse dos alunos, como
aconteceu na equipe que discutiu a palavra acesa (episódio 10, anexo 13).
k) Passo 12
a. Homófonos não homógrafos discutidos: seção, sessão, passo e descrição
b. Atividades: Leitura e análise do folheto da revista Nosso Amiguinho (anexos 22 e
23)
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Da discussão dos homófonos não homógrafos presentes no referido folheto (episódio
11, anexo 13) verificou-se que: 1) os sujeitos já sabiam o significado da palavra seção e
aliaram a isso o seu conhecimento de mundo para tecer as explicações. Também na primeira
vez em que se discutiu esta palavra, os alunos usaram como exemplo a loja Havan. 2) Ao
166
definir a palavra descrição, um dos sujeitos assim o fez: Está descrevendo uma plan... uma
árvore assim, pra saber que uma árvore tem cinco folhas e cada uma, uma laranja que tá
verde, se o caule é fino ou é grosso. Este sujeito usou como estratégia a visualização de um
evento. As representações por eventos são responsáveis pelas significações dependentes de
contexto e sociopragmáticas. 3) Uma outra forma de explicar a palavra foi esclarecendo que,
naquele contexto, só uma acepção pode ser acessada, como mostram estas falas ao explicar a
grafia de passo a passo: Porque eles ensinam assim, ensinam uma coisa e daí já vai pra
outra.[...]Porque se fosse paço com ç seria um castelo...Castelo, castelo; palácio, palácio.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Quando se trabalhou o “completando frases”, os sujeitos apresentaram dificuldade
para estabelecer a diferença entre seção e sessão. Em suas falas (episódio 9, anexo 13), ficou
evidenciado que a escolha da palavra sessão para completar a frase ocorreu por eliminação, ou
seja, os sujeitos, por conhecerem o significado de seção, perceberam que esta acepção era
inadequada naquele contexto, por isso optaram por sessão, entretanto desconheciam o seu
significado. Os dados levantados serviram como referência para o trabalho que foi planejado
a partir do folheto de divulgação da revista Nosso Amiguinho, pois o gênero discursivo em
pauta, naquele momento, era folheto. Assim, foi possível explorar tanto o gênero, o conteúdo
do texto quanto a grafia de palavras homófonas, algumas já estudadas. Esta postura aponta
para um trabalho em sala de aula que não enfoque a grafia de forma isolada, e que leve em
consideração os conhecimentos que os sujeitos estão construindo durante o processo de
ensino e aprendizagem.
l) Passo 13
a. Homófonos não homógrafos discutidos: cozido e cosido
b. Atividades: releitura focalizada do folheto sobre cólera (anexo 24); discussão em
dupla e produção de texto explicativo; apresentação dos resultados.
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Ao analisar a palavra cozidos, alvo da releitura focalizada, a professora se valeu do
critério de derivação morfológica para iniciar a discussão. Já no pré-teste se observou que
muitos sujeitos se valeram desse critério para explicar a grafia das palavras que foram ditadas,
167
sendo a terceira categoria com maior freqüência; entretanto, apenas quatro sujeitos
observaram a derivação ao explicar a palavra cozidos naquela ocasião. À medida que o
trabalho com os homófonos não homógrafos foi se desenvolvendo, os alunos passaram a estar
mais atentos a uma série de aspectos que podem auxiliar na explicação da grafia, tanto o
contexto como as palavras cognatas.
Os sujeitos tiveram facilidade para explicar a palavra cozidos, mas o mesmo não
ocorreu com cosidos, embora tenha sido apresentada dentro de um contexto que possibilitava
a sua compreensão. Isso se deve à infreqüência desta palavra entre os sujeitos: alguns deles a
acharam muito estranha, um sujeito até cogitou que ela não existia e outro comentou: nada a
ver. No ensino da ortografia, a freqüência com que a palavra aparece no texto escrito é um
fator relevante, uma vez que crianças de séries mais avançadas do Ensino Fundamental
escrevem mais facilmente palavras reais mais freqüentes.
Analisando a produção escrita dos sujeitos cujo objetivo era explicar as duas palavras
discutidas, pôde-se perceber que: 1) a maioria fez generalização, ou seja, conseguiu produzir
um conceito; 2) alguns optaram por explicar a origem das palavras. Além disso, um dos
sujeitos fez a definição partindo do hiperônimo e depois incluiu os hipônimos. Em todos os
exemplos: 1) Minha mãe podia ter cosido o meu chortes ;2)Minha avó fez um cozido de carne
espetacular! 3)Vou cozer uma batata; 4)Eu mandei coser o meu moletom, verificou-se que as
palavras foram empregadas com adequação, o que revela que os sujeitos compreenderam a
diferença entre um e outro homófono, o que não aconteceu na totalidade dos exemplos
produzidos em outras atividades anteriores.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Ao descobrirem o significado de coser (episódio 12, anexo 13), os sujeitos
começaram a discutir o seu uso e um deles comentou: Que eu costurei a carne ontem; eu fiz
uma costura na carne ontem. Outro sujeito retrucou: O frango quebrou a perna. O grupo
então começou a rir. Esta reação revela que os sujeitos perceberam como a troca das
palavras pode, em algumas situações, criar um efeito de humor.
168
m) Passo 14
a. Homófonos não homógrafos discutidos: gazes, gases; informar, enformar;
homófonos não homógrafos formados pelos prefixos en(m)- e in(m) -do jogo dos pares
opostos; acender; espiar; seção; sessão; assento; sela; passo; russo; concerto; consertar;
intenção; expectador; espectador; esperto; cozido; cauda; fraldar; descrição; despensa;
distinção; cumprimento; cavalheiro; ante; discriminação; alto; cena.
b. Atividades: releitura focalizada da bula do Nebacetin; discussão do significado
partindo de cartaz ilustrativo (anexo 25); jogo dos pares opostos; jogo achando o significado
com registro na folha de investigação (anexo 26).
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Ao explicar a diferença entre gazes e gases (episódio 13, anexo 13), os sujeitos se
valeram tanto de sua experiência pessoal quanto da informação fornecida pelo texto. Como já
se verificou anteriormente, os sujeitos usam a estratégia de visualização de um evento para
explicar a palavra, por exemplo: gaze com z é aquele paninho pra botar em cima do curativo.
Além disso, ao se apoiarem na informação oferecida pelo texto, neste caso, “aplicar sobre a
região afetada com o auxílio de uma gaze” (Teixeira, 2002b, p. 236), fazem-no por que a
informação advinda do texto seja morfossintática ou semântica é de suma importância para
sua compreensão.
A maneira de explicar a diferença entre informar e enformar não difere muito da
anterior, pois alguns sujeitos partem de um exemplo: Informar é, tipo, uma pessoa tá
viajando, daí ela quer uma informação, daí ela procura se informar, e uma mulher tá fazendo
um bolo, daí ela pega uma forma, daí ela enforma o bolo. Percebe-se que o sujeito que
produziu a explicação, ao construir o sentido, está visualizando a imagem.
Analisando os resultados do jogo de pares opostos com os prefixos en(m)- e in(m)-,
verificou-se que os sujeitos tiveram muita dificuldade para criar exemplos, sobretudo para a
palavra enarmônico. Isso se deve às palavras que foram selecionadas, pois a grande maioria
delas era desconhecida dos sujeitos, inclusive algumas raramente aparecem em textos escritos.
Tal constatação levou a pesquisadora a refletir a respeito da seleção de palavras para os jogos,
a qual deve levar em consideração a freqüência de uso e o conhecimento prévio dos sujeitos,
embora não se deva deixar de apresentar palavras novas. O que aconteceu, especificamente
169
com este par de prefixos, foi que a maioria das palavras selecionadas era de baixa freqüência
de uso. Conforme já se comentou em relação à análise de cosidos, a freqüência é um fator
relevante no ensino da ortografia.
Quanto ao jogo achando o significado, começando pelos dados levantados a partir da
folha de investigação, verificou-se que a maioria dos alunos acertou o significado da palavra
já na primeira tentativa como se pode ver no gráfico 21:
GRÁFICO 21 – MOMENTO EM QUE O SUJEITO ACERTOU O SIGNIFICADO
0
5
10
15
20
25
ACENDER
ESPIAR
SEÇÃO
SESSÃO
ASSENTOSELA
PASSO
RUSSO
CONCERTO
CONSERTAR
INTENÇÃO
EXPECTADOR
ESPECTADOR
ESPERTO
COZIDO
CAUDA
FRALDAR
DESCRIÇÃO
DESPENSA
DISTIN
ÇÃO
CUMPRIM
ENTO
CAVALHEIRO
ANTE
DISCRIM
INAÇÃO
ALTOCENA
palavras do jogo
resp
osta
s
1.º
2.º
3.º
FONTE: dados da pesquisadora
Agrupando as palavras que fazem parte do jogo, quanto ao momento do acerto e ao
número de respostas, encontraram-se quatro situações: 1) duas palavras tiveram seu
significado apontado já no primeiro momento; 2) cinco palavras tiveram uma segunda
tentativa, embora mais de 20 respostas tenham indicado a primeira tentativa; 3) oito palavras
tiveram duas tentativas para o acerto, mas com menos de 20 respostas para o primeiro
momento; 4) onze palavras tiveram três tentativas. Neste último grupo, constatou-se que as
palavras que mais provocaram dúvidas quanto ao significado foram discriminação e alto: esta
última ainda não havia sido trabalhada, mas a primeira já.
Quanto às justificativas, foram elencadas sete na folha de investigação, mas o sujeito
poderia acrescentar outra se achasse necessário: 1) já tinha lido; 2) já tinha lido e escrito; 3)
uso bastante esta palavra; 4) nunca tinha lido; 5) uso pouco esta palavra; 6) a forma como a
170
explicação foi feita ajudou na escolha; 7) a forma como a explicação foi feita não facilitou a
compreensão e por isso tive dúvida.
A seleção da justificativa 1 e 2 revela que o conhecimento prévio é um fator
importante para que o sujeito consiga apontar o significado, e isso se fez notar em vinte e
cinco das vinte e seis palavras que fazem parte do jogo. Além disso, como mostra o gráfico
22, a freqüência é outro fator importante:
GRÁFICO 22 – JUSTIFICATIVAS PARA EXPLICAR FACILIDADE OU DIFICULDADEPARA ACHAR O SIGNIFICADO
0
50
100
150
200
250
300
justificativas
resp
osta
s
1
2
3
4
5
6
7
nenhuma
FONTE: dados da pesquisadora
Analisando as palavras que os sujeitos acertaram na segunda tentativa quanto à
justificativa, constatou-se que a justificativa 7 apareceu mais na palavra sela, o que aponta
para a revisão de como o significado foi elaborado. Outra justificativa presente, nesse grupo,
é a 5 que apareceu como a mais expressiva. Ela também foi a que mais apareceu entre as
palavras que tiveram o significado descoberto no terceiro momento. Tal constatação aponta
para a questão da baixa freqüência de uso como um fator dificultante para a identificação do
significado como já se havia constatado em outros momentos do processo.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
À medida que as aulas foram sendo desenvolvidas, era interessante observar como os
alunos conseguiam discutir interagindo entre si, sem que a professora precisasse intervir a
171
todo o momento. Já conseguiam, também, elaborar explicações de forma objetiva, mostrando
a diferença entre os homófonos não homógrafos trabalhados.
Além disso, o momento inicial deste encontro foi significativo, pois a professora
soube aproveitar uma oportunidade que surgiu, a leitura da bula, para promover a explicação
de homófonos não homógrafos, não se atendo apenas ao que havia sido planejado.
n) Passo 15
a. Homófonos não homógrafos discutidos: fraldar e fraudar
b. Atividades: leitura e discussão da notícia Cavalos ganham fraldão e placa (anexo
27); análise lingüística do título explorando a palavra fraldão; produção de ilustração e
legenda para a notícia (anexo 28).
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Ao discutirem a grafia de fraldar e fraudar (episódio 14, anexo 13), os sujeitos
apontaram que: 1) as palavras tinham significados diferentes como revelam estas falas:
Colocar fraldas em alguém. É com u, fraude de roubar. Nestes casos, os sujeitos dão a
definição da palavra fazendo uma generalização. 2) uma das palavras era mais freqüente que
a outra como destacou a professora: Fraldar, a gente não costuma escutar muito, né. Ah, eu
vou fraldar o meu bebê, eu vou trocar a fralda e pronto, né. Então, quando vocês ouvirem
essa palavra, fraldar, vai vir de que mesmo? Esta indagação da professora apontou para um
outro critério, a derivação morfológica, que em muitas situações, como já se mencionou, foi
utilizado pelos sujeitos.
Outro ponto comentado pelos sujeitos foi a dificuldade de grafar palavras nas quais a
realização do arquifonema |W| se reescreve competitivamente com “l” ou “u”. No par em
discussão, a dificuldade maior está na grafia de fraldar, isso se deve ao fato de o “u” refletir
melhor a pronúncia, uma vez que o aprendiz tende a uma escrita que se aproxime da forma
como fala.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
O gênero notícia fazia parte do programa, assim como o folheto, por isso se
aproveitou a oportunidade tanto para discutir as características dos gêneros estudados como
172
para analisar a grafia da palavra alvo. Além disso, oportunizou-se um debate em torno do
tema, que foi a parte mais calorosa do encontro. É importante que o trabalho com a grafia não
seja feito de forma isolada, por isso se aproveitaram os textos selecionados a fim de que os
sujeitos pudessem retirar deles informações necessárias para a compreensão dos homófonos
não homógrafos em discussão.
No final desse encontro, foi retomada a notícia que havia sido entregue sem a foto a
fim de que os alunos imaginassem como seria o fraldão proposto pela prefeitura de Itajaí. A
professora, então, apresentou a proposta de trabalho: criar a foto para notícia com uma
legenda. Analisando a relação entre a ilustração e a legenda, constatou-se que a maioria dos
sujeitos produziu uma legenda que apresentava elo com a ilustração.
o) Passo 16
a. Homófonos não homógrafos discutidos: cenário, servo, cervo e cesta.
b. Atividades: releitura focalizada do enunciado do exercício da p. 195; criação de
cenário onde estejam presentes um servo, um cervo e uma cesta (anexo 29); discussão da
produção.
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Ao serem convidados pela professora para definir a palavra cenário (episódio 15,
anexo 13), alguns sujeitos falaram, inicialmente, de sua experiência prévia como mostram
estas falas: É aonde a gente fica, assim, uma paisagem; Uma paisagem inventada; Pode ser
artificial ou verdadeira. Outros sujeitos relembram as aulas de Artes, como que visualizando
o cenário que haviam produzido: Aí tinha uns que eram caminhões, outros que eram
paisagem. Isso revela que os sujeitos se valem de um evento para explicar a palavra e,
analisando os vários momentos da discussão, nenhum sujeito apresenta um conceito para a
palavra, embora tenham clareza do que ela significa e como se grafa.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
No momento em que a professora anotou as palavras: servo e cervo no quadro, os
sujeitos já começaram a perguntar qual era com s e qual com c, alguns opinaram, outros
discutiram a pronúncia e um explorou a derivação. Mesmo antes de a atividade ter início, já
173
tinham clareza da diferença entre uma e outra palavra: Servo com s é alguém que serve, que
ajuda, e cervo com c é um animal. Somente depois da discussão levantada pelos próprios
alunos, é que a professora detalhou como poderiam realizar a atividade proposta e eles
passaram a ilustrar o cenário. É interessante observar como os sujeitos foram mudando sua
forma de discutir a grafia. Inicialmente, partia da professora a reflexão sobre as diferentes
maneiras de grafar e suas justificativas; quase ao final do processo, observou-se que os
sujeitos, entre si, já iniciavam a discussão e traziam à tona razões pertinentes como
significado e derivação morfológica.
p) Passo 17
a. Homófonos não homógrafos discutidos: acender x ascender; acento x assento;
ante x anti; calda x cauda; cavaleiro x cavalheiro; cocheira x coxeira; cena x sena; cela x sela;
comprimento x cumprimento; concerto x conserto; cozer x coser; descrição x discrição;
descriminação x discriminação; despensa x dispensa; distinto x destinto; emergir x imergir;
emigrar x imigrar; enformar x informar; expectador x espectador; experto x esperto; expiar x
espiar; fraldar x fraudar; gases x gazes; intenção x intensão; paço x passo; ruço x russo; seção
x sessão; servo x cervo.
b. Atividades: releitura do livro Não confunda; proposta de criação de um livro para
crianças a fim de que não confundam palavras parecidas; discussão sobre a forma de
organização; início da produção.
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
A análise do material produzido pelos sujeitos será feita no próximo passo.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Até esse momento, os homófonos não homógrafos, selecionados para serem
trabalhados com os alunos, já haviam sido abordados dentro das várias atividades
desenvolvidas, portanto era possível pensar em uma produção que envolvesse os pares de
homófonos não homógrafos já discutidos. A idéia foi retomar uma obra infantil, trabalhada
no início do ano. A turma fez a releitura da obra, observando como a autora havia produzido o
texto. Feito isso, a professora apresentou ao grupo a proposta de criação de um livro no qual
seriam trabalhadas as palavras homófonas não homógrafas evidenciando o que poderia ser
174
confundido. A primeira etapa foi a discussão da forma como cada página seria organizada,
depois, houve o sorteio dos pares de homófonos entre os alunos, a professora e a
pesquisadora. Distribuídos os pares, os alunos começaram a produzir a sua página que
deveria conter a explicação para não confundir e as ilustrações. No planejamento, haviam se
destinado três aulas para o desenvolvimento do livro, entretanto, o grupo surpreendeu, pois
fez a atividade com muita facilidade já na primeira aula. À medida que iam criando o texto,
discutiam com os colegas, com a professora e até com a pesquisadora, faziam alterações no
texto, consultavam o material da revista Recreio, Linguagem e rimas, para buscar outras rimas
quando não se satisfaziam com as que haviam colocado, pois entendiam que não era apenas
uma questão de rimar, era preciso levar em consideração o sentido.
q) Passo 18
a. Homófonos não homógrafos discutidos: cumprimento, comprimento, cavaleiro,
cavalheiro, conserto, concerto, cauda, calda, acento, assento, russo, ruço, cervo, servo, expiar,
espiar, passo, cesta, sexta.
b. Atividades: jogo da memória; finalização do livro: título, capa e introdução.
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
O foco da análise, neste passo, será a produção do livro (anexo 32). Analisando cada
página do livro produzido, cada uma tratando de dois homófonos não homógrafos, observou-
se que, em alguns casos, a ilustração era imprescindível para a compreensão da diferença
entre as duas palavras; entretanto, na maioria dos casos, o texto já trazia informações
suficientes que visavam evitar a confusão entre os homófonos. Por outro lado, vale ressaltar
que, para os que não conhecem o significado dos homófonos não homógrafos trabalhados, a
ilustração é altamente informativa.
As ilustrações produzidas tiveram três focos: 1) o homófono não homógrafo (14%),
ou seja, o sujeito ilustrou a palavra em discussão como ocorreu com assento, cela, despensa,
paço entre outros; 2) outro elemento do texto (42%), isto é, o sujeito se ateve ao elemento
que estava na cena junto com o homófono, por exemplo, em coser a luva, o sujeito desenhou
a luva; 3) o homófono e outro elemento do texto (44%) como ocorreu, por exemplo, na cena
criada para ilustrar a expressão um palhaço informado, o sujeito desenhou o palhaço e um
175
jornal. Como se pôde observar, na maioria dos casos, o homófono está presente na ilustração
a fim de deixar claro o aspecto que distingue uma e outra grafia.
Analisando os textos produzidos, verificou-se que os homófonos não homógrafos
pertencentes à classe dos substantivos foram caracterizados pelos sujeitos que acrescentaram
um adjetivo, ou uma locução adjetiva, ou uma oração adjetiva. Segundo Bechara (2003, p.
142), o adjetivo “é a classe de lexema que se caracteriza por constituir a delimitação, isto é,
por caracterizar as possibilidades designativas do substantivo, orientando delimitativamente a
referência a uma parte ou a um aspecto do denotado”. Dos adjetivos, locuções adjetivas e
orações adjetivas produzidos pelos sujeitos, pôde-se observar que a grande maioria foi
empregada para fazer a especificação. Os especificadores servem para restringir as
possibilidades de referência de um signo, assinalando aspectos que não são inerentes ao seu
significado. Em muitos casos, o que verificou foi a determinação identificadora que, segundo
Bechara (op. cit, p. 143), consiste “na especificação do significado de uma forma ‘multívoca’
para garantir sua compreensão por parte do ouvinte. [...] Não é a identificação um processo
que se realiza com os significados, como a delimitação, mas com formas, e com vista à
atribuição do significado, isto é, é um processo para que as formas se tornem inequívocas ao
ouvinte”. São exemplos de especificação, entre as produções dos sujeitos: descrição do peso,
passo de gay, seção de pia, assento de casa.
Em outras situações, os adjetivos ou locuções empregados são inerentes ao
substantivo, promovendo apenas a explicação, como ocorreu em: acento de palavra, sela de
um cavaleiro e cavalheiro gentil.
Todos os homófonos não homógrafos, tratados no livro, pertencentes à classe dos
adjetivos receberam substantivos como complemento para explicar a palavra. Por exemplo, os
sujeitos elaboraram expressões como: pessoa distinta, palhaço informado, esperto vendedor
e outras, nas quais havia maior proximidade entre o adjetivo e o substantivo: roupa destinta,
bolo enformado.
Com os homófonos não homógrafos da classe dos verbos, o comportamento foi
diferente, pois os sujeitos acrescentaram: 1) substantivo que funcionou como sujeito e/ou
como complemento verbal; 2) locução adverbial; 3) outro verbo; 4) substantivo e pronome de
tratamento. Estes exemplos ilustram as quatro situações descritas: acender a luz; espiar na
fechadura; emigrar de sair; o deputado vai fraudar você.
Analisando todos os textos produzidos no livro, verificou-se que as palavras
escolhidas para serem colocadas junto aos homófonos não homógrafos serviram para explicar
ou especificá-los, podendo alguns deles ser considerados como exemplos. Em um caso
176
apenas, o sujeito se preocupou em produzir um texto que trouxesse o significado dos
homófonos.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Depois de os sujeitos terem produzido seus textos, fez-se a escolha do título, a
elaboração da apresentação e a produção da capa. Para a escolha do título, realizou-se a
brincadeira da tempestade cerebral e as sugestões que surgiram foram anotadas no quadro.
Discutiram muito e depois se procedeu à votação, sendo escolhido o título Não confunda
homônimos legais com palavras normais. Interessante observar que os sujeitos tentaram
relacionar o título à proposta da produção, eliminando palavras que não expressavam o que o
livro tinha como tema. A apresentação ficou a cargo da professora. Com o título definido, foi
o momento de os alunos pensarem na capa da obra e ficou acertado que, na aula seguinte, se
faria a escolha entre as propostas apresentadas. Nem todos quiseram participar, pois
acreditavam que no grupo havia alunos que desenhavam bem e deveriam ser os responsáveis
pelas sugestões.
r) Passo 19
a. Homófonos não homógrafos discutidos: os do bingo de homônimos
b. Atividades: bingo de homônimos; escolha da capa para o livro.
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Os resultados obtidos no bingo de homônimos, último jogo a ser trabalhado, serão
enfocados neste passo. Quando a palavra sorteada era uma das trabalhadas durante a
intervenção, os sujeitos tinham facilidade em mostrar qual a diferença de grafia entre uma e
outra. Isso foi observado com as palavras: calda, celeiro, sela, assento, caçar, passo, destinto
entre outras (episódio 17, anexo 13). Já, quando a palavra sorteada era desconhecida do
sujeito, revelou dificuldade como aconteceu com incipiente e com charada. Mais uma vez se
observa que o conhecimento prévio, aqui advindo tanto da experiência anterior à intervenção
colaborativa como das atividades escolares desenvolvidas neste período, proporcionou, aos
sujeitos, condições para explicarem a diferença de grafia entre um e outro homófono, em
alguns casos, apontando inclusive a diferença de significado embora não tenha sido uma
exigência nesse jogo. Outro aspecto que fica latente, nos resultados, é que o fato de os
177
sujeitos lembrarem as palavras trabalhadas com facilidade demonstra que houve compreensão
das diferenças entre os homófonos não homógrafos e não sua mera memorização.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
Foram nove os alunos que apresentaram as sugestões de capas para o livro, a maioria
delas com desenho de interrogação. Colocadas no quadro, o grupo passou a votar as várias
sugestões. Mais uma vez se notou que os sujeitos procuraram relacionar o conteúdo da obra e
seu título com os desenhos sugeridos, pois antes de chegarem à escolha, houve bastante
discussão por parte do grupo.
Quanto ao bingo de homônimos, o comportamento dos sujeitos, durante o jogo,
revela que, no início, é necessária a orientação do professor para a conferência das palavras
sorteadas; as palavras já discutidas em sala de aula são explicadas com mais facilidade do que
aquelas que foram incluídas no bingo de homônimos e aparecem pela primeira vez. Parece
uma conclusão óbvia, mas, muitas vezes, em sala de aula, o professor esquece que o
conhecimento prévio do aluno deve ser levado em consideração.
s) Passo 20
a. Homófonos não homógrafos discutidos: passo - paço; discriminação –
descriminação; despensa – dispensa; cumprimentar; espiar – expiar; seção – sessão; cavaleiro
– cavalheiro; descrição – discrição; ruça – russa; servos – cervos; concerto – conserto.
b. Atividades: jogo do castelo vampiresco (anexo 30)
c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta
Durante o período em que a professora e a pesquisadora estiveram juntas, houve
muita troca entre elas de leituras, conhecimento teórico, experiências de sala de aula. Tudo
isso contribuiu tanto para o planejamento das aulas como para o seu desenvolvimento. A
professora foi, então, elaborando uma atividade para fechar o estudo dos homófonos não
homógrafos, sem que a pesquisadora tivesse participação, pois, como disse ela, queria fazer
uma surpresa. A proposta apresentada pela professora revela que mudou a sua concepção
sobre o ensino da ortografia, o que demonstra também um novo olhar teórico e metodológico
sobre este assunto.
178
Além disso, a atitude da professora denota que a experiência vivida durante a
intervenção colaborativa foi significativa e que ela compreendeu que, em uma pesquisa-ação,
o trabalho se faz em parceria. Como apontam Lisita, Rosa e Lipovetsky (2002, p. 118), “esse
posicionamento implica uma postura contrária à divisão entre pesquisadores e professores na
produção do conhecimento educacional e uma defesa explícita da potencialidade que a
pesquisa tem para auxiliar os professores a participarem da produção do conhecimento
educacional e do debate sobre os rumos de seu trabalho”.
Quanto ao desenvolvimento do jogo, observou-se que, na maioria das situações os
sujeitos tiveram facilidade para selecionar o homófono não homógrafo (episódio 18, anexo
13) uma vez que todos os pares selecionados pela professora tinham sido trabalhados em sala
durante o período de intervenção colaborativa.
No primeiro momento, além do par de homófonos não homógrafos, paço e passo, os
sujeitos também tinham como opção as grafias pasço e paso. Todas as equipes selecionaram
corretamente, sem dúvidas, a palavra pois tinham uma informação que favorecia a escolha: a
residência do rei, príncipes, a corte. Neste caso, observa-se a importância que o significado
tem como fator decisivo entre homófonos não homógrafos da mesma classe gramatical.
Da terceira atividade em diante, a seleção foi sempre entre uma das palavras do par
de homófonos não homógrafos que deveria preencher o texto oferecido. Pôde-se observar
que a informação semântica advinda do texto é de suma importância para a seleção do
homófono não homógrafo. Aliado a isso está o conhecimento adquirido pelo sujeito durante o
seu processo de aprendizagem, ou seja, há uma integração entre o conhecimento advindo do
texto com o que o sujeito já construiu.
Analisando cada palavra trabalhada e selecionada, verificou-se que os sujeitos não
tiveram dificuldade para selecionar: cumprimento, espiar, cavalheiro, servos e concerto. Por
exemplo, para selecionar cumprimento, os sujeitos se valeram do conhecimento do
significado de comprimento: É cumprimento. É cumprimento porque comprimento é medida,
é tamanho. O mesmo aconteceu com espiar: Porque expiar é pagar pecado e ele não vai
pagar. Essa atitude mostra que os sujeitos tinham em seu léxico mental ortográfico os dois
homófonos não homógrafos contíguos e, por conhecerem os dois significados, puderam fazer
a escolha adequada, uma vez que, no caso dos homônimos, no léxico mental, há mais de uma
entrada e cada uma delas vai apontar para o respectivo significado na memória semântica.
As palavras que provocaram mais discussão nos grupos, pois nem todos os sujeitos
tinham certeza da relação grafia e significado foram discriminação, despensa, dispensa,
sessão, descrição, passo e ruça. Analisando a discussão em um dos grupos, observou-se que
179
um sujeito, por não ter certeza do significado da palavra não conseguia fazer a seleção
adequada: descriminação é... descrever alguma coisa. Os outros membros do grupo
esclareceram a diferença de grafia e significado e passaram a escolha correta. A dúvida entre
grafar seção ou sessão levou os sujeitos das diversas equipes a discutirem as atividades
realizadas em sala para chegar ao significado das duas palavras, o que resultou em duas
contribuições importantes: 1) Uma é sessão de tempo e a outra é seção de espaço. 2) Sessão
com dois esses é de cinema. Seção com ç é a parte de um todo. Novamente se observa que o
conhecimento dos dois significados favorece a seleção de qual é adequado para o texto em
discussão, ou seja, os sujeitos revelaram que a distinção entre grafar a realização do fonema
/s/ com “ç” ou “ss” está condicionada ao significado que a palavra tem. A indecisão entre
grafar despensa e dispensa, em uma das equipes, foi solucionada depois de os sujeitos terem
selecionado a palavra e observado que ela não era adequada para aquele contexto, uma vez
que conheciam os dois significados: 1)Despensa...é um lugar onde se guarda comida;
2)Dispensa... eu tô dispensando do grupo. No primeiro caso se tem um conceito e no
segundo o sujeito explica através de um exemplo, valendo-se de um evento. Na segunda vez
em que tiveram que discutir este par, num dos grupos, mal começou a discussão, um dos
sujeitos já selecionou dispensa. Entretanto, os demais preferiram continuar a discussão e só
chegaram à solução depois de se valerem do conhecimento morfológico: dispensa porque foi
dispensado. Também para a seleção de discrição os sujeitos de uma equipe se valeram de um
outro cognato, discreto, pois não conseguiam lembrar o significado da palavra.
Portanto, verificou-se que três fatores auxiliaram os sujeitos na seleção adequada dos
homógrafos não homógrafos, a informação advinda do texto; o conhecimento morfológico e o
conhecimento semântico, sendo este último o mais importante.
d. Comentários sobre os fatos mais relevantes
A professora aproveitou que a novela O beijo do vampiro estava entre as preferidas
dos alunos daquele grupo e criou um jogo chamado Castelo vampiresco. Esta escolha
favoreceu a participação dos sujeitos. A professora elaborou o texto e os alunos, em equipe,
desenharam o cenário em papel pardo de 1m por 1m30cm. Cada grupo pôde criar os
elementos que faziam parte do cenário: castelo com quatro pontes, caminhos e árvores. Além
disso, coloriram os elementos que seriam colados no cenário durante o jogo como: caminho,
portas, Morcelino, Fantasmilda, tecido, escada, montanha-russa. Esta foi a primeira parte do
jogo, preparar o material necessário. A participação dos sujeitos na elaboração do jogo foi
muito significativa, pois permitiu que cada equipe pudesse apresentar sua visão sobre o tema a
180
ser tratado, evitando que um modelo fosse seguido, pois os sujeitos já haviam trabalhado com
vários jogos e tinham condições de ir criando os seus.
Durante a realização do jogo, era muito interessante, ao passar pelas equipes,
observar como os sujeitos precisavam discutir, não aceitavam logo a primeira idéia. Durante
o período de intervenção, este foi um dos aspectos que também foi observado, pois, no início,
alguns se posicionavam e os demais aceitavam; no final, todos conheciam o assunto e
sentiam-se em igualdade para discutir.
4.3 O que mostram os dados do pós-teste
A aplicação do pós-teste teve como objetivo verificar se entre as duas turmas
de quarta série houve alguma mudança quanto à forma de grafar os homófonos não
homógrafos da mesma classe gramatical, observando-se também a maneira como os
sujeitos produziram suas justificativas e se havia elo entre a grafia e a justificativa.
O pós-teste, cuja elaboração foi detalhada no capítulo sobre a metodologia,
seguiu os mesmos trâmites do pré-teste. Das 20 palavras ditadas e das respectivas
justificativas produzidas, chegou-se ao número de dados semelhante ao do pré-teste:
500 respostas quanto à grafia e 500 justificativas de cada grupo.
O primeiro aspecto a ser discutido será o número de acertos, que já foi
apresentado na tabela 1, mas será retomado em um outro gráfico para que se possa
observar o comportamento dos dois grupos:
GRÁFICO 23 - COMPARAÇÃO ENTRE O GE E O GC QUANTO AO NÚMERO
DE ACERTOS NO PÓS-TESTE
0
1
2
3
4
5
6
7
5 7 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
número de acertos
freq
üênc
ia
GE
GC
FONTE: dados da pesquisadora
Os dados mostram que os sujeitos do GE, na sua grande maioria, grafaram
corretamente 75% ou mais das palavras ditadas. Entretanto, para verificar se esta
diferença é significativa, aplicou-se o teste quiquadrado, tendo como hipóteses
formuladas: 1) Ho: Não há diferença significativa entre as turmas; 2) H1: Há diferenças
significativas entre as turmas.
Analisando os dados do pós-teste, foi possível chegar às duas distâncias
exigidas: X²cal = 6,378 e X²tab = 5,412 com um nível de significância indicado por
= 2 %, estes dados apontam para a seguinte conclusão do teste: rejeita-se H0, ou seja, há
diferenças significativas entre as turmas quanto ao número de acertos nos testes pré e
pós.
Além da análise quanto ao número de acertos, as palavras ditadas foram
categorizadas quanto às diferentes maneiras de serem grafadas, sendo as respostas
agrupadas nestas seis categorias:
1) correta: o sujeito grafou a palavra corretamente;
2) homófonos: o sujeito grafou o homófono da palavra levando em
consideração apenas o som ditado;
3) NILO (não internalizada no léxico ortográfico): o sujeito grafou uma palavra
que não existe na língua portuguesa: isso se deve à pouca leitura;
4) RNI (regra não internalizada): o sujeito grafou a palavra incorretamente por
não conhecer as regras de codificação;
5) PM (problemas maiores): o sujeito grafou a palavra incorretamente
revelando problemas de sintaxe ou de percepção;
6) ECF (escreve como fala): o sujeito grafou a palavra como a fala, mostrando
não estabelecer distinção entre fala e escrita.
O gráfico 24 apresenta uma comparação entre os dois grupos quanto à
freqüência de respostas em cada uma dessas categorias:
GRÁFICO 24 - CATEGORIAS QUANTO À MANEIRA DE GRAFAR A PALAVRADITADA NO PÓS-TESTE
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
GE GC
grupos
pala
vras
CORRETA
HOMÓFONO
NILO
RNI
PM
ECF
FONTE: dados da pesquisadora
Comparando os grupos, é possível observar, também neste gráfico, que há
diferenças quanto ao número de respostas em todas as categorias exceto na última.
Os dados mostram que, na categoria 1, há diferença entre os dois grupos, pois o
GE teve 81% das respostas e o GC 61%, ficando próximo ao resultado obtido no pré-
teste que foi de 60,6%. Das seis palavras com maior número de acertos (superior a 20)
no pré-teste em ambos os grupos: cavalheiro, espiada, esperto, passo, russa, cena, duas
delas, passo e russa, não foram ratificadas no pós-teste no GC, mas surge a palavra
espectadores. Já no GE, aquelas palavras permanecem e mais seis surgem: acende,
cozidos, cauda, descrição, cumprimentos, discriminação. Analisando esses dados,
constatou-se que o número de palavras com mais de vinte acertos dobrou no GE, mas no
GC permaneceu praticamente o mesmo.
No GE, as palavras com o menor número de acertos são conserte (14 respostas)
e concerto (13 respostas). Tal comportamento pode ser explicado pelo fato de que, das
palavras selecionadas para o teste, somente essas aparecem em par, as demais aparecem
isoladas, sem menção ao seu homófono não homógrafo. Guimarães (1994), ao
analisar a condição junto e separado no ditado de homófonos não homógrafos,
observou que esse fator influencia no desempenho do sujeito ao grafar a palavra;
entretanto, é preciso levar em conta também o fator escolaridade/idade. No
experimento por ela desenvolvido, concluiu que “o fato dos sujeitos escreverem as
palavras dos pares homófonos uma logo em seguida da outra dificultou o desempenho
dos sujeitos das séries iniciais e facilitou para os sujeitos das séries finais” (op. cit., p.
73). No caso desta tese, o que se tem não é propriamente a condição junto ou separado,
mas a existência de dois homófonos cuja grafia é diferente no mesmo teste, o que levou
os sujeitos a terem dúvida quanto à grafia de um e de outro, embora soubessem que
existiam significados distintos para ambos. Analisando o comportamento de cada
sujeito em relação à maneira como grafaram essas duas palavras, verificou-se que: nove
sujeitos acertaram ambas; nove sujeitos trocaram os homófonos não homógrafos,
embora, em muitos casos, na justificativa apontem a existência do significado; sete
acertaram apenas um dos homófonos não homógrafos. Tal constatação sugere que o
conhecimento da existência das duas formas de grafar esses homófonos era de
conhecimento da maioria dos sujeitos, mas a certeza do significado de cada um foi
fundamental para grafar a palavra com correção.
Diferentemente do que ocorreu no pré-teste, os grupos também não apresentam
comportamento semelhante em relação às categorias 2 (homófonos), 3 (NILO), 4 (RNI)
e 5 (PM), embora a maior dificuldade nos dois grupos ainda resida na categoria 2.
Pelo fato de os homófonos não homógrafos testarem contextos competitivos,
os sujeitos apresentaram relativa dificuldade para grafar com adequação as palavras
ditadas. No GE, observou-se uma significativa melhora neste aspecto, pois o índice
passou de 26,2% do pré-teste para 14,4% no pós-teste, sendo que as palavras que ainda
apresentam maior dúvida para esses sujeitos são sessões/seções e conserto/concerto. Já
no GC, aumentou o número de palavras grafadas nessa categoria, embora com um
percentual bem pequeno, ou seja, passou de 22,6% para 24%. As palavras com mais de
dez ocorrências foram: concerte, acentos, calda, fraudar e descriminação. A diferença
entre os dois grupos na categoria 1 e 2 revela que o trabalho com os homófonos não
homógrafos foi um fator que auxiliou os alunos do GE a perceberem diferenças entre
uma e outra grafia, o que ficará ainda mais claro quando se fizer a análise das
justificativas, pois não basta apenas saber grafar, é preciso também refletir sobre os
fatores que levam a optar por uma ou outra grafia.
Embora o trabalho desenvolvido tenha focado os homófonos não homógrafos,
os resultados se fizeram sentir nas categorias 3, 4 e 5, as quais permaneceram parecidas
no GC, mas sofreram queda no GE.
Quanto à categoria NILO (não internaliza no léxico ortográfico), no GE, houve
uma queda de 5,8% para 1,8%, ou seja, das vinte e nove ocorrências em oito palavras
passaram-se a ter nove ocorrências em três palavras: assende, despença e conscerto, a
última surge no pós-teste. No GC, também houve uma queda percentual de 5,6% para
4%, ou seja, diminuiu o número de ocorrências, mas continuou o mesmo número de
palavras. No pré-teste, foram vinte e oito ocorrências em oito palavras e, no pós-teste,
foram vinte em também oito palavras, as quais tiveram comportamento diferente:
conscerte, ceções, conscerto ficaram com o mesmo número de ocorrências; assende,
ascentos, descrissão, despença tiveram um número menor de ocorrências; desapareceu a
grafia dispença e surgiu sesções.
A categoria 4 (regra não internalizada) sofreu uma queda semelhante à
categoria anterior no GE, passando de 5,2% para 1,6%, ou seja, das vinte e seis
ocorrências verificadas no pré-teste passaram-se a ter nove. Já, o GC manteve
praticamente o mesmo comportamento, pois, no pré-teste, identificaram-se trinta
ocorrências em treze palavras e, no pós-teste, permaneceram treze palavras, mas com
vinte e oito ocorrências. Observando o comportamento em cada regra, verificou-se que
as regras que ainda apresentam dificuldade são: 1) “as realizações do fonema /s/ podem
se reescrever “ss”, “c”, ou “sc” [...], entre vogal oral e vogal não posterior oral ou
nasalizada, ou semivogal não posterior,...” (Scliar-Cabral, 2003a, p. 153-4), ou seja, os
sujeitos de ambos os grupos ainda grafaram: asende, asentos, embora com menor
número de ocorrências nos dois grupos; 2) “a realização do fonema /s/ [...] entre vogal
oral e vogal posterior oral ou nasalizada que não a [+alta], posteriores, [...] pode se
escrever com os grafemas “ss”, “ç” (op. cit., p. 155). Nesta regra, percebeu-se diferença
entre os dois grupos, pois, no pré-teste, o GE teve 13 ocorrências e passou a 3 no pós-
teste, mas em duas palavras: descrisão e descriminasão; o GC passou de 11 ocorrências
para 14 nas palavras: paso, rusa, sesões, descrisão. 3) “A realização do fonema /s/ em
posição inicial de sílaba, entre vogal nasalizada e vogal oral ou nasalizada ou semivogal
não posteriores [...] pode se reescrever “s”, “c” ou “sc” (op. cit., p. 156). No GE, esta
regra foi internalizada, mas no GC continuou com o mesmo número de ocorrências. 4)
“A realização do fonema /s/ pode ser codificada seja pelo grafema “s” ou “ç” em início
de sílaba entre vogal nasalizada e vogal oral ou vogal nasalizada posteriores[...] ou entre
/ẽ/ e a semivogal posterior /w/” (op. cit., p. 156): esta regra apareceu com menor
número de ocorrências em ambos os grupos, ou seja, apenas um caso no GE, intenssão,
e quatro casos no GC com as palavras intenssão e dispenssa. 5) “A nasalização da
vogal, em final de sílaba não final de vocábulo, antes das consoantes [+ant, -cor] /p/ e
/b/ que iniciem sílaba seguinte é codificada pela letra “m”; antes das demais consoantes,
a nasalização é assinalada pela letra “n”. Nesta situação, pois, as letras “m” e “n” têm o
mesmo valor que o til” (op. cit., p. 147-8). Casos dessa natureza foram encontrados
novamente só no GC, mas em um exemplo que apresentou também problemas maiores:
conprimeto.
Quanto à categoria 5, problemas maiores, seja de percepção ou sintaxe,
observou-se que o GC continuou com o mesmo número de ocorrências, mas o GE teve
o número de ocorrências reduzido.
A categoria 6, escreve como fala, continuou com uma freqüência bem baixa
em ambos os grupos. No GC, passou de 2 casos para 3 e, no GE, reduziu de 2 para 1.
Como as duas últimas categorias continuam apresentando um número pequeno
de ocorrências: 1,2% no GE e 5,4% no GC, se adotará a mesma postura do pré-teste, ou
seja, os dados não serão discutidos.
Analisando cada uma das palavras ditadas, nos dois grupos, pôde-se perceber
que, no GE, aumentou o número de ocorrências na categoria 1(correta) e que a categoria
2 (homófono) foi a que sofreu maior queda. No GC, a situação permaneceu
praticamente a mesma. Os gráficos a seguir apresentam detalhadamente a situação em
cada grupo:
GRÁFICO 25 - DIFERENTES MANEIRAS DE GRAFAR AS PALAVRASDITADAS NO PÓS-TESTE PELO GE
0
5
10
15
20
25
30
cons
erte
acen
de
asse
ntos
cena
pass
oru
ssa
sess
ões
conc
erto
inten
ção
espe
ctado
res
espe
rto
espi
ada
cozid
os
caud
a
frald
ar
desc
rição
desp
ensa
cum
prim
ento
s
cava
lheir
o
disc
rimin
ação
palavras ditadas
freq
üênc
ia
CORRETA
HOMÓFONO
NILO
RNI
PM
ECF
FONTE: dados da pesquisadora
Em comparação com o gráfico 17, que analisa o pré-teste, nesta mesma
situação, no GE, verificou-se que houve uma diminuição quanto número de hipóteses de
grafia para a mesma palavra ditada. No pré-teste, se computou apenas uma ocorrência
na categoria correta, já no pós-teste foram três. Além disso, 16 palavras aumentaram a
freqüência nesta categoria, duas permaneceram iguais e somente uma teve queda:
conserte, caso já discutido anteriormente. O número de palavras com três hipóteses para
sua grafia continuou praticamente o mesmo e diminuiu o número de ocorrências de
palavras com quatro hipóteses.
GRÁFICO 26 - DIFERENTES MANEIRAS DE GRAFAR AS PALAVRASDITADAS NO PÓS-TESTE PELO GC
0
5
10
15
20
25
30
cons
erte
acen
de
asse
ntos
cena
passo
russa
sessõ
es
conc
erto
inten
ção
espe
ctado
res
espe
rto
espia
da
cozid
os
caud
a
fralda
r
desc
rição
desp
ensa
cumpr
imen
tos
cava
lheiro
discri
minaçã
o
palavras ditadas
freq
üênc
ia
CORRETA
HOMÓFONO
NILO
RNI
PM
ECF
FONTE: dados da pesquisadora
No GC, a situação é praticamente a mesma verificada no pré-teste, conforme se
pode conferir no gráfico 18. Quanto ao número de hipóteses de grafia para as palavras
ditadas, comparando-se o pré e o pós-teste, verificou-se que continua a não existir
palavra que tenha sido categorizada apenas em 1: ainda são seis as palavras com duas
hipóteses de grafia; o número de hipóteses com três grafias passou de quatro para cinco;
já as com quatro hipóteses sofreram pequena mudança e as com cinco e seis hipóteses
de grafia também permaneceram inalteradas. As categorias 2 e 6 foram as que tiveram
diminuição, mas aumentaram as ocorrências na categoria 5.
Em cima dos dados da categoria 1 de cada palavra ditada, aplicou-se a
estatística descritiva, como se fez com os dados do pré-teste. Esta análise forneceu
dados sobre média, mediana, moda, desvio padrão, número mínimo e máximo de
acertos. Para se ter uma visão dos dois grupos na situação inicial e depois de um dos
grupos passar pela intervenção colaborativa, a análise levará em conta os dados
computados no pré e no pós-teste tanto no GE como no GC. O cálculo das médias
demonstrou equilíbrio entre os grupos no pré-teste, mas o pós-teste revelou que o GC
manteve a mesma média, 15,2 de acertos enquanto que o GE elevou a média para 20,25.
Quanto à mediana, observou-se uma situação semelhante entre o GE e o GC no pré-
teste e o GC no pós-teste, ficando em torno de 16 acertos; já o GE, no pós-teste,
aumentou significativamente para 21,5. A moda teve um comportamento semelhante ao
anterior, pois o número de acertos de palavras foi 15 no pré-teste do GE, 16 no pré-teste
do GC e 17 no pós-teste do GC, mas no pós-teste do GE foi para 25, o que equivale à
maioria dos acertos, sendo muito significativo. O desvio padrão foi 6,7 em ambos os
grupos no pré-teste, mas essa situação sofreu alteração, pois, no pós-teste, o GC teve um
desvio padrão de 5,9 e o do GE caiu para 4,05, o que evidencia que um ensino
inteligente da gramática possibilita grafar corretamente as palavras. O número mínimo
de acertos, no pré-teste, foi 4 no GE e 3 no GC, já no pós-teste, aumentou para 13 no
GE, o que é relevante, e o GC quase não apresentou alteração, pois ficou em 4. O
número máximo de acertos permaneceu inalterado nos dois grupos, mas a freqüência
aumentou no maior número de acertos no GE enquanto que no GC permaneceu em 24
em poucos sujeitos.
Fazendo também a análise do primeiro quartil, que engloba 25% dos alunos
com maior dificuldade em grafar os homófonos não homógrafos corretamente,
percebeu-se o equilíbrio no pré-teste entre GE e GC em torno de 10,5. No pós-teste, o
GC permaneceu inalterado enquanto o GE sofreu uma variação significativa chegando a
17 acertos. Isso evidencia a maneira como o conteúdo lingüístico é trabalhado em sala
de aula, ratificando a necessidade de um ensino que leve o aluno a refletir sobre a
maneira como grafa as palavras.
Analisando as justificativas quanto à divisão entre boas (CB) e más (CM),
observou-se que o comportamento não é o mesmo do pré-teste quando não se percebeu
disparidade entre os grupos conforme se pode observar no gráfico 27:
GRÁFICO 27 – COMPARAÇÃO ENTRE AS CATEGORIAS BOAS E MÁS NO PRÉ
E PÓS-TESTE
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
CB pré CM pré CB pós CM pós
teste e categoria
núm
ero
just
ific
ativ
asGE
GC
FONTE: dados da pesquisadora
No pós-teste, o percentual de justificativas pertencentes às categorias boas
praticamente ficou inalterado no GC, com uma média de 36%, mas no GE, sofreu um
aumento expressivo de 47,2% para 79,2%. Também quanto às categorias más, o GC
não apresentou diferença, permanecendo em torno de 64%, já o GE sofreu queda,
passando de 52,8% para 20,8%.
Aplicando o teste quiquadrado a partir da freqüência de justificativas
consideradas boas em ambos os grupos no pré e pós-teste, obteve-se X²cal = 14,794 e
X²tab = 11,489 com um = 0,07%, validando a hipótese formulada H1: Há diferenças
significativas entre as turmas.
Esses dados mostram também que houve, depois da intervenção colaborativa,
uma mudança na forma de justificar as palavras grafadas, o que será melhor detalhado
na análise de cada categoria. Como as categorias já foram explicadas anteriormente, se
fará apenas a enumeração das mesmas:
1. Conhecimento do sentido.
2. Conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil.
3. Derivação.
4. Freqüência de uso: o sujeito justifica sua resposta através da freqüência: 1)
de exposição, ou seja, está acostumado a ler e falar a palavra; 2) de escrita.
5. Conhecimento prévio da palavra.
6. Relação som versus leitura e escrita.
7. Dúvida na grafia.
8. Desconhecimento da palavra.
9. Não compreensão da diferença entre homófonos não homógrafos.
10. Má internalização das regras grafêmico-fonológicas.
11. Ausência de explicação.
12. Estratégia de preenchimento.
13. Achismo.
14. Não sabe redigir a resposta.
O gráfico 28 apresenta uma comparação entre os dois grupos por categoria que
revela um comportamento diferenciado por categoria, no pós-teste, e também por grupo
na maioria das categorias:
GRÁFICO 28 - COMPARAÇÃO ENTRE AS JUSTIFICATIVAS DADAS PELOSDOIS GRUPOS NO PÓS-TESTE
0
50
100
150
200
250
300
350
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
categorias justificativas
núm
ero
de ju
stif
icat
ivas
GE
GC
FONTE: dados da pesquisadora
A categoria 1 (conhecimento do sentido) é a que aparece com maior freqüência
no GE, perfazendo 58,4% das justificativas as quais foram produzidas por 23 sujeitos
que a usaram em média 12,6 vezes. O fato de os sujeitos justificarem a grafia pelo
conhecimento do sentido é extremamente significativo como resultado do processo de
ensino e aprendizagem desenvolvido junto ao grupo, sobretudo, se se levar em conta
que, no pré-teste, esses sujeitos usaram muito pouco o conhecimento semântico na
justificativa com apenas 9 respostas produzidas por 6 sujeitos, ou seja, houve um
crescimento nesta categoria de 56,6%. A forma como a justificativa passou a ser
elaborada também sofreu mudança, pois os sujeitos apresentaram o significado da
palavra grafada ou os dois significados a fim de mostrar por que um era adequado
naquele contexto como se pode observar nestes exemplos: cauda – parte traseira
comprida de animais e outros; porque “despensa” com “e” significa um lugar onde
guardamos os alimentos; acende com c é ligar a luz e ascender com sc é subir, elevar;
eu sei que fraldar com “l” quer dizer botar fralda e fraudar com “u” quer dizer rouba.
Os sujeitos, ao elaborarem a justificativa, em geral, não só destacaram o grafema que
cria confusão na escrita como também elaboraram um conceito levando em conta o
aspecto que generaliza o homófono que está sendo definido.
No GC também houve um aumento na freqüência que passou de 43
justificativas produzidas por 12 sujeitos para 55 elaboradas por 15 sujeitos. Entretanto,
o crescimento foi bem menor que o do outro grupo, atingindo 2,4%. Apesar de os
sujeitos deste grupo terem trabalhado também com os homófonos não homógrafos,
levaram em conta o conhecimento semântico em poucos casos, o que talvez se explique
pela maneira como o material didático utilizado por eles aborda esse assunto, ou seja, o
significado é apresentado logo abaixo dos exemplos, sem permitir que o aluno reflita
sobre o exercício que realiza a cada par de homônimos trabalhados. Quanto à maneira
de redigir a justificativa, quase não houve alteração entre o pré e pós-teste, como se
observou no Sujeito 11, que foi o que mais teve respostas nesta categoria nos dois
testes, ou seja, foram 9 respostas no pré-teste e 10 no pós-teste. Por exemplo, no pré-
teste, este sujeito justificou a grafia de esperto da seguinte forma: Se você é bem
inteligente e, no pós-teste, esperto: inteligente. Essa retomada também pode ser
observada nas justificativas elaboradas para a grafia de descrição que, inicialmente, foi
assim produzida: além da característica da velhinha... e no pós-teste: quer dizer as
características da velhinha.
Os dados obtidos na categoria 1 são de extrema importância para a pesquisa
desenvolvida nesta tese, pois o fator discriminante em homófonos não homógrafos da
mesma classe gramatical foi observado pela grande maioria dos sujeitos do GE, o que
aponta para a necessidade de um ensino que leve em consideração quais conhecimentos
são necessários para trabalhar cada conteúdo em sala de aula. Além disso, é preciso
pensar em formas de ensino que sejam adequadas ao grupo no qual o trabalho é
desenvolvido, mas que levem, especialmente, os alunos a refletirem sobre o que
acontece naquela situação lingüística, como se pôde observar na descrição do processo
desenvolvido em sala de aula junto ao grupo experimento.
A categoria 2 (conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português
do Brasil) sofreu queda quanto ao número de justificativas nos dois grupos. No GE,
nenhum sujeito explicou as palavras ditadas se valendo do conhecimento das regras de
codificação e, no GC, apareceram apenas 3 ocorrências produzidas por dois sujeitos:
porque nunca se bota ss no começo de uma palavra; ...se fosse só um “esse” seria a
mesma coisa que fala Ruza. A diminuição de justificativas nesta categoria revela que os
sujeitos passaram a atentar para outros aspectos na grafia da palavra, como o
conhecimento semântico, já discutido anteriormente, ou o conhecimento de cognatos
como se verá a seguir.
A categoria 3, que diz respeito à derivação, permaneceu praticamente com a
mesma freqüência quanto às justificativas produzidas nos dois grupos. O que se
observou, em ambos os grupos, foi um aumento no número de sujeitos que passaram a
justificar a grafia se valendo de cognatos. No GE, mais 4 sujeitos usaram o
conhecimento de palavras da mesma família perfazendo um total de 13. O sujeito, que
mais produziu justificativas nesta categoria no pré-teste, não permaneceu com o mesmo
comportamento no pós-teste, preferindo justificar a grafia pelo conhecimento
semântico. Entretanto, um outro sujeito se valeu 8 vezes da derivação, no pós-teste,
para explicar a grafia das palavras ditadas quando, no pré-teste, havia produzido apenas
3 respostas. No GC, o número de sujeitos passou de 5 para 8, não havendo destaque
entre eles. Quanto às palavras grafadas que foram justificadas dentro desta categoria,
observou-se que, no GC, foram 4: russa (3 ocorrências), cozidos (2), cumprimentos e
acende (1); já, no GE, foram 8 as palavras que receberam este tipo de justificativa:
cozidos (5 ocorrências), acende (2), cena, conserte e russa (3), espiar, fraldar e descrição
(1).
A freqüência de uso, categoria 4, que apareceu, no pré-teste, com baixa
freqüência nos dois grupos; no pós-teste, desapareceu no GC e teve apenas 8
justificativas produzidas por 2 sujeitos, sendo um deles responsável por 6 das respostas.
Esta categoria, como já se abordou na análise do pré-teste, evidencia a forma como o
sujeito adquiriu o homófono não homógrafo, mas não enfoca o ponto principal que é a
questão semântica. Analisando os sujeitos do GE, observou-se que o Sujeito 3, em 19
das 20 das suas respostas, explicou a forma como adquiriu o homófono, enfatizando
como isso ocorreu: Eu escrevi assim porque uso e conheço esta palavra; Eu conheço a
palavra e escrevi porque estudei isto. A última justificativa, além de revelar o
conhecimento prévio, categoria que será discutida a seguir, também explicita que esse
conhecimento veio pelo estudo da palavra que está sendo justificada.
A categoria 5, que tem alguma relação com a anterior, teve comportamento
diferente nos grupos. No GE, o número de respostas diminuiu 13,2%, passando de 120
justificativas produzidas por 17 sujeitos para 54 elaboradas por 8 sujeitos. Em uma
análise intersujeitos, percebeu-se que aqueles que apresentaram maior freqüência
(média de 12 justificativas) foram os que não justificaram pelo conhecimento semântico
e o que o fez teve apenas 3 das justificativas enfocando o conhecimento semântico. No
GC, o número de justificativas aumentou 7,2%, passando de 41 respostas para 77, mas
sofreu queda quanto ao número de sujeitos que justificaram pelo conhecimento prévio,
ou seja, passou de 12 sujeitos para 10. O sujeito, que teve mais justificativas nesta
categoria no pré-teste, perfazendo um total de 11, diminuiu para 6 e o sujeito que teve 4
respostas passou para 18, tal comportamento fez com que a média de respostas por
sujeito fosse revista passando de 3,4 no pré-teste para 7,7 no pós-teste.
Quanto às duas últimas categorias, ainda será possível perceber, na análise
entre as respostas com ou sem elo entre grafia e justificativa, se os sujeitos grafaram
corretamente devido à freqüência de uso e/ou ao conhecimento prévio ou se apenas
produziram a justificativa em uma dessas categorias, mas ela não expressa a maneira
como o sujeito adquiriu o homófono uma vez que não há ligação entre a forma correta
como a palavra é grafada e a razão pela qual o sujeito a grafou.
A categoria 6 (relação som versus leitura e escrita) teve um número de
ocorrências bem menor nos dois grupos. No GE, foram 4 justificativas produzidas por
um sujeito enquanto no pré-teste foram 16 justificativas elaboradas por 8 sujeitos. Esta
constatação aponta para um comportamento isolado, o que permite inferir que, neste
grupo, os sujeitos atentaram para outros fatores que não a maneira como a palavra foi
ditada para justificar a sua grafia. No GC, o número de ocorrências passou de 19 para 6,
as quais foram produzidas por 4 sujeitos, número menor que no pré-teste, quando 9
sujeitos explicaram a grafia pela relação som versus leitura e escrita. Analisando a
maneira de redigir a justificativa entre os sujeitos com maior freqüência nos dois testes,
pôde-se observar que não houve nenhuma alteração significativa. Por exemplo, o
Sujeito 17 ao justificar a grafia de acentos, no pré-teste, o fez da seguinte maneira:
porque acentos tem som de c; o que permaneceu no pós-teste: porque o som é de c.
A categoria 7 (dúvida na grafia) que, no pré-teste, teve uma freqüência bem
próxima entre os dois grupos, sofreu diminuição quanto ao número de justificativas,
passando de 54 para 28 justificativas no GC e de 50 para 10 justificativas no GE.
Entretanto, no GC, o número de sujeitos que manifestou dúvida aumentou de 18 para 20
enquanto no GE teve uma queda de 13 para 6 sujeitos. Quanto à explicitação ou não da
dúvida na justificativa, observou-se um comportamento diferenciado entre os dois
grupos. No GE, nenhum dos sujeitos explicitou sua dúvida e as justificativas foram
elaboradas levando em conta apenas a incerteza do sujeitos como se pode notar nestes
exemplos: tenho dúvida; escrevi mas tô em dúvida. No GC, apesar de a maioria dos
sujeitos também não explicitar sua dúvida, 4 deles o fizeram: Não tenho certeza se é
com ç ou com ss (a respeito de seções); duvida de comprimento e cumprimento; estou
com dúvida entre c, s, cs e sc (quanto à grafia de acende). Nas duas primeiras respostas,
observa-se que o sujeito sabe que os dois homófonos não homógrafos existem e aponta
a diferença entre eles; entretanto, o último exemplo revela outro tipo de dúvida do
sujeito que não a referente à questão da homofonia, mostrando inclusive o
desconhecimento de regras de codificação quando diz ter dúvida quanto a grafar acende
com s ou problemas maiores como a possibilidade de grafar acende com cs, grafema
que não se encontra em nosso sistema alfabético.
Não se computou nenhuma ocorrência na categoria 8 (desconhecimento da
palavra), o que faz sentido, pois todas as palavras que faziam parte do ditado interativo
aplicado no pós-teste eram de conhecimento dos sujeitos: além de fazerem parte do
material didático adotado pela escola, foram trabalhadas em sala pela professora,
embora de maneira diferente nos dois grupos.
A categoria 9 (não compreensão da diferença entre homófonos não
homógrafos) também no pré-teste teve mais ocorrências no GE. Comparando os dois
testes, observou-se um aumento de 5,6% nesta categoria no GE com uma média de 2,2
justificativas por sujeito; no GC também ocorreu um aumento na freqüência, atingindo
2,2% e uma média de 1,8 de justificativas por sujeito. Embora tenha ocorrido aumento
nos dois grupos, foram poucas as ocorrências por sujeito em ambos. Além disso os
grupos tiveram um comportamento mais parecido quanto à redação da justificativa no
pré-teste, o que não permaneceu no pós-teste. No primeiro teste, os sujeitos enfocaram
mais as letras que poderiam ser trocadas nos dois homófonos do que o significado que,
na maioria dos casos, não foi atribuído e, quando o foi, houve troca do significado entre
os homófonos não homógrafos. Por exemplo: pois Ayrton Senna é com s, cena é com c;
porque se se escrevesse com ss ficaria assento (da palavra, assento agudo...).
No pós-teste, os sujeitos do GC, ao justificarem, apresentaram apenas um
significado, mas este se refere ao outro homófono não homógrafo: a palavra quer dizer
que conserto é um show; comprimentar a outra pessoa; descriminação: pessoas que
não asseitam pessoas negras. Neste grupo, as palavras que acusaram desconhecimento
do significado foram: conserto, concerto, cumprimento, ruça, descriminação, acentos,
calda, sessões, fraudar, sendo a última a que teve maior freqüência (5 ocorrências). No
GE, observou-se que os sujeitos sabiam que existia uma diferença de significado entre
os homófonos, mas não associaram o significado à grafia correta. Em todas as
justificativas, os sujeitos apresentaram apenas um significado e 3 sujeitos exploraram,
em 5 palavras, os dois significados, embora invertidos, como detalham estes exemplos:
Eu sei que concerto com c é de arrumar e conserto com s é de musica; Eu sei que é
expectador com x porque é pessoa que assiste TV e espectadores com s quer dizer
pessoa que tem direitos fundados. Entre as palavras com maior freqüência, neste grupo,
estão: concerto/conserte (16 ocorrências), expectadores (5), fraudar e acento (4). Como
já se comentou anteriormente, o maior problema está no par concerto/conserto presente
na maioria das dificuldades dos sujeitos dentro desta categoria.
A categoria 10 (má internalização das regras grafêmico-fonológicas) teve
baixíssima freqüência tanto no GE quanto no GC. No pré-teste, não foi computada
nenhuma justificativa no GC e, no pós-teste, esteve ausente no GE e teve apenas uma
ocorrência no outro grupo. Comparando esta categoria com a categoria RNI (regras não
internalizadas) quanto à maneira de grafar as palavras ditadas, pôde-se observar que não
há uma relação direta, pois nela verificou-se uma queda bem maior no GE do que no
GC que permaneceu com praticamente a mesma freqüência nos dois testes. Analisando
a maneira de grafar do sujeito que produziu a justificativa no GC, observaram-se
problemas de grafia como: descrisão e açentos que revelam a má internalização das
regras. Entretanto, os outros sujeitos que tiveram problemas na grafia não produziram
justificativas dentro da categoria 10, o que não permite estabelecer uma correlação entre
as categorias, ratificando o que se observou no pré-teste.
A ausência de explicação, categoria 11, continuou sendo uma das categorias
com maior freqüência no GC apesar de ter sofrido uma queda de 14% no número de
justificativas e 12% no número de sujeitos que não souberam explicar a grafia. A média
de justificativas por sujeito ficou em 4,45. Neste grupo, esta categoria era a que tinha a
maior freqüência no pré-teste e, no pós-teste, ficou em segundo lugar, logo abaixo da
categoria 14 que será analisada ao final. No GE, também houve uma queda, sendo de
27,6% no número de justificativas e 60% no número de sujeitos. Os sujeitos do GC que
tiveram a freqüência mais alta nesta categoria, no pré-teste, mantiveram esse
comportamento no pós-teste, inclusive se observou o aumento de justificativas
produzidas pelo Sujeito 2. No GE, verificou-se apenas um caso, o do Sujeito 18 que,
apesar de ter um número de justificativas menores no pós-teste, ainda continuou sendo o
sujeito que mais vezes deixou a explicação ausente. Os demais sujeitos tiveram uma
média de 2,2 justificativas dentro desta categoria.
Quanto à estratégia de preenchimento, no pré-teste, o GE teve mais
justificativas na categoria 12 que o GC, embora o número de sujeitos tenha sido o
mesmo nos dois grupos:3. No pós-teste, observou-se que, no GE, nenhum sujeito
redigiu uma resposta apenas para não deixar o espaço destinado à justificativa em
branco. Já, no GC, cresceu o número de justificativas nesta categoria, embora tenha
permanecido o número de sujeitos. Dos sujeitos que se valeram dessa estratégia no pré-
teste, um apenas permaneceu no pós-teste, mas com um número bem maior de
respostas passando de 1 para 12, que corresponde quase ao total que foi 15. Entre as
justificativas produzidas pelo Sujeito 5, encontram-se: é com sc (para ascende); é com c
(para acentos e cena); é com dois esse (para passo).
A categoria 13 (achismo) estava entre as cinco mais freqüentes em ambos os
grupos no pré-teste, embora com número de ocorrências distintas entre eles. No pós-
teste, observou-se um comportamento inverso nos dois grupos. No GE, passou de 33
justificativas produzidas por 10 sujeitos para 15 justificativas redigidas por 6 sujeitos,
significando uma redução em quase pela metade. Já, no GC, houve um aumento de 51
justificativas redigidas por 9 sujeitos para 65 elaboradas por 12 sujeitos. Este aumento
se deve, sobretudo, ao fato de os sujeitos 23 e 25 terem produzido todas as suas
justificativas nesta categoria. O Sujeito 25, no pré-teste, já havia sido o que a usou com
maior freqüência tendo totalizado 9 justificativas. Analisando a maneira de este sujeito
redigir a sua justificativa, verificou-se que, no pré-teste, produziu uma espécie de
“fórmula”: porque acho que é assim, que foi utilizada 8 vezes; no pós-teste,
novamente se valeu desta estratégia, embora com uma formulação diferente: porque
(eu) acho certo foi usada 17 vezes e as outras 3 tiveram a seguinte redação: porque eu
acho. No GE, o sujeito que mais apresentou justificativas dentro desta categoria passou
a ter apenas uma e outro sujeito, que teve 8 ocorrências passou a ter 4 no pós-teste,
sendo o que mais a usou, embora a redação da justificativa tenha passado do uso de uma
“fórmula” – acho que é assim – usada 6 vezes, para um tipo de redação que diferiu em
cada justificativa: Eu escrevi a sim pois acha que é o serto; Acha que é assim pois
estudei; Eu acha que é assim pois vi em um cartaz. Nas últimas justificativas aparece
também informação a respeito de como o sujeito adquiriu o homófono.
A última categoria, não sabe redigir a resposta, já apresentava uma diferença
entre os dois grupos no pré-teste, sendo maior a freqüência no GC que no GE,
ocupando, neste, a quarta posição quanto ao número de justificativas e naquele a
segunda posição. No pós-teste, observando o número de sujeitos, no GC, verificou-se
que 18 deles tiveram suas justificativas inclusas nesta categoria, perfazendo uma média
de 7,3 ocorrências por sujeito. Os sujeitos 17, 13, 10 e 11, cuja freqüência deste tipo de
resposta foi maior no pré-teste, permaneceram no pós-teste com a freqüência alta; além
deles, verificou-se que os sujeitos 6 e 20 também passaram a produzir um grande
número de justificativas dentro desta categoria. Comparando-se a freqüência em cada
categoria, constatou-se que 26,4% das justificativas produzidas pelo GC se encaixam
nesta categoria que ocupa o primeiro lugar neste grupo. O que não difere muito do pré-
teste quando se verificou ser esta a segunda mais utilizada pelos sujeitos. Já no GE,
houve diminuição quanto ao número de justificativas que passou de 40 para 18
ocorrências, apesar de o número de sujeitos ter aumentado, no pós-teste, passando de 10
para 14, entretanto a média de justificativas por sujeito diminuiu de 4,0 para 1,2,
mostrando que em poucas situações os sujeitos não souberam redigir a resposta. Numa
análise entre os sujeitos, verificou-se que aquele que apresentou o maior número de
ocorrências (11) passou a ter 2 e o outro que apresentou 9 não teve nenhuma. O maior
número de ocorrências no pós-teste foi 3, produzidas pelo Sujeito 10.
Analisando os dois grupos quanto às três últimas categorias: estratégia de
preenchimento, achismo e não sabe redigir a resposta, observou-se que a freqüência
quanto às justificativas diminuiu no GE, mas aumentou no GC. Tal constatação aponta
para um dos fatores de maior relevância nesta pesquisa: saber raciocinar sobre a forma
de codificar as palavras que, em um grupo, continuou a ser uma dificuldade.
Até aqui se fez uma análise das maneiras de grafar as palavras ditadas e das
justificativas separadamente, mas para perceber se houve relação entre elas se fará uma
análise, partindo do quadro 2, apresentado na análise do pré-teste.
Após se analisar cada resposta produzida pelos sujeitos, elas foram organizadas
em dois grandes grupos, como no pré-teste: 1) respostas que apresentaram elo entre
grafia e justificativa; 2) respostas que não apresentaram elo entre grafia e justificativa.
Os dados coletados, que podem ser visualizados no gráfico 29, revelam que a situação
verificada no pré-teste não se manteve no pós-teste, pois os grupos tiveram
comportamento diferente:
GRÁFICO 29 – COMPARAÇÃO ENTRE GE E GC QUANTO À RESPOSTA COMOU SEM ELO NO PÓS-TESTE
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
GE GC
grupos
núm
ero
de re
spos
tas
Com elo
Sem elo
FONTE: dados da pesquisadora
No pré-teste, os grupos tiveram o número de respostas com e sem elo bem
próximo, mostrando que não havia uma diferença significativa entre eles quanto ao
produzir uma resposta que, além de conter a grafia correta da palavra ditada, ainda
apresentasse uma justificativa que explicasse por que razão o sujeito grafou a palavra
daquela forma.
Partindo dos dados do pré-teste e acrescentando os do pós-teste quanto à
freqüência de respostas com elo, elaborou-se a tabela 7:
TABELA 7 - NÚMERO DE RESPOSTAS COM ELO PRODUZIDAS PELOS DOISGRUPOS NO PRÉ E NO PÓS-TESTE.
Pré-teste Pós-teste Total
GE 89 329 418
GC 91 118 209
Total 180 447 627
FONTE: dados da pesquisadora
Submetendo as respostas com elo produzidas pelos sujeitos dos dois grupos no
pós-teste, conforme tabela acima, ao teste quiquadrado, obteve-se X² cal = 33,699 e
X² tab = 11,489 com = 0,07%. Este resultado confirma a hipótese formulada H1: há
diferenças significativas entre as turmas., o que já ficava claro pela discrepância entre os
dados apresentados na tabela 2, ou seja, para 89 respostas no pré-teste passou-se a ter
329 no GE enquanto que para 91 respostas passou-se a um total de 118. O fenômeno
ocorreu inversamente nos grupos, embora a diferença fosse pequena no pré-teste.
As respostas que apresentam elo entre grafia e justificativas sofreram outra
análise a fim de se observar que critérios foram levados em conta pelos sujeitos,
formando dois grupos: 1) conhecimento do significado, derivação morfológica ou
conhecimento dos dois homófonos, ainda que tendo dúvida quanto à grafia; 2) se
apóiam ou na freqüência de uso ou no conhecimento prévio da palavra.
Comparando-se as justificativas produzidas pelos sujeitos, verificou-se que 272
respostas do GE e 69 do GC levaram em consideração o conhecimento semântico, a
derivação morfológica ou o conhecimento dos dois homófonos não homógrafos. Quanto
a estes critérios, em ambos os grupos ocorreu aumento, embora com percentual bem
diferente: no GE foi de 48% e no GC de, 5,4%. Atentando especificamente para o
conhecimento semântico, verificou-se que das 69 respostas produzidas por 15 sujeitos
do GC, 49 tiveram como critério o conhecimento semântico. No GE, também se
constatou que a maioria dos sujeitos, 23 deles, produziu respostas que explicaram a
grafia pelo significado, perfazendo 253 respostas. Percebe-se, então, que as
justificativas levam em consideração, sobretudo, o conhecimento semântico, o que é de
suma importância para a discriminação da grafia em homófonos não homógrafos da
mesma classe gramatical.
As demais respostas se encaixam no segundo grupo que leva em conta o
conhecimento prévio e a freqüência de uso. Foram 49 no GC e 57 no GE as respostas
que mostraram a maneira como o sujeito adquiriu o homófono não homógrafo.
Comparando as respostas produzidas, observou-se que, diferentemente do que
ocorreu no pré-teste, ambos os grupos se valeram mais dos critérios do primeiro grupo
(conhecimento semântico, derivação morfológica ou conhecimento dos dois
homófonos não homógrafos) do que do segundo. Tal verificação mostra que os sujeitos
se apoiaram mais no conhecimento que tinham sobre a palavra ditada do que na maneira
como a adquiriram para explicar a sua grafia.
Os dados do pós-teste revelam que os sujeitos dos dois grupos, na sua grande
maioria, tratam a grafia e, especialmente a justificativa, de forma diferente. No GC,
foram observados crescimentos referentes: à grafia correta dos homófonos não
homógrafos; às justificativas que levam em conta o conhecimento semântico, a
derivação e respostas produzidas com elo entre grafia e justificativa, mas com um índice
bem menor que o GE. Por outro lado, observou-se que a maioria das justificativas
produzidas pelos sujeitos do GC se encaixam na categoria 14 (não sabe redigir a
resposta). Além disso, aumentou o número de justificativas nas categorias 12
(estratégia de preenchimento) e 13 (achismo). Tal constatação revela que esses sujeitos
apresentam dificuldade para explicar a razão pela qual grafaram a palavra, tanto quanto
aos argumentos como quanto à maneira de redigir a justificativa. Esses resultados
apontam para a questão crucial de investigação desenvolvida nesta pesquisa: ensinar a
pensar. Para tal, é preciso que o material didático seja revisto e/ou complementado,
pois a forma como os sujeitos desse grupo trabalharam homônimos, entre eles os
homógrafos não homófonos, não permitiu que eles levantassem dúvidas, promovessem
discussões e inferissem regras sobre a codificação do sistema escrito, pois as respostas
apareciam prontas.
Já no GE, observaram-se aspectos significativos tanto quanto à grafia como
quanto às justificativas. Aumentou o número de palavras grafadas corretamente bem
como os sujeitos passaram a ter um número menor de problemas ao codificar as
palavras. O mais significativo, entretanto, foi a maneira como os sujeitos justificaram a
grafia da palavra ditada. A grande maioria dos sujeitos assinalou que a distinção na
grafia dos homófonos se deve a diferença de significado entre eles, ou seja, houve
crescimento de 56,6% neste aspecto entre o pré e o pós-teste. Outro ponto importante é
a relação entre a grafia e a justificativa, uma vez que os sujeitos, em 329 de suas 500
respostas mantiveram a coerência entre a grafia e a justificativa. Além disso, a maioria
deles apontou o conhecimento semântico como fator decisivo na codificação das
palavras homófonas. Apesar de alguns sujeitos ainda apresentarem dúvida quanto à
grafia ou não conseguirem argumentar convincentemente na justificativa, a maioria
mostrou que observa o fator responsável pela diferente maneira de grafar a palavra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento desta tese apontou para conclusões em torno de três
diferentes questões: as teóricas, as aplicadas e as metodológicas. As primeiras gravitam
em torno das teses principais da psicolingüística como a diferença entre recepção e
produção, aquisição e aprendizagem e, principalmente, a organização dos princípios do
sistema alfabético do português do Brasil, enfatizando, dentro dos contextos
competitivos, os homófonos não homógrafos. As questões aplicadas se voltam
sobremaneira para a formação do professor, o que aponta para outros aspectos como a
fundamentação teórica a respeito da alfabetização oferecida durante a graduação:
remete, pois, a uma metodologia a ser desenvolvida em sala de aula. Implícita está a
organização da grade curricular dos cursos de graduação e o material didático a ser
adotado pelo professor. Por fim, quanto à metodologia da pesquisa, observou-se que o
tipo de pesquisa desenvolvido enfatiza como fazer a ponte entre a universidade e as
comunidades para as quais a pesquisa se destina, ou seja, é uma forma de fazer a
articulação entre a prática e a teoria.
A aquisição da linguagem ocorre naturalmente, levando-se em consideração os
fatores inato, maturacional e ambiental e, ainda que não haja assistência consciente no
desenvolvimento da linguagem oral, a criança normal a adquire se exposta à interação.
Entretanto, aprender a ler e a escrever exige ensino sistemático. Ainda que a leitura e a
escritura tenham em comum os mesmos sistemas lingüísticos, apresentam diferenças
significativas no que se refere ao processamento. Ler é um processo receptivo uma vez
que o indivíduo recebe o texto produzido, cabendo a ele a descodificação, compreensão,
interpretação e retenção da informação. Vários conhecimentos são necessários para que
ocorra a aprendizagem da leitura e também da escritura. A relação entre esses dois
processos é fundamental, pois a escrita se apóia na leitura, entretanto, por ser um
processo produtivo, escrever é mais complexo que ler. Assim, a aprendizagem da
codificação, nas séries que seguem a alfabetização, deve ser centrada nas regras de
correspondência entre a realização dos fonemas e grafemas e na construção da memória
lexical ortográfica das palavras primitivas de maior freqüência de uso na escrita, quando
o contexto for competitivo. A tarefa do aprendiz do sistema escrito não é fácil, pois, na
maioria das vezes, as regras de codificação não são independentes do contexto.
Portanto, será preciso entender, inicialmente, as regularidades, analisando as regras
dependentes do contexto, seja ele fonético ou morfológico; e, posteriormente, o
contexto competitivo, no qual estão incluídos os homófonos não homógrafos, objeto de
análise desta tese.
Quanto aos homófonos não homógrafos, alguns aspectos foram observados ao
longo da pesquisa os quais passam a ser retomados. Primeiro, a distinção entre
oralidade e escrita é fundamental para o ensino deste tópico, pois, como adverte Lyons
(1987, p. 140-3), os homônimos são, tradicionalmente, palavras diferentes com uma
forma igual, mas isso é válido apenas para a homonímia absoluta, pois quando há a
parcial, como é o caso dos homófonos não homógrafos, a referência à “forma igual”
fica afetada. No caso das palavras homófonas, mas não homógrafas a ambigüidade,
segundo Ilari e Geraldi (1990, p. 57-8), será provocada pela fala, não pela escrita. Daí a
necessidade de buscar entender as razões que levam a distinção entre diferentes grafias.
Segundo, o contexto, muitas vezes, oferece informações suficientes para que as dúvidas
de grafia possam ser resolvidas. De acordo com Pinkal (1995, p. 86), sabe-se que “uma
expressão é homônima se e somente se um nível de base indeterminado é inadmissível”.
Assim, no critério primeiro, quando se tem um item lexical homônimo, sua seleção é
obrigatória no contexto. É justamente o critério de obrigatoriedade de determinação no
contexto, segundo Moura (2001), que caracteriza a homonímia. No caso da presente
pesquisa, os sujeitos passaram a dar mais atenção para as informações oferecidas pelo
texto para optar por uma ou outra grafia da palavra homófona. Terceiro, a consciência
morfológica, capacidade mais específica relacionada à composição e derivação da
palavra, é outro fator que permite ao aprendiz depreender regras que expliquem o uso de
prefixos, sufixos, terminações verbais, homônimos entre outros. No caso dos
homófonos não homógrafos, é comum o contexto competitivo das vogais [+alt]
seguidas ou não do arquifonema |S| que podem ser grafadas com “e” ou “i” no qual se
incluem alguns prefixos que constituem pares mínimos na escrita, daí a necessidade de
um ensino que, além do significado dos radicais, também contemple a significação dos
prefixos. No decorrer da intervenção colaborativa e também nos resultados do pós-
teste, verificou-se a importância do conhecimento morfológico para a resolução de
problemas referentes à grafia dos homófonos. Outro ponto que serve como referência
para o ensino da ortografia é a freqüência com que a palavra aparece no texto escrito,
uma vez que várias pesquisas constaram que crianças de séries mais avançadas do
Ensino Fundamental escrevem mais facilmente palavras freqüentes reais em
comparação com palavras pouco freqüentes ou inventadas. Durante a intervenção
colaborativa, em várias situações, os sujeitos justificaram a dificuldade para grafar a
palavra e mesmo para justificar a grafia devido ao desconhecimento da palavra ou seu
pouco uso ou presença em textos lidos. À medida que o trabalho foi se desenvolvendo
em sala de aula, os sujeitos passaram a ter conhecimento de vários pares de homófonos
não homógrafos, o que fez com que essa justificativa quase não se apresentasse no pós-
teste. Por fim, constatou-se que o conhecimento semântico é de suma importância para
resolver problemas referentes à grafia de homófonos da mesma classe gramatical.
Comparando-se os dados do pré-teste e os do pós-teste, verificou-se um aumento de
48% na justificativa relacionada ao conhecimento semântico, ou seja, somente após o
trabalho desenvolvido em sala de aula, quando os sujeitos foram levados a observar que
a diferença de significado é o fator decisivo para a grafia dos homófonos, é que se
obtiveram respostas que centram a explicação da diferença de grafias no significado.
Quanto às questões teóricas, também se verificou que a maioria dos sujeitos, ao
explicar os homófonos não homógrafos, usou como estratégia a visualização de um
evento, o que foi observado especialmente durante a intervenção colaborativa.
Entretanto, no pós-teste, verificou-se, na população intervinda, que há a atribuição de
conceito, ou seja, os sujeitos dão a definição da palavra, fazem uma generalização para
a maioria das palavras ditadas. Isso ratifica o efeito da escolaridade de qualidade, ou
seja, da educação sistemática com sustentação sólida sobre as estratégias preferenciais
dos indivíduos quando evocam os significados.
No que se refere às questões aplicadas, há dois pontos importantes a serem
contemplados, um referente ao contexto no qual a pesquisa se insere e outro diretamente
relacionado ao trabalho desenvolvido em sala de aula sob a forma de intervenção
colaborativa.
O levantamento de dados tanto em pesquisas já realizadas como em várias
unidades de ensino do município no qual a investigação se desenvolveu revelou qual a
formação do professor que trabalha com o Ensino Fundamental, sobretudo o dos dois
primeiros ciclos, bem como o material didático selecionado e utilizado por ele.
Pesquisas desenvolvidas por Morais e Biruel (1998), Schaefer (1999), Morais (2002)
revelam que a maioria dos professores desenvolve o ensino da ortografia dentro de uma
visão mecanicista, valendo-se de exercícios que visam ao treino e à memorização. No
grupo de professores entrevistados nesta tese, observou-se uma postura diversificada
quanto ao trabalho com ortografia. A maioria disse preferir o trabalho contextualizado,
mas há também os que baseiam seu trabalho na prática de exercícios. O livro didático é
o principal aliado da maioria dos professores, por isso se pode deduzir que o ensino da
ortografia se mantém dentro do padrão do material didático oferecido, entretanto, falta
aos autores dos livros didáticos conhecimento teórico que possibilite a organização de
material adequado para o ensino da codificação do sistema escrito. Diante desse
quadro, é preciso que o professor tenha formação adequada a fim de promover as
reflexões e a construção do conhecimento da norma ortográfica no caso de adotar um
livro didático que apresente propostas de exercícios mecanicistas ou apresente a
resposta pronta do problema ao aluno. Quanto ao professor, verificou-se também que,
por não ter tratado, em sua formação, notadamente na graduação, dos processamentos
de leitura e escritura e, especialmente, dos princípios do sistema alfabético do PB, não
consegue desenvolver uma metodologia eficaz para o ensino da codificação que, nesta
tese, se ateve aos homófonos não homógrafos nos contextos competitivos. O
conhecimento teórico é fundamental para a resolução de questões levantadas pelos
alunos, possibilitando que, durante a interação, as dúvidas e dificuldades sejam
discutidas e resolvidas, e as regras depreendidas. Portanto, é urgente promover uma
discussão a respeito da formação em nível de graduação a fim de que esses
conhecimentos passem a integrar a grade curricular, possibilitando ao professor a
compreensão de que alfabetizar é um processo que precisa ser conhecido também
teoricamente.
No tocante ao trabalho desenvolvido durante a intervenção colaborativa, dois
aspectos se fizeram sentir como fundamentais, estando ambos interligados: o
planejamento e a metodologia.
O planejamento sistemático dos itens lexicais trabalhados favoreceu a sua
compreensão, pois se apoiou no desenvolvimento da argumentação para explicar a
grafia do homófono não homógrafo partindo, sobremaneira, do significado. Portanto,
descartou-se uma postura mecanicista em favor de um trabalho no qual se desejou
desinstalar o aluno do lugar de repetidor e conduzi-lo ao de questionador, pois, só
refletindo sobre a língua, é que se podem resolver as ambigüidades lingüísticas de
forma racional. Assim, quando o aluno é levado a analisar e discutir os homófonos não
homógrafos, aprende a observar diferenças e semelhanças e a buscar razões que as
expliquem. Aprende também a produzir justificativas coerentes e a discuti-las com seus
pares, desenvolvendo assim a capacidade de argumentar.
Para que o planejamento fosse operacionalizado, desenvolveu-se uma
metodologia apoiada em atividades que promoveram reflexão e discussão durante a
aprendizagem. Como resultados do trabalho desenvolvido, verificou-se que:
1. a metodologia empregada favoreceu a grafia correta, mas especialmente a
maneira de justificá-la ao apresentar o elo, na grande maioria dos casos, entre a forma
de grafar e a justificativa. Os resultados do pós-teste apontaram um aumento de 89 para
329 respostas com elo, o que revela não só a compreensão da distinção de grafias como
também a capacidade de argumentar dos sujeitos;
2. a maioria das justificativas, depois da intervenção colaborativa, está
centrada no conhecimento semântico, o que mostra um resultado positivo, pois o fator
decisivo no fenômeno tratado é a diferença de significado;
3. os sujeitos do GE não apenas internalizaram em seu léxico mental
ortográfico muitos dos homógrafos trabalhados como também os seus significados, o
que fez com que conseguissem explicar as diferenças de grafia;
4. os alunos do GE com maior dificuldade (25%) detectado no pré-teste
passaram de 10 palavras com grafia correta para 17, o que é extremamente significativo;
5. ensinar a pensar a maneira por que um homófono é grafado possibilita a
reflexão sobre outros fenômenos lingüísticos;
6. o aspecto lúdico favoreceu os resultados alcançados, além disso, pode-se
obter resultados quanto ao uso do jogo para a aprendizagem do sistema ortográfico,
carência apontada por Curvelo Meireles e Correa.
Mais do que ensinar a grafar homófonos não homógrafos, esta pesquisa
favoreceu uma reflexão sobre a forma como a universidade está preparando
teoricamente seus profissionais da educação para atuarem em sala de aula. Segundo
Travaglia (2003), a universidade é o espaço de encontros para aprender e ensinar o que
implica uma reflexão sobre o seu papel na educação lingüística. Duas funções da
universidade se fizeram sentir no desenvolvimento desta pesquisa: a produção do
conhecimento lingüístico necessário para subsidiar um bom trabalho de educação
lingüística e a formação de profissionais competentes que sejam responsáveis pela
educação lingüística. Para tal, um desafio se apresenta à universidade: ir aonde está o
professor e auxiliá-lo ali. Especificamente quanto ao tema desta tese, acreditamos que
a universidade precisa se aproximar da sala de aula para que se compreenda in loco
como ocorre o processo de ensino-aprendizagem do sistema escrito.
O tipo de pesquisa desenvolvido possibilitou a integração entre ensino e
pesquisa. Uma pesquisa ação, que se apóie numa abordagem etnográfica, visando
estimular o pesquisador prático e envolver o professor na pesquisa, oportuniza a
circulação entre teoria e prática, fazendo não só com que o professor analise a sua forma
de trabalho, mas também que o pesquisador reveja suas propostas teóricas. Para o
pesquisador, é uma oportunidade para compreender, na prática, como sua proposta
teórica funciona, para quem se destinam seus achados teóricos, se estão corretos, se
precisam de ajustes, ou seja, é a possibilidade de ir da teoria à prática e voltar à teoria,
promovendo a socialização do conhecimento e a validação empírica da teoria.
Sobretudo, este tipo de pesquisa ratifica a idéia de Lisita, Rosa e Lipovesty (2002)
apoiada em vários autores da pesquisa ação: a necessidade de uma cooperação maior
entre os pesquisadores que se encontram na universidade e os professores,
investigadores de sua prática pedagógica, que se encontram em sala de aula, a fim de
que haja uma contribuição efetiva entre os dois lados para que novos conhecimentos
sobre o ensino, a aprendizagem e a aprendizagem para ensinar possam ser construídos.
Toda a experiência vivida durante o período da pesquisa, que foi desde a
revisão da literatura, a elaboração do material e, especialmente, o momento de troca
entre a professora e os alunos até a análise dos dados, fez com que pudesse analisar a
minha trajetória enquanto educadora e pesquisadora. Sair de um processo implica
transformação e é assim que me sinto diante das descobertas que fizemos juntos e da
nova forma de olhar o conteúdo enfocado. Sobremaneira, a realização desta pesquisa
possibilitou a ratificação de que pesquisa e ensino estão ligados intrinsecamente. O que
se apresenta agora é um novo desafio: não deixar que a experiência vivida se resuma a
apenas uma tese. Portanto, é necessário continuar apostando em propostas que aliem o
conhecimento teórico e o conhecimento de ensino e pesquisa sobre o ensino.
A investigação de um tema sempre abre portas para novas pesquisas. Assim,
analisar as grades curriculares dos cursos de graduação em Letras e Pedagogia sob o
olhar do psicolingüista, uma vez que uma das tarefas da psicolingüística aplicada é a
“efetuar uma crítica permanente aos currículos e, se possível, colaborar para a
confecção dos mesmos” (Scliar-Cabral, 1991, p. 152), é uma tarefa que se apresenta
como necessária. Outro aspecto que se abre para análise são os dados resultantes do
teste de correspondência fonológico-grafêmica que apresentou os problemas de
codificação identificados no teste de logatomas. Especialmente a percepção do acento
merece uma investigação detalhada. Existem ainda outros desafios a serem enfrentados,
mas se esses dois forem contemplados já se avançará na compreensão do ensino-
aprendizagem do sistema escrito e para a formação do professor.
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