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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS/LINGÜÍSTICA “É QUE A GENTE NÃO SABE O SIGNIFICADO”: HOMÓFONOS NÃO HOMÓGRAFOS OTILIA LIZETE DE OLIVEIRA MARTINS HEINIG Orientadora: Prof.ª Dr.ª Leonor Scliar-Cabral FLORIANÓPOLIS 2003

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS/LINGÜÍSTICA

“É QUE A GENTE NÃO SABE O SIGNIFICADO”:HOMÓFONOS NÃO HOMÓGRAFOS

OTILIA LIZETE DE OLIVEIRA MARTINS HEINIG

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Leonor Scliar-Cabral

FLORIANÓPOLIS

2003

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OTILIA LIZETE DE OLIVEIRA MARTINS HEINIG

“É QUE A GENTE NÃO SABE O SIGNIFICADO”:HOMÓFONOS NÃO HOMÓGRAFOS

Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Letras/Lingüística daUniversidade Federal de Santa Catarinacomo requisito parcial à obtenção dograu de Doutor em Lingüística.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Leonor Scliar-Cabral

FLORIANÓPOLIS

2003

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Cabe-nos produzir apenas o nosso próprio esforço. O nosso próprio texto, paradevolver às pessoas, transformado, tudo o que elas nos deram (inclusive ascoisas desagradáveis, diga-se de passagem). Soltar das costas pesos falsos,como o peso do Tempo, e aprender a andar e descansar. Aprender a falar esilenciar (diferente de se calar). Aprender a escrever e a ler – admitindo quenunca se aprende enfim, porque se está sempre aprendendo, desconhecendo ereconhecendo, passo a passo. Vida a vida.

Gustavo Bernardo (Redação Inquieta)

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AGRADECIMENTOS

À minha família, desde aqueles que cuidaram de mim quando criança, permitindo que

pudesse realizar o sonho de ser educadora até o meu amado marido Max e filho Max

Otto, companheiros nesta viagem.

À Dra. Leonor Scliar-Cabral, orientadora, que possibilitou meu crescimento teórico e o

repensar da minha prática na área da educação lingüística.

Ao Colégio São Luiz, pela forma como abriu suas portas para a realização da pesquisa.

Especialmente, ao Celso que discutiu e ajudou a produzir o CD-ROM; à Ivana,

professora das turmas pesquisadas e aos alunos que estabeleceram comigo uma relação

de troca, fundamental para o desenvolvimento do trabalho.

À FURB, pela concessão da licença para que pudesse realizar minha pesquisa com

dedicação integral.

À UNIFEBE, pela parceria no projeto de iniciação científica que permitiu conhecer

melhor os professores da região.

Ao Sistema ACAFE, pela concessão da bolsa do Programa Institucional de Capacitação

Docente e Técnica.

Ao Ademar Kohler, pelo auxílio na análise estatística dos dados.

Aos amigos, que são tantos, sempre perguntando sobre a pesquisa, torcendo por mim.

São muitos, mas há os que mais se envolvem no processo: Adriana, companheira do

início da jornada e Márcia, companheira durante a produção da tese.

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SUMÁRIO

LISTA DE TABELAS ............................................................................... ix

LISTA DE QUADROS ................................................................................. x

LISTA DE GRÁFICOS ................................................................................. xi

LISTA DE ANEXOS ...................................................................................... xiii

LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS ............................................. xv

RESUMO ......................................................................................................... xvi

ABSTRACT ..................................................................................................... xvii

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 01

2 REVISÃO DA LITERATURA ................................................................... 04

2.1 Homonímia: entendendo o fenômeno de indeterminação semântica .. 04

2.1.1 O que dizem as gramáticas e outros materiais adotados pelos

professores .........................................................................................

04

2.1.2 Uma discussão dos limites entre homonímia e polissemia: com a

palavra os lingüistas ......................................................................... 07

2.1.3 Critérios de distinção dos fenômenos de indeterminação semântica 15

2.1.4 Afunilando os conceitos ................................................................... 17

2.2 Abordagem psicolingüística: diferença entre o processamento da

leitura e da escritura ................................................................................. 18

2.2.1 Ensino e aprendizagem da leitura e da escrita ................................. 27

2.2.2 O sistema alfabético

...................................................................................

36

2.3 O sistema verbal escrito e seu desenvolvimento na escola: um olhar

para a homonímia ..................................................................................... 45

2.3.1 O ensino-aprendizagem da ortografia ................................................ 45

2.3.2 A formação do professor e o ensino do sistema escrito ..................... 57

2.3.3 O livro didático: em busca das páginas que tratam da codificação de

homônimos ........................................................................................ 63

2.3.4 Mais um dedo de prosa: a ortografia nos PCNs de Língua

Portuguesa de primeira à quarta série ............................................... 76

3 METODOLOGIA ....................................................................................... 79

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3.1 Tipo de pesquisa ....................................................................................... 80

3.2 Primeira etapa: definição dos participantes e estabelecimento de seu

perfil .......................................................................................................... 81

3.2.1 Metodologia ...................................................................................... 81

3.2.2 Instrumentos e sua aplicação ............................................................. 83

3.2.3 Contato com o espaço onde se desenvolveu a pesquisa .................... 84

3.2.4 Elaboração dos jogos ......................................................................... 85

3.2.5 Resultados .......................................................................................... 86

a) Perfil das turmas ............................................................................ 86

b) O perfil dos professores ................................................................. 88

c) O pré-teste ...................................................................................... 97

3.3 Segunda etapa: definição do perfil do Grupo Experimento ................. 99

3.3.1 Metodologia ....................................................................................... 99

3.3.2 Instrumentos e aplicação .................................................................... 100

3.3.3 Resultados .......................................................................................... 102

a) Bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de

Scliar-Cabral ................................................................................ 102

b) Questionário psicossociolingüístico e socioeconômico dos

alunos da quarta série A ............................................................... 106

3.4 Terceira etapa: intervenção colaborativa ............................................ 114

3.4.1 Metodologia .................................................................................... 114

3.4.2 Instrumentos específicos para a metodologia desenvolvida na

intervenção colaborativa .................................................................. 115

3.4.3 Resultados .......................................................................................... 117

3.5 Quarta etapa: comparação entre o Grupo Experimento e o Grupo

Controle ................................................................................................ 117

3.5.1 Metodologia ....................................................................................... 117

3.5.2 Instrumentos de coleta de dados e sua aplicação .......................... 117

3.5.3 Resultados ......................................................................................... 118

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ................................................ 120

4.1 O que mostram os dados do pré-teste ................................................... 121

4.2 A intervenção em sala de aula .................................................. 137

4.2.1 O material pedagógico utilizado em sala de aula .............................. 137

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4.2.2 O planejamento das aulas: uma parceria entre professora e

pesquisadora .

141

4.2.3 Sala de aula: espaço de interação e aprendizagem ........................... 142

4.2.3.1 Discussão de cada passo desenvolvido durante a intervenção

colaborativa ................................................................... 152

a) Passo 1 ........................................................................... 152

b) Passo 2 ........................................................................... 153

c) Passo 3 ........................................................................... 154

d) Passo 4 ........................................................................... 157

e) Passo 5 ........................................................................... 158

f) Passo 6 ........................................................................... 159

g) Passo 7 ........................................................................... 160

h) Passo 8 ........................................................................... 161

i) Passo 10 ......................................................................... 163

j) Passo 11 ......................................................................... 164

k) Passo 12 ......................................................................... 165

l) Passo 13 ......................................................................... 166

m) Passo 14 ......................................................................... 168

n) Passo 15 ......................................................................... 171

o) Passo 16 ......................................................................... 172

p) Passo 17 ......................................................................... 173

q) Passo 18 ......................................................................... 174

r) Passo 19 ......................................................................... 176

s) Passo 20 ......................................................................... 177

4.3 O que mostram os dados do pós-teste ..................................................... 181

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 201

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 207

OBRAS CONSULTADAS............................................................................... 215

ANEXOS .......................................................................................................... 217

LISTA DE TABELAS

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TABELA 1 - Valores dos grafemas, independentes do contexto ............................. 38

TABELA 2 - Conversão dos fonemas aos grafemas, independente do contexto ...... 39

TABELA 3 - Número de professores por área de especialização em cursos de pós-

graduação ............................................................................................ 90

TABELA 4 - Relação dos livros didáticos adotados nas escolas públicas e

particulares de Brusque ....................................................................... 95

TABELA 5 - Problemas de codificação identificados no teste de logatomas ........... 104

TABELA 6 - Número de acertos dos sujeitos dos dois grupos no pré e no pós-

teste ..................................................................................................... 121

TABELA 7 - Número de respostas com elo produzidas pelos dois grupos no pré e

no pós-teste .......................................................................................... 198

LISTA DE QUADROS

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QUADRO 1 - Erros ortográficos observados em crianças portuguesas do 3.º e 4.º

anos de escolaridade. Mostra-se para cada ano a palavra alvo, o erro

de escrita, o tipo correspondente e a respectiva percentagem

(calculada relativamente ao total de erros)........................................... 35

QUADRO 2 - Relação entre grafia e justificativa....................................................... 134

QUADRO 3 - Resumo do trabalho desenvolvido junto ao GE durante a intervenção

colaborativa.......................................................................................... 143

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - Formação no III grau dos professores da 4.a série de Brusque ........ 89

GRÁFICO 2 - Professores de 4.ª série com curso de pós-graduação

(especialização) ................................................................................ 90

GRÁFICO 3 - Respostas dadas pelos 24 sujeitos da pesquisa à definição de

homonímia........................................................................................ 92

GRÁFICO 4 - Freqüência semanal de atividades de ortografia desenvolvidas

pelos professores de 4.ª série ............................................................ 93

GRÁFICO 5 - Maneira como são corrigidos os textos produzidos pelos alunos .... 94

GRÁFICO 6 - Como é apresentada a ortografia no livro didático .......................... 96

GRÁFICO 7 - Menção sobre homonímia no livro didático ..................................... 96

GRÁFICO 8 - Instrução dos pais dos participantes da pesquisa ............................. 108

GRÁFICO 9 - Material de leitura dos pais dos participantes da pesquisa ............... 109

GRÁFICO 10 - Gostos e hábitos dos participantes da pesquisa................................. 110

GRÁFICO 11 - Contato do participante da pesquisa com o dicionário ..................... 112

GRÁFICO 12 - Idade com que o participante da pesquisa entrou na educação

infantil .............................................................................................. 112

GRÁFICO 13 - Conhecimento do participante da pesquisa sobre o código escrito

antes de ingressar no ensino fundamental ........................................ 113

GRÁFICO 14 - Momento em que o participante da pesquisa foi matriculado no

Colégio São Luiz .............................................................................. 114

GRÁFICO 15 - Categorias quanto à maneira de grafar a palavra ditada no pré-teste

– GE ................................................................................................. 122

GRÁFICO 16 - Categorias quanto à maneira de grafar a palavra ditada no pré-teste

– GC ................................................................................................. 123

GRÁFICO 17 - Diferentes maneiras de grafar as palavras ditadas no pré-teste pelo

GE .................................................................................................... 125

GRÁFICO 18 - Diferentes maneiras de grafar as palavras ditadas no pré-teste

pelo GC ............................................................................................ 126

GRÁFICO 19 - Comparação entre as justificativas dadas pelos dois grupos no pré-

teste .................................................................................................. 128

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GRÁFICO 20 - Comparação GE e GC quanto à resposta com ou sem elo ............... 135

GRÁFICO 21 - Momento em que o sujeito acertou o significado ............................ 169

GRÁFICO 22 - Justificativas para explicar facilidade ou dificuldade para achar o

significado ........................................................................................ 170

GRÁFICO 23 - Comparação entre o GE e GC quanto ao número de acertos no

pós-teste ............................................................................................

181

GRÁFICO 24 - Categorias quanto à maneira de grafar a palavra ditada no pós-

teste .................................................................................................. 183

GRÁFICO 25 - Diferentes maneiras de grafar as palavras ditadas no pós-teste pelo

GE ..................................................................................................... 186

GRÁFICO 26 - Diferentes maneiras de grafar as palavras ditadas no pós-teste pelo

GC .................................................................................................... 187

GRÁFICO 27 - Comparação entre as categorias boas e más no pré e pós-teste ....... 189

GRÁFICO 28 - Comparação entre as justificativas dadas pelos dois grupos no pós-

teste .................................................................................................. 190

GRÁFICO 29 - Comparação entre GE e GC quanto à resposta com ou sem elo no

pós-teste ........................................................................................... 198

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO 1 - Pré-teste aplicado junto ao GE e GC ................................................... 222

ANEXO 2 - Entrevista aplicada junto aos professores de quarta série das escolas

da rede pública e particular de Brusque .............................................. 225

ANEXO 3 - Jogo da forca ....................................................................................... 227

ANEXO 4 - Jogo da memória / Palavras e figuras .................................................. 231

ANEXO 5 - Completar frases .................................................................................. 233

ANEXO 6 - Achando o significado ......................................................................... 236

ANEXO 7 - Jogo dos pares opostos ........................................................................ 240

ANEXO 8 - Bingo de homônimos .......................................................................... 247

ANEXO 9 - Bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de

Scliar-Cabral ........................................................................................ 263

ANEXO 10 - Questionário psicossociolingüístico e socioeconômico dos alunos .... 291

ANEXO 11 - Exemplo da maneira como o material didático utilizado pela amostra

da pesquisa trata os homônimos ......................................................... 295

ANEXO 12 - Planejamento para as atividades desenvolvidas durante a intervenção

colaborativa ......................................................................................... 296

ANEXO 13 - Momentos de interação ....................................................................... 301

ANEXO 14 - Produção dos alunos comparando um par de homófonos não

homógrafos .......................................................................................... 327

ANEXO 15 - Texto para ditado interativo retirado de Diário de Zlata .................... 330

ANEXO 16 - Texto Emergência com lacunas para ditado interativo ....................... 331

ANEXO 17 - Material produzido pelos sujeitos para explicar a grafia de assento,

cinto, espiada, cavalheiro, cumprimento e despensa ........................... 332

ANEXO 18 - Texto para releitura focalizada: Ninguém atravessa o arco-íris ......... 335

ANEXO 19 - Cartazes com palavras que podem receber o prefixo des- ou dis- ...... 336

ANEXO 20 - Textos para o ditado interativo: Corrida espacial .............................. 337

ANEXO 21 - Cartazes produzidos pelos sujeitos para explicar a grafia de acesa,

cena, conserto, descrição, intenção ..................................................... 338

ANEXO 22 - Folheto de divulgação da revista Nosso Amiguinho ............................ 341

ANEXO 23 - Roteiro de trabalho elaborado pela professora para análise do folheto

da revista Nosso Amiguinho ................................................................ 342

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ANEXO 24 - Folheto sobre cólera para fazer a releitura focalizada ........................ 343

ANEXO 25 - Cartaz para explorar o uso dos prefixos en(m)- e in(m)- .................... 344

ANEXO 26 - Folha de sondagem do jogo achando o significado ............................ 345

ANEXO 27 - Notícia: Cavalos ganham fraldão e placa ......................................... 346

ANEXO 28 - Ilustração e legenda: produção dos alunos para a notícia trabalhada .. 347

ANEXO 29 - Cenários produzidos pelos alunos ....................................................... 348

ANEXO 30 - Jogo do Castelo Vampiresco ............................................................... 349

ANEXO 31 - CD-ROM: Homônimos: da brincadeira à reflexão ............................. 352

ANEXO 32 - Livro: Não confunda homônimos legais com palavras normais ......... 353

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LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

P – professora

Pq – pesquisadora

Sn.º – sujeito identificado pelo número

S? – sujeito não identificado

VS – vários sujeitos

PS – poucos sujeitos

[ ] – silêncio ou espera

[?] – não entendível

[...] – discussões

( ) – explicação fornecida pela pesquisadora

T – texto lido

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RESUMO

A aprendizagem da codificação, nas séries que seguem a alfabetização, deve sercentrada na depreensão das regras de correspondência entre fonemas e grafemas e naconstrução da memória lexical ortográfica. A tarefa do aprendiz do sistema escrito nãoé fácil, pois, na maioria das vezes, as regras de codificação não são independentes docontexto. Portanto, ele precisará entender, inicialmente, as regularidades, analisando asregras dependentes do contexto, seja ele fonético e/ou morfológico e, posteriormente, ocontexto competitivo, no qual estão incluídos os homófonos não homógrafos, objeto deanálise desta tese. Isso leva a perceber que a tarefa de quem está aprendendo o sistemaescrito envolve uma série de habilidades: no caso dos homófonos não homógrafos, épreciso atentar, sobretudo, para o significado. Deste modo, juntando informaçõesadvindas das próprias palavras com outras provenientes do contexto, professor e alunos,em um processo de análise, depreenderão regras que permitirão entender a normaortográfica, não apenas decorá-la. É justamente esse aspecto, o puramente mecanicista,que se deseja combater, uma vez que ele está presente no cotidiano escolar tanto naforma como é explorada a ortografia quanto na arquitetura dada, em geral, a este tópiconos livros didáticos. Acreditando-se que é em um contexto de interação que ocorre aaprendizagem da codificação, a presente pesquisa apresenta os resultados de umaintervenção colaborativa realizada junto a 25 alunos da quarta série do EnsinoFundamental, em Brusque-SC, para os quais se desenvolveram materiais quefacilitassem a aprendizagem de homófonos não homógrafos da mesma classegramatical, com ênfase aos jogos desenvolvidos em CD-ROM. Os resultadosmostraram significativa diferença entre o grupo em que a intervenção foi realizada emcomparação com outro grupo controle, tanto quanto à maneira de grafar a palavraquanto à capacidade de explicar por que as palavras são grafadas de forma diferente.

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ABSTRACT

Learning of coding in the groups after literacy must be centered both on theinference of the rules of correspondence between phonemes and graphemes and theconstruction of the orthographical-lexical memory. The learner’s task to master thewritten system is not easy because in most cases the rules of coding are not independentof context. Therefore, the learner will first need to understand the regularities byanalyzing the rules which are dependent on the phonetic and/or morphological context,and then the competitive context in which non-homograph homophones are included,the aim of this thesis. This makes us to notice that the task of the learner of the writtensystem involves a number of abilities: with regard to the non-homograph homophones,attention on meaning is needed. Thus, putting together information coming both fromthe words and the context, teacher and learners, in an analytical process, will infer rulesthat will make them understand the orthographic norm, not momorize it. It is exactlythis merely mechanicist aspect that is under combat here, because in a mechanicist wayit persists in the daily life of schools both in the orthographic exploitation and its displayin text-books. Believing that the learning of coding is likely to occur in an interactivecontex, this research presents the results of a collaborative intervention conducted with25 fourth-graders learners on the elementary level, at Brusque (SC). Materials werespecially designed – together with CD-ROM games – to make the learning of non-homograph homofones of the same gramatical class easier. In two aspects, the resultsshowed a significant difference between the group which went through the learningintervention and the other control-group: in their way to write the word and capacity toexplain why the words are written in different ways.

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1 INTRODUÇÃO

O ensino e a aprendizagem da codificação, no contexto escolar, vêm sendo

realizados sem uma compreensão clara desse processo. Um dos principais fatores é que os

professores, na sua formação acadêmica, raramente estudam quais os princípios do sistema

alfabético do português do Brasil (Scliar-Cabral, 2001; 2003). Esses e outros

desconhecimentos levam o professor do Ensino Fundamental à realização de uma prática pela

prática, ou seja, coletam algumas receitas aqui, outras ali, realizam atividades, mas não

compreendem por que o fazem. Para que esse quadro sofra alguma mudança, faz-se

necessário que quem alfabetiza, e aqui não se fala apenas da primeira série, compreenda como

acontece o processo de codificação, quais os contextos e regras envolvidos. Tendo essa

clareza, os professores conseguirão identificar os problemas que se apresentam em sala de

aula e, por entendê-los, tomarão decisões mais acertadas, conduzindo com maior sucesso todo

o período de aprendizagem da língua escrita por que passa a criança.

A presente tese, que se insere na área de Psicolingüística Aplicada, ciência que

investiga os processos envolvidos na recepção e produção de textos, visa compreender como

acontece o ensino e a aprendizagem da codificação. Esta é mais complexa que a

descodificação, pois quem escreve está envolvido em todo um processo que vai desde a

motivação, seleção de esquemas mentais, de registros adequados, codificação lingüística até a

linearização em si. Interessa-nos especialmente a escolha dos grafemas depois de selecionada

a inserção do item lexical na frase. Nesse momento, quem escreve deverá selecionar que

grafemas codificam a realização de determinados fonemas, em nosso caso, observando o

contexto, uma vez que este é competitivo e sua escolha depende do significado atribuído ao

item lexical. Além disso, há um outro fator que interfere na escolha: a variação

sociolingüística, uma vez que o aprendiz, durante a aquisição de sua língua, esteve exposto a

uma variedade que foi internalizada.

A investigação teve como objetivo geral identificar e analisar as dificuldades que

estão presentes, em alunos de quarta série, quando precisam grafar e explicar homófonos não

homógrafos, em particular, da mesma classe gramatical; além desse, dois objetivos

específicos foram focados: investigar o conhecimento dos professores de quarta série do

Ensino Fundamental sobre o ensino e a aprendizagem de tais homófonos. Além disso, a

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2

pesquisa teve a intenção de propor sugestões para o ensino de homófonos não-homógrafos da

mesma classe sintática.

Três problemas foram focados na presente tese: o ensino da ortografia na escola

enfatiza, na sua maioria, a memorização de palavras e o acúmulo de regras; os professores dos

dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, na sua formação acadêmica, raramente estudam

os princípios do sistema alfabético do português do Brasil, o que promove a falta de

compreensão de como se dá o ensino-aprendizagem da ortografia, conduzindo a um

tratamento generalizado do assunto; o material didático usado para o ensino da ortografia e,

conseqüentemente, da homofonia tem como base o livro didático, no qual este conteúdo é

apresentado, na sua grande maioria, sob a forma de exercícios mecânicos e

descontextualizados. Estes fatores motivaram o desenvolvimento desta pesquisa que

investigou o acesso do léxico ortográfico e homonímia a fim de analisar como a prática de

sala de aula vem desenvolvendo o processo de codificação, especificamente em contextos

competitivos, possibilitando, a partir dos dados, apresentar uma proposta metodológica que

permita uma outra forma de entender o ensino e a aprendizagem da codificação na escola.

Dessa forma, buscamos estabelecer uma ponte entre a teoria lingüística e

psicolingüística e a aplicação que é necessário que se faça, em sala de aula, quando se deseja

trabalhar com o significado das palavras. É preciso que os professores percebam que há uma

distinção entre saber a língua e saber analisar a língua dominando conceitos. Afinal, saber a

língua é ter domínio das habilidades de uso dela em situações reais, nas quais acontece a

interação com o outro, percebendo as diferenças entre uma e outra forma de expressão.

A presente tese está organizada em cinco capítulos e anexos que são apresentados em

volume separado: 1) Introdução; 2) Revisão da literatura; 3) Metodologia; 4) Análise e

discussão dos dados; 5) Considerações finais.

O primeiro capítulo contém uma explicação geral do trabalho explanando ao leitor a

razão que levou à investigação do tema bem como os problemas e os objetivos. No segundo,

está a revisão da literatura que enfocou, inicialmente, a homonímia sob a visão dos gramáticos

e dos lingüistas; a seguir, apresenta-se uma abordagem psicolingüística, estabelecendo a

diferença entre o processamento de leitura e escritura, quando também se discutem aspectos

como o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita e o sistema alfabético. Por fim,

abordam-se o sistema verbal escrito e seu desenvolvimento na escola, enfocando a

homonímia, especificamente os homófonos não homógrafos. O capítulo três descreve a

metodologia adotada na pesquisa, detalhando tipo de pesquisa, sujeitos, instrumentos de

coleta de dados e sua forma de aplicação e análise. No quarto capítulo, são apresentados os

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dados para análise e discussão, o que foi feito em três momentos: análise dos dados do pré-

teste; análise da intervenção colaborativa; análise dos dados do pós-teste. Por fim, são

apresentadas as considerações finais, enfatizando os aspectos mais significativos da tese Em

anexo, estão todos os instrumentos de coleta de dados elaborados para a pesquisa, os textos

usados para as atividades em sala de aula bem como as produções dos alunos que

participaram do grupo no qual se desenvolveu a intervenção.

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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Homonímia: entendendo esse fenômeno de indeterminação semântica

O objeto central de estudo desta seção é a homonímia. Entretanto, não é possível

estudá-la sem fazer referência a outros fenômenos, que também estão próximos quando se

busca a determinação de um significado. Assim, além desse tópico, serão analisados outros

dois, polissemia e ambigüidade, tendo em vista que a maioria dos autores consultados

estabelece uma ponte entre os três, a fim de evidenciar as semelhanças e as distinções que

podem ser feitas, pois cada fenômeno, embora relacionado com os outros, tem características

que permitem defini-lo de uma ou outra maneira.

Assim, são objetivos gerais, nesta seção, situar e comparar a homonímia com outros

fenômenos de indeterminação semântica a fim de traçar um paralelo que possibilite entender

quando ocorrem um e outro fenômeno; confrontar conceitos de homonímia apresentados tanto

em gramáticas como em bibliografia específica da área; estabelecer diferenças e semelhanças

entre homonímia, homofonia e homografia.

2.1.1 O que dizem as gramáticas e outros materiais adotados pelos professores

Para iniciar a busca do entendimento desse termo, a primeira fonte de consulta é o

dicionário (Aurélio, 1999) que define homonímia como a “identidade fonética entre formas

de significado e origem completamente distintos, como entre são, presente do verbo ‘ser’, e

são, ‘santo’. Na escrita, palavra que têm a mesma pronúncia, e igual grafia (como falácia,

‘que é falaz’, e falácia, ‘falatório’) ou grafia diferente (como lasso, ‘cansado’, e laço,

‘laçada’)”. Entretanto, o autor não faz a distinção precisa entre homófonos não homógrafos e

os homônimos perfeitos.

As gramáticas adotam praticamente a mesma concepção e tratam a homonímia como

se pode observar na síntese que segue a respeito das obras consultadas.

Mesquita (1994, p. 89-91) diz que, em português, há palavras que se assemelham na

forma (pronúncia ou grafia), que têm significados diferentes. São chamadas de homônimas e

entre elas distinguem-se as homógrafas das homófonas, e estas das perfeitas.

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Terra (1987, p. 22) de forma resumida define os homônimos como palavras que têm

a mesma pronúncia, mas significados diferentes.

Nicola e Infante (1991, p. 423) os definem como palavras cujo significante é

praticamente idêntico, mas cujo significado é diferente. Os autores também apresentam as

subdivisões e explicam que homógrafos possuem a mesma grafia, mas timbre vocálico ou

acentuação tônica diferente; homófonos possuem a mesma pronúncia, mas são representados

graficamente por letras diferentes; homógrafos e homônimos ou homônimos perfeitos

possuem exatamente o mesmo significante (gráfica e sonoramente) e significado diverso. Os

autores, portanto, entram em contradição, pois incluem nos homônimos perfeitos os

homógrafos, esquecendo o que afirmaram em relação ao timbre e/ou acentuação tônica

distintos, por exemplo, olho verbo ou substantivo.

Rocha Lima (1982) apresenta a homonímia na parte de “rudimentos de estética e

poética”. Para o autor, os homônimos são mais um dos fatores de perturbação da boa escolha

das palavras; e só deveriam ser consideradas como tais as palavras com origem diferente e

mesma forma em virtude da coincidência em sua evolução fonética. A crítica recai, então, ao

fato de não se levar em conta o critério etimológico, considerando-se homônimas todas as

palavras que possuem forma idêntica e designam coisas distintas como é o caso da palavra

“cabo”, posteriormente comentada por Mattoso Câmara Jr. Os homônimos homófonos são

definidos como aqueles que, apesar de terem as mesmas vogais e consoantes, são grafados

diversamente.

Há outros autores que, além de tratar da homonímia, também apresentam explicações

para o fenômeno da polissemia.

Leme, Serra e Pinho (1981, p. 206) definem a homonímia como fenômeno que

consiste no fato de dois significantes idênticos terem diferentes significados. Exemplificam

com pregar que pode significar pôr pregos e fazer sermão; dó que tanto significa nota

musical como piedade. A distinção em casos assim é feita pelo contexto lingüístico e/ou pela

situação concreta em que se está. Contrapõem a essa explicação, a polissemia, que é o fato de

uma palavra ter vários significados. Sugerem consultar a palavra cravo no dicionário e ver a

variedade de significados.O dicionário Aurélio (1986, p. 495; 1999) apresenta três entradas

para cravo:

cravo1: [ Do cat. clavell]. A flor do craveiro; cravo-da-índia.

cravo2: [Do lat. clavu]1. Prego para ferradura. 2. Prego com que os pés e as mãos dos

crucificados eram fixados à cruz. 3. Afecção do folículo sebáceo. 4. calo doloroso e

aprofundado no derma, na planta do pé, como um cone.

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cravo3: [ Do fr. clavier, ou fr. clavecin] Instrumento de cordas com um ou dois

teclados, da família da espineta e do virginal, e cujo som é produzido por meio de plectros que

puxam as cordas fazendo-as vibrar; clavecino, clavicímbalo.

Há referência também a compostos como: cravo-bordado, cravo-da-índia, cravo-de-

amor, cravo-de-bouba, cravo-de-cabecinha, cravo-de-defunto, cravo-do-maranhão.

Outro autor que apresenta os dois fenômenos juntos é Bechara (1969, p. 422), para

quem a polissemia é o fato de ter um vocábulo mais de uma significação; já a homonímia é o

fato de haver vocábulos que se pronunciam da mesma maneira, mas que têm significados

diferentes. Podem ter ou não a mesma grafia. Em obra mais recente (2003, p. 402-3), ele

continua apresentando os dois fenômenos juntos a fim de ratificar o que foi proposto na obra

anterior. Entretanto, são discutidos com mais detalhes, fazendo inclusive menção à

dificuldade de distinção entre eles. Aponta como critérios para aclarar se se trata de

polissemia ou homonímia : “a) critério histórico-etimológico – é o que fazem, em geral, os

nossos dicionários; b) a consciência lingüística do falante; c) critérios das relações

associativas; d) critérios dos campos lexicais” (op. cit., p. 403), embora saiba que esses

critérios estão sujeitos a críticas. Como exemplo de homônimos, apresenta a palavra são,

também selecionada pelas autoras que vêm a seguir. Diferentemente de Rocha Lima, advoga

que, em virtude do papel do contexto na significação de uma forma, a homonímia é possível

sem prejuízo da comunicação. Por fim, quanto aos homófonos, diz que sua distinção, na

língua escrita, se deve ao fato de cada qual ter grafema diferente de acordo com o sistema

ortográfico. Entretanto, é preciso observar que a razão que explica a diferença na grafia é a

etimológica.

Também Martins e Zilberknop (1997, p. 40-3) aproximam as duas ocorrências e as

distinguem dizendo que homonímia é a situação em que uma só palavra assume duas ou mais

significações completamente diferentes, mas cuja origem admite vocábulos heterogêneos.

Contudo, faltou as autoras apresentarem também a distinção entre os homônimos perfeitos e

os homófonos não homógrafos. Com relação à homonímia, as autoras esclarecem que os

dicionários, via de regra, apresentam mais de uma entrada (verbete) e exemplificam com são:

1) sadio (latim = sanus”); 2) santo (latim = sanctus), este merece correção: “sanctum”; 3)

verbo ser (latim = sunt). Quanto à polissemia, é definida como a situação em que uma palavra

assume significados variáveis de acordo com o contexto, mas cuja origem é única. Com

relação a este fenômeno de indeterminação, os dicionários, via de regra, apresentam uma

entrada. Exemplificam com ponto que vem do latim “punctus” (também deve ser corrigido:

punctum) e pode significar: sinal gráfico; lugar determinado; livro em que se marcam faltas,

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etc. Finalizam com a observação de que há palavras que são homônimas em relação às outras

e polissêmicas se as compararmos com terceiras. As autoras também exploram a palavra

cravo e afirmam que, quando se origina do francês clavecin instrumento de cordas e quando

se origina do latim clavu (prego, afecção da pele, flor ou condimento), são homônimos.

Entretanto, só os últimos são polissêmicos, pois, além de terem analogia na forma, têm a

mesma origem vocabular.

Aqui se pode notar que há uma divergência quanto ao exemplo apresentado por parte

de Leme, Serra e Pinho e pela última obra consultada. O que se pode observar é que as

últimas autoras se valem do critério etimológico.

Sacconi (1982, p. 352-3; 1994, p. 432-3) também leva em conta o enfoque diacrônico

para estabelecer um paralelo entre homonímia e polissemia. Segundo ele, por diacronia, só há

homonímia quando uma palavra possui vários significados, mas resulta de vocábulos

distintos. Exemplifica com rio que provém de rivu (substantivo latino) ou de rideo (verbo

latino). Há polissemia quando uma palavra adquire multiplicidade de significados, que se

explicam dentro de um contexto; neste caso, trata-se realmente de uma única palavra, que

abarca grande número de acepções dentro de seu próprio campo semântico. Entretanto, isso

não acontece obrigatoriamente, pois se tem, por exemplo, as metáforas. Para exemplificar a

multiplicidade de significados, o autor selecionou o verbo fabricar e o adjetivo fino, além de

comentar que também há conjunções polissêmicas: que, se, como, porque, porquanto, que ora

aparecem com um valor e ora com outro, dependendo do contexto em que estão inseridas.

2.1.2 Uma discussão dos limites entre homonímia e polissemia: com a palavra os lingüistas

Para iniciar esta seção, acredita-se ser importante apresentar a distinção entre os

termos significado e sentido. Isso se justifica por não haver, entre a maioria dos autores

consultados, clareza a respeito dos dois termos que aparecem, muitas vezes, de forma

inadequada no contexto. Além disso, há que se levar em consideração que, quando o autor se

baseia em um texto original em inglês, a palavra meaning, tanto se refere a significado como a

sentido, assim, nas fontes consultadas, esse aspecto não aparece contemplado como deveria.

A distinção1 entre esses dois termos parte da dicotomia que Saussure fez entre langue

e parole. A língua é um sistema que está na mente dos indivíduos pertencentes à mesma

comunidade lingüística e, assim, o léxico internalizado é o incorporado naquela comunidade.

1 Para a discussão do assunto, foram consultadas notas de aula da disciplina Psicolingüística II, ministrada pelaDr.ª Leonor Scliar-Cabral, no I semestre de 2002, bem como material publicado pela professora.

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Já o discurso é a enunciação de locutores para alocutários no espaço e no tempo, levando-se

em conta também as pessoas do discurso.

Na memória semântica, o que se tem são as significações básicas, ou seja, são

aquelas significações emprestadas pelos membros de uma mesma comunidade a um

determinado item lexical. No caso dos homônimos, no léxico mental, há mais de uma entrada

e cada uma delas vai apontar para o respectivo significado na memória semântica. Já, quando

o item é polissêmico, um mesmo item vai apontar para as várias significações básicas na

memória semântica. Essas significações, na enunciação, vão poder se referir a referentes

presentes, passados ou futuros em qualquer contexto.

Portanto, o significado é a referência e o sentido é aquele que recupera um referente.

O item “casa” ilustra esta distinção. Quando um falante diz que vai para casa, esta tem uma

significação básica para todos os membros de uma comunidade lingüística, ou seja, significa

lugar para morar. Entretanto, quando um falante diz: “Eu vou para a minha casa”, este item

vai recobrir um referente específico. Assim, pode-se perceber que o sentido é construído na

enunciação e pode não ser o mesmo para os vários membros de uma determinada

comunidade, pois o sujeito recupera um referente.

Enfim, na organização mental, haveria significados propriamente ditos apenas na

memória semântica, mas muitas pessoas, ao acessarem os significados, como estratégia

preferencial, recorrem ao conhecimento de mundo e ao conhecimento enciclopédico. Isso

implica que estão construindo sentidos voltando-se para a memória de eventos. Quanto a esta

capacidade do ser humano, explica Scliar-Cabral (2002, p. 66): “a indeterminação decorre

também do princípio universal de que qualquer língua possui instrumentos disponíveis que

permitem atualizar ou definir qualquer sentido lingüístico interpretável pelos usuários. Este é

o cerne da idéia humboldteana de criatividade”.

Passa-se, então, a uma incursão pelos autores que discutem o tema e, valendo-se do

critério cronológico, a primeira apreciação será feita a partir da visão de Mattoso Câmara Jr.

(1968, p. 194-6) para quem a homonímia é “propriedade de duas ou mais formas, inteiramente

distintas pela significação ou função, terem a mesma estrutura fonológica: os mesmos

fonemas, dispostos na mesma ordem e subordinados ao mesmo tipo de acentuação”. Ele

também apresenta como exemplo a palavra são em diferentes contextos: a) Um homem são;

b) São Jorge; c) São várias as circunstâncias.

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O autor considera a homonímia, nas línguas, uma deficiência do princípio geral da

distinção fonológica como base da distinção formal. Porém, em virtude do papel do contexto2

na significação de uma forma, como as apresentadas anteriormente, não há prejuízo na

comunicação lingüística.

Outro aspecto para o qual chama a atenção é que a significação lingüística envolve a

polissemia3 e, por isso, a descrição lingüística tem de saber distinguir entre a polissemia de

uma forma e a homonímia de duas ou mais formas. Para tal, pode-se fazer uso do critério

diacrônico ou do sincrônico. O primeiro considera homônimas apenas as formas

convergentes da gramática histórica e o segundo, as formas fonologicamente iguais, cujas

significações não se consegue associar num campo semântico definido. Também as classes

de vocábulos auxiliam para explicar os homônimos, pois palavras como alimento,

dependendo da função que ocupam, podem aparecer ora como substantivo ora como verbo.

Mattoso Câmara Jr. (1977), ao analisar o critério etimológico, diz não ser este

totalmente satisfatório. Para saber até que ponto se teria polissemia ou homonímia, o autor

considera importante introduzir considerações diacrônicas na descrição sincrônica. O

exemplo escolhido é a palavra cabo. Do latim “caput” (=cabeça), têm-se os significados:

posto militar; acidente geográfico. Também o latim “capulus”, derivado de “capere”

(=segurar), dá origem a cabo como peça para segurar um instrumento. Mas nem tudo é tão

simples assim e, para mostrar que há falha na descrição diacrônica, o autor apresenta como

contra-exemplo a palavra pata cuja origem é desconhecida. Para ele, seria incoerente afirmar

que cabo, significando acidente geográfico e posto nas forças armadas, apresenta um caso de

polissemia em face de uma homonímia com o outro significado, peça para segurar um

instrumento. Para o autor, a solução está na distribuição das formas, um critério basicamente

sintático. Assim, a polissemia seria indicada pela distribuição igual e a homonímia, pela

diferente. Tomando novamente a palavra cabo, esta seria polissêmica, pois sua distribuição

como substantivo é a mesma na frase, funcionando ora como sujeito ora como objeto:

(1) a) O cabo cuidou do pelotão durante o desfile.

b) Há histórias incríveis sobre o cabo da Boa Esperança.

c) Marília irá consertar o cabo da panela.

2 Para o autor, significa “o conjunto de uma enunciação lingüística posta em cotejo com os elementos que acompõem”. ( 1968, p. 101).3 “Propriedade da significação lingüística de abarcar toda uma gama de significações, que se definem e precisamde um contexto”.(ibid, p. 285)

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Rehfeldt (1980) considera o critério da distribuição das formas pouco válido, pois

não contribui para esclarecer os problemas semânticos. Também os critérios da relação entre

os significados e o da intuição do falante oferecem problemas. Para a autora, que argumenta

haver pouca fundamentação para especificar as diferenças entre polissemia e homonímia, com

segurança, é viável adotar a perspectiva sincrônica, na qual o significado é determinado pelo

uso e pelas circunstâncias em que a palavra é utilizada. Desta forma, é importante valer-se

tanto do contexto lingüístico como do extralingüístico para estabelecer o significado.

Lyons (1987, p. 140-3) também estabelece um paralelo entre homonímia e

polissemia, mas advoga ser difícil estabelecer diferença entre uma e outra. Para o autor, os

homônimos são, tradicionalmente, palavras diferentes (lexemas)4 com uma forma igual. Mas

isso é válido se for levada em conta apenas a homonímia absoluta, pois, quando há a parcial,

ou seja, o caso dos homófonos não homógrafos, a referência à “forma igual” fica afetada.

Assim, é preciso rever essa definição partindo da inclusão de tipos de homonímia parcial. No

que se refere à polissemia (ou significado múltiplo), é propriedade de lexemas simples. Ao

fazer esta referência, está estabelecendo a diferença entre um e outro fenômeno. O autor

apresenta como exemplo de homônimos a palavra bank também explorada por Pustejovsky

(1998, p. 27), significando em (2 a) margem de rio e (2 b) instituição financeira:

(2) a) Mary walked along the bank of the river.

b) HarborBank is the richest bank in the city.

Para exemplificar polissemia, Lyons escolheu neck, que, nos dicionários do inglês, é

tratado como um único lexema com diferentes significados: 1. parte do corpo; 2. parte da

camisa ou vestimenta; 3. parte da garrafa; 4. faixa estreita de terra, etc.

Se, de um lado os dicionários apresentam a distinção entre homonímia e polissemia,

de outro surge uma questão: qual o critério que a estabelece? Novamente aparece o

etimológico, o qual é considerado, pelo autor, como irrelevante: “embora os lexicógrafos

possam sustentar que seja uma condição suficiente para a homonímia, a diferença de origem

nunca foi considerada necessária ou sequer a mais importante das condições diferenciadoras

entre homonímia e polissemia” (op. cit., p. 142). Então, como considerar esses dois

fenômenos? A distinção pode ser feita levando em conta a relação entre significados. O

4 Neste caso, o autor considera lexema como palavra e também esclarece que as palavras são lexemasvocabulares. Em outro ponto aventa que, como nem todos os lexemas são palavras, muitos são lexemassintagmáticos. Entretanto, nesta tese, lexema não é considerado como sinônimo de palavra, mas sim como omorfema que se refere à significação externa, em contraposição aos morfemas puramente gramaticais.

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lexicógrafo coloca apenas uma entrada lexical quando os vários significados de um lexema

polissêmico são relacionados entre si; caso contrário, haveria várias entradas lexicais e aí

haveria um caso de homonímia. Entretanto, uma questão não fica esclarecida pelo autor:

como o lexicógrafo decide? Ainda abordando a dificuldade de se levar em conta o que foi

mencionado, o autor exemplifica o que aconteceu com o significado de pupil1 (aluno) e

pupil2 (pupila), os quais estão historicamente relacionados, mas a ação do tempo os afastou,

dificultando a relação entre eles. Ao final, pode-se depreender que a visão do autor quanto à

distinção entre um e outro fenômeno não é muito otimista, pois embora seja fácil formulá-la, é

difícil aplicá-la seguramente.

Zandwais (1998, p. 137-8), baseando-se em Palmer (1976), mostra a dificuldade de

se encontrarem os limites entre homonímia e polissemia, devido à impossibilidade de

distinção entre uma forma e um mesmo significado. Para o autor, a tarefa é do dicionarista, o

qual deve selecionar uma ou mais entradas lexicais, dependendo de se o caso é de polissemia

ou homonímia. A fim de não deixar a questão entrar no campo da subjetividade, e resguardar

um princípio semântico, o autor retoma o critério etimológico. Além disso, para aproximar

mais as duas ocorrências, “conclui que itens lexicais polissêmicos apresentam vários

sinônimos e antônimos que correspondem, respectivamente, a cada um de seus significados”

(op. cit, p. 138).

Antes de abordar a homonímia, Kempson (1980, p. 79-83) estabelece uma distinção

entre palavra e item lexical (ou lexema). A primeira está ligada a um complexo fonológico e

a segunda caracteriza um paradigma; por exemplo, run, runs, running, ran têm entradas

separadas no dicionário, entretanto, é importante esclarecer que se trata do dicionário mental,

conforme se pode observar nas sentenças abaixo:

(3) a) He runs the motorshow.

b) He runs for Hampshire.

Outro exemplo apresentado é o de bank (também explorado por Lyons e

Pustejovsky) para o qual existem dois itens lexicais - margem e instituição financeira – para a

mesma palavra fonológica. Segundo a autora, este fenômeno de ambigüidade múltipla das

palavras (fonológicas) é conhecido como homonímia, um termo tradicionalmente reservado

para significados não relacionados das palavras. Logo, o que está listado no léxico (dicionário

teórico) são itens lexicais, não palavras. Se comparada à posição de Lyons, pode-se perceber

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que ambas comungam a questão da relação de significados e do número de entradas de itens

lexicais no dicionário.

Corroborando com a posição de Kempson, está a definição de homonímia

apresentada por Oliveira (2000, p. 86): “processo relacional que configura a identidade de

forma e/ou som entre dois lexemas, e cujos significados são distintos. Sua atuação é no

paradigma”. Como exemplos apresenta:

(4) a) Escolhemos uma bela revista de moda.

b) Esta edição foi revista e ampliada.

Assim, ainda que pareça haver identidade do ponto de vista lexical, contextualmente

há semas diferentes sendo privilegiados: “de moda” e “ato de revisar”. Ou seja, a

diferenciação de significado se mantém em cada contexto embora haja relação homonímica

no aspecto gráfico e fônico.

Também Scliar-Cabral (1985, p. 183-5), analisando a teoria de Pottier, afirma que

fazem parte do processo semasiológico5 a polissemia lexical e a sintática. O processo da

homonímia se situa na lexical, ou seja, se tem o mesmo significante, ainda que com sememas

distintos, como exemplifica a palavra são, apresentada anteriormente por Martins e

Zilberknop (1997) e por Mattoso Câmara Jr. Já na polissemia, existe a intersecção de dois ou

mais sememas como acontece com leito (do rio e cama):

(5) a) O leito do rio, naquele ponto, era razão de muitas lembranças da última cheia.

b) Doente, há vários dias, Joelma não saía do leito.

De acordo com Almeida (1990, p. 187-192), a homonímia e a polissemia são

fenômenos lingüísticos de origem diferente, como já discutido anteriormente, mas ambas

acabam convergindo para o mesmo resultado, a ambigüidade da frase.

Complementando a questão da duplicidade de sentido, são apresentadas as sentenças

analisadas por Ilari e Geraldi (1990, p. 57-8):

5 Pottier “enfatiza a importância dos mecanismos onomasiológico e semasiológico, não só no que diz respeito àmetodologia seguida pelo cientista, como a mecanismos que realmente operam no ato de comunicação,conforme os participantes estejam na posição de emissor (mecanismo onomasiológico) ou de receptor(mecanismo semasiológico)”. (op. cit.,p. 184).

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(7) O cadáver foi encontrado perto do banco.

(8) Pedro pediu a José para sair.

(9) José não consegue passar perto de um cinema.

Todas admitem diferentes leituras, mas a análise selecionada é referente ao caso

apresentado em (7) que novamente explora a palavra banco, aqui podendo significar casa

bancária ou assento, mas que tem a escrita e a pronúncia idênticas, ou seja, é um exemplo

claro de homonímia e esta é freqüentemente a raiz de uma ambigüidade. Na sentença

analisada, além da homofonia, há a homografia, o que não acontece em outros casos, nos

quais as palavras são homófonas, mas não são homógrafas, ou seja, se houver ambigüidade,

esta será provocada na fala, não na escrita, como evidenciam os exemplos:

(10) Margarida Mendes trouxe os ovos na sexta.

(11) Margarida Mendes trouxe os ovos na cesta.

Ainda a fim de discutir a questão da possibilidade de mais de uma leitura de uma

sentença, foi selecionado o exemplo apresentado por Moura (1999, p. 78-80):

(12) Antônio Ermínio comprou a Folha de São Paulo.

Partindo da afirmação de Pinkal (1995), o autor explica que a ambigüidade ocorre

quando a informação discursiva é insuficiente para a desambigüização. Então o intérprete

pode recorrer a uma inferência pragmática, atribuindo uma certa crença ao locutor, e isso

resolve a ambigüidade. A precisificação (Pinkal, 1995) é outra forma de resolver a

ambigüidade, ou seja, a duplicidade de sentido é eliminada, pois o contexto se torna mais

informativo. O locutor, por exemplo, pode acrescentar à sentença em (7) a expressão “Itaú” e,

assim, o ouvinte/leitor só acessará um significado, o de casa bancária.

Ainda recorrendo a Pinkal, é interessante analisar mais casos de ambigüidade de

sentido limitado. O autor faz uma dupla divisão: ambigüidade do Tipo-P e ambigüidade do

Tipo-H. Uma sentença como

(13 ) Não gosto de maçã verde.

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Apresenta a possibilidade de duas leituras, tanto dando a entender a cor “verde”

como o fato de “não estar maduro”, mas ambas podem se referir ao mesmo objeto, no caso,

maçã. O que se tem aqui é uma expressão chamada Tipo-P, que é uma espécie de

ambigüidade que corresponde à polissemia.

Já o tipo H tem um outro comportamento, pois é a gramática que determinará o

sentido da expressão que aparece no discurso. Um exemplo é cravo, cujos significados foram

apresentados anteriormente. Nas sentenças abaixo, é possível perceber que, diferentemente

do tipo P, não é possível apresentar os três sentidos se referindo ao mesmo referente:

(14) a) O cravo é uma flor adequada para presentear homens.

b) Cristo teve seus pés e mãos afixados à cruz por cravos.

c) Hoje não se encontram mais pessoas que saibam tocar cravo.

A ambigüidade lexical também mereceu a discussão de Pustejovsky (1998, p. 27-38),

o qual explorou duas dimensões desse problema. O autor reafirma que muitas palavras na

língua têm mais de um significado, uma propriedade usualmente chamada de polissemia, mas

os meios pelos quais as palavras carregam múltiplos significados podem variar. Por exemplo,

Weinreich (1964; citado por Pustejovsky) distingue dois tipos de ambigüidade: a primeira ele

chama de ambigüidade contrastiva. Esta é vista quando um item lexical acidentalmente

carrega dois significados distintos e não relacionados, afins (i.e. homonímia). O autor

apresenta exemplos do inglês com as palavras bank, line, taxi, bar e turned. Levando em

consideração o português, é possível se ter sentenças como:

(15) a) Joana iniciou a carta dizendo: escrevo estas linhas para contar as novidades.

b) Quando Rubinho irá ultrapassar a linha de chegada em primeiro lugar?

c) A mãe pegou a linha e começou a bordar o nome da menina.

Entretanto, o melhor exemplo em português é a palavra são para a qual já foram

apresentados exemplos anteriormente, pois em (15a) temos um caso de metonímia.

O outro tipo de ambigüidade, ao qual Weinrich (op. cit.) se refere, envolve os

significados lexicais que são manifestados no mesmo sentido de base da palavra que ocorre

em diferentes contextos. O autor apresenta cinco exemplos, explorando as palavras bank,

window, door, farm, open, dos quais dois foram pinçados:

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(16) a) The bank raised its interest rates yesterday

b) The store is next to the newly constructed bank.

c) John crawled through the window.

d) The window is closed.

Casos como esses são denominados complementary polysemy. O modelo sugerido

por Pustejovsky de significado lexical pode, segundo o autor, ser capaz de dar conta de como

a palavra [bank] banco pode se referir tanto à instituição quanto à construção; e de como a

palavra [window] janela pode se referir tanto à abertura quanto ao objeto físico. Explorando

exemplos em português, percebe-se que também é possível a construção de sentenças

similares, que exemplificam a metonímia:

(17) a) O ladrão pulou a janela.

b) O marceneiro fabrica uma janela por semana.

2.1.3 Critérios de distinção entre os fenômenos de indeterminação semântica

Para estabelecer a distinção entre homonímia e polissemia, recorreu-se a Moura

(2001) que apresenta para tal o critério da obrigatoriedade de determinação no contexto.

Retomando Pinkal (1995, p. 86), sabe-se que “uma expressão é homônima se e somente se um

nível de base indeterminado é inadmissível.” Assim, no critério primeiro, quando se tem um

item lexical homônimo, sua seleção é obrigatória no contexto. Portanto, em uma sentença na

qual apareça o item banco, só poderá haver uma das duas interpretações possíveis, isto é,

instituição financeira ou assento. Entretanto, no caso da polissemia isso não ocorre, uma vez

que admite valor de verdade indefinido. Ou seja, mais de uma acepção pode co-ocorrer para

o item lexical. Por exemplo, as palavras livro, carta e brochura também discutidas por Cruse

(2000), permitem que sejam interpretadas tanto como [texto] quanto [tomo].

É justamente o critério de obrigatoriedade de determinação no contexto, segundo

Moura (2001), que caracteriza a homonímia, opondo-se, então, à polissemia e vagueza. Essa

idéia parte da análise feita dos testes de ambigüidade já propostos por outros autores

(Kempson, 1980; Cruse, 2000). Este apresenta os testes de identidade e de zeugma, os quais

visam cotejar a incompatibilidade de significações em um mesmo item lexical.

Diferentemente do proposto por Moura, esses testes agrupavam de um lado a ambigüidade,

englobando homonímia e polissemia, e vagueza de outro.

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Assim, é possível perceber que a oposição entre homonímia e polissemia ocorre

quando, naquela “há uma incompatibilidade completa entre os sentidos de uma palavra, mas

no caso da polissemia tal incompatibilidade pode ser maior ou ‘menor’” (Moura, 2001, p.

113-4).

O teste de identidade é uma proposta para mostrar se há ou não sentidos compatíveis.

Para tal, se acrescenta a expressão (fazer isso/ser isso) também a fim de verificar se é exigida

obrigatoriamente a identidade dos sentidos conectados por ela. Para exemplificar, apresenta-

se o exemplo que segue:

(18 ) Maria Eduarda trabalha na revista e Cláudia também.

A expressão também exige a obrigatoriedade de determinação no contexto. Ou se

tem a interpretação de que tanto Maria Eduarda e Cláudia fazem inspeção ou que trabalham

num periódico onde se divulgam assuntos variados ou ainda que atuam em um show de

variedades. Não seria possível atribuir a uma o significado de que faz inspeção e a outra que

trabalha em um periódico. Portanto, a homonímia bloqueia a leitura cruzada, o que possibilita

só uma acepção ser acessada.

Entretanto, isso não acontece com as palavras polissêmicas e vagas, pois como

mostra o exemplo, assim como a palavra livro, CD também apresenta mais de uma

interpretação (cf. Cruse, 2000):

(19 ) Meu amigo gostou do CD do Djavan e meu pai também.

O teste de zeugma, no qual há a elipse do verbo, é outro relacionado ao critério de

obrigatoriedade de determinação no contexto, o qual também possibilita que somente uma

acepção seja acessada. Moura (2001) apresenta como exemplo:

(20) João montou um cavalo, e Maria a peça de Shakespeare.

Neste caso, apesar de montar apresentar dois sentidos (cavalgar; encenar), apenas um

é determinado, ou seja, João cavalga e Maria encena. Não é possível, a não ser em alguns

tipos de discurso como o humorístico, coordenar por zeugma esses dois sentidos, por que o

contexto exige que apenas uma acepção seja determinada, assim, não há a possibilidade de

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leitura cruzada e o que se tem, então, é um caso de homonímia. Se o exemplo tratasse de

palavras polissêmicas ou vagas, não haveria o bloqueio da leitura cruzada.

Portanto, o critério de obrigatoriedade de determinação no contexto divide em duas

classes os fenômenos de indeterminação semântica aqui apresentados. De um lado está a

homonímia e de outro a polissemia e a vagueza.

2.1.4 Afunilando os conceitos

Depois de uma incursão por pontos de vista que divergem e convergem no que diz

respeito à homonímia e aos outros fenômenos que estão relacionados, ambigüidade e

polissemia, é preciso estabelecer delimitações.

A polissemia é descrita como uma propriedade essencial à sobrevivência de uma

língua por Perini (1996, p. 251-2), pois “sem ela não poderiam funcionar eficientemente.

Seria impraticável dar um nome separado a cada ‘coisa’, incluindo aquelas que nunca

vimos.[...] confere às línguas humanas a flexibilidade de que elas precisam para exprimir

todos os inumeráveis aspectos da realidade. Conseqüentemente, a maioria das palavras são

polissêmicas em algum grau. Palavras não-polissêmicas são raras...”. Se de um lado, é

possível concordar com Perini; por outro, não se pode acreditar que seja tão simples

estabelecer os limites entre este fenômeno e a homonímia como apregoam as gramáticas. A

posição de Scliar-Cabral (2002, p. 67) alerta para isso:

A explosão semântica causada pelo crescimento exponencial da ciência e da tecnologia no últimoséculo, paralelamente à injeção maciça dos empréstimos lingüísticos devido à globalização, acarretaproblemas avassaladoramente complexos. Os fatos não são tão transparentes quanto os referentesatribuíveis à palavra “banco”, tantas vezes citada na literatura, quer por processos polissêmicosou homonímicos [grifo nosso] (Pustejovsky & Boguraev 1996: 2; Buvac 1996: 113; Mineur eButtelar 1996: 129). A recuperação da referência e a identificação do referente de uma expressãotambém envolvem processos anafóricos a nível micro e macro estrutural dos textos coesivamenteconstruídos, além da utilização de recursos extralingüísticos, tais como o contexto situacional, oconhecimento cultural e compartilhado e pistas pragmáticas. Em adendo, o contexto situacional éabsolutamente necessário para a recuperação referencial das pessoas do discurso e seus satélitesespaciais (de Villiers e de Villiers, 1974) e temporais, já que eles carecem de autonomia referencial:junto com o conhecimento cultural e compartilhado, são responsáveis pela vaguedade do discurso.

Ainda que sejam tênues os limites ou até mesmo difíceis de serem estabelecidos,

como afirma Lyons, é possível tomar uma posição e advogar que conceitos expressam de um

lado a polissemia e de outro a homonímia.

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A polissemia, nesta tese, é definida de acordo com Moura (2001, p. 112) “como a

existência de mais de um sentido, associados a um item lexical e que mantêm entre si algum

tipo de relação semântica”. Assim, é possível ter claro que uma palavra adquire sentidos

diferentes no mesmo contexto ou em contextos diferentes, mas mantendo algum tipo de

relação semântica, podendo até ser seu sentido usado de forma figurada, como na construção

de uma metáfora.

Já que o mote de toda a discussão é a homonímia, este fenômeno pode ser entendido

como a relação que existe entre um item lexical e dois ou mais significados. Assim, podem-

se encontrar palavras que apresentam a mesma pronúncia e escrita e será preciso o contexto e,

às vezes, a precisificação para que a escolha adequada do sentido aconteça. Moura (2001)

afirma que é justamente o critério de obrigatoriedade de determinação no contexto que

caracteriza a homonímia, opondo-se, então, à polissemia e vagueza.

Também é possível encontrar homonímia parcial, ou seja, há apenas a mesma

pronúncia ou escrita: são os casos de homografia e homofonia. Nesta situação, a atribuição do

significado pode se tornar mais simples, especialmente, se for levada em conta a

descodificação.

2.2 Abordagem psicolingüística: diferença entre o processamento da leitura e da

escritura

A psicolingüística é a ciência que investiga, entre outros, os processos de

codificação e os de descodificação. Um dos ramos dessa ciência é a psicolingüística aplicada

que “tem por escopo, como o nome indica, aplicar os achados da pesquisa fundamental em

psicolingüística ao equacionamento de problemas em campos afins, como, por exemplo: a

tradução, os distúrbios de comunicação, o ensino de primeiras e n língua, o ensino da lecto-

escritura e a análise dos textos literários” (Scliar-Cabral, 1991, p. 151). Dentre os campos

citados, interessa, nesta tese, o do ensino da lecto-escritura. Segundo a autora, embora a

psicolingüística não tenha o poder de resolver os problemas do analfabetismo, pode contribuir

para que o quadro referente ao insucesso escolar seja minimizado devido aos avanços teóricos

dessa ciência. Um dos caminhos para tal é a formação dos profissionais da educação, que

atuam tanto na Educação Infantil, especialmente no pré-escolar, quanto os que ensinam nos

primeiros ciclos do Ensino Fundamental, quanto ao processamento da leitura e da escrita.

Além disso, cabe aos psicolingüistas “efetuar uma crítica permanente ao material

pedagógico, aos currículos e, se possível, colaborar na confecção dos mesmos” (op. cit., 152).

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Antes de se discutir a questão relacionada ao ensino da leitura e da escritura, é

necessário apresentar a diferença entre o processamento da leitura e da escritura.

Inicialmente, se fará uma discussão breve em torno do que é a leitura para, posteriormente,

apresentar os seus diferentes modelos. O outro ponto a ser abordado é o do processamento da

escritura a fim de apresentar as diferenças entre um e outro processamento e os modelos

existentes.

Morais (1996, p. 112) advoga que “a leitura é um modo particular de aquisição de

informação”. Ele acredita que, para compreender o que é leitura, dentro de uma abordagem

científica, deve-se evitar estender o campo de aplicação desse objeto. Assim, o termo

“leitura” se restringe ao tratamento de sinais gráficos, descartando-se também a questão da

inferência, ilustrada na expressão “ler nas entrelinhas”. Essa habilidade vai além do escrito

para chegar à intenção, ou seja, não é específica da leitura, pois se encontra também na

compreensão da linguagem falada. Castro e Gomes corroboram com Morais, afirmando que

há uma distinção entre o processo de leitura e a função da leitura, pois esta é geralmente a da

compreensão. Os processos usados para a compreensão servem tanto para compreender a

mensagem escrita como a falada. De acordo com o segundo autor, para a compreensão do

texto, usam-se as competências lexicais bem como os processos de análise sintática e de

integração semântica; também são utilizados o conhecimento de mundo e a experiência

pessoal. Esses últimos processos e conhecimentos são desenvolvidos na criança antes de

aprender a ler, servindo, assim, também para a linguagem falada. “Já a leitura propriamente

dita exige processos específicos, de reconhecimento e de conversão dos sinais gráficos em

representações mentais (que por sua vez vão permitir a compreensão). [...] A compreensão

transcende a leitura e faz-se graças a processos mentais gerais, que não estão estritamente

dependentes da leitura” (Castro e Gomes, 2000, p. 119). Pode-se perceber que, na perspectiva

adotada, há uma confusão entre processamento em leitura com descodificação. Para esses

autores, a leitura fica apenas na descodificação, sendo os outros processos cognitivos, ou seja,

não são especificamente relativos a como o leitor processa a informação do texto. Esse

enfoque é coerente com o processamento em paralelo. Entretanto, o fato de em certos níveis

lingüísticos, particularmente a partir do processamento semântico para cima, não se conseguir

separar nitidamente entre o que é lingüístico e o que é cognitivo não significa que não seja

lingüístico. Uma coisa é dizer que se processa em paralelo, outra coisa é se dizer que aquele

processamento não é lingüístico, é só cognitivo, geral, então se ficaria especificamente só na

descodificação como sendo o processamento de leitura e esse é que é o problema.

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Essa outra postura é adotada por Scliar-Cabral (1992, p. 129) que divide a leitura em

quatro fases principais: decodificação, compreensão, interpretação e retenção da informação.

Para a autora (2001; 2003), o processamento da leitura tem início a partir da intenção do leitor

que busca o texto a fim de atender a uma necessidade: informação, lazer, prazer estético ou

outra. A seguir, ocorre a pré-leitura na qual os conhecimentos prévios são acionados para que

os sentidos sejam atribuídos adequadamente. Na leitura propriamente dita, ocorre o primeiro

fatiamento no momento de fixação do olhar, precedido e seguido pelos movimentos em

sacada, através das pistas fornecidas pelo texto impresso e combinadas com o conhecimento

sintático internalizado. Assim, ocorre o reconhecimento e a identificação das letras, das quais

um certo número já é suficiente para a identificação da palavra. Passa-se, então, à atribuição

dos sentidos, articulados numa micro-estrutura, arquivada na memória operacional, que vai

guardando os sentidos articulados a partir do processamento das palavras e frases do texto.

Entretanto, se o leitor se defronta com uma palavra pela primeira vez, terá de atribuir o

sentido a partir da informação fornecida pelo texto impresso e/ou por processos inferenciais.

O modelo adotado nesta tese é o de processamento interativo e compensatório, mas

há outros que serão apresentados a seguir.

A definição de leitura adotada por diferentes linhas está conectada com um modelo

de processamento de leitura. Assim, a leitura pode ser entendida como a extração do

significado; atribuição do significado ou como a interação com o texto.

Ao se postular que ler é extrair o significado, entende-se “significado como aquele

segmento da realidade a que se chega através de um outro segmento” (Leffa, 1996, p. 12),

podendo, então, ser encontrado em vários lugares. No caso do texto impresso, é dele que o

leitor extrai o significado, pois esse é o lugar em que ele se encontra preciso, exato e

completo. Assim, tudo que está posto no texto deve ser analisado a fim de que se possa

extrair o verdadeiro significado. Tem-se, então, uma leitura linear, na qual o papel do leitor é

comandado pela informação que entra pelos olhos. Neste caso, a compreensão resulta de um

processo ascendente.

O modelo de extração, desenvolvido por Gough (1994), se preocupa com o

processamento letra por letra, palavra por palavra, ficando restrito à caracterização dos

estágios iniciais da leitura.

O processo, organizado em cinco etapas, pode ser assim descrito: inicialmente, o

estímulo percebido é transformado em uma imagem visual. A seguir, há a identificação letra

por letra, da esquerda para a direita, e a colocação dos tipos dentro do registro de caracteres.

O processo continua com a interpretação das letras em fonemas. Para o autor, essa

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interpretação atinge o nível mais abstrato do fonema; a representação fonêmica, gravada em

uma fita, fica à espera de que a bibliotecária faça a busca lexical. Depois, ocorre o depósito

dos itens lexicais, na memória operacional, que passam pelo Merlim (operador sintático-

semântico) a fim de que se dê a compreensão a nível sentencial. Enfim, passa pelo editor para

que as regras fonológicas sejam aplicadas à sentença interpretada, resultando, então, em um

enunciado fonético.

Ainda quanto ao modelo de Gough, vale ressaltar que se restringe ao processamento

inferior, ao nível da letra, da palavra, não demonstrando abertura para o processamento

superior, além de só contemplar os sistemas alfabéticos ocidentais .

Por outro lado, a leitura pode ser concebida como atribuição do sentido e este passa

então a ter origem no leitor. Assim, o mesmo texto pode provocar leituras diferentes, uma vez

que não contém uma realidade, mas reflete segmentos dela, apresentando também lacunas que

serão preenchidas pelo leitor a partir de seu conhecimento prévio. Portanto, a leitura não é

mais vista como um procedimento linear, mas como de levantamento de hipóteses. Deste

modo, a compreensão é um processo que vai se desenvolvendo durante a realização da leitura.

Tem-se, então, um processo descendente.

Os modelos descendentes, surgidos na década de 70, período em que se fez um

questionamento intenso sobre o processo de leitura, têm como um dos principais autores

Goodman. O processamento da leitura é apresentado sob um novo enfoque teórico, no qual o

sentido é dado ao texto posteriormente, pois o leitor o atribui a partir de sua experiência

prévia e seus objetivos. Os estudos desenvolvidos, neste período, deram origem ao modelo

psicolingüístico de leitura.

Goodman (1971) acredita que a leitura seria “um jogo psicolingüístico de

adivinhação”. O autor desenvolveu seu modelo de leitura partindo do pressuposto de que, no

processo de leitura, contínuas interações entre pensamento e linguagem estão sendo

envolvidas e o leitor busca obter o sentido partindo do texto impresso através desse tipo de

interação. Para o autor, a leitura é um processo cíclico, que inicia com o ciclo ótico; depois

vem o perceptual; a seguir, o gramatical e, enfim, o do significado. Além disso, nesse

modelo, o leitor utiliza três fontes de informação: grafo-fonêmica, sintática e semântica. O

modelo deste autor tem início no momento em que o leitor passa os olhos pelo papel, linha

por linha, da esquerda para direita. Os olhos do leitor se fixam no estímulo grafêmico,

permitindo a focalização. A partir daí, inicia-se o processo de seleção dos indícios textuais.

Aqui, a imagem perpectual começa a se formar, sendo usados os indícios selecionados e os

antecipados. Tem início, então, o processo de antecipação ou “adivinhação”. A seguir,

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começa o processo de relacionamento dos estímulos percebidos com suas formas sintáticas,

fonológicas e semânticas através de um mapeamento da memória. Enfim, caso não haja

falhas nesse relacionamento, a descodificação é extendida, o significado é assimilado com as

expectativas prévias e os significados prévios, então, sendo criadas outras expectativas sobre

o texto, dando continuidade ao ciclo de leitura. As memórias de curto e longo prazo são

usadas constantemente durante todo esse processo.

Neste modelo, os processos mentais de ordem superior são privilegiados na leitura e

esta é entendida, então, como um processo dinâmico na inter-relação de vários componentes

utilizados para o acesso ao sentido.

É justamente pela subordinação ao processamento superior, embora a necessidade

dos estímulos gráficos não seja descartada, que os modelos descendentes são criticados.

As pesquisas realizadas nas décadas de 70 e 80 procuraram mostrar que, no que diz

respeito à leitura, as etapas do processo representadas nos modelos ascendentes e

descendentes são complementares. É essa complementaridade que fica evidenciada nos

modelos interativos de leitura. Dentre os modelos interativos estão os de Rumelhart (1984),

Stanovich (1981; 1982) e Scliar-Cabral (1991), sendo que, nesta tese, se enfocará apenas o

último.

Scliar-Cabral (op. cit., p. 121-141) apresenta um modelo integrado, contextual,

interativo, dinâmico e criativo de recepção e produção que, embora se detenha no

processamento da cadeia da fala, pode ser extrapolado para o processamento da leitura. O

processamento de leitura é assim explicado: o leitor coloca na memória operacional a fatia

extraída da folha impressa; a seguir, faz a segmentação provisória e o emparelhamento do

item lexical com aquele que foi buscado na memória lexical e na semântica. Em textos

posteriores, a autora enfatiza que uma das diferenças essenciais é a separação das palavras em

espaços em branco e o contraste entre as letras. Se houver compatibilidade, o processo

continua e o subitem seguinte é buscado. Neste processo, o leitor se vale tanto do que provém

do texto impresso e foi descodificado quanto da informação contextual e do conhecimento

prévio. A autora justifica a abertura de um espaço para o sistema lecto-escrito em seu modelo

afirmando que (op. cit., p. 140):

existe um arquivo específico para o sistema grafêmico e para o léxico (significante ortográfico).Quanto aos componentes textual, sintático e os morfemas puramente gramaticais, a diferença dossistemas decorre de a comunicação no sistema lecto-escrito ocorrer com a ruptura espaço-temporalentre emissor (quem escreve) e o receptor (o leitor), com toda uma gama de repercussões na formacomo se dá a enunciação, os anafóricos, enfim, os elementos de coerência e coesão e respectivosmarcadores gráficos que devem estar arrolados nos paradigmas.

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O modelo de Scliar-Cabral se fundamenta nos seguintes princípios: integração e

contextualidade; interação; dinamismo; gradiente dos processos automáticos aos criativos e

sistemas de linguagem. O referido modelo é organizado em três sistemas: sistema periférico,

executivo central e arquivo. Fora, agindo de forma a influenciar todos eles, se encontra a

afetividade. Passa-se, então, à apresentação do modelo com destaque aos aspectos voltados ao

sistema lecto-escrito.

Nesse modelo, é dada ênfase às conexões que se estabelecem entre as várias áreas no

sistema nervoso central e para a intermodalidade. Isso explica tanto “a possibilidade de

canais de entrada distintos estarem associados a áreas motoras diferentes (sistema audiovocal,

lecto-escrito, visogestual)” (op. cit., p. 133) como a possibilidade de haver intercomunicação

entre sistemas lingüísticos distintos como do audiovocal para o lecto-escrito e também o

contrário.

O fato de a memória semântica ser comum para todas as linguagens verbais é que

explica a intercomunicação. Dessa forma, os significantes diferentes, por serem gerados por

distintos canais sensoriomotores, apontam para os significados que estão estruturados na

memória semântica, a qual é comum a todos.

O sistema central se encontra no centro do modelo e é responsável por alocar a

atenção, delimitar o problema que deve ser resolvido, especificar quais os procedimentos para

a resolução do problema, selecionando-os, comandar os fatiamentos, realizar os cálculos

temporais, integrar as consecutivas saídas e coordenar a ordem na qual deve ocorrer a

realização dos processos. Um dos componentes desse sistema é o metaconhecimento

lingüístico que exerce duas funções: rejeitar uma língua desconhecida e identificar variedades

lingüísticas. Quanto a esta última, vale ressaltar que aí se encontra uma diferença significativa

entre os processos de recepção e produção, pois o homem é capaz de reconhecer diferentes

variedades lingüísticas, mas dificilmente será capaz de produzi-las.

O arquivo, que se localiza na parte superior do modelo, é composto pelo componente

cognitivo e pelos sistemas de linguagem. O primeiro é composto, basicamente, por esquemas

que se reestruturam constantemente devido às informações que provêm das novas

experiências. Fazem parte desse componente o conhecimento de mundo e o enciclopédico

bem como o pragmático e o compartilhado e a memória episódica e as memórias icônica e

ecóica, estando todos ligados por linha pontilhada, o que aponta para um número aberto e

ilimitado. Já os sistemas de linguagem se dividem em verbal, musical, matemático,

semafórico e outros. O sistema verbal, por sua vez, se subdivide em lecto-escrito e

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audiovocal. No sistema lecto-escrito, encontram-se os seguintes elementos: grafêmico,

sintático, textual, morfológico, gramatical e lexical ortográfico. Como já foi mencionado, a

memória semântica, localizada no sistema audiovocal, é comum aos dois sistemas.

No que se refere a como a memória semântica está estruturada (Scliar-Cabral, 1999;

2002), desde os experimentos de Lúria, na década de 30, tem-se a oposição entre a estratégia

taxionômica e a funcional, mas sofreu várias implementações. Com desenvolvimento da

psicolingüística, no que se refere aos estudos sobre a memória, foram propostas diversas

explicações não só quanto aos tipos de memória, de curto prazo, de trabalho e permanente;

no caso da memória permanente se propuseram vários tipos (não vamos entrar na questão da

representação, se existe representação ou não) como caso da memória taxionômica, do estudo

dos ordenados, superordenados, dos infraordenadores, como a memória semântica estaria

organizada até a proposta de se ter um protótipo em torno do qual se dá uma configuração

semântica, isso de um lado. Do outro, na memória cognitiva, há vários tipos de memórias:

episódica, esquemas, mais recentemente o que se denominou a memória de eventos. Quanto

à última, se debate muito o efeito da educação sistemática sofre as estratégias preferenciais

dos indivíduos quando evocam os significados, ou seja, quanto mais letrado, mais

escolarizado, mais ele usa uma estratégia taxionômica que se baseia numa reclassificação a

partir dos traços semânticos dos itens em termos de coordenação ou subordinação, enquanto

que os menos letrados ou que têm um letramento menos desenvolvido fazem uma associação

com a memória cognitiva, particularmente com o evento, com o contexto de uso daquele item

associado a uma imagem mais icônica e não ao conceito mais abstrato.

Scliar-Cabral (1997, p. 5-6) explica que a proposta da divisão entre um léxico

mental, que arquiva os significantes de forma estruturada, e uma memória semântica, que

organiza os significados básicos e virtuais em campos semânticos entrecruzados e vinculados

ao conhecimento, “se torna necessária para elucidar questões como a sinonímia (inclusive a

parafrástica), a homonímia e a polissemia”. Em indivíduos letrados há ainda um léxico

mental ortográfico. Entretanto a autora esclarece que, por defender um modelo integrado e

contextual de processamento, “a atribuição da correspondência grafêmico-fonológica

adequada não se deve apenas à existência do léxico mental ortográfico, mas também à

informação morfossintática e semântica advinda do próprio texto. Além disto, esta informação

é absolutamente necessária para desmanchar possíveis ambigüidades no caso dos

homônimos”.

Ainda que a leitura e a escritura tenham em comum os mesmos sistemas lingüísticos,

apresentam diferenças significativas no que se refere ao processamento. Ler é um processo

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receptivo uma vez que o indivíduo recebe o texto produzido, cabendo a ele a descodificação,

compreensão, interpretação e retenção da informação. Vários conhecimentos são necessários,

como será apresentado na outra seção, para que ocorra a aprendizagem da leitura e também da

escritura. A relação entre esses dois processos é fundamental, pois a escrita se apóia na

leitura, entretanto, por ser um processo produtivo, escrever é mais complexo que ler.

Assim como o processamento da leitura, o da escritura pode ser dividido em etapas.

Inicialmente, será apresentada a visão adotada nessa pesquisa e que se baseia em Scliar-

Cabral (2001; 2003). Para a autora, o que acontece inicialmente é a motivação, que leva o

redator, por intenções pragmáticas, a escrever o texto. Depois, ocorre a seleção dos esquemas

mentais bem como a dos registros lingüísticos que devem ser adequados ao gênero textual, ao

receptor e objetivos a fim de que o texto alcance seus propósitos. Feito isso, vem a fase de

planejamento; depois acontece a linearização lingüística. Interessa, na presente tese,

especialmente a escolha dos grafemas depois de selecionada a inserção do item lexical na

frase. Nesse momento, o redator deverá selecionar que grafemas codificam a realização de

determinados fonemas; no caso dos homófonos não homógrafos, urge observar o contexto,

uma vez que este é competitivo e sua escolha depende do significado atribuído ao item

lexical. Além disso, há um outro fator que interfere na escolha: a variação sociolingüística,

uma vez que o aprendiz, durante a aquisição de sua língua, esteve exposto a uma variedade

que foi internalizada. Outro elemento que faz parte desse modelo é a monitoria, considerada

um “processo metacognitivo que consiste em acompanhar de uma forma reflexiva a produção

escrita” (Scliar-Cabral6). A monitoria pode ocorrer em duas etapas: pari passu ou a

posteriori. A primeira acompanha todas as etapas da produção escrita e acontece tanto

durante a fase de planejamento quanto na de execução; a outra é feita ao final da produção do

texto.

Também Poersch (1986, p. 29-30) advoga que o processo de escritura pode ser

analisado em etapas, sendo algumas, às vezes, simultâneas. O autor apresenta cinco etapas:

estímulo externo ou interno; intenção de comunicar; codificação da mensagem; recodificação

da mensagem e emissão gráfica da mensagem. A primeira está relacionada ao que quem

escreve quer dizer, ou seja, à substância de conteúdo do processo comunicativo. Na outra

etapa, ocorre o momento de definição da intenção da comunicação e a partir daí será

elaborada, mentalmente, a princípio, a substância de conteúdo que ganhará forma e

organização. A terceira etapa se refere à codificação na qual o produtor recorre a um sistema

6 Nota de aula da disciplina Seminários de Psicolingüística, ministrado no I semestre de 2001, no curso de Pós-graduação em Lingüística da UFSC, pela Dr.ª Leonor Scliar-Cabral.

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lingüístico específico e então são selecionados os signos lingüísticos adequados que serão

produzidos de acordo com as regras específicas e apresentados linearmente. A recodificação

da mensagem é a próxima etapa que consiste na transformação dos signos orais em signos

gráficos. Por fim, a mensagem é gravada em um suporte e fica aguardando um possível leitor.

Assim, pode-se perceber que os modelos atuais de escritura embora apresentem as

etapas discretizadas admitem uma certa recursividade como se pode perceber também no

modelo de Flower e Hayes (1981). Os autores ampararam sua teoria na análise de protocolos

verbais de redatores proficientes. Neste modelo, os processos não acontecem de forma linear:

é o autor do texto quem estabelece o caminho da construção. O modelo inclui três unidades:

a situação comunicativa – os elementos externos ao escritor (o tema, a audiência, o canal,...);

a memória de longo prazo – armazena os conhecimentos, que o autor usa durante o processo

de comunicação, sobre o tema, a audiência ou os diferentes tipos de texto; os processos de

escritura: planejamento subdividido em geração, organização e estabelecimento de meta;

tradução e revisão que é composto por leitura e editoração; existe também, neste módulo, o

monitor, que controla esses três subprocessos. Enquanto os dois últimos, a memória de longo

prazo e os processos de escritura, acontecem no cérebro do escritor, a situação comunicativa

contém elementos externos ao escritor, em especial, o problema retórico e o texto escrito.

Finalmente, vale ressaltar que, para que o processo de composição aconteça, é necessário que

todos os processos e subprocessos sucedam com normalidade. Este modelo está relacionado

com outros, em especial com o de Flower, que parte da análise direta de textos de escritores

para identificar dois tipos de prosa - a de escritor e a de leitor – que são caracterizados

segundo a função, estrutura e estilo.

Kato (1995, p. 89-92) faz uma crítica ao modelo anterior e, a partir da reformulação

dele, apresenta outro no qual o processamento é mais interativo e recursivo. As principais

alterações acontecem nos processos de escritura. A geração deixa de estar ligada diretamente

às instruções e a ligação passa a ser entre o contexto da tarefa e os processos de escritura. O

subprocesso planejamento também sofre alterações, passando a ser denominado como

processamento de idéias, já o termo planejamento passa a fazer parte do monitor bem como o

estabelecimento da meta e a editoração, a qual, para a autora, ocorre ao final de cada processo

ou operação. Enfim, no subprocesso de revisão, no lugar da editoração fica a correção.

Por último, será apresentado o modelo de Meurer (1997, p. 14-28) que leva em

consideração tanto os aspectos lingüísticos como os sociocognitivos do ato de escrever. Este

modelo está organizado em módulos interligados dos quais fazem parte: fatos/realidade;

história discursiva individual, discursos institucionais e práticas sociais; parâmetros de

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textualização; representação mental de fatos/realidade por parte do escritor; monitor. Como

no modelo de Scliar-Cabral, a motivação é o primeiro passo; a partir dela, o escritor inicia o

percurso de produção textual formando uma representação mental, imagem ou representação

dos fatos formados anteriormente na mente do escritor. Esta representação é controlada pelo

monitor e seu funcionamento depende dos: fatos/realidade; história discursiva individual,

discursos institucionais e práticas sociais e dos parâmetros de textualização que são

apresentados em número de sete. Os parâmetros são monitorados pelo escritor durante o

processo de composição do texto. Comparado com o modelo de Flower e Hayes (1981), aqui

também o monitor se mantém ativo em todo o processo de produção e é responsável tanto

pela geração de idéias, como pelo planejamento, organização, execução e editoração das

diversas partes do texto. Na rota inicial de produção de textos escritos de Meurer, há ainda

dois módulos que são denominados de estágio A e B. O estágio A é representado por duas

subpartes: representação mental dos fatos/realidade por parte do escritor e focos de atenção.

É neste estágio que o escritor seleciona um enfoque, partindo da representação mental de uma

certa realidade e passa, então, ao estágio B, no qual, através de representações lingüísticas,

tenta concretizar o que foi mentalizado. É aí que começa a surgir o texto escrito em sua

primeira versão. O autor adverte que, em situações escolares, o texto em geral termina por

aqui, mas para grande parte dos escritores este é apenas o começo, por isso a necessidade de

operações para a recomposição e polimento do texto que são também discutidas pelo autor,

mas que não serão enfocadas aqui.

2.2.1 Ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Falar em aprendizagem requer que se faça uma distinção entre ela e aquisição. Esta

acontece de forma espontânea (Pelandré, 2002; Scliar-Cabral, 2001;2003), uma vez que o ser

humano normal é biopsicologicamente programado para operar com signos verbais,

especialmente os orais, imperativo para sua sobrevivência, devido à maneira como o sistema

nervoso central está estruturado e funciona. Mas há ainda os fatores maturacional e ambiental

que se agregam ao inato a fim de que haja a aquisição da linguagem. Assim, é preciso levar

em conta também que os circuitos que ligam os diversos centros do sistema nervoso central

não nascem prontos: é necessário que os prolongamentos dos neurônios passem pelo processo

de mielinização para que sejam estabelecidas as ligações de maneira adequada e no devido

tempo. O fator ambiental tem suma importância pois “os programas inatos para o

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desenvolvimento da linguagem verbal oral e sua maturação precisam ser ativados pela

interação verbal” (op. cit., 2001, p. 5).

Portanto, a aquisição da linguagem ocorre naturalmente, levando-se em conta os

fatores mencionados e, mesmo que não haja uma assistência consciente no desenvolvimento

da linguagem oral, a criança normal, exposta à interação, a adquire.

Entretanto, ler e escrever não ocorrem nessa mesma direção, pois exigem um ensino

sistemático. Scliar-Cabral (2003a, p. 41) aponta como fatores para a aprendizagem da leitura

e da escrita: “condições reais para que as crianças se tornem motivadas, experiência funcional

prévia com material impresso, exposição a contextos narrativos e um contexto ensino-

aprendizagem inteligente, onde professores e alunos em conjunto possam construir o

letramento”.

Outro aspecto imprescindível para que ocorra a aprendizagem do sistema escrito é a

consciência fonológica. Esta diz respeito “à capacidade de discriminar, compreender e

reflectir sobre o facto de as palavras serem constituídas por uma série de sons” (Pinto, 1998,

p. 43). A autora advoga que o contato da criança desde a pré-escola com a poesia está

associado a um melhor desempenho, posteriormente, na leitura. Scliar-Cabral (2002, p. 155)

afirma que “o exercício da consciência fonológica pressupõe, no mínimo, processos

atencionais, ou, com mais precisão, a intencionalidade para exercê-la e o domínio de uma

linguagem para o recorte consciente da cadeia da fala. Quanto às unidades que são objetos do

recorte, ele está na dependência direta de como uma dada língua escrita representa tais

unidades”. Esta autora, quanto à relação entre a aquisição da consciência fonológica e a

aprendizagem da leitura, advoga que há uma relação de reciprocidade entre esses dois

aspectos.

No processo de aprendizagem do sistema escrito, ainda devem ser levadas em conta

as consciências sintática e semântica bem como as convenções específicas desse sistema.

Inicialmente, há que se considerar também a questão motora. Kato (1995, p. 129) apresenta a

seguinte situação: perguntado a uma criança o que era mais difícil, ler ou escrever, ela

responde que escrever, pois cansa os dedos. A resposta do aprendiz aponta para a sua

dificuldade motora e essa constatação faz emergir um questionamento que nem sempre é

feito no espaço escolar: a ênfase nesta dificuldade não teria como causa o excesso de

exercícios de natureza mecânica na escola?

Um outro dado que precisa ser levado em consideração, atualmente, no ensino da

língua portuguesa, que já foi ventilado na primeira seção, é a explosão científica e

tecnológica, pois teve repercussão sobre o léxico e os universos cognitivos, promovendo a

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especialização. Scliar-Cabral (2001b, p. 31) afirma que as conseqüências pedagógicas dessa

explosão são em grande número para o ensino da língua portuguesa, especialmente se for

levado em conta que a função da escola é, sobremaneira, ensinar a ler e escrever. A leitura

deve ter como objetivo a compreensão e interpretação de textos e a escrita, a produção de

textos que possam ser compreendidos e interpretados pelo leitor. Entretanto, “a criação de

universos do discurso especializados, com a respectiva explosão lexical e semântica, torna

impenetráveis os textos exatamente porque o leitor não dispõe dos respectivos esquemas”.

Diante da especialização, urge que as disciplinas sejam pensadas de forma interdisciplinar a

fim de que haja ampliação e aprofundamento dos esquemas cognitivos, o que favorecerá a

compreensão de textos.

Aprender a ler e escrever, independente do sistema de escrita, implica uma

multiplicidade de aquisições. Quanto à leitura (Castro e Gomes, 2000), para ser um leitor

fluente, pelo menos duas aquisições se fazem necessárias: o reconhecimento dos sinais

gráficos e o conhecimento prévio de como os sinais gráficos se organizam no papel. Já Lemle

(2001) apresenta cinco capacidades necessárias para a alfabetização: a idéia de símbolo; a

discriminação das formas; a discriminação dos sons da fala; consciência da unidade palavra e

a organização da página escrita. Pode-se observar que as idéias das autoras se

complementam.

Passa-se, então, à apresentação das concepções da segunda autora para quem a idéia

de símbolo é complicada. Entretanto, é questionável esta afirmação, uma vez que a

“complicação” não acontece na mesma proporção para todos os sujeitos em fase inicial de

aprendizagem do sistema escrito. A que se pensar, então, quais os fatores complicadores para

o entendimento da relação simbólica. Ainda quanto à primeira capacidade, a autora adverte

que a aprendizagem da leitura só ocorrerá se a criança compreender o que seja uma relação

simbólica entre dois objetos. Quanto à discriminação das formas, a autora advoga que o

aprendiz precisa entender que cada letra vale como símbolo de um som da fala. Neste aspecto,

ela chama a atenção para o fato de que as letras do nosso alfabeto têm formas bastante

semelhantes. A autora não comenta, mas se trata aqui do fenômeno da rotação dos traços e

por isso é importante que o educador tenha compreensão de que o nosso sistema escrito

apresenta uma economia de traços. A terceira capacidade, a discriminação dos sons da fala,

exige que o aprendiz tenha consciência da percepção auditiva. Lemle, nas duas últimas

capacidades, não faz distinção entre discriminação e percepção, mas é importante fazê-lo.

Quanto aos sons, a criança ao nascer discrimina quaisquer categorias que possam ser

discriminadas em qualquer língua e produz quaisquer sons também, mas isso ainda não é

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fonológico, não é percepção, ainda não é lingüístico, especificamente falando. Assim, no

caso da alfabetização, o problema não é discriminação, mas percepção. Ainda, independente

das infinitas possibilidades de realização dos traços que diferenciam as letras, o que interessa

é o percepto que distingue uma letra da outra, e não a discriminação de inúmeras

possibilidades de produzir a letra.

Quanto à quarta capacidade, consciência da unidade palavra, a autora destaca que é

“o cerne da relação simbólica essencial contida numa mensagem lingüística...”. (op. cit., 11).

Além da palavra, o aprendiz deve também reconhecer sentenças, e para tal devem ser

ensinadas as suas formas de representação. A última capacidade, a organização da página

escrita, deve ficar estabelecida desde o início do trabalho de alfabetização, pois o aprendiz

deverá perceber que ler um texto é diferente de olhar uma gravura, e isso é novo para ele.

Quanto às duas aquisições apontadas por Castro e Gomes (op. cit.), analisaremos

apenas a primeira, reconhecimento dos sinais gráficos, uma vez que a respeito do

conhecimento prévio de como os sinais gráficos se organizam no papel, há uma harmonia

entre estas autoras e as idéias de Lemle. Para o domínio da linguagem escrita, é imperativo

que o aluno aprenda a reconhecer os sinais que se encontram dispostos no texto impresso. No

nosso sistema, o alfabético, que será discutido com mais propriedade em outra seção, tem-se

uma escrita na qual é possível, partindo de um pequeno conjunto de sinais gráficos, escrever

uma quantidade ilimitada de palavras. Ainda que possa haver variação quanto às letras que

compõem o alfabeto, é a escrita alfabética a que permite maior economia de caracteres.

A aprendizagem da leitura transcende o mero aspecto da descodificação e quem

aprende a ler o faz para também compreender o que o redator quer dizer. Há diferentes

atividades correntes da leitura que podem ser encontradas em qualquer espaço social que nem

sempre se comparam no escolar. Aqui, o modo como a leitura é vista difere e passa a ser,

muitas vezes, um exercício. E o problema é justamente quando o aspecto do exercitar não vai

além.

Há uma diferença inegável entre a leitura em voz alta e a silenciosa se observadas do

ponto de vista do comportamento manifesto. Mas há que se levar em consideração que,

mentalmente apenas, as atividades de leitura são diversas. Assim, há quem leia

superficialmente para escolher o que será relido mais adiante e com outra atenção. Há ainda

quem entre por completo no texto que está lendo e se deixe envolver pela atmosfera criada

pelo autor. Outros lêem apenas para encontrar uma pequena informação como se faz na

consulta à lista telefônica. É possível também que alguém leia em voz alta enquanto sua

mente viaja ao sabor de outras idéias. Por trás de todas essas diferentes maneiras de lidar com

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o texto impresso, está um conjunto de operações que constituem a leitura propriamente dita, a

qual se refere ao processo de extração da representação gráfica e sua conversão à fonológica a

partir do texto impresso como foi apresentado na seção anterior.

Levando em conta que, nesta pesquisa, muitas vezes houve um trabalho com a leitura

em voz alta, achou-se necessário que este tópico fosse discutido, em especial para entender a

questão do léxico mental ortográfico e do sistema semântico, pois o trabalho enfocou os

homófonos não homógrafos de mesma classe gramatical. Para tal, recorremos ao modelo de

dupla via que, embora não seja isento de críticas, discute grande parte das observações sobre o

funcionamento da leitura tanto em condições normais, que é o caso aqui, como em

patológicas. Este modelo, que pressupõe uma escrita alfabética, ajuda a entender o processo

que se deseja analisar e será apresentado a seguir em uma versão simplificada proposta por

Castro e Gomes (op. cit., p. 121).

ESCRITA

Letras em seqüências ortográficas

Figura 1- Uma versão simplificada do Modelo de Dupla Via para a leitura em voz alta: a via fonológica (em

cheio) e a via lexical (a tracejado).

Léxico ortográfico

Sistema SemânticoSignificado

Léxico Fonológico

ConversãoGrafema-Fonema

Segmentação -> Conversão - > Montagem

Sistema CGF

FALAFones em Cadeias Fonológicas

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O ponto de partida para a leitura, neste modelo, é o material impresso. Como se

pode observar na figura, há dois caminhos para ler em voz alta: um por via fonológica e outro

por via lexical. A primeira se refere à conversão das letras em fonemas devido ao

conhecimento das regras de descodificação. Este conhecimento constitui um recurso

cognitivo, chamado de sistema CGF, o qual é adquirido através da aprendizagem da leitura, o

que possibilita a leitura de logatomas. Já a leitura de “25km” ou de “WC”, por exemplo, é

feita via lexical, e se trata do reconhecimento das formas gráficas representadas no léxico

mental. Este é uma noção usada em Psicologia Cognitiva para se fazer referência de modo

sintético ao conhecimento intuitivo que se tem das palavras. A noção de léxico mental pode

ser desdobrada em léxico fonológico e ortográfico. O primeiro diz respeito ao conhecimento

sobre como soam as palavras e sua constituição ocorre à medida que é adquirida a língua

falada. Já o léxico ortográfico, vai se constituindo através do contato com as formas escritas

da língua. Por exemplo, em português, distinguimos “concelho” de “conselho”, “conserto”

de “concerto” e tanto outros homófonos não homógrafos porque, embora estas palavras se

pronunciem da mesma maneira, são escritas de maneira diferente e remetem a significados

diferentes. O léxico ortográfico começa por ser uma espécie de léxico visual onde estão

armazenadas formas visuais que a criança relaciona com palavras fonológicas e idéias.

Depois, quando começa a haver o contato com a escrita, as representações lexicais passam a

ser ortográficas, e não mais puramente visuais, passam, então, a constituir configurações de

letras. Ainda há um outro aspecto que precisa ser considerado neste modelo, o do significado,

pois, além de se saber como se pronuncia e escreve uma palavra, é necessário saber o que

significa. Mas o significado transcende a palavra em si, por isso se postula um sistema

separado para dar conta dele: o sistema semântico. Portanto, há duas possibilidades de leitura,

ou seja, ao se ler km, por exemplo, as duas letras são reconhecidas como uma forma de

palavra escrita o que permite compreender seu sentido e ler corretamente; mas também é

possível ler pela via lexical sem passar pelo sistema semântico.

Se a leitura, de um lado, permite ao sujeito invadir o mundo da linguagem escrita, é

justamente no próprio ato de escrever que esse novo estatuto se realiza de modo pleno. A

questão da escrita, abordada daqui em diante, será feita tendo como foco a capacidade de

produzir escrita, especificamente, como ocorre a sua aprendizagem, levando em conta

aspectos relacionados à pesquisa desenvolvida tais como o ditado e as dificuldades de escrita.

Em uma situação comum de ditado, o ponto de partida é uma cadeia fonológica para

se alcançar uma seqüência ortográfica. Para chegar à escrita, tanto é possível percorrer a via

fonológica e/ou a lexical. Na primeira, pode-se recorrer às correspondências fonológico-

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grafêmicas; na outra, é feita a recuperação direta da forma escrita da palavra a partir de uma

forma fonológica correspondente. A escrita de palavras regulares, desconhecidas e

pseudopalavras ocorre pela via fonológica apenas. Já a via lexical permite escrever com

correção as palavras irregulares uma vez que é preciso que a forma ortográfica, armazenada

no léxico mental, seja recuperada. O modelo de dupla via (Castro e Gomes, 2000, p. 151),

análogo ao de leitura, ilustra a situação descrita:

FALA

Fones em Cadeias Fonológicas

Figura 2 - Uma versão simplificada do Modelo de Dupla Via para a escrita por ditado: a via fonológica (a cheio)

e a via lexical (a tracejado).

O sistema alfabético do português do Brasil é transparente sobremaneira no que diz

respeito à leitura, entretanto, há muitas situações na escrita em que as conversões fonema-a-

grafema são irregulares. Em situações como as dos contextos competitivos, nas quais se

incluem os homófonos não homógrafos, é possível, por exemplo, ler “sela” como /´sεla/

levando-se em conta a regra de descodificação segundo a qual o “s” em posição inicial é lido

como /s/. Scliar-Cabral (2003a, p. 83) assim explica a regra D2.1: “ ... o grafema “s” se lê

como a transposição à realização do fonema /s/, quando estiver em início de vocábulo, como

Léxico Fonológico

Sistema SemânticoSignificado

Léxico ortográfico

ConversãoFonema-Grafema

Segmentação -> Conversão - > Montagem

Sistema CFG

ESCRITALetras em Seqüências Ortográficas

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em “sapo”...”. Entretanto, para escrever a mesma seqüência fonológica acima, o redator pode

fazê-lo tanto com o grafema “s” quanto com o “c” e as duas ortografias resultariam em

palavras reais do português, as homófonas “sela” (arreio de cavalgadura, o qual constitui

assento sobre que monta o cavaleiro) como em: “O homem trouxe a sela e colocou sobre o

cavalo para que os hóspedes pudessem fazer seu passeio”7 e cela (aposento de condenado,

em penitenciárias) como em “O prisioneiro foi conduzido a sua cela”8. A dúvida aqui, em

termos de codificação, só se resolve quando entra em cena o significado da palavra, por isso o

redator precisa de informações dadas pelo contexto no qual a palavra se insere.

Pode-se perceber, então, que a aprendizagem da escrita acontece paulatinamente e,

com a entrada, na escola, como se mencionou no início da seção, a criança começa a

estabelecer a distinção entre o desenho e a escrita através das experiências ali desenvolvidas.

Nesse momento, a criança também começa a perceber que não se escreve como se fala e isso

significa que o contínuo da cadeia da fala deve ser segmentado e passará, então, a ser

representado por unidades discretas separadas por espaços em branco.

Como esta tese teve como foco o segundo ciclo do Ensino Fundamental, a ênfase

sobre a aprendizagem da escrita recairá sobre as duas séries que o compõem. Dados de

Castro e Gomes (2000, p. 156-8) coletados junto a 40 crianças portuguesas da quarta e

terceira séries em uma prova escrita de palavra isolada revelam que, dos 356 erros, a maior

parte foi observada nas crianças mais novas, sendo 80% da terceira e 20% da quarta série. Os

erros mais freqüentes foram as conversões irregulares, como seção para sessão ou senço para

senso. Nestes casos, não há violação de nenhuma regra explícita de ortografia pois se está

diante de um contexto competitivo. O primeiro caso é explicado por Scliar-Cabral (2003a,

p.155) na regra C3.3.3: “a realização do fonema /s/ em início de sílaba, entre vogal oral e

vogal posterior oral ou nasalizada que não a [+alta], posteriores, [...] pode se escrever com os

grafemas ‘ss’, ‘ç’ ”. Já o segundo caso é explicado pela regra C3.3.5 que diz: “a realização do

fonema /s/ pode ser codificada pelo grafema “s” ou “ç” em início de sílaba entre vogal

nasalizada e vogal oral ou nasalizada posteriores [...] e a semivogal posterior /w/” (op. cit., p.

156). No exemplo apresentado, fica evidenciado que um trabalho com o significado da

palavra ajudaria a resolver o problema de grafia, entretanto, na pesquisa da qual os dados

foram pinçados, as autoras optaram por um trabalho com palavras isoladas e, sem o contexto,

quando se trata de testar contexto competitivo, torna-se muito difícil a atribuição de sentido.

7 Aurélio, 1999.8 Idem

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Castro e Gomes observaram, em sua pesquisa, que na quarta série os erros de

conversão irregular diminuíram fortemente de 50% para 8%, mas continuam ainda sendo o

tipo de erro mais freqüente nesta série. Elas elaboraram um quadro (op. cit, p. 157) para

categorizar, exemplificar e quantificar os erros ortográficos desses alunos do segundo ciclo

que ajuda a entender os tipos de erro e o crescimento de uma série para outra.

QUADRO 1 – Erros ortográficos observados em crianças portuguesas do 3.º e 4.º anos deescolaridade. Mostra-se para cada ano a palavra alvo, o erro de escrita, o tipocorrespondente e a respectiva percentagem (calculada relativamente ao totalde erros).

AnoPalavra Alvo Erro ortográfico Tipo

3.º 4.º

Giz

Lanche

JIZ

LANXE

Conversão irregular 50 8

Sangue

Caça

SANGE

CACA

Conversão de contexto 12 2

Bucho

Conselho

PUCHO

CONSENHO

Conversão inadmissível 7 5

Servo

Cem

CÉREBRO

SANGUE

Global 8 1

Giz

Bife

GI

BIF

Omissão 2 3

Apreçar

Cor

APEREÇAR

CORE

Adição 1 1

As autoras não fazem uma análise detalhada do que ocorre em cada caso, o que seria

importante para se entender a forma como o sujeito grafou a palavra ditada. Além disso, é

preciso analisar a categorização dos erros, o que implica uma outra maneira de olhar os dados.

As autoras chamam o contexto competitivo de conversão irregular e como um dos exemplos

apresenta a grafia de “lanxe”. Por estar em um contexto competitivo significa que a palavra

“lanche” deve ser memorizada no léxico mental ortográfico. A segunda categoria está

adequada, mas as autoras não esclarecem quais os contextos que devem ser levados em

consideração na grafia de sangue e caça. Por exemplo, o sujeito que grafou “sange” não

internalizou que o fonema /g/ antes das vogais [- post] se grafa com “gu”. O sujeito que

grafou “caca” também desconhece a conversão de contexto vocálico. Até aqui, a

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categorização não apresenta problemas mais sérios, entretanto é preciso rever que grafar

“pucho” por bucho não é apenas uma questão de conversão inadmissível, o que se tem é uma

troca entre surda e sonora, fato que precisa ser investigado para ver se o sujeito tem problema

de percepção. No tipo denominado global, encontram-se grafias como “cérebro” quando a

palavra ditada foi cervo e “sangue” por cem. Em casos como estes, é preciso inicialmente

verificar se o sujeito não apresenta problema de audição. Outro fator que explica é o sujeito

estar no início da alfabetização, assim, ele pega a pista inicial da palavra ouvida e vai para o

léxico mental, fazendo, então a adivinhação da palavra. O que se tem é um processamento

inicial do estímulo, e o sujeito não foi até o final. A categoria omissão mostra que o sujeito

esqueceu uma letra, mas não explica. Por exemplo, em “bif” por bife tem-se uma transcrição

fonética, pois é assim que os portugueses pronunciam. Também na última categoria, adição,

na qual aparece o exemplo de “apereçar” por apreçar há um caso de transcrição fonética.

Enfim, é preciso que uma categorização não apenas agrupe, mas que explique os fenômenos.

Por fim, voltando ao Modelo de Dupla Via para entender os erros cometidos na

conversão irregular, tem-se a via fonológica preservada. Assim, a criança usa regras de

conversão fonema-grafema apropriadas para a escrita de palavras regulares, mas incorretas

para as irregulares e homófonas, ou seja, a via lexical não está funcionando corretamente, pois

a criança não usa as formas ortográficas da palavra. Dessa forma, os erros cometidos são

fonologicamente aceitáveis, mas sofrem de incorreção ortográfica.

2.2.2 O sistema alfabético

Precisar a época em que os homens começaram a falar é uma tarefa difícil e quase

impossível. É consenso entre vários pesquisadores que há cerca de trinta mil anos,

aproximadamente, os homens já se comunicam de forma bem próxima a atual e de forma

primitiva anteriormente. No Homo habilis, há dois milhões de anos, foram encontradas

indicações de desenvolvimento na área do cérebro associada à produção da linguagem verbal.

A linguagem oral é um meio de sobrevivência da espécie, obedecendo a um imperativo social

e cognitivo (D’Aquili, 1972), e existe em todas as culturas. Já a escrita, invenção bem mais

recente, dependeu de artefatos: foi necessário que o homem tivesse condições de criar

suportes para perpetuá-la.

Até se chegar aos sistemas atualmente utilizados, a escrita passou por um longo

processo de evolução que vai desde a inexistência da escrita, passando por diferentes

sistemas. Inicialmente, o pictográfico, depois o ideográfico, o logográfico, o silábico até

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chegar ao alfabético. Este último, descoberto no século X a.C., foi difundido com a criação

do alfabeto fenício o qual adotado pelos gregos foi aperfeiçoado e ampliado, passando a ser

composto por vinte quatro letras (vogais e consoantes). A partir dele, surgiram outros como o

latino. O sistema alfabético, que marcou profundamente a história da humanidade, é até hoje

ensinado nas escolas das culturas que o adotam e tem seus princípios.

Nesta seção, o enfoque será dado ao sistema alfabético do português do Brasil cujas

regras de descodificação e codificação foram formalizadas por Scliar-Cabral (2003). O seu

conhecimento é capital para que o processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita,

na escola, aconteçam de forma reflexiva. A autora explica algumas descobertas importantes

que o estudo dos referidos princípios proporcionaram (2003a, p. 20-1):

A formalização dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil, que me consumiu anosde reflexão, permitiu-me a descoberta e/ou confirmação de teorias lingüísticas tais como a quase totaltransparência para a descodificação (exceção feita, basicamente, para os grafemas “e” e “o” e trêsvalores do grafema “x”); as intuições fonológicas dos codificadores, neste caso, começando peloportuguês de Portugal, com Gonçalves Viana, como, por exemplo, a representação ortográfica dosarquifonemas |R| e |S|, o efeito da oposição entre vogais posteriores e não posteriores e parcimôniapara contemplar o acento gráfico, reconhecendo a forma não marcada do vocábulo canônico emportuguês, [...]; ratifica a proposta se Mattoso Câmara Jr. de rever processos de derivação, comopossíveis composições, como é exemplo o comportamento do prefixo “trans-”.

Os princípios do sistema alfabético do português do Brasil estão organizados em

dois grandes grupos: as regras de descodificação e as de codificação.

As regras de descodificação dizem respeito ao processamento da leitura, discutido

anteriormente. Interessa, aqui, a primeira fase, na qual o leitor reconhece e identifica as letras

que representam os grafemas e seus valores; a partir daí, se dá a busca das palavras e seu

acesso. A conversão dos grafemas na realização dos fonemas é feita pelo leitor levando em

conta sua variedade sociolingüística, e este aspecto não pode ser desconsiderado por quem

está envolvido no processo de ensinar a ler.

A autora desdobra as regras de descodificação em quatro subgrupos: as regras de

correspondência grafo-fonêmica independentes do contexto; as regras de correspondência

grafo-fonêmica dependentes do contexto grafêmico; as regras dependentes da metalinguagem

e/ou do contexto textual morfossintático e semântico; valores imprevisíveis para o grafema

“x” e a leitura de “muito”.

O primeiro subgrupo é constituído de grafemas que correspondem, independente da

posição em que ocorrem na palavra, à realização do mesmo fonema. Na tabela a seguir, são

apresentados quais os valores dos grafemas que se incluem neste subgrupo.

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TABELA 1 – VALORES DOS GRAFEMAS, INDEPENDENTES DO CONTEXTO

Grafema Valor Exemplos Grafema Valor Exemplos

p /p/ pato b /b/ bola

t /t/ tatu d /d/ dado

f /f/ café v /v/ uva

ss /s/ massa ç /s/ moça

sç /s/ desço ch // chave

j // janela nh // linha

rr /R/ carro ü /w/ sagüi

ó // óculos õ /õ/ põe

á /a/ água à /a/ à

â /ã/ lâmpada ã /ã/ rã

FONTE: SCLIAR-CABRAL, Leonor. Guia prático de alfabetização, baseado em princípiosdo sistema alfabético do português do Brasil. São Paulo : Contexto, 2003b. p. 44.

O segundo subgrupo sofre influência do contexto grafêmico. Assim, para atribuir

valor ao grafema, é necessário observar as letras que o precedem ou seguem e/ou a sua

posição no vocábulo. A autora reuniu as várias situações em vinte e três regras. Como

exemplo, será apresentada a regra D2.1 (op. cit., 2003a, p. 83), a qual sistematiza, entre outros

aspectos, a leitura da letra “s” em contexto intervocálico, dificuldade comum entre os

aprendizes do nosso sistema escrito: “o grafema “s” se lê como a transposição à realização do

fonema /s/, quando estiver em início do vocábulo [...] ou quando, em início de sílaba, estiver

depois das letras “n”, “l” ou “r” [...]; o grafema “s” se lê como a transposição à realização do

fonema /z/ quando estiver entre as letras que representam as vogais ou semivogais...”.

Há também um conjunto de regras dependentes da metalinguagem e/ou do contexto

textual morfossintático e semântico que regulam a leitura: da sílaba mais intensa; dos ditongos

decrescentes seguidos ou não de s; dos ditongos orais fechados, por oposição aos abertos. O

ponto-chave, neste subgrupo, é a descodificação das letras “e” e “o” na metafonia verbal,

cujas regras foram internalizadas desde cedo pela criança em seu processo de aquisição da

linguagem. Para sua utilização, basta apenas a aplicação de conhecimentos morfossintáticos.

Dessa forma, se o vocábulo “gosto” for indicado como verbo (não como substantivo) em um

contexto como: “Eu gosto de maçã!”, o “o” será lido com o valor de //. Isso acontece “em

virtude da harmonia vocálica entre a vogal do radical /o/, com a vogal temática subjacente da

1.ª conjugação /a/” (op. cit., p. 115).

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Por fim, são apresentados os valores dependentes exclusivamente do léxico mental

ortográfico: 1) os três valores atribuídos à letra “x”: //, /s/ e /k(i)s/ em contextos entre letras

que representam vogais, com exceção da letra “e”, como em “abacaxi”, “máximo” e “fixo”, e

entre ditongo /aw/ e vogal como em “auxílio”. 2) O vocábulo “muito” que é marcado para ser

pronunciado como ditongo nasalizado.

Diante de um sistema transparente para a leitura, como é o nosso, é importante a

compreensão das regras de descodificação para simplificar o ensino de língua materna.

O processo de codificação é inverso ao apresentado anteriormente, pois nele

acontece a conversão da realização dos fonemas em grafemas a partir da variedade

sociolingüística praticada pelo falante.

Para converter a realização dos fonemas em grafemas, o redator poderá ou não levar

em conta o contexto fonético, o que explica a existência destes cinco subgrupos: regras

independentes do contexto; regras dependentes da posição e/ou do contexto fonético; as

alternativas competitivas; as regras dependentes da morfossintaxe e do contexto fonético e a

derivação morfológica.

No primeiro subgrupo se incluem as variantes alofônicas determinadas pelo contexto

fonético, não percebidas pelo redator de forma consciente e os ditongos abertos /εj/ e /j/.

Analisando a tabela a seguir, é possível notar que, na codificação, há menos possibilidades de

atribuir um valor independente do contexto do que na descodificação. Portanto, já se pode ir

percebendo que escrever é mais complexo que ler.

TABELA 2 - CONVERSÃO DOS FONEMAS AOS GRAFEMAS, INDEPENDENTE DOCONTEXTO

Fonema Grafema Exemplos Fonema Grafema Exemplos

/p/ p pato /b/ b bola

/t/ t tatu /d/ d dado

/f/ f faca /v/ v uva

/m/ m mato /n/ n nata

// nh linha // lh bolha

// éi anéis // ói dói

FONTE: SCLIAR-CABRAL, Leonor. Guia prático de alfabetização, baseado em princípiosdo sistema alfabético do português do Brasil. São Paulo : Contexto, 2003b. p. 78.

O segundo subgrupo é formado por dezesseis regras dependentes só do contexto

fonético.

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Um grupo delas é organizado levando em consideração que o fato de as vogais e

semivogais serem posteriores ou não posteriores influi na grafia das consoantes. A regra C2.1

explica que a realização da consoante /k/ se transcreve com “c” antes de vogal posterior, oral

ou nasalizada e com “qu” antes de vogal não posterior, oral ou nasalizada como em “cola” e

“quinto”. A regra C2.2, parecida com a anterior, formaliza a grafia do fonema /g/ que antes

de vogal posterior, oral ou nasalizada se transcreve com “g” e diante de não posterior, oral ou

nasalizada, com “gu”, como em “sagu” e “guerra”. Já a regra C2.4 explica a conversão do

fonema /s/ em início de vocábulo e entre a semivogal /j/ e as vogais [-post] e [+post] como em

“foice” e “feição”; a regra C2.8 elucida a conversão do fonema //, ou seja, antes de [+post]

grafa-se com “j” e, antes de [-post], grafa-se com “j” ou “g” e a explicação é completada pela

regra C3.7, ou seja, o contexto torna-se competitivo.

As regras, que versam sobre a conversão do fonema /R/ no grafema “rr”; do flape

alveolar /r/ na letra “r” e do arquifonema |R| na letra “r”, auxiliam para explicar estas grafias

que constituem uma dificuldade para o aprendiz, sobretudo, a codificação do encontro

consonantal com flape /r/. A última regra apresenta uma forma prática de aplicação, ou seja,

salvo no contexto entre vogais, o fonema /R/ sempre se escreve com um “r”.

As regras C2.13 e C2.14 explicam como as semivogais /j/ e /w/, respectivamente,

devem ser grafadas. A autora (2003a, p. 139) alerta quanto à primeira regra que se “...trata

de uma das codificações mais complexas e opacas do português, uma vez que o ditongo

nasalizado fica obscurecido na escrita, já que as letras “m” e “n”, quando em final de

vocábulo, representam simultaneamente a nasalidade e a semivogal /j/”. Para grafar a

semivogal /w/, o princípio da distribuição das vogais também deve ser levado em

consideração. Outro ponto que aparece entre as dificuldades de grafia de alunos de vários

níveis de ensino é o ditongo nasalizado /ãw/. O primeiro aspecto que deve ser observado é a

morfossintaxe, ou seja, a que classe gramatical a palavra pertence, nome ou verbo. Na última

classe, a tonicidade também é um fator que determina a grafia “am” ou “ão”.

A regra C2.15, subdividida em outras seis, regula que acento de intensidade poderá

ser grafado nas vogais e em que condições.

A última regra desse subgrupo aborda a grafia das vogais nasalizadas sob três

aspectos: o uso do til em “ã” e “õ”; a nasalização da vogal, em final de sílaba não final de

vocábulo, na qual se explica a grafia de “m” diante das consoantes [+ ant, -cor] como em

“tempo” e “n” diante das demais; por fim, a nasalização das vogais em final de vocábulo, por

exemplo, “ruim”, “batons”.

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As alternativas competitivas constituem a maior dificuldade ortográfica na

aprendizagem do sistema escrito. Em casos como o do fonema /s/, que apresenta o maior

número de possibilidades de conversão, “é necessário selecionar no léxico mental ortográfico

o item que emparelhe semântica e morfossintaticamente com a forma fonológica” (op. cit., p.

151). Situações dessa natureza podem ser resolvidas e compreendidas se houver um ensino

inteligente da gramática que considere: 1) o papel do significado quando os dois itens forem

da mesma classe gramatical; 2) a morfologia, especialmente, a derivação. Assim, a grafia de

“paço” ou “passo”, “sessão” ou “seção” só pode ser resolvida em um contexto no qual o

sentido possa ser atribuído pelo redator, uma vez que as duas situações se apresentam diante

de vogal [+post]. Já a codificação do fonema // em “viagem” e “viajem” se dá de forma

diferente, pois, no primeiro caso, tem-se um substantivo derivado do radical “via-“ acrescido

do sufixo “-agem”; em “viajem” (terceira pessoa do plural do presente do subjuntivo do verbo

viajar), tem-se uma derivação da primeira pessoa do singular do presente do indicativo.

Outra dificuldade encontrada na aprendizagem dos contextos competitivos é a

realização do fonema /z/ entre vogal oral ou semivogal e vogal oral ou nasalizada, pois é

possível grafar tanto com “s” quanto com “z”. Em situações como a grafia de “quiser”,

“fizer”, “inglesa”, “beleza” e “lapiseira”, novamente o ensino da morfologia auxiliará na

resolução da dúvida levando-se em conta: a forma primitiva do perfeito; os femininos pátrios;

os substantivos abstratos femininos que usam o sufixo “-eza” e os derivados de radicais

atemáticos terminados em “s” como “lápis”.

A conversão do arquifonema |W| pode ocorrer em quatro diferentes situações nas

quais se escreve competitivamente: 1) “o” ou “u” nos ditongos crescentes orais; 2) “u” ou “l”

em ditongo decrescente em sílaba interna como em “calda” e “cauda”; 3) “o”, “u” ou “l” em

final de vocábulo nos ditongos decrescentes como em “mau” e “mal”; 4) “o” ou “u” no

ditongo seguido do arquifonema |S| como em “ateus”. Destes casos, o mais complexo é o

terceiro, visto que “é particularmente difícil decidir quando escrever “mal” ou “mau”, pois,

dada a semelhança semântica, somente os conhecimentos de morfologia e de sintaxe podem

resolver” (op. cit., 2003b, p. 95). No exemplo dado, na situação 2, novamente a atribuição do

sentido irá auxiliar na escolha de que letra usar na conversão do arquifonema em questão.

Outro contexto competitivo é o das vogais orais [+alt] postônicas seguidas ou não do

arquifonema |S| que podem ser grafadas com “e”/“i” ou “o”/“u”. Em uma situação como em

“descrição” e “discrição”, a realização das vogais pretônicas orais [+alt] é livre, podendo ser

pronunciada tanto com [e] como com [i].

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Casos assim são comuns entre os homófonos não homógrafos, daí a necessidade de

um ensino que, além do significado dos radicais, também contemple a significação de alguns

prefixos que constituem pares mínimos na escrita como é o caso de: “dis-”/”des-”, “e-”/ “i-”,

“anti-”/ “ante-”, “en(m)-”/ “in(m)-”.

Este subconjunto de regras sinaliza que o ensino dos contextos competitivos requer

um profissional que trabalhe os conhecimentos gramaticais e o significado de forma a auxiliar

o aprendiz a resolver suas dúvidas, compreendendo que conhecimentos são necessários para

tomar a decisão certa em cada situação.

O penúltimo subgrupo apresenta as regras dependentes da morfossintaxe e do

contexto fonético que versam sobre: 1) paroxítonos terminados em /ãw/ como em “órfão” e

“cantam”; 2) manutenção do til em derivados como em “mãezinha”; 3) oxítonos ou

monossílabos tônicos e paroxítonos terminados em /'ĕj/ (|S|) como em “porém”, “bem” “eles

têm” e “hífen” ; 4) verbos em “êem”; 5) crase do /a/ + /a/; 6) sândi com o pronome pessoal

oblíquo átono /u/ ~ /o/ e /a/ como em “levaram-no”; 7) sândi na mesóclise ou morfema

descontínuo como em “amá-lo-ei”; 8) acento gráfico diferencial dos vocábulos tônicos em

oposição aos átonos (clíticos) e/ou das vogais [-alt, -bx] em oposição às [+bx], por exemplo,

“pôr” (verbo) em oposição a “por” (preposição); 9) mudança de vocábulo átono para tônico,

na qual se apresenta a codificação do prefixo “trans-” que, quando vier seguido de vogal,

desobedece a uma das regras do terceiro subgrupo, pois neste caso o fonema se realiza como

[+son].

Por fim são apresentadas as regras de derivação morfológica que, como já foi

assinalado nos contextos competitivos, evitam a sobrecarga do léxico mental ortográfico.

Neste subgrupo, explica-se a derivação morfológica aplicada à codificação do sistema verbal;

a previsibilidade a partir da origem etimológica, da sufixação ou da alternância de cognatos e

a prefixação.

Como foi exemplificado anteriormente, as formas primitivas se mantêm na

derivação, por isso elas devem ser memorizadas no léxico mental ortográfico, não havendo

necessidade de decorar os verbos em todos os modos e tempos.

A ortografia é uma convenção necessária e não tão arbitrária como dizem alguns que

a ensinam sem verdadeiramente conhecê-la. Mattoso Câmara Jr. (1968, p. 175) afirma que a

grafia é uma técnica para o uso da comunicação escrita. A da língua portuguesa reporta-se

aos elementos da fonação. Nas línguas ocidentais, que utilizam a escrita alfabética, os

grafemas, representados por letras, se reportam à realização dos fonemas, e as letras são

completadas pela pontuação e pelos sinais diacríticos. Sendo convenção, então, nas línguas

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em que existe a escrita, a tendência é fixar um sistema estrito de grafia, o qual é denominado

de orto (ortho) de origem grega que significa “correto”.

Inicialmente, será apresentado um breve histórico da ortografia portuguesa a fim de

situá-la cronologicamente e entender seu desenvolvimento. Nos primeiros tempos, havia uma

grande tendência fonética, passando, posteriormente, a sofrer uma influência etimológica, a

qual se deve a uma valorização da cultura greco-latina, especialmente no Renascimento,

quando se sentiu a necessidade de estudar os escritores clássicos; apareceram, então, as

complicações relacionadas à grafia, pois existiam várias ortografias que dependiam da

fantasia de cada escritor. Diante do impasse, começaram a existir estudos que visavam

esclarecer a confusão até então posta. Esse trabalho foi realizado, finalmente, pelo foneticista

Gonçalves Viana que elaborou a Ortografia Oficial em 1904.

A história da ortografia é constituída por três períodos: o fonético, o pseudo-

etimológico e o simplificado (Mattoso Câmara Jr., 1968; Coutinho, 1984; Cagliari, 1994,

1999; Scliar-Cabral, 2003a).

Os primeiros documentos redigidos em português inauguram o período inicial que

se alonga até o século XVI. A preocupação fonética prevalece: pode-se dizer que a língua era

escrita a partir do ouvido. Isso se deve ao objetivo que norteava a forma de trabalho dos

escritores e copistas, os quais desejavam facilitar a vida dos leitores aproximando os textos da

língua falada. De acordo com Mattoso Câmara Jr. (op. cit., p. 175), “na língua arcaica, as

escritas apresentavam muitas inconsistências, especialmente para fonemas novos que não

existiam em latim; ex.: g com valor de /g/ diante de /e/ ou /i/ (gisa em vez de guisa) e de /z'/

diante de /a/, /o/, /u/ (fugo em vez de fujo);” além do uso de qu- por c e gu- por g diante de /a/

e /o/ como em cinquo e amigua; havia também, entre outras, a confusão entre m, n e til.

Portanto, não havia um padrão uniforme na transcrição das palavras.

O segundo período coincide com o Classicismo e, concomitante, o desejo de retratar

a origem grega e latina, por isso o critério adotado era respeitar, sempre que possível, as

letras originárias da palavra, deixando de lado o valor fonético. Entretanto, os escritores

conviviam com as línguas vernáculas, não mais com o latim e o grego. Assim, “uma vez que

o povo já falava uma língua nova e que já tinha prestígio literário e contava com um dialeto

de prestígio, conquistado através de grandes obras literárias, era preciso estabelecer também

um padrão de escrita (uma ortografia) que revelasse a importância dessas línguas vernáculas

na História” (Cagliari, 1994, p. 106). Foi neste período que surgiram os primeiros tratados de

ortografia e as primeiras gramáticas do português. Levando-se em consideração que, por ser

uma propriedade coletiva, a língua deve ser apresentada de forma que qualquer membro de

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sua comunidade possa fazer uso dela sem ter que recorrer puramente à etimologia, esse

critério apresenta-se como pouco válido e responsável por um número de disparates

ortográficos como: chrystal, systhema, Ignez, dacta, innundar entre outros.

Os muitos disparates gráficos no uso da ortografia etimológica conduziram a uma

outra reflexão que culminou no período simplificado, no qual aconteceu uma reforma

promovida pelos que defendiam a simplificação ortográfica do português. Gonçalves Viana

estudou um vasto número de vocábulos a fim de estabelecer os princípios, nos quais a

simplificação ortográfica deve se basear, que são: “1) supressão das letras e dígrafos que em

latim se usavam para correspondência com certas letras gregas [...]; 2) redução das letras

consoantes dobradas [...]; 3) supressão da letra w, que aparecia nos empréstimos a línguas

germânicas [...]; 4) emprego rigoroso de sinais de acento para indicar a sílaba tônica”

(Mattoso Câmara Jr., op. cit., p. 176). É importante esclarecer que este sistema levou em

conta, especialmente, a pronúncia, além de se valer da etimologia e do elemento histórico.

Por tudo isso, percebe-se que o dilema de como fixar a forma escrita das palavras

data de algum tempo, durante o qual várias hipóteses foram construídas. Nelas, dois lados

estiveram presentes: o fonográfico e o etimológico, o que ocasionou um casamento que até

hoje se faz presente na nossa ortografia.

Ainda quanto à sua natureza, Kato (1995, p. 17-20) alerta que, apesar de a escrita

alfabética ter sido criada para representar a fala, não pode ser considerada fonética, pois

apresenta outras motivações. Assim, há dois pontos importantes no sistema ortográfico do

português, quanto à escrita: ser essencialmente fonêmica e apresentar uma natureza

parcialmente ideográfica. Essa posição se justifica, pois a escrita: “neutraliza diferenças

fonéticas que existem na fala, mas não são distintivas, significativas; reproduz diferenças

fonéticas que são significativas;” (op. cit., p. 20) além disso, há mais dois aspectos, o fator

lexical que permite uma regularidade ortográfica e natureza arbitrária sob o ponto de vista

sincrônico.

2.3 O sistema verbal escrito e seu desenvolvimento na escola: um olhar para a

homonímia

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2.3.1 O ensino-aprendizagem da ortografia

Antes de se abordar a inserção da criança no mundo da escrita, é interessante

estabelecer, em relação à ortografia do português, especificamente do Brasil, que há uma

distinção entre o aprendizado do sistema de notação alfabética e o aprendizado da norma

ortográfica. Antes de ingressar na Educação Infantil, a criança já desenvolve suas primeiras

concepções sobre a escrita. Posteriormente, quando entra na escola, no período de

alfabetização, acontece a aprendizagem da segmentação da cadeia da fala e da sílaba, o que

permite que ela relacione essas unidades aos grafemas que se utilizam do alfabeto. (Scliar-

Cabral, 2001; 2003). Depois de escrever alfabeticamente, é que a criança começa a se

apropriar de modo sistemático da norma ortográfica. Isso não significa que ela não se depare

com dúvidas ortográficas no período inicial da alfabetização. Entretanto, é depois dessa fase

inicial da escrita que a criança tende a se apropriar de forma sistemática da norma ortográfica.

Por isso, acredita-se que cabe à escola o papel de auxiliar o aprendiz nesse processo, levando

em consideração que a ortografia é um dos passos, e não o começo e fim na aprendizagem da

escrita. Não significa, entretanto, que se deva deixar a criança escrever sempre do jeito que

quiser, é preciso que a escola, como instituição, cumpra o seu papel de ensinar a ler e

escrever, mas sem destruir ou ignorar o processo inicial. É possível que cada descoberta

ocorra, mas se respeitando o tempo de cada aprendiz, o espaço onde ocorre a aprendizagem,

sendo condição que o professor também domine os princípios.

Assim, a aprendizagem da codificação, nas séries que seguem a alfabetização, deve

ser centrada nas regras de correspondência entre a realização dos fonemas e grafemas e na

construção da memória lexical ortográfica das palavras primitivas de maior freqüência de uso

na escrita, quando o contexto for competitivo. A tarefa do aprendiz do sistema escrito não é

fácil, pois, na maioria das vezes, as regras de codificação não são independentes do contexto.

Portanto, será preciso entender, inicialmente, as regularidades, analisando as regras

dependentes do contexto, seja ele fonético ou morfológico; e, posteriormente, o contexto

competitivo, no qual estão incluídos os homófonos não homógrafos, objeto de análise desta

tese.

Isso leva a perceber que a tarefa de quem está aprendendo o sistema escrito envolve

uma série de “habilidades”, ou seja, deverá ser capaz de refletir a respeito da classe gramatical

da palavra em análise; atentar para a posição do segmento sonoro dentro da palavra; observar

a tonicidade entre outras. Deste modo, juntando informações advindas das próprias palavras

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com outras provenientes do contexto, professor e alunos, em um processo de análise,

depreenderão as regras que permitirão entender a norma ortográfica, não apenas decorá-la.

É justamente esse aspecto, o puramente mecanicista, que se deseja combater, uma

vez que ele está presente no cotidiano escolar tanto na forma como é explorada a ortografia

quanto na arquitetura dada, em geral, a este tópico nos livros didáticos. Melo e Rego (1998)

lembram que, apesar de ter havido rápida difusão e aceitação de idéias advindas da

psicolingüística e da psicologia cognitiva, no âmbito educacional, é possível perceber, em

áreas de ensino como a ortografia, que o panorama não mudou sob a perspectiva de uma nova

postura pedagógica, ou seja, o ensino ainda é calcado numa perspectiva mecanicista de

aprendizagem.

Enfocando inicialmente a sala de aula, uma pesquisa realizada por Morais e Biruel

(1998), entre sessenta e cinco professores de segunda a quarta séries do Ensino Fundamental

da rede pública de Recife, revela que a aprendizagem da ortografia acontece de forma a

prevalecer apenas a memorização. Os dados coletados revelam que, na maioria das escolas

onde as professoras atuavam, não havia metas especificadas para o ensino de ortografia em

cada série, embora 95% das entrevistadas fossem favoráveis à definição de tais metas. Na

maioria dos casos, o ensino se restringia à realização de ditados tanto de listas de palavras

como de textos, usados por 74% das professoras ao menos uma vez na semana. As situações

de correção tendiam a ser feitas coletivamente, com um modelo posto no quadro de giz. Os

alunos freqüentemente escreviam textos espontâneos, que em geral não eram reelaborados ou

corrigidos. Eles não tinham oportunidades de ler em sala de aula textos que não fossem os

manuais didáticos e 51% das turmas nunca dispunham de um dicionário para consulta. As

dificuldades ortográficas dos alunos eram justificadas como uma conseqüência da "falta de

leitura", vinculada em geral ao meio social de origem e não à experiência escolar. Na

avaliação do desempenho em língua portuguesa, 92% diziam levar em conta o rendimento

ortográfico, justificando ser este necessário para o "domínio da língua". Poucas docentes

demonstraram tranqüilidade quanto aos seus sentimentos em relação ao uso da ortografia,

sendo mais evidentes as expressões espontâneas de receio, angústia e queixas quanto à

dificuldade e dubiedade da escrita de nossa língua.

Analisando esta síntese da pesquisa realizada, alguns elementos chamam a atenção e

precisam ser discutidos ainda mais: 1) Em relação à seqüenciação do ensino da ortografia, no

texto, indicada por metas, não há um trabalho integrado entre as séries a fim de dar

oportunidade para o crescimento do aluno na medida em que progride no ensino fundamental;

2) a forma como o ensino-aprendizagem da norma ortográfica é concebido, é revelada pelas

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atividades propostas pelas professoras: cópias, ditados, lista de palavras, correção dos textos

entre outras; 3) é preocupante também a ausência de dicionários para consulta em sala de aula

bem como de outros materiais de leitura, o que revela um dado muito importante: a utilização

do livro didático como única fonte de leitura; 4) finalmente, a pesquisa revela que, na sua

formação para trabalhar a língua com crianças, as professoras não tiveram a oportunidade de

estudar os princípios do sistema alfabético do português, o que se revela na forma como a

norma ortográfica é trabalhada em sala de aula.

De todos esses tópicos, o primeiro a ser detalhado é a forma como o professor, em

sala de aula, trabalha a ortografia. A pesquisa anteriormente apresentada revela um ensino

centrado em ditados de listas de palavras e frases. Posteriormente, quando for discutida a

questão dos livros didáticos, será possível constatar que essa é também uma das práticas a que

recorrem os autores. Leal e Roazzi (2000) também abordam essa questão partindo da

preocupação existente por parte de pais, professores e alunos no que se refere às dificuldades

de grafar as palavras de acordo com a norma ortográfica. Diante dessa constatação, acreditam

os professores que a forma para reverter o quadro está no treino ortográfico, ou seja, para

fixar a grafia correta de uma palavra, a criança deverá repeti-la.

Os erros de ortografia cometidos pelas crianças estão entre as maiores e mais

freqüentes queixas do professor (Melo e Rego, 1998), mas há que se olhar quais as atitudes

dos professores para trabalhar a ortografia. A mais corrente é a acima mencionada, que tem

como pano de fundo um ensino mecanicista, no qual valem mais os treinos ortográficos do

que a reflexão e discussão. Se o grau de importância para a ortografia é tamanho, sua

cobrança em termos de avaliação se torna visível e ela passa a ser mais um objeto de

avaliação do que de ensino-aprendizagem. Tal postura também é assinalada por Curvelo,

Meireles e Correa (1998), Cagliari (1999), Gomes (2002), Pereira (2001) e Ferreira (2002).

Este último fez um levantamento do material didático de alunos de uma terceira série do

Ensino Fundamental da rede pública de Florianópolis, no qual observou que o ensino de

ortografia ocorre por meio de ditados, listas de palavras e a repetição de palavras incorretas,

como atesta em sua análise: “aplicou um ditado utilizando um fragmento de texto extraído

provavelmente de um livro didático [...] Corrigiu a ortografia das palavras e ordenou [...] a

repetição escrita das palavras ‘erradas’: uma, nem, praia, no pé da folha usada para a

execução do ditado” (op. cit., p. 5).

O que se observa, na perspectiva mecanicista, é uma crença de que se aprende

repetindo e memorizando. Não se está negando que também seja possível aprender a grafia

de algumas palavras pela memorização, mas fazer desse “recurso” o mais usual é o que

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preocupa, especialmente, os estudiosos do assunto. Enfim, o ensino da norma ortográfica se

restringe a situações meramente escolares, ou seja, não há preocupação em relacionar a

aprendizagem do sistema da escrita com o cotidiano da criança, nem tão pouco se levam em

consideração os conhecimentos a respeito da língua que o aprendiz traz para a escola. Assim,

parte-se da concepção de que é preciso repetir para aprender.

Ainda analisando o trabalho realizado pelo professor em sala de aula, Schaefer

(1999, p. 43-55) investigou as concepções de professores de primeira e segunda séries no que

diz respeito a dois pontos: o trabalho em sala de aula, ou seja, se há ou não sistematização do

ensino e quais as atividades desenvolvidas; que aspectos são valorizados nos textos

produzidos pelos alunos. Para tal, realizou um questionário e, posteriormente, analisou textos

escritos por alunos de terceira série que foram alfabetizados pelas professoras investigadas.

Dos dados provenientes, serão apresentados: os pré-requisitos para ser aprovado na série; a

forma como a correção da escrita é feita; os trabalhos específicos sobre ortografia e auto-

avaliação do trabalho feito em sala.

São considerados pré-requisitos para o aluno ir para a segunda série: escrever

corretamente palavras com sílabas simples, aqui entendidas como as compostas por

consoante e vogal, além de palavras com “ss”, “ç”, “h”, “nh”, “ch”, “lh”. Para passar para a

terceira série, o aluno deveria saber grafar palavras com “m” antes de “p” e “b”, “ss”, “rr”,

“pl”, “br”, “sc” e “x”, bem como separar corretamente as palavras em sílabas. A autora não

apresenta uma discussão quanto aos critérios adotados pelas professoras, mas é necessário

refletir a respeito de que parâmetros orientam as professoras do primeiro ciclo a pontuarem

como pré-requisitos tais conhecimentos. Por que o uso de “ss” e “ç” e não de outros grafemas

que representam o fonema /s/? Por que o uso só de “ç” e não de “c” levando-se em conta o

contexto vocálico? Por que o uso do “ch” e não do “x” para grafar o fonema //, deixando

que somente no ano seguinte o uso de “x” seja pré-requisito? Poderia ser arrolada ainda uma

série de questões a respeito dos critérios norteadores, mas o que importa é perceber que há

uma ausência de critérios, o que conseqüentemente remete ao desconhecimento dos princípios

do sistema alfabético por parte dos professores. A própria autora verificou, analisando os

textos dos trinta sujeitos alunos da terceira série, que as aparências enganam se forem levados

em conta os pré-requisitos para aprovação. Um dado importante é que os textos que

respeitavam as regras ortográficas, não raro, eram curtos, com apenas um parágrafo, com

orações independentes e lançando idéias sem desenvolvê-las. Entre os textos da amostra,

também foram encontrados alguns bem elaborados, criativos e com estrutura ortográfica

aquém do esperado.

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Outro ponto observado pela autora diz respeito à correção dos erros que é realizada

de duas diferentes formas: corrigir circulando e reescrevendo as palavras ao lado ou corrigir à

caneta sobre o erro da criança. Os trabalhos específicos de ortografia têm como objetivo fixar

a escrita correta; para tal as professoras realizam recorte e colagem, estudo de algumas regras,

escrita repetida de palavras, ditado, palavras cruzadas, exercícios de completar com a letra

que falta e escrita de textos. Nenhuma das professoras dedica um horário semanal para

realizar essas atividades e uma delas diz fazê-las quando surge algum assunto que exige

reflexão. Entretanto, como conduzir a reflexão com exercícios que exigem mais atitude

mecânica como recortar, preencher? O que se percebe é um rol de atividades, comuns nos

livros didáticos, que são utilizadas para o ensino da ortografia, mas com pouca ênfase à

depreensão da regra pela criança que leve à compreensão de como o sistema ortográfico está

organizado.

Os dados coletados para dar conta da questão de pesquisa levantada – quais práticas

vêm sendo realizadas em sala de aula, no sentido de melhorar a ortografia dos alunos e se os

resultados de tais práticas alcançam o nível das exigências estabelecidas – apontam que:

o trabalho de ortografia se realiza de forma assistemática, sem clareza de objetivos, baseado namemorização e fortemente influenciado pelo livro didático. Em geral, caracteriza uma prática quedesconsidera a reflexão sobre a escrita, o pensar inteligente dos alunos e das alunas e as possibilidadesde reflexão sobre a linguagem. Também foi possível observar o quanto estas práticas têm deixado adesejar, até mesmo em relação aos objetivos estabelecidos pelas próprias professoras (op. cit., p.51).

Percebe-se que a formação do profissional que leciona nos primeiros ciclos do

Ensino Fundamental apresenta uma lacuna quanto aos princípios do sistema alfabético, o que

leva o professor a um trabalho que se apóia, especialmente, na sua experiência e no material

didático oferecido pela escola.

Retomando os dados coletados por Morais e Biruel (1998), há um outro aspecto que

merece ser discutido: a forma como os textos espontâneos são tratados, ou seja, a produção

escrita dos alunos não é submetida a uma análise que possa nortear a seleção do que deve ser

efetivamente ensinado em sala de aula em termos de escrita. O professor parece não levar em

consideração que os textos espontâneos são uma rica fonte de construção do conhecimento

ortográfico que auxiliam a criança na aprendizagem da escrita, pois, “partindo da produção

escrita espontânea da criança (...), vai-se explicando o que for ocorrendo e, em seguida,

promovendo a correspondente escrita ortográfica. Corrigir só não basta! Tirar o errado e pôr

o certo não basta! É preciso que a criança saiba o que fez e por que precisa corrigir” (Cagliari,

1999, p. 82). Acredita-se que, em uma postura diferente dessa, o professor perde a

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oportunidade de depreender regras a partir das hipóteses formuladas pelas crianças para a

grafia de uma palavra, ou seja, o “erro” não é percebido nem tão pouco analisado,

oportunizando a construção da norma ortográfica. Não é de se admirar que prossigam

escrevendo à revelia em seus próprios textos: entretanto, devem saber como se grafam as

palavras solicitadas pelo professor. Atitudes dessa natureza revelam qual a função do texto na

sala de aula. Isso remete a uma pergunta: para que se escreve no contexto escolar? A função

social do texto está ausente tanto na produção escrita quanto na leitura uma vez que apenas se

valem dos textos do livro didático que, provavelmente, não leva em conta a diversidade de

gêneros existentes no cotidiano de cada indivíduo.

Outra concepção presente em sala de aula, quando o assunto é ensino de ortografia, é

a de que a aprendizagem se dá de forma espontânea (Leal e Roazzi, 2000; Morais, 2001), ou

seja, o aluno aprende através da exposição repetida à grafia correta decorrente naturalmente

das atividades contínuas de leitura. Quem adota essa postura acredita que não se deva

interferir na forma como o aluno escreve em respeito a ele, ficando implícito um preconceito

contra o ensino da ortografia. É possível, não se nega, que a exposição a materiais de leitura

ajude o aprendiz a conhecer a sua língua, não só quanto à grafia correta, mas também em

relação ao texto como um todo. Entretanto, a aprendizagem não acontece de forma tão

natural como crêem os professores que agem dessa forma em sala de aula. É bem possível que

esse tipo de professor não sistematize o ensino da ortografia, mas faça cobranças em relação à

escrita correta das palavras e, inclusive, leve em conta para aprovação de seus alunos o seu

rendimento ortográfico. O que se vê é uma incoerência, pois não se ensina ortografia, mas se

cobra e, a partir dos resultados, a avaliação é feita. Enfim, deixar de ensinar a norma

ortográfica é, no mínimo, ingênuo, pois o aluno não aprende apenas para ler e escrever no

contexto escolar: fora da sala, está cercado por vários textos e estes são escritos levando em

consideração a norma vigente. O professor, que acredita no ensino espontâneo da ortografia,

a fim de não tolher seu aluno na produção de seus textos, irá evitar que isso aconteça apenas

no espaço da escola: fora dali há uma exigência outra que vem da própria sociedade, na qual a

correção nas mensagens escritas é fundamental para a aceitabilidade dos textos em inúmeras

situações. Ao acreditar que se aprende naturalmente a grafia correta das palavras, apenas pela

exposição a materiais escritos, o professor poderá contribuir para reforçar a diferença que se

faz entre um bom e mau usuário da língua escrita.

Contrapondo as duas posturas, a mecanicista e a espontaneísta, é possível pensar

numa forma de ensinar a ortografia que leve em conta tanto a sistematização do ensino da

ortografia como a participação do aluno que poderá refletir a partir de suas dificuldades

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ortográficas. Esse trabalho só acontecerá se o professor mudar sua concepção de ensino, de

língua e gramática.

Essa concepção leva em conta que ensinar e aprender ortografia devam acontecer de

forma que as crianças possam gerar, criar e não apenas memorizar palavras e acumular regras,

e que o professor, necessariamente, fará as intervenções durante o processo das descobertas

realizadas pelos alunos. Para tal, o professor, que levará o aluno a refletir durante seu

processo de aprendizagem das regras ortográficas, precisa conhecer os princípios do sistema

alfabético do português do Brasil.

Ao promover a reflexão na escrita ortográfica, alguns fatores devem ser levados em

consideração: a variação sociolingüística, a freqüência de uso das palavras, a consciência

tanto fonológica, morfológica quanto sintático-semântica.

Quando a criança chega à escola, ela já tem a língua adquirida em um contexto

familiar que está situado em uma área geográfica, tem suas características culturais e

socioeconômicas, ou seja, os indivíduos falam de jeito diferente, embora o sistema alfabético

do português do Brasil seja o mesmo para todos os habitantes. Portanto, a heterogeneidade da

língua está relacionada às dimensões diatópica, diastrática e diacrônica. O professor, segundo

Scliar-Cabral (2001; 2003a), deve ter como atitude primeira o respeito pela variedade que o

aluno pratica. Isso permitirá que ele estabeleça um clima, em sala de aula, onde haja respeito

pelas diferentes formas de falar, as quais nem sempre estão de acordo com a norma de

prestígio. Ainda que o professor queira impor uma norma padrão, será difícil alcançar

tamanho intento, pois a criança passa a maior parte de seu tempo longe do ambiente escolar,

praticando uma outra variedade que não aquela imposta pela escola. Isso não significa que o

aprendizado da norma não aconteça, mas só poderá ser feito a partir de uma profunda

motivação. Além disso, a variedade que cada aluno traz servirá como fonte de observação

para que o professor planeje seu trabalho, explicando aos alunos a diferença existente entre

falar e escrever uma palavra.

Gradativamente, a criança irá percebendo que a padronização da grafia das palavras

permite que diferentes textos, escritos em espaços geográficos distintos, sejam lidos por todos

os habitantes sem o prejuízo das variações presentes na fala. Além disso, impõe ao escritor a

adequação à norma estabelecida. É justamente esse ponto o mais complexo para o aprendiz,

pois precisará transformar a forma falada em escrita a fim de ter seus textos aceitos e assim

atingir os propósitos pragmáticos e, para fazê-lo, precisará ter consciência da norma

ortográfica. Portanto, escrever exige maior reflexão, pois é mais complexo que ler.

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Outro ponto que serve como referência no ensino da ortografia é a freqüência com

que a palavra aparece no texto escrito. Pesquisadores nessa área (Pinheiro, 1994; Monteiro,

2000; Pinheiro e Rothe-Neves, 2001) observaram que crianças de séries mais avançadas do

Ensino Fundamental escrevem mais facilmente palavras freqüentes reais em comparação com

palavras reais pouco freqüentes ou inventadas. Levando em conta esse aspecto, os PCNs,

como se verá na última seção, assinalam que o professor deve partir de palavras freqüentes

em seu trabalho com o sistema ortográfico.

A consciência morfológica, capacidade mais específica relacionada à composição e

derivação da palavra, é outro fator que permite ao aprendiz construir regras que expliquem o

uso de prefixos, sufixos, terminações verbais, homônimos entre outros. Moreira (1995, p.

106), investigando as regularidades lingüísticas na aquisição da ortografia, com foco na

morfologia flexional, verificou como diferentes desinências ou sufixos verbais são

representados por crianças de 1.ª e 2.ª séries. Ela constatou que “há um conhecimento

gramatical, que também regula a representação gráfica e, por vezes, se sobrepõe às

representações sonoras da palavra. [...] Esse conhecimento gramatical pode ser construído a

partir da depreensão de elementos mórficos através do valor semântico desses elementos”.

Percebe-se, então, que o conhecimento morfológico leva o aprendiz a entender a língua sem

precisar decorar todo um elenco de palavras. Assim, se está agindo de forma econômica, pois,

segundo Scliar-Cabral (2001; 2003), as regras de derivação morfológica evitam a sobrecarga

do léxico mental ortográfico, mesmo nos contextos competitivos.

Leal e Roazzi (2000) observaram, em seus estudos, que o nível de consciência

sintático-semântica está relacionado ao desempenho da leitura. Analisando sujeitos em suas

pesquisas, observaram que estes, quando têm dificuldade na leitura, utilizam o contexto

semântico e informações lingüísticas para reconhecer a palavra corretamente. Por sua vez,

Moreira (1999) aponta as várias fontes a que recorre o sujeito quando quer grafar uma

palavra, ou seja, a fonológica, a ortográfica e a de informação específica da palavra. A última

é verificada em palavras nas quais os grafemas são imprevisíveis, como é o caso dos

contextos competitivos. A autora apresenta como exemplo a palavra [‘asu] que pode ser

grafada tanto como “asso” quanto “aço”. Neste caso, a seleção do grafema adequado depende

do conhecimento da forma gráfica da palavra que, sendo homófona, implica também o

conhecimento semântico. Apesar de a autora não mencionar, entende-se que, neste caso,

também seria necessária a informação sintática, pois são palavras de classes diferentes. Em

casos como este, a informação ortográfica seria suficiente apenas para que não se optasse pela

grafia com “s” ou “c”, levando-se em conta as regras distribucionais.

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As pesquisas sobre ortografia são realizadas, na sua grande maioria, por

pesquisadores ligados à área da Psicologia Cognitiva, os quais trabalham com experimentos

levando em conta os sujeitos, mas isolando o contexto onde esses sujeitos estão inseridos.

Além disso, nota-se que falta base lingüística e que, mesmo do ponto de vista do processo de

aprendizagem, não tem base psicolingüística. Os dados ajudaram a entender alguns aspectos

importantes e mesmo a perceber como falta clareza quanto ao que seja descodificação e

codificação como ocorreu na pesquisa de Rego e Buarque (1997). As próprias autoras acham

necessários estudos de intervenção em sala de aula a fim de se verificar se, de fato, há uma

relação de causalidade entre a consciência sintática e a aprendizagem das regras ortográficas.

Se esse foi um fator dificultante quanto à pesquisa bibliográfica, levou à ratificação da

necessidade de analisar, no espaço pedagógico, como ocorre o processo de ensino e

aprendizagem da ortografia.

Quanto à importância do significado para a aprendizagem da escrita ortográfica,

aspecto relevante nesta tese, também só se encontrou pesquisa desenvolvida na área da

Psicologia Cognitiva, cujo enfoque foi experimental, mas que também apontou para a

necessidade de uma outra postura em sala de aula. Guimarães (1994) teve como objetivo

averiguar experimentalmente como se desenvolve a compreensão da importância de

considerações semânticas na ortografia em sujeitos de diferentes graus de escolaridade/idade.

Para investigar os homófonos não homógrafos, foi realizado um ditado seguido de entrevista

para a justificativa, a fim de se verificar se o sujeito se preocupava em representar as

diferenças de significados em palavras sonoramente idênticas. Partindo dos resultados, a

autora evidencia a necessidade de os professores trabalharem a língua de uma forma

reflexiva com os alunos a fim de que estes percebam a relação que existe entre a escrita

convencional e o significado. Alerta, entretanto, que não basta um trabalho no qual se

chame atenção para os aspectos semânticos e morfológicos, é preciso promover um espaço

de ensino-aprendizagem no qual se levem os alunos a formular e descobrir regras subjacentes

às formas, nas atividades de ensino propostas, a fim de enunciá-las e explicitá-las. Práticas

assim tornarão mais eficaz a compreensão da língua, facilitando a aprendizagem da escrita

correta. Esta necessidade existe, pois a pesquisadora constatou que, embora haja uma

evolução, de acordo com a escolaridade/idade, acerca da importância do significado para a

escrita correta das palavras, muitos alunos chegam ao final do Ensino Médio sem entender

perfeitamente como ocorre a grafia diferente em homófonos. Além disso, apresentaram

relativa dificuldade em formular uma justificativa que explique por que grafaram dessa ou

daquela maneira uma determinada palavra com semelhança sonora. Portanto, é necessário

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que se organize o planejamento escolar, partindo dos conhecimentos já construídos pelos

alunos, para que se trabalhe paulatinamente a relação entre ortografia e significado, uma vez

que a escolarização desempenha um papel importantíssimo para essa aprendizagem. Esta

constatação evidencia que mais do que reforçar a grafia correta, é preciso levar o aluno a

refletir sobre a sua escrita e, infelizmente, “a escola, local por excelência de reflexão sobre a

língua escrita, vem contribuindo muito pouco para que os sujeitos busquem essa relação, o

que, conseqüentemente, tem retardado a aprendizagem das grafias convencionais onde o

significado é um fator discriminante.” (op. cit., p. 103).

Também Curvelo, Meireles e Correa (1998), em um estudo sobre o conhecimento

ortográfico da criança em contexto lúdico, observaram que, das 60 crianças entre segunda e

quarta séries do Ensino Fundamental, a maioria foi capaz de utilizar os conhecimentos

lingüísticos que possui no nível ortográfico, mas houve dificuldades para justificar o

raciocínio. As autoras apontam que parece existir um caminho relativamente longo a ser

percorrido pela criança até que seja capaz “de fazer uso espontâneo em contexto lúdico, em

nível ortográfico, de habilidades metalingüísticas, ou seja, da reflexão sobre o uso dos

conhecimentos que possui acerca do padrão normativo da grafia das palavras na Língua

Portuguesa. As jogadas realizadas por nossas crianças, embora muitas vezes apropriadas, nem

sempre vinham acompanhadas de justificativa adequada da estratégia empregada” (op. cit., p.

13).

Como apontam as conclusões das duas últimas pesquisas, é preciso mais do que

ensinar a escrever de acordo com a norma ortográfica, a escola precisa ensinar a pensar.

Perini (1996), Travaglia (2002; 2003), Neves (2001; 2002), Scliar-Cabral (2001; 2003) entre

outros enfatizam a necessidade de um ensino inteligente da gramática no qual se leve em

conta que o ensino da metalinguagem deve ser um espaço de reflexão entre quem ensina e

quem aprende, em um processo de construção de conhecimento sobre a língua que o aluno

está aprendendo a descodificar e codificar.

Ainda que se considere, como afirma Neves (2001), que se poderiam aceitar três

tipos de desvio da norma, interessando nesta pesquisa o primeiro, que é aquele em que a

forma recomendada é estabelecida por convenção pública e tem força de lei, é preciso que a

escola não fique passível diante do que foi convencionado. Tal atitude implica desinstalar o

aluno do lugar de repetidor e conduzi-lo ao de questionador, pois só refletindo sobre a língua

é que se pode chegar ao sistema que a regula de forma clara.

É preciso ir além do ensino da norma como se fosse uma verdade absoluta, ensinar a

língua materna a quem já a fala remete a uma outra instância, a da educação lingüística.

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Travaglia (2003, p. 23) a entende como um “conjunto de atividades de ensino/aprendizagem,

formais ou informais, que levam uma pessoa a conhecer o maior número de recursos da sua

língua e ser capaz de usar tais recursos de maneira adequada para produzir textos a serem

usados em situações específicas de interação comunicativa para produzi efeito(s) de sentido

pretendido(s)”. Não se nega o ensino da norma culta ou padrão na escola, pois ela tem sua

importância política, econômica e cultural, mas é preciso apresentá-la como uma das

possibilidades, alertando os alunos para a existência de variedades lingüísticas. Como a

educação lingüística formal é responsável pela aprendizagem da variedade escrita da língua, é

necessário, além de apresentar as diferenças e semelhanças entre o sistema oral e escrito,

trabalhar a escrita tendo consciência de que ela é uma convenção. A não compreensão de que

há desvios da norma que provocam transgressões, conduz a problemas, por exemplo, na

compreensão da ortografia entre alunos que findam o Ensino Médio como bem apontou

Guimarães (1994); de vocabulário pobre entre alunos que chegam à universidade como

comentou Travaglia (op. cit., p. 32). Quanto a este tópico, o autor assim se expressa:

Sendo isto verdade é preciso perguntarmos o que temos feito para que eles tenham um vocabuláriomais rico e para que sejam capazes de empregá-lo para exprimir não só uma variedade desejável deidéias, conceitos etc., mas também nuanças da mesma. Na verdade o vocabulário é constituído depalavras que são recursos da língua a serem adquiridos, o que significa memorizá-los e ter consciênciados sentidos que cada uma é capaz de veicular; [...]. É preciso, pois, fazer exercícios de vocabulárioque tratem basicamente dos seguintes fatos: a) diferentes sentidos de uma mesma palavra; b)sinônimos, discutindo o sentido de palavras, o sentido de expressões e as diferenças de sentidos entresinônimos; c) diferentes palavras com o mesmo sentido; d) antônimos; e) homônimos; f) parônimos;g) processos de formação de palavras, estudando prefixos, sufixos, radicais e sentidos, incluindo aquia questão dos cognatos.

Este é um quadro que se apresenta ao final de um processo, mas é preciso que o

trabalho com a educação lingüística aconteça desde a pré-escola. O conhecimento que o

professor tem do seu grupo de alunos, o referencial teórico que embasa a sua prática, a sua

concepção de língua e gramática vão nortear o ensino da língua, levando-o a entender por que

também é necessário trabalhar a teoria gramatical. Mas um questionamento emerge: estaria o

professor que trabalha com Língua Materna atento a todos estes aspectos? Teria ele se

perguntado quais as razões para ensinar teoria gramatical?

Teóricos preocupados com o ensino como Perini (1996) e Travaglia (2003) apontam

três objetivos para o ensino da teoria gramatical: dar informação cultural; instrumentalizar

com recursos para aplicações práticas imediatas; desenvolver o raciocínio, a capacidade de

pensar, ensinar a fazer ciência. Interessa-nos especialmente o último que é mais amplo, pois

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não diz respeito apenas ao ensino da língua. A idéia é levar o aluno a observar, formular

hipóteses, buscar comprovação ou não, ou seja, propiciar um momento de pesquisa. Tal

encaminhamento é importante, pois essas habilidades “são um pré-requisito à formação de

indivíduos capazes de aprender por si mesmos, criticar o que aprendem e criar conhecimento

novo. É justamente neste setor que o estudo de gramática pode dar sua contribuição mais

relevante; [...] se há algo que nossos alunos em geral não desenvolvem durante sua vida

escolar é exatamente a independência de pensamento” (Perini, 1996, p. 31). Os professores

de todas as disciplinas podem direcionar suas aulas para alcançar esse objetivo, mas o

professor de Língua Materna leva relativa vantagem, pois: 1) o material lingüístico é

fartamente disponível; 2) não depende de laboratório; 3) a intuição do falante pode ser levada

em conta, o que leva o pesquisador a se observar; 4) como o uso da língua é fundamental em

todos os setores, o trabalho pode despertar interesse. O estudo pode ser desencadeado tanto a

partir da observação dos usos da linguagem no cotidiano como das teorias existentes. Um

trabalho nesta perspectiva terá como resultado final pessoas mais capazes intelectualmente de

aprender e descartar teorias científicas e, mais que isso, capazes de construí-las.

Diante desse quadro de razões que justificam a teoria gramatical na sala de aula, é

preciso ter clareza de que a opção por parte do professor deve ser consciente e estar atento a

problemas como: cometer o equívoco de pensar que as habilidades de leitura e escrita se dão

pelo ensino da teoria gramatical; esquecer que a teoria gramatical ajuda a pensar; acreditar na

teoria como uma verdade única; não ter consciência de como e por que uma certa teoria foi

formulada. Se estes aspectos não forem levados em consideração, corre-se o risco de se ter

um ensino considerado maléfico e equivocado.

Como se percebe, há uma relação muito intensa entre o ato de ensinar e quem ensina,

o que sinaliza a necessidade de um educador que tenha uma formação adequada quanto ao

ensino da Língua Materna. Mas isso é assunto para a próxima seção.

2.3.2 A formação do professor e o ensino do sistema escrito

Se os dados apresentados até aqui apontam para a necessidade de se repensar o

ensino de língua, especificamente da ortografia, uma questão surge: como anda a formação

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dos professores que ensinam a ler e escrever? Passa-se, então, a fazer uma análise do

contexto educacional sob três enfoques: o conhecimento do professor sobre o ensino de

Língua Materna, o professor como aquele que interage no processo de aprendizagem do

sistema escrito e a necessidade de se repensar o currículo nos cursos de formação de

professores do Ensino Fundamental.

Um quadro geral a respeito do conhecimento do professor aponta para um

profissional cujo conhecimento sobre a língua e o seu ensino e aprendizagem é insuficiente.

Embora o olhar da presente pesquisa seja para os dois primeiros ciclos do Ensino

Fundamental, faz-se necessário conhecer os dois últimos, pois há professores atuando em

salas de primeira à quarta série cuja formação é outra que não Pedagogia, sendo identificados

formados, por exemplo, em Letras que preferem trabalhar em outro nível que não aquele para

o qual se licenciaram.

Neves (2002a, p. 29-47), analisando a formação dos professores do Ensino

Fundamental que atuam nos dois últimos ciclos, descreve um professor que desconhece,

inclusive, que materiais consultar para resolver seus problemas de ortografia. Além disso, um

terço dos professores pesquisados acredita que os livros didáticos são suficientes para sua

aprendizagem. Ainda quanto à busca de aprimoramento, os cursos de

reciclagem/atualização/aperfeiçoamento são a única fonte que o professor procura. Se isso

mostra, de um lado, o professor interessado e desejoso por conhecer mais; por outro, aponta

para um tipo de atividade que é momentâneo e que, se o professor não tiver uma visão de que

ali são apresentados apenas caminhos para analisar sua prática e transformá-la, a rotina é

retomada ao fim do curso. É preciso compreender que o professor sente necessidade de ajuda

para operacionalizar os conhecimentos que trouxe do curso de capacitação, ou seja, para se

tornar capaz de resolver as dificuldades que encontra no seu cotidiano.

O que se tem encontrado, em geral, no nosso campo de atuação, é um professor que

vai a esse tipo de curso em busca de “receita”, e que, se alguma idéia for apresentada pelo

ministrante, será trazida para a sala de aula, mas findas as sugestões dadas no curso, o velho

material é retomado. Essa situação, tão comum nas salas de aula, pode ser alterada se for

despertado no professor o espírito do pesquisador, ou seja, aquele que olha para sua realidade,

identifica seus problemas e parte em busca de soluções, mas isso não se faz com apenas um

curso anual, é preciso que haja uma continuidade, daí a importância de grupos de estudos nos

quais se faça a leitura de textos e, a partir da fundamentação teórica se repense a prática. Este

é um desafio para a universidade: ir aonde está o professor e auxiliá-lo ali.

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Ainda olhando os dados de Neves (op. cit.), é possível entender por que o professor

se sente desanimado e desencantado: o salário é baixo; a carga horária é excessiva; atende a

mais de uma escola; o tempo para estudar é raro; não sente respeito e consideração por parte

da sociedade e da comunidade escolar. Estes dados permitem observar que um elemento está

imbricado no outro e que esta autodescrição revela um profissional que precisa também ter

retomada a sua valorização, mas se sente com dificuldades para fazê-lo. Outro ponto

discutido pela autora são os planejamentos anuais nos quais os objetivos são apenas uma

exigência burocrática e há uma distinção entre as atividades de leitura e interpretação,

gramática, redação e ortografia. Como se poderá observar na seção destinada à análise dos

livros didáticos, aqui também se tem uma postura de que a ortografia é um capítulo isolado no

ensino da língua, o que pede uma reflexão. Sobre esse aspecto, assim se posiciona Neves (op.

cit., p. 41): “Exatamente porque os professores têm um conceito de gramática como: 1)

atividade normativa, e/ou 2) atividade descritiva, toda a programação escolar (...) reflete, na

sua compartimentação, o desprezo pela atividade essencial de reflexão e operação sobre a

linguagem. (...) não se observa qualquer reserva de espaço para a reflexão sobre os

procedimentos de uso”. Enfim, fazendo um balanço da questão, Neves apresenta cinco

pontos quanto ao ensino da gramática: 1) crenças, por parte da maioria dos professores, de

que o ensino da gramática leva o aluno a escrever melhor; 2) o despertar do professor, em

cursos de formação, para uma crítica dos valores da gramática tradicional; 3) o ensino da

gramática normativa, em grande parte, foi substituído pelo da gramática descritiva; 4)

verificação de que a gramática, na prática, não tem servido aos alunos; 5) manutenção de

aulas sistemáticas de gramática, ainda que leve em consideração o que foi apresentação dos

três últimos pontos e isso se deve, especialmente, pela cobrança da família do aluno.

O que se tem, então, é um retrato de um professor dos dois últimos ciclos do Ensino

Fundamental, com formação universitária plena, que não sabe como relacionar o

conhecimento teórico e o conhecimento do ensino-aprendizagem, como bem será

apresentado, mais adiante a partir da análise de Reinaldo (2001).

Retomando os dados de Morais e Biruel (1998) e Schaefer (1999) a respeito dos

professores dos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, percebe-se que a forma como

esses professores “organizam” o ensino da ortografia evidencia a necessidade de se terem,

nesses ciclos, profissionais que conheçam melhor o sistema escrito do português do Brasil, ou

seja, é preciso um profissional competente como bem assinalam Cagliari (1999), Kato (1995),

Duarte (2001), Scliar-Cabral (2001b) e Travaglia (2003) entre outros.

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Uma das tarefas centrais do professor do Ensino Fundamental dos primeiros ciclos é

apresentar à criança o sistema escrito. Segundo Duarte (op. cit., p. 80-1), dados de

investigação mostram que, em um sistema de ensino no qual a leitura e a escrita são

planejadas, orientadas e organizadas por profissionais competentes, mais de noventa e cinco

por cento das crianças têm chance de ser bem sucedidas. Diante desse pressuposto, surge a

necessidade de se entender o que vem a ser um profissional competente nesta área. Para a

autora acima mencionada, há conhecimentos que devem ser necessariamente dominados pelo

professor que atua no ensino de língua portuguesa, os quais passam a ser descritos.

Conhecimento sólido sobre a estrutura da língua portuguesa e suas variedades, bem como

sobre as diferenças entre o sistema oral e escrito e sobre os processos psicolingüísticos de

leitura e escritura. Deve, também, respeitar as variedades sociolingüísticas e ir apresentando

o sistema escrito com as suas características peculiares. Para tal, deve entender os diferentes

contextos em que acontece a relação grafema-fonema e vice-versa a fim de, a partir dos

conhecimentos das regras do sistema ortográfico, auxiliar os alunos em suas dificuldades. A

respeito disso, afirma Cagliari (op. cit., p.106): “Infelizmente, por falta de formação adequada

e de informação técnica correta, muitos professores alfabetizadores desconhecem como o

sistema de escrita funciona, o que é, de fato, a ortografia, como se estabelecem as relações

entre letras e sons, como se decifra uma escrita, como se educam as dúvidas ortográficas e,

conseqüentemente, como se deve conduzir o processo de ensino e aprendizagem na

alfabetização”. O ponto de vista adotado na presente tese vai ao encontro do que advogam

esses autores, evidenciando a necessidade de se promover uma discussão a respeito da

formação a nível de graduação a fim de que esses conhecimentos passem a integrar a grade

curricular conforme será discutido mais adiante.

Ainda quanto ao professor, também deve ter consciência de que o domínio

progressivo da complexidade sintática é fator importante no sucesso da aprendizagem da

leitura e da escrita. Acrescentem-se, especialmente para o trabalho com contextos

competitivos, a fim de auxiliar na sua previsibilidade, conhecimentos sobre: a alternância

consonantal em cognatos, a sufixação e prefixação bem como conhecimento morfológico e,

quando as palavras pertencerem à mesma classe gramatical, que é o caso dos homófonos não

homógrafos, conhecimento semântico.

Retomando Duarte, argumenta, finalmente, que o professor deve ser capaz de, a

partir de projetos de investigação, analisar os resultados e suas conseqüências para a prática

pedagógica bem como integrá-los ao planejamento, organização e orientação em sua

intervenção educativa. Corroborando com essa posição, Travaglia (op. cit., p. 81) evidencia

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60

que embora o professor opte por não ensinar teoria a seus alunos, é imprescindível que tenha

um conhecimento teórico sobre a língua, pois “sem esse conhecimento dificilmente o

professor saberá estruturar e controlar atividades pertinentes de ensino e que realmente

caminhem em direção a fins determinados de forma específica e clara. [...], pois é pressuposto

para a configuração de um trabalho metodológico eficiente em sala de aula para o

ensino/aprendizagem de língua materna”.

Também Kato (op. cit.) atenta para o conhecimento que o professor deve ter e

advoga que só a compreensão metacognitiva da leitura e da escritura e de seus processos não

é suficiente na formação didática do professor. É necessário que compreenda também o que e

como o aluno aprende levando-se em conta a intervenção externa. Em virtude disso, a autora

aponta como componentes necessários na formação didática na área da linguagem: “um

conhecimento da natureza da linguagem escrita; um conhecimento da natureza dos processos

envolvidos na leitura e na escrita; e um conhecimento da aprendizagem tanto desses processos

quanto da própria linguagem escrita” (op. cit., p. 99). Percebe-se, então, que a construção, por

parte do professor, de seus próprios modelos exige que ele tenha consciência da natureza do

objeto e dos processos que irá ensinar. A autora enfatiza que esta é a base para uma

intervenção na qual as atividades são planejadas tanto para ajudar o aprendiz a complementar

as habilidades que já adquiriu como para diagnosticar as dificuldades decorrentes do processo,

e possibilita identificar as falhas nas hipóteses quanto aos processos de leitura e escritura.

Esse tipo de postura evidencia a importância de se levar em conta as concepções da

criança sobre o que será ensinado, além da necessidade de atividades que promovam reflexão

e discussão durante a aprendizagem. Dessa forma, especialmente no que diz respeito ao

processo de ensino e aprendizagem da ortografia, “a interação entre as crianças e entre essas e

o professor deveria ser conduzida de tal modo que o aprendiz viesse a perceber a inviabilidade

de suas hipóteses sobre a relação entre sons e letras e que, de posse de novos dados, pudesse

reelaborá-las, tornando-as mais próximas das regras convencionais” (Melo; Rego, 1998, p.

115). Tal postura, leva-nos a acreditar que essa necessidade de troca de conhecimentos para a

compreensão do sistema escrito pode-se ampliar ainda mais, atentando-se, especialmente,

para o momento da interação. Nele, o professor, ao recorrer a estratégias interativas, cujo

objetivo básico é facilitar a compreensão do conteúdo, deve fazê-lo com a intenção de

contribuir para alguma reflexão sobre a língua e o funcionamento de suas estruturas, as quais

são utilizadas pelo aluno em seu cotidiano. Caso contrário, como constatou Gomes (2002), as

estratégias construídas servirão apenas para reproduzir a metalinguagem usada no repasse

mecânico dos conteúdos trabalhados em sala de aula.

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Até aqui, fez-se um levantamento dos conhecimentos necessários para que o

professor consiga promover a aprendizagem do sistema escrito conduzindo o aprendiz à

reflexão. Entretanto, o que se observa, no contexto escolar, é um professor formado em uma

realidade educacional que não atende plenamente às necessidades existentes na sala de aula.

Isso explica o “clamor generalizado por parte de professores e alunos dos mais diferentes

níveis para que se mudem os rumos das metodologias e estratégias que tratam do ensino de

Língua Portuguesa” como bem assinala Pereira (2001, p. 3). A autora acredita que, se o

aluno se sentir agente do seu próprio conhecimento, haverá alteração nas condições de

aprendizagem da língua materna que deixará de ser apenas um componente curricular

cumprido por obrigação, passando a fazer parte de sua vida. Mas ser agente do conhecimento

implica mudança de postura que deve ter um misto de elementos: descoberta, inquietação,

reflexão, crítica, extrapolação, articulação, proposta, ousadia.

Tal reflexão endereça a discussão para a maneira como os cursos de licenciatura vêm

organizando sua grade curricular, pois se sabe que diferentes concepções de língua conduzem

a diferentes escolhas quanto às estratégias de ensino e de aprendizagem. É neste ponto que se

estabelece a responsabilidade da ciência lingüística ao formar novos professores seja nos

cursos de Letras, seja nos de Pedagogia. Ilari (1985, p. 12) destaca o potencial formativo da

Lingüística uma vez que insere, na formação do professor, “um elemento de participação

ativa na análise da língua, que o habilitará a reagir de maneira crítica às opiniões correntes, e

lhe permitirá, em sua vida profissional, avaliar com independência os recursos didáticos

disponíveis e as observações e dificuldades de seus alunos”. O que se tem aqui é o perfil ideal

do profissional para promover a aprendizagem da língua materna, entretanto, Reinaldo

(2001), analisando a relação entre teoria e prática na formação do professor, percebeu haver

um hiato entre elas. Para os egressos de cursos de Letras, o conhecimento teórico só tem

importância durante o período de formação acadêmica, não estando relacionado com a prática

desenvolvida em sala de aula. Uma das causas que explicariam tal postura é o isolamento da

prática de ensino no final do curso. Atualmente, esta forma de organizar a grade curricular

está sendo analisada e sofrendo reformulações a fim de haver equilíbrio entre as disciplinas

pedagógicas, as articuladoras, as específicas, as específicas integradoras, atividades

complementares e o estágio que perpassa toda a formação acadêmica (Krahe, 2003).

Repensar a organização curricular implica refletir que componentes devem fazer

parte da formação do professor de língua. Nesta perspectiva, Reinaldo (op. cit.) apresenta

dois componentes curriculares: o conhecimento teórico e o conhecimento de ensino e

pesquisa sobre o ensino. Ainda que a análise feita pela autora tenha como foco o educando

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de Letras, pode-se pensar também no profissional que irá atuar nos dois primeiros ciclos do

Ensino Fundamental, pois também ele é um professor de língua.

O conhecimento teórico diz respeito ao domínio do objeto da linguagem, o qual

envolve um saber relativo à língua enquanto fato lingüístico em todas as suas dimensões. O

segundo componente inclui os estudos sobre aquisição e aprendizagem da língua, os quais

raramente fazem parte da grade curricular oferecida nas licenciaturas, em especial pelas

interfaces que existem entre esses estudos e outras áreas. Assim, faz-se necessário promover

reflexões como:

as concepções sobre o que vem a ser adquirir e/ou aprender uma língua; a discussão sobre ascapacidades e os fatores individuais ou coletivos– de ordem cognitiva, afetiva ou social - queinterferem no processo de aprendizagem de uma língua; a evolução da linguagem durante a fase deaquisição/aprendizagem; o papel do que se convencionou chamar de erro e das correções nesseprocesso evolutivo do aprendiz; o efeito que determinados procedimentos de ensino formal notratamento de certas questões podem provocar na aprendizagem e no desenvolvimento do educando(op. cit., p. 2).

A relação entre esses dois componentes pretende conduzir o futuro professor a uma

posição na qual a reflexão crítica de sua prática docente aponte para a sala de aula como um

espaço de pesquisa, de busca de conhecimento que precisa ser sempre construído. Também

Duarte (2001, p. 81) defende que cabe às instituições de ensino superior desenhar um

currículo e formação que garanta um domínio sólido dos conhecimentos que se fazem

necessários na perspectiva de sua aplicação prática. Cabe, então, aos cursos de licenciatura

preparar o futuro professor dos primeiros ciclos para trabalhar de forma cooperativa, para

pensar a escola como um espaço que considere o crescimento social, afetivo e cognitivo do

aprendiz, como promotora de oportunidades de aprender, enfim um lugar onde professores e

alunos sintam prazer em estar, construir e descobrir.

Percebe-se, então, que a universidade é o espaço de encontros para aprender e

ensinar e isso implica, necessariamente, uma reflexão a respeito de qual o seu papel na

educação lingüística. Travaglia (2003, p. 30-1), ao responder a este questionamento,

apresenta um múltiplo papel, ou seja, cabe à universidade tanto a promoção da educação

lingüística de seus alunos como a divulgação de suas pesquisas para professores de todos os

níveis a fim de informá-los sobre a constituição e funcionamento da língua. Partindo desse

pressuposto, o autor apresenta quatro funções que cabem à universidade (op. cit., p. 31): “a)

produzir o conhecimento lingüístico necessário para subsidiar um bom trabalho de educação

lingüística; b) formar profissionais competentes que sejam responsáveis [...] pela educação

lingüística; c) desenvolver a competência comunicativa dos profissionais de qualquer área que

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forma [...]; d) ajudar a estabelecer uma consciência, na sociedade, da importância da educação

lingüística” a fim de que as pessoas, por entenderem a sua correlação com a questão da

cidadania, desejem e busquem uma formação lingüística de qualidade.

Compreende-se, então, que a formação do professor não depende apenas dele, é

necessário que as instituições responsáveis pelo ensino superior analisem a real necessidade

do futuro docente levando em consideração tanto o conhecimento teórico que deve ser

oferecido como o conhecimento relativo ao espaço no qual se desenvolve o processo de

ensino e aprendizagem e isso implica também a compreensão dos documentos oficiais que

orientam e regulam o ensino bem como a preparação para planejar aulas e selecionar

materiais didáticos, em especial, os livros.

2.3.3 O livro didático: em busca das páginas que tratam da codificação de homônimos

Outro ponto que merece destaque, quando se aborda o ensino-aprendizagem da

ortografia, é o referente ao livro didático. Uma análise feita em 1994, por uma equipe9,

contratada pela FAE10 revelou a necessidade de mudança imediata, pois, de acordo com a

equipe (1994, p.53-4), era urgente que se traçasse uma política clara do LD, estabelecendo-se

padrões e programas mínimos para orientar os autores e que se exigissem das editoras

qualidade e compromisso. Optou-se por apresentar a discussão feita pela equipe em 1994,

pois ela ainda serve como referência para análise dos livros didáticos, como se vê esclarecido

na introdução da área de Língua Portuguesa do Guia de Livros Didáticos de 1.ª a 4.ª séries:

“Esse exame foi feito numa dupla direção: de um lado, os objetivos do ensino de Língua

Portuguesa do Ensino Fundamental; de outro, os princípios e os critérios já estabelecidos para

a avaliação dos livros de 1ª a 4ª séries, tanto em sua versão preliminar, publicada pela FAE

em 1994, quanto em sua reformulação para os PNLDs de 1997 e 1998”. (2000) 11

Dos problemas graves detectados nos livros de primeira à quarta série pela equipe de

1994, foi elaborada uma lista com onze itens, dos quais foram selecionados os que estão mais

relacionados com o objeto de pesquisa desta tese.

A estrutura, além de ser repetitiva, centra sua preocupação em fixar a norma escrita

e, para tal, faz uso de exercícios que envolvem prioritariamente a repetição e a cópia. Os

textos são selecionados, muitas vezes, como pretexto para o ensino de uma determinada

9 Fizeram parte da equipe de Português: Antenor A. Gonçalves Filho, Heliane G. Ferreira de Melo, JaquelineMoll, Luiz Percival Leme Britto, Leonor Scliar-Cabral, Magda Becker Soares e Nadja da C. Ribeiro Moreira.10 Fundação de Assistência ao Estudante11 Não é feita a indicação da página, pois o material não a apresenta.

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característica lingüística. Em geral, são oferecidos fragmentos, o que descaracteriza a própria

definição de texto. A oralidade é desconsiderada e isso se faz sentir na confusão existente

entre atividades em que se fala com as em que a língua oral é objeto de reflexão. É dado

grande valor aos aspectos lingüísticos propostos pela Gramática Tradicional. Além disso, os

autores favorecem um ensino descontextualizado, com erros e impropriedades. Todo esse

quadro é fruto da análise feita pela equipe que, para alcançar esses resultados, estabeleceu

critérios que foram agrupados em quatro grandes áreas: leitura, oralidade, produção de textos

e conhecimentos lingüísticos.

Antes de se entrar na apresentação dos livros didáticos selecionados e analisados no

Guia 2000/1, acredita-se ser necessário estabelecer uma comparação entre os critérios de

análise da equipe de 1994 e os critérios classificatórios do Guia, enfocando apenas a grande

área de conhecimentos lingüísticos. Essa apresentação permitirá entender que caminhos

percorrem os analistas dos livros didáticos para emitir seu parecer. Seguindo critério

cronológico, será apresentado primeiro o posicionamento da equipe de 1994:

o mais fundamental desses princípios é que a língua deve ser considerada em toda a sua diversidade,valorizando-se situações de seu uso real e de reflexão e construção de conhecimento sobre alinguagem. Outro princípio fundamental é que não haja conceitos ou teorias sem justificativasuficiente para a sua apresentação. Um terceiro princípio é a necessidade de adequação dos conteúdose procedimentos didáticos, no ensino de LP no 1º grau, às significativas contribuições que aLingüística Moderna e suas especialidades – Psicolingüística, Variação Lingüística, LingüísticaTextual, entre outras – têm trazido ao entendimento do fenômeno lingüístico e ao modo como acriança adquire seja a língua falada, seja o sistema de escrita. (Brasil, p. 31)

Já, no Guia, os critérios classificatórios relativos ao trabalho como texto incluem

além de leitura e produção, os conhecimentos lingüísticos que “objetivam levar o aluno a

refletir sobre aspectos da língua e da linguagem relevantes tanto para o desenvolvimento da

proficiência oral e escrita quanto para a capacidade de análise de fatos de língua e linguagem”

(Brasil, 2000). A recomendação quanto aos conteúdos e atividades é que: tenham peso menor

em relação à leitura e produção; estejam relacionados à situação de uso; levem em

consideração as variedades lingüísticas respeitando-as; estimulem a reflexão e propiciem a

construção dos conceitos abordados.

Como se pode observar, há consenso entre as duas versões, apontando ambas para

um trabalho em sala de aula que valorize as variedades lingüísticas e leve o aluno a refletir

construindo seus conhecimentos.

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Interessa à presente tese a grande área dos conhecimentos lingüísticos, pois examina

a escrita, sistema de representações e convenções gráficas bem como o vocabulário, a

morfossintaxe e as variedades lingüísticas.

Analisando o documento redigido pela equipe, no que diz respeito aos

conhecimentos lingüísticos (Brasil, 1994, p. 43-8), alguns pontos chamam atenção, pois

coincidem com a forma como a ortografia é trabalhada pelos professores. Promover a fixação

do sistema de representação escrita a fim de levar o aluno a se expressar com clareza e

correção é o objetivo principal que permeia todos os livros didáticos analisados. Atreladas a

ele, estão a apresentação da teoria lingüística e a nomenclatura próprias da Gramática

Tradicional. Essa visão de ensino de língua direciona todas as atividades nas quais são

encontrados textos fragmentados, muitas vezes servindo como pretexto para o ensino de

algum aspecto da gramática e propostas de produção textual descontextualizadas. Os

exercícios, na sua maioria, encontram-se categorizados com os significados de “ortografia”

ou gramática.

A equipe de análise dos livros didáticos apresenta três grandes problemas referentes

ao modo como se desenvolvem as questões de linguagem, os quais são decorrentes da opção

adotada pelos autores. O primeiro deles, assim posicionado por ser o mais grave, é a ausência

de um conceito coerente e claro de língua. Nos livros didáticos não se estabelece uma

diferenciação adequada entre escrita e oralidade, nem tampouco são apresentadas atividades

que conduzam o aluno a perceber os fundamentos da linguagem humana e da língua de sua

comunidade.

A única representação que prevalece nos livros didáticos é a do sistema escrito,

portanto não se leva em consideração a consciência sobre a representação mental da

oralidade. Também não são observados fenômenos importantes da língua oral que a

distinguem da escrita como a aglutinação de palavras, entoação, ritmo. Um dos exemplos

apresentados, retirado de um livro destinado à segunda série, adverte o professor de que é

comum as crianças trocarem “o” por “u” e “e” por “i”. Tal “recomendação” implica um

problema grave, pois é preciso entender que a criança se defronta com o dilema de ter que

reanalisar a percepção da fala o que para ela era um contínuo. O autor do material didático e

o professor precisam entender que não se trata apenas da construção de um sistema escrito

alfabético.

Uma análise dos exercícios e atividades revela as teorias de aprendizagem que estão

subjacentes, apontando um outro problema que decorre da crença de que a automatização do

código possa ocorrer em um contexto não funcional. Portanto, é preciso evidenciar que o

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sistema escrito não se constrói através de exercícios mecânicos nos quais não se pode

descobrir nenhum elo de sentido. É preciso entender que explicar definições sobre unidades

lingüísticas, tais como encontro vocálico, não se faz necessário, pois a criança não necessita

disso para a incorporação dos princípios do sistema escrito do português.

Por fim, cabe destacar que a apresentação da Gramática Tradicional não se articula

com uma análise ou exercício real do uso da língua, servindo apenas para atividades de

identificação e classificação de tópicos lingüísticos. Portanto, a falta de crítica, de objetivos

pedagógicos claros e de conhecimento da estrutura real da linguagem por parte dos autores

que editam o material didático, compromete o ensino nos dois primeiros ciclos do Ensino

Fundamental.

Ainda vinculado à adoção da Gramática Tradicional está o segundo problema:

banalização do senso comum dos conceitos gramaticais, os quais são tratados fora do

contexto, o que os torna equivocados e até ilógicos. Uma das razões para que isso ocorra é a

necessidade de “facilitar” a aprendizagem de determinado conceito, metalinguagem, assim, os

autores optam pelo uso de recursos que “tornem acessível” a gramática ao aluno.

Essa banalização é empalmada por uma complexificação que parece acontecer de

série para série culminando, enfim, na quarta, último ano do segundo ciclo. Entretanto, o que

ocorre é uma ausência de aprofundamento ou complexificação dos exercícios, os quais

continuam enfocando a identificação e a classificação. Portanto, tal problema aponta para a

necessidade de um planejamento seqüencial no qual a finalidade e o grau de dificuldade das

atividades sofram uma alteração gradativa.

O último problema é a ausência quase total de trabalhos com a língua oral tais como

as questões de variação lingüística e de níveis de registro. A desatualização dos livros

didáticos também se faz sentir no que concerne a questões de articulação textual. Observa-se,

portanto, que a maior parte do material é destinado ao trabalho com aspectos irrelevantes da

língua para a criança ou a aspectos que não correspondem ao português contemporâneo oral

ou escrito.

Enfocando especificamente o objeto de estudo deste projeto, a ortografia, os

avaliadores enfatizam que: “a visão mecanicista e acrítica que orienta a exposição dos

conceitos e padrões lingüísticos também opera no trabalho que se faz com o vocabulário.

Desvinculados das estruturas lingüísticas e, normalmente, descontextualizados, os exercícios

são dicionarescos, reduzindo a questão ao restabelecimento de relações de sinonímia,

antonímia e, alguns casos, paronímia e homonímia.” (op. cit., p. 47). Para promover a

ampliação do vocabulário do aluno, é preciso muito mais que pesquisas descontextualizadas

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em dicionário, para que ela ocorra como conseqüência da ampliação também do universo

cultural e da atividade crítica do aluno sobre o mundo.

Ao encerrar a análise, chama-se a atenção para a forma como as atividades estão

divididas: ortografia; mista (pontuação, frases e morfologia) e conceitos, definições e padrões

da “gramática”. Tal fragmentação reforça a idéia explícita na gramática tradicional que

também está presente na maioria dos livros didáticos nos quais ortografia não é “gramática”.

O ponto nevrálgico é a falta de reflexão sobre o conceito de gramática; isso fica

evidenciado quando, em nenhum dos livros didáticos analisados, os autores promovem uma

discussão acerca da razão de se ensinar e aprender gramática, embora ela ocupe o maior

espaço nas obras. Tal ausência pressupõe que todos compreendam o que seja gramática e

aceitem que ela deva ser ensinada. Assim, é possível entender por que razão a maioria dos

exercícios seja de fixação e as atividades sejam mecanicistas: o objetivo fundamental do livro

didático é levar o aluno a fixar a informação, conseqüentemente, há um desconhecimento total

dos procedimentos cognitivos de aquisição do conhecimento. Enfim, vale ressaltar a ausência

de uma progressão efetiva de um volume para o outro, o que levaria em consideração a

escolarização e o desenvolvimento intelectual da criança.

Muito do material, que circula na lista dos livros didáticos indicados atualmente para

escolha pelos professores do Ensino Fundamental, apresenta os problemas, senão todos, que

foram pontuados pela análise aqui apresentada, datada de 1994, embora o Guia dos Livros

Didáticos 2000/1 forneça uma orientação que visa evitar problemas como os apontados na

análise aqui relatada. Selecionaram-se as oito obras adotadas no município em que a pesquisa

foi desenvolvida para uma leitura mais detalhada, especialmente a parte destinada à

ortografia, com vistas a analisar o trabalho com os homófonos não homógrafos e também a

fim de analisar se o parecer apresentado no Guia, no que concerne aos conhecimentos

lingüísticos, deixa realmente clara qual a proposta de trabalho do livro didático.

Entretanto, é preciso, antes, buscar entender o que é o Plano Nacional do Livro

Didático (PNLD) e como as obras passam a receber as estrelas que as classificam. O PNLD

existe desde 1996, quando foram analisados e avaliados 263 livros considerados inadequados

entre o material didático para o ensino nos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental em

várias disciplinas. O veto a essas obras teve como critérios os “erros” de conceito,

preconceito e desatualização. O MEC, para avaliação do livro didático, tem dois grupos de

critérios: eliminatórios e classificatórios. Os primeiros levam em conta a correção de

conceitos, informações básicas, pertinência metodológica, além da preocupação com aspectos

que possam conduzir à discriminação. Os critérios classificatórios aparecem explicitados por

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disciplina, mas há critérios comuns de classificação que levam em consideração os aspectos

gráfico-editoriais e o manual do professor. Com base nesses critérios, os livros passam a ser

classificados em: recomendados com distinção, recomendados e recomendado com ressalvas.

Passa-se, então, à leitura atenta das oito obras recomendadas pelo Guia e adotadas

pelos professores de nosso universo de investigação. O foco foi a área de conhecimentos

lingüísticos e bem como os exemplos de atividades de ortografia retirados de cada obra,

enfatizando, como já se mencionou, os homófonos não homógrafos. A ordem de

apresentação será de acordo com a classificação no Guia.

A única obra classificada com três estrelas é Construindo a escrita: leitura e

interpretação de textos (Carvalho et al., 1997a)12. É interessante observar que as autoras, além

desse volume, produziram um outro intitulado Construindo a escrita: gramática e ortografia

no qual tratam especificamente desses dois tópicos, mas sobre isso não há menção no Guia. O

primeiro volume não trata da homonímia, mas há alguns momentos, na análise do texto, em

que o aluno é convidado a refletir a respeito do valor polissêmico das palavras, por exemplo, à

página 24, o aluno é convidado a escrever todos os significados que conhece da palavra

caracol; na página seguinte, é indicada uma consulta ao dicionário para copiar os significados

e, por fim, o aluno é novamente remetido ao texto para atribuir o sentido à palavra em dois

versos diferentes do poema. Na parte de apresentação da obra, nos fundamentos teóricos, as

autoras esclarecem, quanto à gramática e à ortografia, que ambas “são vistas como sistemas a

serem desvendados e compreendidos como um conjunto de leis e articulações possíveis,

impossíveis, prováveis e pouco prováveis. Aprendê-las não é memorizar regras arbitrárias, às

quais o sujeito deve se submeter, mas é agir sobre a língua, pensar suas propriedades, analisá-

la em suas múltiplas facetas, para ir gradativamente construindo sua teia de relações” (op cit.,

p. iv). Essa postura fica evidente no segundo volume que é organizado em onze módulos,

sendo os quatro primeiros destinados à ortografia: confrontando “s”, “ss”, “c”, “ç” e “z”;

confrontando as letras “l” e “u” em final de sílaba; confrontando as letras “e” e “i” em início,

meio e final de palavras; as seqüências de letras “lha” versus “lia”. A estrutura do trabalho é

composta por atividades de descoberta e sistematização por meio de jogos lógicos. A

sugestão das autoras é que as atividades de descoberta, que estão descritas no manual do

professor, sejam realizadas antes das de sistematização que constam do livro usado pelo

aluno. A opção por jogos lógicos lingüísticos tem fundamento no trabalho desenvolvido pelo

Laboratório de Psicopedagogia da USP, no qual são desenvolvidas pesquisas a respeito da

12 A data de publicação é a da obra utilizada em sala pelo professor; isso diz respeito a essa e as demais obrasanalisadas.

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influência da utilização desse tipo de jogos como elemento de desenvolvimento da

inteligência e estruturação do pensamento. Acredita-se que esse tipo de jogo lingüístico

possibilite ao aprendiz uma relação mais ativa com o sistema da língua bem como a sua

ampliação vocabular. As autoras orientam os professores para os tipos de erro de grafia mais

comuns, naquele módulo e naquela série. Por exemplo, quanto ao uso de “ce”/ “ci” versus

“s”/ “ss”, o resultado mais encontrado, proveniente da amostra levantada pelas autoras, foi o

uso de “s” no lugar de “ç” (‘acontesa’ no lugar de aconteça). Isso as surpreendeu, pois o “s”

entre duas vogais têm o som [z], não podendo ser uma escolha aceitável neste contexto.

Informações dessa natureza servem de parâmetro para o professor preparar sua aula. Um

outro aspecto interessante, no volume destinado à quarta série, é o trabalho com prefixos e os

sentidos acrescentados por eles. Há vários momentos na obra que coincidem com o trabalho

desenvolvido em nossa pesquisa, mas as autoras em momento algum exploram os homófonos

não homógrafos, pois preferem trabalhar com outro tipo de explicação que, em geral, leva em

conta o contexto anterior ou posterior da palavra. Acredita-se que em algumas situações,

como a grafia, por exemplo, de sessão, cessão, seção ou de cauda, calda bem como a

ampliação de prefixos que formam par mínimo tendo como base distintiva o seu significado

tornariam mais compreensíveis estas situações.

Há três obras recomendas: ALP – Análise, linguagem e pensamento, Linguagem e

interação e Na trilha do texto, as quais passarão a ser apresentadas.

A primeira (Cócco; Hailer, 1995), segundo o Guia, trata os conhecimentos

lingüísticos de forma mais extensa nas seções destinadas à ortografia e gramática, embora

também estejam presentes no estudo do texto. Encontraram-se, na obra, na seção de ortografia

aplicada, mais momentos em que o aluno deve buscar palavras no texto e até fazer frases com

elas do que os que conduzem à reflexão. Para tornar mais claro, será apresentado um

exemplo de atividade proposta: à página 36, os dois primeiros exercícios são

questionamentos ao aluno: “1. Por que a palavra ‘alçapão’ tem cedilha e ‘delícia’ não tem? 2.

Por que ‘dentro’ se escreve com n e ‘sempre’ se escreve com m?” A seguir os alunos são

convidados a buscar no texto palavras com “m” antes de “p” e “b” e a escrever um pequeno

parágrafo em que elas apareçam. Embora se possibilite ao aluno refletir a respeito das duas

situações em que o contexto fonético é indicador de como grafar a palavra, é necessário que o

professor tenha a compreensão de que se impõe muito mais do que essas duas questões para

entender o assunto, sobretudo, por serem regras de codificação diferentes. Não há menção aos

homófonos não homógrafos neste volume, apenas à página 139, o aluno é convidado a

observar as palavras “caça” e “fácil” a fim de discutir por que um é com “ç” e outro com “c”.

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Seria um momento interessante, talvez, para discutir também a possibilidade de se grafar,

nesse contexto, a palavra com o grafema “ss”, oportunizando, além do entendimento dos

contextos fonéticos, os competitivos.

Em Linguagem e interação (Pontes et al., 1996), os conhecimentos lingüísticos não

aparecem de forma isolada, integram as demais atividades, pois o texto é o núcleo e a

gramática é entendida como meio de desenvolver as capacidades de ler e produzir textos. A

obra realmente trata pouco da questão da ortografia e os homônimos que aparecem são

analisados como as demais palavras sem entrar na discussão teórica. Por exemplo, à página

57, a questão sete explora a escrita e o sentido de “a fim” no texto lido. Já, à página 80, na

qual se faz o estudo de “há” e “a” a questão 15 pede que o aluno construa a regra de uso, mas

a questão seguinte é um exercício apenas de completar.

Na trilha do texto (Matos, [s.d.]), segundo o Guia, procura levar o aluno a observar e

a refletir, a sistematizar e a construir generalizações e regras. Quanto aos homófonos não

homógrafos, há duas menções: uma na página 74 e outra na 83. A grafia de conserto e

concerto aparece, inicialmente, à página 70, no texto “Português não é dono da padaria”.

Como parte da primeira questão, é solicitado ao aluno que forme frases com as duas grafias.

Em seguida, a autora coloca a seguinte adivinha: O que é o que é ? “Ambos exigem perícia,

mas um eu faço no carro e outro no teatro”. Este tópico é retomado quatro páginas adiante,

iniciando pelos verbetes apresentados pelo autor. Em seguida o aluno deve realizar um

exercício de completar frases. O assunto encerra por aqui. Na seção destinada ao

“vocabulário”, a questão 3 apresenta o uso de sessão e seção em quatro frases, em seguida o

aluno é convidado a indicar as lacunas onde se deve escrever cada palavra a fim de completar

o verbete. A questão 4 solicita que o aluno explique o significado de cessão. Pode-se

observar que a autora não aborda a questão dos contextos competitivos nem os não

homógrafos, apenas é feito o exercício, sem que o próprio aluno construa o sentido para cada

grafia, podendo assim ter uma base para a distinção entre uma e outra forma de grafar cada

palavra. Mais adiante, ao tratar da grafia de “ora” e “hora”, a autora adota outra postura:

apresenta duas frases e solicita que os alunos pesquisem, investiguem e montem um texto

explicando a diferença entre as duas grafias. Atitudes tão diferentes diante de situações que

poderiam ser discutidas de forma semelhante deixam intrigado quem analisa a obra, pois não

se tem clareza da forma como o ensino da ortografia deva ser tratado, embora no manual do

professor a autora tenha se posicionado a favor de um ensino no qual o aluno seja,

gradualmente, conduzido à reflexão sobre as diferenças entre os códigos oral e escrito.

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O último grupo a ser apresentado é o dos que receberam apenas uma estrela, entre

eles estão: Linguagem viva, Os caminhos da língua portuguesa, Produzindo leitura e escrita

e Viver e aprender.

Na primeira obra (Miranda; Rodrigues, 2001), o estudo da ortografia é realizado,

geralmente, na seção “como se escreve?”. Ali se encontram exercícios, os quais solicitam a

análise de palavras isoladas: raras vezes, aparecem frases. Os exercícios são seguidos ou

permeados de definições que visam simplificar o assunto em exercício. Além dessa seção,

também na “entendendo a nossa língua” as autoras apresentam definições e explicações sobre

a grafia de palavras. Por exemplo, à página 112, são apresentadas as duas grafias “mau” e

“mal”, mas o trabalho de distinção entre as duas palavras não leva em conta o aspecto

morfológico de forma que ajude a compreender uma e outra grafia, a preferência é por dicas

que auxiliem o aluno a completar as frases. Mesmo os questionamentos apresentados na

segunda questão, direcionam para a conclusão que as autoras pretendem, não possibilitando a

construção da conclusão a partir da observação do aluno; além disso, a frase inicial é um

fragmento, o que revela a ausência de um contexto mais amplo, o que deveria ser

considerado, uma vez que os alunos falam e escrevem tendo como meta um texto. Ao

consultar o manual do professor, encontra-se uma “postura teórica” que difere da forma como

os exercícios estão organizados. Ao fundamentar a seção “Como se escreve?”(op. cit., p. 7-

9), as autoras dizem ser este o momento para levar os alunos a pensar sobre a escrita

ortográfica. Ao elencarem condições necessárias para o ensino da ortografia, advertem que,

para se ter maior segurança sobre o uso da ortografia, é preciso entender o que ela é e para

que serve. Acreditam que, por meio das atividades propostas, os alunos poderão observar os

valores sonoros das letras a fim de se tornarem conscientes de seus usos a partir de

conclusões elaboradas por eles mesmos. Esta colocação faz emergir um questionamento:

como o aluno irá fazer tal descoberta se o livro já apresenta a resposta? Mais uma vez se faz

necessário destacar o papel do professor como aquele que irá promover as reflexões e a

construção do conhecimento da norma ortográfica no caso de se adotar um livro didático que

apresente esse tipo de proposta.

Os caminhos da língua portuguesa (Gregolin, 2000) tem o trabalho com os

conhecimentos lingüísticos caracterizados, “principalmente, pela retomadas de conceitos e/ou

conteúdos apresentados nos três primeiros volumes da coleção, de forma mais aprofundada.”

(Brasil, 2000, p. 260). Esta informação do Guia pouco auxilia para o entendimento de como

este aspecto é trabalhado na obra, fazendo com que o professor recorra à análise das obras das

séries anteriores. Lá é possível observar que a obra propõe um trabalho de qualidade no qual

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há ênfase à reflexão e à sistematização dos conceitos e/ou conteúdos. Embora haja atividades

que visem a um treinamento, a maioria apresenta uma contextualização das propostas que se

aproximam da leitura e produção de textos. Analisando a obra, encontram-se mais atividades

que conduzem à discussão tanto a partir do uso, como da observação e/ou do agrupamento.

Na parte final da obra, é apresentado um pequeno texto sobre a arte marajoara (op. cit., p.

170) no qual o aluno deve encontrar palavras que tenham sílabas com “j” e com “g” para

serem escritas no seu caderno. A questão seguinte pede que seja feita leitura em voz alta para

que se possa observar se o “g” e o “j” têm o mesmo som naquelas palavras. A conclusão deve

ser que sim, como assinala o livro do professor. Analisando duas das palavras, viagem e

viajantes, seria possível aprofundar ainda mais a análise, enfatizando tanto o aspecto

morfológico como a derivação das palavras. Na obra, não há referência aos homófonos não

homógrafos. Quanto ao manual, na seção “construindo a escrita”, na parte referente às

atividades de ortografia, observa-se coerência entre a proposta apresentada e as atividades

desenvolvidas.

Produzindo leitura e escrita (Rocha; Teixeira; Garcia, 1996) apresenta, segundo o

Guia, os exercícios sobre os conhecimentos lingüísticos de forma contextualizada. Nesta obra,

não há referência à homonímia e a ortografia é trabalhada de forma contextualizada com

ênfase na tonicidade e acentuação, as regras de acentuação são sempre construídas pelo aluno

a partir de análise e observação, como acontece, por exemplo, na página, na qual é dado um

quadro com treze palavras. Partindo dele, o aluno deverá: separá-las em dois grupos, das

acentuadas (A) e das não acentuadas (N); marcar a sílaba mais forte nos dois grupos; verificar

a posição da sílaba tônica e, por fim, conversar, pesquisar, discutir com os colegas e a

professora para depois registrar a regra que explica a acentuação das palavras do grupo A. As

autoras também incluíram a seção “Quem acha, não perde”, em forma de desafio, para

trabalhar os cognatos. Para promover a discussão em torno da ortografia, as autoras

selecionaram um texto de Emília no país da gramática que, além de contar a história da

ortografia, introduz a questão da origem das palavras. No Manual do professor (op. cit., p.

iv), as autoras justificam sua forma de trabalho e, quanto ao ensino de língua materna, dizem

ser essencial dois aspectos: “priorizar o significado e o sentido, valorizando a experiência

pessoal, o cotidiano, a prática social; superar a visão mecanicista, estimulando não apenas a

memória, mas também o raciocínio”. Pode-se perceber que há coerência entre os aspectos

teórico-metodológicos que fundamentam o trabalho e a forma como as atividades foram

organizadas na obra.

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A última obra é Viver e aprender (Martos, 1998) na qual os conteúdos gramaticais e

as questões ortográficas trabalhados retomam os conteúdos dos volumes anteriores, mas com

um grau maior de dificuldade. O trabalho com ortografia é proposto na seção denominada

ortografia com exemplos, definições e dicas ou regras dadas pelo autor, o que não permite a

reflexão por parte do aluno, sobretudo, porque os exercícios, que também se encontram na

seção “atividades”, são com palavras isoladas que devem ser completadas, pintadas, copiadas

entre outras ações. No Manual do professor (op. cit., p. 6), o autor sugere que o aluno elabore

as regras antes de trabalhar com o livro, mas essa atitude não se faz sentir na obra, pois nela a

regra já está posta como uma “verdade” construída pelo autor. Se realmente deseja a

depreensão da regra pelo aluno, por que não lhe deu oportunidade na obra? Por que vive

insistindo em treino? Torna-se difícil entender qual, realmente, a postura do autor. Na obra,

não se fala em homófonos não homógrafos, embora apareçam alguns pares, aliás, é a obra

que mais os traz de todas as oito analisadas. Quando os pares são apresentados, o autor não

possibilita a construção do sentido, pois as informações já estão postas, com o significado

e/ou a classe gramatical. O par viagem/viajem é apresentado, à página 63, na seção

“Aprendendo mais”, com exemplo, significado e classe gramatical. Em seguida o autor

propõe um exercício de completar cinco frases com uma das duas palavras. A forma de

trabalhar o par comprimento/cumprimento não é muito diferente. O assunto é apresentado na

seção “ortografia” a fim de discutir o uso de “o” e “u”. É solicitado ao aluno que leia as duas

palavras e a seguir são apresentados os dois significados. Como atividade, o aluno deverá

observar duas figuras e inventar frases com o par. Para facilitar, a palavra aparece em cima da

figura a que se refere, ou seja, comprimento é ilustrada por um menino fazendo medidas com

a régua e cumprimento, por dois meninos dando as mãos. Os demais exercícios trabalham na

mesma linha, como adverte o autor, à página 262, ao trabalhar os sufixos -esa/-eza: “agora,

vamos treinar para não esquecer”. Percebe-se, então, que o trabalho é feito a partir de uma

visão mecanicista.

Portanto, das oito obras analisadas, somente duas focam as atividades de ortografia

sob uma ótica que leve à reflexão, contextualizando os exercícios e promovendo também a

ludicidade. Outras três não têm um posicionamento claro, pois são apresentados exercícios

que visam à mera memorização em um momento e, em outro, exercícios que favorecem a

depreensão de regras de codificação. Por fim, há um grupo de obras que centram o ensino-

aprendizagem somente em atividades mecanicistas. Percebe-se, então, que ainda há muito a

se fazer para que o material didático utilizado pelo aluno favoreça a construção de uma

proposta como a apresentada no PNLD e nos PCN.

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Como os professores não trabalham apenas com o material indicado pelo MEC nem

com os livros considerados os mais adequados dentro da proposta, serão apresentadas duas

obras que trabalham a ortografia de forma fragmentada. Tendo em vista a série em que a

pesquisa foi desenvolvida, selecionou-se o volume quatro de ambas as editoras.

A primeira, publicada pela Ática, é Assim se aprende ortografia (Rando; Silva,

2001), que é uma produção em quatro volumes destinada às séries dos dois primeiros ciclos

do Ensino Fundamental. A editada em 2001, já está na sua oitava edição. Este é composto

por vinte e seis textos, sendo apenas três de outros autores que não das autoras do livro

didático. A editora, na divulgação do livro, destaca aspectos13 como “textos elaborados para

trabalhar de maneira significativa cada grafia em estudo”. Entretanto, o que se encontra, na

referida obra, são textos criados como pretexto para o ensino de determinados grafemas, como

bem exemplifica o texto “A bruxinha xereta” (op. cit., p. 64), cujo primeiro e segundo

parágrafos evidenciam o uso dos grafemas “x” e “ch”: “Xexica é uma bruxa. Pega a chave e

abre a caixa mágica, mexe nos chapéus, nos chinelos e nas receitas da bruxa Loreta”. As

cinco páginas seguintes, que contêm as atividades, apresentam propostas desligadas do texto,

visando apenas à fixação de palavras sem que estas estejam dentro de um contexto e façam

sentido para a criança. A referência a apenas um texto é suficiente para mostrar que os

aspectos evidenciados pela editora não se fazem sentir no decorrer da leitura da obra

especialmente no que se refere a textos elaborados para trabalhar de maneira significativa

cada grafia.

A outra obra é Caderno do futuro (Passos e Silva, 2002) da IBEP que é composta por

exercícios que visam à fixação do conteúdo. Inicialmente apresentam um pequena definição

do objeto de estudo e, em seguida, o exercício propriamente dito no qual cabe ao aluno

completar com os homônimos das palavras destacadas e, depois, copiar as frases. Os demais

exercícios seguem esta linha e alguns trabalham com palavras isoladas as quais devem ser

lidas, copiadas, sublinhadas, ou seja, sempre exercícios mecânicos.

Como se pode observar, os livros didáticos que se encontram à disposição do

professor apresentam diferentes formas de trabalhar a ortografia, por isso é importante que a

escolha seja bem orientada. Entretanto, pesquisa desenvolvida por Costa Val (2002) em onze

estados brasileiros, incluindo Santa Catarina, a respeito do processo de escolha dos livros

didáticos de 1.ª a 4.ª série, revelou que: o tempo destinado à seleção dos livros é insuficiente;

grande parte dos professores está desinformada em relação ao Programa Nacional de Livros

13 http://www.atica.com.br/catalogo.asp?ISBN=8508039719

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Didáticos; há baixa incidência e superficialidade nas consultas ao Guia; não há concordância

entre os docentes quanto aos critérios de classificação adotados pelo Guia; metade das

Secretarias de Educação, estaduais ou municipais, direciona para a escolha única; as editoras,

que dominam o mercado, exercem interferência dominante. Ainda, segundo a pesquisa, a

combinação dos fatores acima resulta em: insatisfação dos professores; preferência pelos

livros didáticos menos qualificados pela avaliação do PNLD; complementação do livro

didático recebido com outros materiais didáticos, inclusive com obras excluídas pelo Guia;

não utilização do livro didático recebido, podendo até haver substituição por livros comprados

pelos pais.

Além da maneira como a escolha é conduzida, também não se pode deixar de apontar

a forma sintética, como o livro didático é apresentado no Guia, como um dos fatores que leva

à escolha de uma determinada obra. Neste ponto, Marcuschi (2001), após uma pesquisa junto

a professores dos dois últimos ciclos do Ensino Fundamental, analisando sua forma de ler as

resenhas do Guia, observou que:

Não há objetividade no gênero resenha, nem estamos pleiteando que devesse ter. Contudo, na formacomo o Guia vem sendo divulgado, há uma clara pretensão de persuadir os professores de que aproposta eleita pelo MEC é a melhor para o ensino de língua. Na dúvida em relação à leitura que serárealizada pelo docente, essa direção é evidenciada pelas estrelas, buscando atingir o convencimentonão conseguido com a argumentação. Parece-nos, no entanto, que ao MEC caberia disponibilizar asresenhas, para que os professores pudessem analisá-las e decidir, com autonomia, segundo seusconhecimentos, qual dos livros resenhados seria mais adequado para o contexto em que atuam. (op.cit., p. 5).

Aliás, a história do livro didático no Brasil (Freitag; Costa; Motta, 1997) aponta para

uma falta de discussão mais ampla envolvendo toda a comunidade interessada, não apenas

técnicos e assessores do governo. Além disso, quanto à avaliação e classificação dos

didáticos, Souza (1999, p. 57) assume uma postura que leva quem está envolvido na educação

a refletir: “a iniciativa do MEC para avaliar e classificar Livros Didáticos não deve

necessariamente ser vista como um ‘ato perverso’ de controle, mas não deixa de ser um gesto

de censura, com implicações didático-pedagógicas”.

Todos esses aspectos relativos ao livro didático ajudam a entender a atuação do

professor em sala de aula e até mesmo as facilidades e dificuldades pelas quais passa o aluno

durante o seu processo de aprendizagem.

2.3.4 Mais um dedo de prosa: a ortografia nos PCNs de Língua Portuguesa de primeira à

quarta série

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Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados com base na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n.º 9.394/96, e propõem orientações gerais sobre o

básico a ser ensinado e aprendido em cada ciclo do Ensino Fundamental e Médio. Há méritos

na elaboração do documento e também problemas, especialmente se for feita uma leitura do

momento histórico em que o documento foi produzido como adverte Costa (2002).

Entretanto, o objetivo aqui não é tecer críticas, mas relatar como a parte referente à ortografia,

que se encontra em uma seção mais ampla, “análise e reflexão sobre a língua”, é tratada.

Nessa seção, o trabalho com a língua é realizado através de atividades de análise

lingüística, ou seja, aquelas que adotam, como objeto de reflexão, determinadas características

da língua. Essas atividades estão apoiadas em dois fatores: “a capacidade humana de

refletir, analisar, pensar sobre os fatos e os fenômenos da linguagem; e a propriedade que a

linguagem tem de poder referir-se a si mesma, de falar sobre a própria linguagem” (Brasil,

1997, p. 78). Perguntas que envolvem a linguagem fazem parte do cotidiano, e isso mostra

que as atividades de análise lingüística não são uma invenção da escola, mas podem ser

planejadas de forma didática. Neste viés, elas se transformam em fonte de reflexão, análise e

sistematização de informações sobre a língua a fim de que os alunos entendam por que é

necessário estudar determinado conteúdo. No que diz respeito à escrita de textos, este tipo de

prática permite que os saberes implícitos dos alunos sejam discutidos, conduzindo,

posteriormente, a sua reelaboração. Para tal, é importante entender que a formulação e

verificação de hipóteses sobre o funcionamento da linguagem acontecem constantemente e

isso se faz de diferentes maneiras: “por meio da comparação de expressões, da

experimentação de novos modos de escrever, da atribuição de novos sentidos a formas

lingüísticas já utilizadas, da observação de regularidades (no que se refere tanto ao sistema de

escrita quanto aos aspectos ortográficos ou gramaticais) e da exploração de diferentes

possibilidades de transformação dos textos” (op. cit., p. 79). Pode-se, então, perceber que a

proposta, no que diz respeito ao trabalho didático de análise lingüística, se organiza em torno

da exploração ativa e da observação da regularidade, o que difere, em muito, do trabalho no

qual o ponto de partida é a definição que conduz à análise.

Quanto ao trabalho com a ortografia, é importante situar como acontece, geralmente,

o ensino nesta área, que parte da posição mecanicista já tratada anteriormente. Não se nega a

necessidade de apelo à memória, mas o documento deixa claro que a ortografia “não é um

processo passivo: trata-se de uma construção individual, para a qual a intervenção

pedagógica tem muito a contribuir [sem grifo no original]” (op.cit., p. 84). Lendo esta

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citação e refletindo sobre ela, sente-se mais uma vez a necessidade de se repensar a formação

do professor que atua nos primeiros ciclos, uma vez que, para que ocorra uma intervenção

pedagógica que contribua realmente para a compreensão do sistema escrito, é preciso antes

que o professor tenha conhecimento a seu respeito. Quanto às estratégias didáticas para o

ensino da ortografia, o documento apresenta dois eixos básicos que versam sobre a distinção:

1) entre o que é produtivo e o que é reprodutivo nas formas ortográficas da língua, o que vai

possibilitar dividir o trabalho entre as regularidades e as irregularidades; 2) entre palavras de

uso freqüente e não freqüente, pois, como se argumentou anteriormente, esse é um dos

fatores que contribuem para a eficácia da aprendizagem da norma ortográfica. A

compreensão desses eixos ajudará a organizar o ensino da ortografia que deve favorecer tanto

a inferência dos princípios geradores da escrita convencional, o que implica a explicitação das

regularidades do sistema ortográfico, como a tomada de consciência de que também é preciso

recorrer a fontes de consulta e à memorização, pois nem todas as palavras têm sua grafia

determinada por regra. No caso das regularidades, a sugestão é que o trabalho seja feito

partindo dos princípios geradores: biunívocos, contextuais e morfológicos. Não há inclusão

do aspecto semântico. Como já foi feita uma discussão, na seção destinada ao sistema

alfabético, a respeito das regras de codificação, acredita-se ser dispensável retomar a

explicação de cada tipo de regra. A posição defendida, que ultrapassa a questão das regras, é

que seja realizado um trabalho, o mais cedo possível, com as formas ortográficas de maior

freqüência na escrita. Isso não implica a elaboração de um conjunto de palavras que devam

ser ensinadas, mas a seleção entre ensinar uma forma com maior freqüência de uso e deixar de

lado uma infreqüente. Tal atitude permitirá que sejam automatizadas as formas trabalhadas e

as demais serão objeto de consulta ao dicionário. Para tal, é importante que esteja claro para o

professor que a consulta a essa fonte de informação pressupõe conhecimentos sobre as

convenções do sistema escrito assim como as características da própria fonte consultada, pois,

para manejar o dicionário, o aluno precisa ser orientado. Por fim, no tocante à ortografia, o

documento deixa claro que o trabalho com a normatização ortográfica deve acontecer de

forma contextualizada, a qual permita uma atitude crítica em relação à própria escrita. Por

outro lado, não desconsidera a possibilidade de serem realizadas atividades que tenham

apenas palavras não necessariamente vinculadas ao texto, pois as restrições da norma

ortográfica estão basicamente definidas no nível da palavra.

A proposta apresentada é muito interessante e pode realmente ser contemplada, como

se verificou no trabalho de intervenção colaborativa desenvolvido nesta tese. Entretanto, o

texto teórico está longe do professor que, ou ainda não o conhece com profundidade e,devido

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a isso, não relaciona teoria e prática; ou já realizou leituras do documento, mas não consegue

preencher os hiatos que se fazem necessários para que a proposta teórica seja compreendida.

Por isso a importância dos órgãos responsáveis pelo ensino fundamental estarem

operacionalizando estudos que possibilitem a transposição didática.

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3 METODOLOGIA

A presente pesquisa foi desenvolvida em quatro etapas que, embora tenham

acontecido em momentos diferentes e com objetivos específicos para cada uma delas, estão

relacionadas à proposta geral da tese que é investigar o ensino e a aprendizagem de

homófonos não homógrafos de mesma classe gramatical.

A primeira etapa é a que visa conhecer os participantes da pesquisa a fim de

estabelecer o perfil dos sujeitos. Nela realizou-se o primeiro contato com a escola a fim de se

conhecerem a proposta pedagógica e o material didático utilizado. Posteriormente, foi

possível participar das aulas das duas turmas que fazem parte da pesquisa a fim de observar

como era desenvolvida a disciplina de Língua Portuguesa. Nesta fase, também foi possível

conhecer o professor que atua na quarta série do Ensino Fundamental no município de

Brusque, em todas as redes, a fim de traçar um paralelo entre a professora do colégio em que

a pesquisa foi desenvolvida e os demais profissionais que atuam na mesma série. Ainda nesta

etapa, foram desenvolvidos os jogos sobre homônimos que serviram como material didático

na intervenção colaborativa. Por fim, aplicou-se o pré-teste para que se pudessem obter dados

quanto ao conhecimento dos sujeitos sobre o tema investigado.

A segunda etapa teve início a partir do momento em que foram selecionadas as

turmas, sendo uma selecionada como Grupo Experimento (GE) e outra como Grupo Controle

(GC). A escolha foi aleatória, uma vez que os dois grupos apresentavam características

semelhantes. Nesta etapa, foram aplicados dois instrumentos de coleta de dados que visavam

estabelecer o perfil do grupo no qual seria desenvolvida a intervenção colaborativa: bateria de

testes de recepção e produção da língua portuguesa de Scliar-Cabral e questionário

psicossociolingüístico e socioeconômico dos alunos.

A terceira etapa foi aquela em que ocorreu a intervenção colaborativa. A

pesquisadora e a professora planejaram as aulas tendo como referência o material didático

utilizado pelos alunos. Isso permitiu que o mesmo conteúdo fosse trabalhado nas duas

turmas, sendo que no GC seguiu-se a proposta apresentada pela apostila e no GE

aproveitaram-se os textos e exercícios, mas foram utilizados outros instrumentos para coleta

de dados. Assim, nesta turma, foram utilizados os jogos tanto em CD-ROM, cujas atividades

eram realizadas no laboratório de informática, como em cartelas; durante este período os

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alunos construíram seu dicionário de homônimos bem como foram realizados o ditado

interativo e a releitura focalizada.

Finalmente, aplicou-se o pós-teste a fim de se verificar se houve ou não diferença

quanto à grafia correta dos homófonos não homógrafos e a capacidade de justificar as

escolhas realizadas. O teste aplicado foi o mesmo do pré-teste e na mesma situação.

3.1 Tipo de pesquisa

Inicialmente, acredita-se ser importante fazer uma revisão do que se entende por

pesquisa quantitativa e qualitativa, a fim de não se dicotomizar, mas se valer do que realmente

cada lado pode oferecer. André (1999, p. 24-5) alerta que a associação entre positivismo e

quantificação faz com que se perca de vista a relação íntima que existe entre quantidade e

qualidade. Uma pesquisa que, por exemplo, tem como objetivo caracterizar os alunos que

freqüentam um curso noturno de formação para o magistério pode se valer de dados

quantificáveis como idade, nível socioeconômico entre outros sem necessariamente seguir

uma linha positivista. Por outro lado, pode-se também fazer uma pesquisa cujos dados sejam

basicamente quantitativos, mas, na análise, estará presente o quadro de referência do

pesquisador, portanto, uma dimensão qualitativa. Assim, embora se trabalhe com dados

quantitativos, as marcas de subjetividade, presentes nas perguntas da pesquisa, que trazem a

postura teórica e os valores do pesquisador, promovem o distanciamento da postura

positivista. Enfim, é necessário entender que o número ajuda a explicar a dimensão

qualitativa. Deste modo, os termos quantitativo e qualitativo devem servir para diferenciar o

tipo de dado obtido e a pesquisa passa, então, a ser determinada pelo tipo a ser realizado.

No caso da presente tese, a pesquisa é caracterizada como ação, embora também se

utilize do método experimental a fim de se poder estabelecer a comparação entre dois grupos

do mesmo universo. Haguette (1987, p. 98), ao distinguir os tipos de pesquisa-ação, a partir

dos estudos de Lewin, apresenta a pesquisa-ação experimental: “que exige um estudo

controlado da eficiência relativa de técnicas diferentes em situações sociais praticamente

idênticas.”

A pesquisa-ação (Barbier, 1977; Haguette, 1987; Thiollent, 1997; André, 1999),

termo cunhado por Kurt Lewin, originou-se na psicologia social na década de quarenta.

Posteriormente, foi sofrendo alterações e, atualmente, aparece sob a forma de investigação

colaborativa ou cooperativa que defende um trabalho feito em conjunto e a colaboração

progressiva entre pesquisador e pesquisado.

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Levando em conta os pontos de vista das várias correntes que estudam esse tipo de

pesquisa, é possível defini-la como aquela que “envolve sempre um plano de ação, plano esse

que se baseia em objetivos, em um processo de acompanhamento e no relato concomitante

desse processo. Muitas vezes esse tipo de pesquisa recebe o nome de intervenção” (André,

1999, p. 33).

Por ser, no presente caso, o objeto de interesse a sala de aula e o trabalho do

professor, acredita-se que a pesquisa-ação também se apóie em uma abordagem etnográfica, a

qual visa estimular o pesquisador prático, envolvendo cada vez mais o professor na pesquisa.

Segundo André (op. cit., p. 120), nesse caso, as formas podem ser diversificadas, podendo-se

ter, de um lado, um pesquisador responsável pelo planejamento e direção do estudo e o

professor atuando como colaborador; e de outro, o professor centrando a pesquisa na sua

própria prática. No caso desta tese, a primeira forma é a escolhida e o professor foi um

colaborador, que ajudou a fazer registro de campo, a fornecer material e a discutir os

resultados com o pesquisador. Essa tendência, que visa aproximar sujeito e objeto, por

conseguinte aproxima etnografia e investigação-ação. Dessa forma, surgem novos caminhos,

nos quais há a associação das duas formas de pesquisa ou o surgimento de formas mistas, o

que será benéfico para a área da educação.

Além disso, é preciso que haja integração entre ensino e pesquisa na universidade

uma vez que, de acordo com Santos (2002, p. 23), isso representa um grande problema a ser

superado, assim, essa integração “só será possível quando o ensino for colocado como

prioridade ao lado da pesquisa, dispensando-lhe o interesse e os cuidados conferidos a esta

última”. Corroborando com esta idéia, Lisita, Rosa e Lipovetsky (2002, p. 115) enfatizam a

necessidade de uma cooperação maior entre os pesquisadores da universidade e os

professores, investigadores de sua prática pedagógica, que se encontram em sala de aula, a

fim de que haja uma contribuição efetiva entre os dois lados para que novos conhecimentos

sobre o ensino, a aprendizagem e a aprendizagem para ensinar possam ser construídos.

3.2 Primeira etapa: definição dos participantes e estabelecimento de seu perfil

3.2.1 Metodologia

A primeira etapa da pesquisa, realizada entre outubro de 2001 a maio de 2002, teve

como objetivo conhecer a população da pesquisa.

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O primeiro passo para o cumprimento dessa etapa foi a escolha da escola na qual

seria desenvolvida a pesquisa, tendo a decisão recaído sobre o Colégio São Luiz, localizado

em Brusque. Escolheu-se esta escola, pois nela há duas turmas, nas quais é a mesma

professora que atua na área de Língua Portuguesa, assim seria possível analisar o processo de

ensino-aprendizagem realizado pelo mesmo professor, mas com metodologia diferente. Além

disso, a escola possui um laboratório de informática no qual podem ser criados e

desenvolvidos vários softwares, o que facilitou a produção do CD-ROM.

O Colégio São Luiz, cuja mantenedora é a Congregação dos Padres do Sagrado

Coração de Jesus, foi fundado em 1903, pelo Pe. Antônio Eising, para atender à comunidade

católica de Brusque, sofrendo alterações em seus cursos: só foi nominado Colégio São Luiz

em 1971, sob a direção do Pe. Orlando Maria Murphy. O Colégio, que é uma instituição

particular de ensino, na categoria de confessional, atende a comunidade em geral, e recebe

também alunos de municípios vizinhos como Guabiruba, Nova Trento, São João Batista,

Canelinha e Gaspar, perfazendo um total de 1.100 alunos. O seu princípio filosófico-

pedagógico é construir uma comunidade educativa que promova a formação integral da

pessoa humana, favorecendo a capacidade de comprometer-se livre e responsavelmente na

busca constante do amor, da verdade e da justiça, a fim de que seus alunos sejam agentes

habilidosos e competentes na transformação da sociedade. Atualmente, são segmentos

atendidos pela escola: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Para tal,

conta com 69 professores e 31 funcionários.

A partir de 2002, filiou-se à Rede Pitágoras, a qual passou a oferecer o material

didático utilizado do segundo período da Educação Infantil à sétima série do Ensino

Fundamental, bem como orientação pedagógica, através de cursos, palestras e atendimento

via Internet. A opção pela parceria teve como razão primeira a necessidade de um outro tipo

de material didático e como a escola, naquele momento, não tinha condições de elaborar o

seu, optou por adotar o produzido por uma das redes de ensino do país, recaindo a escolha na

Rede Pitágoras. Para entender seu crescimento, será apresentado um breve histórico. O

Pitágoras foi criado em 1966 como curso pré-vestibular, tendo sua sede dois anos mais tarde.

Em 1970, consolidou a imagem de curso preparatório para vestibulares de Minas Gerais,

sendo criados, em seguida, três colégios de Educação Básica na capital mineira. A partir daí,

começou a se expandir e, na década de 80, passou a atender também no exterior a empresas

nacionais de grande porte em países como Mauritânia, Iraque, Congo Francês, Equador, Peru,

Angola. Atualmente, está entre as três maiores redes privadas de ensino do país, com oito

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unidades próprias, mais de 300 escolas parceiras em 25 estados brasileiros, além de seis no

Japão.

Nesta primeira etapa da pesquisa, passou-se a ter um contato mais estreito com a

comunidade escolar, o qual pode ser assim dividido: contato com a direção, contato com a

professora, análise da proposta da Rede Pitágoras na área de Língua Portuguesa e participação

da reunião com os professores.

Também neste período foram desenvolvidos os instrumentos de coleta de dados, os

quais passaram por validação, bem como os jogos, os quais foram organizados em cartelas

pela pesquisadora e em CD-ROM em parceria com o laboratório de informática da escola.

3.2.2 Instrumentos e sua aplicação

Para que se pudesse obter um conhecimento maior a respeito da população da

pesquisa, foram elaborados dois instrumentos de coleta de dados: pré-teste com os alunos das

duas quartas séries (anexo 1) e entrevista com professores das redes pública e particular de

Brusque que atuam em quarta série (anexo 2), bem como se realizou observação participante

das aulas nas duas turmas.

O pré-teste foi elaborado a fim de se verificar tanto a forma como os sujeitos grafam

os homófonos não homógrafos como a construção de explicação para a grafia das palavras.

Foi aplicado no grupo experimental e no controle em iguais condições, em horário

previamente acordado com a professora para que os sujeitos tivessem tempo suficiente para a

elaboração do mesmo. A pesquisadora fez a leitura da frase e, no espaço em branco, ditou a

palavra que deveria ser grafada pelos sujeitos. Repetiu a frase para que pudessem verificar

sua resposta. Feito isso, cada sujeito redigiu uma explicação e, somente depois que todos

terminaram, a pesquisadora passou para a leitura da próxima frase.

Já a entrevista com professores das redes pública e particular de Brusque que atuam

em quarta série visou elaborar um quadro de referência a respeito da formação e da forma de

trabalho dos professores que atuam na mesma série que a pesquisada nesta tese. Foi feita de

forma diretiva, agendada, realizada na própria escola e gravada. Para a amostra,

selecionaram-se os professores de quarta série do Ensino Fundamental das escolas de

Brusque. Este município conta com quatro escolas particulares, nove estaduais e vinte e

cinco municipais de Ensino Fundamental, as quais atendem, especificadamente, os dois

primeiros ciclos. Do grupo de escolas particulares e estaduais, todas foram visitadas e pelo

menos um professor de cada unidade escolar foi entrevistado e, quanto às escolas municipais,

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foram selecionadas dez. Este número foi uma opção para não haver muita distância entre o

número de professores da rede estadual.

Antes de serem aplicados juntos aos sujeitos, os instrumentos de coleta de dados

passaram por uma validação. O pré-teste foi aplicado junto aos alunos da quarta série C do

Colégio São Luiz, o que possibilitou perceber se havia dificuldades para executar a tarefa e

quanto tempo era necessário para tal. Na pré-testagem, percebeu-se que o instrumento estava

adequado para aquele tipo de público. A entrevista foi validada junto a alunas do curso de

Pedagogia da Febe (Fundação Educacional de Brusque) e também se mostrou adequada uma

vez que os sujeitos não sentiram dificuldades de entender os questionamentos feitos.

A observação participante ocorreu no segundo bimestre letivo de 2002. Este

instrumento de coleta de dados é obtido “por meio do contato direto do pesquisador com o

fenômeno observado, para recolher as ações dos atores em seu contexto natural, a partir de

sua perspectiva e seus pontos de vista” (Chizzotti, 2001, p. 90). Nesta etapa, a pesquisadora

pôde participar das aulas de Língua Portuguesa nas duas turmas a fim de observar como eram

desenvolvidas, como o material, então adotado, era trabalhado e como os alunos participam

das atividades. Semanalmente, eram observadas onze aulas em cada turma, acompanhando os

alunos em outras suas atividades como biblioteca e laboratório de informática. O horário de

aulas, nesta escola, é das 7h20min às 11h40min, sendo três aulas antes do recreio e mais duas

após. Geralmente a troca entre as professoras da quarta série acontece neste intervalo ou uma

aula antes dele.

3.2.3 Contato com o espaço onde se desenvolveu a pesquisa

Além da aplicação dos instrumentos de coleta de dados, nesta etapa, teve início uma

relação maior entre a pesquisadora e o Colégio. A atitude inicial foi manter contato com a

direção da escola e também com a professora, as quais aceitaram que o trabalho fosse

desenvolvido e passaram a ter na pesquisadora uma parceira. Foi nessa época que o Colégio

estava passando pela mudança de material didático e foi solicitado que a pesquisadora fizesse

a leitura da proposta da Rede Pitágoras em especial a de Língua Portuguesa. Mais tarde, as

idéias a respeito da proposta foram discutidas em uma reunião com a direção e a orientação

pedagógica. Em dezembro de 2001, a Rede Pitágoras veio ao Colégio apresentar sua história

e sua proposta de trabalho em um curso de oito horas do qual a pesquisadora participou

juntamente com todo o corpo docente.

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Durante esse período, foi feita a análise do material didático a ser adotado pelos

alunos da quarta série no ano seguinte. O material de Língua Portuguesa é composto por

duas apostilas, sendo uma utilizada no primeiro semestre e outra no segundo, as quais trazem

textos para leitura e análise bem como o estudo de alguns aspectos da gramática normativa,

mas em menor proporção. Dessas apostilas, foram selecionados os homófonos não

homógrafos ali presentes para a elaboração dos jogos.

3.2.4 Elaboração dos jogos

Quanto às atividades desenvolvidas para o ensino-aprendizagem dos homófonos não

homógrafos, foram preparados, pela pesquisadora, seis jogos em CD-ROM (anexo 31), dos

quais apenas cinco foram utilizados, e três jogos em cartelas, os quais serão descritos logo a

seguir.

Os jogos foram criados pela pesquisadora que os apresentou ao responsável pelo

laboratório de informática do Colégio São Luiz. Inicialmente, discutiram-se os objetivos de

cada jogo e a forma como poderiam ser apresentados. Feito isso, cada jogo foi entregue a um

dos estagiários do laboratório que passou a desenvolvê-lo, sempre sob a supervisão do

responsável. Depois de passarem pela revisão da pesquisadora, os jogos foram gravados em

CD-ROM para serem entregues aos alunos participantes da pesquisa bem como para a

professora. Além disso, ficaram disponíveis nos computadores do laboratório de informática

para que as atividades pudessem ser desenvolvidas também ali. Os jogos em cartelas foram

organizados e impressos pela pesquisadora. A seguir, a descrição dos jogos.

a forca (anexo 3) é um jogo já conhecido das crianças e foi elaborado a partir dos

homófonos não homógrafos presentes nas duas apostilas utilizadas pela escola para o trabalho

na quarta série;

jogo da memória (anexo 4) que, no CD-ROM, recebeu o nome de palavras e

figuras, inclui novos homófonos não homógrafos a fim de os alunos criarem os pares com os

já apresentados no jogo da forca;

completar frases (anexo 5) retoma as palavras trabalhadas nos dois jogos

anteriores e o aluno deverá usar as informações presentes na frase para descobrir qual grafia

escolher. Diferentemente dos anteriores, não é apresentada a confirmação de acerto da

resposta, pois o objetivo é levar o aluno à discussão em torno das estratégias usadas para

escolher a alternativa que complete aquele contexto;

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achando o significado (anexo 6) retoma os conhecimentos já trabalhados e

acrescenta novos: visa trabalhar com a elaboração de definição, que já vem sendo

desenvolvida pelos alunos no “Dicionário de homônimos”;

pares opostos (anexo 7) está disponível em CD-ROM e em cartelas e explora o

uso de prefixos que provocam a homonímia. Foram selecionados os prefixos: des-, dis-;

en(m)-;in(m)-, i-; ante-, anti-; ex-; e-. Os pares foram agrupados levando em consideração o

fato de que os aprendizes fazem confusão entre “e” e “i”, por causa da vogal átona quando

eles escrevem, ou seja, o problema de grafar “i” por “e”, mas não por confudirem os prefixos.

Devido a isso, os pares foram assim organizados: des-, dis-; en(m)-, in(m)-; e-, i-; ante-, anti-;

ex-; es-. A seleção do último par está relacionada à codificação do fonema /s/. Neste caso,

tem-se o prefixo EX- e palavras cujo radical é iniciado por S que receberam a vogal

epentética e. Este fenômeno se deve ao fato de as palavras, que vieram do latim vulgar para o

português, iniciadas pelo encontro consonantal formado por uma [+cont] e outra [-cont],

como, por exemplo, SP, receberem uma vogal epentética, sobretudo, no português do Brasil,

no qual esse tipo de encontro não ocorre na mesma sílaba. Assim, a vogal epentética

desmancha o encontro consonantal e a [+cont] passa a ser travamento silábico. Portanto, o

que se tem não é um prefixo (es-), mas um fenômeno decorrente de restrições fonotáticas do

português do Brasil. Do ponto de vista fonológico, o fenômeno é o mesmo, redundando em

homófono não homógrafo, mas do morfológico não, pois as unidades morfológicas são

distintas: prefixo e radical.

Para a seleção das palavras, foram usadas as presentes no material didático da quarta

série, mas também foram consultados o material elaborado por Scliar-Cabral (2001; 2003) e

gramáticas;

bingo de homônimos (anexo 8) está disponível apenas em cartelas e será usado

para finalizar as atividades, pois é o jogo que apresenta o maior número de palavras, as quais

fazem parte dos jogos anteriores e de outros materiais consultados, em especial, o elaborado

por Scliar-Cabral (2001;2003).

3.2.5 Resultados

a) Perfil das turmas

Para traçar o perfil das aulas e também dos alunos, realizaram-se a observação

participante das aulas e a análise das médias de cada aluno no primeiro bimestre de 2002.

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As aulas estão distribuídas entre duas professoras que atuam junto às duas turmas,

uma delas ministrando Língua Portuguesa e Estudos Sociais e a outra, Matemática e Ciências.

As aulas de Artes, Inglês e Educação Física são ministradas por outros professores que

lecionam a referida disciplina também em outras turmas. As aulas de Língua Portuguesa e

Estudos Sociais são em número de onze por semana em cada turma. Como já foi comentado,

o material utilizado para as aulas é a apostila da Rede Pitágoras, mas a professora

complementa com outros textos de acordo com o interesse da turma ou necessidade de

discussão do tema. Ambas as turmas são compostas por vinte e cinco alunos, sendo maior o

número de meninos, ou seja, em cada turma há dezesseis meninos e nove meninas; a idade

média é dez anos. Os alunos participam bastante da aula, perguntam com tranqüilidade e

trocam também idéias entre si e a professora consegue conduzir o trabalho de forma

interativa, chamando algumas vezes atenção dos alunos devido à conversa. Para o

desenvolvimento dos conteúdos, a professora se vale tanto da exposição oral como de

atividades em grupo; há também momentos de socialização de pesquisa. Sextas-feiras é o dia

de irem à biblioteca quando trocam ou renovam o livro; em sala, os alunos têm oportunidade

de comentar a obra que estão lendo. Cada turma tem também um dia por semana, quintas-

feiras, para ir ao laboratório de informática, quando são acompanhados a cada semana por

uma das professoras das áreas, o que possibilita alternar o trabalho entre Matemática e

Ciências e Português e Estudos Sociais. Observou-se que os alunos têm facilidade de

trabalhar com o microcomputador e também de acessar a Internet. No laboratório, a

professora conta com o auxílio, caso necessite, de um monitor. Enfim, percebeu-se que as

duas turmas estão envolvidas em um ritmo de trabalho muito parecido, embora cada uma

delas tenha as suas peculiaridades.

Para traçar um perfil quanto ao rendimento escolar, foi realizada a média das notas

alcançadas, no primeiro bimestre, pelos alunos das duas turmas. A média em Língua

Portuguesa da 4.ª série A foi 8,89 e da 4.ª série B foi 8,92. A média geral de todas as

disciplinas do primeiro bimestre ficou assim: 8,90 para a 4.ª série A e 8,82 para a 4.ª série B.

Como se pode perceber, em termos de rendimento escolar, as duas turmas são muito parecidas

o que favorece um trabalho como o que se desenvolveu nesta tese, quando duas turmas foram

comparadas.

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b) O perfil dos professores

Inicialmente, será traçado o perfil da professora com a qual a pesquisa foi

desenvolvida e, posteriormente, dos demais professores que atuam na quarta série em outras

escolas de diferentes redes do município de Brusque. Acreditou-se ser necessário comparar o

perfil da professora com os demais a fim de averiguar a questão da formação quanto à área de

investigação da tese, ou seja, ensino e aprendizagem de homófonos não homógrafos, o que

implica ampliar a pesquisa para a área de ortografia, leitura e produção textual, uma vez que

as pessoas se comunicam através de textos.

A referida professora tem formação no curso de Magistério; na graduação, cursou

Pedagogia: Orientação Educacional e, em nível de Especialização, cursou “Desenvolvimento

da criança”. Seu tempo de serviço no magistério está entre 16 e 20 anos. Além de trabalhar

com quarta série, já lecionou para a primeira e terceira séries; atuou também na pré-escola,

creche e educação especial, tendo ainda lecionado Língua Portuguesa para a sexta série.

Quanto a sua formação (conhecimento) para trabalhar ortografia, afirmou que, durante sua

formação, nunca esse assunto foi abordado e o que conhece advém de leituras e dos trabalhos

que realiza a partir do que percebe de dificuldades na escrita dos alunos. Para ela,

homônimos são “palavras com sons parecidos e significados diferentes”. As atividades de

ortografia, nas turmas em que atua, são elaboradas a partir da produção de textos na qual as

dificuldades são identificadas e depois trabalhadas em sala. Não tem, em seu horário, um

espaço destinado para o trabalho com ortografia, pois trabalha à medida que vão aparecendo

as oportunidades. Seu objetivo principal ao trabalhar leitura é “para ver se os alunos estão

lendo e interpretando mesmo, entonação, pontuação, mas primeiro ponto é a interpretação”.

Já, quanto à produção textual, seu objetivo é trabalhar a criatividade, escrita, seqüência de

idéias e pontuação. Ao corrigir os textos, enfatiza a escrita, para depois trabalhar a ortografia,

criatividade, pontuação. Quanto a dificuldades para desenvolver atividades de ortografia,

destacou, como principal dificuldade, organizar um exercício diferente, não algo

sistematizado, mecânico. Disse, também, não saber se há um planejamento na escola para o

trabalho com ortografia, mas no plano da quarta série isso vem contemplado. Ao analisar o

material didático adotado quanto à ortografia, disse achar a proposta um pouco perdida e

justificou: “os alunos trabalham, formulam um conceito, o conceito já está prescrito e não tem

uma atividade para enfatizar mais, tem aquela coisa mecânica e sistematizada de sempre”.

Disse que o livro não faz menção aos homônimos. Para ela, as dificuldades ortográficas de

seus alunos são devidas ao inglês na primeira série; também destacou que, apesar de os

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alunos, hoje, terem mais acesso à leitura, ainda apresentam uma escrita errada, com muita

ortografia trocada. Por fim, disse considerar importante o trabalho com ortografia para uma

escrita correta, pois os alunos estão chegando à quarta série com os mesmos erros e vão

adiante assim.

Para conhecer melhor os demais sujeitos, será apresentada uma descrição dos

mesmos, incluindo a professora com a qual se realizou a pesquisa, na qual serão relatados os

seguintes dados: série em que atua, formação, tempo de serviço, participação em cursos e

atividades desenvolvidas.

Alguns dos sujeitos, professores de quarta série, atuam paralelamente em outras

séries: um leciona para a 1ª série, um leciona para 2ª série, um leciona para 3ª série e dois

lecionam para a Educação Infantil. Portanto, percebe-se que a maioria dos sujeitos

entrevistados, ou seja, dezenove deles atuam somente com 4ª série.

Outra informação que ajuda a caracterizar o grupo pesquisado é a formação em

nível de graduação e pós-graduação, os dados a seguir revelam um grupo de professores que

se não concluíram o terceiro grau, estão em fase de conclusão:

GRÁFICO 1 - FORMAÇÃO NO III GRAU DOS PROFESSORES DA 4.ª SÉRIE DEBRUSQUE

0

2

4

6

8

10

12

14

16

Formação III grau

Pedagogia(concluído)

Pedagogia(emconclusão)

Letras

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Dentro do grupo de sujeitos, encontram-se quinze que já cursaram ou estão em curso

pós-graduação conforme detalha o gráfico 2:

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GRÁFICO 2 - PROFESSORES DE 4.ª SÉRIE COM CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO(ESPECIALIZAÇÃO)

0

2

4

6

8

10

12

Pós-graduação (especialização)

Concluída

Em andamento

Não

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Neste aspecto, observa-se que as áreas de Especialização são diversificadas entre os

professores. Dos entrevistados que já concluíram ou estão em fase de conclusão, encontram-

se interesses nas seguintes áreas:

TABELA 3 – NÚMERO DE PROFESSORES POR ÁREA DE ESPECIALIZAÇÃO EMCURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO

Área do curso de pós-graduação em nível deespecialização

Número de professores quecursaram ou estão em curso

Desenvolvimento da Criança 2Didática 1Educação Infantil e Séries Iniciais 3Metodologia do Ensino / Administração Escolar 1Fundamentos e Metodologia do EnsinoFundamental e Educação Infantil

4

Fundamentos da Educação 1Psicopedagogia 1Metodologia de Ensino 1Currículo e metodologia da Educação Infantil eEnsino Fundamental

1

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Nas redes de ensino, encontrou-se um grupo misto quanto ao tempo de serviço: a

maioria, nove sujeitos, se encontra entre os iniciantes, seguido por um grupo de três

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professores que atuam no magistério entre seis e dez anos; os demais, oito sujeitos, já estão

lecionando há mais de dezesseis anos.

Dos sujeitos entrevistados, todos fazem cursos de aperfeiçoamento, uma vez por mês

ou algumas horas por mês, procurando, assim, atualizar seus conhecimentos na área da

Educação.

Dentre os entrevistados, além de lecionarem, também desempenharam anteriormente

outros cargos na escola. Dos 24 sujeitos: 10 trabalharam ou trabalham com outras séries; 3

trabalharam nos setores administrativos, secretaria; 3 trabalharam como diretores de escola.

Portanto, além da docência em sala de aula, dos entrevistados, seis possuem experiência na

área administrativa da escola, como diretor, diretor adjunto, secretário e auxiliar

administrativo e dez professores lecionam ou já lecionaram em outras séries.

Passam-se agora a descrever os resultados alcançados a partir da entrevista diretiva,

previamente agendada, aplicada aos sujeitos na sua escola. A entrevista foi dividida em sete

questões a fim de que se pudesse ter uma visão tanto da formação do professor como da

proposta pedagógica na qual ele está envolvido. Assim, os resultados são apresentados

levando em consideração: formação sobre ortografia; definição de homonímia; atividades de

ortografia em sala de aula; leitura; produção de textos; planejamento seqüenciado e livro

didático adotado.

Pôde-se observar, pelos depoimentos dos sujeitos entrevistados que, na sua formação

acadêmica, que visa preparar para o exercício no magistério, não há uma preocupação em

estudar o sistema ortográfico.

Quanto ao segundo aspecto - definição de homônimos- os sujeitos revelaram que

não têm domínio total da definição deste fenômeno de indeterminação. Os depoimentos foram

agrupados em quatro categorias para que se pudesse ter uma visão do grupo quanto à clareza a

respeito dos homônimos, os quais se incluem dentro dos contextos competitivos e que, para

serem trabalhados em sala, precisam, primeiro, ser compreendidos com clareza pelo professor

que, na sua maioria, não a tem como revelam os dados a seguir:

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GRÁFICO 3 - RESPOSTAS DADAS PELOS 24 SUJEITOS DA PESQUISA ÀDEFINIÇÃO DE HOMONÍMIA

0

2

4

6

8

10

12

14

definição de homonímia

def. clara

def. incompleta

def. incorreta

ausência de def.

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Os professores foram questionados também quanto à forma como são desenvolvidas

as atividades de ortografia na 4.ª série. Os dados coletados revelam um posicionamento

diversificado quanto a este aspecto. A maioria prefere o trabalho contextualizado, mas outros

educadores baseiam seu trabalho na prática com exercícios. Pode-se considerar também,

como aspecto importante, que alguns educadores utilizam material alternativo como jornais e

revistas; também há a consulta ao dicionário. Além disso, o trabalho com a ortografia na 4.ª

série inclui: jogos, utilização de livros didáticos e autocorreção por parte dos sujeitos dessa

pesquisa.

Questionados quanto à freqüência semanal com que desenvolvem atividades de

ortografia, os sujeitos revelaram uma postura diferente, havendo um grupo menor que não

determina um horário para o trabalho com as dificuldades ortográficas, e os que destinam um

espaço de tempo específico para a explanação ou discussão das regras ortográficas conforme

os dados a seguir revelam no gráfico 4:

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GRÁFICO 4 - FREQÜÊNCIA SEMANAL DE ATIVIDADES DE ORTOGRAFIADESENVOLVIDAS PELOS PROFESSORES DE 4.ª SÉRIE

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Outro dado coletado foi o objetivo principal ao trabalhar a leitura; nessa questão,

pode-se destacar que os sujeitos entrevistados preocupam-se em, através da leitura: oferecer

ao seu grupo de alunos oportunidades de interpretar o texto escrito, ter a leitura como fonte de

prazer para formação de bons leitores no incentivo de gostar de ler; na amplitude da

comunicação pelo ato de ler bem como o desenvolvimento da habilidade de leitura, com

ênfase maior à que é feita em voz alta.

Os sujeitos entrevistados foram questionados também quanto ao objetivo principal ao

trabalhar a produção de textos com seu grupo de alunos. Igualmente ao que aconteceu com a

leitura, os objetivos se diversificam de acordo com a realidade de cada sujeito entrevistado.

Os depoimentos revelam que o trabalho com a produção escrita acontece, principalmente,

para: desenvolver a criatividade; organizar o texto de forma lógica; desenvolver o domínio da

escrita (relacionado à norma culta padrão). Mas há também os sujeitos que entendem a

produção textual de forma mais ampla, tendo outros objetivos, como, por exemplo,

“desenvolver a habilidade de criação, buscando sua imaginação e poder de argumentação”.

Frente a esses questionamentos, referentes à leitura e à produção textual, considera-

se importante destacar como são corrigidos os textos produzidos pelos alunos. Pode-se

considerar que os sujeitos da pesquisa direcionam esses momentos em: correção feita pelo

próprio professor; em conjunto com o aluno individualmente; coletiva com todo o grupo;

0

2

4

6

8

10

12

14

freqüência semanal

diariamente

3 vezes

2 vezes

1 vez

nãodeterminado

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correção feita entre o grupo de alunos, onde um corrige o texto do outro; correção feita pelo

próprio aluno (ele mesmo corrige seu texto) conforme mostra o gráfico 5:

GRÁFICO 5 - MANEIRA COMO SÃO CORRIGIDOS OS TEXTOS PRODUZIDOSPELOS ALUNOS

pelo professor

individualmente

coletiva

correção pelo aluno

entre 2 alunos eprofessor

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Os sujeitos da pesquisa foram questionados quanto às dificuldades encontradas para

desenvolver atividades de ortografia. De acordo com as respostas obtidas na entrevista,

foram organizados cinco grupos de sujeitos: no grupo 1, se incluem os profissionais que

sentem dificuldade em elaborar um trabalho diferente; no segundo grupo, estão os sujeitos

que não encontram nenhuma dificuldade no desenvolvimento de atividades de ortografia; no

terceiro, se incluem os professores que sentem dificuldade no desenvolvimento das atividades

devido aos diferentes dialetos encontrados na sala de aula; no grupo 4, estão os que afirmam

que a utilização do livro didático, muitas vezes, não traz todo o conteúdo necessário ou não

esclarece as dúvidas que venham a surgir e, no quinto grupo, evidencia-se que a troca de

letras que o aluno apresenta no momento da escrita dificulta o desenvolvimento de atividades

pelo professor.

Os sujeitos da pesquisa foram também questionados quanto à existência de um

planejamento para o ensino seqüenciado da ortografia. As respostas dos sujeitos entrevistados

foram agrupadas em quatro categorias: os que trabalham com planejamento seqüenciado (10

sujeitos), os que não trabalham com planejamento seqüenciado (9 sujeitos), os que não

responderam ou não souberam responder (5 sujeitos).

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Outra questão levantada foi sobre qual o livro adotado pelo sujeito em sua turma e

como o autor propõe o trabalho com ortografia. Apresenta-se, primeiramente, uma tabela

ilustrando a situação em que são utilizados os livros didáticos adotados pelos professores:

TABELA 4 – RELAÇÃO DOS LIVROS DIDÁTICOS ADOTADOS NAS ESCOLAS PÚBLICAS E PARTICULARES DE BRUSQUE.

professor/escola

LDRECOMENDADO

PELO MEC -APC14

LDRECOMENDADO

PELO MEC -ASP15

LD NÃOINDICADO ou

RECOMENDADOPELO MEC -

APC

LD NÃOINDICADO ou

RECOMENDADOPELO MEC –

ASP

NãoAdota

LD

OutrosMateriais

NãoRevelou

01 Pitágoras02 Construindo a

escrita: leitura einterpretação detextos

03 Linguagem vivaViver e aprenderOs caminhos da LP

04 ALP

05 Português básico Ie II (SENAC)

06 Língua Portuguesacom certeza

07 Português básico Ie II (SENAC)

08 X09 Linguagem viva10 X11 Linguagem viva

Viver e aprenderLinguagem eintegração

1.Português2.Novo caminho:Português3. Coleção: dia-a-dia do professor4. Coleção:alfabetização semsegredos

12 X13 X14 Linguagem viva15 X16 ALP17 Produzindo leitura

e escrita18 Pitágoras19 Linguagem viva20 Na trilha do texto Caderno do futuro

21 X22 X

23 Linguagem viva24 Coleção Céu da

boca (literaturainfantil)

TOTAL 09 02 03 04 04 02 01

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

14 APC= ADOTADO PELAS CRIANÇAS15 ASP= ADOTADO SÓ PELA PROFESSORA

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Considerando a escolha dos sujeitos, de acordo com seus relatos, observa-se que os

livros didáticos adotados apresentam o ensino da ortografia de maneira diversificada:

contextualizado, através de exercícios, em pesquisas, de maneira sistematizada e mecânica,

com utilização de jogos, conforme destaca o gráfico 6:

GRÁFICO 6 - COMO É APRESENTADA A ORTOGRAFIA NO LIVRO DIDÁTICO

contextualizada

exercícios

pesquisas

sistematizado emecânicojogos

não respondeu

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Questionou-se junto aos sujeitos se, nos livros didáticos por eles utilizados é feita

menção aos homônimos e de que forma estão destacados. Os resultados foram assim

sistematizados no gráfico 7:

GRÁFICO 7 - MENÇÃO SOBRE HOMONÍMIA NO LIVRO DIDÁTICO

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Definição e exercícios

Não respondeu

Não há no LD

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Analisando os livros didáticos adotados pelos sujeitos, observou-se que a

homonímia é tratada pela maioria dos autores de forma descontextualizada, ou seja,

inicialmente é dada a definição, às vezes a classificação e por fim exercícios. Alguns tratam

do assunto uma única vez e outros vão desenvolvendo de forma gradativa.

Os sujeitos da pesquisa também foram convidados a dar o seu ponto de vista quanto

às razões que explicam as dificuldades ortográficas de seus alunos; frente a esse

questionamento, cada professor levantou sua resposta em relação a sua realidade no dia a dia

com os alunos. Os depoimentos revelam que o próprio professor tem dificuldade em entender

por que os alunos apresentam dificuldades de escrita. Analisando os depoimentos, percebeu-

se que os professores atribuem à falta de leitura as dificuldades ortográficas.

Por fim, os sujeitos opinaram se consideram importante trabalhar ortografia com

seus alunos, fazendo assim uma análise de seu trabalho de educador no cotidiano da escola.

Embora haja sujeitos que não saibam explicar e os que advogam que: “não acho

imprescindível, nem muito importante, para isso existem dicionários e computadores”; há

também outros grupos que se posicionam favoráveis ao ensino da ortografia. Há os sujeitos

que acreditam que o ensino da ortografia está ligado à questão de escrever com correção. Por

outro lado, há um grupo que acredita que aprender ortografia vai além da questão da

convenção ortográfica que padroniza o certo e o errado.

Os dados provenientes de todas as questões apontam para um grupo de educadores

muito parecido quanto ao conhecimento teórico na área de língua portuguesa, especificamente

no que se refere à ortografia. Ou seja, tem-se, em sala de aula, trabalhando com o ensino do

sistema escrito, professores que não tiveram a oportunidade de estudar os princípios do

sistema alfabético e outros conteúdos relacionados ao processamento da leitura e escritura.

Além disso, muitos deles fazem uma leitura não muito atenta da realidade, acreditando, por

exemplo, que o computador possa resolver as dúvidas ortográficas sem que o usuário da

língua tenha o conhecimento que é necessário para tal.

c) O pré-teste

O pré-teste, que será analisado e discutido na próxima seção, teve seus dados

divididos em dois grupos: um relacionado ao número de acertos e outro quanto às

justificativas produzidas pelos sujeitos. Também será verificado se houve elo entre a grafia e

a justificativa.

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Os números de acertos foram submetidos ao teste quiquadrado a fim de se analisar a

significância estatística. Este tipo de teste trabalha com duas hipóteses e, através dele, é

possível comparar dois ou mais grupos para verificar se são ou não diferentes.

Além disso, os tipos de acertos e erros foram categorizados a fim de que se pudesse

estabelecer um perfil dos sujeitos participantes quanto à forma como grafaram a palavra

ditada. Partindo das palavras grafadas, foram levantadas seis categorias: 1) correta; 2)

homófonos; 3) NILO (não internalizada no léxico ortográfico); 4) RNI (regra não

internalizada) que se refere aos problemas de codificação; 5) problemas maiores (que se

referem à sintaxe ou percepção); 6) escreve como fala. A categoria 1 será submetida a uma

análise de estatística descritiva a fim de se estabelecer mais uma comparação entre os dois

grupos.

Em cima dos dados da categoria 1, levando-se em conta todas as 20 palavras ditadas,

aplicou-se a estatística descritiva que forneceu dados como média, mediana, moda, desvio

padrão e número mínimo e máximo de acertos, os quais visam complementar os resultados

alcançados pelo teste quiquadrado.

As justificativas produzidas pelos sujeitos também foram agrupadas em categorias a

partir da leitura de todas elas, perfazendo um total de catorze categorias, sendo as 7 primeiras

consideradas boas, pois explicam de alguma maneira a forma como o sujeito grafou as

palavras e as demais foram consideradas justificativas inadequadas.

1. conhecimento do sentido

a. relação significado/grafia

b. atribuição do sentido a partir do contexto

2. conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil

3. derivação [cognato]

4. freqüência de uso

a. de exposição (leitura)

b. de escrita

5. conhecimento prévio da palavra

a. com justificativa

b. sem justificativa

6. relação som versus leitura e escrita

7. dúvida na grafia

a. explicitação da dúvida

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b. não explicitação da dúvida

8. desconhecimento da palavra

9. não compreensão da diferença entre homófonos não homógrafos

10. má internalização das regras grafêmico-fonológicas

11. ausência de explicação

12. estratégia de preenchimento

13. achismo

14. não sabe redigir a resposta

3.3 Segunda etapa: definição do perfil do Grupo Experimento

3.3.1 Metodologia

A segunda etapa da pesquisa, realizada entre maio e julho de 2002, teve como

objetivo traçar o perfil do grupo escolhido como experimento, no qual foi desenvolvida a

intervenção colaborativa. Antes de iniciar o trabalho com o grupo, acreditou-se que seria

necessário conhecer melhor os sujeitos quanto aos aspectos psicológicos, sociais, econômicos

e lingüísticos. Além disso, era de suma importância analisar como estavam lendo e

escrevendo aqueles alunos.

Inicialmente, foi mantido contato com a coordenadora pedagógica para autorizar o

envio do questionário para as famílias. Foi produzida uma carta aos pais explicando o

objetivo do questionário, a qual foi assinada pela coordenação pedagógica, pela professora da

turma e pela pesquisadora. Quanto à bateria de testes, foi requisitado junto à coordenação que

viabilizasse um espaço físico no qual os testes pudessem ser realizados, ficando decidido que

seria na sala destinada às aulas de reforço. É uma sala no final da escola, onde há pouca

movimentação, com uma mesa, sete carteiras e um quadro-giz.

Durante a fase em que se realizou a bateria de testes, os alunos eram conduzidos pela

pesquisadora um a um, pela ordem alfabética, à sala de reforço. Os testes levaram em torno

de uma hora por sujeito, sendo que a média de testes realizados a cada dia foi três.

Depois que os testes haviam sido aplicados, os questionários foram entregues aos

alunos pela professora e pela pesquisadora. Estabeleceu-se o prazo de uma semana para a

devolução do questionário.

Por fim, os dados foram analisados para que se pudesse começar a preparar as

atividades que seriam desenvolvidas na próxima etapa.

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3.3.2 Instrumentos e aplicação

Nesta etapa foram aplicados dois instrumentos de coleta de dados: a bateria de testes

de recepção e produção da língua portuguesa de Scliar-Cabral (2001; 2003) (anexo 9) e o

questionário psicossociolingüístico e socioeconômico dos alunos (anexo 10).

O primeiro instrumento de coleta de dados tem, como objetivo, segundo a autora

(op.cit., 2003b, p.119):

detectar sintomas mais evidentes sobre desvios na recepção oral e escrita e respectiva produção, a fimde que o professor possa encaminhar o aluno para exames mais acurados pelo especialista. Assim, seo aluno apresentar dificuldades no teste de recepção oral, deve ser encaminhado para exameaudiométrico pelo fonoaudiólogo e/ou otorrino; se não apresentar dificuldades no teste de recepçãooral, porém articular mal os gestos fonoarticulatórios, deverá ser encaminhado a um fonoaudiólogo.Se não apresentar nenhum problema no teste de recepção e produção oral, mas se sair mal nos testesde descodificação dos grafemas ou codificação dos fonemas, poderá ter problemas específicos deleitura e escrita, quer congênitos, quer de aprendizagem, que deverão ser examinados peloespecialista. Se o aluno se sair bem nos testes de descodificação e codificação, mas apresentar baixosescores nos testes de compreensão, seu problema não está no reconhecimento ou produção da palavraescrita, mas sim em aspectos semânticos e/ou cognitivos mais gerais.

No caso da presente tese, objetivou-se, especialmente, fazer um diagnóstico da turma

a fim de identificar problemas relacionados ao processo de alfabetização dos alunos. Ao todo

são nove testes aplicados nesta ordem:

1) Testes de recepção oral, subdivididos em recepção auditiva dos traços fonéticos

do português do Brasil e em compreensão de frases, cuja complexidade e extensão são

crescentes. O primeiro visa detectar se o indivíduo percebe os traços fonéticos que

diferenciam os vocábulos no português do Brasil e o segundo verifica se o indivíduo

apresenta problemas de processamento em sua memória imediata e operacional.

2) Testes de produção oral também subdivididos em produção oral de itens e de

frases. Estes testes objetivam detectar se o indivíduo comanda os gestos fonoarticulatórios da

sua variedade sociolingüística.

3) O objetivo do teste Invenção a partir de uma seqüência é examinar se os

esquemas narrativos estão bem desenvolvidos.

4) O teste Reconto da história “O galo vaidoso” verifica tanto se os esquemas

narrativos estão bem desenvolvidos (habilidades cognitivas de ordenação) como avalia as

capacidades da memória imediata e operacional.

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5) Emparelhamento de palavras e frases escritas com gravuras visa avaliar a

habilidade de o indivíduo perceber a oposição entre grafemas em pares mínimos. Este teste é

subdividido em emparelhamento de itens e de frases escritas.

6) Produção a partir de gravuras é o teste que tem como finalidade averiguar se o

indivíduo transpõe para a escrita suas representações fonológicas. Este também é subdividido

em produção escrita de itens e frases.

7) Teste de correspondência fonológico-grafêmica testa se as regras de codificação

dos fonemas em grafemas foram internalizadas de uma forma controlada, uma vez que se trata

de pseudopalavras. O teste está organizado a fim de detectar quatro dificuldades: de

percepção da distinção do traço fonético em um par mínimo e sua codificação fonêmica; de

percepção dos traços gráficos; adivinhação ou alfabetização pelos nomes das letras; falta de

domínio das regras de codificação dependentes do contexto fonético.

8) O teste de correspondência grafêmico-fonológica foi elaborado a fim de

detectar cinco dificuldades: de articular o traço que diferencia os pares mínimos; de perceber

as distinções ocasionadas pelo traço de rotação ou combinatória de outros traços; adivinhação

ou nome da letra; falta de domínio da regra de correspondência grafêmico-fonológica;

problemas fonoarticulatórios.

9) Teste de leitura em voz alta e de compreensão de palavras. O de leitura em voz

alta visa confirmar o desempenho nos testes anteriores quanto à descodificação e o de

compreensão , como o próprio nome indica, verifica se o indivíduo compreendeu o que leu.

A bateria de testes foi aplicada individualmente pela pesquisadora com o auxílio de

uma aluna do curso de Pedagogia da Febe, bolsista do Artigo 170. Os alunos, chamados pela

ordem alfabética, foram conduzidos ao local dos testes pela pesquisadora. No percurso, o

aluno já ia sendo informado da natureza dos testes, pois havia curiosidade por parte dos

sujeitos, e, assim, ia se criando um clima de confiança entre sujeito e pesquisadora. Na sala,

descrita anteriormente, o sujeito era convidado a sentar-se à mesa. À frente do sujeito, ficava

a bolsista que fazia as anotações nas fichas; a pesquisadora aplicou os testes, posicionando-se

conforme a necessidade e objetivo do teste.

O segundo instrumento, para traçar o perfil dos sujeitos, é o questionário

psicossociolingüístico e socioeconômico dos alunos, que parte de um modelo já elaborado por

Scliar-Cabral e que teve, para a presente tese, a inclusão de questões relacionadas ao contexto

mais específico da pesquisa. O questionário é composto por dezessete questões que visam

identificar dados pessoais, família, convívio, instrução e profissão dos pais, religião,

residência, dados sobre a saúde, gostos e hábitos da criança, língua e relação com a escola. O

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questionário foi entregue pela professora e pela pesquisadora que explicou o seu objetivo,

colocando-se à disposição dos pais para qualquer informação pessoalmente ou por telefone.

Todos os questionários foram devolvidos dentro do prazo combinado com os sujeitos e não

houve nenhuma procura por parte dos pais para solucionar possíveis dúvidas.

3.3.3 Resultados

a) Bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de Scliar-Cabral

De todos os testes, o teste seis e o sete foram os que mais apontaram aspectos

relevantes que serviram como referência para o trabalho realizado em sala, posteriormente,

pela professora com ajuda da pesquisadora.

No teste 6, produção escrita a partir de gravuras, foram levantados os seguintes

dados:

1.Problemas de codificação nas palavras, os quais foram agrupados em torno de três

dificuldades básicas:

a) Traço fonético: [+voz] e [-voz]: pastão por bastão, cato por gato, cola por gola

(foram apenas estas ocorrências).

b) Regra dependente só do contexto fonético: “a realização do fonema // se

codifica como “x” no contexto entre o ditongo /ej/ em final de sílaba” (Scliar-Cabral, 2003a,

p.132): queicho por queixo.

c) Contextos competitivos:

a. O arquifonema |S| em posição final de vocábulo, nos oxítonos ou

monossílabos tônicos pode ser grafado como “s” ou como “z” (op. cit., p 159-60):

trez por três; trenz por trens; feros por feroz.

b. O fonema /z/ se grafa competitivamente “s” ou “z” entre qualquer vogal oral

posterior ou semivogal e vogal oral ou nasalizada (op. cit., p. 160-1): roza por rosa;

resa por reza; dose por doze.

c. “A realização do fonema /s/ pode ser codificada seja pelo grafema “s” ou “ç”

em início de sílaba entre vogal nasalizada e vogal oral ou vogal nasalizada

posteriores [...] ou entre /e/ e a semivogal posterior /w/” (op. cit.,p. 156): onsa por

onça.

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d. “A realização do fonema // em início de vocábulo ou posição intervocálica

oral ou nasalizada pode ser grafada com “ch” ou “x” (op. cit.,p. 161): pixe por piche;

bixo por bicho;conxa por concha; cocha por coxa; buxo por bucho. O conhecimento

do significado, pois, ajudaria na escolha da grafia.

2. Ditongação: soupa por sopa, councha por concha

3. Monotongação: toca por touca; fera por feira; ropa por roupa, pexe por peixe,

quexo por queixo.

4. Problemas de codificação nas frases:

a) escrita igual à fala: piru, sigurando, tualha, murru.

b)uso do h inicial e acentuação gráfica dos paroxítonos terminados em r: amburguer

c) conversão dependente da posição em início de sílaba interna entre vogais, ou seja,

o fonema /R/ desde que não depois de semivogal se converte no grafema “rr”: cachoro por

cachorro.

d) Contextos competitivos:

a. conversão do fonema /s/ entre |W| e V [+post]: calsar por calçar

b. conversão do fonema /s/ antes de vogal [+post], na qual o conhecimento

semântico é fator determinante: cassar por caçar.

c. conversão do arquifonema |S|, em final de vocábulo, nos monossílabos

tônicos: tras por traz. Neste caso, a informação morfológica também ajudaria a

solucionar a grafia.

e) problemas de acentuação gráfica: sanduiche, esta, e, pêru

f) ausência da grafia no léxico mental ortográfico: munto por muito;

g) separação das palavras: em quanto por enquanto; várias hipóteses de como se grafa

“em cima”: enscima, ensima, encima, em sima. Os sujeitos apresentaram dificuldade em

escrever as locuções levando em conta o critério junto ou separado. Esse é um dos problemas

mais difíceis de ortografia, pois, na cadeia da fala, o item aparece sem separação e esta, nas

locuções, é uma questão arbitrária. Comparando-se a grafia de em cima e embaixo, pode-se

observar que, no último, houve um processo de gramaticalização e a escrita aglutinou os

morfemas, passando a ser um advérbio tipicalizado, mas “em cima” ainda não passou por esse

processo. Por analogia, alguns sujeitos grafaram: “encima”, em que vige a grafia etimológica,

já “prevendo” a sua futura grafia. Outro aspecto a ser considerado nas várias hipóteses é que a

primeira, “enscima”, revela a não internalização da regra.

Os resultados do teste 7, de correspondência fonológico-grafêmica, apresentaram as

seguintes dificuldades: percepção dos traços, tais como rotação; percepção da distinção do

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traço fonético em um par mínimo e sua respectiva codificação grafêmica; falta de domínio das

regras de codificação determinadas pelo contexto fonético.

Quanto à rotação dos traços, dois casos foram observados: 1.entre b e d: dupas por

bupas; búzia por dúzia; zobar por zodar; bruga por druga; 2. q por p como em: simpa por

simqa.

Quanto à dificuldade de percepção do traço fonético em um par mínimo, pôde ser

notada nos seguintes casos: 1. /t/ por /d/: defa por tefa; 2. /v/ por /f/: veca por feca; 3. /g/ por

/k/: gufo por cufo; buga por buca ; cupons por gubons; gueta por queta; 4. /s/ por /z/ e vice-

versa: nazpa por naspa; sobar por zobar; búcia por búzia; deisa por deiça; 5. // por //:

achufa por ajufa; tuxa por tuja; 6. /l/ por /r/: bluga por bruga.

O maior número de dificuldades teve como fator determinante a falta de domínio

das regras de codificação determinadas pelo contexto fonético como se pode observar na

tabela que segue:

TABELA 5 – PROBLEMAS DE CODIFICAÇÃO IDENTIFICADOS NO TESTE DELOGATOMAS

Palavralida peloaplicador

Palavraapontada pelo

sujeito

Número deocorrências

Regra não internalizada16

ouproblema identificado

denre denrre 16 “A regra C2.11 dita que as realizações doarquifonema | R | (...) se escrevem com o grafema“r”: (...) 2) em início da sílaba depois de vogalnasalizada (...) e antes de vogal oral ou de vogalnasalizada não posterior, ...” (p. 135-6).

gubons gúbons 14 Não percepção da palavra como oxítona, mas comoparoxítona.

reúde reude 14 Não percepção de /e’u/ como hiato, ou seja,problema de percepção dos encontros vocálicos e/ounão internalização da regra de acentuação gráfica da2.ª vogal no hiato.

gueta güeta 13 “Pela regra C2.2, a realização da consoante /g/ setranscreve “g”, [...] antes de vogal posterior, oral ounasalizada, ou seja, antes de /u/, /o/, //, /a/, /u/,/õ/, /ã/ ou precedendo a semivogal /w/ quando ohiato for pronunciado como ditongo crescente. Casoesteja antes das vogais não posteriores, orais ounasalizadas, ou seja, /i/, /e/, //, /i/, /e/, é grafadacomo “gu”.”(p.127)

petor pêtor 13 Não percepção da palavra como oxítona, mas comoparoxítona.

latu latú 13 Não conhecimento das regras de acentuação gráficados oxítonos terminados em “u”: a vogal não levaacento gráfico.

16 A descrição da regra é feita a partir da consulta em Scliar-Cabral, 2003a.

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deiça deissa 12 Caso a realização do fonema /s/ figurar em início desílaba entre a semivogal /j/ e uma vogal posterior,com exceção de //, que não ocorre neste contexto,isto é, /u/, /o/, /a/, /õ/, /ã/, se grafa “ç”. (p.128)

zobar sobar 12 “Conforme a regra C2.6, a realização do fonema /z/em início de vocábulo sempre se transcreve pelografema “z”.” (p.131)

teixa teicha 12 “Pela regra C2.7, a realização do fonema // secodifica como “x”, no contexto entre os ditongos/ej/, /ow/ e /aj/ em final de sílaba e vogal”. (p.132)

lóia loía 11 “...nenhuma vogal apresenta somente um valor deconversão, a não ser nos ditongos /j/ e /j/”.17

Não percepção de /j/ como semivogal, ou seja,problema de percepção dos encontros vocálicos e/oude não-internalização das regras de acentuação dosencontros vocálicos.

duvém 10duvem

dúvem 4

No primeiro caso, problema de percepção, ou seja,marcou-se oxítono, mas o vocábulo foi lido comoparoxítono.No outro ocorreu a acentuação por analogia com asparoxítonas terminas em –“um”.

lárão 10larão

laram 3

No primeiro caso, observa-se problema depercepção, ou seja, a palavra foi lida como oxítonae o sujeito codificou como paroxítona.No outro, a grafia “am” só codifica o ditongo /ãw/nos verbos paroxítonos.

simpa sinpa 7 ‘A nasalização da vogal, em final de sílaba nãofinal de vocábulo, antes das consoantes [+ant, -cor]/p/ e /b/ que iniciem sílaba seguinte é codificadapela letra “m”; antes das demais consoantes, anasalização é assinalada pela letra “n”. Nestasituação, pois, as letras “m” e “n” têm o mesmovalor que o til.’ (p.147-8)

pêdum pedum 6 “Pela regra C2.15.3, acentuam-se graficamente osparoxítonos: 1) terminados em /u/, /õ/, /ã/, ditongooral decrescente ou crescente (no último caso, oditongo pode ser lido como hiato e o vocábulo setorna proparoxítono), seguidos ou não doarquifonema | S |, como em /‘awbu/ “álbum”,/‘awbuS/ ...” (p.143-4)

balei bálei 4 Problema de percepção, ou seja, a palavra foi lidacomo oxítona e o sujeito codificou comoparoxítona.

mabo mabó 4 Problema de percepção, ou seja, a palavra foi lidacomo paroxítona e o sujeito codificou comooxítona.

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Pode-se observar que o maior número de problemas diz respeito à percepção da

sílaba tônica e também à questão da acentuação gráfica, totalizando dez das palavras

apontadas com um desses problemas ou com os dois. Tal constatação leva a crer que a

17 Scliar-Cabral, 2003b, p. 77.

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106

percepção do acento é muito pouco trabalhada em relação com a acentuação gráfica, ou seja, a

acentuação gráfica é ensinada de forma mecânica, na qual a preferência é pela memorização

das regras. É preciso levar em consideração que, para preparar para a ortografia, o professor

deve desenvolver também a percepção. Diante disso, é preciso repensar a didática do ensino

das regras de acentuação gráfica, a qual deve partir da percepção de onde cai o acento de

intensidade e dos encontros vocálicos e, em cima de tais percepções, ensinar as regras de

acentuação gráfica tanto para a descodificação quanto para a codificação.

Os outros problemas identificados nesse teste estão relacionados à seleção de que

grafema deve ser escolhido para representar a realização do fonema ouvido levando-se em

conta o contexto que, no teste não foi levado em consideração pelos sujeitos, o que provocou

a escolha de seis palavras cuja codificação não está correta. Quanto a esse segundo grupo de

palavras, vale ressaltar que as palavras: pudo, salho, surpa e sula foram apontadas

corretamente por todos os sujeitos. A análise das três últimas pseudopalavras [-son] leva à

discussão da escolha de “sobar” para codificar zobar [+son], pois se está diante de um par cuja

distinção se faz pelo traço [-voz] e [+voz], o qual foi identificado nas palavras anteriores,

quando o fonema /s/ era grafado com o grafema “s”, entretanto,neste caso, o fonema /z/ foi

codificado com o grafema “s” em início de vocábulo, revelando um problema de codificação.

Outra regra que também se mostrou problemática foi a da codificação dos fonemas /r/ e /R/ em

contexto intervocálico, pois “sura” foi apontado por quatro sujeitos como “surra” e “terro” foi

apontado por um sujeito como “tero”.

b) Questionário psicossociolingüístico e socioeconômico dos alunos da quarta série A

Diante dos dados levantados no questionário é possível traçar o perfil dos

participantes da pesquisa levando-se em conta os aspectos que dizem respeito ao lar e à

escola.

As crianças são monolíngües e a média de idade é nove anos e oito meses. Todas

têm livros em casa e o número de volumes varia de cinco a duzentos. Quanto ao número de

irmãos, oito crianças são filho único, os demais têm irmãos, mas o número não ultrapassa dois

irmãos. A idade dos irmãos varia de um ano até trinta e dois anos e o maior grupo situa-se na

faixa de 11 a 12 anos (3 sujeitos).

Na ausência dos pais, as crianças ficam com empregada (7 sujeitos), avós ou tios (3

sujeitos), parentes (2 sujeitos), irmãos mais velhos (3 sujeitos), amigos (1 sujeito), irmão ou

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107

avó (1 sujeito). Duas crianças ficam sozinhas. Outro dado significativo é que, nesta turma,

sete mães não trabalham fora.

Ainda quanto ao aspecto do lar, descobriu-se com quem dividem o quarto, sendo que

5 sujeitos o dividem com irmão e um com a mãe, os demais dormem sozinhos. Apenas um

sujeito divide a cama com a mãe, os demais têm sua própria cama.

De todos os sujeitos, apenas dois não moram com o pai e a mãe, um mora só com a

mãe e outro mora com a mãe e outra pessoa. Isso levou a mais um dado: nesta turma, há uma

viúva e uma divorciada.

As profissões são variadas entre os pais. Entre os homens, há desenhistas,

comerciantes, comerciários, destacando-se o número de pais empresários. Outras profissões

aparecem isoladas: representante, juiz, militar, agrimensor, professor, talhador, motorista,

médico. Entre as mulheres, a maioria é do lar, destacando-se ainda três comerciantes e duas

professoras.

Nem todos os pais informaram a renda da família, e dos 18 informantes, alguns

reuniram as duas rendas, por isso não foi possível especificar a renda por pai e mãe, mas é

possível obter dois dados: os valores variam de R$500,00 a R$12.500,00 e a média entre os

casais informantes é de R$3.600,00.

Quanto aos últimos empregos do pai e da mãe, observou-se que a maioria demonstra

estabilidade no emprego. Quanto ao horário de trabalho, ficou evidenciado que os pais

passam a maior parte do tempo fora de casa, como se pode observar nos diversos horários de

trabalho: 7h30min-12h / 13h30min-18; 3.º turno; comercial; 10 horas diárias; 6h-18h; 8h-19h;

7h-18h; 7h-12h / 13h-17h; 7h30min-19h; 7h30min-17h; integral (manhã, tarde e noite) e

indeterminado. Pode-se detectar que a maioria dos pais tem um horário parecido com o

comercial, estando à noite em casa; apenas um trabalha no período noturno e outro durante os

três períodos. Já o horário das mães é organizado, na sua maioria, para poder ficar um pouco

mais em casa: poucas ficam fora todo o dia e sete não trabalham fora.

Quanto à residência na localidade, pôde-se descobrir que a maioria dos sujeitos

sempre morou em Brusque; dos que vieram de outra localidade, encontram-se famílias que já

moraram em Uruguaiana e São Paulo; Blumenau e Curitibanos; Guabiruba e Curitiba ;

Curitiba e Blumenau; São José; Rio Grande do Sul; Paraná.

A maioria dos pais é de religião católica, sendo apenas um pai evangélico protestante

e uma mãe espírita.

Quanto à instrução, não há nenhum pai ou mãe analfabetos e a grande maioria tem

ensino superior, conforme fica evidenciado no gráfico 8:

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108

GRÁFICO 8 - INSTRUÇÃO DOS PAIS DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Primário Ginásio 2.º grau Sup.Compl.

Sup. Inc. Outros

Pai

Mãe

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Finalmente, quanto aos pais dos participantes da pesquisa, foi possível levantar dados

quanto ao tipo de material que lêem. Apenas dois pais e uma mãe não lêem, concentrando-se

a preferência masculina pelos três tipos de material apresentado na pesquisa: livro, jornal e

revista, sendo que o jornal é lido apenas pelo pai. As mulheres, como os homens, preferem os

três tipos de material, mas apenas uma delas optou por livro. O gráfico 9 ajuda a entender

como se efetua esta distribuição quanto ao material de leitura:

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109

GRÁFICO 9 – MATERIAL DE LEITURA DOS PAIS DOS PARTICIPANTES DAPESQUISA

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

livro jornal revista jornal erevista

livro erevista

livro,jornal erevista

não lê

pai

mãe

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Os dados apresentados a seguir são relativos às crianças participantes da pesquisa a

fim de conhecer aspectos que vão desde sua gestação até a idade em que responderam ao

questionário.

Quanto à saúde dos participantes da pesquisa, todos tiveram uma gestação normal:

apenas uma mãe relatou que sua gestação foi com problemas. Exceto uma criança, que foi

extraída a fórceps, os demais tiveram um parto tranqüilo, tendo a maioria nascido por

cesariana. Os sujeitos começaram a andar entre 9 e 12 meses, sendo que a maioria

concentrou-se entre 10 e 12 meses. Quanto a este dado, todas as mães souberam informar,

entretanto nem todas lembraram quando a criança começou a falar. Das que informaram,

pôde-se observar que há uma variação entre 9 e 24 meses, ficando a maioria na faixa entre 9

e 12 meses.

Para conhecer um pouco mais os gostos e hábitos das crianças, foram levantados

dados quanto a brinquedos, histórias, televisão, rádio, vídeo, computador, jogos os quais

aparecem no gráfico que segue:

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110

GRÁFICO 10 – GOSTOS E HÁBITOS DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA

0

5

10

15

20

25

30

Gosta

de brin

car c

om outr

as cr

iança

s

Algué

m lhe c

onta hi

stória

s

Tem T

V

Tem ví

deo

Tem In

terne

t

Tem co

mpu

tador

Gosta

de brin

car s

ozin

ho

Gosta

de brin

car c

om irmão

s

Tem rá

dio

Tem jo

gos e

letrô

nicos

Tem ou

tros j

ogos

Sim

Não

Não respondeu

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Aprofundando um pouco mais estes dados, podem-se apontar como brinquedos

preferidos dos meninos videogame e bola e das meninas bola e bicicleta. Quanto ao hábito

de escutar histórias, pôde-se perceber que nem todos têm, em sua casa, alguém para contá-las

e entre os que têm o hábito de ouvir foram apontadas como histórias contadas ou lidas: Barbie

e seu casamento, O assassinato no navio da meia-noite, A casa mal assombrada, Chico Bento,

Turma da Mônica, Peter Pan, Cinderela, De quando era bebê, Do Livro de Virtudes para

Crianças, Menino Maluquinho, Pedro Malazarte. Estas também estão entre as preferidas das

crianças, mas as histórias de maior preferência são duas: Harry Potter (2 sujeitos) e as que se

referem a cavalos (2 sujeitos).

Todas as crianças têm televisão em sua casa e o número de horas em que assistem à

televisão varia de uma a sete, ficando a maioria dos sujeitos em uma média de duas a três

horas diárias. O programa favorito do grupo é desenho e a grande maioria não tem um

personagem favorito, apenas três apontaram Will Smith.

Quanto ao hábito de ouvir rádio, entre os que o têm, a freqüência é muito variada.

Quanto ao número de horas que ouvem rádio por dia, os dados são muito diversificados, mas

a maioria informou que dedica uma hora (6 respostas). Quanto ao programa preferido, houve

confusão entre programa e emissora, ficando assim distribuído: 1) Programa: Competição;

Musical; As mais pedidas; Pânico. 2) Emissora: Jovem Pan; Guararema; FM. A preferência

é por programas musicais. Sete participantes não informaram e dois não têm programa

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111

preferido. A maioria disse não ter cantor ou cantora de sua preferência, mas entre os

apontados com mais votos estão: Charle Brown Jr, Sandy e Júnior e Cássia Eller.

Apenas um sujeito não tem vídeo e os demais informaram que a freqüência semanal

com que assistem a fitas varia de uma a sete vezes, mas a maioria se concentra em uma vez

por semana. Também há sujeitos que raramente ou nunca assistem a fitas em vídeo.

Quanto ao computador, apenas um sujeito não o possui, os que o têm foram

consultados quanto à freqüência com que se conectam a Internet . Perguntados quanto a

quantas horas diárias usam Internet, as respostas tendem mais para uma freqüência semanal,

embora o maior número de respostas tenha sido em horas. Para melhor entendimento

agruparam-se as respostas: 1) Horas: 20min (1 sujeito); 30min (1 sujeito); 1h (6 sujeitos);

poucas (1 sujeito), totalizando 9 sujeitos; 2) Semanal:1 vez (1 sujeito); finais de semana (1

sujeito); 5h (1 sujeito); 2 horas (1 sujeito); 4h (1 sujeito) totalizando 4 sujeitos ; 3)

Freqüência: quando tem pesquisa (3 sujeitos); depende (1 sujeito) totalizando 4 sujeitos. A

maioria das crianças utiliza a Internet e a tendência é uso diário, seguido do semanal. A

criança que não usa disse que ainda não sabe como fazê-lo, pois faz pouco tempo que tem

microcomputador. Entretanto, todos têm acesso ao laboratório do Colégio pelo menos uma

vez por semana.

Quanto a jogos, os alunos foram questionados tanto quanto aos eletrônicos como aos

outros tipos. Quanto à freqüência diária com que brincam com jogos eletrônicos, pôde-se

perceber que, embora a informação tenha sido solicitada em horas/dia, as respostas foram

organizadas levando em conta as informações dos sujeitos: 1) Horas/dia:30min (3 sujeitos);

1h (6 sujeitos); 2h (3 sujeitos); poucas horas (2 sujeitos) totalizando 14 sujeitos; 2) Semanal:

2h/semana (1 sujeito); 1h/semana (1 sujeito); 4 vezes/semana (1 sujeito); final de semana (1

sujeito); quase todo dia (1 sujeito) totalizando 5 sujeitos; 3) outras respostas dadas cada uma

por um sujeito: depende; não tem; não usa; quase nunca; não informa. Como se percebe, é

difícil traçar um perfil, pois as respostas são as mais variadas, mas a tendência é usar

diariamente.

Quanto ao número de horas dispensadas aos outros jogos (não eletrônicos), há três

tipos de resposta: 1) por hora: 1h (4 sujeitos), 2h (4 sujeitos), 30min (1 sujeito), 10min (1

sujeito); 2) por semana: 5h (1 sujeito), 2 vezes (3 sujeitos), 2 ou 3 vezes (2 sujeitos), fim de

semana (1 sujeito); 3) freqüência: poucas horas, às vezes.

Quanto ao uso do dicionário, conforme o gráfico 11 que vem a seguir, pôde-se

observar que o espaço onde ele é mais consultado é a casa das crianças.

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GRÁFICO 11 – CONTATO DO PARTICIPANTE DA PESQUISA COM O DICIONÁRIO

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

Contato com o dicionário

escola

tarefas em casa

curiosidade emcasa

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Os últimos dados apresentam a relação entre a criança e a escola e também a partir

de que série a criança foi matriculada na escola na qual a pesquisa foi desenvolvida. Quanto à

faixa etária com que as crianças entraram para a escola, há uma variação entre um a seis anos,

mas todas passaram pela educação infantil como fica explicitado no gráfico que segue:

GRÁFICO 12 – IDADE COM QUE O PARTICIPANTE DA PESQUISA ENTROU NAEDUCAÇÃO INFANTIL

0

1

2

3

4

5

6

7

8

criança entrou para a EI

1-2 anos

2-3 anos

3-4 anos

4-5 anos

5-6 anos

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

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113

Quando as crianças ingressaram no Ensino Fundamental, nem todas elas tinham

conhecimento sobre o código escrito, o que revela um grupo heterogêneo, no qual a maioria

não sabia nem ler nem escrever. Quanto ao conhecimento sobre leitura e escritura,

encontram-se sujeitos com diferentes domínios como mostra o gráfico 13:

GRÁFICO 13 – CONHECIMENTO DO PARTICIPANTE DA PESQUISA SOBRE OCÓDIGO ESCRITO ANTES DE INGRESSAR NO ENSINOFUNDAMENTAL

0

2

4

6

8

10

12

14

conhecimento da criança sobre o código escrito

não sabia ler nemescrever

lia

lia e escrevia umpouco

lia bem e escervia umpouco

lia e escrevia bem

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

Por fim, serão apresentados os dados relativos ao momento em que a criança foi

matriculada na escola na qual a pesquisa foi desenvolvida. Percebe-se que a metade delas já

está nesta escola desde a Educação Infantil e que os demais entraram no decorrer do Ensino

Fundamental, tendo a maior parte optado pelo ingresso no primeiro ciclo. Apenas um aluno

veio para a escola na quarta série e isso se deveu ao fato de a mãe ter sido contratada como

funcionária. O gráfico 14 mostra a opção pela escola a partir de que série a fim de que possa

ter uma visualização desses dados:

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114

GRÁFICO 14 – MOMENTO EM QUE O PARTICIPANTE DA PESQUISA FOIMATRICULADO NO COLÉGIO SÃO LUIZ

0

2

4

6

8

10

12

14

Opção pela escola

Jardim de infância

1.ª série

2.ª série

3.ª série

4.ªsérie

FONTE: Dados coletados pela pesquisadora

3.4 Terceira etapa: intervenção colaborativa

3.4.1 Metodologia

Durante agosto a dezembro de 2002, aconteceu a intervenção colaborativa na sala da

quarta série A do Colégio São Luiz, grupo selecionado como experimento. A pesquisadora e

a professora optaram por dois encontros semanais, um às terças-feiras e outro às quintas-

feiras, pois nestes dias o horário era mais adequado visto que não havia outras disciplinas e,

nas quintas-feiras, era possível utilizar o laboratório de informática. Entretanto, sempre que

necessário, houve alteração no horário, pois a escola já tinha seu calendário acadêmico

definido.

O planejamento foi sempre elaborado de forma coletiva entre a professora da turma e

a pesquisadora, aproveitando-se o que já estava programado para ser trabalhado nas duas

turmas, a fim de que não houvesse diferença entre os conteúdos trabalhados na quarta série A

e na quarta série B, pois o objetivo era trabalhar metodologia diferente, não conteúdo. Foram

aproveitados os textos e exercícios da apostila e, sempre que oportuno, introduzia-se a

discussão a respeito da codificação de homófonos não homógrafos. Além disso, foram

elaborados outros tipos de atividades, incluindo os jogos. As aulas foram sempre conduzidas

pela professora da turma e a pesquisadora raramente participava, a não ser que interpelada

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115

pela professora ou pelos alunos. As aulas foram todas gravadas e depois transcritas, as

atividades, na medida do possível, foram fotografadas.

3.4.2 Instrumentos específicos para a metodologia desenvolvida na intervenção colaborativa

Durante o contato com a turma, foi realizada constante observação participante e as

aulas foram registradas em um diário de campo além de terem sido gravadas. Além disso,

realizou-se a aplicação das atividades planejadas para o ensino-aprendizagem dos homófonos

não homógrafos: jogos, dicionário de homônimos, ditado interativo e releitura focalizada.

As atividades lúdicas desenvolvidas para o ensino-aprendizagem dos homófonos

não homógrafos, como já foram descritas na seção 3.2.4, não serão retomadas nesta parte.

A partir dos jogos, como já se mencionou, foram desenvolvidas outras atividades que

visavam coletar dados para a presente tese: dicionário de homônimos, ditado interativo e

releitura focalizada.

O primeiro foi construído, à medida que as palavras foram surgindo durante as

discussões, pelos alunos que foram anotando, em um caderno especial com as letras do

alfabeto, as palavras aprendidas, sua definição e um exemplo, ambos elaborados da forma

como o aluno compreendeu a palavra. À medida que os participantes redigiam a definição e o

exemplo, a pesquisadora ia transcrevendo-os para que pudesse observar o desenvolvimento de

cada sujeito e do grupo todo, o que favoreceu o planejamento.

O ditado interativo, segundo Morais (2001, p. 77-81), é diferente de um ditado

tradicional, que cumpre geralmente apenas o papel de verificar os conhecimentos

ortográficos. Neste, é feito um novo tipo de ditado, no qual se busca ensinar ortografia,

refletindo sobre o que se está escrevendo. Dita-se à turma um texto já conhecido, no caso

desta tese, selecionado das apostilas, fazendo pausas diversas, nas quais os alunos são

convidados a focalizar e discutir certas questões ortográficas previamente selecionadas ou

levantadas durante a atividade. Outras vezes, não é feita a pausa durante o ditado e a

discussão ocorre posteriormente. Os alunos sabem que o ditado é para isso e já voltam sua

atenção para refletir sobre dificuldades ortográficas. A opção por um texto já conhecido dos

alunos, com o qual já estabeleceram uma interação apropriada, tomando-o como unidade de

sentido, permite que o ditado interativo não repita a velha tradição de usar um texto como

mero pretexto para a condução de exercícios de análise lingüística. Além disso, propicia que,

no ditado, voltem sua atenção para as palavras que o professor focaliza ou que eles mesmos

escolhem como tema de discussão.

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116

A releitura focalizada (Morais, 2001, p. 81-4) é um encaminhamento semelhante ao

do ditado interativo. Durante a releitura coletiva de um texto já conhecido, são feitas

interrupções para debater certas palavras, lançando questões sobre sua grafia. Aqui, também

é feito um trabalho de reflexão sobre as palavras de um texto já conhecido, pois usar um texto

desconhecido, para desencadear a reflexão ortográfica, seria distorcer a natureza e as

finalidades do ato de ler um texto pela primeira vez. Os textos selecionados são os que fazem

parte do material didático da turma e, com essa atividade, se pretende investir na possibilidade

de adquirir informação sobre ortografia uma vez que o aluno volta a sua atenção para o

interior das palavras.

Tanto o ditado interativo como a releitura focalizada aconteciam semanalmente, às

vezes os dois juntos na mesma semana, outras vezes apenas um ou outro. A escolha recaía

sobre a palavra a ser trabalhada naquele momento, de acordo com o planejamento, e que

pudesse estar conectada com outros tipos de atividades como os jogos, cartazes explicativos,

ilustrações, elaboração de textos explicativos tanto em pequenos grupos como

individualmente.

Para as atividades de ditado interativo e releitura focalizada, foram selecionados os

seguintes textos do material didático adotado pela escola, os quais, muitas vezes, preparavam

para o trabalho com os jogos:

Diário de Zlata, Segunda, 6-4-92 (Livro 1, p. 22-3)

Emergência (Livro 1, p.93-5)

Existe sempre a primeira vez... No espaço foi assim (Livro 1, p. 103)

Corrida espacial (Livro 1, p.119)

Gente é bicho e bicho é gente (Livro 1, p. 135)

Imagine a seguinte situação... (Livro 1, p.145)

Gíria é linguagem de quem faz segredo (Livro 1, p. 153)

Ninguém atravessa o arco-íris (Livro 2, p. 170)

Trabalhando com as idéias do texto (Livro 2, p. 195)

Cólera. O maior perigo é não tomar cuidado (Livro 2, p. 221)

Nebacetin (Livro 2, p. 235-6)

Dê sua opinião (Livro 2, p. 279)

Programe-se (Livro 2, p. 280)

Além do material dos dois livros adotados, ainda foi trabalhado o folheto de

divulgação da revista Nosso Amiguinho e a notícia de jornal: “Cavalos ganham fraldão e

placa”.

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117

Ao final de todas as atividades, os alunos produziram um livro a partir da leitura que

tinham feito da obra de Eva Furnari, Não confunda. Os alunos exploraram individualmente

um par de homófonos não homógrafos a fim de que o leitor pudesse não confundir as duas

palavras.

3.4.3 Resultados

Tendo em vista a grande produção de material nesta fase, será feito um recorte dos

dados a fim de ilustrar como foram desenvolvidas as aulas neste período. A análise será

qualitativa tendo como fonte de consulta tanto a produção escrita dos alunos, a partir das

atividades planejadas, como as falas gravadas durante as aulas para que se possa perceber

como foi ocorrendo a reflexão dos participantes a respeito dos homófonos não homógrafos da

mesma classe gramatical.

3.5 Quarta etapa: comparação entre o Grupo Experimento e o Grupo Controle

3.5.1 Metodologia

Em dezembro de 2002, após o término dos trabalhos junto ao Grupo Experimento,

foi agendada a aplicação do pós-teste a fim de se obterem dados que pudessem mostrar se

houve ou não diferenças entre os dois grupos tanto quanto à maneira de grafar os homógrafos

não homógrafos como quanto à elaboração da justificativa.

3.5.2 Instrumentos de coleta de dados e sua aplicação

O pós-teste foi uma reaplicação do pré-teste, por isso teve o mesmo objetivo:

verificar tanto a forma como os sujeitos grafam os homófonos não homógrafos como a

construção de explicação para a grafia das palavras, bem como se houve elo entre a grafia e a

justificativa. Foi aplicado no grupo experimento e no controle em igual situação, em horário

previamente acordado com a professora para que os sujeitos tivessem tempo suficiente para a

elaboração do mesmo. A pesquisadora fez a leitura da frase e, no espaço em branco, ditou a

palavra que deveria ser grafada pelos sujeitos. Repetiu a frase para que pudessem verificar

sua resposta. Feito isso, cada sujeito redigiu uma explicação e, somente depois que todos

terminaram, a pesquisadora passou para a leitura da frase seguinte.

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118

3.5.3 Resultados

O pós-teste, que será analisado e discutido na última seção da análise e discussão dos

dados, teve estes últimos divididos em dois grupos: um relacionado ao número de acertos e

outro quanto às justificativas produzidas pelos sujeitos, seguindo os mesmos moldes do pré-

teste. Além disso, observou-se se houve coerência entre a grafia e a justificativa elaborada

pelo sujeito.

Os números de acertos também foram submetidos ao teste quiquadrado a fim de se

analisar a significância estatística. Além disso, os tipos de acertos e erros foram

categorizados a fim de que se pudesse estabelecer um perfil dos sujeitos participantes quanto

à forma como grafaram a palavra ditada. Partindo das palavras grafadas, foram levantadas

seis categorias: 1) correta; 2) homófonos; 3) NILO (não internalizada no léxico ortográfico);

4) RNI (regra não internalizada) que se refere aos problemas de codificação; 5) problemas

maiores (que se referem à sintaxe ou percepção); 6) escreve como fala. Como se pode

observar, as categorias são as mesmas do pré-teste.

Também nesta etapa, em cima dos dados da categoria 1, levando-se em conta todas

as 20 palavras ditadas, aplicou-se a estatística descritiva, que forneceu dados como média,

mediana, moda, desvio padrão e número mínimo e máximo de acertos, e analisou-se o quartil.

A análise destes dados visa tanto complementar os resultados alcançados pelo teste

quiquadrado como estabelecer comparação entre o pré-teste e o pós-teste a fim de observar se

houve ou não diferenças significativas entre os dois grupos.

As justificativas produzidas pelos sujeitos também foram agrupadas em categorias a

partir da leitura de todas elas, perfazendo um total de catorze:

1. conhecimento do sentido

a. relação significado/grafia

b. atribuição do sentido a partir do contexto

2. conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil

3. derivação [cognato]

4. freqüência de uso

a. de exposição (leitura)

b. de escrita

5. conhecimento prévio da palavra

a. com justificativa

b. sem justificativa

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119

6. relação som versus leitura e escrita

7. dúvida na grafia

a. explicitação da dúvida

b. não explicitação da dúvida

8. desconhecimento da palavra

9. não compreensão da diferença entre homófonos não homógrafos

10. má internalização das regras grafêmico-fonológicas

11. ausência de explicação

12. estratégia de preenchimento

13. achismo

14. não sabe redigir a resposta

Quanto às justificativas, além do tratamento qualitativo, aplicou-se o teste

quiquadrado a fim de se verificar a significância estatística da freqüência das justificativas

consideradas boas e inadequadas. Este teste também foi aplicado nas respostas consideradas

produzidas com elo pelo sujeitos para que se pudesse detectar se houve ou não diferença entre

os dados do pré e do pós-teste.

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120

4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

O objetivo geral deste estudo foi identificar e analisar as dificuldades que estão

presentes em alunos de quarta série, quando precisam grafar e explicar homófonos não

homógrafos, em particular, da mesma classe gramatical. Cinqüenta sujeitos participaram

desta investigação divididos em dois grupos conforme apresentado no capítulo anterior. Os

dados obtidos para a análise foram coletados através de testes aplicados no início e no final da

pesquisa bem como através dos instrumentos elaborados para o ensino e a aprendizagem dos

homófonos não homógrafos, os quais também foram descritos no capítulo anterior.

Os dados do pré e do pós-teste foram analisados quantitativa e qualitativamente. A

análise quantitativa foi feita com base no número de acertos na grafia das palavras e nas

diferentes maneiras de grafar as palavras. As justificativas sofreram, além de uma análise

quantitativa, uma qualitativa especialmente para se observar a maneira como os sujeitos

redigiram suas respostas.

Para verificar a significância estatística de dados de freqüência, aplicou-se o teste

quiquadrado nas seguintes situações: número de acertos do pré e do pós-teste; categorias boas

e más das justificativas no pós-teste e freqüência de respostas produzidas com elo no pós-

teste. Além disso, procedeu-se a uma análise de estatística descritiva a fim de se levantarem

a média, mediana, moda, desvio padrão e número mínimo e máximo de acertos dos dados

referentes às grafias corretas produzidas no pré e no pós-teste. Também foi realizada a

análise do quartil que mostrou qual foi o desempenho, no pós-teste, dos sujeitos do grupo

experimento com maior dificuldade no pré-teste.

Já os dados coletados durante a intervenção colaborativa foram analisados

qualitativamente, levando-se em conta especialmente as falas dos sujeitos, pois o objetivo é

mostrar como foi o processo de ensino e de aprendizagem dos homófonos não homógrafos no

grupo em que as atividades e discussões foram promovidas. Apenas os resultados de alguns

momentos dos jogos foram analisados quantitativamente, mas não sofreram tratamento

estatístico.

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121

4.1 O que mostram os dados do pré-teste

O objetivo inicial, ao aplicar o pré-teste, era verificar se as duas turmas de quarta

série apresentavam diferenças significativas entre si quanto à forma como grafavam os

homófonos não homógrafos de mesma classe gramatical.

O pré-teste, como se explicou no capítulo anterior, foi elaborado levando-se em

consideração o material didático utilizado pela turma do qual foram retirados pequenos textos

nos quais havia a presença de homófonos não homógrafos. O referido instrumento de coleta

de dados foi organizado com base no ditado interativo, ou seja, o pesquisador ditava uma

palavra ausente no texto e o sujeito a escrevia e, posteriormente, justificava sua escolha. Ao

todo, foram 20 palavras para serem grafadas e justificadas, tendo-se, então, 500 respostas

quanto à grafia e 500 justificativas de cada grupo.

Primeiramente serão apresentados os resultados quanto ao número de acertos. Em

cima destes dados levantados no pré-teste, aplicou-se o teste quiquadrado. Este tipo de teste

trabalha com duas hipóteses, o que possibilita comparar dois ou mais grupos para verificar se

são ou não diferentes. Inicialmente têm-se as hipóteses do teste: Ho (inicial) e H1

(alternativa). Para a presente pesquisa, as hipóteses foram assim formuladas: 1) Ho: Não há

diferença significativa entre as turmas; 2) H1: Há diferenças significativas entre as turmas. A

partir dos dados da tabela 6, procedeu-se ao teste Quiquadrado.

TABELA 6 – NÚMERO DE ACERTOS DOS SUJEITOS DOS DOIS GRUPOS NO PRÉ ENO PÓS-TESTE

Pré-teste Pós-teste Total

GE 304 405 709

GC 303 305 608

Total 607 710 1317

FONTE: Dados da pesquisadora

Analisando os dados do pré-teste, foi possível chegar às duas distâncias exigidas por

esse tipo de teste, o X²cal = 4,66 e o X²tab = 30,144 com um nível de significância indicado

por = 5%. Portanto, o quiquadrado calculado ficou abaixo, 4,66 é menor que 30,

conservando-se na região de aceitação do teste, ou seja, a distância entre o quiquadrado

calculado e o tabelado é bem expressiva, ficando bem abaixo do valor tabelado. O calculado

poderia ir até trinta para ainda se considerar Ho como correta. Como nem a 30% ele vai dar

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122

diferença, é altamente significativo. O teste leva à conclusão de que não há diferenças

significativas entre os dois grupos, ou seja, se aceita Ho.

Além de serem analisadas quanto ao número de acertos, as palavras ditadas também

foram categorizadas quanto às diferentes maneiras de serem grafadas. As respostas foram

agrupadas em seis categorias:

1) correta: o sujeito grafou a palavra corretamente;

2) homófonos: o sujeito grafou o homófono da palavra levando em consideração

apenas o som ditado ;

3) NILO (não internalizada no léxico ortográfico): o sujeito grafou a palavra de uma

forma que não existe na língua portuguesa: isso se deve à pouca leitura;

4) RNI (regra não internalizada): o sujeito grafou a palavra incorretamente por não

conhecer as regras de codificação;

5) PM (problemas maiores): o sujeito grafou a palavra incorretamente revelando

problemas de sintaxe ou de percepção;

6) ECF (escreve como fala): o sujeito grafou a palavra como a fala, mostrando não

estabelecer distinção entre fala e escrita.

Os gráficos que seguem mostram como o GE e o GC grafaram as palavras:

GRÁFICO 15 - CATEGORIAS QUANTO À MANEIRA DE GRAFAR A PALAVRADITADA NO PRÉ-TESTE – GE

0

50

100

150

200

250

300

350

maneiras de grafar

pala

vras

CORRETA

HOMÓFONO

NILO

RNI

PM

ECF

FONTE: dados da pesquisadora

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123

GRÁFICO 16 - CATEGORIAS QUANTO À MANEIRA DE GRAFAR A PALAVRADITADA NO PRÉ-TESTE – GC

0

50

100

150

200

250

300

350

maneiras de grafar

pala

vras

CORRETA

HOMÓFONO

NILO

RNI

PM

ECF

FONTE: dados da pesquisadora

Comparando os gráficos 15 e 16, é possível novamente observar como os dois

grupos são parecidos quando analisadas as demais categorias. Os dados mostram que mais da

metade das respostas, 60,8% no GE e 60,6% no GC, pertencem à categoria 1. As palavras

com maior número de acerto (acima de 20) foram: cavalheiro, espiada, esperto, passo, russa,

cena em ambos os grupos e espectadores com 20 acertos no GE.

A maior dificuldade se encontra na categoria 2, uma vez que a palavra ditada está

testando um contexto competitivo. Os homófonos que apareceram mais vezes, em ambos os

grupos, foram: acentos, conserto e fraudar. A maneira de grafar o último se deve ao fato de o

“u” refletir melhor a pronúncia, uma vez que o aprendiz tende a uma escrita que se aproxime

da forma como fala. A dúvida entre os homófonos não homógrafos aponta para a

necessidade de um trabalho em sala de aula que auxilie o aluno a resolver esse tipo de dúvida

valendo-se do contexto e/ou da construção do sentido do vocábulo.

Já as demais categorias aparecem em menor número e podem ser compreendidas se

o processo de alfabetização desses sujeitos for levado em conta. A categoria 3 é resultante de

pouca leitura, ou seja, as palavras testadas não fazem parte do conhecimento prévio dos

sujeitos ou eles as encontram muito pouco em textos. Por exemplo, a palavra ditada despensa

foi grafada como despença e esta grafia não existe. O aluno escreveu a palavra assim porque:

1) é possível, pois é um contexto competitivo, embora a palavra não exista; 2) o sujeito não

tem no seu léxico ortográfico a palavra “despensa”.

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A categoria 4 aponta para problemas de codificação, especialmente no que se refere

às regras de correspondência fonológico-grafêmica que não foram trabalhadas ainda com os

alunos. Já na bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de Scliar-Cabral,

problemas relativos ao desconhecimento das regras de codificação se fizeram sentir, mas não

os mesmos identificados no pré-teste. Neste, verificou-se que as seguintes regras não foram

internalizadas: 1) “as realizações do fonema /s/ podem se reescrever “ss”, “c”, ou “sc” [...],

entre vogal oral e vogal não posterior oral ou nasalizada, ou semivogal não posterior,...”

(Scliar-Cabral, 2003a, p. 153-4), ou seja, os sujeitos de ambos os grupos grafaram: asende,

asentos; 2) “a realização do fonema /s/ [...] entre vogal oral e vogal posterior oral ou

nasalizada que não a [+alta], posteriores, [...] pode se escrever com os grafemas “ss”, “ç” (op.

cit., p. 155). São exemplos do desconhecimento da regra em ambos os grupos: paso, rusa,

sesões, descrisão. 3) “A realização do fonema /s/ em posição inicial de sílaba, entre vogal

nasalizada e vogal oral ou nasalizada ou semivogal não posteriores [...] pode se reescrever

“s”, “c” ou “sc” (op. cit., p. 156). Em ambos os grupos, apareceu apenas a grafia consserto. 4)

“a realização do fonema /s/ pode ser codificada seja pelo grafema “s” ou “ç” em início de

sílaba entre vogal nasalizada e vogal oral ou vogal nasalizada posteriores[...] ou entre /ẽ/ e a

semivogal posterior /w/” (op. cit., p. 156), como não aconteceu em: intenssão, dispenssa e

despenssa. 5) “A nasalização da vogal, em final de sílaba não final de vocábulo, antes das

consoantes [+ant, -cor] /p/ e /b/ que iniciem sílaba seguinte é codificada pela letra “m”; antes

das demais consoantes, a nasalização é assinalada pela letra “n”. Nesta situação, pois, as letras

“m” e “n” têm o mesmo valor que o til” (op. cit., p. 147-8). Exemplos dessa natureza foram

encontrados apenas no GC: comserto, cunprimento. Interessante observar que o fonema que

mais provocou problemas, nesta categoria, foi o /s/ justamente por sua codificação estar entre

os contextos competitivos, sendo este um dos que apresentam maior dificuldade para os

aprendizes da norma ortográfica.

Por outro lado, as categorias 5 e 6 apontam para problemas mais sérios, mas que não

serão discutidos pois aparecem em número reduzido: 2,0% no GE e 5,2% no GC.

Ainda analisando as diferentes maneiras que os sujeitos dos dois grupos

apresentaram para grafar as palavras ditadas, pode-se perceber que em algumas delas há a

presença de várias das categorias, mostrando que os sujeitos levantaram várias hipóteses de

grafia, como ocorreu em: acende, assentos, sessões, descrição, despensa tanto no GE como no

GC conforme detalham os gráficos 17 e 18. Há algumas diferenças entre os grupos, por

exemplo, no GE também a palavra discriminação apareceu com várias hipóteses de grafia e,

no GC, apareceram também as palavras: conserte, russa e cumprimentos. Nos gráficos, pode-

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125

se também observar que palavras aparecem com correção, conforme se mencionou

anteriormente, e que homófonos competem na grafia: assentos, sessões, concerto, fraldar são

os que apareceram com maior freqüência que a palavra ditada em ambos os grupos. Apenas

há uma diferença neste aspecto, é quanto à palavra ditada cauda que, no GE, aparece com as

grafias cauda e calda praticamente parelhas, o que não aconteceu no GC no qual a grafia

cauda foi privilegiada como mostra o gráfico 18. Em casos onde há competição entre grafar

com “u” ou com “l”, é preciso entender que acontece a neutralização da realização de /l/ em

favor da semivogal /w/, o que provoca uma homofonia. Esta homofonia é muito mais recente

que as outras, cuja grafia demonstra que nalgum momento não eram homófonas.

GRÁFICO 17 – DIFERENTES MANEIRAS DE GRAFAR AS PALAVRAS DITADAS NOPRÉ-TESTE PELO GE

0

5

10

15

20

25

30

conse

rte

acen

de

asse

ntos cena

passo

russ

a

sess

ões

conce

rto

inten

ção

espec

tador

es

espert

o

espiad

a

cozid

osca

uda

frald

ar

descri

ção

despe

nsa

cum

prim

ento

s

cava

lheir

o

discrim

inaç

ão

palavras d itadas

freq

üênc

ia

CORRETA

HOMÓFONOS

NILO

RNI

PM

ECF

FONTE: dados da pesquisadora

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GRÁFICO 18 - DIFERENTES MANEIRAS DE GRAFAR AS PALAVRAS DITADAS NOPRÉ-TESTE PELO GC

0

5

10

15

20

25

30

conse

rte

acen

de

asse

ntos cena

passo

russ

a

sess

ões

conce

rto

inten

ção

espec

tador

es

espert

o

espiad

a

cozid

osca

uda

frald

ar

descri

ção

despe

nsa

cum

prim

ento

s

cava

lheir

o

discrim

inaç

ão

palavras d itadas

freq

üênc

ia

CORRETA

HOMÓFONOS

NILO

RNI

PM

ECF

FONTE: dados da pesquisadora

Em cima dos dados da categoria 1 de cada palavra ditada, aplicou-se a estatística

descritiva que forneceu dados como: média, mediana, moda, desvio padrão e número mínimo

e máximo de acertos. Comparando o número de respostas corretas entre o GE e o GC,

verificou-se que houve equilíbrio entre eles, uma vez que: a média ficou em torno de 15,2; a

mediana ficou em torno de 16 acertos; a moda ficou em 15 acertos para o GE e 17 para o GC;

o desvio padrão foi 6,7 em ambos os grupos; o número mínimo de acertos foi 4 no GE e 3 no

GC e, por fim, o número máximo de acertos ficou em 25 no GE e 24 no GC. Estes dados

ratificam a conclusão apresentada no teste quiquadrado, ou seja, os dois grupos não

apresentam diferenças significativas entre si.

Passe-se agora à análise das justificativas elaboradas pelos sujeitos, as quais foram

agrupadas em catorze categorias, apresentadas a seguir acompanhadas de exemplo18 a fim de

esclarecer como os sujeitos formularam sua resposta:

1. Conhecimento do sentido: o sujeito justifica a grafia valendo-se do sentido. Ele

o faz de duas formas: 1) estabelecendo relação significado e grafia: Porque concerto com s

ficaria conserto de carro. Ou ao contrário; 2) atribuindo o sentido a partir do contexto: eu

acho que é porque eles foram escravos, no caso da palavra discriminação.

18 Respeitou-se a forma como o sujeito produziu a resposta.

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2. Conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil: o

sujeito explica a grafia da palavra através de regra de codificação que aprendeu em seu

processo de alfabetização. Porque a letra M vai antes de P e B e N vai na frente das outras

letras.

3. Derivação: o sujeito se vale do conhecimento de cognatos da palavra ditada para

explicar a forma como grafou. Cozinha é com z então cozido também.

4. Freqüência de uso: o sujeito justifica sua resposta através da freqüência: 1) de

exposição, ou seja, está acostumado a ler e falar a palavra; 2) de escrita. Porque quase todo

dia eu falo esta palavra; Eu estou acostumado a escrever esta palavra.

5. Conhecimento prévio da palavra: como o sujeito, devido à leitura, já tem em seu

léxico mental a palavra ditada, justifica a grafia pelo seu conhecimento da palavra tanto

dizendo como a conheceu como sem apresentar este aspecto. Porque eu já vi esta palavra em

livros; aprendi lendo ou Já vi antes esta palavra.

6. Relação som versus leitura e escrita: o sujeito explica a forma de grafar a palavra

valendo-se do som que ouviu no ditado ou pelo produzido pelo sujeito quando lê.

Escreveram passo com dois esse porque se não ele vai ficar com som esquisito. Porque

quando eu leio aparece um som e eu acho que é aquele.

7. Dúvida na grafia: o sujeito revela, em sua justificativa, que teve dúvida em

grafar a palavra, às vezes a dúvida aparece explícita outras não. Ou cosido não sei; Em

dúvida se assim que se escreve.

8. Desconhecimento da palavra: pelo fato de a palavra não ser conhecida do sujeito,

ele não consegue produzir uma justificativa que não a do desconhecimento. Nunca vi.

9. Não compreensão da diferença entre homófonos não homógrafos: o sujeito não

entende a diferença entre os homófonos não homógrafos, pois não vê a diferença de sentido. E

a mesma coisa que cavalheiro que monta em cavalo.

10. Má internalização das regras grafêmico-fonológicas: o sujeito, por não ter

aprendido com adequação os princípios do sistema alfabético, revela essa incompreensão na

justificativa que apresenta. Porque nunca pode S antes de n.

11. Ausência de explicação: o sujeito não sabe ou não consegue explicar a razão pela

qual grafou a palavra ditada daquele modo. Não sei explicar

12. Estratégia de preenchimento: o sujeito não sabe redigir a resposta, mas para não

deixar o espaço vazio, redige uma resposta que não explica a razão da grafia. Acento com c.

13. Achismo: o sujeito, por não ter uma explicação para a grafia produzida, diz que

a grafou daquele modo por achar que era o correto. Eu acho que é assim.

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14. Não sabe redigir a resposta: o sujeito explica a frase na qual a palavra ditada se

encaixa ou outro aspecto da palavra ditada. Cauda com c porque não dá para substituir o c.

Como foi esclarecido na metodologia, as categorias foram agrupadas em dois blocos,

sendo o primeiro das boas justificativas (1 a 7) pois conseguem explicar a razão de o sujeito

ter grafado a palavra daquela maneira; o outro bloco, que inclui as justificativas de 8 a 14, é o

das consideradas más ou inadequadas. Partindo dessa divisão, pôde-se observar que os

grupos não apresentam uma disparidade quanto ao número de justificativas boas e más, ou

seja, o GE apresentou 236 justificativas boas (47,2%) e 264 más (52,8%) e o GC: 180

justificativas boas (36%) e 320 más (64%).

Comparando as duas turmas, conforme se pode observar no gráfico 19, é possível

perceber quais as categorias que são mais expressivas.

GRÁFICO 19 – COMPARAÇÃO ENTRE AS JUSTIFICATIVAS DADAS PELOS DOISGRUPOS NO PRÉ-TESTE

020

406080

100120140

160180

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14

categorias justificativas

núm

ero

de ju

stif

icat

ivas

GE

GC

FONTE: dados da pesquisadora

A categoria com maior número de ocorrências foi a 11 (ausência de explicação): a

concentração de ocorrências nesta categoria revela a dificuldade que os sujeitos apresentam

em justificar a sua resposta, especialmente se se levar em consideração que 34% das respostas

do GE, as quais foram produzidas por 24 sujeitos, e 31,8% das do GC, produzidas por 23

sujeitos, apresentam ausência de explicação. Há sujeitos que quase não conseguem justificar

nenhuma das palavras ditadas, como ocorreu com os sujeitos 18 e 24 do GE: das 20

justificativas, 18 e 17, respectivamente, se encaixam nesta categoria. No GC, este tipo de

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129

situação também se faz presente, mas a freqüência é menor, sendo que o máximo de respostas

foi produzido pelo Sujeito 6 (14 justificativas), seguido dos sujeitos 7 e 21 com 13 respostas

que se encaixam nesta categoria. A forma de produzir a resposta é semelhante entre os grupos

e vai desde um simples Não sei, que é a forma mais utilizada, até uma justificativa que mostra

a dificuldade e a presença dos dois homófonos: Não sei explicar porque pode ser cosidos ou

cozidos, entretanto, este tipo de resposta é raro entre os sujeitos.

Outra categoria que aparece quase igualmente nos dois grupos é a 7 (dúvida na

grafia), que aponta para hipóteses diferentes de se grafar a palavra ditada que levam o sujeito

a não saber qual se encaixa naquele contexto. Alguns sujeitos inclusive explicitam qual a

dúvida existente, mostrando que têm, em seu léxico mental ortográfico, os dois homófonos

não homógrafos, por exemplo, tive dúvida entre sessões ou seções ou Tive dúvidas, porque

tem a palavra cavaleiro e cavalheiro; já outros explicitam a dúvida, mas não sugerem uma

grafia incorreta para desambiguar a homofonia como mostra este exemplo: Eu tive dúvida se

era com sc ou com c depois de grafar acentos. Casos como este último mostram que o sujeito

não tem os dois homófonos não homógrafos contíguos em seu léxico mental ortográfico.

Outros sujeitos dizem ter dúvida, mas não explicitam em que aspecto.

Outras três categorias que aparecem em maior número nos dois grupos, mas com

freqüência diferente em cada um, são a 5, a 14 e a 13.

Os sujeitos também se valem do conhecimento prévio da palavra, que está em seu

léxico mental ortográfico, devido às atividades relacionadas ao ensino e à aprendizagem do

sistema escrito para explicarem a forma como grafaram a palavra. No GE, 24% das

justificativas estão concentradas nesta categoria, que é a segunda mais escolhida pelos sujeitos

para expressar a razão pela qual optaram por grafar a palavra, como mostram estes exemplos:

Veio na minha cabeça que era assim; Por causa que eu vejo em revistas e outras coisas;

Com s porque já vi escrito assim; Eu sei que é com ss porque eu vi nos catálogos da copa. Já,

no GC, é bem menor o número de sujeitos que optaram por esta categoria que aparece com

8,2% entre as justificativas, sendo a sexta na ordem das escolhas feitas por esse grupo.

Alguns exemplos indicam a maneira como a justificativa foi redigida: porque só conheço

Russa com ss; Porque eu já vi escrito em um livro; Porque na história da Eslata estava

escrito assim; Já vi esta palavra e se escreve assim. Comparando os dois grupos, pode-se

perceber que, quanto ao percentual, os dois grupos diferem nesta categoria; mas a forma de

redigir a justificativa é parecida, pois os sujeitos se baseiam nas formas como viram a palavra

escrita para grafar a palavra ditada.

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130

A categoria 14 (não sabe redigir a resposta) também aparece com um percentual bem

diferente entre os dois grupos: no GE, chega a 8% e, no GC, atinge 18,4%, sendo que este tem

mais do que o dobro de respostas e esta categoria é a segunda mais usada por esses sujeitos.

Já, no GE, ela aparece em quarta posição. Os exemplos que seguem, os três primeiros do GE

e os demais do GC, mostram a maneira como os sujeitos tentam justificar: Eu escrevi com 2 s

por que...; é com c não tem explicação; Porque fraudar tem acrescentado um r; porque se

aplica melhor a fraze; porque a regra diz que tem de ser escrito com C; porque assendeu a

luz (asendeu) para ficar mais completo assender a luz. Novamente a forma de redigir as

respostas se aproxima e os sujeitos se concentram em dois aspectos: a letra escolhida para

representar um dos fonemas da palavra ditada, o que não está necessariamente relacionado ao

contexto competitivo; a explicação da frase ou de uma palavra presente naquele contexto. Há

sujeitos que concentram suas justificativas nesta categoria, como aconteceu com o Sujeito 5

do GE: das 20 justificativas, 11 são desta categoria, seguido pelo Sujeito 8 que também tem 9

justificativas. Entretanto, é no GC, que aparecem os sujeitos que mais se encaixam nesta

categoria: o sujeito 8 apresentou 17 justificativas e os sujeitos 12 e 24 apresentaram 13

justificativas.

A categoria 13 (achismo) aparece em 6,6% das respostas produzidas por 10 dos

sujeitos do GE, ocupando a quinta posição entre as justificativas. No GC, o número de

respostas é um pouco maior, perfazendo 10,2% das respostas dadas por 9 dos sujeitos, sendo a

terceira justificativa mais usada pelo grupo. Nesta categoria, a forma de redigir as

justificativas se aproxima bastante nos dois grupos, chegando até mesmo a se repetir a

maneira como formularam a resposta. Como se pode ver nos exemplos, os sujeitos não têm

uma explicação clara para a grafia, por isso expressam a sua incerteza. No GE, aparecem

respostas como: Eu acho que é isso; Eu acho que é assim que se escreve; e, no GC: Porque eu

acho que a palavra é escrita dessa forma; Eu escrevi assim porque acho que se escreve

assim. Pode-se observar que mais da metade dos sujeitos dos dois grupos não se basearam

nesta categoria para justificar a sua forma de grafar a palavra, mas a presença desse tipo de

justificativa, assim como a dificuldade de redigir a resposta, presente na categoria anterior, e a

ausência de explicação (categoria 11) apontam para a dificuldade que os sujeitos apresentam

em raciocinar sobre a sua forma de codificar as palavras. Este aspecto será ainda mais

detalhado quando se discutir a relação entre grafia e justificativa, mas a partir daqui tal fato já

vem consignado.

O conhecimento o semântico, aspecto necessário para se fazer a distinção entre os

homófonos não homógrafos da mesma classe gramatical, presente na categoria 1, aparece de

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131

forma bem diferente nos dois grupos. No GE, apenas 6 sujeitos se valeram desse

conhecimento para produzir sua justificativa, sendo que o utilizaram, na maioria, apenas uma

vez, totalizando 1,8% das respostas presentes nesta categoria. Já, no GC, 12 sujeitos

justificaram a forma de grafar dentro dessa categoria, perfazendo 8,6% das respostas. Dois

sujeitos, o 5 e o 11, valeram-se do conhecimento do significado em 9 de suas justificativas e

os demais ficaram na média de 2,5 respostas. Ao produzirem as justificativas, os sujeitos

expressaram esse conhecimento de duas formas: a) pela relação entre o significado e a grafia,

por exemplo: cavaleiro é quem monta no cavalo; fraudar com u é roubar. b) pela atribuição

do sentido a partir do contexto: Porque deu para ver, naquela parte pedindo a Deus, que daí

eu pensei que fosse conserte ou arumase; (passo) O primeiro homem a pisar na Lua... Neste

último exemplo, o sujeito usou uma parte do texto para justificar sua forma de grafar a

palavra. Os dados levantados apontam para a necessidade de um trabalho que leve o aprendiz

do sistema escrito a observar também a construção do sentido como um fator discriminante na

codificação de palavras cujo contexto é competitivo.

A categoria 3, cuja justificativa é feita com base no conhecimento de outra palavra da

mesma família, ou seja, um cognato, aparece entre 22 das respostas do GE, as quais foram

produzidas por 9 sujeitos, sendo que o Sujeito 23 a utilizou 7 vezes, mostrando um

conhecimento diferenciado em relação aos demais sujeitos do grupo que, ou não observaram a

derivação, ou observaram-na em poucas palavras, chegando a uma média de 2,0. Já no GC, é

bem menor o número de respostas dadas a partir do conhecimento dos cognatos. São 10

justificativas produzidas por 5 sujeitos, sendo que 4 são do Sujeito 16 e 3 do Sujeito 18; os

demais a utilizaram apenas uma vez. Os exemplos que seguem mostram como o

conhecimento morfológico foi usado para explicar a forma de grafar a palavra: Por causa que

é só pensar no país Rússia; Eu escrevi assim porque vem da palavra consertar; vem da

palavra fraldário e dá para escrever a palavra; Eu sei que se escreve assim porque essa

palavra vem de espiar; porque eu me lembro da palavra cozinha que é parecida. Analisando

as palavras ditadas, a que recebeu o maior número de justificativas, nesta categoria, foi

“russa”, talvez porque, na época, a copa do mundo estava sendo vivenciada pelos sujeitos e

eles tinham contato com esse tema, seja pelas tabelas que foram distribuídas, seja pelos

trabalhos que estavam desenvolvendo em sala que exigia que fossem feitas pesquisas sobre o

tema para serem socializadas em classe.

Outra categoria que aparece com freqüência bem próxima nos dois grupos é a 6, que

diz respeito à relação entre som, leitura e escrita ficando em 3,2% entre os sujeitos do GE e

em 3,8%, do GC. Entre os sujeitos do primeiro grupo, 8 fizeram uso dessa categoria sendo

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que, das 16 respostas, 6 foram produzidas pelo Sujeito 23 e 4 pelo Sujeito 25. O segundo

grupo não difere neste aspecto, pois foram 9 sujeitos que produziram as 19 respostas, sendo 5

delas elaboradas pelo Sujeito 7 e as demais ficaram em média de 1,87 por sujeito. Os

sujeitos, ao produzirem a justificativa, se expressaram da forma como mostram os exemplos:

Porque tem som de s no e(s)perto; porque ç faz o som de ss por isso a pessoa se engana; eu

escrevi a palavra assim porque eu acho que se escreve como se lê; porque eu pronunciei a

frase. Em poucos casos, o sujeito aponta para o contexto competitivo, a maioria apenas faz a

relação entre a maneira que fala e como é feita a leitura e a escrita da palavra ditada.

Relacionando a categoria ECF (escreve como fala) que diz respeito às maneiras de grafar as

palavras e esta categoria, pode-se observar que não há relação: apenas um sujeito, em sua

justificativa disse: Tive dúvida na pronúncia, o que mostra mais a dúvida do que a relação

entre a escrita e a fala.

O conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil,

categoria 2, é mais freqüente no GE que no GC. Neste, são 6 justificativas produzidas por 4

sujeitos; naquele, as 13 respostas foram elaboradas por 8 sujeitos, sendo que o Sujeito 13 é

responsável por 4 delas e o Sujeito 10 por 3 delas, os demais se valeram do conhecimento dos

princípios do sistema alfabético do português do Brasil apenas uma vez. Levando em

consideração que os sujeitos se encontram no final do segundo ciclo do Ensino Fundamental,

é relativamente pequeno o número de respostas nesta categoria, revelando a necessidade de

que os princípios sejam trabalhados em sala de aula a fim de levar os aprendizes à

compreensão das regras de descodificação e as de codificação, as quais estão no objeto de

investigação desta tese. Entre as justificativas, encontram-se alguns exemplos referentes à

descodificação: Porque o x tem vários sons e um deles é o s; Porque se se escrevesse essa

palavra com s ficaria asende, (o s com som de z); e outros que explicam a codificação:

Porque nunca se começa com ç; Temos que colocar só um s porque é começo não pode

começar palavra com dois ss. Dentre as regras de codificação, a que aparece com mais

freqüência é a do uso de m antes de p e b.

A categoria 9 (não compreensão da diferença entre homófonos não homógrafos)

assemelha-se à categoria anterior quanto à freqüência nos dois grupos. Não são muitos os

sujeitos que confundem letra com som, que não conseguem ter clareza da diferença entre os

homófonos. No GE, as 11 respostas foram produzidas por 7 dos sujeitos perfazendo uma

média de 1,57. No GC, esta categoria aparece em menor freqüência sendo que as 6

justificativas foram elaboradas por apenas 4 sujeitos, sendo o Sujeito 5 responsável pela

metade delas e os demais a empregaram apenas uma vez. A não compreensão da diferença

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entre os homófonos não homógrafos aparece em exemplos como: E a mesma coisa que

comprimentos da pessoa; E a mesma coisa que cavalheiro que monta em cavalo;

cumprimentos podia se no sentido de medida. Entre as palavras ditadas, as duas que mais

aparecem, nesta categoria, são cavalheiro e cumprimento. Interessante ressaltar que a última

já havia sido trabalhada em sala de aula, mas apenas de forma expositiva, ou seja, a professora

apresentou o conteúdo.

A penúltima categoria presente nos dois grupos é a 4 (freqüência de uso), seja pela

exposição à palavra, seja pela escrita dela. Tanto as justificativas elencadas dentro desta

categoria como as da 5, que se baseia no conhecimento prévio, sugerem como o sujeito

adquiriu a palavra, mas não chegam à essência do problema que é saber justificar por que

duas palavras têm significados diferentes embora o significante seja idêntico e a grafia

diferente. São poucos os sujeitos que justificaram a maneira de grafar levando em conta a

freqüência de uso. No GE, 5 sujeitos produziram as 6 respostas, perfazendo uma média de

1,2 respostas por sujeito. No GC, não há muita diferença, pois foram 7 respostas produzidas

por 4 sujeitos; entretanto, o Sujeito 18 foi o que mais a utilizou (4 respostas) e os demais a

utilizaram apenas uma vez. Quanto à freqüência, Garman (1990, p. 255-7), ao discutir o

efeito da freqüência, afirma que a freqüência de uso entre uma e outra palavra difere e

apresenta várias pesquisas que evidenciam que palavras de freqüência mais alta são acessadas

mais rápido que as de baixa freqüência.

A categoria 12 é a última presente nos dois grupos. São poucos os sujeitos que se

valem da estratégia de preenchimento, sendo três no GE que produziram 6 justificativas,

ficando 4 delas no teste de um único sujeito. No GC, foram 3 justificativas elaboradas por 3

sujeitos. Os dados revelam que preencher o espaço destinado à justificativa apenas para não

deixá-lo em branco não é comum entre os sujeitos, mas, quando o fazem, aparecem como

nestes exemplos: dormir na despensa; cavalheiro com lh. As respostas inclusas nesta

categoria se aproximam da categoria 14 (não sabe redigir a resposta), uma vez que em ambas

os sujeitos não conseguem elaborar uma justificativa que explique a razão por que grafaram a

palavra. Entretanto, se fez a distinção entre elas, pois nesta se observou que o objetivo do

sujeito era não deixar a resposta em branco enquanto que naquela se encontraram outros

problemas.

Há duas categorias que não estão presentes nos dois grupos: a 10, má internalização

das regras grafêmico-fonológicas, e a 8, desconhecimento da palavra.

A categoria 10 aparece apenas entre 3 sujeitos do GE, mas em um pequeno número

de justificativas: 4. São exemplos da má internalização das regras grafêmico-fonológicas:

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Porque nunca pode s antes de n; Eu soube que era com “n” porque eu uso “m” atrás de “p”

e “p”; Com dois ss porque está no meio da palavra. Comparando esta categoria com a

categoria RNI, que diz respeito à maneira de grafar as palavras, pôde-se observar que o

Sujeito 24 não apresentou problemas ao grafar as palavras ditadas por desconhecimento das

regras de codificação, já os outros dois apresentaram, sobretudo o Sujeito 9 que grafou:

asendi, consserto, intenssão e despenssa, o que mostra a não internalização das regras de

codificação que levam em conta o contexto. Por serem apenas dois casos e um deles com

apenas uma ocorrência, asende, não é possível estabelecer uma correlação entre as duas

categorias, mas este dado é sintomático e pode servir para outros estudos e também para a

observação em sala de aula.

A categoria 8 está presente apenas entre os sujeitos do GC. As 9 justificativas foram

produzidas por 6 sujeitos, sendo que o Sujeito 1 elaborou 3 delas e os demais mostraram

desconhecer a palavra apenas uma vez. Comparando esta categoria com a 4 (freqüência de

uso), é possível perceber que a infreqüência é um fator que dificulta a codificação da palavra

e por isso deve ser levada em consideração no processo de aprendizagem do sistema escrito.

Para completar a análise, será feita a relação entre a grafia e a justificativa para a

qual se podem ter cinco situações diferentes como demonstra o quadro 2:

QUADRO 2 – Relação entre grafia e justificativaGRAFIA JUSTIFICATIVA ELO

1. afirmativa correta justificativa correta sem

2. afirmativa incorreta justificativa correta sem

3. afirmativa incorreta justificativa incorreta sem

4. afirmativa correta não sabe redigi-la sem

5. afirmativa correta justificativa correta com

FONTE: dados da pesquisadora

Para elucidar cada situação, são apresentados estes exemplos:

(1) ESPERTOS porque tem som de s no e(s)perto.

(2) SESSÕES Tive duvida entre sessões e seções.

(3) FRAUDAR para a mão não ficar suja ou molhada.

(4) ASSENTOS é um acento comfortavel e maciel.

(5) CUMPRIMENTOS Porque cumprimento com “u” é de dar a mão e

comprimento com o é de medir.

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Analisando quantitativamente as respostas produzidas e separando-as em dois

grandes grupos: 1) respostas que apresentam elo entre a grafia e a justificativa; 2) respostas

que não apresentam elo entre a grafia e a justificativa, foi possível detectar que a maioria das

respostas não apresenta elo entre a ocorrência e a justificativa conforme demonstra o gráfico

20:

GRÁFICO 20 – COMPARAÇÃO GE E GC QUANTO À RESPOSTA COM OU SEM ELO

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

GE GC

grupos

núm

ero

de r

espo

stas

Com elo

Sem elo

FONTE: dados da pesquisadora

Refinando a análise das respostas que apresentam elo entre a grafia e a justificativa,

pôde-se perceber que as respostas produzidas: 1) se baseiam em um desses critérios:

conhecimento do significado, derivação morfológica ou conhecimento dos dois homófonos,

ainda que tendo dúvida quanto à grafia; 2) se apóiam ou na freqüência de uso ou no

conhecimento prévio da palavra. Nas justificativas, percebeu-se que, no primeiro grupo, estão

as explicações que revelam que o sujeito apresenta os dois homófonos e, em algumas delas,

conhece também o significado e isso é de suma importância, pois, para entrar no problema

dos homófonos não homógrafos é preciso passar pela semântica. O outro grupo de respostas

revela a maneira como o sujeito adquiriu o homófono, mas não aponta para o ponto central

que é saber justificar a existência de duas palavras que apresentam a mesma pronúncia, mas

são escritas de maneira diferente, pois apresentam significados distintos. Comparando as

justificativas produzidas pelos dois grupos, constatou-se que 39 respostas do GE e 61 do GC

levam em consideração conhecimento semântico, derivação morfológica ou conhecimento

dos dois homófonos e 50 respostas do GE e 30 do GC apenas revelam a maneira como o

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sujeito adquiriu o homófono. Estes dados mostram que, embora o número de respostas que

apresentam elo entre a grafia e a justificativa seja praticamente igual entre os dois grupos, 89

no GE e 91 no GC, a maneira como a justificativa foi elaborada difere, pois um grupo se

apóia mais no conhecimento que tem a respeito do homófono e outro na maneira como a

adquiriu a palavra.

Enfim, analisando-se os dados levantados no pré-teste, pôde-se observar que a

maioria das respostas produzidas não apresenta elo entre a ocorrência e a justificativa embora

haja correção na resposta, sobretudo na grafia. Este dado é extremamente significativo pois

aponta para o ponto chave da pesquisa: a escola precisa ensinar a pensar.

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4.2 A intervenção em sala de aula

4.2.1 O material pedagógico utilizado em sala de aula

O material adotado pela escola foi produzido pela equipe da Rede Pitágoras. Para a

análise, consultaram-se tanto as apostilas que os alunos usaram durante o ano letivo quanto o

manual do professor e as considerações sobre o ensino de língua portuguesa, material

produzido para explicar a linha adotada pela Rede.

O Manual do professor, na apresentação, relembra os pressupostos básicos que

fundamentam a proposta da coleção de Língua Portuguesa da Rede Pitágoras: concepção de

educação, aprendizagem escolar e concepção de linguagem. Quanto ao primeiro pressuposto,

a equipe que produziu o material destaca “o conhecimento como instrumento de construção

da cidadania e de transformação da realidade” (2002, p. 2). Nesta perspectiva, segundo a

equipe responsável, o material didático é um meio de viabilização dessa construção. Também

no segundo pressuposto, defende-se a idéia de que o professor deve ter o material didático

como um referencial coerente com suas concepções. Entretanto, na prática, percebeu-se que,

devido à forma como o material foi elaborado, quase não há flexibilidade, pois há um

cronograma a ser cumprido e o material é dividido em dois volumes, um para cada semestre

letivo. O último pressuposto aborda a concepção de linguagem que é considerada um lugar

de interação, sendo entendida como uma atividade constitutiva, cognitiva e social.

Outro aspecto relevante, no Manual do professor, é o que diz respeito a “coleção e

projeto pedagógico Pitágoras” (op. cit., p.3-7). Para a elaboração desta parte, a equipe teve

como referência o Projeto Pedagógico do Pitágoras, mas, segundo ela, não deixou de

considerar os documentos oficiais, em especial os PCNs. Para a organização dos conteúdos a

serem trabalhados de primeira à quarta série, a equipe levou em consideração que “a seleção e

organização do conteúdo de Língua Portuguesa tem como foco a competência comunicativa,

compreendida como o desenvolvimento das habilidades receptivas (falar e ouvir) e produtivas

(ler e escrever)” (op. cit., p.3). A equipe não deixa claro, neste ponto, por que considera falar

e ouvir como habilidades receptivas e ler e escrever como produtivas. Na perspectiva desta

tese, ouvir e ler são processos receptivos e falar e escrever são produtivos, sendo que os

receptivos acontecem primeiro que os produtivos em cada modalidade.

Para o desenvolvimento das habilidades básicas, de acordo com a visão da equipe da

Rede Pitágoras, foram eleitos cinco eixos: leitura e compreensão; linguagem oral; produção e

compreensão de texto; usos e variações lingüísticas; aspectos gramaticais/ortografia.

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Interessa, nesta tese, o último eixo para o qual a equipe faz a seguinte advertência: “...as

questões relativas à ortografia serão tratadas no bojo de cada prática de texto, por meio,

principalmente, da reflexão conduzida, em sala de aula, pelo professor, juntamente com seus

alunos. Detalhes dessa dinâmica são fornecidos no planejamento de cada livro da Coleção”

(op. cit., p. 3). Entretanto, não foi isso que se observou no decorrer das aulas e na consulta ao

material. Ao buscar mais subsídios na parte que detalha cada eixo, não se encontrou um

posicionamento sobre ortografia: há, nesta parte, apenas a transcrição do projeto pedagógico

do Pitágoras.

Mais adiante, na seção que discute a “estrutura da coleção”, na parte referente à

ortografia (op. cit., p. 15), a equipe explica que o tratamento dado terá como base duas

estratégias: sugestões de seqüências didáticas; atividades de autocorreção e uso de pautas

específicas, as quais são apresentadas como anexo 1 e 2. Para a terceira e quarta séries, no

bloco por série das alterações ortográficas, são sugeridos como conteúdos: 1) confusão entre

as terminações am e ão; 2) representações múltiplas: travesseiro - treveceiro – traveçeiro-

travesceiro - traveseiro. Para um trabalho como o sugerido, é necessário que o professor

tenha conhecimento dos princípios do sistema alfabético, em especial, das regras de

codificação a fim de promover uma reflexão com os alunos que permita perceber o que pode

ou não ser resolvido por regra levando em conta o contexto, mas quanto a esse aspecto nada é

mencionado.

Consultando o planejamento anual, no qual aparecem como elementos constituintes:

objetivos gerais; semestre; discriminação do conteúdo e total de aulas, observou-se que a

parte destinada à competência lingüística deverá ser desenvolvida em 20 aulas das 140

oferecidas em cada semestre, sendo que, no primeiro semestre, a proposta é que se trabalhem

os conteúdos em três blocos: 1) uso intuitivo e contextualizado nas situações de comunicação:

valor convencional dos sinais de pontuação; emprego do acento gráfico; estrutura das

palavras; processo de formação de palavras; as escolhas vocabulares e a situação

comunicativa; 2) exercitação gramatical reflexiva: acentuação de oxítonas, paroxítonas e

proparoxítonas; emprego de pronomes pessoais, possessivos e demonstrativos; ortografia; 3)

extensão de conceitos e aplicação reflexiva: uso de maiúscula e minúscula; sinônimos e

antônimos. Já, no segundo semestre, são apresentados para o trabalho com competência

lingüística apenas dois blocos: 1) uso intuitivo e contextualizado nas situações de

comunicação: reconhecimento de particularidades rítmicas e sonoras em frases e textos; valor

convencional dos sinais de pontuação; caracterização das classes gramaticais; emprego dos

tempos verbais; 2) exercitação gramatical reflexiva: acentuação de oxítonas, paroxítonas e

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proparoxítonas; ortografia. Como se pode observar, há conteúdos que se repetem e o que diz

respeito à ortografia não fica detalhado nos dois semestres; além disso, não são apresentados

critérios que justifiquem a gradação com que os conteúdos foram selecionados. No

planejamento por capítulo do livro, somente aparece a referência ao trabalho com ortografia e

maiúsculas e minúsculas que se repete a cada capítulo. Entretanto, o que se observou, nos

dois volumes, é a ênfase ao trabalho com homônimos. Analisando o planejamento semestral,

que detalha o trabalho de cada capítulo, encontra-se, na parte referente aos aspectos

gramaticais/ortografia, o uso de, por exemplo, mau-mal e mas-mais no capítulo 1; há-a e

atrás-trás-traz, no capítulo 2; viagem-viajem e cumprimento-comprimento no capítulo 3.

Contudo, em momento algum no Manual do professor se discute a questão da homonímia a

fim de oferecer ao professor uma visão de como que a proposta apresentada entende que deva

ocorrer o ensino desse conteúdo. Como se verá na análise do material utilizado pelo aluno, a

razão que provavelmente justifique a não explicitação é a resposta pronta oferecida pelo

material.

Ao final do Manual do professor, estão os dois anexos que apresentam as duas

estratégias de trabalho com ortografia que já foram mencionadas anteriormente. O anexo 1 é

extremamente problemático, pois parte do pressuposto de que o professor, na sua formação,

recebeu conhecimento suficiente para entender o que são dificuldades ortográficas regulares e

irregulares, resumindo-as da seguinte forma: “as regulares possuem uma regra que se aplica a

todas as palavras do português nas quais aparece a troca ortográfica em questão. No caso das

irregulares, o uso de uma letra ou dígrafo só é justificado pela própria tradição de uso ou pela

origem da palavra. Não há regras para justificar o emprego de uma ou outra letra em uma

palavra” (op. cit., p. 42).

Partindo das definições de regularidades e irregularidades, a equipe propõe que, para

as regularidades, o planejamento seja feito de forma a levar o aprendiz à construção da regra

e, por conseguinte, sua compreensão e aplicação. Mas, para tal intento, é necessário que o

professor conheça os princípios do sistema alfabético, o que raramente acontece e nem foi

mencionado na proposta apresentada. Já, para as irregularidades, a sugestão é que as

estratégias sejam de memorização. Ainda sobre as irregularidades, enfatiza-se que, “para uma

troca do tipo irregular, por exemplo: fonema /s/ que pode ser grafado com x ou ch, daremos

exemplos de estratégias. [...] há necessidade de várias atividades e aplicação da troca

ortográfica em contextos diferentes para garantir sua memorização” (op. cit., p.42). Nesta

informação passada ao professor, além de deixar vago o que seria trabalhar com várias

atividades e diferentes contextos, visto que o livro segue só uma linha, há um problema

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teórico: o fonema /s/ não se codifica com os grafemas “x” ou “ch”, provocando uma

irregularidade, ou seja, existe um contexto competitivo no qual se pode grafar com x ou ch,

mas se refere à representação de outro fonema. Esse tipo de inconsistência vai mostrando que

a própria equipe que elaborou o material parece não ter conhecimento sobre as regras de

codificação, o que se reforça na forma como apresentam a proposta de seqüência didática para

trabalhar “m antes de p e b”, mas que não se detalhará aqui.

Como estratégias para o trabalho com trocas irregulares, são apresentadas três

sugestões: 1) utilizando textos; 2) tipos de ditado; 3) atividades com questões de transgressão.

Quanto à primeira, é apresentado como exemplo de texto “Chico cochicho”, o qual aparece

sem fonte, que visa enfatizar o uso do grafema ch. O uso desse tipo de estratégia se aproxima

daquelas usadas comumente em livros didáticos nas quais a ênfase não está no texto, mas na

repetição de um determinado grafema, ou seja, o que se tem como recursos são pseudotextos,

pois raramente o aluno encontra esse tipo de repetição nos textos que se apresentam para

leitura e análise no material pedagógico ou em seu cotidiano. Também os ditados não

promovem a reflexão, uma vez que são apresentados apenas como atividades mecânicas. A

última sugestão enfatiza o erro na maioria das propostas.

O anexo dois, pautas de autocorreção, também coloca a ênfase na correção daquilo

que o aluno tenha errado sem levá-lo a refletir, ou seja, o aluno apenas realiza a parte

mecânica como aparece na terceira sugestão da pauta de correção que apresenta o seguinte

comando: Localize em seu texto as palavras abaixo e faça as correções. Apague cada

palavra que foi escrita incorretamente e reescreva-a de acordo com a lista abaixo (op. cit., p.

45). O que se percebe neste tipo de exercício é uma mera exposição ao erro, quando o mais

importante é que o aluno faça a sua monitoria a fim de que possa ir promovendo com

adequação a correção de seu texto, mas no processo de produção, não como um exercício

isolado.

Consultando o material didático adotado pelos alunos, encontra-se a parte de

ortografia em uma seção denominada “Tire suas dúvidas” que é organizada em duas partes,

uma em que são apresentadas frases para o aluno fazer a análise e outra intitulada “confira seu

exercício” em que aparecem as respostas. Como exemplo, será apresentada a que se encontra

à página 120 (anexo 11), pois, durante a observação das turmas, pôde-se perceber como os

alunos reagiram a essa proposta de trabalho.

Os alunos consultaram o dicionário, conforme solicitava a atividade, mas não

conseguiram encontrar as duas respostas. Depois de algum tempo de investigação, a

professora perguntou se tinham encontrado as respostas e duas posturas se apresentaram: 1)

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encontrei viagem, mas não viajem; 2) encontrei viajem na resposta dada pelos autores no final

da página. Diante da segunda postura, torna-se sem sentido a consulta ao dicionário, pois já

existe uma resposta pronta. Esta observação reforça a necessidade de se levantarem

questionamentos quanto à proposta apresentada no Manual do professor, a qual visa levar o

aluno a construir o conhecimento, a fazer conclusões sobre questões ortográficas.

Quanto ao trabalho com homônimos, nos dois volumes, segue-se nessa linha, sem

possibilitar uma discussão por parte dos aprendizes que leve em conta o aspecto morfológico

e/ou semântico.

4.2.2 O planejamento das aulas: uma parceria entre professora e pesquisadora

O planejamento das aulas levou em conta o plano anual preparado pela professora,

contando com a colaboração das outras três professoras que atuavam na quarta série. Sendo o

primeiro ano de implantação do material produzido pela Rede Pitágoras, a professora

aproveitou os momentos de planejamento para ir adequando o material às necessidades dos

alunos.

Como já foi explicado anteriormente, serviram como instrumentos de trabalho junto

aos alunos os jogos sobre homófonos não homógrafos, o ditado interativo, a releitura

focalizada e o dicionário de homônimos. Além disso, foram contemplados alguns dos

problemas identificados na bateria de testes de recepção e produção da língua portuguesa de

Scliar-Cabral.

Todas as semanas, às quartas-feiras, havia uma reunião entre a professora e a

pesquisadora, no Colégio São Luiz, das 10h10min às 11h30min para a discussão e

planejamento das aulas, leitura de textos, levantamento de dados. Estes momentos foram

extremamente ricos, pois possibilitaram à professora aprofundar questões teóricas que não

tinham sido contempladas em sua formação durante a graduação e, à pesquisadora, por estar

conhecendo a realidade da sala de aula e o desenvolvimento do processo de ensino e

aprendizagem dos homófonos não homógrafos.

Já no final do ano anterior, a pesquisadora tomou conhecimento do material

pedagógico que seria adotado pela escola na qual seria desenvolvida a pesquisa, e passou a

fazer o levantamento dos homófonos não homógrafos presentes nos textos que fazem parte

dele. Tal levantamento possibilitou tanto a seleção dos homófonos que comporiam os jogos

como a seleção dos textos a serem utilizados para o ditado interativo e para a releitura

focalizada. Esses dados direcionaram o planejamento que foi sofrendo alterações durante o

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desenvolvimento das aulas, pois a professora e a pesquisadora levaram em conta os fatores

intervenientes no processo. A versão apresentada no anexo 12 é a produção final do

planejamento que foi desenvolvido durante o tempo em que ocorreu a intervenção

colaborativa.

Na próxima seção será feito o relato de como se desenvolveram as atividades

planejadas e quais os resultados alcançados.

4.2.3 Sala de aula: espaço de interação e aprendizagem

Durante o período destinado à intervenção colaborativa, foram desenvolvidas todas

as atividades planejadas, mas nem todas serão detalhadas, nesta tese, por uma questão de

recorte dos dados, pois são muitos. Deseja-se, posteriormente, retomar os dados e continuar a

análise, pois ocorreram várias situações de ensino e de aprendizagem que merecem ser

discutidas junto a educadores a fim de promover uma reflexão sobre a forma como a

aprendizagem da norma escrita vem sendo trabalhada em sala de aula. A grande maioria dos

encontros foram gravados em áudio e foram transcritos a fim de se poder contemplar como o

processo se desenvolveu.

Inicialmente será apresentado um quadro resumitivo do trabalho desenvolvido em

sala de aula durante o período da intervenção colaborativa.

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QUADRO 3 - RESUMO DO TRABALHO DESENVOLVIDO JUNTO AO GE DURANTE A INTERVENÇÃO COLABORATIVA

PASSO ITENS ATIVIDADES OBJETIVOS

1 Ante; assento; cauda; cavalheiro; cena;

cenário; cinto; concerto; consertar; cozido;

cumprimento; descrição; despensa;

discriminação; distinção; espectador;

esperto; expectador; fraldar; intenção; laço;

passo; russo; seção; sessão.

Cumprimento, comprimento, cavaleiro,

cavalheiro, conserto, concerto, cauda,

calda, acento, assento, russo, ruço, cervo,

servo, expiar, espiar, passo, cesta, sexta.

Acento

Jogo da forca

Palavras e figuras

Levantamento dos homófonos não

homógrafos presentes nos dois jogos.

Definição elaborada em conjunto pelos

alunos.

Produção de definição e exemplo no

dicionário de palavras parecidas.

Verificar os fatores por que a criança

consegue ou não descobrir a palavra

embora faça parte de seu livro didático;

descobrir o que, nas informações dadas,

possibilitou ao aluno descobrir a grafia da

palavra.

Observar qual a influência da ilustração na

aprendizagem de homófonos não

homógrafos e como os alunos constroem

suas hipóteses.

Verificar quais dos homófonos não

homógrafos trabalhados eram ou passaram

a fazer parte do conhecimento dos alunos.

Averiguar como os sujeitos constroem a

definição de uma palavra;

promover discussão em torno de como uma

definição pode ser elaborada.

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144

Assento, ante, calda e cauda Possibilitar ao sujeito a produção de

definições e exemplos de homófonos não

homógrafos trabalhados nos jogos.

2 Cumprimento, comprimento, cavaleiro,

cavalheiro, conserto, concerto, cauda,

calda, acento, assento, russo, ruço, cervo,

servo, expiar, espiar, passo, paço, cesta,

sexta.

Cumprimento-comprimento; dispensa-

despensa; assento-acento; conserto-

concerto; descriminação-discriminação;

passo-paço; russo-ruço; expiar-espiar;

cauda-calda.

Jogo da memória:

Atividade em dupla

Discussão da atividade com os alunos

Produção de ilustração e explicação de um

dos pares de homófonos não homógrafos.

Observar como os sujeitos trabalham com

os pares também em cartelas;

verificar como explicam as diferenças entre

uma e outra grafia a partir das gravuras.

3 Cumprimento-comprimento; assento-

acento; passo-paço; russo-ruço; cauda-

calda.

Despensa

Cumprimento-comprimento; passo-paço;

russo- ruço.

Discussão em grupos formados pelos

sujeitos que escolheram o mesmo par de

palavras.

Apresentação das ilustrações e explicação

dos pares selecionados.

Ditado interativo: Diário de Zlata

Produção de definição e exemplo

Observar quais os critérios utilizados pelos

sujeitos para a explicação de um par de

homófonos não homógrafos.

Analisar como os sujeitos explicam o

significado de uma palavra a partir do

contexto;

averiguar se percebem a diferença de grafia

entre a palavra estudada e sua homófona.

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145

4. assento, cinto, espiada, cavalheiro,

cumprimento.

cinto, sinto, cavalheiro, cavaleiro, espiar e

expiar.

Ditado interativo: Emergência

Anotações no dicionário de “palavras

parecidas”

Analisar como os sujeitos explicam o

significado de uma palavra a partir do

contexto;

observar como os sujeitos justificam a

escolha do homófono não homógrafo

naquele contexto.

5 assento, cinto, espiada, cavalheiro,

cumprimento e despensa

Discussão em grupo para elaborar

explicação (em cartolina) para a grafia de

uma das palavras ditadas do texto

Emergência ou Diário de Zlata.

Apresentação e exposição do material

elaborado.

Verificar como os sujeitos constroem as

explicações para a forma de grafar estes

homófonos não homógrafos.

6 Homófonos não homógrafos com os

prefixos DES-/DIS-

Jogo dos pares opostos Despertar o conhecimento morfológico a

fim de que o aprendiz consiga resolver uma

série de dúvidas ortográficas a partir do

conhecimento dos prefixos;

averiguar se o sujeito consegue formar a

palavra adequadamente a partir das

informações oferecidas.

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146

7 Discriminação

A derivação prefixal e o uso do prefixo

Descriminação e discriminação

Prefixos: ANTE- e ANTI-

Anti-

Releitura focalizada: Ninguém atravessa o

arco-íris

Formação de palavras por derivação

prefixal: cartaz com prefixos para serem

encaixados.

Discussão das palavras formadas

Produção de definição e exemplo

Jogo dos pares opostos (cartelas) com

produção de exemplos.

Produção de definição e exemplo.

Analisar como os sujeitos explicam o

significado de uma palavra a partir do

contexto.

Levar o aprendiz a observar o que é um

prefixo e qual seu papel na formação da

palavra.

Verificar se os sujeitos conseguem formar

a palavra e produzir exemplos

adequadamente.

8 Prefixos: E- e I-

Prefixo EX- e início de radical com S (ES)

Palavras das cartelas trabalhadas

selecionadas pelos alunos

Jogo dos pares opostos (cartelas) sem

produção de exemplos

Discussão a respeito das palavras formadas

com os prefixos

Jogo dos pares opostos (cartelas) sem

produção de exemplos

Produção de definição e exemplo

Verificar como os sujeitos realizaram a

escolha dos prefixos;

levar o aprendiz à compreensão do papel

do prefixo na formação da palavra.

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147

9 Russo, pesava, passeio, passo, esse,

missões, transmissões

Palavras grafadas com z, s e ss no meio

Ditado interativo: Corrida espacial

Depreensão da regra de descodificação e

da de codificação em contexto

intervocálico

Jogo do stop

Discussão dos aspectos observados nas

atividades

Promover a reflexão dos sujeitos quanto ao

contexto fonético e grafêmico para a

escrita e leitura de palavras.

10 Cumprimento-comprimento; espiar-expiar;

assento-acento; passo-paço; russa-ruça;

consertar-concertar; experto-esperto;

calda-cauda; descrição-discrição;

destinção-distinção; despensa-dispensa;

cavalheiro-cavaleiro; seção-sessão;

intensão-intenção; cosidos-cozidos;

discriminação-descriminação; acende-

ascende; cena-sena.

Expectativa, espectador, esperto e experto

Jogo completando frases:

discussão em sala, partindo das anotações

feitas na folha-guia;

entrevista individual com os sujeitos.

Produção de definição e exemplo

Verificar que fatores auxiliam na seleção

do item adequado para o preenchimento

das frases.

Descobrir como os sujeitos explicam a

escolha da palavra para completar a frase e

quais as dificuldades encontradas.

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11 Cena, conserto, descrição, acesa e intenção

Acender, consertar e/ou conserto

Ditado interativo

Discussão a partir do texto e grafias em

grupos cada um explorando uma palavra

no contexto.

Apresentação dos grupos.

Produção de definição e exemplo

Analisar como os sujeitos, depois de já

terem trabalhado com outros homófonos

não homógrafos, promovem a explicação

para a grafia de um deles.

12 Seção, passo a passo e descrição

Seção/sessão

Leitura e análise do folheto: Nosso

amiguinho

Análise comparativa no grande grupo

Promover a discussão da grafia a partir do

contexto.

13 Seção/sessão/cessão

Seção/sessão

Cozido

Cozido/cosido

Retomada dos significados e diferentes

grafias a partir da proposta do livro

didático.

Produção de definição e exemplo

Releitura focalizada: folheto sobre cólera

Discussão em dupla e produção de texto

explicativo

Apresentação dos resultados

Verificar como os sujeitos reagem à

proposta oferecida pelo livro didático.

Observar como os sujeitos estão

construindo explicações e exemplos para

homófonos não homógrafos.

14 Gazes

Gazes/gases

Leitura: bula do Nabacetin.

Discussão no grande grupo sobre os

significados.

Analisar como os sujeitos explicam o

significado de uma palavra a partir do

contexto.

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Infomar/enformar

Prefixos: EN(M)- E IN(M)

Acender, espiar, seção, sessão, assento,

sela, passo, russo, concerto, consertar,

intenção, expectador, espectador, esperto,

cozido, cauda, fraldar, descrição, despensa,

distinção, cumprimento, cavalheiro, ante,

discriminação, alto, cena.

Palavra(s) selecionada(s) que o aluno ainda

não conhecia.

Depreensão do significado partindo de um

cartaz ilustrativo

Jogo dos pares opostos (CD-ROM) com

produção de exemplos

Jogo Achando o significado acompanhado

de folha-guia para anotar momento do

acerto e razão

Produção de definição e exemplo

Observar como os sujeitos formam a

palavra e produzem exemplos depois de já

terem trabalhado com este jogo.

Verificar o momento em que o sujeito

acerta a palavra e a razão que contribui

para a descoberta.

15 Fraldar

Fraldar e fraudar

Estrutura da notícia a partir da leitura de

Projetos para melhorar a escola

Leitura e discussão da notícia Cavalos

ganham fraldão e placa:

debate a respeito da atitude tomada;

análise lingüística do título explorando a

palavra fraldão.

Produção de definição e exemplo

Averiguar que aspectos o sujeito leva em

consideração ao explicar a grafia da

palavra.

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150

Produção de ilustração para a notícia com

legenda

Verificar como os alunos produzem a

ilustração e a legenda e se há elo entre elas.

16 Cenário

Servo, cervo e cesta

Releitura focalizada: enunciado do

exercício da p. 195

Criação de um cenário onde estejam

presentes um servo, um cervo e uma cesta.

Discussão da produção realizada

Observar como, neste momento do

processo, os sujeitos realizam a discussão

em torno da grafia de homófonos não

homógrafos.

17 Cesta, servo, cervo, coser e cozer

Acender-ascender; acento-assento; ante-

anti; calda-cauda; cavaleiro-cavalheiro;

cocheira-coxeira; cena-sena; cela-sela;

comprimento-cumprimento; concerto-

conserto; cozer-coser; descrição-discrição;

descriminação-discriminação; despensa-

dispensa; distinto-destinto; emergir-

imergir; emigrar-imigrar; enformar-

informar; expectador-espectador; experto-

esperto; expiar-espiar; fraldar-fraudar;

gases-gazes; intenção-intensão; paço-

passo; ruço-russo; seção-sessão; servo-

cervo.

Produção de definição e exemplo

Releitura do livro Não confunda

Proposta de criação de um livro para

crianças a fim de que não confundam

palavras parecidas:

discussão da forma como cada página será

organizada;

sorteio dos pares de homófonos não

homógrafos;

início da produção dos textos.

Analisar como os sujeitos elaboram a

explicação das diferenças entre os

homófonos não homógrafos.

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151

18

Cumprimento, comprimento, cavaleiro,

cavalheiro, conserto, concerto, cauda,

calda, acento, assento, russo, ruço, cervo,

servo, expiar, espiar, passo, cesta, sexta.

Finalização do livro: título, capa,

introdução.

Jogo da memória Investigar como os sujeitos trabalham a

relação gravura e grafia depois de terem já

trabalhado as palavras presentes no jogo da

memória.

19

Homófonos não homógrafos que fazem

parte do bingo de homônimos

Escolha da capa do livro

Bingo de homônimos Verificar se o sujeito conhece o significado

da palavra sorteada e o homófono com que

pode ser confundido.

20 Passo-paço; discriminação–descriminação;

despensa–dispensa; cumprimentar–

comprimentar; espiar–expiar; seção–

sessão; cavaleiro–cavalheiro; descrição–

discrição; ruça–russa; servos–cervos;

concerto–conserto

Jogo do Castelo Vampiresco (produção

elaborada pela professora):

organização das equipes;

distribuição das tarefas durante o jogo para

discussão no pequeno grupo;

apresentação do resultado final.

Observar como os sujeitos, na discussão

em grupo, fazem a seleção da palavra a ser

empregada em cada contexto.

21 Homófonos não homógrafos que fazem

parte do bingo de homônimos

Bingo de homônimos Verificar se o sujeito conhece o significado

da palavra sorteada e o homófono com que

pode ser confundido.

22 Pós-teste

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4.2.3.1 Discussão de cada passo desenvolvido durante a intervenção colaborativa

a) Passo 1

a. Homófonos não homógrafos discutidos: ante; assento; cauda; cavalheiro; cena;

cenário; cinto; concerto; consertar; cozido; cumprimento; descrição; despensa; discriminação;

distinção; espectador; esperto; expectador; fraldar; intenção; laço; passo; russo; seção; sessão;

comprimento; cavaleiro; conserto; acento; ruço; cervo; servo; expiar; espiar; cesta; sexta.

b. Atividades: Jogo da forca; jogo de palavras e figuras; levantamento dos

homófonos não homógrafos presentes nos dois jogos; definição elaborada pelos alunos em

conjunto.

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta:

Apesar de a maioria das palavras selecionadas para esses dois primeiros jogos

fazerem parte do material didático dos sujeitos, nem todas foram relacionadas à figura com

facilidade. Mesmo os que conseguiam fazer a relação acertadamente, tinham dificuldade para

justificar a escolha realizada. Uma das razões inferidas foi o desconhecimento do significado,

como pode se observar nestes exemplos: 1) conserto com s é um conserto; 2) cauda com u é

a cauda de um animal e calda com l...; 3) Esse ruço é cabeludo, é cabelo loiro. No primeiro

caso, tem-se uma tautologia, o que se aproxima de uma das categorias analisadas no pré-teste,

estratégia de preenchimento, pois o sujeito, por não conhecer o significado, produz uma

resposta apenas para não deixar de responder. Assim como no pré-teste, não foram muitas as

ocorrências desse tipo. O segundo exemplo revela que o sujeito sabe o significado de apenas

um dos homófonos do par em discussão, ou seja, o sujeito não tem em seu léxico mental

ortográfico os dois homófonos contíguos. O terceiro exemplo revela que o sujeito, ao olhar a

gravura, não depreende o sentido da palavra em discussão, entretanto foram poucas as

situações em que isso ocorreu, especialmente com os homófonos ruço e expiar, pois são

palavras pouco conhecidas dos sujeitos. Como se verá mais adiante, a baixa freqüência de

uso é um dos fatores dificultantes em casos como estes.

Da lista elaborada em sala de aula dos homófonos não homógrafos trabalhados nos

jogos, verificou-se que, das 30 palavras, onze eram do jogo da forca, onze do palavras e

figuras e oito faziam parte dos dois jogos. Não foram mencionadas pelos alunos nove

palavras do jogo da forca e três do palavras e figuras. Ao solicitar aos alunos a palavra que

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153

lembravam para anotar no quadro, a professora já ia questionando-os sobre a sua grafia e,

posteriormente, eles já diziam como era grafada a palavra, como demonstram estes exemplos:

1) cesta com c; 2) expectador com x; e outros que podem ser encontrados no episódio 1 do

anexo 13. No caso dos homófonos não homógrafos, a ambigüidade é provocada pela fala,

não pela escrita, por isso é de fundamental importância que a diferença na grafia, sobretudo

em casos em que a palavra aparece isolada, seja assinalada a fim de que se possa saber a qual

homófono o sujeito está se referindo.

Neste primeiro momento, também se observou a maneira como os sujeitos definiam

as palavras listadas. Como já se havia constatado no pré-teste, os sujeitos apresentavam uma

relativa dificuldade para explicar por que razão a palavra era grafada de uma ou outra

maneira. Devido a isso, promoveu-se um espaço de discussão, sendo acento a primeira a ser

trabalhada. Após as várias definições serem discutidas, os alunos chegaram à produção de que

acento é um sinal colocado em cima de uma das letras vogais para dar força. Esta definição

acampa apenas um dos significados da palavra, ou seja, o que os sujeitos definiram foi acento

gráfico. Isso revela o conceito que têm sobre acento, o que resulta da maneira como esse

assunto foi tratado em sala de aula, pois raramente se trabalha percepção, sílaba de

intensidade: o que se evidencia é o acento gráfico, fato que também está presente nos livros

didáticos.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Durante a conversa entre a pesquisadora e as duplas, ia ocorrendo uma reflexão a

respeito das razões que levam a grafar a palavra de uma ou outra forma e alguns alunos

começaram a entender a diferença, como diz um dos sujeitos: Porque cavaleiro é que anda a

cavalo e cavalheiro é que é uma pessoa educada. Agora que entendi. Esta última afirmação

mostra o momento da descoberta, o que é significativo quando se deseja que o aprendiz

compreenda que razões levam a grafar uma palavra de uma maneira e de outra, como no par

em discussão.

b) Passo 2

a. Pares discutidos: cumprimento, comprimento, cavaleiro, cavalheiro, conserto,

concerto, cauda, calda, acento, assento, russo, ruço, cervo, servo, expiar, espiar, passo, paço,

cesta, sexta, dispensa, despensa, descriminação, discriminação.

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154

b. Atividades: jogo da memória (cartelas); discussão da atividade com os alunos;

produção de ilustração e explicação de um dos pares de homófonos não homógrafos (anexo

14).

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Diferentemente do que ocorreu no primeiro encontro, quando jogaram pares opostos

em CD-ROM, observou-se, durante o jogo em cartelas, que os alunos já conseguiam explicar

a diferença entre uma grafia e outra se apoiando na gravura e/ou no sentido que atribuíam à

palavra. No início do processo, a ilustração foi um fator importante para que o sujeito

começasse a estabelecer a diferença de grafia e significado entre os homófonos trabalhados.

Além disso, é importante observar como a criança vai desenvolvendo seu aprendizado do

sistema escrito também em situações lúdicas, pois, segundo Curvelo, Meireles e Correa

(1998), muito pouco se tem investigado sobre o conhecimento ortográfico das crianças em

situações diferentes daquelas que encontram em seu contexto escolar.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Interessante ressaltar que, apesar de as crianças se encantarem com o CD-ROM,

vibraram muito mais com o jogo em cartelas, pois a disputa motivava cada vez os jogadores a

acertarem, o que favoreceu maior interação entre os sujeitos, possibilitando que as palavras

fossem emparelhadas com seus homófonos e/ou com sua ilustração em vários momentos.

c) Passo 3

a. Pares discutidos: cumprimento, comprimento; assento, acento; passo, paço; russo,

ruço; cauda, calda; despensa.

b. Atividades: Discussão em grupos formados pelos sujeitos que escolheram o

mesmo par de palavras para ilustrar; apresentação das ilustrações e explicação dos pares

selecionados; ditado interativo: Diário de Zlata (anexo 15); produção de definição e exemplo.

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Nas formas de os sujeitos explicarem os pares homófonos, pôde-se observar que

enquanto alguns atribuem um conceito, outros usam como estratégia a visualização de um

evento. Por exemplo, em Calda: líquido doce colocado em cima de bolo, tortas e etc. e em

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155

Cauda: parte traseira de alguns animais, os sujeitos dão a definição da palavra, fazem uma

generalização. A formação do conceito é bastante complexa, pois pressupõe a abstração, mas

quando o sujeito evoca a memória de eventos, o faz por contigüidade, ou seja, é uma

construção dependente do contexto onde o referente está inserido. Assim, quando o sujeito

evoca a memória de eventos, está vendo a imagem, como ilustram estas falas: 1) Calda é

calda de bolos, líquidos, é doce e cauda é de gato. 2) Ah! Eu fiz assim, ó, tem, tem, a cauda

do vestido. Nestes casos, não se tem a construção do conceito, pois o sujeito está vendo, por

exemplo, um vestido ou quando diz calda de bolos e cauda de gato está dando um exemplo,

portanto não é como nas duas primeiras falas nas quais os sujeitos definem calda e cauda e

usam a memória semântica. Estas formas de explicar se repetem ao longo do processo em

que a intervenção se desenvolveu.

Na primeira experiência com o ditado interativo, percebeu-se que este tipo de

atividade permite que as hipóteses dos sujeitos, quanto à grafia das palavras, possam ser

levantadas e colocadas em discussão por todo o grupo a fim de que cheguem às conclusões

que vão além daquelas para as quais o ditado foi planejado. No presente caso, foi discutida

também a grafia de a gente e agente, bem como a codificação de outros fonemas da palavra

alvo: despensa.

Ao discutir a diferença entre homófonos não homógrafos, é necessário que a forma de

grafar seja evidenciada, entretanto, a professora, a princípio, não levou este fator em

consideração quando levantou a questão: Por que que o a gente é a gente e o outro é agente

junto? (episódio 2, anexo 13). Os alunos, partindo do texto que já tinham redigido: “A gente

vai dormir na despensa hoje...” conseguiram apresentar a diferença de sentido entre as duas

grafias como revela a fala de um dos sujeitos: A gente separado é de nós, pessoas, e agente

junto é tipo agente secreto. Tendo como referencial o modelo integral e contextual de

processamento de Scliar-Cabral (1991), acredita-se que a correspondência grafêmico-

fonológica adequada não se deve apenas à existência do léxico mental ortográfico: é preciso

levar em consideração também a informação morfossintática e semântica provenientes do

próprio texto. Em casos de homofonia, esta informação é de suma importância para se

resolverem ambigüidades .

Quanto à grafia da palavra despensa, inicialmente obteve-se como explicação:

Despensa com s é o lugar onde a gente guarda comida. O sujeito, ao grafar a palavra, atentou

para a forma de codificar a realização do arquifonema |S|, e não para o aspecto que faz a

diferença entre os dois homófonos não homógrafos que estavam em discussão. Tal atitude

pode ser explicada pelo fato de o sujeito não ter em seu léxico mental um dos homófonos ou

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156

porque, na região na qual se fez a pesquisa, a letra “s” também é descodificada em contexto

final de sílaba como a realização do arquifonema |S| como no exemplo mencionado, por [].

Apesar de a professora enfatizar o significado da palavra em discussão, levantou-se outro

questionamento quanto à grafia da palavra analisada, mas levando em conta a codificação do

fonema /s/, que neste caso, está em um contexto competitivo: existe a palavra despença com

ç? Retoma-se, neste caso, um aspecto já contemplado na análise do pré-teste quando se

explicou que o sujeito, ao produzir esta grafia, o faz porque: 1) é possível, pois é um contexto

competitivo, embora a palavra não exista; 2) o sujeito não tem no seu léxico ortográfico a

palavra “despensa”. Por fim, os sujeitos apontam com que homófono a palavra despensa

pode se confundir e a explicação de dispensa é dada a partir de duas informações, a derivação

morfológica e o significado: 1) Dispensa com i vem da palavra dispensar, dispensar

alguém...; 2) Mandar embora. No caso deste par, os sujeitos se valeram do conhecimento

semântico para explicar a diferença de grafia, o que ficou evidenciado no momento em que os

sujeitos retornaram ao texto ditado para verificar como tinham redigido a palavra e se ela

estava adequada ao contexto.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Quanto ao trabalho em grupo, observou-se, durante a discussão, que os alunos já

conseguiam estabelecer a diferença entre uma e outra forma de grafar, explicando com

segurança aos demais participantes, entretanto, na maioria das equipes, a fala era quase

sempre dominada por um dos membros.

As falas dos sujeitos, durante a apresentação, mostraram que compreenderam a

diferença entre uma e outra grafia partindo dos diferentes sentidos atribuídos pelos seus

membros, como se pôde observar na discussão em grupo (episódio 2, anexo 13). A primeira

equipe a se apresentar, precisou da orientação da professora que foi solicitando a participação

de todos os alunos e explicando a quem a fala deveria ser dirigida. Esse tipo de orientação

revela que os alunos pouco discutem e apresentam conteúdos programáticos, os quais ficam a

cargo da professora. A eles compete discutir tópicos relacionados à pesquisa em outras

disciplinas ou temas da atualidade, como se observou durante o primeiro contato com os

grupos.

Quanto ao ditado interativo, é importante ressaltar que, para que este tipo de

atividade aconteça, é preciso que o trabalho seja planejado e que o professor tenha

conhecimento dos princípios do sistema alfabético, pois o aluno vai, se lhe permitirem, muito

além do que foi delimitado para a discussão naquele momento.

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d) Passo 4

a. Homófonos não homógrafos discutidos: assento, acento; cinto, sinto; espiada,

expiar; cavalheiro, cavaleiro; cumprimento.

b. Atividades: Ditado interativo: Emergência (anexo 16); produção de definição e

exemplo.

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Das palavras trabalhadas no ditado, as que provocaram mais dúvidas entre os sujeitos

foram espiada e assento. Ao serem questionados quanto a formas errôneas de grafar as

palavras ditadas, os sujeitos apresentaram respostas que mostram: 1) o conhecimento de

regras dependentes do contexto grafêmico, por exemplo, afirmaram que não seria possível

grafar assento com um s apenas; 2) o conhecimento do significado do homófono que foi

escolhido para completar a lacuna, por exemplo, cumprimento e não comprimento.

Outro ponto relevante levantado durante a discussão foi a razão por que acontece a

troca de letras entre as palavras trabalhadas. Os sujeitos apontaram, inicialmente, a

homofonia como fator dificultante para estabelecer a diferença na grafia, como mostra esta

fala: o som é o mesmo. A palavra parece a mesma. Outro sujeito mencionou o aspecto

atencional: porque às vezes não presta atenção. Por fim, um dos sujeitos argumentou: é que a

gente não sabe o significado. Esta descoberta aponta para o fator discriminante dos

homófonos não homógrafos da mesma classe gramatical, pois para escrever uma mesma

seqüência fonológica, como as ditadas, o sujeito poderia fazê-lo com diferentes grafemas,

entretanto, a dúvida só se resolve quando o significado da palavra entra em cena, por isso o

sujeito precisa de informações dadas pelo contexto no qual a palavra se insere. Detectou-se

também que muitos sujeitos não levaram em conta o contexto ao grafar a palavra ditada o que

explica em alguns casos a dificuldade apontada inicialmente. Por exemplo, ao retomarem o

texto, atentaram que a palavra assentos, que foi definida por eles como bancos, já apresentava

uma informação no texto: os assentos de suas cadeiras são flutuantes.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

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A percepção, por parte dos sujeitos, da diferença semântica foi extremamente

significativa, pois não se pretendia discutir este aspecto antes que os próprios alunos

percebessem que razões podem levar a grafar de diferente maneira uma palavra dita, lida ou

ditada de forma parecida. Esta descoberta fez com que o planejamento e a forma de trabalho

fossem revistos, pois se poderia estar aprofundando o aspecto decisivo na grafia dos

homófonos não homógrafos da mesma classe gramatical.

e) Passo 5

a. Homófonos não homógrafos discutidos: assento, cinto, espiada, cavalheiro,

cumprimento e despensa.

b. Atividades: Estudo em grupo de um dos homófonos; apresentação e exposição do

material produzido em grupo (anexo 17).

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Analisando o material produzido pelos sujeitos e a apresentação das equipes,

verificou-se que a maioria explicou a grafia tendo como fator decisivo a diferença de

significado conforme se pode observar no episódio 4 do anexo 13; além disso, os sujeitos se

valeram da derivação morfológica como exemplifica esta fala: espiada é com s porque vem

do verbo espiar que significa dar uma olhada discretamente. A equipe que analisou a palavra

despensa, notou que ela não pode ser definida apenas como um lugar no qual se guardam

mantimentos, como diz o dicionário consultado, pois, analisando a casa de cada um dos

membros, observaram que guardam outras coisas como bicicleta, materiais de limpeza,

calçados. Devido a isso, a explicação foi assim elaborada: Despensa é o armário ou

quartinho onde a gente guarda comida e outras coisas. Novamente se observa como os

sujeitos vão elaborando a explicação para a palavra, valendo-se de seu conhecimento de

mundo, mas aliam este tipo de conhecimento ao adquirido nas práticas escolares, uma vez

que a leitura e/ou a escola é uma das fontes de que se alimenta o conhecimento enciclopédico.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Comparando a apresentação dos grupos neste encontro com a primeira experiência,

pôde-se perceber que houve mais organização e objetividade e a professora não precisou

intervir para direcionar o trabalho. Isso aponta para a autonomia que os sujeitos vão tendo

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159

tanto para elaborar a forma de apresentação como para explicar para o grande grupo que foi

considerado como audiência pelos pequenos grupos durante a discussão e elaboração do

material. Outro ponto interessante é que a grande maioria dos grupos não se ateve a ler o que

havia colocado no cartaz, pois sentia segurança para expor o que havia discutido. Tal aspecto

se fez sentir em outro ponto: os alunos que explicaram a palavra em cada grupo foram os que

em geral não se manifestam. A professora se sentiu surpresa e elogiou a atitude deles,

incentivando-os a outras participações.

f) Passo 6

a. Homófonos não homógrafos discutidos: homófonos não homógrafos formados

pelos prefixos des- e dis- do jogo dos pares opostos

b. Atividades: Jogo dos pares opostos

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Observou-se, no primeiro contato com o jogo dos pares opostos, que alguns sujeitos

selecionaram o prefixo para formar a palavra partindo do significado que era oferecido; outros

discutiram qual o prefixo adequado, atendo-se mais a este aspecto. Entretanto, outros

sujeitos, que não conheciam a palavra, escolheram o prefixo sem critério e/ou revelaram

dificuldade para selecioná-lo. Estas constatações ratificam que, no caso dos homófonos não

homógrafos, há necessidade de um ensino que, além do significado do radical, também leve

em consideração a significação de alguns prefixos que constituem pares mínimos na escrita

como é o caso de dis- e des- trabalhados nesta atividade pelos sujeitos.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

A proposta era, inicialmente, trabalhar apenas com um par de prefixos, mas os alunos

desejaram continuar o jogo e foram explorando também outros prefixos. Ao observar uma

das duplas discutindo o uso dos prefixos ante- e anti-, percebeu-se que acreditam que para

aprender é preciso trabalhar mais vezes com as mesmas palavras: A gente precisa praticar

mais. Recomeçar.

g) Passo 7

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a. Homófonos não homógrafos discutidos: descriminação e discriminação; prefixos

ante- e anti-.

b. Atividades: Releitura focalizada: Ninguém atravessa o arco-íris (anexo 18);

discussão e exploração de cartaz com palavras formadas com os prefixos des- e dis- (anexo

19); jogo dos pares opostos.

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

A palavra discriminação foi definida a partir do conhecimento de mundo dos sujeitos,

tendo como ponto de partida esta fala: É que eu sou branco e encontro um outro guri negro,

sei lá, aí eu fico chamando ele de escravo, negro não serve pra nada mesmo. Além disso,

discutiram a discriminação na sala de aula (episódio 6, anexo 13).

Outro aspecto observado foi a forma como os sujeitos elaboraram a definição de

prefixo, também partindo de seu conhecimento prévio. Discutiram a palavra pré-escola e a

primeira conclusão foi em relação à posição do prefixo; depois, depreenderam que existe para

formar uma nova palavra. A definição produzida pelos sujeitos se aproxima da construída

cientificamente: “...os prefixos formam novas palavras que conservam de regra uma relação

de sentido com o radical derivante” (Cunha; Cintra, 1985, p. 84).

Na atividade de formar palavras pelo acréscimo dos prefixos des- ou dis-, notou-se,

mais uma vez, que os sujeitos tiveram mais facilidade em trabalhar com palavras

conhecidas; além disso, o segundo bloco de palavras foi trabalhado com mais facilidade que o

primeiro.

Os exemplos produzidos pelos alunos, durante o jogo de “pares opostos” na versão

em cartelas, foram recolhidos a fim de se computar o número de acertos bem como analisar a

produção das frases. A maioria dos sujeitos teve mais que cinco acertos, sendo que 20% deles

tiveram sete acertos, 17% oito acertos, 13% só não acertaram uma palavra e 8% acertaram

todas. Entretanto, três sujeitos do grupo não entenderam a proposta e produziram o exemplo

sem a palavra formada com o prefixo. O primeiro sujeito usou a mesma forma de iniciar os

exemplos – não - como se quisesse dar a explicação para a palavra: Não gosta de americana;

não é alérgico. Já o segundo sujeito, com exceção do primeiro exemplo, procurou dar a

definição da palavra formada, mas quase sempre o fez sem adequação. Por exemplo, explicou

que antiácido é quando alguém tira o ácido de alguma coisa. O terceiro sujeito, ao invés de

produzir o exemplo, copiou ou resumiu partes oferecidas no significado na maioria dos casos.

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Outro sujeito, com um acerto apenas, fez os exemplos como os dois primeiros sujeitos. É

provável que, por ser a primeira experiência em que tiveram que criar um exemplo, alguns

sujeitos não souberam empregar com adequação a palavra derivada na frase que produziram,

entretanto a maioria conseguiu observar no significado oferecido um indicador para o uso do

prefixo, optando por anti- ou ante- adequadamente.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Ainda, em alguns momentos, a professora faz confusão entre fala e escrita. Por

exemplo, ao discutirem qual prefixo deveria ser selecionado, pergunta: Eu posso dizer

disgraça? Este questionamento apenas reforça a homofonia, não possibilitando a reflexão

quanto à forma de grafar a palavra que era o que estava em discussão. Segundo Duarte

(2001), um dos conhecimentos que deve ser necessariamente dominado pelo professor, que

atua no ensino de língua portuguesa, é o referente às diferenças entre o sistema oral e o

escrito. A não compreensão das dessemelhanças se reflete na forma como o professor

promove a explicação da codificação do sistema escrito.

Durante a discussão do significados dos prefixos ante- e anti-, um dos sujeitos disse

conhecer o significado de ante- do jogo da forca. Isso mostra que, gradativamente, os

sujeitos vão guardando o que descobrem em cada atividade. Isso será ainda reforçado quando

da análise feita dos resultados do jogo no qual eles tiveram que completar as frases.

h) Passo 8

a. Homófonos não homógrafos discutidos: homófonos não homógrafos formados

pelos prefixos e-, i-, ex- e início de radical com S do jogo dos pares opostos.

b. Atividades: jogo dos pares opostos

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Observou-se que os alunos fizeram com facilidade e rapidez a escolha entre o prefixo

ex- e radicais iniciados por es-, durante a correção, no grande grupo, mostraram que já

entendiam a diferença entre uma e outra grafia. Por exemplo, ao serem questionados que

palavra correspondia a este significado: Aquele que tem esperança fundada em supostos

direitos, probabilidades ou promessas, os sujeitos apontaram Expectador ressaltando que o

Ex se grafava com x. Como já se assinalou anteriormente, no caso dos homófonos não

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homógrafos, é importante também que a significação de alguns prefixos seja contemplada.

Além disso, como constatou Moreira (1995), o conhecimento gramatical pode ser construído

a partir da depreensão de elementos mórficos através do valor semântico deles.

Ao final do trabalho com as duas cartelas, a professora solicitou aos alunos que

selecionassem, entre as palavras que receberam os prefixos, as que mais usam e anotassem em

seu dicionário. Observou-se, entretanto, que não foi só do critério da freqüência que os

alunos se valeram, optaram também por selecionar palavras novas, ampliando o seu

vocabulário. Foram selecionadas da primeira cartela apenas três palavras: espetar, expiar e

espiar, esta com duas ocorrências; já, da segunda, foi escolhida a maioria das palavras,

perfazendo um total de vinte e oito. Os sujeitos tiveram preferência por: imergir, emergir,

iminente, eminente, imigrar, emigrar; ainda foram selecionadas, mas em menor proporção,

emantar, imitir e emitir.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Tendo em vista a dificuldade de alguns sujeitos ao formar a palavra e mesmo ao

elaborar o exemplo, o primeiro momento, neste passo, foi destinado à retomada dos exemplos

produzidos para se discutir com o grupo tanto o emprego dos prefixos, pois se observou que

alguns sujeitos ainda não tinham clareza a respeito do significado de cada um, como a

produção das frases, analisando se a palavra derivada foi empregada com adequação naquele

contexto. A professora e a pesquisadora, ao discutirem os resultados que obtinham ao longo

do processo, iam repensando o planejamento e retomando aspectos que julgavam necessários

para dar continuidade ao trabalho.

A correção da escolha dos prefixos e- ou i- para completar as palavras no jogo dos

pares opostos aconteceu de forma rápida sem que se pudesse descobrir como chegaram à

escolha do prefixo, mas não houve interferência por parte da pesquisadora, uma vez que sua

função era apenas observar o espaço da sala de aula e o momento do ensino e da

aprendizagem. Além disso, os alunos, quando tinham dúvida, costumavam perguntar,

interrompendo, interagindo, não havendo necessidade da intervenção da professora.

i) Passo 1019

19 Passou-se à análise do passo 10, pois o passo 9 não discute homófonos não homógrafos.

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a. Pares discutidos: cumprimento-comprimento; espiar-expiar; assento-acento;

passo-paço; russa-ruça; consertar-concertar; experto-esperto; calda-cauda; descrição-

discrição; destinção-distinção; despensa-dispensa; cavalheiro-cavaleiro; seção-sessão;

intensão-intenção; cosidos-cozidos; discriminação-descriminação; acende-ascende; cena-sena.

b. Atividades: jogo completando frases; discussão partindo das anotações na folha-

guia do jogo.

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Na discussão dos resultados, depois do retorno do laboratório de informática,

partindo das anotações feitas pelos alunos, percebeu-se que eles têm facilidade para escolher

as palavras, mas quanto à justificativa há posturas diferenciadas (episódio 9, anexo 13).

Muitos sujeitos já conseguiam identificar pistas nas frases que levam à escolha da

palavra certa, como revelam estas falas: Eu descobri isso porque estava escrito pela janela.

Quer dizer espiar; é, porque tá escrito aqui também cadeiras, de suas cadeiras...; Eu

descobri isso por causa que ali tava falando que era um pé tamanho 41, aí já dava pra

descobrir que era passo com dois ss. Conforme já se observou, o contexto é de fundamental

importância, uma vez que no caso da homonímia apenas uma acepção pode ser acessada.

Outros sujeitos fizeram a seleção por conhecerem o significado da palavra que

escolheram ou da que excluíram ou das duas. Por exemplo: Cumprimento ou comprimento.

Cumprimento é saudar com a mão uma pessoa e o outro é um tamanho ou uma largura; É

que espiar com s é dar uma olhada rápida assim, é dar uma olhada escondido. E expia com x

é pagar um castigo;Porque despensa é um lugar onde se guarda mantimentos e dispensa vem

de dispensar, então não podia dormir.

Tanto a análise do contexto como o conhecimento do significado foram os fatores

mais recorrentes para explicar a grafia da palavra selecionada, às vezes aparecendo os dois

como nesta fala: É cavalheiro, porque... cavalheiro com lh, porque... tá dizendo assim: é esse

cavalheiro aí que pagou sua passagem. É... cavalheiro é homem gentil, bondoso

As palavras que ainda não haviam sido trabalhadas foram as que apresentaram maior

dificuldade para os alunos. Em entrevista realizada após o jogo com dezesseis sujeitos, esse

pressuposto foi reforçado: Por causa que tinha pares assim que a gente ainda não tinha

estudado sobre elas e tinha palavras que a gente não tinha, aí algumas foi fácil, algumas foi

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difícil. Novamente a freqüência de uso aparece como o fator importante para a distinção entre

uma e outra forma de grafar o homófono.

Dos dados coletados dessa entrevista, pôde-se depreender que, dos sujeitos que

opinaram, treze acharam fácil fazer a atividade e os outros três acharam algumas palavras

fáceis e outras não. Ao perguntar como explicavam a escolha da palavra para completar a

frase: 1) sete disseram que o contexto forneceu informações, por exemplo, por causa que

tinha textos informativos pra tirar as idéias pra saber qual era; 2) seis sujeitos se valeram do

significado como mostra uma das falas: porque a gente aprendeu o significado na sala de

aula; 3) três se valeram tanto do significado quanto do contexto como revela a fala a seguir:

foi dado um passo com o pé 41. Com um pé, não pode ser um palácio com um pé.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Embora os questionamentos da entrevista tenham sido feitos para se descobrir se

fazer o jogo foi fácil ou difícil e por que o foi, os sujeitos manifestaram que haviam gostado

do jogo conforme expressam estas falas: 1) Eu achei bem interessante, porque assim tem

palavras que a gente não sabe como é que se escreve, se confunde na hora de escrever. Daí a

gente aprende certo [?] errado. 2) Porque a gente, assim, começou a identificar melhor os

pares, as propostas assim, né. A gente conseguiu identificar, por exemplo, comprimento e

cumprimento, a gente conseguiu aprender melhor qual o significado da palavra e até tinha as

palavras mais parecidas que a gente até se engana ao escrever.

As opiniões dos sujeitos vão mostrando qual o efeito que o trabalho está tendo e

como eles estão entendendo a proposta e sentindo a diferença. Esse tipo de manifestação é

muito importante, pois permite que o trabalho tenha continuidade dentro do que foi planejado:

a aprendizagem é uma resposta ao modo como o conteúdo está sendo ensinado.

j) Passo 11

a. Homófonos não homógrafos discutidos: cena, conserto, descrição, acesa e

intenção

b. Atividades: ditado interativo: Corrida espacial (anexo 20); discussão em

pequenos grupos explorando a grafia a partir do contexto, apresentação dos resultados (anexo

21).

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c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Analisando as formas de explicar a grafia apresentadas pelas cinco equipes (episódio

10, anexo 13), observou-se que: 1) a primeira equipe explicou a palavra fazendo

comparações e definindo-a; 2) a segunda e a quarta equipes se valeram da derivação

morfológica e do significado; 3) a terceira apresentou a definição de intenção, mas teve

dificuldade para explicar o homófono que é uma palavra cuja freqüência de uso é baixa e era

desconhecida; 4) a última equipe apenas apresentou a definição de descrição e disse existir o

seu homófono, mas não esclareceu a diferença embora a tenha comentado quando da

discussão no pequeno grupo, mas o grande grupo interveio, fazendo com que o significado

fosse explicado. Ainda que tenham usado maneiras diferentes para explicar a grafia de um

dos homófonos não homógrafos, todos os sujeitos apontaram o significado como fator

decisivo, o que é de suma importância quando se trata de homófonos da mesma classe

gramatical como os discutidos pelas equipes.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Das palavras ditadas, a que apresentou maior dúvida foi conserte. Interessante

destacar que, no pós-teste, também se poderá observar que o par de homófonos

conserto/concerto foi o que mais provocou dúvidas entre os sujeitos.

Durante o trabalho em equipe, a professora passou por cada uma delas e, quando

necessário, auxiliava, mas sempre deixando que a conclusão fosse dos alunos, como

aconteceu na equipe que discutiu a palavra acesa (episódio 10, anexo 13).

k) Passo 12

a. Homófonos não homógrafos discutidos: seção, sessão, passo e descrição

b. Atividades: Leitura e análise do folheto da revista Nosso Amiguinho (anexos 22 e

23)

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Da discussão dos homófonos não homógrafos presentes no referido folheto (episódio

11, anexo 13) verificou-se que: 1) os sujeitos já sabiam o significado da palavra seção e

aliaram a isso o seu conhecimento de mundo para tecer as explicações. Também na primeira

vez em que se discutiu esta palavra, os alunos usaram como exemplo a loja Havan. 2) Ao

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definir a palavra descrição, um dos sujeitos assim o fez: Está descrevendo uma plan... uma

árvore assim, pra saber que uma árvore tem cinco folhas e cada uma, uma laranja que tá

verde, se o caule é fino ou é grosso. Este sujeito usou como estratégia a visualização de um

evento. As representações por eventos são responsáveis pelas significações dependentes de

contexto e sociopragmáticas. 3) Uma outra forma de explicar a palavra foi esclarecendo que,

naquele contexto, só uma acepção pode ser acessada, como mostram estas falas ao explicar a

grafia de passo a passo: Porque eles ensinam assim, ensinam uma coisa e daí já vai pra

outra.[...]Porque se fosse paço com ç seria um castelo...Castelo, castelo; palácio, palácio.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Quando se trabalhou o “completando frases”, os sujeitos apresentaram dificuldade

para estabelecer a diferença entre seção e sessão. Em suas falas (episódio 9, anexo 13), ficou

evidenciado que a escolha da palavra sessão para completar a frase ocorreu por eliminação, ou

seja, os sujeitos, por conhecerem o significado de seção, perceberam que esta acepção era

inadequada naquele contexto, por isso optaram por sessão, entretanto desconheciam o seu

significado. Os dados levantados serviram como referência para o trabalho que foi planejado

a partir do folheto de divulgação da revista Nosso Amiguinho, pois o gênero discursivo em

pauta, naquele momento, era folheto. Assim, foi possível explorar tanto o gênero, o conteúdo

do texto quanto a grafia de palavras homófonas, algumas já estudadas. Esta postura aponta

para um trabalho em sala de aula que não enfoque a grafia de forma isolada, e que leve em

consideração os conhecimentos que os sujeitos estão construindo durante o processo de

ensino e aprendizagem.

l) Passo 13

a. Homófonos não homógrafos discutidos: cozido e cosido

b. Atividades: releitura focalizada do folheto sobre cólera (anexo 24); discussão em

dupla e produção de texto explicativo; apresentação dos resultados.

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Ao analisar a palavra cozidos, alvo da releitura focalizada, a professora se valeu do

critério de derivação morfológica para iniciar a discussão. Já no pré-teste se observou que

muitos sujeitos se valeram desse critério para explicar a grafia das palavras que foram ditadas,

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sendo a terceira categoria com maior freqüência; entretanto, apenas quatro sujeitos

observaram a derivação ao explicar a palavra cozidos naquela ocasião. À medida que o

trabalho com os homófonos não homógrafos foi se desenvolvendo, os alunos passaram a estar

mais atentos a uma série de aspectos que podem auxiliar na explicação da grafia, tanto o

contexto como as palavras cognatas.

Os sujeitos tiveram facilidade para explicar a palavra cozidos, mas o mesmo não

ocorreu com cosidos, embora tenha sido apresentada dentro de um contexto que possibilitava

a sua compreensão. Isso se deve à infreqüência desta palavra entre os sujeitos: alguns deles a

acharam muito estranha, um sujeito até cogitou que ela não existia e outro comentou: nada a

ver. No ensino da ortografia, a freqüência com que a palavra aparece no texto escrito é um

fator relevante, uma vez que crianças de séries mais avançadas do Ensino Fundamental

escrevem mais facilmente palavras reais mais freqüentes.

Analisando a produção escrita dos sujeitos cujo objetivo era explicar as duas palavras

discutidas, pôde-se perceber que: 1) a maioria fez generalização, ou seja, conseguiu produzir

um conceito; 2) alguns optaram por explicar a origem das palavras. Além disso, um dos

sujeitos fez a definição partindo do hiperônimo e depois incluiu os hipônimos. Em todos os

exemplos: 1) Minha mãe podia ter cosido o meu chortes ;2)Minha avó fez um cozido de carne

espetacular! 3)Vou cozer uma batata; 4)Eu mandei coser o meu moletom, verificou-se que as

palavras foram empregadas com adequação, o que revela que os sujeitos compreenderam a

diferença entre um e outro homófono, o que não aconteceu na totalidade dos exemplos

produzidos em outras atividades anteriores.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Ao descobrirem o significado de coser (episódio 12, anexo 13), os sujeitos

começaram a discutir o seu uso e um deles comentou: Que eu costurei a carne ontem; eu fiz

uma costura na carne ontem. Outro sujeito retrucou: O frango quebrou a perna. O grupo

então começou a rir. Esta reação revela que os sujeitos perceberam como a troca das

palavras pode, em algumas situações, criar um efeito de humor.

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m) Passo 14

a. Homófonos não homógrafos discutidos: gazes, gases; informar, enformar;

homófonos não homógrafos formados pelos prefixos en(m)- e in(m) -do jogo dos pares

opostos; acender; espiar; seção; sessão; assento; sela; passo; russo; concerto; consertar;

intenção; expectador; espectador; esperto; cozido; cauda; fraldar; descrição; despensa;

distinção; cumprimento; cavalheiro; ante; discriminação; alto; cena.

b. Atividades: releitura focalizada da bula do Nebacetin; discussão do significado

partindo de cartaz ilustrativo (anexo 25); jogo dos pares opostos; jogo achando o significado

com registro na folha de investigação (anexo 26).

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Ao explicar a diferença entre gazes e gases (episódio 13, anexo 13), os sujeitos se

valeram tanto de sua experiência pessoal quanto da informação fornecida pelo texto. Como já

se verificou anteriormente, os sujeitos usam a estratégia de visualização de um evento para

explicar a palavra, por exemplo: gaze com z é aquele paninho pra botar em cima do curativo.

Além disso, ao se apoiarem na informação oferecida pelo texto, neste caso, “aplicar sobre a

região afetada com o auxílio de uma gaze” (Teixeira, 2002b, p. 236), fazem-no por que a

informação advinda do texto seja morfossintática ou semântica é de suma importância para

sua compreensão.

A maneira de explicar a diferença entre informar e enformar não difere muito da

anterior, pois alguns sujeitos partem de um exemplo: Informar é, tipo, uma pessoa tá

viajando, daí ela quer uma informação, daí ela procura se informar, e uma mulher tá fazendo

um bolo, daí ela pega uma forma, daí ela enforma o bolo. Percebe-se que o sujeito que

produziu a explicação, ao construir o sentido, está visualizando a imagem.

Analisando os resultados do jogo de pares opostos com os prefixos en(m)- e in(m)-,

verificou-se que os sujeitos tiveram muita dificuldade para criar exemplos, sobretudo para a

palavra enarmônico. Isso se deve às palavras que foram selecionadas, pois a grande maioria

delas era desconhecida dos sujeitos, inclusive algumas raramente aparecem em textos escritos.

Tal constatação levou a pesquisadora a refletir a respeito da seleção de palavras para os jogos,

a qual deve levar em consideração a freqüência de uso e o conhecimento prévio dos sujeitos,

embora não se deva deixar de apresentar palavras novas. O que aconteceu, especificamente

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com este par de prefixos, foi que a maioria das palavras selecionadas era de baixa freqüência

de uso. Conforme já se comentou em relação à análise de cosidos, a freqüência é um fator

relevante no ensino da ortografia.

Quanto ao jogo achando o significado, começando pelos dados levantados a partir da

folha de investigação, verificou-se que a maioria dos alunos acertou o significado da palavra

já na primeira tentativa como se pode ver no gráfico 21:

GRÁFICO 21 – MOMENTO EM QUE O SUJEITO ACERTOU O SIGNIFICADO

0

5

10

15

20

25

ACENDER

ESPIAR

SEÇÃO

SESSÃO

ASSENTOSELA

PASSO

RUSSO

CONCERTO

CONSERTAR

INTENÇÃO

EXPECTADOR

ESPECTADOR

ESPERTO

COZIDO

CAUDA

FRALDAR

DESCRIÇÃO

DESPENSA

DISTIN

ÇÃO

CUMPRIM

ENTO

CAVALHEIRO

ANTE

DISCRIM

INAÇÃO

ALTOCENA

palavras do jogo

resp

osta

s

1.º

2.º

3.º

FONTE: dados da pesquisadora

Agrupando as palavras que fazem parte do jogo, quanto ao momento do acerto e ao

número de respostas, encontraram-se quatro situações: 1) duas palavras tiveram seu

significado apontado já no primeiro momento; 2) cinco palavras tiveram uma segunda

tentativa, embora mais de 20 respostas tenham indicado a primeira tentativa; 3) oito palavras

tiveram duas tentativas para o acerto, mas com menos de 20 respostas para o primeiro

momento; 4) onze palavras tiveram três tentativas. Neste último grupo, constatou-se que as

palavras que mais provocaram dúvidas quanto ao significado foram discriminação e alto: esta

última ainda não havia sido trabalhada, mas a primeira já.

Quanto às justificativas, foram elencadas sete na folha de investigação, mas o sujeito

poderia acrescentar outra se achasse necessário: 1) já tinha lido; 2) já tinha lido e escrito; 3)

uso bastante esta palavra; 4) nunca tinha lido; 5) uso pouco esta palavra; 6) a forma como a

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explicação foi feita ajudou na escolha; 7) a forma como a explicação foi feita não facilitou a

compreensão e por isso tive dúvida.

A seleção da justificativa 1 e 2 revela que o conhecimento prévio é um fator

importante para que o sujeito consiga apontar o significado, e isso se fez notar em vinte e

cinco das vinte e seis palavras que fazem parte do jogo. Além disso, como mostra o gráfico

22, a freqüência é outro fator importante:

GRÁFICO 22 – JUSTIFICATIVAS PARA EXPLICAR FACILIDADE OU DIFICULDADEPARA ACHAR O SIGNIFICADO

0

50

100

150

200

250

300

justificativas

resp

osta

s

1

2

3

4

5

6

7

nenhuma

FONTE: dados da pesquisadora

Analisando as palavras que os sujeitos acertaram na segunda tentativa quanto à

justificativa, constatou-se que a justificativa 7 apareceu mais na palavra sela, o que aponta

para a revisão de como o significado foi elaborado. Outra justificativa presente, nesse grupo,

é a 5 que apareceu como a mais expressiva. Ela também foi a que mais apareceu entre as

palavras que tiveram o significado descoberto no terceiro momento. Tal constatação aponta

para a questão da baixa freqüência de uso como um fator dificultante para a identificação do

significado como já se havia constatado em outros momentos do processo.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

À medida que as aulas foram sendo desenvolvidas, era interessante observar como os

alunos conseguiam discutir interagindo entre si, sem que a professora precisasse intervir a

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todo o momento. Já conseguiam, também, elaborar explicações de forma objetiva, mostrando

a diferença entre os homófonos não homógrafos trabalhados.

Além disso, o momento inicial deste encontro foi significativo, pois a professora

soube aproveitar uma oportunidade que surgiu, a leitura da bula, para promover a explicação

de homófonos não homógrafos, não se atendo apenas ao que havia sido planejado.

n) Passo 15

a. Homófonos não homógrafos discutidos: fraldar e fraudar

b. Atividades: leitura e discussão da notícia Cavalos ganham fraldão e placa (anexo

27); análise lingüística do título explorando a palavra fraldão; produção de ilustração e

legenda para a notícia (anexo 28).

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Ao discutirem a grafia de fraldar e fraudar (episódio 14, anexo 13), os sujeitos

apontaram que: 1) as palavras tinham significados diferentes como revelam estas falas:

Colocar fraldas em alguém. É com u, fraude de roubar. Nestes casos, os sujeitos dão a

definição da palavra fazendo uma generalização. 2) uma das palavras era mais freqüente que

a outra como destacou a professora: Fraldar, a gente não costuma escutar muito, né. Ah, eu

vou fraldar o meu bebê, eu vou trocar a fralda e pronto, né. Então, quando vocês ouvirem

essa palavra, fraldar, vai vir de que mesmo? Esta indagação da professora apontou para um

outro critério, a derivação morfológica, que em muitas situações, como já se mencionou, foi

utilizado pelos sujeitos.

Outro ponto comentado pelos sujeitos foi a dificuldade de grafar palavras nas quais a

realização do arquifonema |W| se reescreve competitivamente com “l” ou “u”. No par em

discussão, a dificuldade maior está na grafia de fraldar, isso se deve ao fato de o “u” refletir

melhor a pronúncia, uma vez que o aprendiz tende a uma escrita que se aproxime da forma

como fala.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

O gênero notícia fazia parte do programa, assim como o folheto, por isso se

aproveitou a oportunidade tanto para discutir as características dos gêneros estudados como

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para analisar a grafia da palavra alvo. Além disso, oportunizou-se um debate em torno do

tema, que foi a parte mais calorosa do encontro. É importante que o trabalho com a grafia não

seja feito de forma isolada, por isso se aproveitaram os textos selecionados a fim de que os

sujeitos pudessem retirar deles informações necessárias para a compreensão dos homófonos

não homógrafos em discussão.

No final desse encontro, foi retomada a notícia que havia sido entregue sem a foto a

fim de que os alunos imaginassem como seria o fraldão proposto pela prefeitura de Itajaí. A

professora, então, apresentou a proposta de trabalho: criar a foto para notícia com uma

legenda. Analisando a relação entre a ilustração e a legenda, constatou-se que a maioria dos

sujeitos produziu uma legenda que apresentava elo com a ilustração.

o) Passo 16

a. Homófonos não homógrafos discutidos: cenário, servo, cervo e cesta.

b. Atividades: releitura focalizada do enunciado do exercício da p. 195; criação de

cenário onde estejam presentes um servo, um cervo e uma cesta (anexo 29); discussão da

produção.

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Ao serem convidados pela professora para definir a palavra cenário (episódio 15,

anexo 13), alguns sujeitos falaram, inicialmente, de sua experiência prévia como mostram

estas falas: É aonde a gente fica, assim, uma paisagem; Uma paisagem inventada; Pode ser

artificial ou verdadeira. Outros sujeitos relembram as aulas de Artes, como que visualizando

o cenário que haviam produzido: Aí tinha uns que eram caminhões, outros que eram

paisagem. Isso revela que os sujeitos se valem de um evento para explicar a palavra e,

analisando os vários momentos da discussão, nenhum sujeito apresenta um conceito para a

palavra, embora tenham clareza do que ela significa e como se grafa.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

No momento em que a professora anotou as palavras: servo e cervo no quadro, os

sujeitos já começaram a perguntar qual era com s e qual com c, alguns opinaram, outros

discutiram a pronúncia e um explorou a derivação. Mesmo antes de a atividade ter início, já

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tinham clareza da diferença entre uma e outra palavra: Servo com s é alguém que serve, que

ajuda, e cervo com c é um animal. Somente depois da discussão levantada pelos próprios

alunos, é que a professora detalhou como poderiam realizar a atividade proposta e eles

passaram a ilustrar o cenário. É interessante observar como os sujeitos foram mudando sua

forma de discutir a grafia. Inicialmente, partia da professora a reflexão sobre as diferentes

maneiras de grafar e suas justificativas; quase ao final do processo, observou-se que os

sujeitos, entre si, já iniciavam a discussão e traziam à tona razões pertinentes como

significado e derivação morfológica.

p) Passo 17

a. Homófonos não homógrafos discutidos: acender x ascender; acento x assento;

ante x anti; calda x cauda; cavaleiro x cavalheiro; cocheira x coxeira; cena x sena; cela x sela;

comprimento x cumprimento; concerto x conserto; cozer x coser; descrição x discrição;

descriminação x discriminação; despensa x dispensa; distinto x destinto; emergir x imergir;

emigrar x imigrar; enformar x informar; expectador x espectador; experto x esperto; expiar x

espiar; fraldar x fraudar; gases x gazes; intenção x intensão; paço x passo; ruço x russo; seção

x sessão; servo x cervo.

b. Atividades: releitura do livro Não confunda; proposta de criação de um livro para

crianças a fim de que não confundam palavras parecidas; discussão sobre a forma de

organização; início da produção.

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

A análise do material produzido pelos sujeitos será feita no próximo passo.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Até esse momento, os homófonos não homógrafos, selecionados para serem

trabalhados com os alunos, já haviam sido abordados dentro das várias atividades

desenvolvidas, portanto era possível pensar em uma produção que envolvesse os pares de

homófonos não homógrafos já discutidos. A idéia foi retomar uma obra infantil, trabalhada

no início do ano. A turma fez a releitura da obra, observando como a autora havia produzido o

texto. Feito isso, a professora apresentou ao grupo a proposta de criação de um livro no qual

seriam trabalhadas as palavras homófonas não homógrafas evidenciando o que poderia ser

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confundido. A primeira etapa foi a discussão da forma como cada página seria organizada,

depois, houve o sorteio dos pares de homófonos entre os alunos, a professora e a

pesquisadora. Distribuídos os pares, os alunos começaram a produzir a sua página que

deveria conter a explicação para não confundir e as ilustrações. No planejamento, haviam se

destinado três aulas para o desenvolvimento do livro, entretanto, o grupo surpreendeu, pois

fez a atividade com muita facilidade já na primeira aula. À medida que iam criando o texto,

discutiam com os colegas, com a professora e até com a pesquisadora, faziam alterações no

texto, consultavam o material da revista Recreio, Linguagem e rimas, para buscar outras rimas

quando não se satisfaziam com as que haviam colocado, pois entendiam que não era apenas

uma questão de rimar, era preciso levar em consideração o sentido.

q) Passo 18

a. Homófonos não homógrafos discutidos: cumprimento, comprimento, cavaleiro,

cavalheiro, conserto, concerto, cauda, calda, acento, assento, russo, ruço, cervo, servo, expiar,

espiar, passo, cesta, sexta.

b. Atividades: jogo da memória; finalização do livro: título, capa e introdução.

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

O foco da análise, neste passo, será a produção do livro (anexo 32). Analisando cada

página do livro produzido, cada uma tratando de dois homófonos não homógrafos, observou-

se que, em alguns casos, a ilustração era imprescindível para a compreensão da diferença

entre as duas palavras; entretanto, na maioria dos casos, o texto já trazia informações

suficientes que visavam evitar a confusão entre os homófonos. Por outro lado, vale ressaltar

que, para os que não conhecem o significado dos homófonos não homógrafos trabalhados, a

ilustração é altamente informativa.

As ilustrações produzidas tiveram três focos: 1) o homófono não homógrafo (14%),

ou seja, o sujeito ilustrou a palavra em discussão como ocorreu com assento, cela, despensa,

paço entre outros; 2) outro elemento do texto (42%), isto é, o sujeito se ateve ao elemento

que estava na cena junto com o homófono, por exemplo, em coser a luva, o sujeito desenhou

a luva; 3) o homófono e outro elemento do texto (44%) como ocorreu, por exemplo, na cena

criada para ilustrar a expressão um palhaço informado, o sujeito desenhou o palhaço e um

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jornal. Como se pôde observar, na maioria dos casos, o homófono está presente na ilustração

a fim de deixar claro o aspecto que distingue uma e outra grafia.

Analisando os textos produzidos, verificou-se que os homófonos não homógrafos

pertencentes à classe dos substantivos foram caracterizados pelos sujeitos que acrescentaram

um adjetivo, ou uma locução adjetiva, ou uma oração adjetiva. Segundo Bechara (2003, p.

142), o adjetivo “é a classe de lexema que se caracteriza por constituir a delimitação, isto é,

por caracterizar as possibilidades designativas do substantivo, orientando delimitativamente a

referência a uma parte ou a um aspecto do denotado”. Dos adjetivos, locuções adjetivas e

orações adjetivas produzidos pelos sujeitos, pôde-se observar que a grande maioria foi

empregada para fazer a especificação. Os especificadores servem para restringir as

possibilidades de referência de um signo, assinalando aspectos que não são inerentes ao seu

significado. Em muitos casos, o que verificou foi a determinação identificadora que, segundo

Bechara (op. cit, p. 143), consiste “na especificação do significado de uma forma ‘multívoca’

para garantir sua compreensão por parte do ouvinte. [...] Não é a identificação um processo

que se realiza com os significados, como a delimitação, mas com formas, e com vista à

atribuição do significado, isto é, é um processo para que as formas se tornem inequívocas ao

ouvinte”. São exemplos de especificação, entre as produções dos sujeitos: descrição do peso,

passo de gay, seção de pia, assento de casa.

Em outras situações, os adjetivos ou locuções empregados são inerentes ao

substantivo, promovendo apenas a explicação, como ocorreu em: acento de palavra, sela de

um cavaleiro e cavalheiro gentil.

Todos os homófonos não homógrafos, tratados no livro, pertencentes à classe dos

adjetivos receberam substantivos como complemento para explicar a palavra. Por exemplo, os

sujeitos elaboraram expressões como: pessoa distinta, palhaço informado, esperto vendedor

e outras, nas quais havia maior proximidade entre o adjetivo e o substantivo: roupa destinta,

bolo enformado.

Com os homófonos não homógrafos da classe dos verbos, o comportamento foi

diferente, pois os sujeitos acrescentaram: 1) substantivo que funcionou como sujeito e/ou

como complemento verbal; 2) locução adverbial; 3) outro verbo; 4) substantivo e pronome de

tratamento. Estes exemplos ilustram as quatro situações descritas: acender a luz; espiar na

fechadura; emigrar de sair; o deputado vai fraudar você.

Analisando todos os textos produzidos no livro, verificou-se que as palavras

escolhidas para serem colocadas junto aos homófonos não homógrafos serviram para explicar

ou especificá-los, podendo alguns deles ser considerados como exemplos. Em um caso

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apenas, o sujeito se preocupou em produzir um texto que trouxesse o significado dos

homófonos.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Depois de os sujeitos terem produzido seus textos, fez-se a escolha do título, a

elaboração da apresentação e a produção da capa. Para a escolha do título, realizou-se a

brincadeira da tempestade cerebral e as sugestões que surgiram foram anotadas no quadro.

Discutiram muito e depois se procedeu à votação, sendo escolhido o título Não confunda

homônimos legais com palavras normais. Interessante observar que os sujeitos tentaram

relacionar o título à proposta da produção, eliminando palavras que não expressavam o que o

livro tinha como tema. A apresentação ficou a cargo da professora. Com o título definido, foi

o momento de os alunos pensarem na capa da obra e ficou acertado que, na aula seguinte, se

faria a escolha entre as propostas apresentadas. Nem todos quiseram participar, pois

acreditavam que no grupo havia alunos que desenhavam bem e deveriam ser os responsáveis

pelas sugestões.

r) Passo 19

a. Homófonos não homógrafos discutidos: os do bingo de homônimos

b. Atividades: bingo de homônimos; escolha da capa para o livro.

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Os resultados obtidos no bingo de homônimos, último jogo a ser trabalhado, serão

enfocados neste passo. Quando a palavra sorteada era uma das trabalhadas durante a

intervenção, os sujeitos tinham facilidade em mostrar qual a diferença de grafia entre uma e

outra. Isso foi observado com as palavras: calda, celeiro, sela, assento, caçar, passo, destinto

entre outras (episódio 17, anexo 13). Já, quando a palavra sorteada era desconhecida do

sujeito, revelou dificuldade como aconteceu com incipiente e com charada. Mais uma vez se

observa que o conhecimento prévio, aqui advindo tanto da experiência anterior à intervenção

colaborativa como das atividades escolares desenvolvidas neste período, proporcionou, aos

sujeitos, condições para explicarem a diferença de grafia entre um e outro homófono, em

alguns casos, apontando inclusive a diferença de significado embora não tenha sido uma

exigência nesse jogo. Outro aspecto que fica latente, nos resultados, é que o fato de os

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sujeitos lembrarem as palavras trabalhadas com facilidade demonstra que houve compreensão

das diferenças entre os homófonos não homógrafos e não sua mera memorização.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

Foram nove os alunos que apresentaram as sugestões de capas para o livro, a maioria

delas com desenho de interrogação. Colocadas no quadro, o grupo passou a votar as várias

sugestões. Mais uma vez se notou que os sujeitos procuraram relacionar o conteúdo da obra e

seu título com os desenhos sugeridos, pois antes de chegarem à escolha, houve bastante

discussão por parte do grupo.

Quanto ao bingo de homônimos, o comportamento dos sujeitos, durante o jogo,

revela que, no início, é necessária a orientação do professor para a conferência das palavras

sorteadas; as palavras já discutidas em sala de aula são explicadas com mais facilidade do que

aquelas que foram incluídas no bingo de homônimos e aparecem pela primeira vez. Parece

uma conclusão óbvia, mas, muitas vezes, em sala de aula, o professor esquece que o

conhecimento prévio do aluno deve ser levado em consideração.

s) Passo 20

a. Homófonos não homógrafos discutidos: passo - paço; discriminação –

descriminação; despensa – dispensa; cumprimentar; espiar – expiar; seção – sessão; cavaleiro

– cavalheiro; descrição – discrição; ruça – russa; servos – cervos; concerto – conserto.

b. Atividades: jogo do castelo vampiresco (anexo 30)

c. Diagnóstico inferencial sobre os tipos de resposta

Durante o período em que a professora e a pesquisadora estiveram juntas, houve

muita troca entre elas de leituras, conhecimento teórico, experiências de sala de aula. Tudo

isso contribuiu tanto para o planejamento das aulas como para o seu desenvolvimento. A

professora foi, então, elaborando uma atividade para fechar o estudo dos homófonos não

homógrafos, sem que a pesquisadora tivesse participação, pois, como disse ela, queria fazer

uma surpresa. A proposta apresentada pela professora revela que mudou a sua concepção

sobre o ensino da ortografia, o que demonstra também um novo olhar teórico e metodológico

sobre este assunto.

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Além disso, a atitude da professora denota que a experiência vivida durante a

intervenção colaborativa foi significativa e que ela compreendeu que, em uma pesquisa-ação,

o trabalho se faz em parceria. Como apontam Lisita, Rosa e Lipovetsky (2002, p. 118), “esse

posicionamento implica uma postura contrária à divisão entre pesquisadores e professores na

produção do conhecimento educacional e uma defesa explícita da potencialidade que a

pesquisa tem para auxiliar os professores a participarem da produção do conhecimento

educacional e do debate sobre os rumos de seu trabalho”.

Quanto ao desenvolvimento do jogo, observou-se que, na maioria das situações os

sujeitos tiveram facilidade para selecionar o homófono não homógrafo (episódio 18, anexo

13) uma vez que todos os pares selecionados pela professora tinham sido trabalhados em sala

durante o período de intervenção colaborativa.

No primeiro momento, além do par de homófonos não homógrafos, paço e passo, os

sujeitos também tinham como opção as grafias pasço e paso. Todas as equipes selecionaram

corretamente, sem dúvidas, a palavra pois tinham uma informação que favorecia a escolha: a

residência do rei, príncipes, a corte. Neste caso, observa-se a importância que o significado

tem como fator decisivo entre homófonos não homógrafos da mesma classe gramatical.

Da terceira atividade em diante, a seleção foi sempre entre uma das palavras do par

de homófonos não homógrafos que deveria preencher o texto oferecido. Pôde-se observar

que a informação semântica advinda do texto é de suma importância para a seleção do

homófono não homógrafo. Aliado a isso está o conhecimento adquirido pelo sujeito durante o

seu processo de aprendizagem, ou seja, há uma integração entre o conhecimento advindo do

texto com o que o sujeito já construiu.

Analisando cada palavra trabalhada e selecionada, verificou-se que os sujeitos não

tiveram dificuldade para selecionar: cumprimento, espiar, cavalheiro, servos e concerto. Por

exemplo, para selecionar cumprimento, os sujeitos se valeram do conhecimento do

significado de comprimento: É cumprimento. É cumprimento porque comprimento é medida,

é tamanho. O mesmo aconteceu com espiar: Porque expiar é pagar pecado e ele não vai

pagar. Essa atitude mostra que os sujeitos tinham em seu léxico mental ortográfico os dois

homófonos não homógrafos contíguos e, por conhecerem os dois significados, puderam fazer

a escolha adequada, uma vez que, no caso dos homônimos, no léxico mental, há mais de uma

entrada e cada uma delas vai apontar para o respectivo significado na memória semântica.

As palavras que provocaram mais discussão nos grupos, pois nem todos os sujeitos

tinham certeza da relação grafia e significado foram discriminação, despensa, dispensa,

sessão, descrição, passo e ruça. Analisando a discussão em um dos grupos, observou-se que

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um sujeito, por não ter certeza do significado da palavra não conseguia fazer a seleção

adequada: descriminação é... descrever alguma coisa. Os outros membros do grupo

esclareceram a diferença de grafia e significado e passaram a escolha correta. A dúvida entre

grafar seção ou sessão levou os sujeitos das diversas equipes a discutirem as atividades

realizadas em sala para chegar ao significado das duas palavras, o que resultou em duas

contribuições importantes: 1) Uma é sessão de tempo e a outra é seção de espaço. 2) Sessão

com dois esses é de cinema. Seção com ç é a parte de um todo. Novamente se observa que o

conhecimento dos dois significados favorece a seleção de qual é adequado para o texto em

discussão, ou seja, os sujeitos revelaram que a distinção entre grafar a realização do fonema

/s/ com “ç” ou “ss” está condicionada ao significado que a palavra tem. A indecisão entre

grafar despensa e dispensa, em uma das equipes, foi solucionada depois de os sujeitos terem

selecionado a palavra e observado que ela não era adequada para aquele contexto, uma vez

que conheciam os dois significados: 1)Despensa...é um lugar onde se guarda comida;

2)Dispensa... eu tô dispensando do grupo. No primeiro caso se tem um conceito e no

segundo o sujeito explica através de um exemplo, valendo-se de um evento. Na segunda vez

em que tiveram que discutir este par, num dos grupos, mal começou a discussão, um dos

sujeitos já selecionou dispensa. Entretanto, os demais preferiram continuar a discussão e só

chegaram à solução depois de se valerem do conhecimento morfológico: dispensa porque foi

dispensado. Também para a seleção de discrição os sujeitos de uma equipe se valeram de um

outro cognato, discreto, pois não conseguiam lembrar o significado da palavra.

Portanto, verificou-se que três fatores auxiliaram os sujeitos na seleção adequada dos

homógrafos não homógrafos, a informação advinda do texto; o conhecimento morfológico e o

conhecimento semântico, sendo este último o mais importante.

d. Comentários sobre os fatos mais relevantes

A professora aproveitou que a novela O beijo do vampiro estava entre as preferidas

dos alunos daquele grupo e criou um jogo chamado Castelo vampiresco. Esta escolha

favoreceu a participação dos sujeitos. A professora elaborou o texto e os alunos, em equipe,

desenharam o cenário em papel pardo de 1m por 1m30cm. Cada grupo pôde criar os

elementos que faziam parte do cenário: castelo com quatro pontes, caminhos e árvores. Além

disso, coloriram os elementos que seriam colados no cenário durante o jogo como: caminho,

portas, Morcelino, Fantasmilda, tecido, escada, montanha-russa. Esta foi a primeira parte do

jogo, preparar o material necessário. A participação dos sujeitos na elaboração do jogo foi

muito significativa, pois permitiu que cada equipe pudesse apresentar sua visão sobre o tema a

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ser tratado, evitando que um modelo fosse seguido, pois os sujeitos já haviam trabalhado com

vários jogos e tinham condições de ir criando os seus.

Durante a realização do jogo, era muito interessante, ao passar pelas equipes,

observar como os sujeitos precisavam discutir, não aceitavam logo a primeira idéia. Durante

o período de intervenção, este foi um dos aspectos que também foi observado, pois, no início,

alguns se posicionavam e os demais aceitavam; no final, todos conheciam o assunto e

sentiam-se em igualdade para discutir.

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4.3 O que mostram os dados do pós-teste

A aplicação do pós-teste teve como objetivo verificar se entre as duas turmas

de quarta série houve alguma mudança quanto à forma de grafar os homófonos não

homógrafos da mesma classe gramatical, observando-se também a maneira como os

sujeitos produziram suas justificativas e se havia elo entre a grafia e a justificativa.

O pós-teste, cuja elaboração foi detalhada no capítulo sobre a metodologia,

seguiu os mesmos trâmites do pré-teste. Das 20 palavras ditadas e das respectivas

justificativas produzidas, chegou-se ao número de dados semelhante ao do pré-teste:

500 respostas quanto à grafia e 500 justificativas de cada grupo.

O primeiro aspecto a ser discutido será o número de acertos, que já foi

apresentado na tabela 1, mas será retomado em um outro gráfico para que se possa

observar o comportamento dos dois grupos:

GRÁFICO 23 - COMPARAÇÃO ENTRE O GE E O GC QUANTO AO NÚMERO

DE ACERTOS NO PÓS-TESTE

0

1

2

3

4

5

6

7

5 7 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20

número de acertos

freq

üênc

ia

GE

GC

FONTE: dados da pesquisadora

Os dados mostram que os sujeitos do GE, na sua grande maioria, grafaram

corretamente 75% ou mais das palavras ditadas. Entretanto, para verificar se esta

diferença é significativa, aplicou-se o teste quiquadrado, tendo como hipóteses

formuladas: 1) Ho: Não há diferença significativa entre as turmas; 2) H1: Há diferenças

significativas entre as turmas.

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Analisando os dados do pós-teste, foi possível chegar às duas distâncias

exigidas: X²cal = 6,378 e X²tab = 5,412 com um nível de significância indicado por

= 2 %, estes dados apontam para a seguinte conclusão do teste: rejeita-se H0, ou seja, há

diferenças significativas entre as turmas quanto ao número de acertos nos testes pré e

pós.

Além da análise quanto ao número de acertos, as palavras ditadas foram

categorizadas quanto às diferentes maneiras de serem grafadas, sendo as respostas

agrupadas nestas seis categorias:

1) correta: o sujeito grafou a palavra corretamente;

2) homófonos: o sujeito grafou o homófono da palavra levando em

consideração apenas o som ditado;

3) NILO (não internalizada no léxico ortográfico): o sujeito grafou uma palavra

que não existe na língua portuguesa: isso se deve à pouca leitura;

4) RNI (regra não internalizada): o sujeito grafou a palavra incorretamente por

não conhecer as regras de codificação;

5) PM (problemas maiores): o sujeito grafou a palavra incorretamente

revelando problemas de sintaxe ou de percepção;

6) ECF (escreve como fala): o sujeito grafou a palavra como a fala, mostrando

não estabelecer distinção entre fala e escrita.

O gráfico 24 apresenta uma comparação entre os dois grupos quanto à

freqüência de respostas em cada uma dessas categorias:

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GRÁFICO 24 - CATEGORIAS QUANTO À MANEIRA DE GRAFAR A PALAVRADITADA NO PÓS-TESTE

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

GE GC

grupos

pala

vras

CORRETA

HOMÓFONO

NILO

RNI

PM

ECF

FONTE: dados da pesquisadora

Comparando os grupos, é possível observar, também neste gráfico, que há

diferenças quanto ao número de respostas em todas as categorias exceto na última.

Os dados mostram que, na categoria 1, há diferença entre os dois grupos, pois o

GE teve 81% das respostas e o GC 61%, ficando próximo ao resultado obtido no pré-

teste que foi de 60,6%. Das seis palavras com maior número de acertos (superior a 20)

no pré-teste em ambos os grupos: cavalheiro, espiada, esperto, passo, russa, cena, duas

delas, passo e russa, não foram ratificadas no pós-teste no GC, mas surge a palavra

espectadores. Já no GE, aquelas palavras permanecem e mais seis surgem: acende,

cozidos, cauda, descrição, cumprimentos, discriminação. Analisando esses dados,

constatou-se que o número de palavras com mais de vinte acertos dobrou no GE, mas no

GC permaneceu praticamente o mesmo.

No GE, as palavras com o menor número de acertos são conserte (14 respostas)

e concerto (13 respostas). Tal comportamento pode ser explicado pelo fato de que, das

palavras selecionadas para o teste, somente essas aparecem em par, as demais aparecem

isoladas, sem menção ao seu homófono não homógrafo. Guimarães (1994), ao

analisar a condição junto e separado no ditado de homófonos não homógrafos,

observou que esse fator influencia no desempenho do sujeito ao grafar a palavra;

entretanto, é preciso levar em conta também o fator escolaridade/idade. No

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experimento por ela desenvolvido, concluiu que “o fato dos sujeitos escreverem as

palavras dos pares homófonos uma logo em seguida da outra dificultou o desempenho

dos sujeitos das séries iniciais e facilitou para os sujeitos das séries finais” (op. cit., p.

73). No caso desta tese, o que se tem não é propriamente a condição junto ou separado,

mas a existência de dois homófonos cuja grafia é diferente no mesmo teste, o que levou

os sujeitos a terem dúvida quanto à grafia de um e de outro, embora soubessem que

existiam significados distintos para ambos. Analisando o comportamento de cada

sujeito em relação à maneira como grafaram essas duas palavras, verificou-se que: nove

sujeitos acertaram ambas; nove sujeitos trocaram os homófonos não homógrafos,

embora, em muitos casos, na justificativa apontem a existência do significado; sete

acertaram apenas um dos homófonos não homógrafos. Tal constatação sugere que o

conhecimento da existência das duas formas de grafar esses homófonos era de

conhecimento da maioria dos sujeitos, mas a certeza do significado de cada um foi

fundamental para grafar a palavra com correção.

Diferentemente do que ocorreu no pré-teste, os grupos também não apresentam

comportamento semelhante em relação às categorias 2 (homófonos), 3 (NILO), 4 (RNI)

e 5 (PM), embora a maior dificuldade nos dois grupos ainda resida na categoria 2.

Pelo fato de os homófonos não homógrafos testarem contextos competitivos,

os sujeitos apresentaram relativa dificuldade para grafar com adequação as palavras

ditadas. No GE, observou-se uma significativa melhora neste aspecto, pois o índice

passou de 26,2% do pré-teste para 14,4% no pós-teste, sendo que as palavras que ainda

apresentam maior dúvida para esses sujeitos são sessões/seções e conserto/concerto. Já

no GC, aumentou o número de palavras grafadas nessa categoria, embora com um

percentual bem pequeno, ou seja, passou de 22,6% para 24%. As palavras com mais de

dez ocorrências foram: concerte, acentos, calda, fraudar e descriminação. A diferença

entre os dois grupos na categoria 1 e 2 revela que o trabalho com os homófonos não

homógrafos foi um fator que auxiliou os alunos do GE a perceberem diferenças entre

uma e outra grafia, o que ficará ainda mais claro quando se fizer a análise das

justificativas, pois não basta apenas saber grafar, é preciso também refletir sobre os

fatores que levam a optar por uma ou outra grafia.

Embora o trabalho desenvolvido tenha focado os homófonos não homógrafos,

os resultados se fizeram sentir nas categorias 3, 4 e 5, as quais permaneceram parecidas

no GC, mas sofreram queda no GE.

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Quanto à categoria NILO (não internaliza no léxico ortográfico), no GE, houve

uma queda de 5,8% para 1,8%, ou seja, das vinte e nove ocorrências em oito palavras

passaram-se a ter nove ocorrências em três palavras: assende, despença e conscerto, a

última surge no pós-teste. No GC, também houve uma queda percentual de 5,6% para

4%, ou seja, diminuiu o número de ocorrências, mas continuou o mesmo número de

palavras. No pré-teste, foram vinte e oito ocorrências em oito palavras e, no pós-teste,

foram vinte em também oito palavras, as quais tiveram comportamento diferente:

conscerte, ceções, conscerto ficaram com o mesmo número de ocorrências; assende,

ascentos, descrissão, despença tiveram um número menor de ocorrências; desapareceu a

grafia dispença e surgiu sesções.

A categoria 4 (regra não internalizada) sofreu uma queda semelhante à

categoria anterior no GE, passando de 5,2% para 1,6%, ou seja, das vinte e seis

ocorrências verificadas no pré-teste passaram-se a ter nove. Já, o GC manteve

praticamente o mesmo comportamento, pois, no pré-teste, identificaram-se trinta

ocorrências em treze palavras e, no pós-teste, permaneceram treze palavras, mas com

vinte e oito ocorrências. Observando o comportamento em cada regra, verificou-se que

as regras que ainda apresentam dificuldade são: 1) “as realizações do fonema /s/ podem

se reescrever “ss”, “c”, ou “sc” [...], entre vogal oral e vogal não posterior oral ou

nasalizada, ou semivogal não posterior,...” (Scliar-Cabral, 2003a, p. 153-4), ou seja, os

sujeitos de ambos os grupos ainda grafaram: asende, asentos, embora com menor

número de ocorrências nos dois grupos; 2) “a realização do fonema /s/ [...] entre vogal

oral e vogal posterior oral ou nasalizada que não a [+alta], posteriores, [...] pode se

escrever com os grafemas “ss”, “ç” (op. cit., p. 155). Nesta regra, percebeu-se diferença

entre os dois grupos, pois, no pré-teste, o GE teve 13 ocorrências e passou a 3 no pós-

teste, mas em duas palavras: descrisão e descriminasão; o GC passou de 11 ocorrências

para 14 nas palavras: paso, rusa, sesões, descrisão. 3) “A realização do fonema /s/ em

posição inicial de sílaba, entre vogal nasalizada e vogal oral ou nasalizada ou semivogal

não posteriores [...] pode se reescrever “s”, “c” ou “sc” (op. cit., p. 156). No GE, esta

regra foi internalizada, mas no GC continuou com o mesmo número de ocorrências. 4)

“A realização do fonema /s/ pode ser codificada seja pelo grafema “s” ou “ç” em início

de sílaba entre vogal nasalizada e vogal oral ou vogal nasalizada posteriores[...] ou entre

/ẽ/ e a semivogal posterior /w/” (op. cit., p. 156): esta regra apareceu com menor

número de ocorrências em ambos os grupos, ou seja, apenas um caso no GE, intenssão,

e quatro casos no GC com as palavras intenssão e dispenssa. 5) “A nasalização da

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vogal, em final de sílaba não final de vocábulo, antes das consoantes [+ant, -cor] /p/ e

/b/ que iniciem sílaba seguinte é codificada pela letra “m”; antes das demais consoantes,

a nasalização é assinalada pela letra “n”. Nesta situação, pois, as letras “m” e “n” têm o

mesmo valor que o til” (op. cit., p. 147-8). Casos dessa natureza foram encontrados

novamente só no GC, mas em um exemplo que apresentou também problemas maiores:

conprimeto.

Quanto à categoria 5, problemas maiores, seja de percepção ou sintaxe,

observou-se que o GC continuou com o mesmo número de ocorrências, mas o GE teve

o número de ocorrências reduzido.

A categoria 6, escreve como fala, continuou com uma freqüência bem baixa

em ambos os grupos. No GC, passou de 2 casos para 3 e, no GE, reduziu de 2 para 1.

Como as duas últimas categorias continuam apresentando um número pequeno

de ocorrências: 1,2% no GE e 5,4% no GC, se adotará a mesma postura do pré-teste, ou

seja, os dados não serão discutidos.

Analisando cada uma das palavras ditadas, nos dois grupos, pôde-se perceber

que, no GE, aumentou o número de ocorrências na categoria 1(correta) e que a categoria

2 (homófono) foi a que sofreu maior queda. No GC, a situação permaneceu

praticamente a mesma. Os gráficos a seguir apresentam detalhadamente a situação em

cada grupo:

GRÁFICO 25 - DIFERENTES MANEIRAS DE GRAFAR AS PALAVRASDITADAS NO PÓS-TESTE PELO GE

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0

5

10

15

20

25

30

cons

erte

acen

de

asse

ntos

cena

pass

oru

ssa

sess

ões

conc

erto

inten

ção

espe

ctado

res

espe

rto

espi

ada

cozid

os

caud

a

frald

ar

desc

rição

desp

ensa

cum

prim

ento

s

cava

lheir

o

disc

rimin

ação

palavras ditadas

freq

üênc

ia

CORRETA

HOMÓFONO

NILO

RNI

PM

ECF

FONTE: dados da pesquisadora

Em comparação com o gráfico 17, que analisa o pré-teste, nesta mesma

situação, no GE, verificou-se que houve uma diminuição quanto número de hipóteses de

grafia para a mesma palavra ditada. No pré-teste, se computou apenas uma ocorrência

na categoria correta, já no pós-teste foram três. Além disso, 16 palavras aumentaram a

freqüência nesta categoria, duas permaneceram iguais e somente uma teve queda:

conserte, caso já discutido anteriormente. O número de palavras com três hipóteses para

sua grafia continuou praticamente o mesmo e diminuiu o número de ocorrências de

palavras com quatro hipóteses.

GRÁFICO 26 - DIFERENTES MANEIRAS DE GRAFAR AS PALAVRASDITADAS NO PÓS-TESTE PELO GC

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0

5

10

15

20

25

30

cons

erte

acen

de

asse

ntos

cena

passo

russa

sessõ

es

conc

erto

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ção

espe

ctado

res

espe

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espia

da

cozid

os

caud

a

fralda

r

desc

rição

desp

ensa

cumpr

imen

tos

cava

lheiro

discri

minaçã

o

palavras ditadas

freq

üênc

ia

CORRETA

HOMÓFONO

NILO

RNI

PM

ECF

FONTE: dados da pesquisadora

No GC, a situação é praticamente a mesma verificada no pré-teste, conforme se

pode conferir no gráfico 18. Quanto ao número de hipóteses de grafia para as palavras

ditadas, comparando-se o pré e o pós-teste, verificou-se que continua a não existir

palavra que tenha sido categorizada apenas em 1: ainda são seis as palavras com duas

hipóteses de grafia; o número de hipóteses com três grafias passou de quatro para cinco;

já as com quatro hipóteses sofreram pequena mudança e as com cinco e seis hipóteses

de grafia também permaneceram inalteradas. As categorias 2 e 6 foram as que tiveram

diminuição, mas aumentaram as ocorrências na categoria 5.

Em cima dos dados da categoria 1 de cada palavra ditada, aplicou-se a

estatística descritiva, como se fez com os dados do pré-teste. Esta análise forneceu

dados sobre média, mediana, moda, desvio padrão, número mínimo e máximo de

acertos. Para se ter uma visão dos dois grupos na situação inicial e depois de um dos

grupos passar pela intervenção colaborativa, a análise levará em conta os dados

computados no pré e no pós-teste tanto no GE como no GC. O cálculo das médias

demonstrou equilíbrio entre os grupos no pré-teste, mas o pós-teste revelou que o GC

manteve a mesma média, 15,2 de acertos enquanto que o GE elevou a média para 20,25.

Quanto à mediana, observou-se uma situação semelhante entre o GE e o GC no pré-

teste e o GC no pós-teste, ficando em torno de 16 acertos; já o GE, no pós-teste,

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aumentou significativamente para 21,5. A moda teve um comportamento semelhante ao

anterior, pois o número de acertos de palavras foi 15 no pré-teste do GE, 16 no pré-teste

do GC e 17 no pós-teste do GC, mas no pós-teste do GE foi para 25, o que equivale à

maioria dos acertos, sendo muito significativo. O desvio padrão foi 6,7 em ambos os

grupos no pré-teste, mas essa situação sofreu alteração, pois, no pós-teste, o GC teve um

desvio padrão de 5,9 e o do GE caiu para 4,05, o que evidencia que um ensino

inteligente da gramática possibilita grafar corretamente as palavras. O número mínimo

de acertos, no pré-teste, foi 4 no GE e 3 no GC, já no pós-teste, aumentou para 13 no

GE, o que é relevante, e o GC quase não apresentou alteração, pois ficou em 4. O

número máximo de acertos permaneceu inalterado nos dois grupos, mas a freqüência

aumentou no maior número de acertos no GE enquanto que no GC permaneceu em 24

em poucos sujeitos.

Fazendo também a análise do primeiro quartil, que engloba 25% dos alunos

com maior dificuldade em grafar os homófonos não homógrafos corretamente,

percebeu-se o equilíbrio no pré-teste entre GE e GC em torno de 10,5. No pós-teste, o

GC permaneceu inalterado enquanto o GE sofreu uma variação significativa chegando a

17 acertos. Isso evidencia a maneira como o conteúdo lingüístico é trabalhado em sala

de aula, ratificando a necessidade de um ensino que leve o aluno a refletir sobre a

maneira como grafa as palavras.

Analisando as justificativas quanto à divisão entre boas (CB) e más (CM),

observou-se que o comportamento não é o mesmo do pré-teste quando não se percebeu

disparidade entre os grupos conforme se pode observar no gráfico 27:

GRÁFICO 27 – COMPARAÇÃO ENTRE AS CATEGORIAS BOAS E MÁS NO PRÉ

E PÓS-TESTE

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0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

CB pré CM pré CB pós CM pós

teste e categoria

núm

ero

just

ific

ativ

asGE

GC

FONTE: dados da pesquisadora

No pós-teste, o percentual de justificativas pertencentes às categorias boas

praticamente ficou inalterado no GC, com uma média de 36%, mas no GE, sofreu um

aumento expressivo de 47,2% para 79,2%. Também quanto às categorias más, o GC

não apresentou diferença, permanecendo em torno de 64%, já o GE sofreu queda,

passando de 52,8% para 20,8%.

Aplicando o teste quiquadrado a partir da freqüência de justificativas

consideradas boas em ambos os grupos no pré e pós-teste, obteve-se X²cal = 14,794 e

X²tab = 11,489 com um = 0,07%, validando a hipótese formulada H1: Há diferenças

significativas entre as turmas.

Esses dados mostram também que houve, depois da intervenção colaborativa,

uma mudança na forma de justificar as palavras grafadas, o que será melhor detalhado

na análise de cada categoria. Como as categorias já foram explicadas anteriormente, se

fará apenas a enumeração das mesmas:

1. Conhecimento do sentido.

2. Conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português do Brasil.

3. Derivação.

4. Freqüência de uso: o sujeito justifica sua resposta através da freqüência: 1)

de exposição, ou seja, está acostumado a ler e falar a palavra; 2) de escrita.

5. Conhecimento prévio da palavra.

6. Relação som versus leitura e escrita.

7. Dúvida na grafia.

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8. Desconhecimento da palavra.

9. Não compreensão da diferença entre homófonos não homógrafos.

10. Má internalização das regras grafêmico-fonológicas.

11. Ausência de explicação.

12. Estratégia de preenchimento.

13. Achismo.

14. Não sabe redigir a resposta.

O gráfico 28 apresenta uma comparação entre os dois grupos por categoria que

revela um comportamento diferenciado por categoria, no pós-teste, e também por grupo

na maioria das categorias:

GRÁFICO 28 - COMPARAÇÃO ENTRE AS JUSTIFICATIVAS DADAS PELOSDOIS GRUPOS NO PÓS-TESTE

0

50

100

150

200

250

300

350

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14

categorias justificativas

núm

ero

de ju

stif

icat

ivas

GE

GC

FONTE: dados da pesquisadora

A categoria 1 (conhecimento do sentido) é a que aparece com maior freqüência

no GE, perfazendo 58,4% das justificativas as quais foram produzidas por 23 sujeitos

que a usaram em média 12,6 vezes. O fato de os sujeitos justificarem a grafia pelo

conhecimento do sentido é extremamente significativo como resultado do processo de

ensino e aprendizagem desenvolvido junto ao grupo, sobretudo, se se levar em conta

que, no pré-teste, esses sujeitos usaram muito pouco o conhecimento semântico na

justificativa com apenas 9 respostas produzidas por 6 sujeitos, ou seja, houve um

crescimento nesta categoria de 56,6%. A forma como a justificativa passou a ser

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elaborada também sofreu mudança, pois os sujeitos apresentaram o significado da

palavra grafada ou os dois significados a fim de mostrar por que um era adequado

naquele contexto como se pode observar nestes exemplos: cauda – parte traseira

comprida de animais e outros; porque “despensa” com “e” significa um lugar onde

guardamos os alimentos; acende com c é ligar a luz e ascender com sc é subir, elevar;

eu sei que fraldar com “l” quer dizer botar fralda e fraudar com “u” quer dizer rouba.

Os sujeitos, ao elaborarem a justificativa, em geral, não só destacaram o grafema que

cria confusão na escrita como também elaboraram um conceito levando em conta o

aspecto que generaliza o homófono que está sendo definido.

No GC também houve um aumento na freqüência que passou de 43

justificativas produzidas por 12 sujeitos para 55 elaboradas por 15 sujeitos. Entretanto,

o crescimento foi bem menor que o do outro grupo, atingindo 2,4%. Apesar de os

sujeitos deste grupo terem trabalhado também com os homófonos não homógrafos,

levaram em conta o conhecimento semântico em poucos casos, o que talvez se explique

pela maneira como o material didático utilizado por eles aborda esse assunto, ou seja, o

significado é apresentado logo abaixo dos exemplos, sem permitir que o aluno reflita

sobre o exercício que realiza a cada par de homônimos trabalhados. Quanto à maneira

de redigir a justificativa, quase não houve alteração entre o pré e pós-teste, como se

observou no Sujeito 11, que foi o que mais teve respostas nesta categoria nos dois

testes, ou seja, foram 9 respostas no pré-teste e 10 no pós-teste. Por exemplo, no pré-

teste, este sujeito justificou a grafia de esperto da seguinte forma: Se você é bem

inteligente e, no pós-teste, esperto: inteligente. Essa retomada também pode ser

observada nas justificativas elaboradas para a grafia de descrição que, inicialmente, foi

assim produzida: além da característica da velhinha... e no pós-teste: quer dizer as

características da velhinha.

Os dados obtidos na categoria 1 são de extrema importância para a pesquisa

desenvolvida nesta tese, pois o fator discriminante em homófonos não homógrafos da

mesma classe gramatical foi observado pela grande maioria dos sujeitos do GE, o que

aponta para a necessidade de um ensino que leve em consideração quais conhecimentos

são necessários para trabalhar cada conteúdo em sala de aula. Além disso, é preciso

pensar em formas de ensino que sejam adequadas ao grupo no qual o trabalho é

desenvolvido, mas que levem, especialmente, os alunos a refletirem sobre o que

acontece naquela situação lingüística, como se pôde observar na descrição do processo

desenvolvido em sala de aula junto ao grupo experimento.

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A categoria 2 (conhecimento dos princípios do sistema alfabético do português

do Brasil) sofreu queda quanto ao número de justificativas nos dois grupos. No GE,

nenhum sujeito explicou as palavras ditadas se valendo do conhecimento das regras de

codificação e, no GC, apareceram apenas 3 ocorrências produzidas por dois sujeitos:

porque nunca se bota ss no começo de uma palavra; ...se fosse só um “esse” seria a

mesma coisa que fala Ruza. A diminuição de justificativas nesta categoria revela que os

sujeitos passaram a atentar para outros aspectos na grafia da palavra, como o

conhecimento semântico, já discutido anteriormente, ou o conhecimento de cognatos

como se verá a seguir.

A categoria 3, que diz respeito à derivação, permaneceu praticamente com a

mesma freqüência quanto às justificativas produzidas nos dois grupos. O que se

observou, em ambos os grupos, foi um aumento no número de sujeitos que passaram a

justificar a grafia se valendo de cognatos. No GE, mais 4 sujeitos usaram o

conhecimento de palavras da mesma família perfazendo um total de 13. O sujeito, que

mais produziu justificativas nesta categoria no pré-teste, não permaneceu com o mesmo

comportamento no pós-teste, preferindo justificar a grafia pelo conhecimento

semântico. Entretanto, um outro sujeito se valeu 8 vezes da derivação, no pós-teste,

para explicar a grafia das palavras ditadas quando, no pré-teste, havia produzido apenas

3 respostas. No GC, o número de sujeitos passou de 5 para 8, não havendo destaque

entre eles. Quanto às palavras grafadas que foram justificadas dentro desta categoria,

observou-se que, no GC, foram 4: russa (3 ocorrências), cozidos (2), cumprimentos e

acende (1); já, no GE, foram 8 as palavras que receberam este tipo de justificativa:

cozidos (5 ocorrências), acende (2), cena, conserte e russa (3), espiar, fraldar e descrição

(1).

A freqüência de uso, categoria 4, que apareceu, no pré-teste, com baixa

freqüência nos dois grupos; no pós-teste, desapareceu no GC e teve apenas 8

justificativas produzidas por 2 sujeitos, sendo um deles responsável por 6 das respostas.

Esta categoria, como já se abordou na análise do pré-teste, evidencia a forma como o

sujeito adquiriu o homófono não homógrafo, mas não enfoca o ponto principal que é a

questão semântica. Analisando os sujeitos do GE, observou-se que o Sujeito 3, em 19

das 20 das suas respostas, explicou a forma como adquiriu o homófono, enfatizando

como isso ocorreu: Eu escrevi assim porque uso e conheço esta palavra; Eu conheço a

palavra e escrevi porque estudei isto. A última justificativa, além de revelar o

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conhecimento prévio, categoria que será discutida a seguir, também explicita que esse

conhecimento veio pelo estudo da palavra que está sendo justificada.

A categoria 5, que tem alguma relação com a anterior, teve comportamento

diferente nos grupos. No GE, o número de respostas diminuiu 13,2%, passando de 120

justificativas produzidas por 17 sujeitos para 54 elaboradas por 8 sujeitos. Em uma

análise intersujeitos, percebeu-se que aqueles que apresentaram maior freqüência

(média de 12 justificativas) foram os que não justificaram pelo conhecimento semântico

e o que o fez teve apenas 3 das justificativas enfocando o conhecimento semântico. No

GC, o número de justificativas aumentou 7,2%, passando de 41 respostas para 77, mas

sofreu queda quanto ao número de sujeitos que justificaram pelo conhecimento prévio,

ou seja, passou de 12 sujeitos para 10. O sujeito, que teve mais justificativas nesta

categoria no pré-teste, perfazendo um total de 11, diminuiu para 6 e o sujeito que teve 4

respostas passou para 18, tal comportamento fez com que a média de respostas por

sujeito fosse revista passando de 3,4 no pré-teste para 7,7 no pós-teste.

Quanto às duas últimas categorias, ainda será possível perceber, na análise

entre as respostas com ou sem elo entre grafia e justificativa, se os sujeitos grafaram

corretamente devido à freqüência de uso e/ou ao conhecimento prévio ou se apenas

produziram a justificativa em uma dessas categorias, mas ela não expressa a maneira

como o sujeito adquiriu o homófono uma vez que não há ligação entre a forma correta

como a palavra é grafada e a razão pela qual o sujeito a grafou.

A categoria 6 (relação som versus leitura e escrita) teve um número de

ocorrências bem menor nos dois grupos. No GE, foram 4 justificativas produzidas por

um sujeito enquanto no pré-teste foram 16 justificativas elaboradas por 8 sujeitos. Esta

constatação aponta para um comportamento isolado, o que permite inferir que, neste

grupo, os sujeitos atentaram para outros fatores que não a maneira como a palavra foi

ditada para justificar a sua grafia. No GC, o número de ocorrências passou de 19 para 6,

as quais foram produzidas por 4 sujeitos, número menor que no pré-teste, quando 9

sujeitos explicaram a grafia pela relação som versus leitura e escrita. Analisando a

maneira de redigir a justificativa entre os sujeitos com maior freqüência nos dois testes,

pôde-se observar que não houve nenhuma alteração significativa. Por exemplo, o

Sujeito 17 ao justificar a grafia de acentos, no pré-teste, o fez da seguinte maneira:

porque acentos tem som de c; o que permaneceu no pós-teste: porque o som é de c.

A categoria 7 (dúvida na grafia) que, no pré-teste, teve uma freqüência bem

próxima entre os dois grupos, sofreu diminuição quanto ao número de justificativas,

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passando de 54 para 28 justificativas no GC e de 50 para 10 justificativas no GE.

Entretanto, no GC, o número de sujeitos que manifestou dúvida aumentou de 18 para 20

enquanto no GE teve uma queda de 13 para 6 sujeitos. Quanto à explicitação ou não da

dúvida na justificativa, observou-se um comportamento diferenciado entre os dois

grupos. No GE, nenhum dos sujeitos explicitou sua dúvida e as justificativas foram

elaboradas levando em conta apenas a incerteza do sujeitos como se pode notar nestes

exemplos: tenho dúvida; escrevi mas tô em dúvida. No GC, apesar de a maioria dos

sujeitos também não explicitar sua dúvida, 4 deles o fizeram: Não tenho certeza se é

com ç ou com ss (a respeito de seções); duvida de comprimento e cumprimento; estou

com dúvida entre c, s, cs e sc (quanto à grafia de acende). Nas duas primeiras respostas,

observa-se que o sujeito sabe que os dois homófonos não homógrafos existem e aponta

a diferença entre eles; entretanto, o último exemplo revela outro tipo de dúvida do

sujeito que não a referente à questão da homofonia, mostrando inclusive o

desconhecimento de regras de codificação quando diz ter dúvida quanto a grafar acende

com s ou problemas maiores como a possibilidade de grafar acende com cs, grafema

que não se encontra em nosso sistema alfabético.

Não se computou nenhuma ocorrência na categoria 8 (desconhecimento da

palavra), o que faz sentido, pois todas as palavras que faziam parte do ditado interativo

aplicado no pós-teste eram de conhecimento dos sujeitos: além de fazerem parte do

material didático adotado pela escola, foram trabalhadas em sala pela professora,

embora de maneira diferente nos dois grupos.

A categoria 9 (não compreensão da diferença entre homófonos não

homógrafos) também no pré-teste teve mais ocorrências no GE. Comparando os dois

testes, observou-se um aumento de 5,6% nesta categoria no GE com uma média de 2,2

justificativas por sujeito; no GC também ocorreu um aumento na freqüência, atingindo

2,2% e uma média de 1,8 de justificativas por sujeito. Embora tenha ocorrido aumento

nos dois grupos, foram poucas as ocorrências por sujeito em ambos. Além disso os

grupos tiveram um comportamento mais parecido quanto à redação da justificativa no

pré-teste, o que não permaneceu no pós-teste. No primeiro teste, os sujeitos enfocaram

mais as letras que poderiam ser trocadas nos dois homófonos do que o significado que,

na maioria dos casos, não foi atribuído e, quando o foi, houve troca do significado entre

os homófonos não homógrafos. Por exemplo: pois Ayrton Senna é com s, cena é com c;

porque se se escrevesse com ss ficaria assento (da palavra, assento agudo...).

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No pós-teste, os sujeitos do GC, ao justificarem, apresentaram apenas um

significado, mas este se refere ao outro homófono não homógrafo: a palavra quer dizer

que conserto é um show; comprimentar a outra pessoa; descriminação: pessoas que

não asseitam pessoas negras. Neste grupo, as palavras que acusaram desconhecimento

do significado foram: conserto, concerto, cumprimento, ruça, descriminação, acentos,

calda, sessões, fraudar, sendo a última a que teve maior freqüência (5 ocorrências). No

GE, observou-se que os sujeitos sabiam que existia uma diferença de significado entre

os homófonos, mas não associaram o significado à grafia correta. Em todas as

justificativas, os sujeitos apresentaram apenas um significado e 3 sujeitos exploraram,

em 5 palavras, os dois significados, embora invertidos, como detalham estes exemplos:

Eu sei que concerto com c é de arrumar e conserto com s é de musica; Eu sei que é

expectador com x porque é pessoa que assiste TV e espectadores com s quer dizer

pessoa que tem direitos fundados. Entre as palavras com maior freqüência, neste grupo,

estão: concerto/conserte (16 ocorrências), expectadores (5), fraudar e acento (4). Como

já se comentou anteriormente, o maior problema está no par concerto/conserto presente

na maioria das dificuldades dos sujeitos dentro desta categoria.

A categoria 10 (má internalização das regras grafêmico-fonológicas) teve

baixíssima freqüência tanto no GE quanto no GC. No pré-teste, não foi computada

nenhuma justificativa no GC e, no pós-teste, esteve ausente no GE e teve apenas uma

ocorrência no outro grupo. Comparando esta categoria com a categoria RNI (regras não

internalizadas) quanto à maneira de grafar as palavras ditadas, pôde-se observar que não

há uma relação direta, pois nela verificou-se uma queda bem maior no GE do que no

GC que permaneceu com praticamente a mesma freqüência nos dois testes. Analisando

a maneira de grafar do sujeito que produziu a justificativa no GC, observaram-se

problemas de grafia como: descrisão e açentos que revelam a má internalização das

regras. Entretanto, os outros sujeitos que tiveram problemas na grafia não produziram

justificativas dentro da categoria 10, o que não permite estabelecer uma correlação entre

as categorias, ratificando o que se observou no pré-teste.

A ausência de explicação, categoria 11, continuou sendo uma das categorias

com maior freqüência no GC apesar de ter sofrido uma queda de 14% no número de

justificativas e 12% no número de sujeitos que não souberam explicar a grafia. A média

de justificativas por sujeito ficou em 4,45. Neste grupo, esta categoria era a que tinha a

maior freqüência no pré-teste e, no pós-teste, ficou em segundo lugar, logo abaixo da

categoria 14 que será analisada ao final. No GE, também houve uma queda, sendo de

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27,6% no número de justificativas e 60% no número de sujeitos. Os sujeitos do GC que

tiveram a freqüência mais alta nesta categoria, no pré-teste, mantiveram esse

comportamento no pós-teste, inclusive se observou o aumento de justificativas

produzidas pelo Sujeito 2. No GE, verificou-se apenas um caso, o do Sujeito 18 que,

apesar de ter um número de justificativas menores no pós-teste, ainda continuou sendo o

sujeito que mais vezes deixou a explicação ausente. Os demais sujeitos tiveram uma

média de 2,2 justificativas dentro desta categoria.

Quanto à estratégia de preenchimento, no pré-teste, o GE teve mais

justificativas na categoria 12 que o GC, embora o número de sujeitos tenha sido o

mesmo nos dois grupos:3. No pós-teste, observou-se que, no GE, nenhum sujeito

redigiu uma resposta apenas para não deixar o espaço destinado à justificativa em

branco. Já, no GC, cresceu o número de justificativas nesta categoria, embora tenha

permanecido o número de sujeitos. Dos sujeitos que se valeram dessa estratégia no pré-

teste, um apenas permaneceu no pós-teste, mas com um número bem maior de

respostas passando de 1 para 12, que corresponde quase ao total que foi 15. Entre as

justificativas produzidas pelo Sujeito 5, encontram-se: é com sc (para ascende); é com c

(para acentos e cena); é com dois esse (para passo).

A categoria 13 (achismo) estava entre as cinco mais freqüentes em ambos os

grupos no pré-teste, embora com número de ocorrências distintas entre eles. No pós-

teste, observou-se um comportamento inverso nos dois grupos. No GE, passou de 33

justificativas produzidas por 10 sujeitos para 15 justificativas redigidas por 6 sujeitos,

significando uma redução em quase pela metade. Já, no GC, houve um aumento de 51

justificativas redigidas por 9 sujeitos para 65 elaboradas por 12 sujeitos. Este aumento

se deve, sobretudo, ao fato de os sujeitos 23 e 25 terem produzido todas as suas

justificativas nesta categoria. O Sujeito 25, no pré-teste, já havia sido o que a usou com

maior freqüência tendo totalizado 9 justificativas. Analisando a maneira de este sujeito

redigir a sua justificativa, verificou-se que, no pré-teste, produziu uma espécie de

“fórmula”: porque acho que é assim, que foi utilizada 8 vezes; no pós-teste,

novamente se valeu desta estratégia, embora com uma formulação diferente: porque

(eu) acho certo foi usada 17 vezes e as outras 3 tiveram a seguinte redação: porque eu

acho. No GE, o sujeito que mais apresentou justificativas dentro desta categoria passou

a ter apenas uma e outro sujeito, que teve 8 ocorrências passou a ter 4 no pós-teste,

sendo o que mais a usou, embora a redação da justificativa tenha passado do uso de uma

“fórmula” – acho que é assim – usada 6 vezes, para um tipo de redação que diferiu em

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cada justificativa: Eu escrevi a sim pois acha que é o serto; Acha que é assim pois

estudei; Eu acha que é assim pois vi em um cartaz. Nas últimas justificativas aparece

também informação a respeito de como o sujeito adquiriu o homófono.

A última categoria, não sabe redigir a resposta, já apresentava uma diferença

entre os dois grupos no pré-teste, sendo maior a freqüência no GC que no GE,

ocupando, neste, a quarta posição quanto ao número de justificativas e naquele a

segunda posição. No pós-teste, observando o número de sujeitos, no GC, verificou-se

que 18 deles tiveram suas justificativas inclusas nesta categoria, perfazendo uma média

de 7,3 ocorrências por sujeito. Os sujeitos 17, 13, 10 e 11, cuja freqüência deste tipo de

resposta foi maior no pré-teste, permaneceram no pós-teste com a freqüência alta; além

deles, verificou-se que os sujeitos 6 e 20 também passaram a produzir um grande

número de justificativas dentro desta categoria. Comparando-se a freqüência em cada

categoria, constatou-se que 26,4% das justificativas produzidas pelo GC se encaixam

nesta categoria que ocupa o primeiro lugar neste grupo. O que não difere muito do pré-

teste quando se verificou ser esta a segunda mais utilizada pelos sujeitos. Já no GE,

houve diminuição quanto ao número de justificativas que passou de 40 para 18

ocorrências, apesar de o número de sujeitos ter aumentado, no pós-teste, passando de 10

para 14, entretanto a média de justificativas por sujeito diminuiu de 4,0 para 1,2,

mostrando que em poucas situações os sujeitos não souberam redigir a resposta. Numa

análise entre os sujeitos, verificou-se que aquele que apresentou o maior número de

ocorrências (11) passou a ter 2 e o outro que apresentou 9 não teve nenhuma. O maior

número de ocorrências no pós-teste foi 3, produzidas pelo Sujeito 10.

Analisando os dois grupos quanto às três últimas categorias: estratégia de

preenchimento, achismo e não sabe redigir a resposta, observou-se que a freqüência

quanto às justificativas diminuiu no GE, mas aumentou no GC. Tal constatação aponta

para um dos fatores de maior relevância nesta pesquisa: saber raciocinar sobre a forma

de codificar as palavras que, em um grupo, continuou a ser uma dificuldade.

Até aqui se fez uma análise das maneiras de grafar as palavras ditadas e das

justificativas separadamente, mas para perceber se houve relação entre elas se fará uma

análise, partindo do quadro 2, apresentado na análise do pré-teste.

Após se analisar cada resposta produzida pelos sujeitos, elas foram organizadas

em dois grandes grupos, como no pré-teste: 1) respostas que apresentaram elo entre

grafia e justificativa; 2) respostas que não apresentaram elo entre grafia e justificativa.

Os dados coletados, que podem ser visualizados no gráfico 29, revelam que a situação

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verificada no pré-teste não se manteve no pós-teste, pois os grupos tiveram

comportamento diferente:

GRÁFICO 29 – COMPARAÇÃO ENTRE GE E GC QUANTO À RESPOSTA COMOU SEM ELO NO PÓS-TESTE

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

GE GC

grupos

núm

ero

de re

spos

tas

Com elo

Sem elo

FONTE: dados da pesquisadora

No pré-teste, os grupos tiveram o número de respostas com e sem elo bem

próximo, mostrando que não havia uma diferença significativa entre eles quanto ao

produzir uma resposta que, além de conter a grafia correta da palavra ditada, ainda

apresentasse uma justificativa que explicasse por que razão o sujeito grafou a palavra

daquela forma.

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Partindo dos dados do pré-teste e acrescentando os do pós-teste quanto à

freqüência de respostas com elo, elaborou-se a tabela 7:

TABELA 7 - NÚMERO DE RESPOSTAS COM ELO PRODUZIDAS PELOS DOISGRUPOS NO PRÉ E NO PÓS-TESTE.

Pré-teste Pós-teste Total

GE 89 329 418

GC 91 118 209

Total 180 447 627

FONTE: dados da pesquisadora

Submetendo as respostas com elo produzidas pelos sujeitos dos dois grupos no

pós-teste, conforme tabela acima, ao teste quiquadrado, obteve-se X² cal = 33,699 e

X² tab = 11,489 com = 0,07%. Este resultado confirma a hipótese formulada H1: há

diferenças significativas entre as turmas., o que já ficava claro pela discrepância entre os

dados apresentados na tabela 2, ou seja, para 89 respostas no pré-teste passou-se a ter

329 no GE enquanto que para 91 respostas passou-se a um total de 118. O fenômeno

ocorreu inversamente nos grupos, embora a diferença fosse pequena no pré-teste.

As respostas que apresentam elo entre grafia e justificativas sofreram outra

análise a fim de se observar que critérios foram levados em conta pelos sujeitos,

formando dois grupos: 1) conhecimento do significado, derivação morfológica ou

conhecimento dos dois homófonos, ainda que tendo dúvida quanto à grafia; 2) se

apóiam ou na freqüência de uso ou no conhecimento prévio da palavra.

Comparando-se as justificativas produzidas pelos sujeitos, verificou-se que 272

respostas do GE e 69 do GC levaram em consideração o conhecimento semântico, a

derivação morfológica ou o conhecimento dos dois homófonos não homógrafos. Quanto

a estes critérios, em ambos os grupos ocorreu aumento, embora com percentual bem

diferente: no GE foi de 48% e no GC de, 5,4%. Atentando especificamente para o

conhecimento semântico, verificou-se que das 69 respostas produzidas por 15 sujeitos

do GC, 49 tiveram como critério o conhecimento semântico. No GE, também se

constatou que a maioria dos sujeitos, 23 deles, produziu respostas que explicaram a

grafia pelo significado, perfazendo 253 respostas. Percebe-se, então, que as

justificativas levam em consideração, sobretudo, o conhecimento semântico, o que é de

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suma importância para a discriminação da grafia em homófonos não homógrafos da

mesma classe gramatical.

As demais respostas se encaixam no segundo grupo que leva em conta o

conhecimento prévio e a freqüência de uso. Foram 49 no GC e 57 no GE as respostas

que mostraram a maneira como o sujeito adquiriu o homófono não homógrafo.

Comparando as respostas produzidas, observou-se que, diferentemente do que

ocorreu no pré-teste, ambos os grupos se valeram mais dos critérios do primeiro grupo

(conhecimento semântico, derivação morfológica ou conhecimento dos dois

homófonos não homógrafos) do que do segundo. Tal verificação mostra que os sujeitos

se apoiaram mais no conhecimento que tinham sobre a palavra ditada do que na maneira

como a adquiriram para explicar a sua grafia.

Os dados do pós-teste revelam que os sujeitos dos dois grupos, na sua grande

maioria, tratam a grafia e, especialmente a justificativa, de forma diferente. No GC,

foram observados crescimentos referentes: à grafia correta dos homófonos não

homógrafos; às justificativas que levam em conta o conhecimento semântico, a

derivação e respostas produzidas com elo entre grafia e justificativa, mas com um índice

bem menor que o GE. Por outro lado, observou-se que a maioria das justificativas

produzidas pelos sujeitos do GC se encaixam na categoria 14 (não sabe redigir a

resposta). Além disso, aumentou o número de justificativas nas categorias 12

(estratégia de preenchimento) e 13 (achismo). Tal constatação revela que esses sujeitos

apresentam dificuldade para explicar a razão pela qual grafaram a palavra, tanto quanto

aos argumentos como quanto à maneira de redigir a justificativa. Esses resultados

apontam para a questão crucial de investigação desenvolvida nesta pesquisa: ensinar a

pensar. Para tal, é preciso que o material didático seja revisto e/ou complementado,

pois a forma como os sujeitos desse grupo trabalharam homônimos, entre eles os

homógrafos não homófonos, não permitiu que eles levantassem dúvidas, promovessem

discussões e inferissem regras sobre a codificação do sistema escrito, pois as respostas

apareciam prontas.

Já no GE, observaram-se aspectos significativos tanto quanto à grafia como

quanto às justificativas. Aumentou o número de palavras grafadas corretamente bem

como os sujeitos passaram a ter um número menor de problemas ao codificar as

palavras. O mais significativo, entretanto, foi a maneira como os sujeitos justificaram a

grafia da palavra ditada. A grande maioria dos sujeitos assinalou que a distinção na

grafia dos homófonos se deve a diferença de significado entre eles, ou seja, houve

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crescimento de 56,6% neste aspecto entre o pré e o pós-teste. Outro ponto importante é

a relação entre a grafia e a justificativa, uma vez que os sujeitos, em 329 de suas 500

respostas mantiveram a coerência entre a grafia e a justificativa. Além disso, a maioria

deles apontou o conhecimento semântico como fator decisivo na codificação das

palavras homófonas. Apesar de alguns sujeitos ainda apresentarem dúvida quanto à

grafia ou não conseguirem argumentar convincentemente na justificativa, a maioria

mostrou que observa o fator responsável pela diferente maneira de grafar a palavra.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento desta tese apontou para conclusões em torno de três

diferentes questões: as teóricas, as aplicadas e as metodológicas. As primeiras gravitam

em torno das teses principais da psicolingüística como a diferença entre recepção e

produção, aquisição e aprendizagem e, principalmente, a organização dos princípios do

sistema alfabético do português do Brasil, enfatizando, dentro dos contextos

competitivos, os homófonos não homógrafos. As questões aplicadas se voltam

sobremaneira para a formação do professor, o que aponta para outros aspectos como a

fundamentação teórica a respeito da alfabetização oferecida durante a graduação:

remete, pois, a uma metodologia a ser desenvolvida em sala de aula. Implícita está a

organização da grade curricular dos cursos de graduação e o material didático a ser

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adotado pelo professor. Por fim, quanto à metodologia da pesquisa, observou-se que o

tipo de pesquisa desenvolvido enfatiza como fazer a ponte entre a universidade e as

comunidades para as quais a pesquisa se destina, ou seja, é uma forma de fazer a

articulação entre a prática e a teoria.

A aquisição da linguagem ocorre naturalmente, levando-se em consideração os

fatores inato, maturacional e ambiental e, ainda que não haja assistência consciente no

desenvolvimento da linguagem oral, a criança normal a adquire se exposta à interação.

Entretanto, aprender a ler e a escrever exige ensino sistemático. Ainda que a leitura e a

escritura tenham em comum os mesmos sistemas lingüísticos, apresentam diferenças

significativas no que se refere ao processamento. Ler é um processo receptivo uma vez

que o indivíduo recebe o texto produzido, cabendo a ele a descodificação, compreensão,

interpretação e retenção da informação. Vários conhecimentos são necessários para que

ocorra a aprendizagem da leitura e também da escritura. A relação entre esses dois

processos é fundamental, pois a escrita se apóia na leitura, entretanto, por ser um

processo produtivo, escrever é mais complexo que ler. Assim, a aprendizagem da

codificação, nas séries que seguem a alfabetização, deve ser centrada nas regras de

correspondência entre a realização dos fonemas e grafemas e na construção da memória

lexical ortográfica das palavras primitivas de maior freqüência de uso na escrita, quando

o contexto for competitivo. A tarefa do aprendiz do sistema escrito não é fácil, pois, na

maioria das vezes, as regras de codificação não são independentes do contexto.

Portanto, será preciso entender, inicialmente, as regularidades, analisando as regras

dependentes do contexto, seja ele fonético ou morfológico; e, posteriormente, o

contexto competitivo, no qual estão incluídos os homófonos não homógrafos, objeto de

análise desta tese.

Quanto aos homófonos não homógrafos, alguns aspectos foram observados ao

longo da pesquisa os quais passam a ser retomados. Primeiro, a distinção entre

oralidade e escrita é fundamental para o ensino deste tópico, pois, como adverte Lyons

(1987, p. 140-3), os homônimos são, tradicionalmente, palavras diferentes com uma

forma igual, mas isso é válido apenas para a homonímia absoluta, pois quando há a

parcial, como é o caso dos homófonos não homógrafos, a referência à “forma igual”

fica afetada. No caso das palavras homófonas, mas não homógrafas a ambigüidade,

segundo Ilari e Geraldi (1990, p. 57-8), será provocada pela fala, não pela escrita. Daí a

necessidade de buscar entender as razões que levam a distinção entre diferentes grafias.

Segundo, o contexto, muitas vezes, oferece informações suficientes para que as dúvidas

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de grafia possam ser resolvidas. De acordo com Pinkal (1995, p. 86), sabe-se que “uma

expressão é homônima se e somente se um nível de base indeterminado é inadmissível”.

Assim, no critério primeiro, quando se tem um item lexical homônimo, sua seleção é

obrigatória no contexto. É justamente o critério de obrigatoriedade de determinação no

contexto, segundo Moura (2001), que caracteriza a homonímia. No caso da presente

pesquisa, os sujeitos passaram a dar mais atenção para as informações oferecidas pelo

texto para optar por uma ou outra grafia da palavra homófona. Terceiro, a consciência

morfológica, capacidade mais específica relacionada à composição e derivação da

palavra, é outro fator que permite ao aprendiz depreender regras que expliquem o uso de

prefixos, sufixos, terminações verbais, homônimos entre outros. No caso dos

homófonos não homógrafos, é comum o contexto competitivo das vogais [+alt]

seguidas ou não do arquifonema |S| que podem ser grafadas com “e” ou “i” no qual se

incluem alguns prefixos que constituem pares mínimos na escrita, daí a necessidade de

um ensino que, além do significado dos radicais, também contemple a significação dos

prefixos. No decorrer da intervenção colaborativa e também nos resultados do pós-

teste, verificou-se a importância do conhecimento morfológico para a resolução de

problemas referentes à grafia dos homófonos. Outro ponto que serve como referência

para o ensino da ortografia é a freqüência com que a palavra aparece no texto escrito,

uma vez que várias pesquisas constaram que crianças de séries mais avançadas do

Ensino Fundamental escrevem mais facilmente palavras freqüentes reais em

comparação com palavras pouco freqüentes ou inventadas. Durante a intervenção

colaborativa, em várias situações, os sujeitos justificaram a dificuldade para grafar a

palavra e mesmo para justificar a grafia devido ao desconhecimento da palavra ou seu

pouco uso ou presença em textos lidos. À medida que o trabalho foi se desenvolvendo

em sala de aula, os sujeitos passaram a ter conhecimento de vários pares de homófonos

não homógrafos, o que fez com que essa justificativa quase não se apresentasse no pós-

teste. Por fim, constatou-se que o conhecimento semântico é de suma importância para

resolver problemas referentes à grafia de homófonos da mesma classe gramatical.

Comparando-se os dados do pré-teste e os do pós-teste, verificou-se um aumento de

48% na justificativa relacionada ao conhecimento semântico, ou seja, somente após o

trabalho desenvolvido em sala de aula, quando os sujeitos foram levados a observar que

a diferença de significado é o fator decisivo para a grafia dos homófonos, é que se

obtiveram respostas que centram a explicação da diferença de grafias no significado.

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Quanto às questões teóricas, também se verificou que a maioria dos sujeitos, ao

explicar os homófonos não homógrafos, usou como estratégia a visualização de um

evento, o que foi observado especialmente durante a intervenção colaborativa.

Entretanto, no pós-teste, verificou-se, na população intervinda, que há a atribuição de

conceito, ou seja, os sujeitos dão a definição da palavra, fazem uma generalização para

a maioria das palavras ditadas. Isso ratifica o efeito da escolaridade de qualidade, ou

seja, da educação sistemática com sustentação sólida sobre as estratégias preferenciais

dos indivíduos quando evocam os significados.

No que se refere às questões aplicadas, há dois pontos importantes a serem

contemplados, um referente ao contexto no qual a pesquisa se insere e outro diretamente

relacionado ao trabalho desenvolvido em sala de aula sob a forma de intervenção

colaborativa.

O levantamento de dados tanto em pesquisas já realizadas como em várias

unidades de ensino do município no qual a investigação se desenvolveu revelou qual a

formação do professor que trabalha com o Ensino Fundamental, sobretudo o dos dois

primeiros ciclos, bem como o material didático selecionado e utilizado por ele.

Pesquisas desenvolvidas por Morais e Biruel (1998), Schaefer (1999), Morais (2002)

revelam que a maioria dos professores desenvolve o ensino da ortografia dentro de uma

visão mecanicista, valendo-se de exercícios que visam ao treino e à memorização. No

grupo de professores entrevistados nesta tese, observou-se uma postura diversificada

quanto ao trabalho com ortografia. A maioria disse preferir o trabalho contextualizado,

mas há também os que baseiam seu trabalho na prática de exercícios. O livro didático é

o principal aliado da maioria dos professores, por isso se pode deduzir que o ensino da

ortografia se mantém dentro do padrão do material didático oferecido, entretanto, falta

aos autores dos livros didáticos conhecimento teórico que possibilite a organização de

material adequado para o ensino da codificação do sistema escrito. Diante desse

quadro, é preciso que o professor tenha formação adequada a fim de promover as

reflexões e a construção do conhecimento da norma ortográfica no caso de adotar um

livro didático que apresente propostas de exercícios mecanicistas ou apresente a

resposta pronta do problema ao aluno. Quanto ao professor, verificou-se também que,

por não ter tratado, em sua formação, notadamente na graduação, dos processamentos

de leitura e escritura e, especialmente, dos princípios do sistema alfabético do PB, não

consegue desenvolver uma metodologia eficaz para o ensino da codificação que, nesta

tese, se ateve aos homófonos não homógrafos nos contextos competitivos. O

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conhecimento teórico é fundamental para a resolução de questões levantadas pelos

alunos, possibilitando que, durante a interação, as dúvidas e dificuldades sejam

discutidas e resolvidas, e as regras depreendidas. Portanto, é urgente promover uma

discussão a respeito da formação em nível de graduação a fim de que esses

conhecimentos passem a integrar a grade curricular, possibilitando ao professor a

compreensão de que alfabetizar é um processo que precisa ser conhecido também

teoricamente.

No tocante ao trabalho desenvolvido durante a intervenção colaborativa, dois

aspectos se fizeram sentir como fundamentais, estando ambos interligados: o

planejamento e a metodologia.

O planejamento sistemático dos itens lexicais trabalhados favoreceu a sua

compreensão, pois se apoiou no desenvolvimento da argumentação para explicar a

grafia do homófono não homógrafo partindo, sobremaneira, do significado. Portanto,

descartou-se uma postura mecanicista em favor de um trabalho no qual se desejou

desinstalar o aluno do lugar de repetidor e conduzi-lo ao de questionador, pois, só

refletindo sobre a língua, é que se podem resolver as ambigüidades lingüísticas de

forma racional. Assim, quando o aluno é levado a analisar e discutir os homófonos não

homógrafos, aprende a observar diferenças e semelhanças e a buscar razões que as

expliquem. Aprende também a produzir justificativas coerentes e a discuti-las com seus

pares, desenvolvendo assim a capacidade de argumentar.

Para que o planejamento fosse operacionalizado, desenvolveu-se uma

metodologia apoiada em atividades que promoveram reflexão e discussão durante a

aprendizagem. Como resultados do trabalho desenvolvido, verificou-se que:

1. a metodologia empregada favoreceu a grafia correta, mas especialmente a

maneira de justificá-la ao apresentar o elo, na grande maioria dos casos, entre a forma

de grafar e a justificativa. Os resultados do pós-teste apontaram um aumento de 89 para

329 respostas com elo, o que revela não só a compreensão da distinção de grafias como

também a capacidade de argumentar dos sujeitos;

2. a maioria das justificativas, depois da intervenção colaborativa, está

centrada no conhecimento semântico, o que mostra um resultado positivo, pois o fator

decisivo no fenômeno tratado é a diferença de significado;

3. os sujeitos do GE não apenas internalizaram em seu léxico mental

ortográfico muitos dos homógrafos trabalhados como também os seus significados, o

que fez com que conseguissem explicar as diferenças de grafia;

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4. os alunos do GE com maior dificuldade (25%) detectado no pré-teste

passaram de 10 palavras com grafia correta para 17, o que é extremamente significativo;

5. ensinar a pensar a maneira por que um homófono é grafado possibilita a

reflexão sobre outros fenômenos lingüísticos;

6. o aspecto lúdico favoreceu os resultados alcançados, além disso, pode-se

obter resultados quanto ao uso do jogo para a aprendizagem do sistema ortográfico,

carência apontada por Curvelo Meireles e Correa.

Mais do que ensinar a grafar homófonos não homógrafos, esta pesquisa

favoreceu uma reflexão sobre a forma como a universidade está preparando

teoricamente seus profissionais da educação para atuarem em sala de aula. Segundo

Travaglia (2003), a universidade é o espaço de encontros para aprender e ensinar o que

implica uma reflexão sobre o seu papel na educação lingüística. Duas funções da

universidade se fizeram sentir no desenvolvimento desta pesquisa: a produção do

conhecimento lingüístico necessário para subsidiar um bom trabalho de educação

lingüística e a formação de profissionais competentes que sejam responsáveis pela

educação lingüística. Para tal, um desafio se apresenta à universidade: ir aonde está o

professor e auxiliá-lo ali. Especificamente quanto ao tema desta tese, acreditamos que

a universidade precisa se aproximar da sala de aula para que se compreenda in loco

como ocorre o processo de ensino-aprendizagem do sistema escrito.

O tipo de pesquisa desenvolvido possibilitou a integração entre ensino e

pesquisa. Uma pesquisa ação, que se apóie numa abordagem etnográfica, visando

estimular o pesquisador prático e envolver o professor na pesquisa, oportuniza a

circulação entre teoria e prática, fazendo não só com que o professor analise a sua forma

de trabalho, mas também que o pesquisador reveja suas propostas teóricas. Para o

pesquisador, é uma oportunidade para compreender, na prática, como sua proposta

teórica funciona, para quem se destinam seus achados teóricos, se estão corretos, se

precisam de ajustes, ou seja, é a possibilidade de ir da teoria à prática e voltar à teoria,

promovendo a socialização do conhecimento e a validação empírica da teoria.

Sobretudo, este tipo de pesquisa ratifica a idéia de Lisita, Rosa e Lipovesty (2002)

apoiada em vários autores da pesquisa ação: a necessidade de uma cooperação maior

entre os pesquisadores que se encontram na universidade e os professores,

investigadores de sua prática pedagógica, que se encontram em sala de aula, a fim de

que haja uma contribuição efetiva entre os dois lados para que novos conhecimentos

sobre o ensino, a aprendizagem e a aprendizagem para ensinar possam ser construídos.

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Toda a experiência vivida durante o período da pesquisa, que foi desde a

revisão da literatura, a elaboração do material e, especialmente, o momento de troca

entre a professora e os alunos até a análise dos dados, fez com que pudesse analisar a

minha trajetória enquanto educadora e pesquisadora. Sair de um processo implica

transformação e é assim que me sinto diante das descobertas que fizemos juntos e da

nova forma de olhar o conteúdo enfocado. Sobremaneira, a realização desta pesquisa

possibilitou a ratificação de que pesquisa e ensino estão ligados intrinsecamente. O que

se apresenta agora é um novo desafio: não deixar que a experiência vivida se resuma a

apenas uma tese. Portanto, é necessário continuar apostando em propostas que aliem o

conhecimento teórico e o conhecimento de ensino e pesquisa sobre o ensino.

A investigação de um tema sempre abre portas para novas pesquisas. Assim,

analisar as grades curriculares dos cursos de graduação em Letras e Pedagogia sob o

olhar do psicolingüista, uma vez que uma das tarefas da psicolingüística aplicada é a

“efetuar uma crítica permanente aos currículos e, se possível, colaborar para a

confecção dos mesmos” (Scliar-Cabral, 1991, p. 152), é uma tarefa que se apresenta

como necessária. Outro aspecto que se abre para análise são os dados resultantes do

teste de correspondência fonológico-grafêmica que apresentou os problemas de

codificação identificados no teste de logatomas. Especialmente a percepção do acento

merece uma investigação detalhada. Existem ainda outros desafios a serem enfrentados,

mas se esses dois forem contemplados já se avançará na compreensão do ensino-

aprendizagem do sistema escrito e para a formação do professor.

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