a gente na adolescencia acha que sabe tudo mas não sabe nada
TRANSCRIPT
1
"A gente na adolescência acha que sabe tudo mas não sabe nada":
gravidez na adolescência, redes familiares e condições de vida das
jovens mães e de seus filhos em Belo Horizonte
Daisy Maria Xavier de ABREU1
Paula MIRANDA-RIBEIRO 2
Cibele Comini CÉSAR3
PALAVRAS -CHAVE : GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA , FAMÍLIA
"A fase da adolescência era quase desconhecida para as brasileiras, que passavam do brevíssimo interregno da infância à maternidade."
QUINTANEIRO, 1996: 105 1. Introdução
Gravidez na adolescência nem sempre foi considerada um problema. Ao
contrário, o padrão de formação de família predominante no Brasil até o final do século
XIX mostra que as noivas, extremamente jovens, tinham entre 12 e 16 anos. Não estar
casada aos 20 anos era sinônimo de solteirona (QUINTANEIRO, 1996). A maternidade
precoce nada mais era do que um corolário desta situação. Assim, mães jovens não
eram tratadas como um “problema social” mas sim como norma.
Entretanto, à medida em que a fecundidade foi caindo, a idade média ao casar foi
avançando e mudanças significativas ocorreram em relação ao papel da mulher na
família e no mercado de trabalho, observou-se uma transformação no enfoque dado à
questão da gravidez na adolescência. Neste aspecto, alguns indicadores ilustram as
mudanças observadas no cenário brasileiro. Entre 1960 e 1998, a taxa de fecundidade
total passou de 6,2 filhos para 2,4 filhos por mulher4. Em termos de tendências de
1 Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva - NESCON/UFMG, Mestre em Demografia,
CEDEPLAR/UFMG. 2 Professora Adjunta do Departamento de Demografia e pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG. 3 Professora Adjunta do Departamento de Estatística/UFMG e pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG. 4 Conforme estimativas apresentadas na publicação do IBGE, Síntese de Indicadores Sociais 99 (IBGE,
2000).
2
nupcialidade, a idade média ao casar vem crescendo no caso das mulheres: em 1940, a
idade média no ato do casamento legal era de 21,7 anos, passando a 24,1 anos em 1994.
Para os homens, entretanto a idade média ao casar permaneceu praticamente estável:
27,1 anos em 1940 e 27,6 anos em 1994 (BERQUÓ, 1998). Nesse mesmo período, a
participação feminina no mercado de trabalho brasileiro cresceu principalmente para as
mulheres em idade produtiva. Em 1990, a razão entre o número total de mulheres ativas
e a população feminina de 10 anos e mais era de 42,66 (RIOS-NETO & WAJNMAN,
1994). Em 1993, as mulheres já representavam quase 40% do total de trabalhadores
brasileiros (BRUSCHINI & LOMBARDI, 1996).
Paralelamente a tudo isso, a contribuição relativa das mães adolescentes no total
de nascimentos vem crescendo5. Para o país como um todo, a participação do grupo de
jovens com idade entre 15 e 19 anos na fecundidade total era de 7,1% em 1970. Vinte
anos depois, cerca de 14% dos nascimentos eram de adolescentes, ao passo que os
grupos etários mais velhos reduziram sua participação relativa no período (MELO,
1996).
Frente ao aumento do número de adolescentes grávidas, a questão tem sido
tratada sob a perspectiva dos custos e riscos tanto para a mãe adolescente quanto para o
seu filho (HENRIQUES ET AL., 1989; MELO, 1996; CAMARANO, 1998). Neste
aspecto, deve-se considerar que as conseqüências para a saúde das jovens mães e de
seus filhos dependem não somente de razões meramente biológicas relacionadas ao
peso, estatura, status nutricional e desenvolvimento do aparelho reprodutivo das
adolescentes, mas também de um componente social que influencia tanto o
comportamento reprodutivo quanto a morbi-mortalidade da mãe e da criança (CÉSAR
& MIRANDA-RIBEIRO & ABREU, 1999).
As jovens mães enfrentam uma série de problemas em relação a uma gravidez
precoce (MELO, 1996). A magnitude destes problemas é tanto maior quanto mais
pobres forem estas jovens. Isto porque, na maioria das vezes, a gravidez precoce
acontece fora do casamento e não é resultado de uma opção deliberada. A chegada de
5 O fenômeno da gravidez na adolescência não tem afetado apenas os países em desenvolvimento. Países
desenvolvidos, como os EUA, França, Canadá também enfrentam situação semelhante, embora com magnitude distinta (JONES ET AL, 1985).
3
um filho por vezes precipita uma união ou é absorvida como extensão das famílias de
seus parentes. Além disso, estas adolescentes encontram maiores dificuldades em
conciliar os estudos com os cuidados com a criança, o que resulta em sua interrupção e
acabam por retardar o ingresso no mercado de trabalho. Contam também com uma
dificuldade adicional no que se refere ao seu preparo emocional e de ordem prática para
atender as demandas de um recém-nascido (ELSTER ET AL., 1983). Não menos
problemático é o acesso aos serviços de saúde, via de regra, limitado pela oferta e grau
de resolutividade dos mesmos, o que não é uma exclusividade de população jovem.
Esta realidade deve ser analisada à luz do modo como a relação entre a maturidade e a
idade é considerada em cada sociedade, uma vez que a adolescência é uma fase do
desenvolvimento humano que varia conforme o que é determinado, social e
culturalmente, como o comportamento esperado para esta idade (GERONIMUS ET
AL., 1994).
Estes aspectos ressaltam a importância das práticas culturais relacionadas com
uma rede de apoio familiar no que se refere às condições de vida das jovens mães e de
seus filhos (WILLIAMS ET AL., 1986; CRAMER, 1987). Estudos demonstraram que
um dos mais importantes fatores que influenciam o comportamento das mães
adolescentes é o apoio emocional dado por sua família. Quando as jovens contam com
este apoio, adotam uma conduta mais adequada no cuidado de seus filhos (ELSTER ET
AL., 1983). Além disso, a constituição de arranjos intergeracionais de cuidados com a
criança tem um efeito positivo sobre o desenvolvimento infantil (GERONIMUS ET
AL., 1994). Filhos de mães jovens que vivem sozinhas apresentam piores condições de
saúde se comparados com filhos de mães adolescentes casadas ou que vivem com sua
família (BALDWIN & CAIN, 1980).
Nesta perspectiva, o objetivo do estudo foi, através de uma pesquisa de base
qualitativa bastante preliminar, abordar questões sobre a percepção e o comportamento
das adolescentes frente à gravidez, o grau de conhecimento das jovens sobre métodos
contraceptivos e cuidados com a criança, e as condições sócio-demográficas das jovens,
de seus parceiros e de suas famílias, especialmente no que tange ao papel das redes
familiares na qualidade de vida das mães adolescentes e de seus filhos. Procurou-se
conhecer também como foi a atenção médica no pré-natal, parto e pós-parto das jovens
4
pesquisadas. Foram realizadas onze entrevistas com adolescentes residentes em Belo
Horizonte/MG.
A apresentação do trabalho segue a seguinte estrutura: primeiramente, são
descritos os aspectos relativos à metodologia adotada, em seguida discute-se os
principais resultados encontrados e, finalmente, apresenta-se os comentários finais. Os
achados da pesquisa sugerem que as adolescentes entrevistadas não estavam preparadas
para assumir a gravidez e a maternidade e que, portanto, a possibilidade de contar com o
apoio da família foi importante para garantir uma boa saúde para seus filhos e delas
próprias. Adiciona-se a isso o fato de que, na maioria dos casos, as adolescentes
tiveram um acompanhamento pré-natal adequado.
2. Metodologia
Seguindo a tradição da Escola de Chicago, o objetivo deste trabalho é analisar a
gravidez na adolescência e as condições de vida das jovens mães e de seus filhos a partir
do ponto de vista das próprias mães adolescentes, a fim de conhecer e compreender
como cada uma delas experimenta, de fato, a gravidez, a maternidade e as mudanças
impostas às suas vidas.
A principal vantagem da pesquisa qualitativa é o verstehen, ou a "compreensão
interpretativa das experiências dos indivíduos dentro do contexto em que elas foram
vivenciadas" (GOLDENBERG, 1997: 19). Assim sendo, a pesquisa qualitativa enfatiza
"as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e de sua razão de ser"
(HAGUETTE, 1987: 63). Este é exatamente o objetivo da nossa pesquisa -- entender a
realidade das mães adolescentes através dos seus próprios olhos e amplificar certos
aspectos dessa realidade, a fim de compreendê-los mais profundamente. Desta forma,
optamos por fazer entrevistas em profundidade, definidas como "um processo de
interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo
a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado" (HAGUETTE, 1987: 86),
ou ainda como uma forma de "acesso às observações de outras pessoas a respeito de um
fato. Através da entrevista, você pode aprender sobre lugares onde você nunca esteve e
sobre experiências que você nunca viveu" (WEISS, 1994: 1). Em suma, a partir de uma
5
entrevista em profundidade, percebe-se a representação que o entrevistado tem a
respeito da sua experiência de vida. É exatamente isso que nos interessava.
Apesar dessa escolha metodológica consciente, sabemos das limitações impostas
pelo método, não generalizável e com conclusões restritas apenas ao grupo estudado.
Também estamos atentas aos possíveis vieses, tanto pelo lado da
entrevistadora/pesquisadora -- que traz consigo sua bagagem, suas convicções teóricas e
ideológicas e seus pré-conceitos -- quanto por fatores externos a ela -- problemas com o
roteiro, falta de sintonia entre entrevistadora e entrevistada, constrangimentos e perda de
espontaneidade por parte da entrevistada, além do desejo desta em agradar a
entrevistadora.
A pesquisa qualitativa consistiu em entrevistas realizadas com jovens
adolescentes que vivenciaram a experiência da maternidade. Considerando as
dificuldades em encontrar mães jovens, o critério adotado para a escolha das
informantes foi o da seleção por conveniência, útil especialmente em grupos difíceis de
serem pesquisados (WEISS, 1994). Foram entrevistadas 11 mães adolescentes, nos
meses de julho e agosto de 1999, a partir de indicação de pessoas que atuam junto a
grupos de jovens e das próprias entrevistadas e, através delas, foi realizado um primeiro
contato para verificar o interesse e a disponibilidade das adolescentes em serem
entrevistadas6. A partir da concordância das jovens, as entrevistas foram agendadas,
sendo que todas foram realizadas na residência das mesmas. A seleção das
entrevistadas concentrou-se em jovens de camadas mais pobres da população,
considerando a importância que tem, para esse grupo, o suporte familiar nas condições
de vida das jovens mães e de seus filhos. Foram abordadas questões sobre a percepção
e o comportamento frente à gravidez, grau de conhecimento das jovens sobre métodos
contraceptivos e cuidados com a criança, a existência de uma rede familiar de suporte,
inclusive em relação aos cuidados com a criança e a disponibilidade e o acesso à
atenção médica no pré-natal, parto e pós-parto. Além disso, foram coletadas
informações sobre o perfil sócio-demográfico das jovens, de seus parceiros e de suas
famílias.
6 As entrevistas foram feitas por ABREU e MIRANDA-RIBEIRO.
6
As entrevistas foram realizadas a partir de roteiro semi-estruturado, abordando
os temas de interesse da pesquisa, mas com um grau de flexibilidade que permitisse às
entrevistadas aprofundar em aspectos de sua história de vida e relacionados com a
gravidez que pudessem contribuir para a compreensão do objeto de estudo. Para
garantir o anonimato das entrevistadas, de seus bebês e dos pais das crianças, os nomes
que aparecem nas entrevistas são fictícios, sugeridos pelas próprias informantes7.
3. Resultados Encontrados
Caracterização sócio-demográfica das mães adolescentes
A situação socioeconômica das 11 mães adolescentes entrevistadas aponta para
um quadro de precariedade, como pode ser visto pelos dados apresentados nos Gráficos
1 e 2. Elas moram em bairros da periferia (nove meninas) ou em favelas (duas
meninas), a renda familiar, quando informada, não ultrapassa dois salários mínimos e é
baixa a escolaridade do chefe da família. Há dois casos que não se enquadram
exatamente neste perfil e podem ser considerados como sendo de famílias de classe
média baixa, pois o chefe da família tem um nível de escolaridade mais elevado e, em
termos de condição sócio-econômica, os domicílios apresentam um maior número de
bens de consumo duráveis.
A maioria das adolescentes entrevistadas é dependente da família e não
conseguiu ainda inserção no mercado de trabalho. A constituição de um novo núcleo
familiar, a partir da gravidez e nascimento da criança, quando aconteceu, se deu em
condições precárias, sendo que boa parte das que vivem com seus parceiros continua
morando com a família de origem, que nem sempre é pequena. Apenas em um caso a
adolescente assume o papel de chefe da família, vivendo somente com seu filho e uma
amiga que cuida da criança, enquanto a jovem trabalha. Das 11 jovens entrevistadas,
sete são solteiras e, destas, duas estavam noivas do pai da criança. Para aquelas que
vivem com seus parceiros, não foi encontrado nenhum caso de casamento legal. Em
geral, apresentam baixa escolaridade e apenas três continuam estudando.
7 Somente em um caso a entrevistada optou por manter seu nome e o da criança, não chegando a
mencionar o do pai.
7
Sobre o perfil do pai da criança, todos são mais velhos do que as adolescentes
entrevistadas e tinham acima de 20 anos (entre 21 e 28 anos) na ocasião da gravidez das
jovens. Das informações obtidas, três deles estavam desempregados (dois eram
cobradores de ônibus e um trabalhava com telecomunicação). Para aqueles que
trabalhavam, as atividades variavam entre mecânico, porteiro, pedreiro, comerciante,
vigilante e cobrador de ônibus. A escolaridade do pai da criança também não é elevada:
somente em três casos, a escolaridade do pai é Ensino Médio incompleto. Os demais
têm escolaridade abaixo deste nível. Quanto à sua renda mensal, para o único caso que
dispõe desta informação, o valor é de R$ 180,00. No entanto, segundo as entrevistadas,
eles ajudam nas despesas com o filho (independente da situação marital que vivem). Há
11
11
7
5
3
2
0 5 10 15
Fonte: Entrevistas com as adolescentes
Grávidas entre 15 e17 anos
1ª gravidez
S olteiras
Es tudaram até oEns . F undamental
E s tão es tudando
T rabalham fora decas a
Gráfico 1: Como são as adolescentes
9
8
7
7
2
0 5 10 15
Fonte: Entrevistas com as adolescentes
Moram na periferia
Vivem com afamí lia
Chefe da familia =pai ou mãe
Vivem com 5 a 9pes s oas
Vivem apenas como parceiro e o filho
Gráfico 2: Como vivem as adolescentes
8
um único caso em que o pai da criança vive em outra cidade e não ajuda e nem mantém
contato com o filho.
Como as adolescentes percebem e encaram a gravidez, o que muda em suas vidas e no
relacionamento com a família
Para as mães adolescentes entrevistadas, foi sua primeira experiência de
gravidez e, com exceção de uma jovem, todas afirmaram que a gravidez não foi
planejada ou desejada. Neste aspecto, são unânimes em afirmar as dificuldades que
tiveram em assumir a gravidez, os conflitos pessoais, familiares e de relacionamento
com o pai da criança. As respostas das entrevistadas expressam o impacto que a notícia
da gravidez provocou nelas próprias.
“Ah, eu fiquei sabendo, fiquei desesperada, queria sumir, queria tirar, queria fazer aborto, um pouco desesperada. Depois eu conversei muito com a pessoa que hoje em dia mora comigo, que é madrinha do neném e a gente ficou conversando e que não ia ter jeito de tirar e assumi. Eu falei assim, não, agora eu vou ter.” (Adriana, 19 anos, solteira e não vive com sua família)
“(...) Eu pensei, lógico que eu pensei, pô 17 anos, eu engravidei com 17, eu fiquei louca, eu imaginei eu com 17 anos, meu pai morreu, né, o que que meus irmãos vão falar. Vai matar ele, vai me matar, minha mãe. Mas aí não, eu tive apoio de todo mundo.” (Regiane, 19 anos, solteira, noiva do pai da criança e vive com sua família )
No relacionamento com os parceiros, a reação e as mudanças desencadeadas
pela gravidez nem sempre foram as mesmas. A grande maioria dos pais das crianças
receberam bem a notícia e acabaram assumindo a paternidade, ajudando as entrevistadas
no cuidado e nas despesas com a criança. Há situações em que, com a gravidez, o casal
passou a viver junto, seja com a família da adolescente, seja constituindo novo núcleo
familiar. Também ocorrem casos em que o relacionamento com o pai da criança foi
interrompido ou conflituoso. Há um único caso no qual o pai da criança não assumiu o
filho e este é registrado apenas com o nome da mãe.
9
A relação das jovens com a família sofreu mudanças ao longo da gravidez.
Primeiramente, quando os pais ficaram sabendo que suas filhas estavam grávidas,
reagiram negativamente -- os pais reprovam mais do que de as mães -- e houve até
situações de tensão familiar -- há um caso de violência do pai e irmãos por causa da
gravidez. No entanto, as entrevistadas argumentam que, com o passar do tempo e
especialmente com o nascimento das crianças, o comportamento de seus pais
modificou-se e eles tornaram-se afetuosos com os netos, ajudando nos cuidados com o
bebê e, em muitos casos, assumindo os cuidados com ele. Cabe lembrar que, em apenas
três casos, as adolescentes não são dependentes da família -- uma delas vive com uma
amiga e o filho e as outras duas vivem apenas com seus parceiros e filhos. Portanto, a
dependência da família é ainda muito significativa na vida das mães adolescentes, tanto
do ponto de vista financeiro, quanto em relação ao apoio psicológico e afetivo.
As adolescentes entrevistadas consideram que a gravidez modificou suas vidas.
Em geral, reforçaram muito as mudanças que a maternidade trouxe em relação ao seu
momento de vida, sua socialização e a “liberdade” própria dos jovens (sair, dançar,
namorar). Elas ressaltaram, ainda, a maior responsabilidade que passaram a ter com a
chegada do filho e a dificuldade em conciliar as atividades de cuidado com o bebê,
escola, trabalho. Muitas das jovens entrevistadas interromperam os estudos já na
gravidez e algumas que estavam trabalhando também pararam de trabalhar. As falas
das jovens são elucidativas e incisivas sobre as mudanças ocorridas em suas vidas.
“Ah, mudou tudo, né, tipo assim. Solteira então cê sai, cê faz o que cê quiser e tal, quando casa não, cê cria suas responsabilidade, se tem filho, cê tem casa, cê tem marido, cê tem que arrumar a casa, fazer comida e tal. Quando cê tá na casa da sua mãe, cê enrola, cê não faz. (...) Ah, porque a coisa que mais gostava de fazer quando eu era adolescente, dançar, sair, dançar.” (Taís, 19 anos, vive com o parceiro e com sua família)
“Ah, eu acho que eu fiquei mais madura, né, mais, tive que ficar mais responsável. (...) Estudar, sair, porque eu passeava muito, né, saía se deixasse a semana toda pra dançar, essas coisas. Pra mim, isso não acontece mais, hoje em dia eu vivo mais por conta dele.” (Adriana, 19 anos, solteira e não vive com a sua família)
10
“Nossa, mudou tudo. Olha só, antes eu não tinha responsabilidade nenhuma, sabe, tudo pra mim era aventura, nossa era assim, só comia, bebia e dormia e mais nada. Agora não, minha fia, agora tenho que fazer comida primeiro, né, fazer tudo primeiro, pra depois poder, esse trem é um saco, né, nossa senhora, mudou muita coisa.” (Carolina, 17 anos, vive somente com o pai da criança)
“Ah, eu saía, né, sexta, domingo, saindo, chegava meia noite, duas horas. Mas agora não dá. (...) Aí não dá pra fazer as coisas, agora eu tenho que levar ela sempre comigo. (...) eu estudo à noite. Nossa, é difícil demais, assim, eu já fiz prova, não dá mais para mim estudar. Eu tenho que chegar um pouquinho mais cedo na escola, estudar, prestar atenção na estória pra poder saber alguma coisa. Mas Deus me livre, não dá pra mim fazer as coisas que eu fazia antes, né. Muita coisa mesmo. (Regiane,19 anos, solteira, noiva do pai da criança e vive com sua família)
O grau de conhecimento das jovens sobre gravidez, métodos contraceptivos e cuidados
com a criança
Uma questão importante em relação ao comportamento das mães adolescentes
pesquisadas frente à gravidez refere-se ao seu conhecimento sobre ciclo reprodutivo,
métodos contraceptivos e uso destes métodos. As entrevistadas apontam como canais
de informação e comunicação a escola, familiares (mãe e irmãs) e amigos. Entretanto,
não foi possível perceber como estas questões são repassadas e discutidas com as
adolescentes. Nas respostas, fica claro que as jovens conhecem muito pouco sobre o
funcionamento do ciclo reprodutivo da mulher, além de conhecerem mas usarem de
forma irregular e não permanente os métodos contraceptivos. Muitas alegam que
usavam preservativo masculino (mas nem sempre) e assim engravidaram. Embora
praticamente todas elas não desejassem engravidar, acreditavam que isto não
aconteceria com elas. Tudo indica que o “pensamento mágico” de que “isso não vai
acontecer comigo” (Santos Júnior, 1999) é o que orienta o comportamento em relação
aos cuidados para não engravidar. Elas próprias expressam isso.
“Ah eu não sei, eu nem lembro mais porque eu não usei (camisinha), eu acho que deu na telha, não vamos usar não, não usou e pronto.” (Franciane, 18 anos, solteira, noiva do pai da criança e vive com a família)
“(...) O risco a gente sempre sabe que tem, a gente sabe que tem um risco, (...) talvez, igual fala a reportagem, adolescente acha que com ele nunca vai acontecer, sei lá.” (Taís, 19 anos, vive com o parceiro e sua família)
11
Apesar da pesquisa não ter como objetivo abordar a questão das doenças
sexualmente transmissíveis, AIDS e os seus métodos de prevenção, o fato de que muitas
das adolescentes não usam preservativo ou o fazem de forma irregular é um indicativo
da falta de preocupação e conscientização das jovens sobre os riscos destas doenças.
Em relação aos cuidados com o bebê, as entrevistadas foram indagadas sobre
quem assumia os cuidados com a criança e práticas de cuidado como, por exemplo, a
amamentação. Primeiramente, observou-se que mesmo nos casos onde a adolescente
assume os cuidados com a criança, ela conta com o apoio e a ajuda da família, seja da
mãe, seja de tia, cunhada ou amiga, seja até do pai da criança, principalmente nos
primeiros dias de vida do recém-nascido. Verificou-se que as jovens parecem não ter
informação e preparo para realizar os primeiros cuidados como banho do bebê, cura do
umbigo e outros. O período de tempo máximo de amamentação foi de seis meses de
idade, sendo que sete delas amamentaram somente até os três meses. Destas, quatro
amamentaram menos de um mês. Embora a entrevista não tenha permitido verificar o
grau de conhecimento das jovens sobre a importância da amamentação para a saúde das
crianças, os depoimentos indicam que elas parecem não ter clareza sobre isto e, na
própria avaliação de uma delas, este aspecto é um indicador da falta de maturidade da
adolescente para assumir a gravidez e o filho. Na fala desta jovem, fica bem clara esta
questão.
“Eu amamentei 20 dias e eu acho o pior da gravidez na adolescência é a falta, como se diz, de maturidade da mãe, né. (...) eu ficava muito nervosa, eu não queria saber de amamentar. (...) Aí eu falei com meu pai que o meu leite não tava sustentando mais a Daniele, ela queria mamar de novo, eu não aguentava, aí quando a Daniele fez 20 dias, não, 15 dias, eu falava ô pai, pelo amor de Deus, eu não aguento mais amamentar, a menina chora, chora (...) aí ele falou, tá, eu vou conversar com seu médico. Aí ele comprou Nestogen pra ela (...). Eu não tenho paciência e em uma semana meu leite secou e eu dei graças a Deus. (...) Eu acho que nessa parte eu fui imatura, né..” (Ana Clara, 18 anos, solteira e vive com a família).
Os depoimentos prestados pelas jovens entrevistadas parecem indicar a
importância do apoio familiar no cuidado da criança. Dado o elevado grau de
12
dependência das jovens em relação às suas famílias, a responsabilidade sobre os
cuidados com o filho da adolescente passa a ser compartilhado com a família e também
depende dos arranjos intergeracionais existentes, tendo em vista que, na maioria dos
casos, as jovens vivem em famílias estendidas.
Pelas entrevistas, é possível inferir ainda que não há, nem por parte da família e
nem dos serviços de atenção às adolescentes, sejam de saúde ou de orientação
educacional, uma atenção maior no sentido de preparar as jovens para o início da vida
sexual e, no caso de gravidez, para os cuidados com os filhos.
A atenção à saúde durante a gravidez, parto e pós-parto na visão das mães
adolescentes
Os depoimentos das jovens mães indicam que, em maior ou menor grau, todas
tiveram acesso ao atendimento pré-natal, sendo que, em quase todos os casos, o pré-
natal foi realizado desde o início da gravidez. Seis entrevistadas afirmaram ter tido
problemas de saúde durante a gravidez, que vão desde ameaça de pré-eclâmpsia até
risco de nascimento prematuro, passando por problemas próprios do início de gestação.
Os casos em que a atenção pré-natal foi mais reduzida, com um número menor de
consultas médicas, parecem estar mais relacionados com a dificuldade da adolescente
em assumir a gravidez, ficando constrangida e envergonhada para procurar o
atendimento adequado e também para enfrentar a família.
Entre as entrevistadas, foram sete partos normais e quatro cesarianas. Em um
caso de parto cesariano, a entrevistada afirma que o mesmo aconteceu porque ela
preferia este tipo de parto e fez tudo para que assim acontecesse. Duas entrevistadas
que tiveram parto normal afirmaram que o parto foi difícil e prolongado, o mesmo
acontecendo em dois casos de parto cesariano. Este fato pode estar associado à questão
da mudança de hospital na hora do parto -- em nenhum caso o parto aconteceu no
mesmo hospital no qual foi realizado o pré-natal. Como os locais onde elas pariram não
dispunham das informações sobre o acompanhamento pré-natal da jovem, o que poderia
auxiliar no atendimento prestado no parto, em alguns casos o parto acabpu endo mais
complicado. Por exemplo, uma das entrevistadas teve indicação de cesárea durante o
13
pré-natal mas passou por trabalho de parto demorado, que acabou resultando em
cesárea, porque o hospital desconhecia tal indicação.
O principal motivo alegado pelas entrevistadas para a mudança de maternidade
refere-se à falta de vagas para internação no momento do parto, mas há também a
justificativa de que não havia tempo para procurar o serviço onde estava sendo atendida
durante a gravidez. Este aspecto pode ser um indicador de que o acesso aos serviços
apresenta limitação, pois não há nenhuma garantia de atendimento nos serviços onde se
realiza o pré-natal ou mesmo uma orientação quanto à oferta de serviços para as jovens.
Além disso, considerando que as jovens entrevistadas pertencem à população mais
pobre que, em geral, utiliza a rede pública de serviços de saúde, a observação sobre o
atendimento nas unidades de saúde pode ser indicativa de uma falta de integração entre
os serviços de atenção às gestantes para um encaminhamento devido na hora do parto --
o que possivelmente atinge a população como um todo e não apenas as jovens grávidas.
No caso das adolescentes entrevistadas, a situação complica-se devido à imaturidade e
ao fato de que todas eram primíparas.
Quanto ao atendimento prestado pelos profissionais de saúde, em geral as
entrevistadas o consideraram de boa qualidade e não apresentaram nenhuma queixa.
Além disso, não destacaram nenhum problema na sua recuperação pós-parto, sendo que
apenas uma jovem reclamou de problemas de saúde (dores e infecção). Entretanto, nas
entrevistas não ficou claro se encontram alguma dificuldade de acesso ao atendimento
pós-parto.
Por outro lado, fica explícito o fato de que seus filhos não têm um
acompanhamento pediátrico regular. Apenas em um caso, a visita ao pediatra foi
realizada com regularidade como medida de cuidado e controle da saúde da criança. As
jovens alegam que a procura pelo atendimento médico acontece quando a criança
apresenta algum problema de saúde, mas não afirmaram se há alguma dificuldade no
acesso e/ou na qualidade do atendimento prestado. Em geral, argumentam que os filhos
têm uma boa saúde, mas há casos em que a criança já esteve internada. Cabe ressaltar
que apenas uma criança nasceu com baixo peso (menos de 2500 gramas) e não houve
nenhum caso de prematuridade (todas as crianças nasceram com mais de 37 semanas).
Estes aspectos podem também ser indicadores de que o atendimento pré-natal realizado
14
pelas entrevistadas pode ter reduzido o risco de baixo peso e partos prematuros, fatores
de risco de morte neonatal, principalmente para filhos de mães adolescentes.
O que as jovens mães esperam do futuro
Sobre as perspectivas para o futuro, as mães adolescentes entrevistadas
manifestaram um grande interesse em retomar os estudos, trabalhar e melhorar de vida.
Além disso, algumas esperam casar-se com o pai de seus filhos e constituir uma família.
Manifestam ainda o desejo de ter outros filhos, mas são firmes ao dizer que isto deve
acontecer mais tarde e em outras condições. A questão de melhoria das condições de
vida também aparece como um desejo em relação ao futuro de seus filhos, para que
possam dar a eles o que, muitas vezes, não tiveram, inclusive em relação ao afeto e ao
carinho. Este desejo fica bem explícito nas palavras das entrevistadas.
“Olha, eu quero ter uma profissão, fazer o que eu gosto(...). Eu quero fazer química, eu vou tentar vestibular, vou me esforçar o máximo pra mim passar. E seja o que Deus quiser, se eu puder arrumar um emprego, me esforçar para um mundo melhor. Então eu quero que um dia a Daniele cresça e tenha orgulho da sua mãe (...) é isso que eu quero.” (Ana Clara, 18 anos, solteira e vive com a família)
“Oh, no futuro eu quero sair, quero começar a trabalhar, pra fazer minha casa e morar junto pra poder criar ela.” (Lorraine, 15 anos, solteira, vive com o parceiro e vive com a família)
“Assim, eu pretendo ter mais um (filho), mas primeiro eu quero dar pra Fernanda, sabe, um carinho que eu não tive com os meus pais direito.” (Michele, 18 anos, solteira e vive somente com o pai da criança)
Nas declarações das entrevistadas, é possível observar que elas percebem as
limitações às quais estão sujeitas em termos de condições de vida, especialmente com o
nascimento de seus filhos, e que também são repassadas para as crianças. No entanto,
elas pretendem modificar esta situação e identificam como uma solução para isto a
inserção no mercado de trabalho e os estudos. Além disso, deixam clara a sua vontade
15
de ter mais filhos e, com isso, constituir sua própria família, porém em melhores
condições de vida.
Uma mensagem para as outras adolescentes sobre gravidez na adolescência
As jovens entrevistadas são unânimes em aconselhar as outras adolescentes que
evitem uma gravidez. Consideram que a adolescência não é o momento de vida
adequado para serem mães e que devem cuidar-se para que isso não aconteça. Como
percebem as mudanças que a maternidade provoca em suas vidas, utilizam isto como
justificativa para suas considerações. Os argumentos são bem enfáticos.
16
“Não duvide não porque acontece com a gente. Por mais que todo mundo conforme, o peso tá sempre nas costas da gente, um filho (...). Ela pode ter um monte de namorado, até marido, no fundo, no fundo, olha pra você ver, eu podia um dia colocar o pai dela na parede e falar pra ele, eu quero, eu exijo, eu quero isso (...) eu pra mim, eu quero que ele [o pai da criança] cresça, que seja alguém na vida e tem mais condições pra viver que eu. Apesar de eu ter ainda mais obrigação que ele, ele ainda acha que levo a vida mais fácil que ele. Ele acha que eu nunca peguei no tranco, sabe, e eu peguei, então, tipo assim, pra elas, tome cuidado, é difícil viu, é muito difícil.” (Ana Clara, 18 anos, solteira e vive com a família)
“Oh, no meu caso, como eu quis, como eu sempre quis, eu tive. Agora eu peço pra evitar o máximo de não engravidar, porque, ainda mais que eu saía de segunda a segunda, pra mulher que gosta de fazer isso, não arruma menino não, porque prende mesmo. Na verdade, fala que não prende, mas prende. Pra mulher irresponsável é que não prende.(...) Eu aconselharia a não arrumar e se arrumar, não tirar, porque eu sou contra o aborto, eu falo que se eu engravidar de cinco meninos, cada um de um pai, eu cuido dos cinco, porque abortar eu não faço isso não. (...) Eu sou contra mesmo. Se arrumar, né, deixa na barriga e cria, vai ver o sofrimento que é, a dor de cabeça.” (Sirlene, 19 anos, solteira e vive com a família)
“(...) Quem faz coisa errada, estão tudo aí, que tem um monte de método de se evitar um filho, diafragma, tem o DIU, tem a camisinha agora feminina, tem um monte de coisa, tem que prevenir que é melhor do que você arrumar uma gravidez indesejada, bem melhor (...)Eu fazia diferente (...), tanto conhecimento pra evitar ele agora, aí eu não engravidaria, não fazia besteira, ter filho só mais tarde, saber bem mais. A gente na adolescência acha que sabe tudo mas não sabe nada, acha que é dono do mundo e não sabe nada, e é bem difícil na adolescência criar um filho e estudar e monte de coisa, complica bastante.” (Franciane, 18 anos, solteira, noiva do pai de seu filho e vive com a família)
Fica, portanto, um recado importante das jovens mães para sua geração,
recomendando evitar uma gravidez precoce e salientando as mudanças que um filho
acarreta em suas vidas. Além disso, pelo fato de pertencerem a famílias mais pobres, as
dificuldades sentidas por estas jovens certamente são maiores pela sua própria condição
de classe.
17
4. Comentários Finais
Os depoimentos das adolescentes entrevistadas são bem ilustrativos da
necessidade de serem considerados os vários aspectos que compõem a vida das mães
adolescentes. As informações prestadas reforçam a importância e o desafio que a
gravidez na adolescência coloca para os jovens e para todos os atores envolvidos com
adolescentes, seja a família, a escola, os serviços de saúde, a mídia ou as religiões.
Como ressalta o título deste trabalho, os adolescentes acham que sabem tudo mas no
fundo têm muito pouco preparo para enfrentar situações que exigem maior
responsabilidade, como o início da vida sexual, os cuidados para evitar doenças e a
maternidade. Em outras palavras, os jovens, sobretudo as do sexo feminino, necessitam
de ajuda e apoio para lidar com tanta mudança em suas vidas.
As jovens entrevistadas demonstraram perceber o quanto suas vidas foram
afetadas com a maternidade precoce. Este aspecto foi muito salientado nas falas, que
não deixaram de mencionar as mudanças que viveram em relação ao seu momento de
vida, tendo que assumir um comportamento mais responsável e maduro frente aos seus
compromissos como mãe, ainda que contassem com a ajuda do pai da criança ou de
seus parentes mais próximos, especialmente de seus pais.
A discussão sobre o papel da família nos cuidados dos filhos de mães
adolescentes salienta a importância do ambiente para a saúde tanto da mãe quanto da
criança (BALDWIN & CAIN, 1980). No caso das jovens entrevistadas, o fato de
contarem com uma rede familiar de apoio para os cuidados deve ter contribuído para
garantir a boa saúde de seus filhos. Especialmente tendo em vista que, pelas entrevistas,
parece claro que as jovens não estavam preparadas para assumir os cuidados com o bebê
e contavam com a ajuda de familiares nesta tarefa.
A existência de arranjos intergeracionais nos quais a mãe, irmã ou outro parente
da jovem mãe assume os cuidados com o bebê também tem se mostrado importante para
as adolescentes à medida em que possibilita, em alguns casos, a continuidade dos
estudos. A interferência da gravidez precoce na educação das jovens é apontada como
um dos principais problemas que atinge especialmente as mais pobres, com
conseqüências sobre as suas possibilidades de mobilidade social e, portanto, melhores
condições de vida (MELO, 1996).
18
As entrevistas sugerem que os pais das crianças têm um papel secundário no
cuidado com seus filhos, exceto nos poucos casos em que moram com eles. Além disso,
a ajuda financeira e as eventuais visitas parecem ser as principais mudanças que
ocorreram na vida desses pais, ao contrário das transformações radicais ocorridas nas
vidas das jovens mães. Portanto, as conseqüências de uma gravidez na adolescência em
termos de impedir ou ao menos dificultar o acesso à educação e à melhoria das
condições de vida no futuro são maiores para as jovens do sexo feminino do que para
seus parceiros.
Uma questão que claramente afeta as mães adolescentes e seus filhos refere-se à
realização de um acompanhamento pré-natal adequado. Pelas entrevistas com as jovens
mães, fica explícito que, quando a atenção pré-natal acontece precoce e adequadamente,
as chances de problemas de saúde, tanto nas gestantes quanto nas crianças, são bem
reduzidas. Isso também é verdade para todos os grupos etários. A importância da
atenção à gestante, principalmente entre as adolescentes, já foi bem tratada por outros
estudiosos (VICTORA ET AL., 1989; DIAS ET AL., 1995). No caso das adolescentes,
devido a possíveis problemas de saúde associados à idade e à imaturidade das jovens,
um pré-natal adequado torna-se ainda mais importante no sentido de garantir a saúde
física e psicológica dessas jovens mães. Sabe-se que, uma vez tendo acesso aos
serviços de saúde para um acompanhamento pré-natal, no parto e, se possível, pós-
parto, as adolescentes apresentam os mesmos resultados obstétricos e perinatais de uma
paciente adulta que recebe a mesma atenção (GRIFFITHS ET AL., 1995).
Finalmente, cabe ressaltar que a realidade das onze adolescentes entrevistadas é
marcada por uma precariedade de condições de vida e uma fragilidade da estrutura
familiar, especialmente nos casos em que a jovem mora apenas com o pai da criança.
Nesses casos, a gravidez precoce vai de encontro às aspirações que as jovens têm, no
sentido de melhores condições de vida no futuro. Ao contrário do esperado, a gravidez
na adolescência pode estar contribuindo para a reprodução desta situação de pobreza.
5. Bibliografia
BALDWIN, W. & CAIN, V.S. “The Children of Teenage Parents.” Familiy Planning Perspectives, 12(1): 34-43, 1980.
19
BERQUÓ, E. "Arranjos familiares no Brasil: uma visão demográfica". In Schwarcz,
L.M. (org.), História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, vol. 4, p.411-37, 1998.
BRUSCHINI, C. & LOMBARDI, M.R. “O Trabalho da Mulher Brasileira nos
Primeiros Anos da Década de Noventa.” In: X Encontro Nacional de Estudos Populacionais, p.483-516. Anais... ABEP, 1996.
CAMARANO, A.A. “Fecundidade e anticoncepção da população jovem”. In: Jovens
Acontecendo na Trilha das Políticas Públicas, Brasília, vol 1, p.109-33. Anais… Brasília: CNPD, 1998.
CÉSAR, C.C., MIRANDA-RIBEIRO, P. & ABREU, D.M.X. “Efeito-idade ou efeito-
pobreza? Mães adolescentes e mortalidade neonatal em Belo Horizonte”. 1999. (mimeo)
CRAMER, J.C. “Social factors and infant mortality: identifying high-risk groups and
proximate causes”. Demography, 24(3): 299-322, Aug. 1987. DIAS, M.A. ET AL.. Mortalidade neonatal em filhos de mães adolescentes no
município de Belo Horizonte: uma análise de risco. Belo Horizonte, ESMIG-UFMG, 1995. (mimeo.)
ELSTER, A.B. ET AL. “Parental Behavior of Adolescent Mothers.” Pediatrics, 71: 494-503, 1983.
GERONIMUS, A. ET. AL. “Does Young Maternal Age Adversely Affect Child
Development? Evidence from Cousin Comparisions in the United States. Population and Development Review, 20(3): 585-609.
GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar. Como fazer pesquisa qualitativa em
Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Record, 2a edição, 1997.
20
GRIFFITHS, E.A., MARDONES, A.O., ZAMBRANO, J.R., SÁNCHEZ, J.S., QUINTANA, J. C., MUÑOZ, L.C. Relación entre el estado nutricional de madres adolescentes y el desarrollo neonatal. Boletin de la Oficina Sanitaria Panamericana, 118(6): 488-498, 1995.
HAGUETTE, T.M.F. Metodologias Qualitativas na Sociologia. Petrópolis: Vozes,
1987. HENRIQUES, M.H. ET AL. Adolescentes de hoje, pais do amanhã: Brasil. The Alan
Guttmacher Institute: New York, 1989. IBGE, 2000. (www.ibge.gov.br) JONES, E.F. ET AL. “Teenage pregnancy in developed countries: determinants and
policy implications.” Family Planning Perspectives, 17(2): 53-62, 1985. MELO, A.V. “Gravidez na Adolescência: uma Nova Tendência na Transição da
Fecundidade no Brasil.” In: X Encontro Nacional de Estudos Populacionais, p.1439-54. Anais... ABEP, 1996.
QUINTANEIRO, T. Retratos de Mulher: o Cotidiano Feminino no Brasil sob o
Olhar de Viageiros do Século XIX. Petrópolis: Vozes, 1996. RIOS-NETO, E.L.G. & WAJNMAN, S. “Participação Feminina no Mercado de
Trabalho no Brasil: Elementos para Projeção de Níveis e Tendências.” In: IX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, p.445-64. Anais... ABEP, 1994.
SANTOS JÚNIOR, J. D. "Fatores etiológicos relacionados à gravidez na adolescência: vulnerabilidade à maternidade". In: CADERNOS juventude, saúde e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, p.223-229, 1999.
VICTORA, C.G ET AL. Epidemiologia da desigualdade. São Paulo: Hucitec, 1989. WEISS, R.S. Learning from Strangers: The art and method of qualitative interview
studies. New York: The Free Press, 1994. WILLIAMS, R.L ET AL. “Pregnancy outcomes among spanish-surname women in
California.” American Journal of Public Health, 76(4): 387-391, 1986.
21
"A gente na adolescência acha que sabe tudo mas não sabe nada":
gravidez na adolescência, redes familiares e condições de vida das
jovens mães e de seus filhos em Belo Horizonte
Daisy Maria Xavier de ABREU8
Paula MIRANDA-RIBEIRO 9
Cibele Comini CÉSAR10
O objetivo do estudo foi, através de uma pesquisa de base qualitativa bastante
preliminar, abordar questões sobre a percepção e o comportamento das adolescentes
frente à gravidez, o grau de conhecimento das jovens sobre métodos contraceptivos e
cuidados com a criança, e as condições sócio-demográficas das jovens, de seus
parceiros e de suas famílias, especialmente no que tange ao papel das redes familiares
na qualidade de vida das mães adolescentes e de seus filhos. Procurou-se conhecer
também como foi a atenção médica no pré-natal, parto e pós-parto das jovens
pesquisadas. Foram realizadas onze entrevistas em profundidade com adolescentes
mães de camadas populares, residentes em Belo Horizonte/MG. Os achados da
pesquisa sugerem que as adolescentes entrevistadas, apesar de terem tido um
acompanhamento pré-natal adequado, não estavam preparadas para assumir a gravidez e
a maternidade. A possibilidade de contar com o apoio da família foi importante para
garantir uma boa saúde para seus filhos e delas próprias. Os pais das crianças têm um
papel secundário no cuidado com seus filhos, exceto nos poucos casos em que moram
com eles. A ajuda financeira e as eventuais visitas parecem ser as principais mudanças
que ocorreram na vida desses pais, ao contrário das transformações radicais ocorridas
nas vidas das jovens mães. Portanto, as conseqüências de uma gravidez na adolescência
em termos de impedir ou ao menos dificultar o acesso à educação e à melhoria das
condições de vida no futuro são maiores para as jovens do sexo feminino do que para
seus parceiros. A gravidez precoce vai de encontro às aspirações das jovens no sentido
de melhores condições de vida no futuro. Ao contrário do esperado, a gravidez na
8 Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva - NESCON/UFMG, Mestre em Demografia,
CEDEPLAR/UFMG. 9 Professora Adjunta do Departamento de Demografia e pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG.
22
adolescência pode estar contribuindo para a reprodução da situação de pobreza em que
elas vivem.
10 Professora Adjunta do Departamento de Estatística/UFMG e pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG.