a gente na adolescencia acha que sabe tudo mas não sabe nada

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1 "A gente na adolescência acha que sabe tudo mas não sabe nada": gravidez na adolescência, redes familiares e condições de vida das jovens mães e de seus filhos em Belo Horizonte Daisy Maria Xavier de ABREU 1 Paula MIRANDA-RIBEIRO 2 Cibele Comini CÉSAR 3 PALAVRAS-CHAVE: GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA, FAMÍLIA "A fase da adolescência era quase desconhecida para as brasileiras, que passavam do brevíssimo interregno da infância à maternidade." QUINTANEIRO, 1996: 105 1. Introdução Gravidez na adolescência nem sempre foi considerada um problema. Ao contrário, o padrão de formação de família predominante no Brasil até o final do século XIX mostra que as noivas, extremamente jovens, tinham entre 12 e 16 anos. Não estar casada aos 20 anos era sinônimo de solteirona (QUINTANEIRO, 1996). A maternidade precoce nada mais era do que um corolário desta situação. Assim, mães jovens não eram tratadas como um “problema social” mas sim como norma. Entretanto, à medida em que a fecundidade foi caindo, a idade média ao casar foi avançando e mudanças significativas ocorreram em relação ao papel da mulher na família e no mercado de trabalho, observou-se uma transformação no enfoque dado à questão da gravidez na adolescência. Neste aspecto, alguns indicadores ilustram as mudanças observadas no cenário brasileiro. Entre 1960 e 1998, a taxa de fecundidade total passou de 6,2 filhos para 2,4 filhos por mulher 4 . Em termos de tendências de 1 Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva - NESCON/UFMG, Mestre em Demografia, CEDEPLAR/UFMG. 2 Professora Adjunta do Departamento de Demografia e pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG. 3 Professora Adjunta do Departamento de Estatística/UFMG e pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG. 4 Conforme estimativas apresentadas na publicação do IBGE, Síntese de Indicadores Sociais 99 (IBGE, 2000).

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Page 1: A gente na adolescencia acha que sabe tudo mas não sabe nada

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"A gente na adolescência acha que sabe tudo mas não sabe nada":

gravidez na adolescência, redes familiares e condições de vida das

jovens mães e de seus filhos em Belo Horizonte

Daisy Maria Xavier de ABREU1

Paula MIRANDA-RIBEIRO 2

Cibele Comini CÉSAR3

PALAVRAS -CHAVE : GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA , FAMÍLIA

"A fase da adolescência era quase desconhecida para as brasileiras, que passavam do brevíssimo interregno da infância à maternidade."

QUINTANEIRO, 1996: 105 1. Introdução

Gravidez na adolescência nem sempre foi considerada um problema. Ao

contrário, o padrão de formação de família predominante no Brasil até o final do século

XIX mostra que as noivas, extremamente jovens, tinham entre 12 e 16 anos. Não estar

casada aos 20 anos era sinônimo de solteirona (QUINTANEIRO, 1996). A maternidade

precoce nada mais era do que um corolário desta situação. Assim, mães jovens não

eram tratadas como um “problema social” mas sim como norma.

Entretanto, à medida em que a fecundidade foi caindo, a idade média ao casar foi

avançando e mudanças significativas ocorreram em relação ao papel da mulher na

família e no mercado de trabalho, observou-se uma transformação no enfoque dado à

questão da gravidez na adolescência. Neste aspecto, alguns indicadores ilustram as

mudanças observadas no cenário brasileiro. Entre 1960 e 1998, a taxa de fecundidade

total passou de 6,2 filhos para 2,4 filhos por mulher4. Em termos de tendências de

1 Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva - NESCON/UFMG, Mestre em Demografia,

CEDEPLAR/UFMG. 2 Professora Adjunta do Departamento de Demografia e pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG. 3 Professora Adjunta do Departamento de Estatística/UFMG e pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG. 4 Conforme estimativas apresentadas na publicação do IBGE, Síntese de Indicadores Sociais 99 (IBGE,

2000).

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nupcialidade, a idade média ao casar vem crescendo no caso das mulheres: em 1940, a

idade média no ato do casamento legal era de 21,7 anos, passando a 24,1 anos em 1994.

Para os homens, entretanto a idade média ao casar permaneceu praticamente estável:

27,1 anos em 1940 e 27,6 anos em 1994 (BERQUÓ, 1998). Nesse mesmo período, a

participação feminina no mercado de trabalho brasileiro cresceu principalmente para as

mulheres em idade produtiva. Em 1990, a razão entre o número total de mulheres ativas

e a população feminina de 10 anos e mais era de 42,66 (RIOS-NETO & WAJNMAN,

1994). Em 1993, as mulheres já representavam quase 40% do total de trabalhadores

brasileiros (BRUSCHINI & LOMBARDI, 1996).

Paralelamente a tudo isso, a contribuição relativa das mães adolescentes no total

de nascimentos vem crescendo5. Para o país como um todo, a participação do grupo de

jovens com idade entre 15 e 19 anos na fecundidade total era de 7,1% em 1970. Vinte

anos depois, cerca de 14% dos nascimentos eram de adolescentes, ao passo que os

grupos etários mais velhos reduziram sua participação relativa no período (MELO,

1996).

Frente ao aumento do número de adolescentes grávidas, a questão tem sido

tratada sob a perspectiva dos custos e riscos tanto para a mãe adolescente quanto para o

seu filho (HENRIQUES ET AL., 1989; MELO, 1996; CAMARANO, 1998). Neste

aspecto, deve-se considerar que as conseqüências para a saúde das jovens mães e de

seus filhos dependem não somente de razões meramente biológicas relacionadas ao

peso, estatura, status nutricional e desenvolvimento do aparelho reprodutivo das

adolescentes, mas também de um componente social que influencia tanto o

comportamento reprodutivo quanto a morbi-mortalidade da mãe e da criança (CÉSAR

& MIRANDA-RIBEIRO & ABREU, 1999).

As jovens mães enfrentam uma série de problemas em relação a uma gravidez

precoce (MELO, 1996). A magnitude destes problemas é tanto maior quanto mais

pobres forem estas jovens. Isto porque, na maioria das vezes, a gravidez precoce

acontece fora do casamento e não é resultado de uma opção deliberada. A chegada de

5 O fenômeno da gravidez na adolescência não tem afetado apenas os países em desenvolvimento. Países

desenvolvidos, como os EUA, França, Canadá também enfrentam situação semelhante, embora com magnitude distinta (JONES ET AL, 1985).

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um filho por vezes precipita uma união ou é absorvida como extensão das famílias de

seus parentes. Além disso, estas adolescentes encontram maiores dificuldades em

conciliar os estudos com os cuidados com a criança, o que resulta em sua interrupção e

acabam por retardar o ingresso no mercado de trabalho. Contam também com uma

dificuldade adicional no que se refere ao seu preparo emocional e de ordem prática para

atender as demandas de um recém-nascido (ELSTER ET AL., 1983). Não menos

problemático é o acesso aos serviços de saúde, via de regra, limitado pela oferta e grau

de resolutividade dos mesmos, o que não é uma exclusividade de população jovem.

Esta realidade deve ser analisada à luz do modo como a relação entre a maturidade e a

idade é considerada em cada sociedade, uma vez que a adolescência é uma fase do

desenvolvimento humano que varia conforme o que é determinado, social e

culturalmente, como o comportamento esperado para esta idade (GERONIMUS ET

AL., 1994).

Estes aspectos ressaltam a importância das práticas culturais relacionadas com

uma rede de apoio familiar no que se refere às condições de vida das jovens mães e de

seus filhos (WILLIAMS ET AL., 1986; CRAMER, 1987). Estudos demonstraram que

um dos mais importantes fatores que influenciam o comportamento das mães

adolescentes é o apoio emocional dado por sua família. Quando as jovens contam com

este apoio, adotam uma conduta mais adequada no cuidado de seus filhos (ELSTER ET

AL., 1983). Além disso, a constituição de arranjos intergeracionais de cuidados com a

criança tem um efeito positivo sobre o desenvolvimento infantil (GERONIMUS ET

AL., 1994). Filhos de mães jovens que vivem sozinhas apresentam piores condições de

saúde se comparados com filhos de mães adolescentes casadas ou que vivem com sua

família (BALDWIN & CAIN, 1980).

Nesta perspectiva, o objetivo do estudo foi, através de uma pesquisa de base

qualitativa bastante preliminar, abordar questões sobre a percepção e o comportamento

das adolescentes frente à gravidez, o grau de conhecimento das jovens sobre métodos

contraceptivos e cuidados com a criança, e as condições sócio-demográficas das jovens,

de seus parceiros e de suas famílias, especialmente no que tange ao papel das redes

familiares na qualidade de vida das mães adolescentes e de seus filhos. Procurou-se

conhecer também como foi a atenção médica no pré-natal, parto e pós-parto das jovens

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pesquisadas. Foram realizadas onze entrevistas com adolescentes residentes em Belo

Horizonte/MG.

A apresentação do trabalho segue a seguinte estrutura: primeiramente, são

descritos os aspectos relativos à metodologia adotada, em seguida discute-se os

principais resultados encontrados e, finalmente, apresenta-se os comentários finais. Os

achados da pesquisa sugerem que as adolescentes entrevistadas não estavam preparadas

para assumir a gravidez e a maternidade e que, portanto, a possibilidade de contar com o

apoio da família foi importante para garantir uma boa saúde para seus filhos e delas

próprias. Adiciona-se a isso o fato de que, na maioria dos casos, as adolescentes

tiveram um acompanhamento pré-natal adequado.

2. Metodologia

Seguindo a tradição da Escola de Chicago, o objetivo deste trabalho é analisar a

gravidez na adolescência e as condições de vida das jovens mães e de seus filhos a partir

do ponto de vista das próprias mães adolescentes, a fim de conhecer e compreender

como cada uma delas experimenta, de fato, a gravidez, a maternidade e as mudanças

impostas às suas vidas.

A principal vantagem da pesquisa qualitativa é o verstehen, ou a "compreensão

interpretativa das experiências dos indivíduos dentro do contexto em que elas foram

vivenciadas" (GOLDENBERG, 1997: 19). Assim sendo, a pesquisa qualitativa enfatiza

"as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens e de sua razão de ser"

(HAGUETTE, 1987: 63). Este é exatamente o objetivo da nossa pesquisa -- entender a

realidade das mães adolescentes através dos seus próprios olhos e amplificar certos

aspectos dessa realidade, a fim de compreendê-los mais profundamente. Desta forma,

optamos por fazer entrevistas em profundidade, definidas como "um processo de

interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo

a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado" (HAGUETTE, 1987: 86),

ou ainda como uma forma de "acesso às observações de outras pessoas a respeito de um

fato. Através da entrevista, você pode aprender sobre lugares onde você nunca esteve e

sobre experiências que você nunca viveu" (WEISS, 1994: 1). Em suma, a partir de uma

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entrevista em profundidade, percebe-se a representação que o entrevistado tem a

respeito da sua experiência de vida. É exatamente isso que nos interessava.

Apesar dessa escolha metodológica consciente, sabemos das limitações impostas

pelo método, não generalizável e com conclusões restritas apenas ao grupo estudado.

Também estamos atentas aos possíveis vieses, tanto pelo lado da

entrevistadora/pesquisadora -- que traz consigo sua bagagem, suas convicções teóricas e

ideológicas e seus pré-conceitos -- quanto por fatores externos a ela -- problemas com o

roteiro, falta de sintonia entre entrevistadora e entrevistada, constrangimentos e perda de

espontaneidade por parte da entrevistada, além do desejo desta em agradar a

entrevistadora.

A pesquisa qualitativa consistiu em entrevistas realizadas com jovens

adolescentes que vivenciaram a experiência da maternidade. Considerando as

dificuldades em encontrar mães jovens, o critério adotado para a escolha das

informantes foi o da seleção por conveniência, útil especialmente em grupos difíceis de

serem pesquisados (WEISS, 1994). Foram entrevistadas 11 mães adolescentes, nos

meses de julho e agosto de 1999, a partir de indicação de pessoas que atuam junto a

grupos de jovens e das próprias entrevistadas e, através delas, foi realizado um primeiro

contato para verificar o interesse e a disponibilidade das adolescentes em serem

entrevistadas6. A partir da concordância das jovens, as entrevistas foram agendadas,

sendo que todas foram realizadas na residência das mesmas. A seleção das

entrevistadas concentrou-se em jovens de camadas mais pobres da população,

considerando a importância que tem, para esse grupo, o suporte familiar nas condições

de vida das jovens mães e de seus filhos. Foram abordadas questões sobre a percepção

e o comportamento frente à gravidez, grau de conhecimento das jovens sobre métodos

contraceptivos e cuidados com a criança, a existência de uma rede familiar de suporte,

inclusive em relação aos cuidados com a criança e a disponibilidade e o acesso à

atenção médica no pré-natal, parto e pós-parto. Além disso, foram coletadas

informações sobre o perfil sócio-demográfico das jovens, de seus parceiros e de suas

famílias.

6 As entrevistas foram feitas por ABREU e MIRANDA-RIBEIRO.

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As entrevistas foram realizadas a partir de roteiro semi-estruturado, abordando

os temas de interesse da pesquisa, mas com um grau de flexibilidade que permitisse às

entrevistadas aprofundar em aspectos de sua história de vida e relacionados com a

gravidez que pudessem contribuir para a compreensão do objeto de estudo. Para

garantir o anonimato das entrevistadas, de seus bebês e dos pais das crianças, os nomes

que aparecem nas entrevistas são fictícios, sugeridos pelas próprias informantes7.

3. Resultados Encontrados

Caracterização sócio-demográfica das mães adolescentes

A situação socioeconômica das 11 mães adolescentes entrevistadas aponta para

um quadro de precariedade, como pode ser visto pelos dados apresentados nos Gráficos

1 e 2. Elas moram em bairros da periferia (nove meninas) ou em favelas (duas

meninas), a renda familiar, quando informada, não ultrapassa dois salários mínimos e é

baixa a escolaridade do chefe da família. Há dois casos que não se enquadram

exatamente neste perfil e podem ser considerados como sendo de famílias de classe

média baixa, pois o chefe da família tem um nível de escolaridade mais elevado e, em

termos de condição sócio-econômica, os domicílios apresentam um maior número de

bens de consumo duráveis.

A maioria das adolescentes entrevistadas é dependente da família e não

conseguiu ainda inserção no mercado de trabalho. A constituição de um novo núcleo

familiar, a partir da gravidez e nascimento da criança, quando aconteceu, se deu em

condições precárias, sendo que boa parte das que vivem com seus parceiros continua

morando com a família de origem, que nem sempre é pequena. Apenas em um caso a

adolescente assume o papel de chefe da família, vivendo somente com seu filho e uma

amiga que cuida da criança, enquanto a jovem trabalha. Das 11 jovens entrevistadas,

sete são solteiras e, destas, duas estavam noivas do pai da criança. Para aquelas que

vivem com seus parceiros, não foi encontrado nenhum caso de casamento legal. Em

geral, apresentam baixa escolaridade e apenas três continuam estudando.

7 Somente em um caso a entrevistada optou por manter seu nome e o da criança, não chegando a

mencionar o do pai.

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Sobre o perfil do pai da criança, todos são mais velhos do que as adolescentes

entrevistadas e tinham acima de 20 anos (entre 21 e 28 anos) na ocasião da gravidez das

jovens. Das informações obtidas, três deles estavam desempregados (dois eram

cobradores de ônibus e um trabalhava com telecomunicação). Para aqueles que

trabalhavam, as atividades variavam entre mecânico, porteiro, pedreiro, comerciante,

vigilante e cobrador de ônibus. A escolaridade do pai da criança também não é elevada:

somente em três casos, a escolaridade do pai é Ensino Médio incompleto. Os demais

têm escolaridade abaixo deste nível. Quanto à sua renda mensal, para o único caso que

dispõe desta informação, o valor é de R$ 180,00. No entanto, segundo as entrevistadas,

eles ajudam nas despesas com o filho (independente da situação marital que vivem). Há

11

11

7

5

3

2

0 5 10 15

Fonte: Entrevistas com as adolescentes

Grávidas entre 15 e17 anos

1ª gravidez

S olteiras

Es tudaram até oEns . F undamental

E s tão es tudando

T rabalham fora decas a

Gráfico 1: Como são as adolescentes

9

8

7

7

2

0 5 10 15

Fonte: Entrevistas com as adolescentes

Moram na periferia

Vivem com afamí lia

Chefe da familia =pai ou mãe

Vivem com 5 a 9pes s oas

Vivem apenas como parceiro e o filho

Gráfico 2: Como vivem as adolescentes

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um único caso em que o pai da criança vive em outra cidade e não ajuda e nem mantém

contato com o filho.

Como as adolescentes percebem e encaram a gravidez, o que muda em suas vidas e no

relacionamento com a família

Para as mães adolescentes entrevistadas, foi sua primeira experiência de

gravidez e, com exceção de uma jovem, todas afirmaram que a gravidez não foi

planejada ou desejada. Neste aspecto, são unânimes em afirmar as dificuldades que

tiveram em assumir a gravidez, os conflitos pessoais, familiares e de relacionamento

com o pai da criança. As respostas das entrevistadas expressam o impacto que a notícia

da gravidez provocou nelas próprias.

“Ah, eu fiquei sabendo, fiquei desesperada, queria sumir, queria tirar, queria fazer aborto, um pouco desesperada. Depois eu conversei muito com a pessoa que hoje em dia mora comigo, que é madrinha do neném e a gente ficou conversando e que não ia ter jeito de tirar e assumi. Eu falei assim, não, agora eu vou ter.” (Adriana, 19 anos, solteira e não vive com sua família)

“(...) Eu pensei, lógico que eu pensei, pô 17 anos, eu engravidei com 17, eu fiquei louca, eu imaginei eu com 17 anos, meu pai morreu, né, o que que meus irmãos vão falar. Vai matar ele, vai me matar, minha mãe. Mas aí não, eu tive apoio de todo mundo.” (Regiane, 19 anos, solteira, noiva do pai da criança e vive com sua família )

No relacionamento com os parceiros, a reação e as mudanças desencadeadas

pela gravidez nem sempre foram as mesmas. A grande maioria dos pais das crianças

receberam bem a notícia e acabaram assumindo a paternidade, ajudando as entrevistadas

no cuidado e nas despesas com a criança. Há situações em que, com a gravidez, o casal

passou a viver junto, seja com a família da adolescente, seja constituindo novo núcleo

familiar. Também ocorrem casos em que o relacionamento com o pai da criança foi

interrompido ou conflituoso. Há um único caso no qual o pai da criança não assumiu o

filho e este é registrado apenas com o nome da mãe.

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A relação das jovens com a família sofreu mudanças ao longo da gravidez.

Primeiramente, quando os pais ficaram sabendo que suas filhas estavam grávidas,

reagiram negativamente -- os pais reprovam mais do que de as mães -- e houve até

situações de tensão familiar -- há um caso de violência do pai e irmãos por causa da

gravidez. No entanto, as entrevistadas argumentam que, com o passar do tempo e

especialmente com o nascimento das crianças, o comportamento de seus pais

modificou-se e eles tornaram-se afetuosos com os netos, ajudando nos cuidados com o

bebê e, em muitos casos, assumindo os cuidados com ele. Cabe lembrar que, em apenas

três casos, as adolescentes não são dependentes da família -- uma delas vive com uma

amiga e o filho e as outras duas vivem apenas com seus parceiros e filhos. Portanto, a

dependência da família é ainda muito significativa na vida das mães adolescentes, tanto

do ponto de vista financeiro, quanto em relação ao apoio psicológico e afetivo.

As adolescentes entrevistadas consideram que a gravidez modificou suas vidas.

Em geral, reforçaram muito as mudanças que a maternidade trouxe em relação ao seu

momento de vida, sua socialização e a “liberdade” própria dos jovens (sair, dançar,

namorar). Elas ressaltaram, ainda, a maior responsabilidade que passaram a ter com a

chegada do filho e a dificuldade em conciliar as atividades de cuidado com o bebê,

escola, trabalho. Muitas das jovens entrevistadas interromperam os estudos já na

gravidez e algumas que estavam trabalhando também pararam de trabalhar. As falas

das jovens são elucidativas e incisivas sobre as mudanças ocorridas em suas vidas.

“Ah, mudou tudo, né, tipo assim. Solteira então cê sai, cê faz o que cê quiser e tal, quando casa não, cê cria suas responsabilidade, se tem filho, cê tem casa, cê tem marido, cê tem que arrumar a casa, fazer comida e tal. Quando cê tá na casa da sua mãe, cê enrola, cê não faz. (...) Ah, porque a coisa que mais gostava de fazer quando eu era adolescente, dançar, sair, dançar.” (Taís, 19 anos, vive com o parceiro e com sua família)

“Ah, eu acho que eu fiquei mais madura, né, mais, tive que ficar mais responsável. (...) Estudar, sair, porque eu passeava muito, né, saía se deixasse a semana toda pra dançar, essas coisas. Pra mim, isso não acontece mais, hoje em dia eu vivo mais por conta dele.” (Adriana, 19 anos, solteira e não vive com a sua família)

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“Nossa, mudou tudo. Olha só, antes eu não tinha responsabilidade nenhuma, sabe, tudo pra mim era aventura, nossa era assim, só comia, bebia e dormia e mais nada. Agora não, minha fia, agora tenho que fazer comida primeiro, né, fazer tudo primeiro, pra depois poder, esse trem é um saco, né, nossa senhora, mudou muita coisa.” (Carolina, 17 anos, vive somente com o pai da criança)

“Ah, eu saía, né, sexta, domingo, saindo, chegava meia noite, duas horas. Mas agora não dá. (...) Aí não dá pra fazer as coisas, agora eu tenho que levar ela sempre comigo. (...) eu estudo à noite. Nossa, é difícil demais, assim, eu já fiz prova, não dá mais para mim estudar. Eu tenho que chegar um pouquinho mais cedo na escola, estudar, prestar atenção na estória pra poder saber alguma coisa. Mas Deus me livre, não dá pra mim fazer as coisas que eu fazia antes, né. Muita coisa mesmo. (Regiane,19 anos, solteira, noiva do pai da criança e vive com sua família)

O grau de conhecimento das jovens sobre gravidez, métodos contraceptivos e cuidados

com a criança

Uma questão importante em relação ao comportamento das mães adolescentes

pesquisadas frente à gravidez refere-se ao seu conhecimento sobre ciclo reprodutivo,

métodos contraceptivos e uso destes métodos. As entrevistadas apontam como canais

de informação e comunicação a escola, familiares (mãe e irmãs) e amigos. Entretanto,

não foi possível perceber como estas questões são repassadas e discutidas com as

adolescentes. Nas respostas, fica claro que as jovens conhecem muito pouco sobre o

funcionamento do ciclo reprodutivo da mulher, além de conhecerem mas usarem de

forma irregular e não permanente os métodos contraceptivos. Muitas alegam que

usavam preservativo masculino (mas nem sempre) e assim engravidaram. Embora

praticamente todas elas não desejassem engravidar, acreditavam que isto não

aconteceria com elas. Tudo indica que o “pensamento mágico” de que “isso não vai

acontecer comigo” (Santos Júnior, 1999) é o que orienta o comportamento em relação

aos cuidados para não engravidar. Elas próprias expressam isso.

“Ah eu não sei, eu nem lembro mais porque eu não usei (camisinha), eu acho que deu na telha, não vamos usar não, não usou e pronto.” (Franciane, 18 anos, solteira, noiva do pai da criança e vive com a família)

“(...) O risco a gente sempre sabe que tem, a gente sabe que tem um risco, (...) talvez, igual fala a reportagem, adolescente acha que com ele nunca vai acontecer, sei lá.” (Taís, 19 anos, vive com o parceiro e sua família)

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Apesar da pesquisa não ter como objetivo abordar a questão das doenças

sexualmente transmissíveis, AIDS e os seus métodos de prevenção, o fato de que muitas

das adolescentes não usam preservativo ou o fazem de forma irregular é um indicativo

da falta de preocupação e conscientização das jovens sobre os riscos destas doenças.

Em relação aos cuidados com o bebê, as entrevistadas foram indagadas sobre

quem assumia os cuidados com a criança e práticas de cuidado como, por exemplo, a

amamentação. Primeiramente, observou-se que mesmo nos casos onde a adolescente

assume os cuidados com a criança, ela conta com o apoio e a ajuda da família, seja da

mãe, seja de tia, cunhada ou amiga, seja até do pai da criança, principalmente nos

primeiros dias de vida do recém-nascido. Verificou-se que as jovens parecem não ter

informação e preparo para realizar os primeiros cuidados como banho do bebê, cura do

umbigo e outros. O período de tempo máximo de amamentação foi de seis meses de

idade, sendo que sete delas amamentaram somente até os três meses. Destas, quatro

amamentaram menos de um mês. Embora a entrevista não tenha permitido verificar o

grau de conhecimento das jovens sobre a importância da amamentação para a saúde das

crianças, os depoimentos indicam que elas parecem não ter clareza sobre isto e, na

própria avaliação de uma delas, este aspecto é um indicador da falta de maturidade da

adolescente para assumir a gravidez e o filho. Na fala desta jovem, fica bem clara esta

questão.

“Eu amamentei 20 dias e eu acho o pior da gravidez na adolescência é a falta, como se diz, de maturidade da mãe, né. (...) eu ficava muito nervosa, eu não queria saber de amamentar. (...) Aí eu falei com meu pai que o meu leite não tava sustentando mais a Daniele, ela queria mamar de novo, eu não aguentava, aí quando a Daniele fez 20 dias, não, 15 dias, eu falava ô pai, pelo amor de Deus, eu não aguento mais amamentar, a menina chora, chora (...) aí ele falou, tá, eu vou conversar com seu médico. Aí ele comprou Nestogen pra ela (...). Eu não tenho paciência e em uma semana meu leite secou e eu dei graças a Deus. (...) Eu acho que nessa parte eu fui imatura, né..” (Ana Clara, 18 anos, solteira e vive com a família).

Os depoimentos prestados pelas jovens entrevistadas parecem indicar a

importância do apoio familiar no cuidado da criança. Dado o elevado grau de

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dependência das jovens em relação às suas famílias, a responsabilidade sobre os

cuidados com o filho da adolescente passa a ser compartilhado com a família e também

depende dos arranjos intergeracionais existentes, tendo em vista que, na maioria dos

casos, as jovens vivem em famílias estendidas.

Pelas entrevistas, é possível inferir ainda que não há, nem por parte da família e

nem dos serviços de atenção às adolescentes, sejam de saúde ou de orientação

educacional, uma atenção maior no sentido de preparar as jovens para o início da vida

sexual e, no caso de gravidez, para os cuidados com os filhos.

A atenção à saúde durante a gravidez, parto e pós-parto na visão das mães

adolescentes

Os depoimentos das jovens mães indicam que, em maior ou menor grau, todas

tiveram acesso ao atendimento pré-natal, sendo que, em quase todos os casos, o pré-

natal foi realizado desde o início da gravidez. Seis entrevistadas afirmaram ter tido

problemas de saúde durante a gravidez, que vão desde ameaça de pré-eclâmpsia até

risco de nascimento prematuro, passando por problemas próprios do início de gestação.

Os casos em que a atenção pré-natal foi mais reduzida, com um número menor de

consultas médicas, parecem estar mais relacionados com a dificuldade da adolescente

em assumir a gravidez, ficando constrangida e envergonhada para procurar o

atendimento adequado e também para enfrentar a família.

Entre as entrevistadas, foram sete partos normais e quatro cesarianas. Em um

caso de parto cesariano, a entrevistada afirma que o mesmo aconteceu porque ela

preferia este tipo de parto e fez tudo para que assim acontecesse. Duas entrevistadas

que tiveram parto normal afirmaram que o parto foi difícil e prolongado, o mesmo

acontecendo em dois casos de parto cesariano. Este fato pode estar associado à questão

da mudança de hospital na hora do parto -- em nenhum caso o parto aconteceu no

mesmo hospital no qual foi realizado o pré-natal. Como os locais onde elas pariram não

dispunham das informações sobre o acompanhamento pré-natal da jovem, o que poderia

auxiliar no atendimento prestado no parto, em alguns casos o parto acabpu endo mais

complicado. Por exemplo, uma das entrevistadas teve indicação de cesárea durante o

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pré-natal mas passou por trabalho de parto demorado, que acabou resultando em

cesárea, porque o hospital desconhecia tal indicação.

O principal motivo alegado pelas entrevistadas para a mudança de maternidade

refere-se à falta de vagas para internação no momento do parto, mas há também a

justificativa de que não havia tempo para procurar o serviço onde estava sendo atendida

durante a gravidez. Este aspecto pode ser um indicador de que o acesso aos serviços

apresenta limitação, pois não há nenhuma garantia de atendimento nos serviços onde se

realiza o pré-natal ou mesmo uma orientação quanto à oferta de serviços para as jovens.

Além disso, considerando que as jovens entrevistadas pertencem à população mais

pobre que, em geral, utiliza a rede pública de serviços de saúde, a observação sobre o

atendimento nas unidades de saúde pode ser indicativa de uma falta de integração entre

os serviços de atenção às gestantes para um encaminhamento devido na hora do parto --

o que possivelmente atinge a população como um todo e não apenas as jovens grávidas.

No caso das adolescentes entrevistadas, a situação complica-se devido à imaturidade e

ao fato de que todas eram primíparas.

Quanto ao atendimento prestado pelos profissionais de saúde, em geral as

entrevistadas o consideraram de boa qualidade e não apresentaram nenhuma queixa.

Além disso, não destacaram nenhum problema na sua recuperação pós-parto, sendo que

apenas uma jovem reclamou de problemas de saúde (dores e infecção). Entretanto, nas

entrevistas não ficou claro se encontram alguma dificuldade de acesso ao atendimento

pós-parto.

Por outro lado, fica explícito o fato de que seus filhos não têm um

acompanhamento pediátrico regular. Apenas em um caso, a visita ao pediatra foi

realizada com regularidade como medida de cuidado e controle da saúde da criança. As

jovens alegam que a procura pelo atendimento médico acontece quando a criança

apresenta algum problema de saúde, mas não afirmaram se há alguma dificuldade no

acesso e/ou na qualidade do atendimento prestado. Em geral, argumentam que os filhos

têm uma boa saúde, mas há casos em que a criança já esteve internada. Cabe ressaltar

que apenas uma criança nasceu com baixo peso (menos de 2500 gramas) e não houve

nenhum caso de prematuridade (todas as crianças nasceram com mais de 37 semanas).

Estes aspectos podem também ser indicadores de que o atendimento pré-natal realizado

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pelas entrevistadas pode ter reduzido o risco de baixo peso e partos prematuros, fatores

de risco de morte neonatal, principalmente para filhos de mães adolescentes.

O que as jovens mães esperam do futuro

Sobre as perspectivas para o futuro, as mães adolescentes entrevistadas

manifestaram um grande interesse em retomar os estudos, trabalhar e melhorar de vida.

Além disso, algumas esperam casar-se com o pai de seus filhos e constituir uma família.

Manifestam ainda o desejo de ter outros filhos, mas são firmes ao dizer que isto deve

acontecer mais tarde e em outras condições. A questão de melhoria das condições de

vida também aparece como um desejo em relação ao futuro de seus filhos, para que

possam dar a eles o que, muitas vezes, não tiveram, inclusive em relação ao afeto e ao

carinho. Este desejo fica bem explícito nas palavras das entrevistadas.

“Olha, eu quero ter uma profissão, fazer o que eu gosto(...). Eu quero fazer química, eu vou tentar vestibular, vou me esforçar o máximo pra mim passar. E seja o que Deus quiser, se eu puder arrumar um emprego, me esforçar para um mundo melhor. Então eu quero que um dia a Daniele cresça e tenha orgulho da sua mãe (...) é isso que eu quero.” (Ana Clara, 18 anos, solteira e vive com a família)

“Oh, no futuro eu quero sair, quero começar a trabalhar, pra fazer minha casa e morar junto pra poder criar ela.” (Lorraine, 15 anos, solteira, vive com o parceiro e vive com a família)

“Assim, eu pretendo ter mais um (filho), mas primeiro eu quero dar pra Fernanda, sabe, um carinho que eu não tive com os meus pais direito.” (Michele, 18 anos, solteira e vive somente com o pai da criança)

Nas declarações das entrevistadas, é possível observar que elas percebem as

limitações às quais estão sujeitas em termos de condições de vida, especialmente com o

nascimento de seus filhos, e que também são repassadas para as crianças. No entanto,

elas pretendem modificar esta situação e identificam como uma solução para isto a

inserção no mercado de trabalho e os estudos. Além disso, deixam clara a sua vontade

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de ter mais filhos e, com isso, constituir sua própria família, porém em melhores

condições de vida.

Uma mensagem para as outras adolescentes sobre gravidez na adolescência

As jovens entrevistadas são unânimes em aconselhar as outras adolescentes que

evitem uma gravidez. Consideram que a adolescência não é o momento de vida

adequado para serem mães e que devem cuidar-se para que isso não aconteça. Como

percebem as mudanças que a maternidade provoca em suas vidas, utilizam isto como

justificativa para suas considerações. Os argumentos são bem enfáticos.

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“Não duvide não porque acontece com a gente. Por mais que todo mundo conforme, o peso tá sempre nas costas da gente, um filho (...). Ela pode ter um monte de namorado, até marido, no fundo, no fundo, olha pra você ver, eu podia um dia colocar o pai dela na parede e falar pra ele, eu quero, eu exijo, eu quero isso (...) eu pra mim, eu quero que ele [o pai da criança] cresça, que seja alguém na vida e tem mais condições pra viver que eu. Apesar de eu ter ainda mais obrigação que ele, ele ainda acha que levo a vida mais fácil que ele. Ele acha que eu nunca peguei no tranco, sabe, e eu peguei, então, tipo assim, pra elas, tome cuidado, é difícil viu, é muito difícil.” (Ana Clara, 18 anos, solteira e vive com a família)

“Oh, no meu caso, como eu quis, como eu sempre quis, eu tive. Agora eu peço pra evitar o máximo de não engravidar, porque, ainda mais que eu saía de segunda a segunda, pra mulher que gosta de fazer isso, não arruma menino não, porque prende mesmo. Na verdade, fala que não prende, mas prende. Pra mulher irresponsável é que não prende.(...) Eu aconselharia a não arrumar e se arrumar, não tirar, porque eu sou contra o aborto, eu falo que se eu engravidar de cinco meninos, cada um de um pai, eu cuido dos cinco, porque abortar eu não faço isso não. (...) Eu sou contra mesmo. Se arrumar, né, deixa na barriga e cria, vai ver o sofrimento que é, a dor de cabeça.” (Sirlene, 19 anos, solteira e vive com a família)

“(...) Quem faz coisa errada, estão tudo aí, que tem um monte de método de se evitar um filho, diafragma, tem o DIU, tem a camisinha agora feminina, tem um monte de coisa, tem que prevenir que é melhor do que você arrumar uma gravidez indesejada, bem melhor (...)Eu fazia diferente (...), tanto conhecimento pra evitar ele agora, aí eu não engravidaria, não fazia besteira, ter filho só mais tarde, saber bem mais. A gente na adolescência acha que sabe tudo mas não sabe nada, acha que é dono do mundo e não sabe nada, e é bem difícil na adolescência criar um filho e estudar e monte de coisa, complica bastante.” (Franciane, 18 anos, solteira, noiva do pai de seu filho e vive com a família)

Fica, portanto, um recado importante das jovens mães para sua geração,

recomendando evitar uma gravidez precoce e salientando as mudanças que um filho

acarreta em suas vidas. Além disso, pelo fato de pertencerem a famílias mais pobres, as

dificuldades sentidas por estas jovens certamente são maiores pela sua própria condição

de classe.

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4. Comentários Finais

Os depoimentos das adolescentes entrevistadas são bem ilustrativos da

necessidade de serem considerados os vários aspectos que compõem a vida das mães

adolescentes. As informações prestadas reforçam a importância e o desafio que a

gravidez na adolescência coloca para os jovens e para todos os atores envolvidos com

adolescentes, seja a família, a escola, os serviços de saúde, a mídia ou as religiões.

Como ressalta o título deste trabalho, os adolescentes acham que sabem tudo mas no

fundo têm muito pouco preparo para enfrentar situações que exigem maior

responsabilidade, como o início da vida sexual, os cuidados para evitar doenças e a

maternidade. Em outras palavras, os jovens, sobretudo as do sexo feminino, necessitam

de ajuda e apoio para lidar com tanta mudança em suas vidas.

As jovens entrevistadas demonstraram perceber o quanto suas vidas foram

afetadas com a maternidade precoce. Este aspecto foi muito salientado nas falas, que

não deixaram de mencionar as mudanças que viveram em relação ao seu momento de

vida, tendo que assumir um comportamento mais responsável e maduro frente aos seus

compromissos como mãe, ainda que contassem com a ajuda do pai da criança ou de

seus parentes mais próximos, especialmente de seus pais.

A discussão sobre o papel da família nos cuidados dos filhos de mães

adolescentes salienta a importância do ambiente para a saúde tanto da mãe quanto da

criança (BALDWIN & CAIN, 1980). No caso das jovens entrevistadas, o fato de

contarem com uma rede familiar de apoio para os cuidados deve ter contribuído para

garantir a boa saúde de seus filhos. Especialmente tendo em vista que, pelas entrevistas,

parece claro que as jovens não estavam preparadas para assumir os cuidados com o bebê

e contavam com a ajuda de familiares nesta tarefa.

A existência de arranjos intergeracionais nos quais a mãe, irmã ou outro parente

da jovem mãe assume os cuidados com o bebê também tem se mostrado importante para

as adolescentes à medida em que possibilita, em alguns casos, a continuidade dos

estudos. A interferência da gravidez precoce na educação das jovens é apontada como

um dos principais problemas que atinge especialmente as mais pobres, com

conseqüências sobre as suas possibilidades de mobilidade social e, portanto, melhores

condições de vida (MELO, 1996).

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As entrevistas sugerem que os pais das crianças têm um papel secundário no

cuidado com seus filhos, exceto nos poucos casos em que moram com eles. Além disso,

a ajuda financeira e as eventuais visitas parecem ser as principais mudanças que

ocorreram na vida desses pais, ao contrário das transformações radicais ocorridas nas

vidas das jovens mães. Portanto, as conseqüências de uma gravidez na adolescência em

termos de impedir ou ao menos dificultar o acesso à educação e à melhoria das

condições de vida no futuro são maiores para as jovens do sexo feminino do que para

seus parceiros.

Uma questão que claramente afeta as mães adolescentes e seus filhos refere-se à

realização de um acompanhamento pré-natal adequado. Pelas entrevistas com as jovens

mães, fica explícito que, quando a atenção pré-natal acontece precoce e adequadamente,

as chances de problemas de saúde, tanto nas gestantes quanto nas crianças, são bem

reduzidas. Isso também é verdade para todos os grupos etários. A importância da

atenção à gestante, principalmente entre as adolescentes, já foi bem tratada por outros

estudiosos (VICTORA ET AL., 1989; DIAS ET AL., 1995). No caso das adolescentes,

devido a possíveis problemas de saúde associados à idade e à imaturidade das jovens,

um pré-natal adequado torna-se ainda mais importante no sentido de garantir a saúde

física e psicológica dessas jovens mães. Sabe-se que, uma vez tendo acesso aos

serviços de saúde para um acompanhamento pré-natal, no parto e, se possível, pós-

parto, as adolescentes apresentam os mesmos resultados obstétricos e perinatais de uma

paciente adulta que recebe a mesma atenção (GRIFFITHS ET AL., 1995).

Finalmente, cabe ressaltar que a realidade das onze adolescentes entrevistadas é

marcada por uma precariedade de condições de vida e uma fragilidade da estrutura

familiar, especialmente nos casos em que a jovem mora apenas com o pai da criança.

Nesses casos, a gravidez precoce vai de encontro às aspirações que as jovens têm, no

sentido de melhores condições de vida no futuro. Ao contrário do esperado, a gravidez

na adolescência pode estar contribuindo para a reprodução desta situação de pobreza.

5. Bibliografia

BALDWIN, W. & CAIN, V.S. “The Children of Teenage Parents.” Familiy Planning Perspectives, 12(1): 34-43, 1980.

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"A gente na adolescência acha que sabe tudo mas não sabe nada":

gravidez na adolescência, redes familiares e condições de vida das

jovens mães e de seus filhos em Belo Horizonte

Daisy Maria Xavier de ABREU8

Paula MIRANDA-RIBEIRO 9

Cibele Comini CÉSAR10

O objetivo do estudo foi, através de uma pesquisa de base qualitativa bastante

preliminar, abordar questões sobre a percepção e o comportamento das adolescentes

frente à gravidez, o grau de conhecimento das jovens sobre métodos contraceptivos e

cuidados com a criança, e as condições sócio-demográficas das jovens, de seus

parceiros e de suas famílias, especialmente no que tange ao papel das redes familiares

na qualidade de vida das mães adolescentes e de seus filhos. Procurou-se conhecer

também como foi a atenção médica no pré-natal, parto e pós-parto das jovens

pesquisadas. Foram realizadas onze entrevistas em profundidade com adolescentes

mães de camadas populares, residentes em Belo Horizonte/MG. Os achados da

pesquisa sugerem que as adolescentes entrevistadas, apesar de terem tido um

acompanhamento pré-natal adequado, não estavam preparadas para assumir a gravidez e

a maternidade. A possibilidade de contar com o apoio da família foi importante para

garantir uma boa saúde para seus filhos e delas próprias. Os pais das crianças têm um

papel secundário no cuidado com seus filhos, exceto nos poucos casos em que moram

com eles. A ajuda financeira e as eventuais visitas parecem ser as principais mudanças

que ocorreram na vida desses pais, ao contrário das transformações radicais ocorridas

nas vidas das jovens mães. Portanto, as conseqüências de uma gravidez na adolescência

em termos de impedir ou ao menos dificultar o acesso à educação e à melhoria das

condições de vida no futuro são maiores para as jovens do sexo feminino do que para

seus parceiros. A gravidez precoce vai de encontro às aspirações das jovens no sentido

de melhores condições de vida no futuro. Ao contrário do esperado, a gravidez na

8 Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva - NESCON/UFMG, Mestre em Demografia,

CEDEPLAR/UFMG. 9 Professora Adjunta do Departamento de Demografia e pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG.

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adolescência pode estar contribuindo para a reprodução da situação de pobreza em que

elas vivem.

10 Professora Adjunta do Departamento de Estatística/UFMG e pesquisadora do CEDEPLAR/UFMG.