antropologia da criança col passo a passo

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Os conceitos de criança e de infância parecem muito naturais, mas escondem inúmeras complexidades. Ao mostrar como diferentes culturas lidam com a criança, esse livro relativiza nossa compreensão sobre o tema e debate o papel da antropologia nesse campo de estudos, apontando seus limites e as contribuições que tem a oferecer.

TRANSCRIPT

ColeçãoPASSO-A-PASSO

CIÊNCIASSOCIAISPASSO-A-PASSODireção:CelsoCastro

FILOSOFIAPASSO-A-PASSODireção:DenisL.Rosenfield

PSICANÁLISEPASSO-A-PASSODireção:MarcoAntonioCoutinhoJorge

Verlistadetítulosnofinaldovolume

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ClariceCohn

Antropologiadacriança

2ªedição

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Sumário

Introdução

Estudospioneirosemantropologia

Umanovaantropologiadacriança

Acriançaeainfância

Acriançaatuante

Acriançaprodutoradecultura

Educaçãoeaprendizagem

Umapalavrasobreinterdisciplinaridadeeaplicaçãodapesquisa

Metodologiasetécnicasdepesquisa

Conclusões:ascriançasdaquiedelá

Referênciasefontes

Leiturasrecomendadas

Sobreaautora

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Introdução

Oqueéacriança?Oqueésercriança?Comovivemepensamascrianças?Oquesignificaainfância?Quandoelaacaba?

Perguntas nada simples de responder. Pelo contrário, elas podemesconder uma armadilha. Afinal, as crianças estão em toda parte, todosfomos crianças um dia, todos temos, desejamos ou não desejamos tercrianças.Aliteraturanosoferecetextosdeautoresfamososquenoscontamsua infância, poetas românticos falam com nostalgia de seu tempo decriança.Écomosetudojáfossesabido,comosenãohouvesseespaçoparadúvidas.

Mas não é bem assim. Mesmo se fôssemos recolher todas essasinformações sobrea infânciaeascrianças,veríamosqueumpunhadodeidéias diferentes se apresentam. A criança pode ser a tábula rasa a serinstruída e formada moralmente, ou o lugar do paraíso perdido, quandosomosplenamenteoquejamaisseremosdenovo.Elapodeserainocência(eporissoanostalgiadeumtempoquejápassou)ouumdemoniozinhoaser domesticado (quantas vezes não ouvimos dizer que “as crianças sãocruéis”?). Seja como for, em todas essas idéias o que transparece é umaimagememnegativodacriança:quandofalamosassim,estamosusando-acomo um contraponto para falar de outras coisas, como a vida emsociedade ou as responsabilidades da idade adulta. E, pior, com issoafirmamos uma cisão, uma grande divisão entre omundo adulto e o dascrianças.

Portanto, se quisermos realmente responder àquelas questões,precisamos nos desvencilhar das imagens preconcebidas e abordar esseuniverso e essa realidade tentando entender o que há neles, e não o queesperamosquenosofereçam.Precisamosnosfazercapazesdeentenderacriançaeseumundoapartirdoseuprópriopontodevista.Eéporissoqueuma antropologia da criança é importante. Ela não é a única disciplinacientífica que elege esse objeto de estudo: a psicologia, a psicanálise e apedagogia têm lidado comessas questões hámuito tempo.Mas é aquelaque,desdeseunascimento,sededicaaentenderopontodevistadaquelessobrequemecomquemfala,seusobjetosdeestudo.

A antropologia se firma como um ramo do conhecimento em fins doséculo XIX e começo do XX, como a ciência social responsável pelo

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estudo de outras sociedades e culturas. Ao longo do século, essa suadefiniçãoécadavezmenosprecisa,eantropólogospassamaseinteressar(também)pelo estudodenossaprópria sociedade.Semdeixar de estudaroutros modos de viver em sociedade, cada vez mais se dedicam afenômenossociaisquenossãopróximos.Hoje,portanto,umaantropologiadacriançapodeserdesdeaquelaqueanalisaoquesignificasercriançaemoutras culturas e sociedades até aquela que fala das que vivem em umgrandecentrourbano.Seaantropologiaampliouassimseushorizontesdeestudo, não deixou de se definir como uma ciência social com certasparticularidades.

Fazer antropologia é tentar entender um fenômeno em seu contextosocialecultural.Étentarentendê-loemseusprópriostermos.Desdecedo,os antropólogos têm insistido na necessidade de abordar as culturas e associedades como sistemas, o que significa dizer que qualquer evento,fenômeno ou categoria simbólica e social a ser estudado deve sercompreendidoporseuvalornointeriordosistema,nocontextosimbólicoesocial em que é gerado. Por isso, não podemos falar de crianças de umpovo indígena sementender comoessepovopensaoque é ser criança esem entender o lugar que elas ocupam naquela sociedade— e omesmovale para as crianças nas escolas de uma metrópole. E aí está a grandecontribuição que a antropologia pode dar aos estudos das crianças: a defornecerummodeloanalíticoquepermiteentendê-lasporsimesmas;adepermitir escapar daquela imagem em negativo, pela qual falamosmenosdas crianças e mais de outras coisas, como a corrupção do homem pelasociedadeouovalordavidaemsociedade.

Aantropologiaofereceaindaoutracoisa:umametodologiadecoletadedados.Atualmente,diversosestudiososdascriançastêmutilizadoométododa antropologia, especialmente aquele conhecido como etnografia,entendendoseresseomelhormeiodeentendê-lasemseusprópriostermosporque permite uma observação direta, delas e de seus afazeres, e umacompreensãodeseupontodevistasobreomundoemqueseinserem.

A etnografia, para falar muito brevemente, é um método em que opesquisador participa ativamente da vida e do mundo social que estuda,compartilhando seus vários momentos, o que ficou conhecido comoobservação participante. Ele também ouve o que as pessoas que vivemnesse mundo têm a dizer sobre ele, preocupando-se em entender o queficouconhecidocomoopontodevistadonativo,ouseja,omodocomoaspessoasquevivemnesseuniversosocialoentendem.Portanto,usando-sedaetnografia,umestudiosodascriançaspodeobservardiretamenteoque

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elasfazemeouvirdelasoquetêmadizersobreomundo.Mas estudar as crianças tem sido umdesafio para a antropologia.As

razões são muitas, e a principal parece ser justamente a dificuldade emreconhecer na criança um objeto legítimo de estudo. Afinal, em váriasesferas, que vão do senso comum às abordagens do desenvolvimentoinfantil, pensa-se nelas como seres incompletos a serem formados esocializados. Por diversas vezes foram propostas abordagensantropológicasdascrianças.Noentanto,osesforçospareciammorreresefecharemsimesmos,eelasforamporlongosperíodosabandonadaspelosestudos antropológicos. Até que, nas últimas décadas, acontece umareviravolta, e elas ganham espaço e legitimidade em uma variedade deestudos.

Essa mudança diz respeito aos conceitos e pressupostos da própriaantropologia como disciplina. É como se a antropologia, revendo-se,tornasse possível a abordagem deste universo em seus próprios termos.Desde a década de 1960, conceitos fundamentais da antropologia, comocultura e sociedade ou estrutura e agência, são revistos e reformulados.Alémdisso,algoquenãoémenos importante:começou-seapercebernacriançaumsujeitosocial.Apartirdessareformulação,queapresentaremosaseguir,novosestudosvêmsendopropostoserealizados,ecomelesnovasdescobertas sobre omundo das crianças têm surgido. Este livro traz ummapeamentodasvárias abordagensantropológicas sobreo tema, alémdeumadiscussãosobreoslimiteseaspossibilidadesdeumaantropologiadacriança.

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Estudospioneirosemantropologia

Osestudosmais famososnaantropologiaque têmascriançascomofocoprincipal são, ainda hoje, os realizados nas décadas de 1920 e 30 porantropólogos norte-americanos ligados à Escola de Cultura ePersonalidade, especialmente os de Margaret Mead. Esses antropólogos,formados na escola culturalista fundada por Franz Boas, preocupavamseementenderoquesignificasercriançaeadolescenteemoutrasrealidadessocioculturais, tomando freqüentemente a sociedade norte-americana daépoca como um contraponto. Definindo a cultura como aquilo que étransmitido entre as gerações e aprendido pelos membros da sociedade,esses antropólogos se vêem com a questão de delimitar o que épropriamente cultural, e portanto particular, e o que é natural, e portantouniversal, no comportamento humano. Essas são as bases de um debatefamoso, o que diferencia nature e nurture, ou o que é inato e o que éadquirido.

É com essas questões que Mead, psicóloga e antropóloga em suaformação,parteparafazerumestudodaadolescênciaemSamoa,nasilhasnorte-americanas do Pacífico. Tendo sido encaminhada por seu professorFranz Boas para verificar se os dilemas e a rebeldia vividos pelosadolescentes norte-americanos eramuma faceta universal dessemomentodociclodevida,MeadanalisaascondiçõeseaexperiênciadaadolescênciaemSamoaeconcluiqueosconflitoseasrebeldiasjuvenisamericanassãodados culturais, não explicáveis por uma condição biológica. Para ela, aprópriaidéiadeadolescêncianãoéuniversalizável,edeveserdefinidaemcontexto. Além disso, demonstra que, em Samoa, esse é um período deliberdadeeque,vivendoemumaculturahomogênea,asmeninasprecisamfazermenosescolhas,eporissovivemmenosconflitos.

O livro emque publica seus achados, em1928—ComingofAge inSamoa(ou,emumatraduçãolivre,“VirandoadultoemSamoa”)—,torna-se um best-seller, o que ela explica pelo fato de ter sido escrito “eminglês”, ou seja, sem grandes tecnicismos e debates especializados. Noentanto, recebe, décadas depois, uma dura crítica de seus pares, quandooutroantropólogo,DerekFreeman,vaiàsilhasenãoreconhecenoquevêoquehavialidonostrabalhosdeMead.Suacríticapodeserresumidaemdois pontos: o primeiro, de que ela estaria tão ofuscada pela vontade de

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demonstraraparticularidadeculturaldaadolescênciaeocontrastecomosEstados Unidos que teria exagerado na liberdade e liberalidade dasadolescentes deSamoa; o segundo émetodológico, e afirma que ela nãoteriapassado temposuficienteemSamoaeentreosadolescentes,e,pior,teria levado suas informantes a dizer o que ela tanto queria ouvir. Suacrítica lhedánotoriedade,e iniciaumapolêmica,pelaqualseafirmaqueeleexagerouemsuasconsiderações.

Justiça seja feita: antes mesmo de sequer saber que receberia essascríticas,Meadfoirefinandoseusmétodosdecoletadedados,emtrabalhossobreascriançasmanuebalinesas.EntreosManudaNovaGuiné,Meadestudou as crianças e o modo como vão aprendendo as competênciasnecessáriasparaavidaadulta.EmseulivroGrowingupinNewGuinea,ou“Crescendo na Nova Guiné”, ela demonstra uma fina capacidade deobservaredescreverascriançasmanu.

Em Bali, em companhia de seu marido, o antropólogo britânicoGregoryBateson, elabora ummétodo fotográfico de análise do cotidianodas crianças e de suas interações. Enquanto ela tomava notas, Batesontiravafotos,queabrangiamdesdeasbrincadeirasdascriançasatéosmodoscomo eram carregadas por suasmães e as interações com a antropóloga.Esse trabalho sai publicado, em 1942, como um livro de fotografiaschamado Balinese Character: A Photographic Analysis, ou “Apersonalidade balinesa: uma análise fotográfica”. Suas conclusõesprincipais versavam sobre o modo de aprendizado dos balineses, que ocasaldeantropólogosdefiniucomovisual (pelaobservação)ecinestético(porque osmovimentos de danças, por exemplo, eram aprendidos comoprofessor-tutor movimentando o corpo de seu aprendiz), concluindo seresseumtipodeaprendizadoqueensinariaapassividadeeumaconsciênciaparticulardocorpo.

A ênfase na formação da personalidade expressa bem uma daspreocupações dessa escola: a relação do indivíduo com a sociedade emtermos de sua formação como um tipo específico de personalidade. OestudodeRuthBenedict,Padrõesdecultura,apresentavaexatamenteisso:como as culturas conformamos comportamentos humanos em termos deum ideal, ilustrando-o a partir de três tiposdepersonalidade encontradosempovosdiversos.AprópriaMeadfeztambémesseexercícioemSexoetemperamento, discutindo os papéis de gênero em três sociedades, edemonstrando que todos eles divergiam em pontos importantes daquelesencontrados nos Estados Unidos. Outros antropólogos dessa escolaabordaramaquestão,cunhandootermo“caráternacional”paradesignaras

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personalidadesideaisetípicasàsnações,comoojaponês“disciplinado”eo russo “esquentado”. É interessante que, com inspirações psicanalistas,essesantropólogosestudamaprimeirainfânciae,porexemplo,modosdeninareembalarascrianças,deensinarahigienepessoalededisciplinaroscomportamentos como definidores de padrões culturais, comodeterminantes na formação da personalidade ideal, adulta, de suassociedades.

Se esses trabalhos têm a inegável importância de dar visibilidade aosestudos da criança e sugerir métodos e temas de observação, coleta eanálisededados,demonstrandoqueaexperiênciadascriançaséculturalesópodeserentendidaemcontexto,elesnãoobstantesofremcomalgunsdeseus pressupostos analíticos. Tomando a cultura como aquilo que éadquiridoetransmitidoeograndediferencialculturalcomoaformaçãodepadrõesdepersonalidades, essa correnteda antropologia correo riscodeengessar os estudos na questão de como a criança é formada e comoadquirecompetênciasculturaisesperadasparaavidaadulta.Essesestudosestãomarcadospelacisãoentreavidaadultaeadacriança,eremetemauma idéia de imaturidade e desenvolvimento da personalidade madura.Assim, supõemumfimúltimodoprocessodedesenvolvimento,oadultoideal da sociedade em questão, seja ela balinesa, francesa ou norte-americana— adulto esse que é, em última instância, definido no e peloestudocientífico.

Umsegundomomentodostrabalhosnessaáreaédadopelaspesquisasdos antropólogos britânicos marcados pelas preocupações da escolaestrutural-funcionalista fundada por Radcliffe-Brown. Essa vertente deanálisesefirmaemcontraposiçãoàsamericanas,negandoopsicologismoque,comoafirmamemsuascríticas,asdefiniriam.Aeles,nãointeressaaformação da personalidade ideal, mas sim as práticas e o processo desocializaçãodosindivíduos.Nãoéumaquestãodeaquisiçãodeculturaecompetências, afirmam,mas de delimitaçãodos papéis e relações sociaisenvolvidasnessesprocessosequeembasamerealizamessaspráticas.

No estrutural-funcionalismo, as sociedades são entendidas como umsistemadepapéiserelaçõessociaisquepodemserobservados,descritoseanalisadospelopesquisador.Essespapéisdefinemolugardoindivíduonasociedade, e estão ligados a outros, conformando assim uma totalidadesocialaserreproduzidaindefinidamente.Asgeraçõessesucedem,ecadaqualvaiassumindoumpapelsocialquelheantecedeedefineseustatuseposição na sociedade. Com esses pressupostos, a criança dos estudosestrutural-funcionalistas se vê relegada a protagonizar um papel que não

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define.Suasaçõeserepresentaçõessimbólicasnãoprecisamserestudadas,portanto,paraquesedefinaseu lugarnosistema: sãodadaspeloprópriosistema.Oque seestuda,então, sãoosgruposdemesma faixaetária (ospares), as categorias de idade, as passagens entre categorias de idade estatus sociais, e seu papel funcional. As interações sociais estudadaslimitam-se àquelas com o que se define como “agentes de socialização”,sejam eles adultos ou membros mais velhos de um grupo de jovens.Quando falam de aquisição de competências, referem-se àquelasnecessáriasparaquese realizeumdeterminadopapelsocial.E,coerentescom o pressuposto da sociedade como um sistema, quando falam desocialização, falam de práticas que têm como objetivo a inserção dosindivíduosemcategoriassociaisqueconformamumsistema,oqualdeveser articulado analiticamente pelo pesquisador. Recusa-se às crianças,portanto, uma parte ativa na consolidação e definição de seu lugar nasociedade: elas sãovistas comoum receptáculodepapéis funcionais quedesempenham, ao longo do processo de socialização, nos momentosapropriados.

Parailustraressacorrente,vejamoscomoasocializaçãoéexploradanotrabalho de uma antropóloga filiada a ela. A escolha do tema não foialeatória, mas sim para permitir uma comparação com as análises quedescrevemosacima.Comoasocializaçãoémenoscentralaessacorrente,os trabalhos desenvolvidos sobre ela são tambémmenos comuns.Mas aquestãodochoro(ouda“birra”)infantiledaspráticassocializadorasaelerelativas, exploradas em um estudo de BarbaraWard sobre Hong Kong,pode ser bem ilustrativa. A começar, porque, como diz a própria autora,essa questão foi incidental em sua pesquisa, voltada que era ao sistemasocioeconômico.Mas,observandoquandoeporqueascriançaschoram,equal a reação dosmais velhos, ela nosmostra como a agressividade e afalta de controle são desencorajadas por essa sociedade, e como o choronão é, lá, e relativamente, uma estratégia bem-sucedida de chamar aatenção e buscar cuidados. Sua explicação, porém, não é dada pelaformação da personalidade ideal em Hong Kong, mas pela inserção dacriançaedoadolescentenosistemaestruturalepelovalordaagressividadenadefiniçãodepapéissociais.Oqueelanosdizéqueoesvaziamentodochorocomoumrecursodegarantiadecuidadospelascriançasnãosignificafaltadecuidadosemgeral,edeveserentendidoemseucontextosocial.Eesse contexto é o de uma inserção gradativa na sociedade (poucoproblemáticaporquesemgrandesrupturasesemexigênciasdequesefaçamaisdoqueseécapaz),deumaconsciênciadopapelexercidoedeumavalorizaçãodoautocontroleemdetrimentodaagressividadenospapéisde

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liderança.Os pressupostos e as técnicas de pesquisa que vimos nessas duas

correntes,aculturalistaeaestrutural-funcionalista,estãopresentestambémnas análises feitas noBrasil nessemesmoperíodo.Elas dizem respeito àeducação,comochamamosautores,emsociedadesindígenasbrasileiras,eversamsobreainserçãodosindivíduosnasociedadeeaformaçãodeumapersonalidade ideal. Nos estudos pioneiros de Egon Schaden (sobre ascrianças guarani) e Florestan Fernandes (sobre a socialização entre osTupinambá), esses pressupostos culturalistas e funcionalistas sãoreencontrados. Ambos falam de uma personalidade ideal, do valor darepetição,dahomogeneizaçãoculturaledacertezasobreopapelsocialqueocupam como sendo determinantes para entender o lugar dos “imaturos”nessassociedades.

Ascontribuiçõesdetodosessesestudosparaaanálisedascriançasemseucontextosocioculturalsãoinúmeras,ecertamenteseriaumerrorenegá-loscomoumtodo.Porém,seuspressupostoslimitavamseualcance.Dentreeles, o de que às crianças é inculcada a cultura, ou o de que elas sãosocializadas, ou seja, inseridas por agentes e práticas socializadoras nasociedade mais ampla. Enfatizando ora a cultura, a aquisição decompetênciasea formaçãodepersonalidades,oraa inserçãonaestruturasocial,essasanálisespressupunhamumfimúltimoeumaimutabilidadedoprocessoestudadoeconhecidopelopesquisador,marcadoqueestavapelareprodução social e transmissão cultural. Era necessário dar um passoadiante, e se fazer capaz de abordar as crianças e suas práticas em simesmas.

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Umanovaantropologiadacriança

Apartirdadécadade1960,osantropólogosengajaram-seemumgrandeesforçodeavaliarereverseusconceitos.Novasformulaçõesparaconceitoscentrais ao debate antropológico surgem, permitindo que se estude acriança de maneiras inovadoras. Dentre eles, o conceito de cultura, desociedade e de agência, ou de ação social. Essas revisões serãoapresentadasaquidemodosistemático,ecertamentenãoexaustivo,apenaspara que possamos entender a virada que aconteceu nesse campo dosestudosantropológicos.

Narevisãodoconceitodecultura,osantropólogos,aoinvésdetomá-lacomoalgoempiricamenteobserváveledelimitado,cadavezmaisabdicamde falar em costumes, valores ou crenças para frisar que o que de fatointeressaestámaisembaixo.Ouseja,nãosãoosvaloresouascrençasquesãoosdadosculturais,masaquiloqueosconforma.Eoqueosconformaéumalógicaparticular,umsistemasimbólicoacionadopelosatoressociaisacadamomentoparadarsentidoasuasexperiências.Elenãoémensurável,portanto,enemdetectávelemumlugarapenas—éaquiloquefazcomqueas pessoas possam viver em sociedade compartilhando sentidos, porqueelessãoformadosapartirdeummesmosistemasimbólico.Sequisermostentarumaanalogia,pensemososvalorescomoaspalavrasemumafrase,eaculturacomoosistemalingüísticoquepermitequeaspessoasarticulemaspalavras,asfraseseasidéiasdeummodoquefaçasentidoparasieparaosoutros.Utilizamo-nosdessesistemasimbólicotodososdias,emboranãooconheçamosporinteiro,nemtenhamosconsciênciadeofazer.Écomoagramática que permite que articulemos uma fala— pode ser conhecida,masnãoprecisaserretomadaconscientementepelofalante.

Tomandoaculturadessemodo,entendemosmelhorseufuncionamentoe tambémsuamudança. Issoporqueaculturanãoestánosartefatosnemnas frases,masnasimbologiaenas relaçõessociaisqueosconformamelhes dão sentido. Assim, um texto, uma crença ou o valor da vida emfamíliapodemmudar,semque issosignifiquequeaculturamudouousecorrompeu.Aculturacontinuaráexistindoenquantoconsistiressesistemasimbólico.Nessesentido,estásempreemformaçãoemudança.

Omesmoocorrecomasociedade.Ocontextoculturaldequefalamosaté aqui, e que é imprescindível para se entender o lugar da criança

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segundo os novos estudos, deve ser tomado como sendo esse sistemasimbólico.Eleéestruturadoeconsistente,eporissopermitequesentidosesignificados sejam formados e reconhecidos. O contexto social segue omesmopercurso: semabdicar de sua condição estruturada, o conceito desociedade se abre para dar conta de uma produção contínua das relaçõesque a formam. Não se trata mais de pensar uma totalidade a serreproduzida, mas de um conjunto estruturado em constante produção derelaçõeseinterações.

Rever a sociedade implica rever tambémopapel do indivíduodentrodela.Sea sociedadeéconstantementeproduzida, elanãopoderá sê-lo senãopelosindivíduosqueaconstituem.Portanto,aoinvésdereceptáculosdepapéisefunções,osindivíduospassamaservistoscomoatoressociais.Seanteseleseramatoresnosentidodeatuaremumpapel,agoraelesosãonosentidodeatuarna sociedade recriando-aa todomomento.Sãoatoresnãopor serem intérpretesdeumpapelquenãocriaram,masporcriaremseuspapéisenquantovivememsociedade.

Essas são revisões de conceitos-chave da antropologia. E, por isso,permitemquesevejamascriançasdeumamaneirainteiramentenova.Aocontrário de seres incompletos, treinando para a vida adulta, encenandopapéis sociais enquanto são socializados ou adquirindo competências eformando sua personalidade social, passam a ter um papel ativo nadefinição de sua própria condição. Seres sociais plenos, ganhamlegitimidadecomosujeitosnosestudosquesãofeitossobreelas.Vejamoscomoessasmudançasafetamosestudosantropológicosemtrêsaspectos:acriançacomoatorsocial,acriançacomoprodutordecultura,eadefiniçãodacondiçãosocialdacriança.

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Acriançaeainfância

Falamosaquideumaantropologiadacriançaenãodainfância.Issoporquea infância é ummodoparticular, e não universal, de pensar a criança.Oestudo histórico de Philippe Ariès sobreA criança e a vida familiar noAntigoRegimemostra que a idéia de infância é uma construção social ehistórica do Ocidente. Ela não existe desde sempre, e o que hojeentendemosporinfânciafoisendoelaboradoaolongodotemponaEuropa,simultaneamente com mudanças na composição familiar, nas noções dematernidadeepaternidade,enocotidianoenavidadascrianças,inclusiveporsuainstitucionalizaçãopelaeducaçãoescolar.OqueArièsnosmostraéa construção histórica do que denomina um sentimentoda infância. Estenão deve ser entendido, vale dizer, como uma sensibilidade maior àinfância,comoumsentimentoquenasceondeeraausente,mascomoumaformulação sobre a particularidade da infância em relação aomundodosadultos, como o estabelecimento de uma cisão entre essas duasexperiências sociais. Portanto, contemporaneamente, os direitos dascriançaseaprópriaidéiademenoridadenãopodemserentendidossenãoapartirdessaformaçãodeumsentimentoedeumaconcepçãodeinfância.

Emoutrasculturasesociedades,aidéiadeinfânciapodenãoexistir,ouser formulada de outrosmodos.O que é ser criança, ou quando acaba ainfância, pode ser pensado de maneira muito diversa em diferentescontextossocioculturais,eumaantropologiadacriançadevesercapazdeapreenderessasdiferenças.

Para isso,aanáliseantropológicadeveabrangeroutroscamposque,acada caso, serão fundamentais para se entender o que significa ser— edeixar de ser— criança nesses contextos. Por exemplo, a concepção dapessoahumanaedesuaconstruçãopodeserimprescindívelparaentendercomo se compreende e vivencia o período da vida em que se é criança.PodemosilustraressaafirmaçãocomocasodosXikrin,umaetniaindígenadelínguajêquemoranoParáeseautodenominaMebengokré,paraquemocorpo de um novo ser humano vai sendo criado durante a gestação,gradativamente, por meio das relações sexuais; não há, portanto, ummomentoúnicodeconcepção,seguidodaformaçãodocorpo,massimumaformação contínua. Comomais de um homem pode contribuir para essaformação, o bebê pode ter mais de um pai, que será reconhecido e

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reconhecerásuapaternidade,participandodeumritualpúblicoquandodonascimentodobebê.Aformaçãodocorpoduranteagestaçãocriaumlaçocorpóreo entre o bebê e seus genitores que não se encerra com onascimento;pelocontrário,duraráavidatoda.Quandoobebêtemaindaocorpoemformação,“mole”,comoelesdizem,osgenitoresdevemrespeitarcuidados com seu próprio corpo que, se infringidos, causariam mal aocorpodobebê;essaéumafasecrucial,masaligaçãofundadanagestaçãoperdura,eserevelarácomtodaforçaemsituaçõesdecrise,comodoenças.

Masaformaçãodocorponãobastaparagerarumanovapessoaxikrin.Paraeles,oserhumanoéconstruídoporoutroselementos,umdosquaiséokaron,algoimaterialquenormalmenteglosamospor“alma”ou“duplo”.Comonenhumadessasglosaséadequada,continuareiaquiausarapalavrana língua mebengokré, tentando porém descrever seu sentido. O karonparece já estar presente desde a gestação, e é a parte da pessoa queperdurará após amorte.Durante a vida, ele transita, deixando o corpo eretornandoaele—éissoquepermiteàspessoassonhar,eoquesesonha,dizem os Xikrin, são as experiências do karon enquanto deixa o corpoadormecidoepasseia.Porém,essasausênciastrazemumgranderisco:odokaronnãoretornaraocorpo,oquesignificarásuamorte.Esseriscoé tãomaiorquantomaisvulnerávelestáocorpo—eéparticularmentegrandeparacriançaspequenas,que têmumcorpomenoscapazdereterokaron.Porisso,osXikrintomamcuidadoemnãodeixarascriançassezangarem:umacriançaemburradaestávulnerável,seukaronpodesairvagandoenãovoltarmais.Asituaçãoécomplexa,ecombinaumamaiorvulnerabilidadecorpórea,doprópriokaron,aindapoucoconhecedordoscaminhosesujeitoaseperder,eumamaiorprobabilidadedeatenderaoschamadosdosoutroskaron,osdaquelesquemorrerame,saudososdosvivos,buscamtrazê-losparapertodesi.Vê-seque,emumasituaçãoassimcomplexa,oscuidadosdevem ser redobrados — e, caso uma criança se zangue e se afastechorando,osXikrinsedesdobramemmantê-laatentaaomundodosvivos,falandocomela,evitandoassimqueokaronseausenteemdefinitivo.

Corpoekaron, porém,nãoesgotama formaçãodeumanovapessoa:eladeve recebernomes eprerrogativasque lhe forneçamuma identidadesocial, a ser exposta nos momentos do ritual. Esses nomes e essasprerrogativas são-lhe dados por pessoas que não contribuíram com aformaçãodeseucorpo,ampliandoassimsuaredederelaçõessociaisparaalémdaquelaspessoascomquemestáligadapelocorpo.Aimportânciadosnomesedasprerrogativaspodeservistaemummomentodramático,odamorte de um bebê: apenas aqueles que receberam nomes terão umtratamento funerário digno de uma pessoa plena. Vê-se, assim, que a

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plenitudedapessoasóéalcançadaquandoelaécompostaporcorpo,karonenomes/prerrogativasrituais.

Nãoobstante,issovaifazerdonovobebêumapessoaxikrin.Resta-nossaber até quando ela será criança, e como esse período é marcado. Issopodeservisto, literalmente,pelaornamentaçãocorporal,algomuitosérioparaosXikrin.Realizadocontinuamente,comunicasobreasituaçãosocialdaquelequeépintadoeornado:fasedavida,gênero,situaçãocotidianaouritual,nascimentodefilhosoudenetos,saúdeoudoença,tranqüilidadeouluto, paz ou guerra...Algumas fases por que passama criança são assimmarcadas,comoporexemploomomentoemqueconquistaumaprimeiraautonomização,quandocomeçaafalareaandar,locomovendo-sesozinha.E amodalidade de pintura que passa a receber nessemomento, feita porsuamãeouirmãs,seráamesmaatéumaderradeiravez,quandogestarporsiumacriança.Desdeentão,amulhersepintarácommotivosdogêneroedaidade,juntoàsoutrasmulheres,eohomempassaráaserpintadoporsuaesposa,usandotambémnovosmotivos.Poderíamos,portanto,concluirqueum ou umaXikrin será criança até omomento em que passa a ter umacriança que é sua — e que é o momento em que o casamento éconsolidado, em que o casal ganha um espaço próprio na casa, faz suaprópria roça e caça e pesca o que irá comer e compartilhar, ganhandotambémumlugarnaproduçãoeconômica.

Desde cedo, a criança participará de grupos formados pelo que osantropólogoschamamdecategoriasde idade;quandoganhaseuprimeirofilho, continuará a fazer parte desses grupos, mas agora daquele que édenominado “pais de um único filho”. Será a quantidade de filhos quelevaráessesnovosadultosamudardecategoriadeidade,atéavelhice,queosXikrindizemseromomentoemquenãose temmaisfilhos—ou,deummodopoéticoquelhesépeculiar,quandoseusfilhos(enetos)passamaterfilhosporeles.

Essa ilustração, mesmo que breve, teve como intuito revelar acomplexidade envolvida em compreender essa fase da vida em outroscontextos socioculturais, na qual elementos aparentemente tão dísparesquantoaconstruçãodeumnovocorpo,arelaçãocomochorodacriançaeos sonhos, a íntima ligação de corpo e karon — que se desenvolvemcorrelacionados—,apinturacorporaleascategoriasdeidadetêmquesertrazidas à tona e esmiuçadas para que se comece a compreender o quesignifica,paraumXikrin,sercriança.

Porém,nãodevemosesquecerque,mesmonassociedadesdetradiçãoocidental, a história continua, e essa idéia de infância tem sofrido

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modificações. Ariès nos apresenta como essa idéia surge; outros estudostêm tentado entender as mudanças contemporâneas da experiência e daconcepçãodeinfâncianoOcidente.Portanto,mesmoumaantropologiadacriançaquesejafeitaemumarealidadesocioculturalmuitopróximaàdoantropólogonãopodeprescindirdeumareflexãosobreoqueésercriançanesse contexto, e de que infância se está falando. Afinal, como já diziaMargaretMead,criançasexistememtodaparte,eporissopodemosestudá-las comparando suas experiências e vivências; mas essas experiências evivênciassãodiferentesparacadalugar,epor issotemosqueentendê-lasemseucontextosociocultural.

Como exercício, pensemos em um caso impactante, rico para noslembrar que as definições de quando começa a vida humana podem serdiversasmesmonosnossosarredores.Muitosseespantamcomcasoscomoinfanticídio, ou, para aproveitarmos o exemplo acima, o tratamentofunerário diferenciado para os bebês xikrin que não receberam nomes.Pensemos, porém, nas polêmicas contemporâneas sobre o aborto.Muitassão as posições, e aqueles que são contrários ou favoráveis ao abortopodem sê-lo pelas razões mais diversas. Há as posições baseadas emargumentosreligiosos,comoavertentecatólicaquepregaqueacriançajátemalmadesdeaconcepção;háasbaseadasemargumentosbiológicos,oubiomédicos,quetentaminferirdesdequandoobebêsentedor,negandooabortoapartirdessemomento;háadiscussãojurídica,dodireitodenascere do direito à vida. Não falamos aqui daqueles que se fundamentam naliberdade de escolha ou no risco à mãe: estamos, e apenas como umexercício, elencando algumas posições genéricas que focam no feto parabasearadecisãocontráriaoufavorável.Poreles,podemosverqueoquesedebate,nofundo,éoestatutodeumanovavidahumana—éumdebatedequando a vida se forma, e desde quando o feto é sujeito pleno, seja emalma,corpooudireitos.Exemplofortequedemonstraque,emborasepossapensarquehajaumatradiçãoocidentaldefinidoradainfância,seuestatutopodeserumdebatecontemporâneoeàsvezesacirrado.

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Acriançaatuante

A criança atuante é aquela que tem um papel ativo na constituição dasrelações sociais em que se engaja, não sendo, portanto, passiva naincorporaçãodepapéisecomportamentossociais.Reconhecê-loéassumirqueelanãoéum“adultoemminiatura”,oualguémquetreinaparaavidaadulta.Éentenderque,ondequerqueesteja,elainterageativamentecomosadultos e asoutras crianças, comomundo, sendoparte importantenaconsolidaçãodospapéisqueassumeedesuasrelações.

Emmeus estudos sobre as crianças xikrin, tento demonstrar que elasnãosimplesmenteaprendemasrelaçõessociaisemquetêmeterãoqueseengajar ao longo da vida,mas atuam em sua configuração.Vejamos queisso é feito, como tudo que temos apontado aqui, com uma relativaautonomia. Certamente, haverá relações possíveis a elas, outrasimpossíveis;umasdadaseinevitáveis,outrasmaisabertasàconstrução.Noentanto, e de acordo com a margem de manobra que lhes é dadaculturalmente, as crianças xikrin constroem grande parte das relaçõessociaisemqueseengajarãoduranteavida.Deve-seentenderquefalamosem margem de manobra não como uma subversão ou manipulação dosistema,mascomoalgoqueéinerenteaele;afinal,comodissemosacima,acriançanãoéapenasalocadaemumsistemaderelaçõesqueéanterioraela e reproduzido eternamente, mas atua para o estabelecimento e aefetivaçãodealgumasdasrelaçõessociaisdentreaquelasqueosistemalheabreepossibilita.

Para entendê-lo, temos antes que entender o sistema de parentescoxikrin.Outrasculturas,outrasnoçõesdeparenteseparentesco.OsXikrintêm um sistema de parentesco classificatório que faz com que váriaspessoas, de acordo com sua posição genealógica, sejam enquadradas emummesmo tipo de categoria de parentesco. Assim, para dar apenas umexemplo,osXikrinestendemaosirmãos(homens)dopaiousodotermoequivalenteapai;àsirmãs(mulheres)damãeousodotermoequivalentea“mãe”.Issonãoquerdizerqueelesconfundamospapéis,emuitomenosque não saibam quem de fato os concebeu — quer dizer que elesclassificamdomesmomodoo pai e seus irmãos.De fato, a todos a quechama “pai” a criança deverá reservar um certo tipo de tratamentoconsiderado adequado a essa relação, o que os torna, aparentemente,

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indistintos.Masseráquetodososirmãosdopaideumacriançaserãotidosporelacomosefossempaiseportantoterãoamesmaimportânciaemsuavida? Não necessariamente, e é aí que a margem de manobra de quefalamosacimasemanifesta.

Como,alémdetudo,depoisdocasamentoohomemvaimorarnacasada família de sua esposa, esses irmãos do pai — que podem ser maispróximosoumaisdistantesnagenealogia(porqueopaitambémchamadeirmãováriaspessoasquenãosãoseusirmãosuterinos,criandoumaespéciedeefeitodominó)—provavelmentemorarãoemoutracasaquenãoaquelaonde cresce a criança. Sendo assim, a relação social é apenaspotencialmentepróxima—maselaoserá,ounão,deacordocomarelaçãoque efetivamente se cria entre essas pessoas. Ou seja, ela poderá seconformarcomoumarelaçãopróxima,masissovaidependerdoslaçosquese vão criando entre esse homem e essa criança. Isso quer dizer que,emboraarelaçãosejapossível,elasóserárealizadadefatonaprática,edeacordo com o tipo de laços criados e mantidos ao longo da vida. E,portanto,deacordocomumaatuaçãodacriançanosentidodefortalecerounãoesseslaços.Acriançanãoapenasaprendecomosedevetratarumpaiclassificatório;aoladodisso,dentreasváriaspessoasqueelachamarádepai, algumas se tornarão mais próximas e importantes na sua vida queoutras.Portanto,cadacriançacriaráparasiumaredederelaçõesquenãoestáapenasdada,masdeverásercolocadaempráticaecultivada.Elasnão“ganham”ou“herdam”simplesmenteumaposiçãonosistemaderelaçõessociaisedeparentesco,masatuamnacriaçãodessasrelações.

Umaoutramodalidadede relaçãosocial, aquelacomas irmãs,éumailustração interessantedisso.Pelamesma lógicadosistemadeparentescoquevimosacima,ummeninopodechamarde“irmã”umapluralidadedepessoas,mais próximas oumesmo distantes na genealogia, e que podemcrescermaisoumenos juntocomele.Sãosuas irmãsnãosóaquelasquecompartilhamdosmesmosgenitores,mastodasasfilhasdaquelesaqueomeninochamademãeepai.Denovo,porém,arelaçãocomessasmeninaspode se tornar mais ou menos afetiva, próxima e de cumplicidade, deacordocomoslaçosquecriacomelas.Vejamoscomo.

Àsvezes,gruposdemeninossaempelosarredoresdaaldeiaparacaçarpassarinhos. Brincadeira, sim, mas que ganha ares de seriedade quando,retornando à aldeia, eles oferecem os passarinhos às meninas, como oshomensentregamàsmulheresoprodutodacaça.Podemosinterpretarissodediversasmaneiras:esvaziandoseusignificadoedizendoqueésóumabrincadeira,ouatribuindo-lheumsignificadoedizendoqueessesmeninos

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estão treinando para a vida adulta, como um ensaio para omomento emquetrarãocaçaàssuasesposas.Gostariadesugeriraqui,comofizemoutrotrabalho, que eles estão fazendo algo muito mais sério: estabelecendorelações sociais que valerão para a vida toda. Não estão tratando suasirmãs,reaisouclassificatórias,comosefossemesposas; tratam-nascomoirmãs,eassimefetivamumarelaçãosocialqueperdurarápelavida,equeconsiste em uma modalidade importante de troca. Afinal, não são só asesposasasbeneficiáriasdesuacaça,masasirmãstambém.Comalgumas,essarelaçãodetrocapodeserefetivadadesdequandocrianças,eamulheradultareceberáseuirmãoparacomeracarneprocessadaassimcomoofezquandocriança,quandotratouopassarinhoqueelelheofereceu.Partedabrincadeira, sim;masumabrincadeira comconseqüência, eque inauguraumarelaçãodetrocaqueseráimportanteparatodaavida.Éacriaçãodeumarelaçãosocialondeanteshaviasóapromessa,ouapossibilidadedessacriação.

Podemosilustraressepapelativodascriançasdeoutromodo,tomandocomoexemploos“meninosderua”deSãoPaulo.Sabemosqueaprópriaidéiademeninoderua—comoaquela,anterior,demenorabandonadooudelinqüente,eamaiscontemporâneadecriançasemsituaçãoderisco—ésocialmenteconstruída.UmapesquisaetnográficarealizadaemSãoPauloporMariaFilomenaGregori,observandoeentrevistandoessascriançasnasruas,nasinstituições,enassuasrelaçõescomafamíliaecomoutrosatoresda realidadeurbana—comerciantes, policiais, traficantes—demonstrouque elas têm um papel ativo não só na constituição de laços e relaçõessociaiscomonaelaboraçãodeumaimagem,umaidentidade,parasieparaosoutros.

O livro que resultoudessa pesquisa é rico e complexo.Dentre outrascoisas,demonstraque,aoseatentarmaisdepertoparaasrelaçõesdessascriançascomsuasfamílias,descobre-sequeelassãomuitomaisdiversasediversificadas do que dita o senso comum, ou o discurso sobre elas; narealidade,muitasvezesascriançasmantêmumvínculofamiliar,eafamíliaconstitui um dos vertentes de uma “circulação” que tem a rua e asinstituições como outros pontos de paradas temporárias e transitórias. Oque define essas crianças não é necessariamente a falta de família ou devínculo familiar,mas a circulação, o não se fixar em lugar nenhum. Issonão deve diminuir a gravidade de algumas experiências familiarestraumáticas, mas significa que, antes de se assumir que estão nas ruasporquenãotêmfamília(ou:“elasnãopodemterfamília,ousuafamíliaédesestruturada, porque senão não estariam nas ruas...”), deve-se ver deperto,eapartirdacriança,querelaçãoestabeleceoudeixadeestabelecer

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comsuafamília,ecomoelaseconstitui.Pode-sedescobrirqueovínculonemsempreéquebrado,masàsvezesdefinidoapartirdeuma lógicadacirculaçãoque,lembraaautora,podepautarafamíliamesmo,enãoapenasacriança.

Por essapesquisa,vê-sequeessas crianças engajam-seativamentenaconstituição de laços afetivos e de relações sociais em todos os espaçospelosquaiscirculam.Issoincluidesdeaconstituiçãode“agrupamentos”decomposiçãodiversaeparticular—masqueobedecemacódigoseregraseestabelecemparasiumlocaldefinidoedefinidor—,passandopelafamíliaeasinstituições—nasquaisbuscamalgunsrecursosequefreqüentementeusam como “bases” para depositar documentos, por exemplo—, até osoutrosatoresdarealidadeurbanaemqueseinserem.Mais:nãosendo,emtermosabsolutos,nemvítimasnemalgozes,fazem,noentanto,usodessasimagens estereotipadas para estabelecer um discurso que funda umaidentidadetãofluidacomoésuacirculação.

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Acriançaprodutoradecultura

Quandoaculturapassaaserentendidacomoumsistemasimbólico,aidéiadequeascriançasvãoincorporando-agradativamenteaoaprender“coisas”podeserrevista.Aquestãodeixadeserapenascomoequandoaculturaétransmitidaemseusartefatos(sejamelesobjetos,relatosoucrenças),mascomo a criança formula um sentido aomundo que a rodeia. Portanto, adiferençaentreascriançaseosadultosnãoéquantitativa,masqualitativa;a criança não sabe menos, sabe outra coisa. Isso não quer dizer que aantropologia da criança recente se confunda com análises dodesenvolvimentocognitivo;aocontrário,dialogacomelas.Aquestão,paraa antropologia, não é saber em que condição cognitiva a criança elaborasentidosesignificados,esimapartirdequesistemasimbólicoofaz.

OsestudosmaisinteressantessobreissosãoosdaantropólogabritânicaChristineToren.Psicólogadeformação,elaécapazcomopoucosdefazerdialogaressesdoiscamposdeconhecimentoparaentenderomodocomoascriançasfiji,comquemtrabalha,atribuemsentidoaomundo.Torenutiliza-semesmode instrumentos da psicologia, como a confecção de desenhostemáticospelascrianças,aoladodosmétodosantropológicos.Esuaanálisedemonstraaquiloquedizíamosacima:queossignificadoselaboradospelascrianças são qualitativamente diferentes dos adultos, sem por isso seremmenoselaboradosouerrôneoseparciais.Elasnãoentendemmenos,mas,como afirma, explicitam o que os adultos também sabem mas nãoexpressam.

Tomemos um exemplo disso para entendermos melhor. Toren nosmostra que, em Fiji, há um sistema hierárquico que perpassa todas asesferasdesociabilidade,equeéexpressoprincipalmentepelaocupaçãodoespaço:pessoasdestatusmaisaltosentamacima,mesmoqueesseacimanem sempre seja situado em um eixo vertical, mas freqüentementesimbólico. O que as crianças de Fiji fazem é inverter a formulação dosadultos: enquanto eles dizem “fulano senta acima porque é superiorhierarquicamente”, elas dizem “fulano é de status superior porque sentaacima”.Torennosdiráqueissonãoéumapercepçãofalhaouincompletadascrianças,masummododiferentedefalaramesmacoisa.Aformulaçãodacriançaécompleta,eexplicitacomacuidadearelaçãoentreaocupaçãodo espaço físico e o status social, expressando o que os adultos não

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verbalizam.Torensugeremesmoqueestudarascriançasémaisdoqueumnovo ramodaantropologia—é importantenão sópara entendê-las,mastambémfundamentalparamelhorentenderasculturasqueosantropólogosestudam.

Estudos desse tipo nos mostram, portanto, que as crianças não sãoapenasproduzidaspelasculturasmas tambémprodutorasdecultura.Elaselaboram sentidos para o mundo e suas experiências compartilhandoplenamentedeumacultura.Essessentidostêmumaparticularidade,enãose confundem e nem podem ser reduzidos àqueles elaborados pelosadultos; as crianças têm autonomia cultural em relação ao adulto. Essaautonomia deve ser reconhecida, mas também relativizada: digamos,portanto, que elas têm uma relativa autonomia cultural. Os sentidos queelaborampartemdeumsistemasimbólicocompartilhadocomosadultos.Negá-loseriairdeumextremoaooutro;seriaafirmaraparticularidadedaexperiência infantil sob o custo de cunhar uma nova, e dessa vezirredutível, cisão entre os mundos. Seria tornar esses mundosincomunicáveis.

Alguns estudos atuais falam de uma cultura infantil, ou de culturasinfantis. Sugiro que esses termos sejam entendidos e adotados tendo emvistaasressalvasquefizacima.Ou,maispropriamente,quereconheçamosquefalardeumaculturainfantiléumretrocessoemtodooesforçodefazeruma antropologia da criança: é universalizar, negando as particularidadessocioculturais.Maisainda:érefazeracisãoentreomundodosadultoseodascrianças,e,dessavez,demodomaisradical.Lembremosmaisumavezamáximadaantropologia:entenderosfenômenossociaisemseucontexto.Falardeculturasinfantis,portanto,émaisadequado;masdevemos,aindaassim, fazê-lo com cuidado, para não incompatibilizar o que as criançasfazem e pensam com aquilo que outros, que compartilham com ela umaculturamasnãosãocrianças,fazemepensam.

É verdade que muitos estudos têm mostrado a importância datransmissão cultural entre crianças. Isso acontece, por exemplo, combrincadeiras infantis, aprendidas não com os adultos, mas com outrascrianças. Acontecemesmo na escola, nas brincadeiras no pátio, fora dassalas de aulas, emque canções e brincadeiras—às vezes desconhecidasdosadultosquecomelasconvivem—sefazemerefazem.Emboraobjetointeressantedeobservaçãoeanálise, isso tambémnãodeveserentendidocomoumaáreaculturalexclusivamenteocupadapelascrianças,masumadas modalidades de produção cultural empreendida por elas. Seremosmenos capazes de entender o que elas fazem nessas brincadeiras se não

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entendermosasimbologiaqueasembasam,eessasimbologiaextrapolaomundodascrianças.

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Educaçãoeaprendizagem

Parasefazerumaboaantropologiadacriançaenfocandoaeducaçãoeosprocessosdeaprendizagem,devemos,novamente,começardocomeço—ouseja,nosperguntandooquesignificaeducareaprendernoscasosquepesquisamos; como se concebe o conhecimento e sua transmissão; quaissão as modalidades, os lugares e as relações envolvidas nesse processo;comoseinsereeéinseridaneleacriança;edequecriançasetrata.

Obviamente,háumadiversidadedeexperiênciasculturaisdeensinoeaprendizagem. Freqüentemente, elas são diferenciadas em suaformalização: haveria o “ensino formal” e o “informal”, distinguindo-seassim espaços mais ou menos segregados de instrução e conhecimentosmaisoumenosabstratoseaplicáveisemcontextosdescoladosdaqueleemque foram aprendidos. Se em alguns casos essa distinção pode serinteressante e analiticamente produtiva, sua abrangência deve serrelativizada,soboriscodeseestabelecerquealgunsconhecimentospodemsertransmitidosemsituação,enquantooutros,porsuaqualidadeintrínseca,necessitamdeumaformalizaçãoparaseremaprendidosqueseestendeaoprocesso mesmo de aprendizagem. Isso seria deixar de reconhecer naescola,ounainstituiçãoescolarenomodelopedagógicoqueelatraz,seucaráterhistóricoedeconstruçãosocial.Afinal,espaçosespecializadosdeaprendizagem podem ser encontrados ao redor do mundo, transmitindoconhecimentososmaisdiversos,emmodalidadesasmaisdiversas.

Domesmomodo,faz-seàsvezesumadistinçãoentretransmissãoorale escrita, como se ela significasse, por si só, uma modalidade deconhecimento ou (re)produção. Novamente, gostaria de lembrar queestudos realizados em sociedades orais revelam uma ênfase ora emcriatividade e inventividade, ora em reprodução e memorização, assimcomo se pode esperar uma maior fidelidade ao texto escrito ou,inversamente,valorizar as competênciasdeelaborar sobreo texto.Sendoassim, o caráter de oralidade ou escrita não implica direta enecessariamente em uma maior habilidade ou ênfase na criatividade oumemorização; o que fundará essa diferença são as ênfases culturais e osprocessosespecíficosqueelasengendram,independentedeseaculturaemquestão,ouoconhecimento,égrafado.

Indoalém,devemoslembrarquealgunsestudostêmsededicadoainda

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ademonstrarque,emsociedadesasmaisdiversas,ascriançaspodemserconcebidascomomaisoumenosatuantesnaelaboraçãodosconhecimentosde que se apropriam, numa distinção que, de novo, não pode sertipologizada em termos de sociedades ágrafas versus da escrita, ou“complexas”versus“simples”,“primitivas”ou“tradicionais”.Emdiversasesferas,essastipologiasjáseprovarammenosprodutivasedefinidorasdoqueseesperavaquefossem,quandodesuaformulação.Aquitambém,noquediz respeitoàproduçãodesentidossobreoqueseaprende,sãomaisenganadorasdoqueúteis,jáquenosfazempressuporqueumassociedadesestariamfadadasatransmitirumcorpodeconhecimentofechado,sobreoqual o “aprendiz” não tem papel ativo, enquanto outras, ao contrário,produziriam sujeitos críticos e inventivos. Análises de sociedadesconsideradas“tradicionais”revelamqueascriançaseosjovenspodemsermaisquemeros receptoresdeconhecimentos, sendoativosnaconstruçãodesentidosedeconhecimentosnoprocessodeaprendizagem.

Oquesesugereaquiéque,aoinvésdeseestabelecerumaapreciaçãogeneralizante e universalizante sobre os conhecimentos e os modelos deensino e aprendizagem, devemos observar contextualizadamenteconcepções,meioseprocessos:emcadacaso,umaconcepçãodepessoa,criança,eaprendizagemconformaráummodeloespecíficodetransmissãoeapropriaçãodeconhecimentos.

Concepçõesdetransmissãoepermanência,porexemplo,podemserasmaisvariadas.OantropólogoamericanoRichardPriceapresenta,paraosSaramaka,umpovodoSuriname,aimportânciadoconhecimentodoFirstTime, ou dos tempos primordiais, para a constituição de umamemória eumaidentidade.Assim,oaprendizadodashistóriasquetratamdessetempoémuitovalorizado,edeve serbuscadopor todosaramaka—mas, comoele nos conta, isso deve ser realizado por cada um individualmente,formando,aofinal,umcampodeconhecimentomúltiploediferenciado,enãoumamemóriacanônicaeigualmentedominadaportodos.Emborahajamomentos e relações em que se pode aprender sobre esse tempo, cadasaramakadeveconstruirseuconhecimentosobreele;dessamaneira,oqueseenfatizanessecaso,ensina-nosPrice,éuma“transmissãofragmentada”,como estratégia mesmo de produção do conhecimento e da memória dogrupo.Ou seja, ao contrário do que poderia parecer, a fragmentação dasinformações e a constituiçãodeumconhecimentomúltiplo evariado sãocondições da reprodução da memória histórica e da construção daidentidadedogrupo.

Concepçõesdeconhecimentotambémpodemsermuitodiversas.Para

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os Piaroa, povo indígena da Venezuela — segundo nos conta JoannaOvering —, o conhecimento deve ser adquirido e armazenado como“contasdeconhecimento”,tornando-separteconstitutivadapessoa.Sendopara eles o autocontrole valorizado, e os conhecimentos potencialmenteperigosos,cadapessoadevetomarparasitantas“contas”quantoforcapazdedominar.Comisso,constitui-seumprocessoemqueodomíniopessoalditasuaextensãoeabrangência.

Assim também, apreciações culturais sobre as capacidades deaprendizagem e as competências são diversas e devem ser levadas emconta.OsXikrindizemqueseadquireconhecimentopormeiodossentidosdavisãoedaaudição,ouseja,dosolhosedosouvidos.Porisso,afirmamque suas criançaspodemsaber tudo,umavezquepodem testemunhar asmaisvariadasesferasdasociabilidade;porém,resguardamaelasodireitode nada saber, já que essas capacidades devem ser desenvolvidas emconsonância com o desenvolvimento dos órgãos sensoriais que aspossibilitam. Com isso, abrem às crianças a possibilidade ampla deaprendizagem, sem implicar uma expectativa de domínio, que lhespareceria precoce, de tudo o que podem testemunhar. Por outro lado,valorizamavontadeea iniciativadeaprender,enfatizandoopedidoparaque outros lhes ensinem algo que dominam como um motor doaprendizado. Portanto, e com os vários exemplos xikrin, vemos queconcepçõesdoqueé sercriança,dodesenvolvimentoedacapacidadedeaprender devem ser entendidas demaneira interligada. Só assim se podecompreender o que significa para eles aprender e a aprendizagem, e osprocessospelosquaisosrealizam.

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Umapalavrasobreinterdisciplinaridadeeaplicaçãodapesquisa

A criança e a infância têm sido foco de análise de vários campos doconhecimento. Sendo assim, devemos nos perguntar sobre os possíveisdiálogos das pesquisas antropológicas com essas diversas áreas.Há bonsexemplos de trabalhos antropológicos que dialogam com a psicanálise, apsicologia—especialmenteaquelavoltadaaodesenvolvimentoinfantil—,a pedagogia e as ciências da educação. No primeiro caso, como nostrabalhosdeToren,técnicaseteoriassobreascriançaspodeminformaraspesquisasdosantropólogos,eproverumbomcampodediálogoedebate.No segundo, pesquisas antropológicas têm auxiliado a entender oengajamento (ou a falta dele) das crianças em propostas pedagógicas,dandoàrevisãocontemporâneadosmodelospedagógicosnovaluzenovosparâmetros, tanto emexperiênciasde reflexão sobre a educaçãocomonaaplicaçãoderesultadosdepesquisa.

A escola, portanto, também deve ser abordada em uma pesquisaantropológicatendoacriançacomoumatorsocialimportanteerelevante.Afinal,epeloquevimosatéagora,ascriançasnãoapenassesubmetemaoensino,mesmoemsuasfacesmaisdisciplinadorasenormatizadoras,comocriam constantemente sentidos e atuam sobre o que vivenciam. Dessemodo,análisesdoqueascrianças fazemepensamqueestão fazendo,dosentidoqueelaboramsobreaescola,dasatividadesqueneladesenvolvem,das relações que estabelecem com colegas, professores e outrosprofissionais do ensino, e da aprendizagem podem ser muitoenriquecedorasparamelhorcompreenderasescolaseaspedagogias.

Desse modo ganha-se, como recentemente a própria antropologiaganhou, com o reconhecimento da criança como sujeito social ativo eatuante, produtor mais que receptor de cultura. Porém, temos quereconheceralguns limites.Serelativizarmosemexcesso,podemoschegarao ponto de estabelecer que processos cognitivos e de desenvolvimentoinfantil são culturalmente dados, tomando diferenças culturais comodesigualdades internas à humanidade. Portanto, devemos sempre lembrarqueestánocampodaculturaadiversidadedeelaboraçãoeutilizaçãodecapacidades humanas universais—ou seja, que, se cada cultura pensa odesenvolvimentodacriançaapartirdeseusprópriostermos,issonãoquer

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dizer que a criança se desenvolva diferentemente, mais ou menos, maisrapidamente ou com maior vagar a depender de onde cresce. Por outrolado, se universalizarmos demais, tornamo-nos incapazes de perceber asespecificidadesdadaspeloscontextossocioculturais.Écomosecoubesseàpsicologia estabelecer se os modelos de Piaget ou Vygotski valem paraalémdaEuropadeseu tempo,eaosantropólogos,dadoopressupostodaunidade humana, identificar os modos de elaboração cultural ehistoricizadadessascapacidadesecompetências.

Omesmo vale para as ciências da educação, centradas que estão napedagogiaescolar.Muitosdeseuspesquisadorestêmtidoquesehavercomadiversidadeculturalinternaàescola,etem-secadavezmaisdiscutidoaimplantação de uma educação escolar em sociedades que delasprescindiram.Umaabordagemantropológicapodeiluminarrazõesparaseengajarevalorizaraaprendizagemescolar,demodoaseentenderinclusiveoinsucessoescolar—contanto,novamente,quesecuideparanãodeslizarpara um argumento biologizante, de desigualdade em capacidades ecompetências.

Também para as ciências da saúde a antropologia da criança podecontribuir.Afinal,diagnósticose tratamentosdedoençasqueacometemacriança estão embasados, como tudo omais, em concepções de infância,criança, corpo e corporalidade, relações e comportamentos “saudáveis” e“normais”, família... Abre-se aqui um rico campo de pesquisa, que podeabranger desde as concepções culturais que fundamentam diagnósticos eprocedimentosatéprocessosdeanamneseetratamento.

Um outro ramo de diálogo interdisciplinar é possível com pesquisasinauguradaspelolivrodeAriès,comentadoanteriormente,equeflorescemhojenoBrasil:achamada“históriadainfância”.Porela,torna-sepossívelexplorar a variação de uma concepção de infância no tempo,correlacionando-a a variações históricas nos modos de tratar, de serelacionaredevivenciarainfância.Taismudançaspodemserobservadasem textos sobre a criança ou voltados para ela, nas artes plásticas, nostratadosde educação epedagogia.Nestemomentoda ciência, emque sevalorizaainterdisciplinaridade,essesestudos,realizadosporhistoriadoresde formação, revelam-se freqüentemente uma antropologia voltada paratempospassados,esãoextremamentevaliososnodebatedasimagenssobreascriançasesuaatuaçãonomundo.

Porfim,nãopodemosesquecerquefreqüentementeumdiálogocomasciências jurídicas pode ser frutífero ao estudo antropológico.Como já seapontou, só podemos entender o Estatuto da Criança e do Adolescente

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vigente hoje no Brasil, assim como as polêmicas que o rodeiam, secompreendermos a concepção de criança e infância que o embasa. Poroutrolado,as legislaçõesafetam,emmaioroumenorgrau,ascrianças,eumaboacompreensãodessecontextojurídico—comodoinstitucionalquelhe é correlato, seja escolar, de assistência ou punitivo — podefreqüentementeserreveladornapesquisaquetemcomofocoascrianças.

Uma análise antropológica da criança pode, por fim, ter um valorpropositivo ao elucidar facetas da relação das políticas públicas e daspráticas educativas, auxiliando na compreensão de falhas. Essa é umaquestãopolêmica,esãodiversasasopiniõessobreovalordapesquisanaformulação de políticas voltadas às crianças; freqüentemente, osantropólogos são criticados porque fariam estudos que em nadacolaborariam paramodificar as situações que analisam. Se é certo que apesquisa antropológica, como toda pesquisa científica, não deve serunicamente pautada pelas questões sociais, ela no entanto pode serrealizada para dar conta de problemas específicos — ou mesmo, tendorespondidoasuasinquietaçõesdeconhecimento,informarremodelaçõesdepolíticaseatendimentoàcriança.Afinal,costumamrevelaraquiloqueéomaiornónessasrelaçõeseasrazõesdele:aincapacidadedesecomunicarcomascrianças,devê-lascomosujeitossociais.

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Metodologiasetécnicasdepesquisa

Comoseviu,ocampodasanálisesantropológicasquetêmacriançacomofocoéamploevariado.Sendoassim,cadapesquisaparticularteráquesedecidirporumametodologia.Aobservaçãoparticipante,quetantomarcouaantropologia,equeconsisteemumainteraçãodiretaecontínuadequempesquisa com quem é pesquisado, é certamente uma alternativa rica eenriquecedora,quepermiteumaabordagemdosuniversosdascriançasemsi.Para tanto, seucaráterdialógico,de interação, teráque ser enfatizado,permitindoaopesquisador tratarascriançasemcondiçõesde igualdadeeouvirdelasoquefazemeoquepensamsobreoquefazem,sobreomundoqueasrodeiaesobresercriança,eevitandoqueimagens“adultocêntricas”enviesem suas observações e reflexões. Significa lembrar, desde arealizaçãodapesquisa(enãoapenasnaanálisedosdados),queacriançaéumsujeitosocialpleno,ecomotaldeveserconsideradoetratado.Evita-seassimqueoreconhecimentodacriançacomoumsujeitoativoeprodutorde sentido sobre omundo seja apenas um postulado, esvaziando-lhe seusignificado.

A observação participante pode ainda ser complementada comoutrosrecursos, tais como coletas de desenhos e histórias elaboradas pelascrianças e registros audiovisuais. As opções são muitas, e abrem-se àcriatividade, aos interesses e recursos do pesquisador, além dasnecessidades específicas da pesquisa. Pode-se, por exemplo, optar porcoletardesenhosrealizadospelascriançascomummínimodeintervenção,seja nos materiais, no local de realização, no conteúdo; pode-se, aocontrário,pedirqueascriançasfaçamdesenhosapartirdeumdeterminadotemade interessedapesquisa, como, digamos, a família ou a escola.Ouainda fornecermaterial, como recortes de imagens de revistas, para umacolagem. Pode-se, ainda, trabalhar alguns desenhos esquemáticos etemáticos com as crianças, de modo a melhor entender uma questãoespecífica— como, por exemplo, fez Toren, quando buscou entender arelação que as crianças de Fiji faziam entre hierarquia e espacialização,pedindo a elas que comentassem alguns esquemas de posicionamento depessoaselaboradospelapesquisadora.

Tendoosdesenhosemmãos,opesquisadorpodepediràscriançasqueoscomentem,oumesmoqueelaboremhistóriasaseurespeito.Assim,terá

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emmãosmateriaisdiversos,mascorrelacionados,comosquais trabalhar.Histórias elaboradas pelas crianças e dramatização de situações,mais oumenosdirigidas,têmtambémsidoutilizadasporantropólogosquebuscamentenderopontodevistadascrianças.

Os registros audiovisuais têm-se provado de grande valia para apesquisa,desdeosestudospioneirosdeMargaretMeadeGregoryBateson.Comosempre,os interessesepressupostosdapesquisaditam,dealgumaforma,osregistrostomadosesuainterpretação.Valelembrarqueelesnãosãogarantiadeumamaiorobjetividadeou imparcialidade:deum lado, aescolha do que registrar é informada pelos interesses e pelo foco dopesquisador; de outro, as crianças de algum modo irão interagir comcâmeras e gravadores, tornando esta uma das modalidades possíveis deexercíciode sua fala e ação.Feita essa ressalva, tais registros podem sermuito produtivos e ricos, e podem, como foi o caso daquele estudopioneiro, fornecer uma narrativa propriamente visual, relativamenteautônomaaotextoeàsexplicaçõesanalíticas.

As combinações tornam esse elenco de metodologias e técnicaspotencialmente infinito. Podemos dar asas à imaginação, e pensar noregistro audiovisual realizado pelas crianças sobre o seu mundo, ematividades escolhidas por elas... O essencial, em todos esses casos, éaproveitar desses meios e dessas técnicas o que elas podem oferecer dopontodevistadascriançassobreomundoesuainserçãonele.

Umaantropologia que trata das crianças, porém,nãoprecisa ser feitaapenas ao tomá-las como sujeitos privilegiados de interlocução. Porexemplo,umestudofeitoemumaescola,ouemumabrigoparacriançasem situação de risco, pode ganhar muito ao se debruçar sobre o que osprofissionais que lidam com as crianças pensam sobre elas e sobre suaatividade, assim como sobre o que eles próprios (e também elas) fazem,deixamdefazeroudeveriamfazer.

Mais que isso, a pesquisa pode ser realizada sem o advento daobservação participante e da interlocução direta com as crianças.Retomando as provocações do início do texto, podemos pensar em umapesquisa realizada a partir de textos literários sobre as memórias “dostempos de menino”, discutindo a partir deles a imagem de infância quecriam. Literatura, cinema, textos jurídicos e legislação, documentos deinstituiçõesdeassistênciaàcriança,emuitosmais,podemserfontesricasparaa reflexão sobreoqueé ser criançae sobre suaaçãonomundoemcontextosespecíficos.

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Conclusões:ascriançasdaquiedelá

Se os campos de interesses e temas de uma antropologia da criança sãomuitos e variados, devemos concluir refletindo sobre o que faz de umestudo que tenha a criança como foco “antropologia”. Porque, comodissemosjádeinício,sãomuitasasespecialidadesacadêmicasecientíficasque têm refletido sobre a criança, sobre a infância e sobre suas ações einterações.

Podemoscomeçararesponderaessaquestãonegativamente:nãoserãoos métodos ou as técnicas e instrumentos de pesquisa que tornarão umestudo sobre a criança propriamente antropológico. Por exemplo, umpedagogopodeseutilizardaobservaçãoparticipanteedainteraçãocomascrianças para realizar um estudo que é pautado pelos interesses e pelocampo de conhecimentos das ciências da educação. Para que sejaantropologia, portanto, esse estudo deverá se inserir no campo deconhecimento, nos pressupostos analíticos e no arcabouço conceitualpróprioaessadisciplina—ocampoquetemosapresentadoaqui.

Tampouco as técnicas de pesquisa são definidoras, por si só, de umestudo antropológico.Como já afirmamos acima, uma pesquisa pode serrealizadapormeiodeanálisesdedocumentosoudeumconjuntodefilmes,continuando a ser antropologia apesar de prescindir da observaçãoparticipante,tãofreqüentementeconsideradadefinidoradainserçãodeumapesquisa nesse ramo do conhecimento. Uma análise de fenômenoslocalizadosna história, ou em um tempo passado, pode resultar em umareflexãomaisantropológicaquehistóricaouhistoriográfica,adependerdasquestõesquelevanta,dodebatequeefetua,docampodeconhecimentoemqueseinsere.

Porfim:aantropologiadacriançanãoselimitaaoestudodascrianças“de lá”, de outras culturas e sociedades. Como no que diz respeito adiversos outros temas, os antropólogos têm realizado pesquisas sobrefenômenos e temaspróximosde seuprópriomeio social, e com sucesso.Elestêm,porém,delidarcomumadificuldadequeaquelesqueviajamparaterrasdistanteseculturasaelesestranhasnãoenfrentam.Na realidade, écomo se as dificuldades fossem simetricamente opostas: se ao setransportar a outrosmundos e culturas o antropólogo temque reaprendertudo, do modo de se sentar à mesa ao valor definidor da humanidade,

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aquele que pesquisa em suas vizinhanças tem de evitar a ilusão doconhecimentoprévio, dopré-conhecido.Paraum, tudoé estranhoedeveseraprendidoeapreendidodemodoamploparacomeçara fazersentido;paraoutro,tudoparecenormaleconhecido,eeledevesercapazdereverere-aprenderoquelheparecetãonatural.

Ambasas situaçõesapareceramdiversasvezesneste livro, tendo sidopontuadasmaisoumenosdiretamente.Comovimos,pararesponderaumaquestãoaparentemente simples, comooqueé ser criançaparaosXikrin,tivemos que lançar mão de elementos que não saberíamos relevantes deantemão, como a pintura corporal e sua expressão do encerramento doperíododevidaquepudemosreconhecercomorelativoàcriança.Masjásesugeriu também que só podemos entender os códigos legais relativos àinfância se nos referirmos à concepção de infância que a baseia. É essaconcepção,decorrentedoadventodo“sentimentodainfância”,quelevaàidéiadifundidanasleisenosensocomumdequecabeàcriançabrincarese divertir, em oposição direta ao trabalho. Obviamente, não se trata deafirmarqueascriançasdevemserinseridasnomercadodetrabalhodesdecedo,oudesconhecera importânciadasconquistas legais relativasaelas.Cabeapenas,comoumaprovocação,mostrarquealgojánaturalizado,ouseja, tomado semmaiores reflexões como um dado da natureza— essaidéiadequecabeàcriançabrincar,sedivertireaprender—énarealidadeconstruído social e historicamente, e assim deve ser tomado pelopesquisador.

Comojásedisse,deve-sesemprecomeçardocomeço,pormaisóbvioquepareçaoqueseobserva—outalvezpossasedizerque,quantomaisóbviopareceroquesevêeouve,maissedevedesconfiarebuscardesatarastramas.Porquenãoháimagemproduzidasobreacriançaeainfância,oupela criança, que não seja, de algum modo, produto de um contextosocioculturalehistóricoespecífico,doqualoantropólogodevedarconta.

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Referênciasefontes

• Os textos clássicosdeMargaretMead têmdiversas edições em inglês.Alguns livros foram traduzidos para o espanhol, com algumasmodificações no título, como Adolescencia y cultura en Samoa eEducacionyculturaenNovaGuinea.

•OestudodeBarbaraWardsobreochoroeaspráticassocializadorasemHong Kong está publicado em uma importante coletânea que reúne aspesquisas britânicas sobre o tema, intitulada Socialization: the Approachfrom Social Anthropology, organizada por Phillip Mayer em 1973(Londres:TavistockPublications).

• Os textos antropológicos de autores brasileiros pioneiros são muitoinstigantes, e valerão sempre a leitura. De Egon Schaden, há o artigo“Educação indígena”, publicado na revista Problemas Brasileiros (anoXIV, n. 152, pp.23-32) de 1976. De Florestan Fernandes, “Aspectos daeducação na sociedade Tupinambá”, publicado em uma coletâneaorganizada por Schaden nomesmo ano,Leituras de etnologia brasileira(SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional,pp.63-86).

•OsexemplosquetragosobreosXikrinprovêmdeminhapesquisaentreeles, realizada desde 1993, e abordam temas que discuto em textos eartigos, comopor exemplo “CrescendocomoumXikrin.UmaanálisedainfânciaedodesenvolvimentoinfantilentreosKayapó-XikrindoBacajá”,publicadoem2000pelaRevistadeAntropologia(v.43,no2,pp.195-222).

• Meadafirmaapossibilidadedesecompararascriançaseasimultâneanecessidadedeestudá-lasemseuscontextossocioculturaisespecíficosemum interessante livro que organiza em 1955 com Martha Wolfenstein,intitulado Childhood in Contemporary Cultures (University of ChicagoPress).

• A pesquisa de Maria Filomena Gregori está publicada em Viração:experiênciasdemeninosderua(SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2000).

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• A obra de Christine Toren é ampla. Recomendamos, para umaintrodução, o artigo “Making History: the Significance of ChildhoodCognitionforaComparativeAnthropologyofMind”(in:Man28,pp.461-78,1993).

•OlivrodeRichardPrice,intituladoFirstTime,trazosrelatossobreessetempoprimordial,alémdeumaintroduçãodoautorsobresuaimportânciana constituição de uma identidade social e sobre a transmissão desseconhecimento.

•JoannaOveringdemonstraarelaçãoentreoautocontroleeaaquisiçãode“contas de conhecimento” em diversos textos; veja-se por exemplo“Estruturas elementares da reciprocidade”, que teve uma traduçãorecentementepublicadapelarevistaCadernosdeCampo(vol.10).

• Há uma coletânea publicada em Cadernos Cedes (vol.18, no43,Campinas, dez 1997) que discute, do ponto de vista da antropologia, asligaçõespossíveisemteoriaepesquisaentreaantropologiaeaeducação.

• O Núcleo de Estudos e Pesquisas de Educação de 0 a 6 anos, daUniversidadeFederaldeSantaCatarina,temrealizadopesquisasedebatesque reúnem as reflexões e metodologias de pesquisa das ciências daeducação e antropologia, disponibilizando textos em seu site:http://ced.ufsc.br/%7Enee0a6/

• O texto de Eunice Nakamura, publicado na compilaçãomédica sobredepressão infantil Tratado de psiquiatria da infância e da adolescência(São Paulo: Atheneu, 2003), organizada por F.B. Assumpção Jr. e E.Kuczynski, oferece uma boa discussão sobre a interdisciplinaridade daantropologiacomasciênciasdasaúde.

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Leiturasrecomendadas

ARIÈS, Philippe.A criança e a vida familiar no Antigo Regime. (Lisboa:RelógioD’Água,1988.)

Esselivroinauguraumcampodepesquisaereflexão,odahistóriadainfância, e deve ser conhecido por todo estudioso que trabalha comcrianças. Para o que trabalha com aquelas próximas de seu meiosocial,évaliosoparalembrarqueainfâncianãoénaturaleuniversal,mas uma construção histórica, aberta amudanças e a variações quedevemserabordadas.Paraaquelequetrabalhacomcriançasdeoutroscontextos socioculturais, não será menos instigante e inspirador, epoderá lançar luzes à compreensão da concepção do que vem a sercriançanocasoespecíficocomquetrabalha.

FREITAS,MarcosCezarde(org.).HistóriasocialdainfâncianoBrasil.(SãoPaulo:Cortez,1997.)

DEL PRIORE, Mary (org.). História das crianças no Brasil. (São Paulo:Contexto,1999.)

FREITAS,MarcosCezardeeMoisésKuhlmannJr.(orgs.).Osintelectuaisnahistóriadainfância.(SãoPaulo:Cortez,2002.)

EssestrêslivrostrazemestudosdahistóriadainfânciaedascriançasnoBrasil, compondo um conjunto amplo que trata de concepções eexperiências. Não sendo antropologia no sentido estrito do termo,serão especialmente úteis para os pesquisadores que trabalham emrealidades sociais diretamente oriundas dessa história, seja em áreasrurais ou urbanas do país, permitindo-lhes contextualizar seus casosespecíficosemarcarcommaiorprecisãosuaparticularidadehistóricaesocial.

LOPESDASILVA,Aracy;MACEDO,AnaVeradaSilvaLopes&NUNES,Ângela(orgs.). Crianças indígenas. Ensaios antropológicos. (São Paulo:Global/Mari/Fapesp,2002.)

Livropioneiroda áreanoBrasil, reúne resultadosdepesquisas comdiversasetnias indígenasbrasileiras,abrangendo temasdiversos; trazaindaensaiossobreaproduçãobibliográficarelativaaotema.Éleitura

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importante especialmente para aqueles que realizam pesquisas nasquais têm que lidar com concepções e vivências das crianças emoutroscontextossocioculturais.

NUNES, Ângela. A sociedade das crianças A’uwe-Xavante. Por umaantropologiadacriança. (Lisboa: InstitutodeInovaçãoEducacional,1999,TemasdeInvestigação8.)

Resultado de pesquisa de mestrado realizada no Departamento deAntropologiadaUniversidadedeSãoPaulo,esse livro traz,alémdeuma revisão bibliográfica, uma análise das crianças xavante (grupoindígena de língual jê, do Mato Grosso) em seu cotidiano, comatençãoespecialàssuasbrincadeiras.

GREGORI,MariaFilomena.Viração.Experiências demeninos de rua. (SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2000.)

Esse livro é a publicação da tese de doutorado da autora, e traz umestudoamploeabrangentedosmeninosderuadeSãoPaulo,apartirde uma etnografia. Aborda sua circulação por vários espaços,acompanhando-osnasruas,nasinstituições,ediscutindosuasrelaçõescom a família, outra vertente desse ir-e-vir. Aborda, ainda, aidentidadequeessesmeninoscriamparasi,emdiálogodiretocomaimagem criada sobre eles. É de grande interesse para aqueles quebuscam um estudo aprofundado e crítico sobre uma experiência deinfânciaarespeitodaqualmuitosefalaequenemsempreseconhece.

ALVIM,Maria Rosilene Barbosa e Lúcia do PradoValladares. “Infância esociedade no Brasil: uma análise da literatura”. (in:BIB—BoletimInformativoeBibliográficodeCiênciasSociaisno26,1988.)

Levantamentopioneirodaprodução científicaque temcomo temaainfância noBrasil até a décadade 1980.Esse artigo contextualiza odebate nas ciências sociais, e apresenta como os temas foram seconfigurando,comespecialênfasenainfânciapobre.

RIZZINI, Irene.Acriançaea leinoBrasil—revisitandoahistória (1822-2000).(Brasília-RiodeJaneiro:Unicef-Edusu,2002.)

EssetrabalhocomentaeanalisaosprincipaismomentosdaassistênciajurídicaàcriançanoBrasil,permitindoqueseentendaotratamentododireito e o estatuto legal da infância na história do país desde oImpério,bemcomoseuspressupostosemotivações.

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Sobreaautora

Clarice Cohn nasceu e se criou em São Paulo. Durante a graduação emciênciassociaisnaUniversidadedeSãoPaulo,fez,em1993,suaprimeiravisita aos Mebengokré-Xikrin do rio Bacajá, no Pará. Desde então, vaisempre que pode, realizando com eles suas pesquisas de mestrado edoutorado,noDepartamentodeAntropologiadaquelaUniversidade(paraoque bolsas e auxílios à pesquisa da Fapesp e doCNPq foram de grandeajuda).

Trabalha com a antropologia da criança desde essa primeiraexperiência, e fez dela o tema de seu mestrado (A criança indígena. Aconcepção de infância e aprendizado entre osKayapó-Xikrin doBacajá,defendido em 2000). Participou da equipe de pesquisa “Antropologia,História e Educação” do Mari — Grupo de Educação Indígena daUniversidadedeSãoPaulo,financiadapelaFapesp,de1995a2000.

Atualmente, dedica-se aos temas da antropologia da criança(especialmente no debate de Etnologia Indígena) e educação escolarindígena, tendo diversos artigos publicados a respeito. É professora deantropologianaUniversidadeFederaldeSãoCarlos.

E-mailparacontato:[email protected]/~nee0a6/clarice.html(Dissertaçãodemestrado)www.ufscar.br/ppgas/

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ColeçãoPASSO-A-PASSO

Volumesrecentes:

CIÊNCIASSOCIAISPASSO-A-PASSO

Sociologia do trabalho [39], José Ricardo Ramalho e Marco AurélioSantana

Origensdalinguagem[41],BrunaFranchettoeYonneLeite

Antropologiadacriança[57],ClariceCohn

Patrimônio histórico e cultural [66], Pedro Paulo Funari e Sandra deCássiaAraújoPelegrini

Antropologiaeimagem[68],AndréaBarbosaeEdgarT.daCunha

Antropologiadapolítica[79],KarinaKuschnir

Sociabilidadeurbana[80],HeitorFrúgoliJr.

Pesquisandoemarquivos[82],CelsoCastro

Cinema,televisãoehistória[86],MônicaAlmeidaKornis

FILOSOFIAPASSO-A-PASSO

Estética[63],KathrinRosenfield

Filosofiadanatureza[67],MárciaGonçalves

Hume[69],LeonardoS.Porto

Maimônides[70],RubénLuisNajmanovich

HannahArendt[73],AdrianoCorreia

Schelling[74],LeonardoAlvesVieira

Niilismo[77],RossanoPecoraro

Kierkegaard[78],JorgeMirandadeAlmeidaeAlvaroL.M.Valls

Filosofiadabiologia[81],KarlaChediak

Ontologia[83],SusanadeCastro

JohnStuartMill&aLiberdade

[84],MauroCardosoSimões

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Filosofiadahistória[88],RossanoPecoraro

PSICANÁLISEPASSO-A-PASSO

Asublimação[51],OrlandoCruxên

Lacan,ograndefreudiano[56],MarcoAntonioCoutinhoJorgeeNadiáP.Ferreira

Linguagemepsicanálise[64],LeilaLongo

Sonhos[65],AnaCosta

Políticaepsicanálise[71],RicardoGoldenberg

Atransferência[72],DeniseMaurano

Psicanálisecomcrianças[75],TeresinhaCosta

Feminino/masculino[76],MariaCristinaPoli

Cinema,imagemepsicanálise[85],TaniaRivera

Trauma[87],AnaMariaRudge

Édipo[89],TeresinhaCosta

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Copyright©2005,ClariceCohn

Copyrightdestaedição©2010:JorgeZaharEditorLtda.

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Ediçãoanterior:2005

Capa:SérgioCampante

ISBN:978-85-378-0289-2

ArquivoePubproduzidopelaSimplíssimoLivros

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Índice

Sumário 4Introdução 5Estudospioneirosemantropologia 8Umanovaantropologiadacriança 13Acriançaeainfância 15Acriançaatuante 19Acriançaprodutoradecultura 23Educaçãoeaprendizagem 26Umapalavrasobreinterdisciplinaridadeeaplicaçãodapesquisa 29

Metodologiasetécnicasdepesquisa 32Conclusões:ascriançasdaquiedelá 35Referênciasefontes 37Leiturasrecomendadas 39Sobreaautora 42Coleçãopasso-a-passo 43Copyright 45

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